DL - Revista Online Design ULP - Nº 2

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DES IGN ULP COMUNICAÇÃO

REVISTA Digital

N02 DESIGN DE COMUNICAÇÃO Universidade Lusófona do Porto Janeiro-Julho / 2016 Semestral ISSN 2183-5810


REVISTA Digital

REVISTA: DL EDIÇÃO: Online / Número 2 PERIODICIDADE: Semestral Janeiro-Junho 2016 Título: Design de Comunicação ISSN: 2183-5810 DIREÇÃO / DESIGN: Carla Cadete Universidade Lusófona do Porto FCAATI - Faculdade de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação. Curso de Design de Comunicação Rua Augusto Rosa, 24 4000-098 Porto Portugal CAPA / CRÉDITOS: Ana Figueiredo, estudante do curso de Design de Comunicação da Universidade Lusófona do Porto. The Best of 100 no Concurso Enabled for Disabled 2015 52 Países, 2674 propostas.


1 ARTIGOS

1.1 A POÉTICA DO DESIGN MODERNO Nuno Ladeiro

1.2 JORNAIS IMPRESSOS: DESIGN BRILHANTE, FUTURO INCERTO Carla Cadete

1.3 ARTE E DESIGN: PONTOS DE ENCONTRO Cláudia Lima

2 ENTREVISTA Nuno Coelho. Ana Aragão

3 PROJETOS DE ALUNOS DO CURSO DE DESIGN DA ULP

4 ALUMNI André Rodrigues



1.1 A POร TICA DO DESIGN MODERNO Nuno Ladeiro

1.2 JORNAIS IMPRESSOS: DESIGN BRILHANTE, FUTURO INCERTO Carla Cadete

1.3 ARTE E DESIGN: PONTOS DE ENCONTRO Clรกudia Lima



A POÉTICA DO DESIGN MODERNO

Dos silos para armazenamento de cereais à produção do Design na primeira metade do século XX Nuno Ladeiro *

Abstract. A forma dos Silos para armazenamento de cereais caracterizou a formação de uma consciência da classe visionária, funcionalista e maquinista da primeira metade do século XX. Através do estudo do modelo de evolução dos silos para armazenamento de cereais, dos exemplos construídos na cidade de Buffalo nos Estados Unidos da América e da análise de objetos de design modernos, podemos estabelecer uma relação entre os silos e os objetos de design moderno, e perceber se a internacionalização deste modelo de fábrica funcional constituiu um modelo que influenciou a conceção dos objetos de design moderno. Keywords: Poética do Design, Silos, Design Moderno, Formas Puras, FormaFunção.

INTRODUÇÃO Os Silos para Armazenamento de Cereais enquanto novo modelo de construção em betão armado, assumiram o standard de desenho e construção. Os autores que conceberam estas estruturas entenderam a importância da flexibilidade, da adaptabilidade, assim como a funcionalidade da sua economia e racionalidade. Estas noções foram fundamentais, para os manifestos das vanguardas artísticas europeias na introdução de conceitos de formalização dos modelos de conceção arquitetónica. A industrialização nos EUA foi um objetivo nacional que possibilitou a organização transversal da sociedade e a realização do sonho americano no qual se baseava toda a estrutura do operariado. A fábrica de betão armado, enquanto modelo de construção moderna, e os silos em particular, representaram essa sociedade, não só através da forma organizativa e operativa da construção, como também nos motivos arquitetónicos explícitos das suas partes e/ou parcelas. Para Reyner Banham (in A Concrete Atlantis 1986), os silos marcaram presença nas publicações e comunicações de vários arquitetos que protagonizaram o Movimento Moderno, foram elogiados e apresentados enquanto projetos modernos funcionais. Le Corbusier (1887-1965) em “Vers une Architecture”, foi o único a descrever detalhadamente os protótipos industriais da sua arquitetura.

Desenho Bruno Tout_1918_Centro comunitário de onde se destacam os silos que serviam para reservas de cereais nos anos de escassez.

* Licenciou-se em Arquitetura pela Universidade Lusíada (1993), tem Mestrado em Design pela Domus Academy, Itália (1995), é investigador na Universidade de Lisboa, Faculdade de Arquitetura onde está a concluir o Doutoramento em design. É professor na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. É Diretor do curso de Design de Comunicação da Universidade Lusófona do Porto.

