CIDADE PEDREIRA
A manipulação da matéria no processo de urbanização do Rio de Janeiro.
Caio Rechuem Lopes Martinez TCC Graduação . Arquitetura e Urbanismo USU . Rio de Janeiro 2020 . Orientação: Caio Calafate
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CIDADE - PEDREIRA
a manipulação da matéria no processo de urbanização do Rio de Janeiro.
Caio Rechuem Lopes Martinez TCC Graduação . Arquitetura e Urbanismo USU . Rio de Janeiro 2020 . Orientação: Caio Calafate
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO _____________________________________________________________________ 6 1. AS CIDADES DA CIDADE ____________________________________________________________ 8 2. A MANIPULAÇÃO DA MATÉRIA _____________________________________________________ 22 3. CAVOUQUEIROS, LASCADORES, PEDREIROS, MACAQUEIROS E CANTEIROS __________________ 34 4. A PAISAGEM E O RESIDUAL ________________________________________________________ 40 5. A PERCEPÇÃO DO VAZIO __________________________________________________________ 56 FRESTAS RESULTANTES DA PESQUISA ___________________________________________________ 74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________________________________ 84
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Imagens do relevo do Rio de Janeiro. (Fonte: Rio de Janeiro: Paisagens entre a montanha e o mar. Editora Brasileira, 2016)
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INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso foi utilizado como uma oportunidade de espaço ainda não completamente contaminado pelas convenções do ofício contemporâneo do arquiteto e circunda uma série de questionamentos construídos durante minha graduação. Estes questionamentos giram em torno da noção de projeto, tentando não enxergá-lo somente como uma ferramenta na solução de problemas já pré-definidos, mas também como um espaço de discussão, reflexão e concepção destes problemas. Por isso, com o intuito de construir este espaço, me proponho a trabalhar com um certo tipo de experimentação e especulação a qual a atuação formal do arquiteto normalmente não se apropria. O tema a ser explorado é a paisagem urbana resultante de uma relação dialética e indissociável, na qual humanos se adaptam ao ambiente que habitam, e ao mesmo tempo adaptam este ambiente as suas necessidades e vontades. Tendo como problemática o desequilíbrio das óticas que produzem e reconhecem espaços dedicados à memória da cidade, entende-se à necessidade de construir uma narrativa sem a pretensão de esgotar o tema proposto. A proposta utiliza como ferramenta de análise, a indústria da extração de rochas e da técnica portuguesa da pedra talhada, tendo como foco a mão de obra escravizada e posteriormente especializada, que contribuiu fortemente para a construção da cidade e dos corpos que a povoam. Com base no levantamento bibliográfico, constata-se uma carência de exploração sobre o papel das pedreiras no processo de urbanização do Rio de Janeiro pelo campo da arquitetura. Portanto, esta pesquisa busca sentido justamente na possibilidade de servir de auxílio a uma nova reflexão sobre o tema. Os vazios das inúmeras frentes de pedreiras desativadas pela cidade, são enxergados como possíveis receptáculos de memória das relações sociais intrínsecas a formação e manutenção de cidades, que até hoje continuam a se balizar na exploração de uma classe trabalhadora, que por sua vez é excluída tanto do processo projetual quanto decisório. Portanto, esses vazios monumentais resultantes de uma simbólica transformação do relevo em arquitetura, configuram-se como espaços potentes para se discutir o real papel de nosso ofício.
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Morro do Corcovado. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1882)
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1. AS CIDADES DA CIDADE CIDADE 1. aglomeração humana localizada numa área geográfica circunscrita e que tem numerosas casas, próximas entre si, destinadas à moradia e/ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras e a outras não relacionadas com a exploração direta do solo; urbe. 2. (por metonímea) a população da cidade. (Fonte: Dicionário Oxford)
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Em 1565, enviado pelo então Governador geral Mem de Sá, Estácio de Sá1 desembarca na faixa de areia entre o Morro Cara de Cão e o Morro do Pão de Açúcar com o intuito de expulsar os franceses, fundadores da França Antártica2, e por consequência, fundar então a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O processo de conquista e colonização da região da Guanabara evidencia a dificuldade de se definir uma fundação, mas principalmente uma identidade local. Para se discutir uma cidade colonial é necessário compreender as praxes metropolitanas de controle territorial as quais era submetida. Talvez a mais pertinente seja o próprio conceito de cidade e a sua sutil diferenciação de vilas. As vilas podiam ser fundadas por donatários, capitães e governadores ou eram resultados de uma ordem régia que elevava de categoria determinado arraial. A criação de cidades, por sua vez, foi sempre um direito da Coroa e por isso, estes núcleos urbanos eram chamados de cidade real. Devido ao fato de ter sido fundado diretamente pela Coroa, o Rio de Janeiro teve o foro de cidade desde seus princípios e existe como materialidade jurídica a partir da decisão de quem detém determinado direito. A cidade que o trabalho pretende analisar não está pautada simplesmente nas suas bases organizativas resultantes do ato de fundação, mas sim no constante processo de transformação da urbe. Os processos de aglomeração humana que conformam sítios em cidades são fundamentais para o tema proposto. A população carioca é uma das variações da convergência do colonizador português, com povos ameríndios e africanos, a qual posteriormente, a imigração adiciona novos contingentes humanos que são absorvidos por esta amálgama de matrizes raciais, tradições culturais e formações sociais. No plano étnico‐cultural, essa transfiguração se dá pela gestação de uma etnia nova, que foi unificando, na língua e nos costumes, os índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos de África, e os europeus aqui querenciados. Era o brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas. (RIBEIRO, 1995 p.30)
1 Militar português, fundador da cidade São Sebastião do Rio de Janeiro, e primeiro governador-geral da Capitania do Rio de Janeiro, no período colonial. 2 Colônia francesa estabelecida na região da Baía do Rio de Janeiro, durante no século XVI, com o apoio da tribo indígena dos tamoios, existiu entre 1555 e 1570, quando os últimos remanescentes da aliança franco-tamoia foram derrotadas na Batalha do Cabo Frio, pelos portugueses e seus aliados temiminós. 9
Após desempenharem o papel de conquistadores, os portugueses se tornam povoadores. Podemos exemplificar tal informação, a partir de um documento que lista os primeiros moradores livres do Rio de Janeiro, nele podemos identificar 115 europeus e mamelucos e apenas um indígena: Araribóia, chefe dos Temiminós3. Porém, se adicionarmos a esta conta os europeus e mamelucos4 que comprovadamente frequentaram a Cidade Velha, mas não foram identificados pela documentação e mais os índios, sejam escravos ou aliados da expedição, podemos imaginar um número de 350 a 400 indivíduos responsáveis por uma povoação primitiva. (ALMEIDA DE ABREU, 2010, p.136-140) Dentro deste documento de Relação das Sesmarias da capitania do Rio de Janeiro, com 116 nomes, muitas vezes acompanhado da ocupação e proveniência, destacaremos um nome que não é tão discutido ou lembrado, mas evidencia um ponto chave para a pesquisa. O português Nuno Garcia, listado com a ocupação de pedreiro e vindo da Bahia. Pouco se sabe sobre a vinda do indivíduo para as terras da Guanabara. Entretanto, em meio a cartas jesuíticas extraídas de edições espanholas escritas em 1551 e 1555, podemos encontrar a carta escrita pelo padre Manoel de Nóbrega, endereçada ao padre Simão Rodrigues em Lisboa. Nela o padre relata sobre o período que esteve na Bahia e que contou com a colaboração efetiva do pedreiro nas obras jesuíticas, e por conta disso, solicita o perdão de sua pena de onze anos devido a um suposto assassinato. (HUE, 2006, p.68) ...Quis o Senhor nos deparar com um oficial pedreiro, e este vai fazendo pouco a pouco, o qual é um mancebo desterrado por um desastre que lhe aconteceu a morte de um homem; tem já cumprido um ano, faltam-lhe dez. Concertou comigo de servir esta casa por cinco anos com seu oficio, e que alcancemos do rei o perdão dos outros cinco. Não tem parte que o acuse. Fiz assim por conselho do governador e porque me prometeu que o alcançaria de Sua Alteza quando disto Vossa Reverendíssima não quisesse falar. (HUE, 2006, p.68) A utilização de mão de obra de degredados durante o início do período colonial, ilustra a importância do trabalho braçal e a escassez de especialização durante o período. A busca por uma massa populacional que possa possibilitar o crescimento da cidade é causadora de inúmeros movimentos migratórios. Portanto, a mão de obra 3 Tribo tupi que habitou a Ilha do Governador, São Cristóvão, Niterói e o sul do atual estado do Espírito Santo, no Brasil, no século XVI. 4 Filho de branco com índio; indivíduo que possui uma ascendência indígena e branca 10
escravizada, degradada ou imigrante, aliada ao domínio de técnica, conforma o instrumento necessário para a urbanização. De acordo com o historiador Luiz Antônio Simas, o entendimento de uma cultura diaspórica é essencial para se pensar o Rio, a produção de cultura onde só deveria existir o trabalho braçal, é o instrumento mais potente para se contar a história de uma cidade construída na relação das elites cariocas, o poder público e os pobres e escravizados. Administrar uma cidade, falar sobre uma cidade, escrever sobre ela, propor políticas públicas, implica no conhecimento, reflexão, amor e interação com os seus modos de recriação da vida e produção de cultura, função que nos faz humanos e nos redime do absurdo da morte. (SIMAS, 2013, p.30) O reconhecimento dos modos de recriação da vida e produção de cultura citado pelo autor evidencia a partir de que mãos a paisagem urbana foi construída e reforça a hipótese sobre qual a pesquisa pretende discorrer. Portanto, para fins metodológicos, entende-se que o caráter identitário da cidade não se dá somente na formação de sua população ou nas características do sítio na qual se desenvolveu, mas sim na relação entre população e sítio. Sendo neste caso, a identidade da cidade, um reflexo do complexo processo de formação de povo e cultura, causados por uma série de movimentos diaspóricos, e motivados pela exploração de determinada mão de obra. O trabalho pretende se desenvolver a partir de uma reflexão sobre a indústria da extração de rochas que durante o séc. XVII até o início do XX, produziu nas terras da Guanabara, uma simbólica transformação de seu relevo em arquitetura.
