NO PAPEL
NOVO LIVRO AS TIRAGENS CAÍRAM. PORÉM, NUNCA HOUVE TANTOS TÍTULOS, NACIONAIS E ESTRANGEIROS, NAS PRATELEIRAS DAS LIVRARIAS E À VENDA PELAS LOJAS VIRTUAIS. O LIVRO AINDA VIVE, E RESPIRA FORTE! DAS BAIXAS TIRAGENS ÀS NOVAS POSSIBILIDADES DO LIVRO DIGITAL, VEJA O QUE AGUARDA O MERCADO EDITORIAL EM CURTO PRAZO.
Revista DESKTOP
NO BRASIL, 43% DO QUE É PUBLICADO NO SETOR EDITORIAL É DO SEGMENTO DIDÁTICO O brasileiro lê mais. O povo semi-letrado e que desprezava
LIVRO NO BRASIL
o hábito de se deleitar com um bom livro até cerca de vinte
O brasileiro lê mais. Ponto. A mesma afirmação que abre esta
anos atrás está mudando o perfil e, agora, dinamiza um novo
matéria é repetida aqui, porém, agora, com base em constata-
mercado que faz com que livrarias apostem em novos best
ções. Segundo o Ministério da Cultura (Minc), o brasileiro está
sellers, variem sua coleção de autores (qual “rato de livraria”
lendo cerca de 4,7 livros ao ano. Certo, ainda é baixo perto da
nunca topou com romances bem-sucedidos provenientes de
realidade de outros países, incluindo alguns vizinhos, como Ar-
países até então alijados do círculo editorial brasileiro, como
gentina, Chile e Uruguai. Mas é uma melhora para um povo cujo
Suécia, Islândia, Dinamarca, Afeganistão, Irã, Chile, Japão,
hábito de leitura mal chegava a dois livros por ano.
China, Nigéria etc?) e apostem em variados segmentos de
A pesquisa relatada pelo Minc data de 2008, ou seja, de lá para
leitores, desde aqueles que procuram por literaturas técnicas,
cá, com base no número crescente de títulos das livrarias (reais
até jovens, adolescentes, mulheres, degustadores de biogra-
ou virtuais) essa taxa deve ter crescido. Por exemplo, entre
fias e outros.
2000 e 2001, somente 49% da população era de leitores. O
Ou seja, livros não são mais objetos de adoração de intelectu-
levantamento foi realizado pelo Instituto Pró-Livro e executada
ais, nem terreno para títulos predominantemente norte-ameri-
pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope)
canos ou europeus. Hoje, boas livrarias disponibilizam acervos
e coordenada pelo Observatório do Livro e da Leitura (OLL).
ricos e variados.
Também se constatou que o hábito da leitura está decisiva-
Se é assim, os livros no Brasil passaram a ser um bom negócio,
mente ligado ao grau da educação. O Sul é a região do Brasil
certo? Deixaram de ser um hobby de pessoas letradas para se
onde mais se lê (5,5 livros ao ano), seguido do Sudeste (4,9).
constituir num mercado em franco desenvolvimento, correto?
Outra pesquisa interessante (e importante) foi feita pela SNEL
Caso contrário, por que redes, como Cultura, Laselva e Saraiva,
(Sindicato Nacional dos Editores de Livros). Nela, consta que o
expandiriam suas lojas?
brasileiro está comprando mais livros. A pesquisa, que data de
Bom, devemos ter prudência na resposta, apesar de, num pri-
2010, aponta um crescimento de 8,12% no faturamento do se-
meiro impulso, tendermos a incorrer no erro de responder: Sim,
tor editorial daquele ano, que ficou na casa dos R$ 4,5 bilhões.
livro tornou-se um ótimo negócio, o brasileiro lê mais, os títulos
A pesquisa foi realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas
são variados, para todos os gostos, e o mercado está aquecido.
Econômicas (FIPE/USP) e divulgada em agosto de 2011. Cento
Peralá. As coisas não são tão simples assim, principalmente
e quarenta e uma editoras (do total de 750) participaram, tota-
para quem está do outro lado da cadeia, ou seja, para quem
lizando 56% do universo do faturamento do setor.
imprime os livros.
