Uma ca(u)sa chamada Angola

Page 1

www.advocatus.pt

Passeio Público

Ana Duarte

O Direito não era para ser o seu destino, mas, numa decisão de última hora, abandonou a sua paixão – Filosofia – e entregou-se à advocacia. Prática que a tem conquistado ao longo dos anos. Aos 44 anos, Teresa Boino gosta da adrenalina da profissão e da capacidade de ajudar os outros, principalmente quando isso se refere ao seu país de origem – Angola

Ramon de Melo

Uma ca(u)sa chamada Angola

O dia de trabalho de Teresa Boino, sócia da BPO Advogados, começa habitualmente por volta das 9h00. Ao longo do dia divide-se entre trabalho de gabinete, conferências, representação do escritório, viagens… um autêntico frenesim. É assim há 22 anos. Desde que se tornou advogada, os dias têm um ritmo alucinante, mas isso é algo que agrada a esta jurista enérgica que gosta de 20

Maio de 2012

sentir adrenalina no que faz. O Direito não foi a sua primeira opção. O que a apaixonava verdadeiramente era a Filosofia. Sentia que era a sua “tendência natural”. Ler, analisar e discutir teorias filosóficas eram o seu passatempo de eleição desde os 15 anos, quando entrou no 10.º ano e descobriu esta cadeira. Aos 18, chegava a altura de decidir o futuro. Parecia estar tudo traçado

Viu no Direito a especulação e a teoria que tanto lhe agradavam, aliadas a uma vertente mais prática

para seguir Filosofia. Mas, antes de fazer a escolha final, Teresa achou que devia ponderar bem a decisão. E concluiu que era uma pessoa demasiado prática para passar a vida a dar aulas ou a fazer investigação. Proveniente de uma família de engenheiros e professores, viu no Direito a especulação e a teoria que tanto lhe agradavam, aliadas a uma vertente mais prática. O agregador da advocacia


www.advocatus.pt

Teresa com a família em Angola (a mais nova ao centro)

Empolgada com o que a esperaria na vida universitária, ingressou na Faculdade de Direito de Lisboa. Mas o primeiro impacto foi péssimo. Teresa sentiu-se desiludida com o ensino universitário em Portugal, principalmente em comparação com o conhecimento que tinha, através de colegas, do ensino na América do Norte e em Inglaterra. O entusiasmo deu lugar à desilusão com um tipo de ensino demasiado “austero”. Ainda assim não desistiu. E hoje confessa que fez bem em continuar. No terceiro ano, o curso tornou-se mais interessante. A partir daí começou a ser conquistada pelo Direito, ainda que, devido ao espírito inquieto que a caracteriza, tenha necessidade de sentir diferentes experiências dentro do mundo da advocacia. Através do Direito consegue estar mais ligada à vida real e ajudar os outros. É com esse sentido de missão que Teresa continua a trabalhar por uma incumbência que atribuiu a si própria há bastantes anos – ajudar o seu país. Natural de Angola, da província do Kwanza Sul – onde viveu até aos oito anos -, Teresa viu a vida muO agregador da advocacia

Em Moscovo, na Praça Vermelha

Empolgada com o que a esperaria na vida universitária, ingressou na Faculdade de Direito de Lisboa. Mas o primeiro impacto foi péssimo. Teresa sentiu-se desiludida com o ensino universitário em Portugal

Numa das suas viagens de regresso a Angola

dar de um momento para o outro, quando em 1975 a guerra rebentou no país e a família foi obrigada a vir para Portugal. A sua realidade mudou completamente: abandonou Angola, o sítio onde vivia e tudo o que conhecia. Recorda, como se fosse hoje, o dia em que aterrou em Lisboa. No caminho para a casa de uns familiares não tirava os olhos do vidro do carro, pasmada com a altura dos prédios, a paisagem, o clima, o movimento, o ruído. Era como se a “selvagem chegasse à cidade”, conta. Para a advogada, a “infância acabou aos oito anos”. Os pais sempre tinham vivido em Angola, onde tinham construído toda a sua vida. Em Portugal não tinham nada. Por isso, os primeiros tempos foram bastantes difíceis. Viram-se obrigados a começar de novo aos 40 anos, um esforço que Teresa sempre reconheceu. A sócia da BPO lembra-se bem do tempo em Angola. “A vida era quente, despreocupada, era tudo doce e suave”, recorda. Grande parte do dia era passado no terreiro de casa, onde se entretinha a secar café, em

tardes bastante quentes. Vivia no meio dos animais, das árvores, podia ouvir os guinchos dos macacos e de noite as hienas que a levavam a esconder-se debaixo da cama. Ao chegar a Portugal o cenário mudou por completo. Passou a morar num apartamento, inicialmente partilhado com os primos. Era necessário “organizar a vida”. Apesar da tenra idade, começou a ter um sentido de responsabilidade muito grande, que a levou a destacar-se na escola. Era uma forma de compensar os pais por todas as adversidades que tinham de enfrentar. Teresa mantinha a esperança de poder regressar à sua terra. Recorda que um dos pensamentos que teve na viagem para Lisboa foi o de que iria voltar a Angola e fazer algo pelo seu país. Regressou pela primeira vez no início da década de 90, por motivos familiares. O país ainda se encontrava em guerra e “Luanda era uma cidade sitiada e a descida para o aeroporto era quase uma visão do inferno”, conta. Quando lá chegou, encontrou-a destruída e excessivamente povoada. Apesar de antes >>>

