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por André Borges Lopes*
TRABALHANDO COM IMAGENS RAW A possibilidade de extrair de algumas câmeras digitais imagens no formato RAW, abre novas possibilidades de ajuste e entusiasma os fotógrafos profissionais. Veja o que é possível fazer com esses arquivos usando as novas ferramentas do Photoshop CS novo Photoshop 8 – rebatizado “CS” pela Adobe em função do novo pacote de aplicativos Creative Suite – pode ser considerado um upgrade importante na história do mais tradicional programa de edição de imagens bitmap do mercado. Embora boa parte das funções e ferramentas de tratamento e retoque tenha permanecido inalteradas em relação às da versão 7, o CS incorpora novos recursos de peso especial para um grupo de usuários que cresce rapidamente em importância no mercado: os fotógrafos que utilizam câmeras digitais. Para esses usuários, duas novidades já valem o custo da atualização: um novo e muito mais eficiente File Browser – que incorpora os recursos desenvolvidos para o aplicativo Photoshop Album e transforma o CS em uma poderosa ferramenta de arquivamento e organização de imagens – e a possibilidade de abrir e editar fotografias digitais RAW, formato disponibilizado por um bom número de câmeras, em especial nos equipamentos profissionais ou semiprofissionais mais sofisticados. A bem da verdade, essa possibilidade já existia no Photoshop 7, desde que o usuário se dispusesse a comprar um plug-in adicional, vendido separadamente pela Adobe desde fevereiro de 2003. No Photoshop CS o recurso já vem incluído e, além disso, foi aprimorado e ganhou novas funções. O número de câmeras suportadas também aumentou significativamente e já chega a 40 modelos. Mas, afinal de contas qual é a vantagem em importar essas misteriosas imagens RAW em comparação com os formatos tradicionais, como JPEG e TIFF? Para compreender e, de certa forma, desmistificar esses arquivos é preciso entender um pouco do funcionamento das câmeras digitais.
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Brutos, cinzentos e cheios de informação Diferentemente dos demais formatos de imagem – tais como TIFF, EPS, JPEG, PICT etc – o chamado “formato RAW” não obedece a um padrão uniforme e normalizado, para o qual existe um método único de abertura e interpretação. Trata-se de um “formato proprietário”: cada fabricante de câmeras digitais utiliza um tipo específico
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de RAW, e mesmo as câmeras de uma mesma marca podem gerar arquivos RAW diferentes, de acordo com suas características. Por isso, para abrir e interpretar corretamente um arquivo desse tipo o software precisa dispor de informações específicas sobre o equipamento em que ele foi gerado. As câmeras digitais substituem o filme por dois tipos diferentes de dispositivos fotosensíveis – CCDs (Charge Coupled Devices) ou CMOS (Complementary Metal Oxide Semiconductor) – plaquetas recobertas por milhões de células fotoelétricas miniaturizadas, responsáveis por transformar a luz recebida em sutis impulsos elétricos. Esses impulsos são enviados a um conversor analógico-digital que analisa o montante de energia recebida e define os valores a serem atribuídos a cada “pixel” da imagem digital capturada, ordenadamente organizados em um arquivo. Esse primeiro lote de informação “bruta” (o arquivo RAW) passa então por um sofisticado processamento, executado pelo software interno da câmera digital, dando origem aos arquivos finais (normalmente nos formatos padrão JPEG ou TIFF) que são armazenados no cartão de memória da máquina. Para capturar imagens coloridas, a luz que entra na câmera precisa ser desmembrada nos seus componentes básicos Vermelho, Verde e Azul (RGB), que devem ser registrados separadamente. Nos filmes fotográficos, esse problema foi resolvido pela sobreposição de três ou mais camadas de películas fotossensíveis, cada uma delas sensibilizada por uma cor (ou, mais tecnicamente, por uma faixa de comprimento de onda luminosa). Revelado o filme, a porção sensibilizada de cada camada adquire uma tonalidade específica, que permite a recriação da imagem – negativa ou positiva, conforme o tipo do filme. No nível atual de tecnologia, os CCDs e CMOS não podem ser montados em camadas. Assim, a luz das imagens deve ser decomposta com auxílio de filtros RGB antes de ser registrada pelos dispositivos. Em algumas máquinas fotográficas de estúdio – especializadas em registrar objetos perfeitamente estáticos – esse problema é resolvido com o emprego de três exposições sucessivas, cada uma utilizando um dos filtros. As três imagens obtidas são então
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recompostas em um arquivo RGB. Por motivos óbvios, essa solução não pode ser aplicada no registro de objetos em movimento, ou em câmeras que não estejam solidamente imobilizadas em um suporte. As demais câmeras digitais utilizam outra solução: as células disponíveis são divididas entre os compontes R, G e B, recebendo microscópicos filtros cromáticos. Há diversas estratégias para fazer essa distribuição, mas, normalmente, existem dois filtros verdes para cada vermelho a azul – em razão da maior sensibilidade do olho humano para os tons de verde (alguns modelos novos, como a Sony F828, utilizam dois tipos de verde ligeiramente diferentes).