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1 1. Negra escravizada, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Alberto Henschel, 1870) 2. Negro escravizado, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Augusto Stahl, 1864) 3. Ă?ndio em estĂşdio, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1882) 4. Amolador, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1899) 5. Garotos jornaleiros, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Gomes Junior, 1899) 6. Vendedora de miudezas, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Gomes Junior, 1899) 7. Vassoureiro, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1899)
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SÉC. XVII
A cidade do Rio de janeiro no Morro do Castelo, princípios do séc. XVll. (Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)
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1713
A cidade do Rio de janeiro nos princípios do séc. XVIII. (Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)
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1750
A cidade do Rio de janeiro nos meados do séc. XVIII. (Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)
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1808-1812
A cidade do Rio de janeiro nos princípios do séc. XIX. (Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)
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1910
A cidade do Rio de janeiro após as reformas de Pereira Passos, princípios do séc. XX. (Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)
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1930
A cidade do Rio de janeiro após a reforma Carlos Sampaio, princípios do séc. XX. (Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)
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1965
A cidade do Rio de janeiro durante o governo Carlos Lacerda, SÊc. XX. (Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)
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2. A MANIPULAÇÃO DA MATÉRIA MATÉRIA 1. agregado de partículas que possuem massa. 2. substância sólida de que se faz um produto ou uma obra. (Fonte: Dicionário Oxford)
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Igreja de São Domingos, situada no largo do mesmo nome, em 1928. Construída em 1791, foi demolida para abertura da Av. Presidente Vargas. Situava-se defronte à atual Av. Passos. (Fonte: Cantarias e pedreiras históricas do Rio de Janeiro: Instrumentos potenciais de divulgação das Ciências Geológicas. Rio de Janeiro, 2012.)
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1. Vista do Pรฃo de Aรงucar. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1880) 2. Vista da Baia de Guanabara, lado de Niterรณi. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1890) 3. Vista da Baia de Guanabara. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1885)
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A paisagem da Ilha Brasil, é objeto de admiração e disputa desde a sua descoberta. Os maciços formados por granitos e gnaisses que sobem abruptamente sobre as zonas alagadiças ou areais em torno de uma baia de águas calmas, configuram um território com características estratégicas para o controle de uma área mais ampla. (WINTER RIBEIRO, 2016, p.57-58) (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.4-5) Em 2012, a cidade do Rio de Janeiro passou a integrar a lista de patrimônio mundial da UNESCO, ocupando a categoria de Paisagem Cultural, elaborada em 1992. O reconhecimento de tal título se baseia no fato da cidade ainda conservar mesmo que em partes, características marcantes de sua paisagem natural, apesar dos constantes processos de metropolização. Entretanto, a nomeação não pretende relevar os problemas da metrópole, seja suas contradições, carências ou os marcantes paradoxos de beleza e exclusão. É neste sentido em que o trabalho se aproxima da concepção da paisagem como patrimônio, chamando a reflexão o Rio de Janeiro, de modo a contribuir para a discussão da relação ser humano e natureza. (WINTER RIBEIRO, 2016, p.56) Considerando que, diante da amplitude e da gravidade dos novos perigos que os ameaçam, cabe à coletividade internacional participar da proteção do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional [...]; considerando que, para isso, é indispensável adotar novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional organizadas de modo permanente e segundo métodos científicos e modernos […], cabe a cada Estado-parte da presente Convenção identificar e delimitar os diversos bens situados em seu território […]. Cada Estado parte da presente Convenção reconhece que lhe compete identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às gerações futuras o patrimônio cultural e natural situado em seu território. (WINTER RIBEIRO, 2016. Apud. UNESCO. Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, 1972) O trabalho pretende pensar conceitualmente, esta cidade que tem como um de seus principais signos, a relação dialética e indissociável, na qual humanos se adaptam ao ambiente que habitam, e ao mesmo tempo adaptam este ambiente as suas necessidades e vontades. Pensaremos portanto, uma cidade que em determinado momento de sua formação, manipula sua topografia para obter a matéria prima básica da construção de inúmeros edifícios. Rochas decompostas também eram utilizadas em grande escala nos aterros, o que permitiu a ocupação gradativa das áreas pantanosas. (ALMEIDA, 2016, p.2) A tradição de pedra talhada, trazida pelos colonizadores portu25
gueses fomenta a formação de um conjunto de pequenas frentes de extração em diversos pontos da cidade, que com a chegada da coroa sofre um enorme aumento de demanda. Por isto, é no séc. XIX em que as zonas centrais e sul da cidade alcançam o ápice da extração das rochas, obrigando a expansão da atividade para áreas até então distantes, como Copacabana. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.9) Atualmente, devido as demandas ambientais, o mercado de exploração de rochas deslocou suas frentes de pedreira para áreas periféricas a zona central da cidade e por isso, os maiores empreendimentos encontram-se em municípios como Nova Iguaçu, Japeri, Seropédica e Itaguaí. Entretanto, as rochas exploradas distinguem-se daquelas da primeira fase de extração. Hoje, a exploração se concentra em tipos texturais mais homogêneos como ortognaisses e granodioríticos, enquanto no período colonial, a exploração foi caracterizada por tipos preferencialmente facoidais, como por exemplo a gnaisse facoidal e kinzigitos semi-facoidais. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.4-5) Apesar da dificuldade da extração, transporte e manuseio, a rocha e a técnica da cantaria ocupam um papel de destaque no processo de urbanização do Rio de Janeiro. O fato se deve ao solo excessivamente rico em matéria orgânica e, portanto, pouco propício a técnica da taipa, baseada no sistema de compactação do solo na maioria das vezes em conjunto com algum aglomerante para melhorar as características do material. O processo se configura em peneirar a porção de solo, acrescentar água para que chegue ao ponto necessário de umidade e posteriormente colocar a mistura dentro de uma forma para finalmente compactá-la, usando pilões ou compactadores manuais. No período colonial, as rochas eram utilizadas somente em determinados componentes construtivos como pilares ou tinham uma função quase exclusivamente estética, compondo molduras de portas e janelas em cantaria1, que demandavam uma mão-de-obra especializada. Todavia, na cidade do Rio de Janeiro, além de ser utilizada em adornos de uma cantaria decorativa, o material compunha praticamente toda a construção. Nos textos do missionário americano Daniel Parish Kidder, escritos em 1857 é ressaltado o contraste da eficiente técnica de construção em taipa praticada em São Paulo com o método aplicado no Rio, descrevendo casas compostas por fragmentos de rochas cimentadas com argamassa, que formavam paredes espessas como “fortalezas”. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.6) A predominância da utilização de rochas como o principal material na construção, mantem-se citado em inúmeros textos desde o séc. XVIII até o início do XX. Portanto, podemos definir 3 fatores que impulsionaram a indústria da exploração. A transformação da cidade 1 ofício de talhar blocos de rocha bruta de forma a constituir sólidos geométricos de variável complexidade, para utilização na construção de edifícios ou de muros. 26