A pesquisa detectou, ainda, que o número de exemplares
Qualquer um com um mínimo de conhecimento da realida-
vendidos cresceu de 387.149.234, em 2009, para 437.945.286,
de da indústria gráfica sabe que as editoras estão rebolando
em 2010. Em 2010, foram publicados 54.754 títulos, que
para ajustarem seus orçamentos, diminuindo suas margens,
representam um aumento de 24,97% em relação a 2009,
revisando contratos de direitos autorais e, sobretudo, sofrendo,
sendo 18.712 títulos novos. Ou seja, o editor tem apostado no
e muito, com a concorrência do livro eletrônico.
aumento da diversidade da oferta. O censo mostrou que das
Então, sendo assim, o mais prudente é analisar esse mercado
498 editoras ativas, 231 são empresas com faturamento de
sob várias ópticas. Somente assim se pode ter uma visão real-
até R$ 1 milhão.
mente consistente do que está ocorrendo “além das pratelei-
No Brasil, 43% do que é publicado no setor editorial é do seg-
ras” e, talvez, realizar prognósticos, já que nos encontramos às
mento didático, o que significa que, de um modo ou outro, o
vésperas de mais uma Drupa e, sendo assim, não há momento
governo, que encomenda e licita esses livros, ainda é um cliente
melhor para se fazer análises amplas de mercado.
importante (para não dizer fundamental) para várias editoras.
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O MERCADO EDITORIAL, COM O CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO DE LIVROS, SE TORNOU UM DOS MOTORES DA INDÚSTRIA GRÁFICA Carlo Carrenho, diretor-proprietário da Singular Digital, empre-
com os pedidos para um determinado título, o editor pode
sa do Grupo Ediouro, acredita que o mercado de leitores do
produzir um mesmo livro com parte das informações variáveis
Brasil tenha crescido pouco diante do potencial que esse mer-
sem custos extras”, disse.
cado tem, mas não descarta a mudança pela qual o segmento
Os dados mais recentes da Abigraf, referentes a setembro
editorial passa no Brasil.
de 2011, mostram que o segmento cresceu 14,1% nos nove primeiros meses do ano passado, frente a igual período de 2010. Já a indústria gráfica como um todo cresceu 2,7% para a mesma base de comparação. Em relação às tiragens, dados da pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, da Câmara Brasileira do Livro (CBL), mostram algumas oscilações na tiragem média do livros nos últimos quatro anos. Em um mercado total de livros crescente, em 2010, por exemplo, essa média foi de 8.700 exemplares por título editado. Em 2009, as tiragens foram, de fato, maiores: 9.160 exemplares. Um salto em relação a 2008, quando a tiragem média foi 6.655 exemplares por título. Já em 2007 as tiragens foram maiores: em média, 7.792 exemplares. “Com tantas oscilações nos últimos anos, não temos como aferir qual é a tendência. Mas
Carlo Carrenho, diretor-proprietário da Singular Digital
o fato é que a indústria gráfica brasileira deve parte do seu crescimento dos últimos anos ao segmento editorial”, diz Mortara.
“Esse mercado vive uma grande mudança, embora os números
Dados recentes da Aner (Associação Nacional de Editores de
de vendas de livros não têm crescido muito, apenas um pouco
Revistas), também mostram que as revistas impressas têm
acima da própria inflação. Tudo indica que isso seja resultado
crescido em número de títulos e que o volume total de revistas
de dois movimento antagônicos: o crescimento da classe C e,
impressas cresce substancialmente.
mesmo, da A/B, que traz novos leitores ao mercado, e a maior
“O segmento editorial (que é composto por livros, jornais, revis-
competição com outras formas de entretenimento, como
tas, manuais e guias) deve fechar 2011 com uma produção de
games, celular, internet etc. O primeiro movimento favorece a
valor equivalente a R$ 9,07 bilhões, o que, se confirmado, irá re-
venda de livros, o segundo, diminui”, explica Carrenho.
presentar 30,2% de toda a produção do setor gráfico nacional
Para Fabio Mortara, presidente da Abigraf Nacional, o crescimen-
- que prevemos encerrar 2011 com uma produção de R$ 29,9
to da produção de livros no Brasil é um fato incontestável, sendo
bilhões. Em termos comparativos, trata-se da segunda maior
que o mercado editorial, em virtude desse comportamento, tem
produção do setor gráfico nacional, perdendo apenas para o
se tornado um dos motores da indústria gráfica como um todo.
segmento de embalagens, que deve fechar 2011 com uma
“Entre todas as possibilidades abertas pela impressão digital, as
produção de R$ 11,81 bilhões, ou 39,4% da produção de todo
que nos parecem mais relevantes para o mercado editorial são
o setor. Falamos em termos relativos porque ainda estamos
a de impressão sob demanda e de dados variáveis, que usam a
trabalhando com as projeções feitas a partir dos resultados do
versatilidade do processo digital para reduzir custos e persona-
terceiro trimestre de 2011, uma vez que a produção industrial
lizar as edições. Ou seja, além de imprimir as tiragens de acordo
de 2011 ainda não foi divulgada pelo IBGE”, diz Mortara.