As câmeras digitais dividem os sensores dos CCDs ou CMOS entre as cores vermelha, verde e azul (RGB) na captura do arquivo RAW. É o software do equipamento quem se encarrega de interpolar as cores para produzir imagens coloridas com pixels compostos de três canais.
Assim, na realidade, a maior parte das câmeras digitais captura uma única imagem em tons de cinza (grayscale) que é posteriormente desmembrada pelo software do equipamento em três canais, num processo conhecido como “interpolação de cores”. Durante a interpolação, o software altera a influência de cada canal para justar o balanceamento dos tons de branco, automaticamente ou de acordo com as instruções inseridas pelo fotógrafo na câmera ao fazer a foto. Portanto, o arquivo RAW de uma foto em cores é, na realidade, uma imagem grayscale, e o balanceamento de branco (white balance) é executado por software, depois da captura do RAW.
Alterando a sensibilidade Outra diferença importante entre a captura convencional e digital de imagens passa pela sensibilidade dos sensores à luz. No caso dos filmes, essa característica é definida pelo valor ISO/ASA da emulsão fotossensível: as películas de valor ISO mais alto exigem menos exposição à luz. Nos CCDs e CMOS das câmeras digitais, essa sensibilidade é uma característica física do dispositivo, que não pode ser alterada. Os fotógrafos, no entanto, necessitam dessa flexibilidade para ter maior liberdade ao ajustar os valores de abertura e tempo de exposição da câmera às necessidades de cada foto. Por isso, as boas máquinas digitais permitem simular diversos valores ISO de sensibilidade. A possibilidade de alterar livremente esse ajuste a cada foto é, inclusive, uma das grandes vantagens do sistema digital sobre o filme. Como a sensibilidade dos sensores é fixa, o problema também é resolvido pelo software da câmera digital, por meio da aplicação de uma curva de correção de luminosidade no arquivo RAW capturado – tomando como base o valor ISO utilizado no ajuste da máquina – antes de gerar o TIFF ou JPEG (a informação ISO, assim como a abertura, o tempo de disparo, temperatura de luz e muitas outras são armazenadas pela câmera como metadados no arquivo da foto).
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Nos bons equipamentos, o arquivo RAW é capturado com 16 bits/pixel, e pode armazenar milhares de gradações de meio-tons entre as áreas claras e escuras da foto. Dessa forma, mesmo depois da aplicação das curvas de ajuste é possível preservar um mínimo de 256 tons nos canais RGB da imagem final. Ao abrir o arquivo RAW e fazer manualmente o ajuste de sensibilidade, o fotógrafo pode aplicar apenas a correção estritamente necessária – minimizando a possibilidade de perda de meio-tons e de surgimento de ruídos nas áreas de sombra. Fazendo uma analogia rasteira com a fotografia convencional, o RAW seria como o filme negativo, que – dentro de certos limites – pode ter a luz ajustada e as cores balanceadas no momento da ampliação.
Prós e contras Obviamente, nem tudo são flores no uso de imagens RAW. Em primeiro lugar, nem todos os equipamentos digitais oferecem a opção de armazenar o arquivo no formato bruto, e o Photoshop CS só abre os RAW gerados por alguns modelos. Em abril desse ano a Adobe disponibilizou para download um update do plug-in Camera RAW (versão 2.2) e com acesso aos arquivos de novas máquinas. A lista completa de equipamentos suportados pode ser verificada na página www.adobe.com/products/photoshop/cameraraw.html Outro inconveniente do uso do formato RAW é o tamanho relativamente grande dos arquivos. Quem está acostumado a usar apenas imagens JPEG pode se espantar com fotos bem maiores que lotam rapidamente os cartões de memória das máquinas. Uma imagem de 14 megapixels (4.500 X 3.000 pixels) das novas Kodak DCS Pro SLR/c ocupa por volta de 14 Megabytes em formato RAW, bem mais que os cerca de 4 MB da mesma imagem em JPEG de alta qualidade. Pouco, no entanto, se comparado aos quase 39 MB do arquivo RGB de 8 bits em modo TIFF não compactado. Por fim, é bom não esperar milagres do novo formato. A alternativa de ter acesso ao arquivo RAW de uma velha (?!) Nikon D1 possivelmente pode possibilitar um melhor ajuste de luz, cores e nível de ruído nas fotos. Mas não vai melhorar a resolução de captura da máquina, limitada a pouco mais que dois megapixels, nem aumentar significativamente a possibilidade de ampliação. Além disso, a opção de descartar as conversões automáticas do software da câmera e realizar manualmente os ajustes no RAW é tarefa para profissionais com razoável experiência em fotografia no mundo das imagens digitais.
