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Salvem as Baleias
*Leonardo Medeiros
Se as mulheres lembrassem do sofrimento do parto, não teriam um segundo filho.
Uma obstetra me disse isso, não estou chutando. Parece que o instinto de preservação da espécie provoca o esquecimento da parte ruim. As dores do parto e o caos dos primeiros meses vira uma nuvem romantizada, e só a fofura sobrevive com potência. Esse olvidar de memórias não acontece só no parto. Vítimas de traumas também “esquecem” dos acontecimentos traumáticos. Os neurologistas têm nome pra isso: amnésia funcional.
Já me contradizendo, não precisam acreditar em mim, não sou obstetra, muito menos neurologista. Como bom brasileiro, sou expert em medicina, futebol, direito e política, claro. Agora também somos todos roteiristas da Netflix, é bom lembrar. Vocês que são pessoas viajadas expliquem a esse velho caipira: existe povo no planeta mais palpiteiro e cheio de si que o brasileiro? Se o Brasil vendesse palpite, seríamos o país mais rico do mundo.
Digo isso porque voltei a fazer novela. Depois de uns 5 anos longe das telinhas, estou de volta. Fui pego na armadilha da amnésia funcional. Esqueci do que se trata e resolvi voltar. Todo mundo acha que ser ator é incrível. Acreditem, não é. Além das intermináveis horas de espera entediantes, (porque o processo todo é incontrolável e cheio de variáveis quânticas,) ainda temos que decorar páginas e páginas de texto, um trabalho infernal que nos deixa todos à beira do colapso neuronial. O sucateamento da cultura pelo qual passamos reforçou essa ideia marota de que artistas tem que ser tratados como operários desqualificados. “Claro né, amore, quem essa gentinha acha que é? Nem estudou e ainda fica querendo moleza.” Ah, tem as horas sob o céu escorchante do Rio 40 graus, vestindo veludo cotelê. Puro glamour regado a parfum du CC, exalado junto a litros de suor.
O que salva são as companhias, os colegas de camarim. Porque artistas são figuras fora da casinha. Natural. Enxergam o mundo pelo viés da poesia, são extremamente sensíveis e se curam das agressões continuadas da vida com humor. Salvem os artistas! São os xamãs do nosso tempo. Não se engane, eles estão aí pra te curar. Parem de salvar as baleias, elas já têm mil ONGs trabalhando por elas. Está lançada a campanha: “Salvem os artistas”!
Um deputado aí, desses raivosos moralistas de fachada, recentemente engrossou o coro contra artistas, espumando despautérios sobre a lei rouannet, que ele nunca leu, só ouviu falar. Ninguém sabe nada e a de-
sinformação graça no melhor estilo fofoca. As mídias sociais, ou mega grupelhos, criaram esse paradigma do retrocesso. Tudo virou fofoca. Todo palpite vira lei. Parece que o universo está sendo organizado por hordas de estagiários. Os eleitores gostam desse tipo de espetáculo de ignorância encenado por péssimos atores. Nosso futuro enquanto nação. Não nos enganemos, as sombras do atraso continuam escurecendo nosso horizonte. Depois do Rock in Rio, vamos reinventar a Idade Média. Eba!
Para esclarecer os incautos, artistas geralmente não tem nada a ver com patrocínios e captação de recursos, são meros assalariados. Esses são os privilegiados e sortudos como eu, porque 99,99% dos nossos artistas (xamãs) ou estão te atendendo no caixa de supermercado ou tocando violão no chão do metrô. Não se deixe enganar, somos uma classe desprivilegiada.
Maledicência: você pratica?
* Fernanda Lira
Dizem que a boca fala aquilo que o coração está cheio. Isso me lembra frase de letra de música do inesquecível Itamar Assunção “a boca espuma de ódio. É o que a gente mais vê nas redes sociais. Pessoas comuns, pessoas caretas, vamos dizer assim, pessoas pacatas, pessoas, entre aspas, de bem, que não perdem a oportunidade de espumar de ódio e de vociferar maledicências. É algo como uma porta para que o inferno se abra diante dos nossos olhos.
