Panfleto CALA e CAFIL - maio de 2019

Page 1

EM DEFESA DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA panfleto produzido pelo Centro Acadêmico de Filosofia e pelo Centro Acadêmico Livre de Arquitetura da UFSC - maio de 2019

A COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA MOSTROU SUA POTÊNCIA NO DIA 15 O dia 15 de maio de 2019 será lembrado como a primeira grande ação nacional contra o governo Bolsonaro. Em algumas partes do país, a mobilização em defesa da educação tomou dimensões comparáveis às jornadas de Junho de 2013. Estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas foram às ruas. Em todos os estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, houve atos massivos. Segundo alguns jornais, ao menos 220 cidades promoveram manifestações. Centenas de Instituições Federais e Estaduais de Ensino Superior paralisaram suas atividades ordinárias para organizarem-se, promovendo debates, assembleias, confecção de cartazes e panfletagens para o dia 15. Esse grande movimento aponta para uma importante revitalização do movimento estudantil e sindical dentro da Universidade. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), isso não poderia ter ficado mais claro. Mais de 50 cursos deliberaram paralisar suas atividades. Muitos cursos, inclusive, tiveram assembleias completamente lotadas. No dia da mobilização, a comunidade universitária reuniu-se em uma histórica assembleia geral da UFSC com ao menos 5 mil pessoas, em frente ao prédio da Reitoria I, na praça da cidadania.

Em marcha ao Centro da cidade, os manifestantes já chegavam a cerca de 30 mil. Na Praça XV de Novembro, não era mais possível captar visualmente toda a multidão. Estima-se que ao todo foram 50 mil pessoas. A magnitude dos atos que se espalharam pelo Brasil mostrou a força que a defesa da educação nacional tem em vários setores da sociedade — contrariando o que era esperado por muitos. Com a transformação da Universidade Pública em alvo de ataques do governo, esse poder social que começou a ser construído no dia 15 torna-se fundamental para estabelecer uma correlação de força. O governo de Bolsonaro é marcado por uma grande instabilidade devido ao envolvimento de sua família com as milícias cariocas, aos indícios de corrupção, ao uso de funcionários fantasmas alocados por Jair enquanto era deputado federal, entre outras questões. Para manter-se no cargo e aprovar as reformas exigidas pelo mercado, o governo Bolsonaro cria inimigos internos a fim de justificar ações contra sociedade. A Universidade Pública foi um dos alvos escolhidos por Bolsonaro. Como se consagrassem privilégios e representassem ameaças ao povo brasileiro, o governo organiza sua base contra esse suposto

POR QUE DEFENDER A UNIVERSIDADE PÚBLICA? Os novos contingenciamentos determinados pelo Ministério da Educação (MEC) representam uma ameaça iminente às universidades públicas. Com essa medida, as universidades, alvo de ataques similares desde 2014, podem ter de interromper seu funcionamento em poucos meses. Em meio ao sucateamento dessas instituições, cabe analisar qual é a real importância das universidades públicas e por que, afinal, estas necessitam de recursos públicos. A diferença entre as universidades públicas e privadas está longe de ser meramente a gratuidade do ensino. Há uma substancial diferença entre as instituições. Diferentemente da maior parte das instituições privadas, as universidade públicas não se limitam à formação acadêmica na esfera do ensino. As universidades públicas são responsáveis por praticamente toda a pesquisa produzida no Brasil. Segundo relatório da Clarivate Analytics, solicitado pela CAPES, 95% da produção científica considerada relevante foi produzida pelas universidades públicas.

Lívio Abramo, xilogravura.

O papel das universidades públicas vai além do ensino: é o de sistematizar, produzir e socializar o conhecimento científico, artístico e filosófico, respondendo também às demandas da sociedade. Nos países centrais, tais como os da Europa, o Canadá e os EUA, o financiamento e o desenvolvimento da Universidade Pública fica patente. Cerca de 73% dos estudantes de nível superior estadunidenses estão matriculados em universidades públicas. Em 2017, quase 60% dos recursos para as universidades estadunidenses vieram do Governo Central e dos estados. Na União Europeia, a participação do Estado como fonte de recursos das instituições de ensino superior respondia, em 2015, por 77% da receita (dados do Eurostat).

Por que as universidades necessitam de recursos públicos ao invés de investimento privado? O Estado moderno nasce para absorver as contradições criadas no seio da sociedade civil com o advento do modo de produção capitalista. Para este sistema, ao mesmo tempo em que se faz necessário avançar tecnologicamente para aumentar a produtividade e manter-se na lógica concorrencial, o investimento de pesquisa de base é, para a empresa capitalista, inviável, pois o investimento financeiro para a pesquisa de base, para o grosso da produção científica, é elevadíssimo e não traz retorno a curto prazo. Em outras palavras, a produção de conhecimento demanda um investimento robusto cujo retorno imediato dificilmente se verifica. A formação de um professor-pesquisador de alto nível, por exemplo, requer investimento contínuo e leva anos até que tal profissional esteja plenamente formado.