Básico ou Avançado Os arquivos RAW podem ser salvos com variadas terminações (sufixos): NEF nas Nikon, CRW ou CR2 nas Canon, DCR nas Kodak, etc. Ao abrí-los o usuário do Photoshop CS é apresentado a uma ampla janela onde surge em destaque um bom “preview” da foto (em tamanho ajustável). No topo da janela, aparece o nome da câmera e os ajustes utilizados pelo fotógrafo. Abaixo do preview há uma série de informações sobre o arquivo final RGB que se pretende gerar: espaço de cor ICC, profundidade de bits (8 ou 16), número de pixels e resolução.
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A janela de abertura dos arquivos RAW mostra um bom preview da imagem, em tamanho ajustável. No modo avançado, permite realizar uma infinidade de ajustes no arquivo antes de convertê-lo ao formato final. Um dos mais interessantes é a possibilidade de experimentar diversas compensações de balanço de branco.
À direita do preview o usuário encontra um histograma da foto e as paletas de ajuste do arquivo, que podem estar em modo básico ou avançado. São quatro paletas: Ajuste, Detalhe, Lentes e Calibração, as duas últimas restritas ao modo avançado. Normalmente o ajuste das paletas deve estar na opção “Padrão da Câmera” (camera default). O usuário pode alterar livremente os ajustes e salvar as novas predefinições (settings) para futuras utilizações. Na paleta Ajuste estão as principais informações sobre a compensação do tipo de luz a ser usado (white balance), controle de exposição e ajuste geral de aparência (brilho, contraste e saturação). Na paleta Detalhe, surgem as opções de aplicação de “unsharp mask” (com controle apenas de intensidade) e de redução dos “ruídos”da foto (divididos entre luzes e cores). Por default, a maioria das máquinas aplica algum nível de sharpening e remoção de ruídos na conversão de suas imagens RAW. Usuários que dominam bem o Photoshop preferem desligar essas opções e aplicar esses efeitos usando ferramentas bem mais flexíveis e poderosas disponíveis no próprio aplicativo. A paleta Lentes serve para corrigir algumas distorções que surgem com freqüência em fotografias tiradas com uso de lentes grande-angulares: “vinhetas” e “aberrações cromáticas”. Chama-se de “vinhetas” o escurecimento dos cantos das fotos, decorrentes da inclinação da luz nas bordas da imagem ao incidir sobre os sensores da câmera. Nessas situações, o software das máquinas digitais aplica correções automáticas para minimizar o problema. Ajustes visuais por meio dos controles de “vignetting amount” e “vignetting midpoint” permitem corrigir com grande perfeição esse tipo de distorções.
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Algumas máquinas digitais tentam compensar por meio do software esse problema, mas o acerto automático nem sempre é preciso. No módulo de importação de imagens RAW o fotógrafo pode fazer uma compensação absolutamente precisa, atuando de forma independente nos eixos R/C (verde-vermelho) e B/Y (azul -amarelo).
Conclusão
Os ajustes oferecidos nas paletas Detalhe e Calibração podem ser melhor realizados posteriormente, na imagem RGB aberta no Photoshop. Na paleta Lentes, no entanto, encontramos ferramentas que só são oferecidas para imagens RAW.
Outro problema comum no uso de grande-angulares é o surgimento de filetes de cores nas linhas de contraste da imagem (normalmente verdes e vermelhos ou azuis e amarelos). Essas “aberrações cromáticas” ocorrem porque os feixes de luz oblíqua sofrem uma refração ligeiramente diferente ao atravessar as lentes dependendo do seu comprimento de onda. Isso gera uma pequena distorção nas dimensões dos canais R, G e B, causando a impressão de “falta de registro” na foto.
O uso de lentes grande-angulares pode causar o surgimento de defeitos de captura nas imagens, aos quais as câmeras digitais são especialmente sensíveis: o escurecimento das bordas (à esquerda) e as aberrações cromáticas (à direita) podem ser facilmente corrigidos na paleta Lentes durante a conversão de imagens RAW.
O novo módulo de importação de imagens RAW do Photoshop CS é uma ferramenta bastante poderosa para os fotógrafos digitais avançados, que têm o hábito de manipular suas imagens após a captura. Utilizado com habilidade, pode corrigir problemas e pequenas falhas na exposição das fotos, aumentando a flexibilidade e a margem de erro das câmeras. É também um recurso interessante para profissionais de tratamento de imagens que lidam com padrões de qualidade extremamente elevados, desde que possam solicitar ao fotógrafo o envio das imagens “brutas”. Para a maioria dos que usam o Photoshop, a importação de imagens RAW é um recurso de utilidade restrita. O seu uso requer tempo de aprendizado e paciência para fazer manualmente algumas correções e ajustes que – ao menos na maioria das situações – o software das câmeras executa automaticamente de forma satisfatória. Além disso, o usuário não deve esperar milagres dessa nova ferramenta, pois os eventuais ganhos de qualidade são, quase sempre, bastante discretos.
Adobe www.adobe.com.br Tel.: 0800-161-009 * André Borges Lopes andre.lopes@dabra.com.br é editor contribuinte da Revista Professional Publish e consultor de pré-impressão
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