em capital do país em 1763, promovendo o aumento da área urbanizada, a chegada da família real em 1808, trazendo melhorias urbanas, como por exemplo, o aumento do uso de rochas na pavimentação de ruas, e posteriormente, pela remodelação urbana promovida pelo então prefeito Pereira Passos que administrou a cidade entre 1902 e 1906. O centro da cidade é um retrato da importância das rochas para a paisagem urbana. Podemos destacar a Gnaisse facoidal que apesar de não ser um tipo de rocha exclusiva do Rio, Niterói e municípios vizinhos, chama a atenção pela massiva utilização. As inúmeras construções em cantaria e ruas inteiras pavimentadas em rocha, podem ser vistas na região do corredor cultural2 que se estende desde a Igreja da Candelária até a praça XV. A rua do Mercado, travessa do comércio, o entorno do passeio público e dos Arcos da Lapa, também são bons exemplos da utilização de pedras centenárias. Tamanha aplicação anda paralelamente com o desenvolvimento da indústria de extração, que por sua vez influenciava diretamente o traçado urbano, intensificando o fluxo de pessoas e principalmente criando a necessidade de escoamento do material extraído. Dentre as inúmeras frentes de pedreiras abertas pela cidade, pesquisa propõe o recorte do grande complexo de extração que se desenvolveu no entorno do Morro da Conceição, localizado atualmente entre a atual Avenida Presidente Vargas e a zona portuária. O complexo contava com frentes conhecidas como São Diogo, Livramento e Providência, de acordo com a denominação de cada trecho da cadeia rochosa. A dimensão do conjunto de exploração, atesta a sua importância como uma das principais fontes de matéria prima deste período, estendendo suas atividades mineradoras até 1960, deixando um grande impacto visual nas encostas, que hoje em dia, passa despercebido por entre os edifícios mais altos. Se olharmos atentamente aos vestígios históricos contidos no traçado urbano deste trecho de cidade, podemos ter uma real noção da importancia da rocha no Rio de Janeiro. A atual Rua dos Andradas, antes conhecida como Rua da pedreira do Aljube, funcionava como via de escoamento e tinha objetivo de conectar o centro urbano com a pedreira localizada nas proximidades da prisão do Aljube. A função de via de transporte era compartilhada com a Rua da Conceição, então designada de Rua da pedreira da Conceição, que por exemplo, serviu como trajeto até a construção da Igreja de São Francisco de Paula, no Largo de São Francisco. As duas ruas eram ligadas pela atual Rua Júlia Lopes de Almeida, conhecida na época como beco das pedreiras. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.9)
2 LEI N. 506 DE 17 DE JANEIRO DE 1984 - Cria a Zona Especial do Corredor Cultural, de proteção paisagística e ambiental do Centro da Cidade, dispõe sobre o tombamento de bens imóveis na área de entorno e dá outras providências. 27
Processo construtivo de uma parede em taia de pilão. (Fonte: Dicionário de arquitetura brasileira. São Paulo, 1972)
Processo construtivo de uma parede em taia de pilão. (Fonte: Dicionário de arquitetura brasileira. São Paulo, 1972)
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No figura (A) observa-se a forma que resultarĂĄ apĂłs o cinzelamento do bloco, conforme a figura (B). (Fonte: Manual de canterĂa, 2005)
Processo construtivo de uma parede em pedra. (Fonte: La construction romaine. Paris, 1988)
Exemplo de andaime dependente (A) e independente (B). (Fonte: La construction romaine. Paris, 1988)
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Frentes de pedreiras desativadas na regiĂŁo do centro histĂłrico e zona sul do Rio de Janeiro. (Fonte: Imagem pelo autor)
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produzida
Pedreira da Glória, olhando em direção à Praia do Flamengo, vê-se ao fundo o Morro da Viúva. (Fonte: Rugendas, 1889)
Pedreira da Glória, na frente de extração voltada para a praia. Olhando em direção a Enseada da Glória, escravos perfuram a rocha para introdução de explosivos (Fonte: Debret, 1835)
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Cais do paço Imperial (atual Praça XV), construído com blocos de gnaisse facoidal; no centro o Chafariz do Paço; à esquerda, o Palácio do Paço; ao fundo a Igreja da Sé e Convento do Carmo. (Fonte: Debret, 1835)
A rua direita, atual 1° de março; destaca-se em primeiro plano a pavimentação em rocha, e em segundo plano a Igreja do Carmo e o Morro do Castelo (Fonte: Rugendas, 1889)
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Atual Rua da Conceição, antes conhecida como Rua da pedreira da Conceição. (Fonte: imagem pelo autor.)
produzida
Atual Rua dos Andradas, antes conhecida como Rua da pedreira do Aljube. (Fonte: imagem pelo autor.)
produzida
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3. CAVOUQUEIROS, LASCADORES, PEDREIROS, MACAQUEIROS E CANTEIROS TRABALHO 1. conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir determinado fim. 2. ação ou modo de executar uma tarefa, de manejar um instrumento. TÉCNICA 1. conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência. 2. jeito, perícia em qualquer ação ou movimento. (Fonte: Dicionário Oxford)
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A transformação de uma paisagem urbana a partir da exploração da rocha, também pode ser explorada baseando-se no conceito elaborado a partir da biologia e transferido para as relações entre sociedade e natureza por autores como Fischer-Kowalski e Weisz. O metabolismo social é estruturado na relação dos fluxos de energia e materiais através do trabalho. Sob óticas socias, ecológicas e físicas, o metabolismo social tem como objetivo, analisar determinado sistema produtivo e suas condições históricas. Para a biologia, metabolismo se conforma como o conjunto de transformações num organismo vivo, pelas quais passam as substâncias que o constituem. Estas transformações resultam no crescimento, produção de energia, trabalho, eliminação de resíduos, transporte e reprodução. Portanto, aplicando a mesma lógica aos sistemas sociais, a reprodução da população humana, sua determinada produção econômica e processos de consumo, fazem-se necessários insumos que geram matéria e energia, chamados de “metabolismos socioeconômicos”. O conceito apresentado é trabalhado pelo geógrafo Rogério Ribeiro de Oliveira, através de uma pesquisa de campo que teve início em 1999, buscando mapear nas montanhas do Rio de Janeiro, plataformas artificiais para fabricação de carvão vegetal, utilizadas no séc. XIX, principalmente por quilombolas ou ex-escravos, que encontraram em determinada atividade o seu meio de sustento. De acordo com o autor, o crescimento da produção de carvão, impulsionada pela necessidade de energia, disponibilidade de recurso natural e contingente humano, abastecia diversas atividades urbanas, e dentre elas destaca-se a construção civil, principalmente o ofício da cantaria. Justamente neste ponto a pesquisa se faz pertinente a este trabalho, pois em todo o processo que tem a rocha como material de trabalho, é necessário afiar inúmeras vezes os instrumentos utilizados, sejam eles ponteiros, talhadeiras ou cinzéis. Tais ferramentas, não podiam ser afiadas a esmeril, para não perderem o fio. Portanto, devem ser levados a forja e trabalhadas na bigorna. Estas forjas, alimentadas a carvão se multiplicavam para suprir a necessidade da urbanização. (RIBEIRO DE OLIVEIRA E STINGEL FRAGA, 2016, p.37-40) Além dos trabalhadores que lidavam com a extração de rocha, conhecidos como cavouqueiros, havia lascadores de fogo, responsável pela disposição de explosivos; pedreiros, especializados nos serviços de construções de pedras e cuja denominação é usada, até hoje, para designar profissionais envolvidos com edificações; macaqueiros (especialista no fabrico de macacos, sinônimo de paralelepípedos) e canteiros, profissionais capazes de produzir peças de cantaria (do latim canthus, aresta) para uso em pisos e adornos. Em outro nível social, estavam concessionários de mineração, construtores e comerciantes. (ALMEIDA, 2016, p.5) 35
Com o passar do tempo, as considerações estéticas e o desenvolvimento de tecnologias construtivas saíram do âmbito do talhe, característico das obras em cantaria, e passou a ficar limitado a revestimentos, onde cinzel é trocado pela serra. Todavia, as relações sociais intrínsecas a formação e manutenção de cidades, continuam a se balizar na exploração de uma classe trabalhadora1, que por sua vez, é excluída tanto do processo projetual e decisório, incluindo as narrativas historiográficas oficiais.
1 conceito mais amplo da categoria clássica de proletariado, definida por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista de 1848. Abrange não só o proletariado, mas todas as camadas sociais que vivem da venda da sua força de trabalho.
Colagem produzida a partir de pinturas de Rugendas e Debret. (Fonte: Imagem produzida pelo autor)
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Carvoaria feita em área plana. (Fonte: Fluxos de energia, matéria e trabalho na construção da paisagem do Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro, 2016.)