Maio de 2012

21


www.advocatus.pt

Passeio Público

>>>

Recorda, como se fosse hoje, o dia em que aterrou em Lisboa. No caminho para a casa de uns familiares não tirava os olhos do vidro do carro, pasmada com a altura dos prédios, a paisagem, o clima, o movimento, o ruído. Era como se a “selvagem chegasse à cidade”

viver no Kwanza Sul, não era assim que a recordava. Através do exercício da advocacia conseguiu aproximar-se mais de Angola. Depois de terminar a faculdade, chegou à prática. Exercia principalmente na área de Contencioso, com muitos julgamentos, o que era concomitantemente estimulante mas desgastante. Durante dez anos fez Contencioso, o que lhe exigia uma grande exposição e desafio público que lhe dava uma “adrenalina do momento”. Apreciava a “encenação de tribunal”, a aposta na retórica e na persuasão. No entanto, a partir de certa altura, começou a não ser suficiente. O trabalho de tribunal, aliado à morosidade e ao poder dos juízes, começou a ser demasiado frustrante para a agora sócia da BPO. Decidiu que tinha de experimentar outras coisas. Foi nesse sentido que aos 35 anos, com uma década de exercício da advocacia, se virou para a área negocial. O estágio em Angola surgiu como forma de cumprir o que tinha prometido a si própria ao abandonar a terra mãe: “Vou-me embora mas vou regressar!”. A oportunidade surgiu em 2002. Angola parecia ser um mercado de futuro e Teresa decidiu arriscar. O estágio demorou pouco mais de dois anos mas a advogada

Com o passar do tempo e as constantes deslocações ao país foi aumentando a carteira de contactos, o que se traduziu em projetos na área do investimento. Em 2007 obteve a cédula angolana, tornando-se advogada nos dois países

nunca deixou de viver em Portugal, indo com regularidade a Angola para fazer as intervenções previamente agendadas pelo escritório angolano. Com o passar do tempo e as constantes deslocações ao país foi aumentando a carteira de contactos, o que se traduziu em projetos na área do investimento. Em 2007 obteve a cédula angolana, tornando-se advogada nos dois países. Desde então, o caminho tem sido progressivo. A BPO, sociedade de que é sócia, surgiu em 1993 fruto de uma parceria com colegas de faculdade. O projeto foi sendo construído e consolidado. Tem, inclusive, recebido convites para ser integrada ou fundida noutras firmas. “As propostas têm sido apetecíveis”, admite Teresa, “mas não o suficiente”. É que para uma sociedade que tem tido um percurso bastante independente é difícil a ideia de integração ou fusão. Apesar da entrega ao trabalho, há algo de que Teresa não prescinde – os fins-de-semana. É nesse tempo que aproveita para estar com a família e os amigos, fazendo o que mais gosta. “O fim-de-semana é sagrado” é uma das “regras” que domina em casa de Teresa, que acredita que assim consegue uma melhor gestão do tempo.

viagens

A “angolana da Europa do norte” Viajar é das atividades que mais gosta de fazer. Fá-lo bastante em trabalho, mas quando é para ir de férias foge dos sítios onde costuma ir profissionalmente. Apesar de só ter 15 dias de férias por ano, tenta aproveitá-los da melhor forma – a viajar. E sempre na melhor companhia – a família. A advogada confessa-se uma apaixonada pela “velhinha Europa”. Costuma, inclusive, intitular-se “angolana da Europa do norte”, devido à perdição que tem pelos fiordes da Noruega. Itália, França, Inglaterra são países de eleição. Mas não esquece a viagem que fez à Rússia, no-

22

Maio de 2012

meadamente a S. Petersburgo e Moscovo. Tem viajado principalmente pela Europa e América do Norte, não só por serem áreas que lhe agradam bastante mas também pelo facto de não serem viagens tão grandes. Até porque quando as duas filhas eram mais pequenas era difícil fazer viagens longínquas. Também aqui Teresa tem uma regra: já que o tempo é pouco, as viagens são sempre em família. Por enquanto, o mundo oriental tem estado mais esquecido, mas há um destino que está nos seus planos – Istambul.

O agregador da advocacia


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.