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GRAÇA FREITAS
Tudo começa em 1980, quando uma jovem mulher termina a licenciatura em medicina e começa a trabalhar no Hospital Santa Maria. Nessa altura, não sabia que, durante os 43 anos seguintes, ao serviço da causa pública, estaria a preparar-se para a batalha da sua vida. Das nossas vidas. Uma batalha que teve início em 2020, quando surgiram os primeiros casos de COVID-19 na província de Wuhan.
Hoje, é com estranheza que percebe que é reconhecida, é com surpresa que recebe a gratidão. Não acredita, nem pretendeu ficar na História.
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Sente que apenas procurou cumprir aquela que era a sua missão, tentando proteger as pessoas da desinformação e do medo. Foi o que tinha de ser. O que podia ser num cenário em que todos sentimos estar sempre atrasados em relação a uma realidade que mudava de forma avassaladora, sobretudo no início da pandemia. E foi quem precisávamos que fosse. E o orgulho, expresso sempre que fala na sua equipa e naqueles com quem trabalhou, reaparece, quando o tema é o Programa Nacional de Vacinação. Pela grandeza do programa, mas, também e acima de tudo, por, com um gesto tão simples, se evitarem mortes, internamentos e tanto sofrimento. Na paixão com que o descreve, a ciência torna-se, sem esforço, poesia. E é nesse mesmo tom de voz, sereno e sorridente, aquele que a pandemia tornou familiar, “da casa”, que o apelo foi deixado: “Temos de continuar a ser vacinados. Nenhum de nós, em Portugal, é vacinado desadequadamente”.
Queria começar a nossa conversa agradecendo o que fez por nós nestes últimos anos, principalmente, durante a pandemia. A minha pergunta está relacionada com isso mesmo: O que sente quando alguém agradece e reconhece o que fez pelo país durante a pandemia?
Vou ser absolutamente sincera: durante os anos mais agudos da pandemia, 2020 e 2021, eu tive uma grande intensidade de trabalho e muito pouco contacto com as pessoas. Eu não tinha a noção de qual o feedback do que se tinha passado ao longo de todas as conferências de imprensa e de todas as entrevistas que dei, apesar de ser informada regularmente pelos colaboradores da DGS. Sinceramente, não me apercebi da magnitude do impacto que tinha tido. No final de 2022, a minha vida melhorou, retomou a normalidade e é exatamente nesse momento que eu volto a ter um contacto regular com as pessoas e foi com alguma estranheza que percebi que me conheciam e reconheciam. O segundo momento de estranheza é esse a que se refere a sua questão: pessoas que me agradecem o que fiz por elas. Eu não tinha a noção de que tinha tido este efeito nas pessoas.
Recuemos um bocadinho mais. Em 1980, concluiu a licenciatura em medicina. Quais eram os seus objetivos naquela altura? A saúde sempre foi um sonho, um projeto de vida?
A medicina não foi a minha primeira opção de trabalho, mas, por volta dos 16 anos, também por influência das minhas amigas, decidi seguir medicina e nunca me arrependi. Em 1980, termino o curso com grandes expectativas relativamente ao que iria ser a minha vida profissional. Eu tive muita sorte, pois comecei num excelente serviço do Hospital Santa Maria, o serviço dirigido pelo Professor Pinto Correia. De facto, aprendi imenso e foi uma escola fantástica, até mesmo de humanismo e de organização. Depois, saí de Lisboa e fui para Ponte de Sor. Essa foi também uma experiência muito interessante, até pela diferença que constituiu na minha vida. Apercebi-me da importância dos cuidados de saúde para a população, pois fui para uma terra em que, de facto, quase não havia médicos. Ao longo do tempo, fui percebendo a importância da saúde pública. Até mais do que ter uma relação apenas com um doente, era poder fazer coisas por uma população maior. E à medida que me vou apercebendo dessa capacidade de intervenção, vou desenvolvendo uma grande vontade pela saúde pública.
Que memórias ficam desse início de carreira? Muito mudou desde então?
Excelentes memórias. Recordo-me de sermos úteis à população. E as pessoas respondiam com uma amizade muito grande. Ponte de Sor deu-me humildade. Uma coisa era estar no Hospital de Santa Maria, rodeada de colegas e apoiada por eles, outra era estar praticamente sozinha a ajudar pessoas. Entretanto, muito mudou no mundo. Este mundo que eu lhe estou a descrever é completamente diferente do de hoje. Passaram 42 anos que fazem mesmo muita diferença.
O Programa Nacional de Vacinação é um dos seus maiores orgulhos?