Vale tudo na hora de destilar ódio e veneno nas redes sociais. Senhorinhas, rezadeiras, mães de família, pais de família, trabalhadores, senhores, entre aspas, respeitáveis, senhores e senhoras respeitáveis, ficam à espreita de tudo que possa lhes garantir destilar o mais puro e o pior veneno, o da maledicência. Adoram poder atacar as pessoas sem sequer conhecê-las. Isso acontece em todo tipo de postagem.
Se você se manifesta a favor de algo que aquelas pessoas julgam errado, é horrível a maneira como elas reagem.Desumano, assustador até. Se você publica uma vaga de emprego, e é disso que eu vou falar concretamente, os diabos de plantão ficam à espreita. Você pode colocar no anúncio o que você quiser. Eles estão à procura de algo que possa cegá-los a ponto de que possam difamar seu nome e aquilo que você está oferecendo e que tanta gente
precisa, um emprego. Você pode colocar que é com carteira assinada que são as 44 horas semanais previstas na CLT, que o trabalho é de segunda a sábado, portanto, nada disso adianta. Basta você colocar algo que lhes suscite o veneno e eles começam a transbordar.
Coloque, além de todas essas informações, que você concede uma folga mensal. O que é uma folga mensal? Uma folga mensal é um dia que a pessoa trabalharia e não trabalha.Ela é remunerada por esse dia, mas ela não trabalha. Muitos empregadores concedem folgas mensais. Há quem conceda também folgas quinzenais e até semanais, além, naturalmente, do domingo que é previsto em lei.
Mas os demônios de plantão se apegam à frase folga mensal. E isso lhes basta. Eles não estão interessados em saber se está escrito logo acima que é de 2ª a sábado. Não
estão interessados em ler que são 44 horas semanais. Muito menos em perguntar que folga é essa, como ela acontece? Eles estão ávidos para difamar e denegrir a pessoa e o que ela está oferecendo.
E assim eles conseguem espantar gente em busca de emprego, pois muitos se sentem acanhados em procurar uma vaga que tantos apedrejam. Basta o “cidadão de bem” (só que não), o iletrado demônio, se manifestar com uma frase do tipo “E o chicote, é por conta da casa?”, para logo ganhar muitas curtidas, inclusive daquelas com coraçãozinho, que significam “amei”, num efeito de cascata de delírio do mal.
E se ocê olhar as “curtidas”, os autores são pessoas “certinhas”, donas de casa, recatadas e religiosas, trabalhadores dedicados, gente toda “do bem” (só que do mal). Pessoas que parecem ter tempo de sobra para expandir o mal que lhes habita.
Continuando no mesmo campo de exemplo, muitas vezes você posta uma vaga e nem sempre você consegue achar uma pessoa do perfil que você procura, assim como nem sempre o profissional que tenta ocupar aquela vaga se sente interessado em manter aquela ocupação. Então você reaplica a vaga, mas sempre vai ter um diabo de plantão para dizer olha isso, essa vaga está aqui de novo, ninguém para lá. A pessoa não sabe do que se trata, a pessoa não sabe o que aconteceu, a pessoa não sabe quem foi que decidiu pela demissão, a pessoa não sabe de nada de fato, mas ela precisa expandir o mal que lhe habita, ela precisa por para fora a maledicência.
As redes sociais já provaram que são o esgoto para que esses demônios se expandam, seguros, atrás de suas telinhas, para destilar o mal que lhes habita. Esses seres do mal que a gente acha que só existem em novela, mas estão aí cada vez mais comuns, dando as caras sem o menor constrangimento ou pudor.
Estamos cercados deles e as redes sociai, como tudo que tem o lado bom, nos permite distinguir quem é quem. Pelo menos isso. Vade retro satanás! Vão lamber sabão!
* jornalista paulistana que adora o interior