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Basta dar uma rápida busca no Google para verificar o número de editoras que anunciam serviços de impressão sob demanda ou em baixas tiragens, a partir de 30 ou 50 exemplares. Essas editoras concentram-se na produção de livros sob demanda, em tiragens que variam de 100 a 500 exemplares, de autores iniciantes ou pessoas que escreveram um livro e querem vê-lo publicado. Obviamente que, para esse tipo de cliente, é totalmente arriscado pensar no volume de impressos típico de um título consagrado publicado por uma Companhia das Letras, por exemplo. Se o livro não vingar, se não fizer sucesso, será um prejuízo enorme. E como apostar num autor desconhecido? Pois é. Hoje, existem editoras especializadas nesse tipo de autor. E a forma de produção varia igualmente. Muitas, possuem parque gráfico próprio; outras, terceirizam a impressão. Outras, ainda, são empresas oriundas de grandes editoras, que pratica-
Fabio Mortara, presidente da Abigraf Nacional
mente montaram novas empresas para atender à produção de livros sob demanda.
NOVOS AUTORES
“Sim, muitas empresas novas surgiram especializadas em
O Brasil também vive um surto de novos autores. E aí entramos
trabalhar com baixas tiragens. Contudo, muitas fecharam tam-
no primeiro tópico que, de algum modo, causa uma revolução
bém”, diz João Scortecci, diretor da Scortecci Editora, uma das
na indústria editorial.
pioneiras e principais editoras brasileiras no trabalho em livros
Sim, é fato que os meios eletrônicos concorrem com o mercado
em baixas tiragens e com autores iniciantes.
editorial diretamente. Conteúdo produzido exclusivamente para
Há mais de 30 anos no mercado editorial, Scortecci tem duas
os leitores digitais ou Internet arrebanham mais e mais leitores,
visões bem distintas quando o assunto é o mercado editorial
sobretudo jovens, que já nasceram sob a cultura do digital.
brasileiro e o surgimento de novos títulos e autores.
Novamente em 2011, o assunto foi pauta do encontro da ANJ
Sobre o mercado editorial, Scortecci contesta os números
(Associação Nacional de Jornais) e tende a se repetir por mais
apresentados, que apontam para o crescimento do número de
alguns anos em congressos dessa natureza. No segmento de
leitores do Brasil. “O número de leitores cresceu, mas não a venda
livros, outro nicho do mercado editorial, não é diferente.
de livros. Além disso, se considerarmos que 60% dos livros que
Contudo, a impressão digital e o potencial que esta abre de im-
são lidos e vendidos no Brasil são didáticos, essa porcentagem
primir tiragens ínfimas foi um acalento para o setor. Caso con-
de 4,6 livros/ano cai para aproximadamente 0,8. É como se cada
trário, ano a ano, cresceria exponencialmente a inviabilidade de
brasileiro lesse 80 páginas de um livro de 100 por ano”, explica.
se trabalhar com tiragens estrondosas, estoques abarrotados e encalhes enviados para a reciclagem. A impressão digital e a produção em baixas tiragens também abriram novas perspectivas de negócios para as editoras. Explico: culturalmente, no Brasil há duas realidades bem distintas: as mega-editoras, que trabalham com livros de vendagem garantida e normalmente consagrados em seus países de origem. Nestas, é raro vermos um autor nacional sobressair. Existem alguns casos, claro, mas raramente eles são de novos autores que arriscam publicar seu primeiro título. Do outro lado, contudo, vemos o surgimento de várias editoras menores, estas sim, apostando em novos autores. Por quê? Porque trabalhar em baixas tiragens permite isso.