Calçamento por three-manbeetle nas ruas do Rio de Janeiro. (Fonte: Cantarias e pedreiras históricas do Rio de Janeiro: Instrumentos potenciais de divulgação das Ciências Geológicas. Rio de Janeiro, 2012.)
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Exemplo de cinzéis planos; 1 e 6 – cinzel plano usado no mármore; 2 – usado no granito; 3 – usado no calcário; 4 - usado para cinzelar letras; 5 – usado para desbaste; 7 – usado para abrir canais (Fonte: The art of stoneworking: a reference guide. Cambridge. Cambridge, 1993)
Diferentes formas de ponteiros e seu modo de utilização; 1 a 3 – ponteiros; 4 a 6 – três modos diferentes de aplicar a ferramenta no granito (Fonte: The art of stoneworking: a reference guide. Cambridge. Cambridge, 1993)
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Diferentes formas de cinzéis dentados (Fonte: The art of stoneworking: a reference guide. Cambridge. Cambridge, 1993)
Picareta de pedreira (1) e picareta de canteiro (2). (Fonte: Outils et techniques spécifiques du travail de la pierre dans l´íconographie médiévale Outils et techniques spécifiques du travail de la pierre dans l´íconographie médiévale)
Exemplos de compassos (1-4) e nível de prumo (5). (Fonte: The art of stoneworking: a reference guide. Cambridge. Cambridge, 1993)
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4. A PAISAGEM E O RESIDUAL. PAISAGEM 1. Extensão do território que o olhar alcança num lance; vista, panorama. 2. Conjunto de componentes naturais ou não de um espaço externo que pode ser apreendido pelo olhar. RESÍDUO 1. Que resta, que remanesce. (Fonte: Dicionário Oxford)
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Como referido anteriormente, a paisagem listada como Patrimônio Mundial pela UNESCO, apresenta uma beleza exuberante que também configura uma série de dificuldades ao assentamento humano ao longo da história. O conceito de paisagem que considero mais apropriado para a elaboração do trabalho é tema de estudo do geógrafo francês Augustin Breque. A paisagem é uma marca, porque ela exprime uma civilização; mas também é uma matriz, porque participa de esquemas de percepção, de concepção e de ação, isso é, da cultura que canalizam, em certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza, em outras palavras, com a paisagem de seu ecúmeno. (HOLZER, 2000. Apud. BREQUE, 1984) A paisagem se conforma como a expressão física da ação do homem na natureza e por isso, autores como Werther Holzer, a configuram como receptáculo de memória. O Arquiteto e Urbanista com Doutorado em Geografia Humana, defende o fato de que espaço e tempo estão indissoluvelmente ligados através de temas como memória, paisagem e lugar. Em seu artigo “Memórias de viajantes: Paisagens e lugares de um novo mundo”, utiliza os relatos dos viajantes Jean de Lery e Hans Staden para mostrar a contribuição da geografia humanista em estudos sobre lugares de memória, considerando que indivíduos e culturas apropriam-se de espaços naturais, conformando-os em artefatos devido às suas intenções e ações, definindo a memória e a transmissão parcial das experiências prévias como elementos fundamentais para a compreensão destas ações. O passado nos rodeia e nos satura; toda cena, todo enunciado, toda ação conserva conteúdo residual dos tempos passados. [...] séculos de tradição suportam cada instante de percepção e de criação, permeiam não somente os artefatos e a cultura, mas as células de nossos corpos. (HOLZER, 2000. Apud. LOWENTHAL, 1985. p.111) A presente pesquisa identifica a frente de pedreira localizada na encosta do Morro da Providência como potencial receptáculo de uma memória do constante processo de reformulação da paisagem carioca, refletindo as políticas de modernização espacial que vem sendo implementadas por agentes políticos, em diversas escalas. Pretende-se refletir por meio deste trabalho, as questões do domínio da técnica, dos fluxos de energia e dos materiais através trabalho e os agentes que disputam seu espaço. Portanto, como a arquitetura pode se inserir na paisagem ao mesmo tempo em que se apropria do residual. Diante da compreensão da extensão da utilização da pedra na cidade do Rio de Janeiro e da impossibilidade da produção de uma espécie de arqueologia reversa do material extraído das pedreiras, 41
me proponho a escolher um trecho da cidade, cujo os temas trabalhados até aqui encontram-se talhados em nossa história. Tão profundamente talhados que podem ser compreendidos através do olhar atento a manipulação da matéria rochosa. Portanto, a tentativa de apropriação do residual consiste no olhar atento a áreas que em determinado período abrigaram as atividades portuárias no Rio de Janeiro. Durante o séc. XVIII a cidade do Rio de janeiro caracterizava-se como uma sede de poder e, portanto, tornava-se passível de investimentos urbanos cada vez mais arrojados. A região da praça XV, que até então comportava as atividades portuárias, passa a sofrer consideráveis alterações em sua morfologia por meio de aterros e da divulgação de medidas urbanísticas. Foi construído então um cais de cantaria aparelhada, que passaria a abrigar o novo chafariz. Projetado por Valentim da Fonseca e Silva e inaugurado em 1789, tinha como objetivo abastecer tanto a população quanto as embarcações que atracavam nas proximidades. (COLCHETE FILHO, 2008, p. 46-47) Também feito em cantaria, constitui-se como uma pequena torre de quatro faces com uma pirâmide quadrangular em seu topo. As arestas da torre são arrematadas com pilastras cilíndricas, que sustentam uma espécie de balaustrada que ocupa o perímetro da pirâmide.Em sua fachada voltada para o mar, encontra-se uma porta junto a uma placa comemorativa relativa a inauguração do monumento. Nas demais faces, existem elementos semelhantes à cubas, que recebiam a água coletada por tanques que ficavam no subsolo do chafariz. Apesar das constantes mudanças morfológicas ocorridas em seu processo evolutivo serem extremamente relevantes para o entendimento das dicotomias presentes no processo de urbanização do Rio de Janeiro, aquela que parece mais pertinente a esta pesquisa é produzida através do poder público em serviço às classes mais altas, e se deve ao fato da sociedade carioca se sentir incomodada com as cenas da chegada de corpos escravizados ao local, fazendo com que o então Vice-Rei e Capitão Geral de Terra e Mar, o Marquês de Lavradio, escolhesse a região do entorno da pedra do sal para abrigar o crescente comércio de africanos. Apesar da região já contar com alguns trapiches e casas comerciais, fazendo com que interagisse cada vez mais com o restante da cidade, o local ainda continuava relativamente isolado devido à proteção oferecida pelos morros da Conceição e Providência. Esta característica foi fundamental para a escolha da região. Visto que, poderia atender a falta de capacidade das elites cariocas de conviver com as crualdades que compactuam. (CORRÊA, 2016, p.3)
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A intenção de mantê-lo em uma região mais afastada era devido em parte à crueldade e a insalubridade do negócio. Mas, principalmente, pelo fato de os moradores da cidade se queixarem do terrível espetáculo de retirada dos corpos de escravizados mortos durante a viagem da África ao Rio. Reclamavam, também, das doenças trazidas pelos que restavam vivos. Entre as décadas de 1760 e 1830, o Valongo, ou Vale Longo – nome que, à época, designava não somente a rua, como toda a região da Pedra do Sal até a Gamboa – era conhecido como local de depósito e “venda de carne humana” procedente da África. (LIMA, 2016, p.3)
Chafariz da Praça XV Valentim da Fonseca e Silva, 1789 Brasil, Rio de Janeiro (Fonte: Imagem produzida pelo autor)
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1620
1750
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1840
1870
1910
2002
Transformação do Largo do Paço, atual Praça XV. (Fonte: Imagens produzidas por Carlos Gustavo Nunes (Guta)/IPP)
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Até meados do século 18, o local ainda não tinha sido aterrado. Ficava próximo ao mar e era habitado por pescadores e salineiros. Além de alguns trapiches de sal, a paisagem era composta também por construções imponentes, como o Palácio do Bispo, a Igreja de São Francisco, a Fortaleza da Conceição e a Cadeia de Aljube. Para essa cadeia eram enviados os escravizados que cometessem crimes, bem como os quilombolas. Ali, também era possível ver algumas chácaras pontuando os morros próximos, como o Morro da Conceição e o da Providência. (LIMA, 2016, p.3)
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Atual zona portuĂĄria do Rio de Janeiro com o traçado do antigo limite marĂtimo delimitado a partir de determinada cadeia rochosa. (Fonte: Imagem produzida pelo autor)
