> Desbravando ideias Angaturama No sudeste de Minas Gerais, este pequeno vilarejo transpira simplicidade e calmaria POR BRUNA LUZ
E
strada de chão, buzinadas com acenos amigáveis de braço para desconhecidos, um cenário verde que respira liberdade, misturado com o marrom da poeira, vacas, bois, galinhas e cheiros inconfundíveis de pasto: eis que surge o vilarejo mineiro pouco conhecido, de aproximadamente 2000 habitantes: Angaturama. O vento gosta de caminhar pela alma boa – nome da cidade em Tupi Guarani- , acariciando as folhas das árvores e movimentando a poeira da estrada. No centro da vila, há pequenos bares
com personalidades curiosas. O primeiro, o bar do “Sainha”, e o segundo, o bar do “Gordinho”. Figuras que vendem de chiclete a chinelo, de lâmina de barbear a salgadinhos. Os jogos de futebol exibidos na televisão são acompanhados por amigos que se reúnem no bar do primeiro e crianças jogando sinuca e pebolim. Há sinal para celular – recentemente inserido – e wi-fi aberto, mas para utilizá-lo é preciso ir até a pracinha que fica entre ambos os bares mencionados. Não há barulho de
sirene e alarme, trânsito, confusão, nem tampouco ar poluído. A vila exala calmaria e quietude, e não é difícil imaginar uma bola de feno passando pela estrada, tal como os filmes de western americanos. À noite, a vila tornase uma imensa galáxia, repleta de estrelas e constelações. É possível contá-las e gastar horas observando-as e pensando como somos pequenos diante da beleza silenciosa e fatal do céu. Às vezes, se é presenteado com uma lua cheia que lhe faz refletir sobre a vida sem ver o tempo passar.
Nesta pequena amostragem de campo vive Dona Celme, uma senhora de respeitosos oitenta e quatro anos. Pequena, com os cabelos curtos e cinzentos – nunca pintados – com seus óculos de armação na cor salmão, dedos finos e pequenos que fazem sua aliança dançar, unhas pintadas – geralmente de vermelho ou rosa claro- e uma pele fina e delicada como a porcelana. Seus tricôs beneficiam pequenos seres e ajudam mães preocupadas com a chegada do inverno. Azuis, amarelos, brancos, rosas: a senhora faz conjuntos de sapatinhos, luvas e agasalhos para os recém nascidos, embora agora
tenha dado um tempo devido a várias dores que vem sentindo. Em sua casa, com um imenso quintal que reproduz goiaba, acerola, laranja, limão e jabuticaba, há um elemento que faz toda a diferença na preparação dos alimentos: o fogão à lenha. Velhinho, já cozinhou uma imensa variedade de pratos, de doces a salgados. E tudo fica mais saboroso: o arroz “unidos venceremos”, a carne de porco – especialidade da senhora -, os diversos doces que demoram a ser feitos mas que valem a pena cada colherada: doce de leite, mamão e figo, goiabada, pé de moleque e seu famoso rocambole de doce de leite.
Dona Celme não gosta da cidade. Não gosta de ficar trancada dentro de casa sem poder conversar com suas comadres e nem de utilizar o elevador. Fica pronta uma hora antes do combinado para sair de casa. Ora quieta, ora falante, muitas vezes não termina de contar uma história por não conseguir parar de rir. A pequena senhora representa parte da vila que começou a se modernizar, mas ainda preserva seus traços antigos, como andar a cavalo, ir até a casa de alguém ao invés de utilizar o telefone para se comunicar e oferecer café a quem passa. A simplicidade ainda paira pela cidade fundada em 1890.
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> QUEM
B
runa Luz é viajante. Do tempo, do espaço, de sentimentos, aromas e sabores. É outra constantemente, como diria Fernando Pessoa, “por a alma não ter raízes de viver de ver somente!”. Curiosa, gosta de olhar até para o chão e encontrar sentido no que não se deixa revelar. Memórias, pessoas, lugares. Não coisas. A poesia se faz no dia a dia, através de árvores que dançam e ventos que sussurram aos ouvidos histórias nunca antes ouvidas pela humanidade.
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