João Scortecci , diretor da Scortecci Editora
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Para ele, isso não cria um mercado literário. “No Brasil, isso só será possível com educação e cultura”, enfatiza. Por outro lado, a variedade de títulos aumentou, sim, nas prateleiras das livrarias, responsáveis por 40% da venda de livros no Brasil. Mas isso não significa espaço para autores brasileiros. “As editoras apostam em autores já consagrados no exterior porque são tiros certeiros. O livro já vem pronto, já tem certo sucesso. Há a ideia de que o autor brasileiro é difícil, um tanto amador. Livros nacionais exigem um trabalho desde o início; um trabalho com o autor, diagramação, escolha da capa. O custo fica mais alto. O livro estrangeiro vem pronto”, explica Scortecci. Ou seja, o aumento no número de autores independentes no Brasil não significa necessariamente um mercado de autores
Thiago Schoba, diretor da Editora Schoba
nacionais, mas, sim, um negócio para a editora. “Teremos um mercado quando tivermos autores produzindo com frequência
carente no mercado certamente demandará maior quantidade
e sendo lidos. Até lá, temos um negócio, que é o de publicar o
de livros, para que possam ser comercializados não somente no
primeiro livro de alguém, realizar um sonho”, disse Scortecci.
pólo literário brasileiro, que compreende Rio, São Paulo e Região
Dentro do quadro de leitura e venda de livros no Brasil, as
Sul, mas também em outras partes do país. O grande problema
baixas tiragens são extremamente viáveis, ainda na opinião do
enfrentado é justamente quem aposta nos novos autores. As
experiente editor. “Página impressa e não vendida é prejuízo.
editoras têm apostado cada vez mais em novos autores, mas
E nenhuma empresa pode se dar ao luxo de trabalhar com
isso cria uma barreira para distribuidores e livrarias, que temem o
prejuízo atualmente. E aí entra a impressão digital como uma
encalhe das obras”, analisa.
tecnologia de suma importância, já que ela permite que se
A Singular Digital é um “braço” da Ediouro especializada em
imprimam livros em baixas tiragens de forma viável.”
publicações de baixas tiragens, autopublicação e fotolivros.
E o custo? “Fala-se em custo. Que imprimir em digital em
Possui em seu parque gráfico uma Bookmaker, Kodak Nexpress
baixas tiragens é mais caro. Na ponta do lápis, fica mais caro
2500, HP Indigo 5500 e impressoras Océ 6250 e 6320, além de
você imprimir 2 mil exemplares em offset e ter livro parado em
equipamentos de cola e acabamento. “Hoje, somos uma das
estoque. Essa é a verdade”, analisa.
poucas gráficas com uma solução por demanda (um a um) em
Thiago Schoba, que dirige a Editora Schoba ao lado do pai e do
capa dura. Uma parceria importante que acabamos de fazer é
irmão, é um desses casos que encontrou um filão interessante
com a Ingram, maior distribuidora de livros dos EUA. Estamos
de mercado no interior de São Paulo. Em Salto, cerca de 100
em processo de integração, mas em breve estaremos impri-
quilômetros da capital paulista, a empresa especializou-se em
mindo no Brasil livros por demanda que antes eram impressos
novos autores e, com a ajuda da Internet, encurta distâncias,
nos EUA e exportados para cá com altos custos de transporte e
mantendo clientes em várias cidades do Brasil.
prazos de entrega enormes”, explica Carrenho.
“Embora uma tiragem menor custe mais, unitariamente falando,
Para ele, a impressão digital foi uma tecnologia que catalisou a
a tiragem menor ajuda a reduzir ou até acabar com o problema
publicação em baixas tiragens, indo ao encontro da necessida-
de estoques enormes e livros em deterioração que acabam cus-
de de eliminar estoques de livros, assim como garantiu sobrevi-
tando fortunas para armazenar e destruir ou reciclar. Gastando
da ao livro impresso. “Sem a impressão digital, o livro impresso
menos, as editoras podem focar em ações de promoção dos tí-
morre rapidamente, pois deixa de ser economicamente viável
tulos – o que inclui propaganda, assessoria de imprensa, eventos
imprimir em offset quantidades inferiores a 1.000 exemplares.
de lançamento, entre outros – o que acaba desenvolvendo mais
Ou seja, se um livro vende menos que 1.000 exemplares por
o mercado, que sempre foi taxado de familiar e conservador de-
ano, os editores deixam o mesmo morrer. Agora, com a impres-
mais”, destaca Thiago. “Trabalhar com tiragens menores permite
são digital um a um, os livros impressos poderiam, teoricamen-
trabalhar o potencial de cada autor e de cada obra de maneira
te, serem eternamente impressos, aproveitando toda a sua
individual, praticamente personalizada. Um assunto inédito ou
cauda longa”, disse Carrenho.