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1608
1710
1817
1930
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2002
Transformação da região da atual zona portuárea. (Fonte: Imagens produzidas por Carlos Gustavo Nunes, Guta/IPP)
A área em questão é essencial para se contar a história do Rio de Janeiro e delimita-se entre um trecho do Centro, Gamboa, Saúde, Santo Cristo e Caju. Os trapiches e ancoradouros da Prainha e do Valongo, escondida pelos Morros da Conceição e Providência, fazem parte região da chamada pequena África, e desempenham talvez o principal papel na questão da formação cultural do Rio de Janeiro. A paisagem do entorno da Pedra da Prainha passou a ser caracterizada por uma forte presença negra, tanto dos novos africanos quanto dos mais antigos. Escravizados, eles atuavam em várias atividades ligadas à recepção e ao comércio dos africanos: nas etapas de embarque e desembarque do tráfico negreiro; preparando o alimento dos recém desembarcados; na cura de doenças e nos sepultamentos dos que faleciam. Devido a essas atividades, a região tornou-se, desde essa época, berço de práticas e rituais religiosos de matriz afrobrasileira. (LIMA, 2016, p.4) Os horrores do tráfico negreiro na região foi regisrado por inúmeros viajantes estrangeiros que relatam a luta por sobrevivência pautada na reconstrução de relações sociais, com o intuito de seguir na medida do possível com seus costumes. Mesmo após o comércio negreiro no Valongo ser declarado ilegal em 1831, a presença negra na região da prainha continuava predominante, pois os escravizados ainda trabalhavam nos trapiches e no porto. Posteriormente, o aterro da orla possibilitou a construção de um novo cais, e consequentemente a abertura da Rua Nova de São Francisco da Prainha. Todo este trabalho de abertura de uma via que cortava grande parte da pedra da Prainha e que promoveu a ampliação da área urbanizada foi realizado por apenas uma dezena de homens escravizados. (LIMA, 2016, p.4-5) A região do Valongo também pode ser lida através da rocha. Para tal fim, faz-se necessário uma apropriação reflexiva sobe a Pedra do 49
Sal, que assim como a maior parte das formações rochosas da cidade, trata-se de uma gnaisse facoidal. Bastante resistente ao intemperismo e de origem magmática, com coloração cinza/marrom e textura rugosa, apresenta uma alta dureza e baixa porosidade, caracterizando-se como uma pedra semigranítica. Este tipo de rocha, além de participar ativamente do processo de urbanização, está presente em inúmeros monumentos que caracterizam o Rio de Janeiro nacionalmente e internacionalmente, como por exemplo o Pão de Açúcar e o Corcovado. O nome de Pedra do Sal se deve justamente ao sal descarregado do porto por negros escravizados e também era conhecida como “quebra-bunda”, pelo fato das pessoas escorregarem com facilidade. Por este motivo, decide-se esculpir diretamente na rocha uma escada. Comparando com sua dimensão atual, a pedra do sal ocupava um trecho muito maior, chegando até as encostas do Morro da Conceição, onde inicia-se a colonização portuguesa no Rio de Janeiro. (VENTURA, 2019, p.20-21) A região da Pedra do Sal é sem dúvida, um exemplo de memória cristalizada no território e portanto, é protegida pelo INEPAC. Em 2004, através da associação de um projeto cultural criado por lideranças do local com um movimento de resistência as desapropriações, surge o ARQPEDRA: Associação de Resistência Quilombola da Pedra do Sal, do qual fazem parte moradores ameaçados de despejo que queiram assumir um projeto de vida comunitário, comprometido com a preservação da memória negra da região. (LIMA, 2016, p.11) A Pedra do Sal foi valorada por simbolizar o território das relações sociais e afetivas, que se manifestavam como as rodas de samba, as danças, as festas, as comidas, os rituais de candomblé. Com o fim da escravidão foi a maneira como os negros pobres excluídos socialmente encontraram para perpetuarem e recriarem suas tradições, com práticas que serviam como uma válvula de escape para a vida que era difícil e de resistência cultural, “levando-os a desenvolverem expressões culturais próprias em relação ao restante da cidade” (VENTURA, 2019, Apud. VELLOSO, 1990, p.15) Muitas vezes, devido a determinados acontecimentos históricos, um lugar desenvolve uma importância simbólica para algum grupo social, e a patrimonialização é simplesmente uma chancela institucional daquilo que já é valorado. Entretanto, o poder de criação de patrimônios culturais chancelados pelo governo é um importante instrumento de controle sobre as narrativas da cidade.
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1. (Fonte: caminhosdorio.com, acessado em 2020)
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2. (Fonte: noticiapreta.com, acessado em 2020)
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1. (Fonte: visitrio.com, acessado em 2020) 2. (Fonte: INEPAC. Documento do processo de tombamento da Pedra do Sal. NĂşmero/E-18/300048/1984. p. 2) 2. (Fonte: INEPAC. Documento do processo de tombamento da Pedra do Sal. NĂşmero/E-18/300048/1984. p.5)
2
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A partir de uma lei municipal publicada em 2009, a zona portuária foi novamente alvo de uma reformulação. Desta vez protagonizada por uma operação urbana consorciada do projeto porto maravilha, a maior parceria público privada do país (PPP), interrompendo assim qualquer tentativa de transformação pautada na participação social e moradia popular que vinham sendo articuladas. De fato, os conceitos de revitalização e de requalificação representam um conjunto de ideias e ações que vão muito além da modernização dos equipamentos urbanos. Eles implicam também diretamente na ressignificação de uma área oficialmente encarada como “degradada”, fora dos padrões desejados. Estamos a todo momento diante de processos que ressignificam, isto é, dotam algo ou alguém de novos significados. Nesse contexto, as divergências conceituais são também divergências políticas. (LA BARRE E LIMA, 2019, p.233) Invariavelmente, cada ator social mobiliza sua memória na construção de um discurso, que por sua vez influencia diretamente sua posição política. Entretanto, quando um destes atores esta munido de um discurso dotado de oficialidade, podemos observar tentativas de orientação de uma memória coletiva e dos lugares. No caso da zona portuária, esta questão encontra-se na criação oficial do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana pela Prefeitura do Rio de Janeiro e na tentativa de participação popular neste processo por meio de movimentos culturais, movimentos negros e movimento quilombola da Pedra do Sal. (LA BARRE E LIMA, 2009, p. 234) Para além de uma discussão sobre as reais intenções do poder público na escolha dos pontos deste circuito, que podemos classificar no mínimo como questionável, a escolha dos jardins suspensos do Valongo como uma das prioridades se configura como uma tentativa de controle sobre uma narrativa de formação da cidade. Isso se deve ao fato de ter sido inaugurado por Pereira Passos em 1906 e que segundo a historiadora Martha Abreu foi “algo feito sob inspiração europeia justamente para ajudar a ocultar a importância do Cais do Valongo.” A tentativa de controle sobre uma memória coletiva é insistentemente repetida pelo projeto do porto maravilha. Esta afirmação pode ser justificada se lembrarmos que os midiáticos Museu de Arte do Rio e Museu do Amanhã (ambos administrados pela Fundação Roberto Marinho com dinheiro público) começaram a ser construídos no mesmo período da escavação que resultou na redescoberta do cais do Valongo. Enquanto os inúmeros objetos de matriz africana encontrados durante a escavação não se encontram disponíveis ao público, mesmo sobre constante cobrança do movimento negro. Fica visível o descaso do estado ao alegar falta de verba para organizar a exposição dos 54
objetos enquanto os Jardins suspensos do Valongo encontram-se perfeitamente recuperados e o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio, compõem a paisagem pacificada e higienizada da atual praça Mauá. (BURROCO E BRANDÃO, 2017) Esta pesquisa pretende evidenciar o conflito de raças e classes em relação ao pertencimento do território do porto. A apropriação da cadeia rochosa que conforma este trecho da cidade, nos permite pensar o processo de urbanização e gentrificação, como um processo visual capaz de preencher a paisagem de significados simbólicos. Nesta disputa, a qual neste ponto espero já ter deixado claro a posição deste trabalho de conclusão de curso, os vazios de pedreira podem ser signos importantes da narrativa que este pesquisa vem construindo.
