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O patriarcado e os limites para a luta democrática no meio acadêmico: um relato pessoal

Renata Peixoto - SESUNILA Cientista Política docente do ILAESP. Membra do CEEGED-UNILA.

Se a gente se torna mulher, também se torna feminista. Foi assim, cerca de três anos atrás que fiz meu movimento como mulher, pesquisadora, educadora, cientista política e agora feminista. Sempre fui simpatizante das lutas de mulheres e das lutas feministas, me orgulhava das colegas e dos colegas que no doutorado pesquisavam o tema. Achava necessário e se me perguntassem se era feminista, achava a resposta óbvia, como ser mulher e ser contrária as lutas destes movimentos?

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1 Este texto é dedicado a todas as mulheres e a comunidade LGBTQ da UNILA vítimas de violência e em especial à Martina Piazza, estudante uruguaia vítima de feminicídio em 2014.

Durante minha vida inteira e nos momentos em que o acadêmico e o pessoal se misturaram ao machismo, ao sexismo e a misoginia eu não percebia. Acho que queria negar para mim mesma que no meio científico e acadêmico tivéssemos o império do machismo. Como no século XXl, homens com curso universitário, ávidos leitores, profissionais reconhecidos por suas capacidades intelectuais, pessoas gentis, educadas, muitas vezes de esquerda, pudessem ser contaminados pelo machismo tóxico muitas vezes atribuído aos homens da classe trabalhadora que realizam serviços braçais, são iletrados, assalariados e, muitas vezes, pelas circunstâncias mais adversas de uma vida subalterna e marginalizada são dependentes do álcool? É como voltar em um túnel do tempo e ver reflexões sobre as classes perigosas e os atuais debates sobre o tal cidadão de bem. De alguma maneira, a impressão era a de que o machismo fosse coisa do passado e só as gerações mais velhas ou pessoas pouco instruídas ainda cometessem alguns deslizes, por assim dizer. Avaliações repletas de ignorância, ingenuidade e, até preconceito. Durante vários anos, o machismo nas práticas cotidianas da universidade foi minimizado por mim e a violência institucional era uma simples desconhecida, por que eu (e muitas) não sabia como identificar ou reconhecer que ela sequer existisse. Tudo sempre esteve ali, gritando na minha cara. Desde os colegas homens que tinham prioridade em bolsas, grupos de pesquisa e mais espaço de fala nas aulas de professores homens que liam homens. Até aquele ar de superioridade blasé de amigos ou do namorado que comparativamente

Por um fio, 1974. Artista Anna Maria Maiolino.

a nós mulheres se colocavam em um pedestal de pretensa genialidade. Eu só ouvi um elogio de um namorado, colega de universidade, no sentido intelectual, depois de cinco anos de namoro e no dia em que ele terminou comigo depois de uma traição por que “são coisas que os homens fazem, mas digo que você é brilhante”. Você passa anos achando que tem algo de errado com você ou que tem o dedo podre, pura falta de sorte. Nem sei se isso se compara ao sentimento corriqueiro que nós mulheres temos, muito característica da síndrome da impostora, aquela de que não somos boas o suficiente e um dia vão descobrir isso. Por isso, você cala, consente e se sente um lixo a cada reunião de orientação já que seu orientador nunca reconhece seus esforços, deprecia seu trabalho e não demonstra a menor empatia. Mesmo que uma banca inteira te abrace e elogie muito o seu trabalho, depois da sua defesa você não receberá nenhum e-mail de parabéns no dia seguinte. O sofrimento mental era uma constante durante anos a fio de faculdade, pós-graduação e depois isto se alastrou para os anos de docência. Cantadas, assédio, convites, tiradas de

casquinha, relacionamentos abusivos e paqueras cafajestes (bem à moda antiga e no sentido clássico do termo), são uma constante no universo feminino universitário (em qualquer universidade). Não importa se você é docente, técnica ou discente. Além disso, precisamos falar que as mulheres são as maiores vitimizadas por assédio moral por parte de colegas e superiores. Isto também pode ser percebido quando as mulheres realizam grande parte do trabalho de formiguinha, o burocrático desvalorizado, enquanto os colegas homens perdem os prazos, se esquecem, são desorganizados, estão muito atarefados em serem simplesmente brilhantes e não cooperam ou colaboram. Infelizmente este é o cotidiano das universidades. Mas foi a partir de uma vivência muito dolorida com um relacionamento abusivo que me levou a me afastar do meu trabalho por depressão que passei a me atentar mais para o ciclo da violência, os aspectos em relacionamentos tóxicos e outras questões. Foi revelador e mudou minha vida por completo. Foi difícil também este aprendizado e ainda é, por que não é fácil perceber algumas coisas e ver que a

luta feminista é uma luta pelo simples direito de fazer parte da própria humanidade (oi, eu sou gente como você!!!), já que como segundo sexo, existimos apenas para servir, agradar, concordar, enaltecer os homens e sermos medíocres para que se sintam superiores. Em 2018, dei um importante passo e me tornei membra do CEEGED-UNILA, o comitê executivo de equidade de gênero e diversidade que reflete a conquista dos movimentos feministas dentro da universidade pela implementação de uma política de equidade de gênero que foi aprovada em 2017. Ainda temos muitas limitações por sermos um comitê e não uma secretaria. É importante ressaltar que apesar da luta conjunta de vários coletivos feministas estudantis, junto com a SESUNILA e SINDITEST, a aprovação da política de gênero e diversidade só foi aprovada no CONSUN com a retirada da secretaria. É uma necessidade cada vez mais presente de seguirmos nesta luta com o sindicato, com as companheiras docentes, com o CEEGED, com as TAEs e as estudantes para a efetiva implementação da secretaria que responda pela política aprovada. Um ambiente universitário justo, democrático e equitativo só vai ser possível a partir dos debates, da conscientização e da democratização com um viés interseccional de gênero. Fora desta realidade, a academia e o meio científico continuam sendo o império da misoginia ególatra do patriarcado. Radical? Radical são as bruxas de ontem e hoje queimando na fogueira porque queriam ser livres e por sede de conhecimento.

Diálogo das mãos, 1966. Artista Lygia Clark (com Hélio Oiticica).

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