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O FATURAMENTO DO MERCADO EDITORIAL TEM CRESCIDO A CADA ANO, MAS HÁ UMA CRISE NO QUE DIZ RESPEITO AO NÚMERO DE OBRAS EDITADAS CRISE
Nos Estados Unidos, 20% do faturamento das grandes editoras
O mercado editorial está em crise? Afinal, o horizonte realmen-
de interesse geral já é digital. No Brasil, ainda temos de chegar
te é cinza? Livros eletrônicos (e-books), profusão de títulos e
no 1%, mas o crescimento será exponencial”, afirma.
um baixo consumo (apesar da curva ascendente de leitura
Para Thiago, o jovem editor da Schoba, o que o mercado edi-
no Brasil). Que tipo de mistura tudo isso resulta? E como essas
torial enfrenta não é propriamente uma crise, mas um período
características irão moldar o futuro do livro?
de profundas mudanças. “Embora o faturamento do mercado
Para Carlo Carrenho, diretor-executivo da Singular Digital, o
venha crescido a cada ano, o mercado editorial enfrenta uma
mercado editorial passa longe de uma crise. “O mercado edito-
crise no que diz respeito ao número de obras editadas. Não se
rial de livros não está em crise, está em plena revolução. Com
sabe se há obras demais ou leitores de menos, já que a oferta
o desenvolvimento da tecnologia que permite a impressão
de novos títulos tem crescido mensalmente, o que obriga os
por demanda e a distribuição de livros digitais, esse mercado
principais canais de distribuição – livrarias e e-commerces – a
está passando por várias mudanças que põem em xeque os
selecionarem as obras com maior potencial de venda e barra-
modelos tradicionais”, afirma.
rem outras”, explica.
Para Carrenho, a relação autor, publicação e editora mudou.
João Scortecci discorda e vê, sim, uma grande crise no mercado
“Hoje, o self-publishing (edição independente) permite que
editorial brasileiro. Mas não é de hoje. “Faz tempo que vivemos
autores se lancem sozinhos tanto no mundo digital como
essa crise. Por quê? Porque o Brasil não vende livros e há cada
no mundo físico e se tornem best sellers. Por quê? Por que as
vez mais autores publicando. O aumento tão divulgado do
editoras não controlam mais os canais de distribuição com ex-
número de leitores não reflete substancialmente na venda de
clusividade. Graças à impressão por demanda, ao comércio vir-
títulos. Daí, voltamos àquela questão: não temos mercado para
tual e às redes sociais, um autor independente hoje consegue
esses autores e, sim, negócios sendo criados em torno das baixas
publicar seu livro sem investir capital, comercializá-lo no varejo
tiragens, possibilitadas pela impressão digital”, afirma Scortecci.
online e divulgá-lo pelas mídias sociais. Isto pode ser uma ameaça ou uma oportunidade para as empresas do mercado
REVOLUÇÃO DOS PIXELS?
editorial. Como exemplo, nos Estados Unidos, já existem oito
Apesar de ter seu foco principal no livro impresso, Thiago não
vezes mais lançamentos de livros independentes do que de
descarta o livro eletrônico como um objeto de força potencial
livros comerciais, se considerarmos a emissão de novos ISBNs.
para crescer no futuro. “Acredito que os dois suportes continu-
Além disso, as editoras hoje contam com soluções de POD um
arão existindo por muito tempo. Não apenas pela questão de
a um e de baixas tiragens digitais, que permitem uma nova
muitos leitores gostarem do livro impresso. O livro digital tem
estratégia com menos desperdício de recursos em capital de
grandes vantagens com relação ao impresso, no que diz res-
giro, transporte e impressão. A diversidade do self-publishing e
peito à mobilidade, armazenamento e à compra de conteúdo.
a possibilidade de tiragens reduzidas vem ajudando a aumen-
Tudo é mais rápido no digital, mas nem todos estão habitua-
tar o volume de impressão digital no mundo. Segundo a em-
dos (ou querem se habituar) à nova mídia”, diz.
presa de pesquisas Interquest, o volume de impressão digital
Quando a escala de livros eletrônicos aumentar, seu custo,
deve passar de 5% do mercado norte-americano de impressão
ainda alto, se tornará viável. E, nesse ponto, existe um contra-
em 2010 para 15% em 2015. Outra mudança é o livro digital.