Desde sua midiática inauguração o Museu do Amanhã se caracteriza como um signo da narrativa oficial que se pretende vender ao exterior uma imagem pacificada do Rio. (Fonte: Globo.com, acessado em 2020)
Devido a ausência da Concessionária Porto Novo que deveria se encarregar dos serviços urbanos. Sobrou para os funcionários da Comlurb trabalharem na limpeza do Cais do Valongo após uma inundação causada pela insuficiência do sistema de drenagem perante uma forte chuva que carregou grandes quantidades de lixo ao local. (Fonte: Estadao.com, acessado em 2020)
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5. A PERCEPÇÃO DO VAZIO VAZIO 1. que não contém nada (ou contém apenas ar) ou quase nada. 2. espaço não ocupado ou o mais esvaziado do que continha; vácuo, oco, vão. (Fonte: Dicionário Oxford)
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A crítica, teórica e professora de arte moderna Rosalind Krauss, em seu texto “A escultura no campo ampliado” de 1979, desenvolve uma narrativa baseada na possibilidade de ampliação do termo cultural de escultura, fazendo com que atualmente o mesmo consiga abranger quase tudo. A autora então passa a buscar alguma consolidação do termo, que embora pareça infinitamente manipulável, tem suas fundações fortemente construídas no campo do historicismo. Fato que, por muitas vezes, acaba reprimindo qualquer tipo de ensaio de ruptura definitiva. (KRAUSS, 1979, p. 129) Rosalind Krauss chega a conclusão da impossibiliade da separação entre escultura e história, justificada pela relação com o conceito de monumento, como algo que se situa em determinado local e fala de forma simbólica sobre o significado ou uso do mesmo. As esculturas funcionam portanto em relação à lógica de sua representação e de seu papel como marco; daí serem normalmente figurativas e verticais e seus pedestais importantes por fazerem a mediação entre o local onde se situam e o signo que representam. (KRAUSS, 1979, p. 131) Impulsionada pelo processo crítico que acompanhou a arte americana no pós-guerra, a negação a esta lógica pode ser exemplificada pela transformação da base em um fetiche. Portanto, a escultura absorve o pedestal para si enquanto a retira do seu lugar, e através da representação de seus próprios materiais ou processo de construção, expõe sua própria autonomia. (KRAUSS, 1979, p.132) No final da década de 60, a partir da experimentação de alguns artistas como Robert Smithson, Michael Heizer, Richard Serra e outros, a escultura passou a ocupar exclusivamente o lugar de negação a paisagem e a arquitetura. Iniciando assim, o processo de “expansão da lógica”, baseado na relação de elementos como arquitetura, não-arquitetura, paisagem e não-paisagem, que se comunicam entre si, criando aquilo que a autora chama de “campo ampliado”. (KRAUSS, 1979, p. 135) A respeito dos trabalhos encontrados no início dos anos 60, seria mais apropriado dizer que a escultura estava na categoria de terra-de-ninguém: era tudo aquilo que estava sobre ou em frente a um prédio que não era prédio, ou estava na paisagem que não era paisagem. (KRAUSS, 1979, p. 132) Entretanto, Krauss enfatiza que apesar da escultura ter se tornado uma espécie de combinação de exclusões, não significa que os termos que a construíram (não-paisagem e não-arquitetura) deixaram de possuir determinado interesse. Isto ocorre devido ao fato destes termos expressarem uma oposição rigorosa entre o construído e o não construído, o cultural e o não cultural, entre os quais a produção 57
escultórica parecia estar suspensa. (KRAUSS, 1979, p. 133) O presente trabalho pretende atuar dentro desta estrutura mapeada pela autora, buscando pensar a história urbanística da cidade do Rio de Janeiro através símbolos talhados na paisagem. Para tal, faz-se necessário ensaiar uma ruptura com certa formalidade arquitetônica para se buscar uma ampliação das memórias da ação do homem em um determinado lugar.
Displaced/Replaced Mass Michael Heizer, 1994 EUA, Nova York (Ace Gallery) (Fonte: gagosian.com, acessado em 2020)
Double Negative Michael Heizer, 1969 EUA, Nevada (Fonte: pinterest.com, acessado em 2020)
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O único sinal que indica a presença da obra é uma suave colina, uma inchação na terra em direção ao centro do terreno. Mais de perto pode-se ver a superfície grande e quadrada do buraco e a extremidade da escada que se usa para penetrar nele. A obra propriamente dita fica portanto abaixo do nível do solo: espécie de pátio, de túnel, fronteira entre interior e exterior, estrutura delicada de estacas e vigas. Perimeters/Pavillions/ Decoys de Mary Miss (1978) é certamente uma escultura, ou mais precisamente, um trabalho telúrico. (KRAUSS, 1979, p. 129)
Perimeters/Pavillions/ Decoys Mary Miss, 1978 EUA, Long Island (Fonte: marymiss.com, acessado em 2020)
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Para uma melhor compreensão da narrativa construída até aqui, foi elaborado um diagrama, diferente dos que produzimos durante a graduação de arquitetura, que normalmente buscam elucidar o funcionamento de um edifício. Este pretende aparar as arestas de um trabalho de conclusão de curso que se conforma como uma pesquisa não revisionista. Portanto, o diagrama é uma tentativa de organização deste trabalho.
O diagrama pode ser analisado da seguinte maneira: (arquitetura-técnica e urbanismo-história) Existem dois eixos que estruturam a pesquisa, baseados em relações de convergência entre os temas. (espaço-tempo) Os eixos de pesquisa se desenvolvem dentro da relação indissociável entre espaço e tempo. (vazio-matéria) A presente pesquisa busca analisar tal relação a partir da capacidade de manipulação da matéria.
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A relação entre espaço e tempo na cidade fica evidente em qualquer retrato urbano, que devido a uma inevitável saturação funcional e espacial, deixou de mostrar o estado dos lugares e passou a ilustrar a rapidez de seu desaparecimento. Esta paisagem passou a abrigar enormes áreas abandonadas que coexistem com áreas de ocupação intensa e desordenada, transformando assim, o vazio em um paradigma da cidade. Estes vazios são justamente definidos pelo contraste com uma intensa urbanização que através de uma ótica geométrica pode ser definida como um empilhamento de planos horizontais. (BRISSAC, 1996)
Esta determinada visão sobre a cidade pode ser justificada através da percepção humana sobre a paisagem urbana. Esta orientação espacial pautada na leitura de elementos verticais e horizontais é intensamente trabalhada por Angelo Bucci. De acordo com o arquiteto que tem sua atuação dividida entre entre produções práticas e acadêmicas do campo, o entrelaçamento entre as duas frentes de atuação são primordiais para a construção de suas reflexões sobre a relação entre a atividade do arquiteto e a paisagem urbana.
(Fonte: Leitura e interpretação de desenho técnico mecânico, 1996)
A linha do horizonte e o zênite são os dois elementos primordiais da nossa orientação no espaço. A linha de nível e o fio de prumo são as duas ferramentas fundantes da nossa cultura construtiva. (BUCCI 2010. p. 25) O reconhecimento de elementos da cidade como vetores para elaboração de projetos de arquitetura se caracteriza como o norte desta pesquisa. Partindo deste ponto, podemos interseccionar determinados elementos com o trabalho do Geógrafo Milton Santos. Sua produção acadêmica gira em torno de questionamentos sobre o trabalho 61
do geógrafo e a inseparabilidade entre categorias como tempo e espaço. O autor também se apropria da verticalidade e da horizontalidade como elementos que respondem a determidadas relações sociais do espaço urbano. (SANTOS 2012, p.11) As verticalidades são vetores de uma racionalidade superior e do discurso pragmático dos setores hegemônicos, criando um cotidiano obediente e disciplinado. [...] As horizontalidades são tanto um lugar da finalidade vinda de fora, de longe e de cima, como da contra-fnalidade, localmente gerada. (SANTOS 2012, p.11) Dentro do horizonte congestionado da paisagem urbana, a verticalidade se configura como a racionalidade do uso do espaço, o pragmatismo contido no empilhamento dos planos horizontais aos quais transitam nossos corpos. Entretanto, a vertical está presente na paisagem também em elementos naturais e pode ser comtemplada em sua plenitude no Rio de Janeiro. Ao olharmos para o terreno que se configura como o objeto desta pesquisa, notamos que a força de sua verticalidade está justamente no corte geológico que sobe sobre um chão de terra. A atuação do homem sobre a natureza se configura como plano de fundo deste território, e a constante dificuldade do assentamento urbano na cidade passa a causar desafios para o movimento dos corpos. Apropriando-se das noções de “site especific” fomentadas pelo movimento artístico americano iniciado no final da década de 60, somadas com a constatação da necessidade de uma ruptura com determinado pragmatismo, me parece pertinente atentar para as noções de horizontalidade já indicadas pela pesquisa, que partindo do entendimento da abertura do espaço para a contra-finalidade, percebe-se que a amplitude de um plano horizontal, se caracteriza como libertário, inspirador e convidativo. O constraste de um vazio inserido na densificação urbana é a potencialização do improvável e a certeza da necessidade de um espaço de caráter cívico. A frente de pedreira em que a proposta se desenvolve ocupa a encosta do Morro da Providência, localizado atrás da Central do Brasil, próxima ao terminal de ônibus Américo Fontenelle e ao teleférico que hoje encontra-se desativado. As visadas listadas abaixo são resultantes do trajeto de algumas visitas feitas durante a produção deste trabalho. O percurso parte da central do Brasil, passa pelo teleférico, circunda o Terminal de ônibus e chega ao morro da Providência por um acesso paralelo ao túnel. Percorre as ruas e vielas estreitas até chegar a escadaria que leva ao largo da igreja da N. S. da Penha. O espaço que se conforma como um vazio rodeado de uma infinidade de construções é constantemente utilizado para atividades culturais pelos moradores do local e está localizado exatamente no limite da 62
pedreira. Já o vazio circundado pela encosta da antiga frente de pedreira que possui aproximadamente 100 metros de altura é utilizado como garagem de ônibus. Entre estes dois vazios paralelos com uma diferença de 100 metros entre suas cotas, existe uma monumentalidade contida no encontro entre a horizontalidade do chão criado pela extração da matéria com verticalidade presente na drástica ruptura entre os níveis da cidade por meio deste corte geológico.
