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O processo extraordinário de viabilização de empresas: Uma miragem no deserto?

Por Carla Taipina Marta, Solicitadora e Mestre em Solicitadoria de Empresas

Nestes novos e invulgares tempos que vivemos, tem-se assistido a uma produção legislativa (também ela) atípica, numa tentativa voraz de minimizar os impactos da pandemia e da crise dela derivada na vida dos cidadãos, das empresas e das instituições.

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Um dos instrumentos recentemente criados para apoiar as empresas afetadas por esta crise foi o processo extraordinário de viabilização de empresas (PEVE) – Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro –, cujo regime se encontra previsto e regulado nos artigos 6.º a 15.º do aludido diploma.

Este é um processo judicial limitado no tempo, de natureza extraordinária – tal como o nome indica –, e urgente – uma urgência superlativa. Está isento de custas processuais, com exceção da remuneração do administrador judicial provisório (cfr. art. 15.º) e é destinado à empresa que, conforme refere o número 1, do artigo 6.º, «comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente ou atual em virtude da pandemia da doença COVID-19 mas que ainda seja suscetível de viabilização». Sendo que, para efeitos deste processo, empresa é «toda a organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica, independentemente da natureza jurídica do seu titular» (cfr. art. 6.º, n.º 2).

De uma forma genérica, podem recorrer ao PEVE todas as empresas que reúnam condições para ser viabilizadas e que, de harmonia com a escrituração legal obrigatória, demonstrem ter, em 31 de dezembro de 2019, um passivo superior ao ativo.

Ante um problema que afeta as empresas, na nossa perspetiva este é um meio inadequado para a sua resolução. Um processo judicial acrescenta um peso que, desconfiamos, pode não ser proveitoso para as empresas que necessitam de soluções rápidas e eficazes para sair da crise. No caso em apreço, a negociação com vista ao acordo de viabilização (cfr. art. 7.º, n.º 1, al. d)) é toda extrajudicial, podendo ser muito morosa.

Só após o nascimento do acordo há processo e, por inerência, há proteção que deriva do mesmo, dado que é nessa altura que o juiz nomeia, por despacho, o administrador judicial provisório e é publicada a relação de créditos e o aludido acordo (cfr. art. 7.º, n.º 3).

Quanto à tramitação do processo e à adesão ao acordo, encontramos a sua disciplina nos artigos 9.º e 10.º. Analisando os mesmos, concluímos que existirão empresas que não terão conhecimento que estão incluídas no PEVE, posto que qualquer credor dispõe de 15 dias, contados da publicação na área de serviços digitais dos tribunais, para «proceder à sua impugnação junto do tribunal competente, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, e solicitar a não homologação do acordo de viabilização» e a decisão homologatória vincula os credores subscritores do acordo e os credores constantes da relação de credores, mesmo aqueles que não tiverem participado na negociação extrajudicial.

No que concerne aos créditos tributários vigora o princípio da indisponibilidade, só sendo possível fasear o pagamento num determinado lapso de tempo (quanto maior a dívida, maior o número de prestações) e reduzir as taxas de juro dentro de determinados limites.

Este processo oferece uma novidade no que respeita aos suprimentos, num claro incentivo à recapitalização da empresa. Todavia, não podemos olvidar que os suprimentos são manifestações de fortuna.

O PEVE impõe a necessidade de contratação de um revisor oficial de contas (convém lembrar que a grande maioria do tecido empresarial português é composto por pequenas e médias empresas), isto é, mais um custo adicional para a empresa que já está em dificuldades.

Finalmente, e no que respeita ao reconhecimento dos créditos incobráveis (cfr. art. 14.º, n.º 5), o legislador não considerou o imposto sobre o valor acrescentado.

Em suma, este é um processo que, na sua génese, desafia, de forma muito severa, a autonomia privada, atento o facto de os acordos celebrados serem acessíveis a qualquer cidadão que os consulte. E, pese embora traga algumas (poucas) vantagens, por comparação e no nosso entendimento, sempre se dirá que teria sido preferível – ponderando um processo judicial, como forma de resolver a crise empresarial que prolifera –, aditar o processo especial de revitalização (PER) que é mais apetecível para as empresas. Supostamente. : :

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