-senso. Se muitos pensam que o preço de capa de um livro no
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Brasil é alto, no caso do livro eletrônico, o custo de edição e
LEIA, NÃO IMPORTA ONDE
produção tende a ser menor. Contudo, os dispositivos de lei-
João Scortecci frisa a importância da leitura, não importando
tura, importados em sua maioria, ainda apresentam um preço
o meio escolhido. “Tenho tablets, não consigo ler livros nele.
elevado para o padrão do brasileiro médio.
Certo dia, um rapaz me disse que no tablet dele cabiam mais
“Quem pagaria quase R$ 1000,00 em um leitor digital para ler
de 500 livros. Perguntei a ele quantos livros ele lia por ano e ele
uma ou outra obra por mês? Nos Estados Unidos, por exemplo,
me respondeu: 20. Obviamente, esse sujeito está totalmente
os leitores digitais custam, em média, US$ 150,00 e os e-books
fora dos padrões brasileiros, assim como você e eu. Mas, lendo
dificilmente chegam a US$ 10,00. Diferente daqui, os ame-
20 livros ao ano, e tendo esse rapaz 35 anos, ele não lerá 500
ricanos leem uma média de 20 livros por ano, ao passo que
livros até o final da vida”, exemplifica o editor. “Devemos tomar
o brasileiro lê somente quatro. Assim, há, inicialmente, mais
cuidado com essa euforia do digital. Para mim, isso não impor-
vantagens no mercado editorial digital norte-americano do
ta. Queria que o brasileiro lesse, e isso só acontecerá por meio
que no brasileiro”, analisa Thiago.
da educação. E, lendo, não importa o meio. Afinal, só podere-
Carrenho afirma que o futuro do livro está muito relacionado
mos falar num mercado quando tivermos leitores.”
à paixão que o leitor mantém com a obra impressa. Para ele,
Ricardo Minoru, consultor da área gráfica renomado, e colabo-
a tendência é pela coexistência entre o livro eletrônico e
rador da Revista Desktop, fala com propriedade sobre o livro
impresso. “O livro impresso vai continuar existindo por muito
sob demanda. Afinal, apesar de não ser um romancista ou au-
tempo, mas perderá participação no mercado editorial para o
tor, Minoru acumula a respeitável marca de algumas dezenas
livro digital. A tecnologia do papel impresso é excelente, por
de livros técnicos sob demanda publicados – todos a partir de
isso a sua resistência. Mas a praticidade de compra e arma-
sua loja no site de sua empresa de consultoria, a Bytes & Types.
zenagem do livro digital também é incontestável. Algumas categorias de livros já sumiram do papel, como as enciclopédias, e outras talvez nunca desapareçam da forma impressa, como livros de arte. É importante diferenciar o amor ao livro e amor à leitura nos consumidores. Quem ama o livro sempre vai querer o papel. Quem quer apenas ler, irá para o digital”, analisa Carrenho. “Podemos afirmar que, no Brasil, o livro impresso tem uma larga dianteira na comparação com o digital. Basta comparar a quantidade de títulos editados para as duas modalidades. De acordo com a pesquisa da CBL citada, foram editados em 2010, ao todo, 54.754 títulos. Embora não tenha uma pesquisa específica para o livro digital, a mesma CBL estima que haja, aproximadamente, entre 6 mil e 7 mil títulos de e-books disponíveis no mercado. Uma diferença considerável”, afirma Mortara. “Vale destacar
Ricardo Minoru, diretor da Bytes & Types
também que, em janeiro de 2011, a consultoria IDC Brasil previu que as vendas de tablets este ano atingiriam a marca de 300
“Publicar um livro usando os meios tradicionais (submeter
mil unidades. Entretanto, um estudo realizado pela consultoria
textos para editoras) é bastante difícil e estima-se que a cada
GFK Retail and Technology Brasil mostrou que foram vendidos
dez pretensos autores, somente um consegue. Ter um livro
apenas 67 mil unidades destes aparelhos entre janeiro e outubro
publicado fornece status e reconhecimento social e trata-se de
deste ano. Esses fatos, somados à urgente necessidade de que
um diferencial importante em algumas áreas como, por exem-
se invista cada vez mais na educação dos brasileiros, nos leva
plo, carreiras acadêmicas. No meu caso, o primeiro livro nasceu
a crer que o livro impresso será soberano ainda por um bom
de uma oportunidade que detectei no meio da década de 90,
tempo. Isso sem citar o fato de a leitura no papel ser muito mais
quando percebi que não existiam livros no mercado nacional
agradável e produtiva do que nos dispositivos eletrônicos que,
que ensinassem técnicas e boas práticas de arte-finalização
por sua natureza multimídia, são dispersivos.”