Sim, é, de facto, um dos meus maiores orgulhos. E é por vários motivos: tenho a certeza de que, em termos de medidas preventivas, as vacinas são o maior investimento que se pode ter. Começam a ser dadas precocemente e evita-se que muitas crianças tenham doenças ao longo da sua vida, que morram, que sejam internadas ou que passem por sofrimento. Eu diria que as vacinas são um ato positivo de felicidade. Essa capacidade que as vacinas têm de atuar a montante de qualquer doença é absolutamente extraordinária. E, admito, foi um privilégio ter vindo trabalhar para a Direção-Geral da Saúde. Sem saber, por incumbência das funções que vim desempenhar, coube-me ser a responsável pelo Programa Nacional de Vacinação. Foi um daqueles momentos de vida muito felizes, porque me permitiu dedicar a uma obra que ajudou muitas pessoas e com um retorno muito grande em termos de ganhos de saúde.
O que sente quando alguém questiona ou recusa a vacinação?
Dói-me. Há razões de ordem filosófica ou religiosa e sobre essas não me pronuncio, pois são convicções mais profundas das pessoas. Agora, as pessoas que não se vacinam com o argumento de ‘não é necessário’ ou ‘aqui não há essa doença’, estão a ser absolutamente egoístas. Estão a viver na imunidade de grupo. E, depois, ainda há os negacionistas, que estão contra a ciência.
A vacinação, na pandemia, foi um momento de viragem? Ou seja, há um antes e um depois da vacina?
Eu considero que sim, porque, quando aparece uma doença nova, com as características da COVID-19, mais tarde ou mais cedo, nós acabamos por ganhar imunidade através da infeção. Tivemos declarados, em Portugal, cerca de 6 milhões de casos. E, infelizmente, tivemos mais de 27 mil mortes atribuídas à COVID-19. Se não tivéssemos tido a vacina, pelo mecanismo normal de infeção, teríamos pago um preço muito maior. Teríamos tido um período epidémico mais longo, mais pessoas doentes, mais pessoas internadas e mais mortes. Não tenho a mínima dúvida sobre isso. O que faz, de facto, a grande viragem é a Campanha de Vacinação. Mais uma vez, o ser humano teve a capacidade, através da ciência, da organização e do humanismo, de alterar o percurso de uma doença. Criámos, nas pessoas, uma imunidade artificial sem elas terem de pagar o preço de adoecer. Isso faz toda a diferença. A primeira vacina foi administrada no dia 27 de dezembro, ainda em 2020. Menos de um ano depois de se conhecer a doença. É absolutamente extraordinário. No final do verão de 2021, já tínhamos praticamente a população toda imunizada, a Task Force da vacinação, os profissionais de saúde e outros, de vários ofícios, e a comunidade, com a sua confiança, fizeram a diferença. Respirámos de alívio. Claro que continuamos a adoecer e a ter casos, mas não com a gravidade anterior.
E devemos continuar a ser vacinados?
Sim, sem dúvida. Temos de continuar a ser vacinados. Esse até é um tema sobre o qual quero falar: nenhum de nós, em Portugal, leva vacinas desadequadamente. Ou seja, nem de mais, nem de menos. Leva aquelas que são necessárias para a sua condição. Temos de ter confiança nas equipas que fazem os programas de vacinação, pois aquelas doses, que são recomendadas, são as doses que a pessoa necessita.
Na pandemia, a falta de informação foi sempre o principal adversário? Era o que mais receio causava a cada dia que era suposto redefinir rumos e medidas?
Eu sinto que existiram três coisas que foram muito importantes na pandemia. Primeiro, a falta de informação inicial. Um vírus novo, com características desconhecidas, uma doença cujo comportamento ninguém conhecia. Em segundo lugar, houve uma coisa absolutamente nova que foi uma pandemia online, com milhares de dados e de informações a toda a hora. Agora que tenho mais tempo de rever aqueles primeiros dias, reitero que foram absolutamente alucinantes. Não tínhamos informação científica ou epidemiológica de qualidade, mas tínhamos muita informação generalista, verdadeira ou não, correta ou não. Um turbilhão de dados em direto, que não era fácil de gerir. Em terceiro lugar, o fator medo perante uma ameaça desconhecida. Se um vírus consegue fechar uma região na China, com 18 milhões de pessoas, matar muitas pessoas em Itália… É normal ter medo.
Ao longo de todo este percurso, no exercício de uma função que é puro serviço público… Como é que se gerem ou onde é que ficam os medos pessoais?