inimigo que é preciso derrotar. Contudo, o apoio social à educação oferece forte oposição ao ataque do governo. Mostra que haverá resistência dentro dessas instituições. Para nós, isso aponta para a necessidade de continuar organizando a luta em defesa da Universidade. Há potencialidade, mas é preciso seguir o trabalho, debatendo, discutindo e agindo contra essas medidas. A mobilização do dia 15, além de sua amplitude, conseguiu centralizar uma pauta essencial, que conecta as lutas sociais em diversos setores: a luta contra a Reforma da Previdência. Essa pauta é o ponto de convergência capaz de canalizar as mobilizações sociais e potencializá-las. Por isso, as próximas mobilizações devem continuar ainda mais fortes. É preciso ampliar e fortalecer a mobilização da comunidade universitária bem como expandi-la aos demais segmentos da sociedade. É fundamental, para isso, construir um forte ato no dia 30 de maio e seguir mobilizando para a Greve Geral do dia 14 de junho. Assentada sobre uma lógica mercantil, a empresa privada dificilmente financia diretamente a produção científica de ponta, principalmente nos períodos de recessão e crise, como o que vivemos atualmente — momento em que se faz tão necessário o investimento em ciência e inovação. Por isso, o financiamento estatal é essencial para o desenvolvimento da pesquisa básica, aquela que não está comprometida com aplicações de curto prazo. A complexidade e a relevância social das universidades públicas é um reflexo do seu papel singular, que não se encontra em outro tipo de instituição. Sendo assim, é falaciosa e descabida, por exemplo, uma comparação de custo por aluno dessas instituições com as de ensino básico. São coisas completamente diferentes, dado que a estrutura das universidades não está guiada exclusivamente para a formação e diplomação individual dos jovens. A formação densa e de alta complexidade é justamente um destes componentes do papel que deve cumprir a universidade. É verdade que a estrutura das universidades públicas brasileiras sempre esteve em nível insatisfatório. Mesmo produzindo a maior parte da ciência em território nacional, tal produção muitas vezes não é voltada para as necessidades da sociedade, que a financia. Mesmo com financiamento público, as platafor-

Foto: UFSC à esquerda

mas de produção de conhecimento científico e técnico são voltadas para a apropriação privada dos conhecimentos científicos e tecnológicos pelo grande capital nacional e, mais ainda, pelo estrangeiro. As grandes empresas fazem uso da estrutura pública dessas instituições (laboratórios, pesquisadores, equipamentos etc.) — o que significa fazer uso de fundo público para fins privados. Das 20 empresas com maior número de pesquisas produzidas em parceria com as universidades brasileiras, apenas a Petrobrás tem alguma relação nacional. As demais empresas são grandes capitais multinacionais, com sede nos Estados Unidos e na Europa.

Por uma universidade da sociedade e para a sociedade Fica claro, assim, a necessidade de defender a universidade pública, mas trata-se também de repensar os moldes da nossa universidade. Esta instituição deve estar fundada nas necessidades da sociedade, deve pensar nas principais questões e demandas sociais. Para tal, é necessário uma real autonomia universitária. O pretexto do governo, de que não há verba e de que os contingenciamentos podem ser revistos após a aprovação da

20 empresas com maior número de pesquisas produzidas em parceria com as universidades brasileiras (2011-2016). Relatório elaborado em 2017 pela Clarivate Analytics, a pedido da CAPES.

Reforma da Previdência, dissimula sua intenção e até tem tom de chantagem. Primeiro, o governo não tem como política a aprovação da Reforma da Previdência e a privatização generalizada para que o país volte a ter dinheiro para investir em Educação, Saúde, Previdência etc., mas para que esses recursos fluam para os fundos de acumulação privados. Segundo, o governo não precisaria, para isso, cortar dos direitos sociais. Ao contrário do que diz o governo em sua defesa da Reforma, há diversas outras saídas que não atingem os direitos sociais. Ao invés de transferir o fundo de vida dos trabalhadores para os bancos e para o setor financeiro (através da capitalização da previdência), seria absolutamente possível que o Estado brasileiro começasse a taxar grandes fortunas, como fazem tantos outros países, inclusive os EUA. Outra medida, completamente dentro dos preceitos capitalistas, é a tributação sobre lucros e dividendos. A tributação no Brasil é fortemente regressiva, isto é, os mais pobres pagam proporcionalmente muito mais impostos. Por que não inverter essa lógica? Por fim, um Estado que estivesse comprometido, de fato, com a vida da população e não com os interesses dos grandes capitais, não se negaria a fazer uma auditoria da Dívida Pública. Trata-se de um procedimento legal e republicano, realizado em diversos outros países com resultados surpreendentes, cuja estimativa de benefício financeiro para o Brasil chega a ultrapassar o montante visado por Paulo Guedes em seu impulso de privatizações (isso significaria recuperação econômica sem a necessidade de entregarmos nosso patrimônio). Uma auditoria consiste em solicitar uma justa prestação dos contratos que integram a atual dívida, muitos dos quais são irregulares e, exatamente por isto, devem ser revistos adequadamente.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Panfleto CALA e CAFIL - maio de 2019 by CALA UFSC - Issuu