de arquivos para o segmento gráfico. Juntei alguns materiais e
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Livros sobre os segmentos gráfico e de publicação digital, impressos sob demanda da editora Bytes & Types apostilas que eu já tinha desenvolvido e produzi um original.
mercados internacionais. Pegue o exemplo da Amazon.com na
Comecei a distribuí-lo para ser avaliado por várias editoras de
qual, de acordo com dados fornecidos por eles, 30% dos títulos
livros técnicos. Recebi dezenas de nãos e meses depois uma
de livros que eles comercializam são de títulos que vendem
editora acreditou no projeto e no conteúdo e o publicou. Hoje,
entre um e cinco exemplares por ano e, por isso, são produzidos
esse livro está na quinta edição tendo mais de 15.000 exempla-
sob demanda em impressoras digitais da empresa. Uma das
res comercializados”, conta Minoru.
características mais importantes da Impressão Digital é a impres-
A partir da publicação do primeiro, algumas outras editoras
são sob demanda, ou seja, a possibilidade de imprimir somente
passaram a se interessar por títulos técnicos voltados para o seg-
a quantidade de impressos que é necessária num determinado
mento gráfico e Minoru encontrou mais facilidade em publicar
momento”, explica Minoru.
livros sobre PageMaker, CorelDRAW, InDesign e Photoshop.
Assim como João Scortecci, Minoru defende a publicação em
A partir de 2005, novamente Minoru bateu às portas das
baixa tiragem ou sob demanda. Segundo ele, ainda que o valor
editoras atrás de apoio para publicação. “Havia detectado
unitário do livro impresso em digital seja menor, tudo se equili-
outros nichos pouco explorados e a crescente adoção de
bra quando se leva em consideração os estoques.
algumas tecnologias e ferramentas no segmento gráfico, tais
“Não acredito que o mercado editorial esteja em crise, mas sim
como preflight, PitStop Pro e Acrobat Pro. Dessa vez, nenhu-
passando por algumas mudanças profundas no seu modus
ma das editoras que já publicavam meus livros se interessou,
operandi. Uma das mais perceptíveis é a relação entre editoras e
alegando que a demanda era pequena e não seriam viáveis
autores. Assim como aconteceu comigo, se o autor não encon-
economicamente se vendessem menos de algumas milhares
tra uma editora que publique suas obras, atualmente ele pode
de cópias. Uma vez que os conteúdos já estavam praticamente
recorrer à autopublicação, um fenômeno crescente em todo o
prontos, resolvi alterar o contrato social da Bytes & Types para
planeta e que vem assustando cada vez mais as editoras tradi-
poder atuar também como editora e fazer uma experiência de
cionais. Assim como no mercado internacional, esse nicho vem
publicar meus próprios livros”, relata.
se desenvolvendo bastante no Brasil, visto o aumento exponen-
Quase sete anos depois, Minoru publicou 31 títulos que são
cial de empresas que se prestam a produzir livros em pequenas
impressos digitalmente por uma gráfica terceirizada e co-
ou microtiragens a partir de textos originais enviados por autores
mercializados por meio de distribuidores e diretamente por
nos últimos anos. Existem empresas que apenas imprimem
meio da loja virtual da editora. O que era para ser apenas uma
e outras que fornecem uma série de itens que vão desde a
experiência, se mostrou um bom negócio que comercializa
diagramação, até mesmo o registro na Biblioteca Nacional, CBL
algumas centenas de livros por mês. “Acredito que o mercado
e comercializam por meio de websites, como é o caso da Digital
de impressões digitais de publicações sob demanda está em
Publish & Print, Amigos do Livro e Clube de Autores. No âmbito
franca expansão, por enquanto, com mais desenvolvimento em
internacional, destaca-se a Lulu e Amazon”, relata o consultor.
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REINVENTAR É A PALAVRA-CHAVE DO MERCADO Como uma das maiores e principais mudanças do mercado
custo maior devido aos custos de distribuidoras, parcelas das
editorial, Minoru enxerga, além da diminuição das tiragens, o
editoras, das livrarias. Com a concorrência do eletrônico, por
crescimento do e-Book.
exemplo, esses valores devem ser revistos.