Muitas das coisas que tenho feito, ao longo da minha vida, têm sido pautadas por recurso à informação científica e à experiência que fui acumulando. Devo assumir que estive sempre calma. Tinha, obviamente, receios e muitas precauções. Tinha o medo de a minha mãe adoecer porque tinha 90 anos. Quer eu, quer a minha família, éramos muito protetores. Mas não era um medo irracional, não era um medo que me tolhesse a necessidade de vir trabalhar todos os dias durante a pandemia. Tive muito a noção de que não queria transmitir coisas erradas, muita preocupação pela procura da verdade, mas, também, que não queria transmitir ainda mais medo do que aquele que as pessoas já tinham. Não queria tornar as coisas piores do que aquilo que elas já eram.
Foram anos muito duros. Mas Portugal chegou a ser apontado como um exemplo… Que balanço fica?
Tenho um orgulho sereno do que foi feito e sinto-me muito orgulhosa do trabalho da Direção-Geral da Saúde. Sinto orgulho no Ministério da Saúde, apesar de não ter sido o único ministério com que trabalhámos. E também sinto muito orgulho nas pessoas que vivem no território nacional. Nós fizemos coisas extraordinárias. Cumprimos com as nossas obrigações sociais de respeito por nós e pelos outros e aderimos à vacinação. Queria ainda falar em algo que, por vezes, se esquece e do qual, como cidadã, tenho muito orgulho: o país conseguiu manter as cadeias de abastecimento sempre a funcionar. Não nos faltou comida, não faltou água ou luz, nada… Estivemos onde tínhamos de estar no momento certo: em casa, a fazer confinamento, ou a trabalhar porque éramos médicos, agricultores ou de outra profissão que assim o exigia. Se podíamos ter feito melhor? Podemos sempre, claro. Mas fizemos o que considerámos melhor com a informação que tínhamos no momento e, na DGS, todas as nossas decisões e orientações foram profundamente estudadas, ponderadas e cuidadosamente escrutinadas antes de serem divulgadas.
O país e as pessoas mudaram? A pandemia deixou marcas?
O passar dos anos, por si só, deixa marcas. Desde o início da pandemia, passaram três anos das nossas vidas. Quando as pessoas dizem que voltámos ao normal, não é o normal de 2019, mas, sim, de 2023. Agora, depois de
Sinto-me muito orgulhosa do trabalho da Direção-Geral da Saúde. Sinto orgulho no Ministério da Saúde, apesar de não ter sido o único ministério com que trabalhámos.
E também sinto muito orgulho nas pessoas que vivem no território nacional. Nós fizemos coisas extraordinárias. (...) O país conseguiu manter as cadeias de abastecimento sempre a funcionar. Não nos faltou comida, não faltou água ou luz, nada… dois anos tão intensos, 2020 e 2021, é claro que ficaram marcas, positivas e negativas. As negativas, sobretudo as repercussões sociais e económicas que atingiram principalmente as pessoas mais desfavorecidas levarão o seu tempo a ser sanadas, mas estou certa de que vão acabar por ser absorvidas pela nossa capacidade de resiliência. Estou convicta que, a médio, longo prazo o que vai ficar da pandemia é a memória e a parte positiva, ou seja, o grande empurrão digital que nos deu, a forma diferente de encarar os métodos de trabalho, a confiança e a solidariedade de que fomos capazes.
A verdade é que, como já se percebeu, a carreira de Graça Freitas é muito mais do que a pandemia… Sente que ficou alguma coisa por fazer?
Muita coisa, sem dúvida. Mas sinto que gostava de voltar a ter 30 ou 40 anos, porque, apesar de todos os desafios e ameaças que presenciamos, estamos a entrar numa época absolutamente magnífica da humanidade, com transformações digitais, ecológicas e sociais que acredito resultarão numa sociedade mais inclusiva e mais justa. É uma época tão rica, com tantas potencialidades, que eu gostaria de estar no auge das minhas capacidades. Mas, na verdade, eu tenho 65 anos e tenho de viver de acordo com essa idade. Portanto, fiz as coisas que tive de fazer na altura certa. E o que fiz está feito, não há volta a dar, há apenas a oportunidade de aprender e fazer melhor no futuro. Não olho para trás a pensar se fiz bem as minhas escolhas. Se foi o que escolhi na altura, era porque me parecia o mais correto. Mal ou bem, foi esse o meu percurso. E ficaram, sem dúvida, infinitas coisas por fazer e outras que poderiam ter sido feitas de forma diferente e certamente melhor.
Gostava que as pessoas que privaram e trabalharam comigo pensassem em mim como alguém que tentou ser generoso, que tentou ser verdadeiro, que tentou ser transparente… Não quero mais do que isso.