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Visadas presentes no percurso realizado durante a produção do trabalho. (Fonte: Imagem produzida pelo autor)
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1. Rua Bento Ribeiro, em frente a Central do Brasil e próximo ao teleférico. 2. Rua Bento Ribeiro, em frente ao terminal de ônibus. 3. Esquina da Rua Cel. Audomaro Costa com a Rua Alfredo Dolabela Portela, atrás terminal de ônibus.
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3. Esquina da Rua Cel. Audomaro Costa com a Rua Alfredo Dolabela Portela, atrĂĄs terminal de Ă´nibus. 4. Escadaria que leva ao largo igreja da N. S. da Penha. 5. Igreja N. S. da Penha. 6. Vista do topo da Pedreira.
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Operação 1 Consiste na produção de uma representação baseada em minhas memórias visuais da pedreira. O exercício consistiu em um desenho feito a carvão sobre papel manteiga. O carvão se comporta como um material manipulável na escala do papel e que resulta em consideráveis vestígios deixados na mão que desenha no papel e no objeto em si, pois o mesmo se desgasta a cada risco, adquirindo novas formas. Em certo momento, o carvão passa a saturar o papel que não consegue mais absorvê-lo, fazendo com que os próximos movimentos passem a gerar uma matéria excedente. A ação de transpor o carvão ao papel em branco é estendida até o ponto do bastão se desfazer e o desenho é terminado com a manipulação deste pó residual sobre o papel.
Desenho feito com bastão de carvão cretacolor 49500 sobre papel manteiga com dimensões de 841mm × 1189mm. (Fonte: imagens produzidas pelo autor)
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Operação 2 Proponho-me a produzir uma maquete na escala 1/500 representando o relevo local. O material escolhido para a produção do modelo é o concreto, que além de conter determinado peso, apresenta uma alta possibilidade de manipulação. O processo de construção se inicia pela produção da forma em madeira que abrigaria em seu interior o vazio espacial moldado em isopor. Portanto, a mistura do concreto passa a ocupar cada fresta possível, quando despejada sobre a forma. A produção da forma se desenvolveu como um potente exercício de compreensão e representação do cheio e do vazio. A maquete física e pesada serviu para testar volumetrias e auxiliar nas colagens representativas da proposta. As imagens que pretendem passar as intenções de projeto é resultado de uma composição dos registros do modelo com formas e texturas adicionadas digitalmente.
Modelo da pedreira na escala 1/500, produzida a partir de forma de madeira preechida com isopor e concreto. (Fonte: imagens produzidas pelo autor)
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Operação 3 Trata-se de transformar a superfície tridimensional da pedreira em uma representação plana. Esta representação nunca poderá ser exata, pois além da inevitável necessidade de alguma transformação de escala, a superfície curva não pode ajustar-se em um plano sem uma deformação, equivalente a esticar, rasgar ou dobrar sua superfície. Para execução deste exercício, recorri à maquete de concreto produzida anteriormente e também a já explorada manipulação do carvão sobre o papel. Entretanto, neste caso utilizei a dobra como o instrumento que possibilitou uma representação contínua do fundo de pedreira. Primeiramente, divide-se em 8 partes o papel com dimensão capaz de cobrir todo o fundo da maquete. Cada parte é dobrada, fazendo com que o papel se adeque minimamente a concavidade. Posteriormente, a transposição da forma e textura da maquete para o papel é feita posicionando individualmente cada dobra do papel sobre a maquete enquanto passo o bastão de carvão sobre o papel. Esta representação busca tranformar em uma inagem a sensação de se posicionar no centro deste vazio delimitado por enormes paredes em pedra.
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Desenho feito com bastĂŁo de carvĂŁo cretacolor 49500 sobre dobradura em papel manteiga. (Fonte: imagens produzidas pelo autor)
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FRESTAS RESULTANTES DA PESQUISA ESTRANGEIRO 1. que ou o que é de outro país, que ou o que é proveniente, característico de outra nação. 2. (sentido figurado) que ou o que não pertence ou que se considera como não pertencente a uma região, classe ou meio; forasteiro, ádvena, estranho. (Fonte: Dicionário Oxford)
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O estrangeiro Caetano Veloso, 1989
O pintor Paul Gauguin amou a luz da Baía de Guanabara O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela A Baía de Guanabara O antropólogo Claude Levy-Strauss detestou a Baía de Guanabara: Pareceu-lhe uma boca banguela. E eu menos a conhecera mais a amara? Sou cego de tanto vê-la, te tanto tê-la estrela O que é uma coisa bela? O amor é cego Ray Charles é cego Stevie Wonder é cego E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem Uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem? Uma arara? Mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara Em que se passara passa passará o raro pesadelo Que aqui começo a construir sempre buscando o belo e o amaro Eu não sonhei: A praia de Botafogo era uma esteira rolante de areia branca e de óleo diesel Sob meus tênis E o Pão de Açúcar menos óbvio possível À minha frente Um Pão de Açúcar com umas arestas insuspeitadas À áspera luz laranja contra a quase não luz quase não púrpura Do branco das areias e das espumas Que era tudo quanto havia então de aurora Estão às minhas costas um velho com cabelos nas narinas E uma menina ainda adolescente e muito linda Não olho pra trás mas sei de tudo Cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo Mas eu não desejo ver o terno negro do velho Nem os dentes quase não púrpura da menina (pense Seurat e pense impressionista Essa coisa de luz nos brancos dentes e onda Mas não pense surrealista que é outra onda) E ouço as vozes Os dois me dizem Num duplo som Como que sampleados num sinclavier: “É chegada a hora da reeducação de alguém Do Pai do Filho do Espírito Santo amém O certo é louco tomar eletrochoque O certo é saber que o certo é certo O macho adulto branco sempre no comando E o resto ao resto, o sexo é o corte, o sexo Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita Riscar os índios, nada esperar dos pretos” E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento Sigo mais sozinho caminhando contra o vento E entendo o centro do que estão dizendo Aquele cara e aquela: É um desmascaro Singelo grito: “O rei está nu” Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que o rei é mais bonito nú E eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo E entre o meu ir e o do sol, um aro, um elo. (“Some may like a soft brazilian singer but i’ve given up all attempts at perfection”).
