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A Revolução das Mulheres
dossier feminismos e emancipação A REVOLUÇÃO DAS MULHERES Dafni Marchioro - SESUNILA Possui graduação, mestrado e doutorado em Física. É docente do ILACVN.
Desde a Primavera das Mulheres contra Cunha em 2015, quando milhares de mulheres foram às ruas contra Eduardo Cunha, temos observado a capacidade de mobilização das mulheres no país e na América Latina, como foi o recente caso da votação para legalização do aborto na vizinha Argentina. Nas eleições nacionais de 2018 a única força realmente contundente a mandar seu recado contra a eleição de Bolsonaro foram as marchas #elenão realizadas em setembro e outubro, que levaram centenas de milhares de mulheres às ruas do país, das quais a SESUNILA teve forte participação em Foz do Iguaçu.
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No entanto, não foram poucos os homens a se manifestarem contra a marcha do dia 29 de setembro, julgando-a equivocadamente como um “erro”. De Ciro Gomes a Fábio Porchat, passando por acadêmicos e militantes, o que se viu foi uma ação lamentável do patriarcado vocalizada numa sequência de “chororô de esquerdo-macho”, como se diz nas redes sociais. É deprimente para todas as lutadoras que tiveram a coragem de se erguer mesmo em face à violência que sofrem - o Brasil é o 5 o país em feminicídio no mundo - e virão a sofrer mais ao se deparar com este tipo de análise. Os esquerdomachos, ao invés de avaliarem a conjuntura em toda a sua complexidade, preferiram a facilidade preguiçosa de apontar o dedo para o primeiro bode expiatório que justificasse o resultado das eleições. Essa esquerda ignora ainda que a democracia que conhecemos é uma construção histórica masculina, branca e heterossexual. É fundamental que o campo progressista entenda de uma vez por todas que não há como chegar ao socialismo apenas pela via da luta de classes: a luta deve ser em todos os campos, ou seja, de classe, antirracista e antipatriarcal. Não há como nos entendermos iguais sem fazer a discussão conjunta. Mais do que isso, a esquerda tem perdido cada vez mais a adesão das mulheres por insistir nessa cegueira, por praticar o machismo estrutural e por adotar um modelo de organização coletiva com base na opressão de gênero, sexualidade e raça. As “conclusões” a que esquerdo-machos chegaram sobre o #elenão, culpabilizando mais uma vez as mulheres, decorre de uma arrogância da esquerda brasileira (e mundial, possivelmente) em relação às lutas de gênero, raça e sexualidade.
No livro “Apoiando Hitler: consentimento e coerção na Alemanha nazista”, Robert Gellately mostra como o povo alemão respondeu à ascensão e manutenção do nazismo. Por meio de documentos históricos o autor revela que as pessoas estavam cientes e eram coniventes ao que acontecia nos campos de concentração. Importa trazer o livro e a Alemanha nazista não só pelo fascismo, mas pelos paralelos com nosso momento atual. Hitler inicia sua escalada de ódio a partir do que ele chamava de traidores do Tratado de Versalhes, creditado, em boa medida, à República de Weimar. A princípio, portanto, não é a ameaça comunista o foco discursivo, mas o fim da Primeira Guerra. A vergonha da perda da guerra e a rendição na surdina é sentida por boa parte do povo alemão, um dos motivos pelo qual Hitler ascende paulatinamente nos anos 1920, como líder político. O discurso nazista vai ganhando novas cores quando associa a República de Weimar e do estado socialista aos judeus e à teoria de Marx. A partir daí, Hitler caracteriza “o judeu” como um ser degenerado, que colaborou para a ruína e a vergonha da Alemanha, encontrando eco numa sociedade impaciente frente à instabilidade da República de Weimar (eleições constantes para o Reichstag e sua dissolução inúmeras vezes durante curto período de tempo), e a incapacidade do governo de reconstruir a Alemanha no pós-guerra, não obstante ter sido muito mais por culpa das cláusulas impostas pelo Tratado de Versalhes. Nesse sentido, crise econômica e instabilidade política foram centrais para a simpatia ao discurso nazifascista. O nosso paralelo aqui é claro: crise econômica e a Lava Jato.
Série La servidumbre Carmen, 1976. Fotógrafa Sandra Eleta.