A reforma, ou seja, deixar de ser, no exercício de uma profissão, uma “servidora pública” (como gosta de se intitular) causa que tipo de sentimento?
Essa é a pergunta mais difícil de todas porque não estou a falar do passado, mas sim do futuro. Os sentimentos são muito dúbios. Eu viajo entre momentos em que penso ‘daqui a pouco tempo, estarei a descansar, noutro tipo de registo, a fazer coisas muito mais calmas…’ e momentos em que penso ‘o que é que eu vou fazer depois de 43 anos de atividade intensa?!’. Quando estou nesta viagem de extremos, recentro-me e penso: ‘Calma, não és a primeira a reformar-te. Antes de ti já foram uns quantos milhões’.
E o que é que ainda gostava de fazer nesta nova etapa? É muito difícil responder a essa pergunta porque eu preciso de fazer a minha própria “licença sabática”. Preciso de fazer uma pausa. Pode durar duas horas, dois dias ou dois meses. Só depois dessa pausa é que eu con- seguirei dizer o que gostava de fazer. Neste momento, ainda estou muito ligada ao passado. Vou trabalhar até ao último minuto. Ainda não consigo ter esse distanciamento para saber o que quero fazer. E porquê? Porque já mudei de ideias várias vezes [risos]. Entre o ócio, que é o grande objetivo, e outras ocupações, já quis tudo.
Para terminar… Eu sei que já lhe perguntaram várias vezes “como gostaria de ser lembrada”. Mas eu queria fazer uma pergunta diferente: sente que fez parte de um grupo de pessoas que, pelo seu trabalho, fizeram a diferença na forma como este período da pandemia vai ser lembrado e explicado no futuro?
Eu não tenho essa pretensão. Acho que vivo num mundo absolutamente efémero e que, o que quer que eu e outras pessoas tenham feito nesta altura, vai durar pouco tempo na memória dos outros. Há outras memórias muito importantes que se vão sobrepondo. Essa história de ficar reconhecida é muito relativa. Não tenho nenhuma ilusão sobre isso. Cada vez mais, as pessoas e as memórias passam com maior velocidade, os ciclos são cada vez mais rápidos. Agora, gostava que as pessoas que privaram e trabalharam comigo pensassem em mim como alguém que tentou ser generoso, que tentou ser verdadeiro, que tentou ser transparente… Não quero mais do que isso.
Assinatura de protocolo entre OSAE e ANAFRE para prestação de serviços jurídicos gratuitos
Foi assinado no dia 20 de junho, no Palácio da Mitra, em Lisboa, o protocolo entre a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).
A finalidade deste protocolo é de prestar Informação Jurídica gratuita, podendo aderir ao protocolo todas as freguesias associadas da ANAFRE, cerca de 80% das existentes, sendo que este serviço se destina a pessoas de reconhecida insuficiência económica. Nesta sessão, estiveram presentes Jorge Manuel Lebre da Costa Veloso, Presidente do conselho Diretivo da ANAFRE, Olga Freire e António Danado, membros da direção da ANAFRE, Paulo Teixeira, Bastonário da OSAE, e Diana Queiroz, 1ª secretária do Conselho Geral da OSAE.
No final, o Bastonário da OSAE referiu que “enquanto não for possível aos Solicitadores participar no apoio jurídico que, relembramos, está dependente de um protocolo com a Ordem dos Advogados ou de uma ação concreta do Governo, terão sempre este serviço para ajudar os cidadãos carenciados”, reforçando ainda que “não me parece que se possa continuar a dispensar cerca de quatro mil profissionais para o auxílio a cidadãos”.
Assinado protocolo entre OSAE e ESPAP
A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P. (ESPAP) assinaram, no passado dia 16 de maio, na sede da OSAE, um protocolo com vista à adesão desta Ordem ao Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP).
No âmbito deste protocolo, a OSAE passou a poder aceder, enquanto entidade compradora voluntária, às categorias de bens móveis e de serviços disponíveis no catálogo do SNCP, relativamente às quais as aquisições poderão agora ser realizadas com recurso aos acordos quadro da ESPAP.
A sessão de assinatura do protocolo contou com a presença do Bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, e com o Presidente da ESPAP, César Pestana.
José Cardoso nomeado coordenador da Inovation Team da UIHJ
José Cardoso, agente de execução, foi nomeado, por unanimidade e aclamação, coordenador da Equipa de Inovação da União Internacional dos Oficiais de Justiça.
Ao longo dos anos, esta equipa de inovação tornou-se uma espécie de “Think tank” que serve a direção da UIHJ e que funciona como um laboratório de novas ideias, produção de conteúdos digitais, entre outras tarefas.