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1. Vista da Baia de Guanabara. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1885) 2. Vista de Paquetรก. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1885) 3. Vista de Paquetรก. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1889)
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O olhar do estrangeiro é o instrumento utilizado por Caetano em sua canção cuja letra relata uma conversa escutada pelo artista. Esta conversa é construída por corpos descritos como “um velho com cabelos nas narinas e uma menina ainda adolescente e muito linda” e evidencia uma narrativa reacionária que permeia o país através de uma constante reorganização de forças hegemônicas. O estranhamento que acompanha o estrangeiro, faz-se constantemente presente durante esta pesquisa. A construção de questionamentos e reflexões, resultam em uma espécie de vertigem causada pelo posicionamento da minha formação acadêmica no limite de um precipício conformado por um vazio de pedreira, cujo plano de fundo constitui-se através do horizonte da cidade. O olhar atento do estrangeiro, normalmente suscetível a determinado estranhamento capaz de eleger elementos da paisagem como signos de uma civilização, também pode ser o instrumento que possibilita a utilização destes elementos como vetores de projeto. O reconhecimento das frentes de pedreiras desativadas como signos de um processo de urbanização, surge a partir de algumas reflexões sobre o monumento a aquilo que dispara o estranhamento inicial desta pesquisa. Projetado por Lúcio Costa, o monumento a Estácio de Sá, assim como os estrangeiros citados na canção de Caetano Velloso, apropria-se da paisagem da Baía de Guanabara para a elaboração de uma narrativa nacional. Nascido na França, filho de pai baiano e mãe amazonense. Lúcio teve a parte inicial de sua formação predominantemente europeia, em consequência do fato de morar em diversos países acompanhando seu pai em suas atividades oficiais de almirante. Apesar de já ter visitado poucas vezes o Brasil, retornou em definitivo em 1917, quando mais tarde passou a frequentar a Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, graduando-se no curso de Arquitetura. Em 1924, já consolidado como um dos expoentes do movimento neocolonial, o jovem arquiteto concede uma entrevista ao jornal “A noite”, publicada no dia 19 de março. Na qual relata sua percepção inicial da produção arquitetônica do período no Brasil. [...] habituado a viajar por terras diversas, estava eu acostumado a ver em cada novo país percorrido uma arquitetura característica, que refletia o ambiente, o gênio, a raça, o modo de vida , as necessidades do clima em que surgia; uma arquitetura que transformava em pedra e nela condensava numa síntese maravilhosa toda uma época, toda uma civilização, toda a alma de um povo. No entanto, aqui chegando, nada vi que fosse a nossa imagem.../ Não vou ao extremo de achar que já devíamos ter uma arquitetura nacional. Naturalmente, sendo o nosso povo, um povo cosmopolita, de raça ainda não construída definitivamente, de raça ainda em caldeamento, não podemos exigir uma arquitetura própria, uma arquitetura definida. Deveríamos, porém, ter 77
tomado, e isso há muito tempo, uma diretriz, e iniciado a jornada aceitando como ponto de partida o passado que, seja ele qual for, bom ou mal existe, existirá sempre, e nunca poderá ser apagado. Para que tenhamos uma arquitetura logicamente nossa, é mister procurar descobrir o fio da meada, isto é, recorrer ao passado, ao Brasil-colônia. Todo esforço nesse sentido deve ser recebido com aplausos. (LEONÍDIO, 2007 Apud. COSTA, 1924, p.33) Inegavelmente, Lúcio compartilhara do estranhamento cantado por Caetano. Entretanto, o projeto do monumento a Estácio de Sá, ao mesmo tempo que se apropria da baía de Guanabara como um signo identitário da cidade por meio de um exemplar rigor arquitetônico, se materializa sob uma narrativa hegemônica do processo de fundação, enquanto exemplifica uma constante disputa pelo controle da mesma. Tenho por hábito cultivar certa admiração pelo trabalho de Lúcio Costa devido a sua incansável busca por uma arquitetura nacional. Entretanto, o Monumento apresenta paradoxos interessantes enquanto construção de uma narrativa. O Monumento, inaugurado em 1973 no local da antiga foz do rio Carioca, com área de 450m², parte do princípio da pureza geométrica, tendo seu uso adequado as formas de triângulos sobrepostos em planta-baixa. A interseção destas formas geométricas delimita o volume do espaço construído no parque do Flamengo, formado por um estacionamento, um pátio central e a área do monumento, que dialogam harmonicamente com a espacialidade do parque. A relação com o lugar se estende ao fato de um dos vértices apontar para o local em que os portugueses desembarcaram e fundaram a cidade. Além disto, a aresta oposta a este eixo é paralela à avenida Infante D. Henrique, que dá acesso ao estacionamento. O visitante é guiado por circulações verticais nas bordas destes triângulos. A rampa leva até o nível do monumento um obelisco de 14 metros de altura, sendo 3 metros dentro da cripta e 11 metros a partir da plataforma superior, na qual o monumento se junta a vista panorâmica que se integra a paisagem natural da fundação da cidade. Já a escada, leva ao nível inferior que tem a entrada marcada por uma porta em bronze de autoria do escultor Honório Peçanha, na qual está impresso o primeiro mapa da Guanabara e o brasão do fundador, ainda no subsolo podemos perceber a relação estabelecida entre o espaço externo e o interno através de iluminação zenital, adquirida através da estrutura trapezoidal que possibilita os raios solares, evidencia as réplicas da lápide e do marco da fundação, posicionados sobre uma caixa de areia que busca representar a praia na qual o militar português desembarcou. A materialidade do monumento é quase que exclusivamente em pedra. O piso da plataforma é completamente revestido em placas 78
de granito serrado e seu embasamento em pedras portuguesas, marteladas e cortadas a mão. Apesar de responder algumas necessidades de um espaço de memória, a obra precisa conviver com o paradoxo de abrigar uma cripta vazia visto que com a transferência do núcleo administrativo para o Morro do Castelo, fora construído a Igreja Matriz de São Sebastião, que passou a abrigar os restos mortais de Estácio de Sá, falecido em 1567 e sepultado no núcleo primitivo onde a cidade foi fundada. Devido ao desmonte do morro do Castelo em 1922, a lápide de mármore português, construída em 1583 na Igreja de São Sebastião, precisou ser transferida para a nova igreja dos padres Capuchinos. A ideia inicial de transladar o marco de fundação da cidade, os restos mortais e lápide de Estácio de Sá para o novo monumento construído, não se concretizou devido a falta de acordo entre a prefeitura do Rio de Janeiro e os Frades. Desta forma, foram instaladas réplicas no memorial do Parque do Flamengo e as relíquias históricas continuam na Igreja localizada na Tijuca. (LEITTE-TEIXEIRA E CANEZ, 2017)
Memorial Estácio de Sá Lúcio Costa, 1973 Brasil, Rio de Janeiro (Fonte: Imagem produzida pelo autor)
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O monumento a Estácio de Sá é um exemplo que aquilo que convencionamos como uma boa prática de arquitetura muitas vezes não é o suficiente para se alcançar determinados resultados coletivos. A narrativa pela qual a pesquisa se desenvolve está justamente ligada ao choque entre o poder público, as elites, os pobres e escravizados. As cicatrizes dessa constante disputa, encontram-se em locais como a atual zona portuária, delimitada pela cadeia rochosa recortada pela pesquisa Tal formação geológica, abriga tanto os trapiches e ancoradouros resultantes de uma diáspora africana, quanto a vazios de pedreiras resultantes de um violento processo de urbanização. Evidenciando assim, a necessidade de se aprofundar no entendimento de um processo civilizatório e de formação de povo e cultura, para poder se discutir o papel de uma arquitetura nacional que responda aos interesses da população ao invés daqueles construídos pelo capital. Tendo em vista a dominância dos setores hegemônicos nas narrativas oficiais que justificam inúmeras intervenções urbanísticas no Rio de Janeiro, o discurso de embelazamento urbano passa a vir acompanhado de uma especulação proposital do solo urbano e uma ruptura violenta de laços comunitários. Determinado regime de visualidade é posto em discussão quando se promove um movimento dos corpos da cidade para o centro de um vazio de pedreira. Buscando equalizar uma enorme exposição à inúmeras informações visuais com as poucas experiências estéticas pensadas a partir de uma experiência sensorial do corpo. Neste ponto, torna-se necessário uma menção a colaboração entre o arquiteto Claude Parent e o teórico Paul Virilio, cuja investigação da obliquidade como uma estratégia arquitetônica e urbana que busca o desequilíbrio enquanto promove um movimento contínuo e fluido, serviu de forte inspiração à pesquisa.
(Fonte: The Function of the Oblique, 2004)
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Portanto, concluo este trabalho que se propõe a construir questionamentos antes de achar soluções, sugerindo uma pequena intervenção sobre o vazio resultante da extração. Uma suave inclinação deste chão em direção ao fundo da pedreira, capaz de promover o encontro dos corpos com este corte geológico, que simbolicamente expressa nossa atuação no processo de urbanização do Rio de Janeiro. Esta intervenção caracteriza-se como uma exploração da obliquidade, ou seja, um desvio tanto do paralelismo quanto da perpendicularidade. Sendo assim, a obliquidade é o espaço entre o pragmatismo e o abstrato. Dentre os inúmeros questionamentos levantados por este trabalho, encontra-se talvez a única afirmação que me arrisco a fazer munido de minha quase completa graduação, a real potência da arquitetura vai muito além do que sua materialidade física, e um dos possíveis caminhos para se chegar a tal objetivo é o olhar atento para aqueles que manipulam a matéria enquanto redefinem a paisagem da cidade.
Intervenção sobre o chão resultante da extração da matéria. (Fonte: imagem produzidas pelo autor)
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CIDADE PEDREIRA
A manipulação da matéria no processo de urbanização do Rio de Janeiro.
Caio Rechuem Lopes Martinez TCC Graduação Orientação: Caio Calafate Arquitetura e Urbanismo USU Rio de Janeiro, 2020 83
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