“As vendas de e-Books vêm crescendo de maneira exponencial
Custos de produção – Outro item importante que ainda se
ano após ano, mas não acredito que decretem o fim do livro
refere aos custos. No caso, deve-se avaliar com mais cuidado
impresso no futuro, mesmo daqui há várias décadas. Decidi-
e carinho o uso da impressão digital como forma de viabilizar
mos publicar e oferecer as versões eletrônicas dos livros que
baixas tiragens a um preço módico para autores e leitores
imprimimos sob demanda por uma questão de custos de frete
através do self-publishing ou das baixas tiragens, tema central
que muitas vezes encarecia demais a compra por parte de lei-
desta matéria. Há editoras que vendem livros eletrônicos com
tores que residem fora da região Sudeste do Brasil. Os livros no
o mesmo valor de um livro impresso. Isso, sem dúvidas, é um
formato ePub e com pouco mais de alguns megabytes podem
tiro no pé. As editoras que souberem explorar os benefícios
ser baixados segundos depois da confirmação do pagamento.
do livro eletrônico, sobretudo como “porta de entrada” para a
Um fato curioso é que não é raro que os leitores comprem as
ampliação e aquisição de novos leitores, sairão na frente.
duas versões do mesmo livro: a impressa para ler e a eletrônica
Novas regras no casamento autor e editora – Sim. A divisão
para pesquisar.
de “bens” no contrato autor e editora também precisam ser revistos. No livro eletrônico, têm-se menos custos de produção
REFLEXÃO
envolvidos. Isso tende a influenciar, também, a forma como os
E o futuro? Analisando-se o livro como um produto que
novos contratos entre editoras e autores serão feitos no futuro.
persistirá – seja como meio de consumo de massa, seja como
Por exemplo, livros de novos autores podem ser lançados
alternativa ao livro eletrônico?
como eBooks numa primeira versão e, fazendo sucesso, serem
“A impressão digital de livros deve ainda ganhar força com o
convertidos para exemplares impressos.
surgimento de novos modelos de negócios para a impressão
Leitores – A popularização dos leitores digitais terá papel
sob demanda. Em mercados mais maduros como o americano,
fundamental no aumento do volume de leitores no Brasil. Ana-
por exemplo, já são comuns as empresas que permitem que
lisando o hábito de leitura de uma geração que nasceu com o
uma pessoa crie seu próprio livro com o auxílio de ferramentas
livro impresso na mão, certamente o mercado eletrônico dina-
baseadas na Internet e depois o imprima com qualidade profis-
mizará a venda de impressos, servindo como entrada para esse
sional”, destaca Fabio Mortara.
mercado. Isso não se refere, no entanto, aos livros de arte ou
O fato é que a palavra reinventar nunca foi tão usada no meio
lixo. Estes, continuarão a ser impressos com todos os recursos
editorial. E, no caso, reinventar envolve alguns tópicos cuja
gráficos possíveis – no caso, o custo final não importa, já que
reflexão essas editoras não podem se dar ao luxo de ignorar:
se tratam de exemplares voltados a consumidores específicos
Custos finais – Os custos finais de capa terão que ser reavalia-
que, teoricamente, gastam o valor cobrado.
dos. Há divergências se o preço do livro no Brasil influencia ou
Mercado – Parafraseando as ideias expostas por João Scortecci,
não no baixo índice de leitores que tem o país. Porém, é fato
hoje, temos no Brasil o aumento dos negócios envolvendo livros
que o valor de capa aqui é superior aos similares na Europa e
impressos, o que não reflete e não significa a criação de um mer-
nos EUA. Também é fato que o livro impresso no Brasil pelas
cado de escritores no Brasil. Para que isso exista, é preciso que o
editoras de maior nome recebem um acabamento diferencia-
brasileiro leia mais, consuma mais livros e os leia. A expansão da
do, ao contrário dos estrangeiros. Relevo, verniz localizado, hot
educação no país certamente mudará, em médio prazo, esse ce-
stamping. Tudo para atrair os olhares do leitor (sim, a capa é o
nário. E as editoras devem estar preparadas para formar e apoiar
cartão de visitas de um livro na prateleira). Porém, tratam-se
novos autores, oferecendo suporte de marketing, divulgação e
de itens que encarecem o produto final – que já possui um
auxílio para profissionalização desse mercado.