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Identificou-os para além da função de armazenamento de cereais, mais pelas suas formas do que por aquilo que evocavam, mais pela sua geometria sensível do que pelo seu aspeto industrial. Os protótipos industriais converteram-se em autênticos modelos para a arquitetura moderna. As imagens das fábricas e dos silos para armazenamento de cereais constituíram uma iconografia utilizável, uma linguagem formal, por meio da qual se podiam fazer promessas, mostrar adesão ao movimento moderno e marcar o caminho em direção a algum tipo de utopia tecnológica. Para Tomás Maldonado (2016), os arquitetos e designers modernos, relacionaram as formas com a necessidade de produção e as formas simples e representativas, associaram-se a certas funcionalidades. Os Silos, de um ponto de vista simbólico, formal, tecnológico e da estandardização, influenciaram a conceção dos objetos de design moderno. A partir da análise e compreensão destes edifícios industriais é possível percepcionar a existência de uma relação simbólica com a arquitetura moderna, pelo que também, se pode verificar uma relação simbólica com os objetos de design moderno. Como caso de estudo podemos dar com exemplo a linha Cylinda de Arne Jacobsen, um dos objetos mais famosos e a sua relação com os Silos. A 1ª e a 2ª Guerra Mundial justificaram a necessidade de alguns países, em particular europeus, em garantir o abastecimento às populações carenciadas. A América do Norte foi o “celeiro do mundo” durante as duas guerras e construiu, junto a rios e zonas litorais, portos industriais, que fizeram de entreposto de mercadorias, em particular de cereais. Ergueram-se assim, edifícios para responder a estas necessidades sociais. O armazenamento dos cereais passou a ser realizado em grandes torres, silos. Cada silo pode conter entre centenas até alguns milhares de toneladas de cereais. Nos EUA surgiram cidades, como Buffalo e Enid, que ao converterem-se em importantes entrepostos na distribuição do trigo, fizeram história no armazenamento de cereais. A evolução da forma dos Silos deu-se fundamentalmente a partir de experiências efetuadas no início do século XX. Os engenheiros revelaram, que os cereais estáticos armazenados nos silos agiam como semilíquido, exercendo maior pressão vertical no fundo do que nas paredes. Estas pressões estavam ligadas à relação entre o diâmetro e o comprimento, mas após atingir o triplo do diâmetro, a pressão vertical aumentava muito pouco. Assim, parecia mais seguro construir silos mais altos. Os físicos compreenderam que a pressão vertical era influenciada pelo ângulo de fricção dos cereais e que resultava em pressões excessivas durante a extração se a saída estivesse localizada no fundo do silo. Todos estes conhecimentos revelaram-se essenciais para a sua construção posterior em betão, na zona ribeirinha de Buffalo, “Os silos para armazenamento de cereais cativaram as mentes criativas de empresários e engenheiros desde a construção dos primeiros silos de madeira em Buffalo (…). Toda a história das transformações dos silos para armazenamento de cereais, de madeira ao betão armado, passando pelos silos em cerâmica e aço, é representada pelos silos de Buffalo.” (Schneekloth, 2004) O novo modelo de construção em betão armado assumiu o standard de desenho e construção. Os autores que conceberam estas estruturas entenderam a importância da flexibilidade, adaptabilidade, assim como a funcionalidade da sua economia e racionalidade. Estas noções foram fundamentais para os manifestos modernistas das vanguardas artísticas europeias, na introdução de conceitos de formalização dos modelos de conceção arquitetónica. A industrialização dos EUA foi um objetivo nacional que possibilitou a organização transversal da sociedade e a realização do sonho americano no qual

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Standard Elevator, Buffalo. A.E. Baxter (1928)

Great Northern Elevator. Parte inferior dos Silos por onde são escoados os cereais.


se baseava toda a estrutura do operariado. A fábrica de betão armado, enquanto modelo de construção moderna, e os silos em particular, representaram essa sociedade, não só através da forma organizativa e operativa da construção, como também nos motivos arquitetónicos explícitos das suas partes e/ou parcelas: “Os silos para armazenamento de cereais, a mecânica do funcionamento das massas de grão e o seu escorrimento gravítico natural moldaram as superfícies de betão que se traduziram em volumes elementares perante o equilíbrio das forças e reações em presença. Esta modulação da superfície e do volume a uma operação industrial e suas atividades específicas demonstrou aos arquitetos do movimento moderno a plena verdade da construção enquanto meio de representação dessas atividades.” (Ravara, 2008) Vários autores referem a relação evidente entre a arquitetura e os Silos “foi o exemplo da América que deu o impulso à arquitetura alemã quando esta tentou clarificar o problema estrutural da arquitetura. Este impulso não teve origem no arranha-céus (…) mas sim nas estruturas simples dos edifícios industriais como os silos para armazenamento de cereais e silos de grande porte (…) Estes exemplos de engenharia moderna, projetados apenas com a finalidade prática em mente e isentos de qualquer assistência decorativa por parte de um arquiteto, tiveram uma impressão profunda pela sua estrutura simples reduzida às formas básicas da geometria como cubos e cilindros. Foram concebidos como padrões exemplificando mais uma vez a essência da forma pura do uso, ganhando este efeito impressionante a partir da sua estrutura nua.” (Behrendt, 1937)

Linha Cylinda. Arne Jacobsen

“Os silos para armazenamento de cereais, a mecânica do funcionamento das massas de grão e o seu escorrimento

2 Linha Cylinda, Arne Jacobsen Nos países da Escandinávia, a nova geração de arquitetos e empresários nascidos cerca de 1920, “recebeu um treino profissional nas novas e reformadas escolas de artes aplicadas, que formaram os empresários industriais nas artes decorativas. (…) Após a 2ª guerra, estes empresários abriram as suas empresas dedicadas à produção de objetos de design industrial e à produção em massa de objetos de uso diário. Foram empresas especializadas nos setores do vidro, têxtil, porcelana, metais e mobiliário. Depois da 2ª guerra houve uma grande procura de produtos para a casa. (…) Para esta nova geração foi fundamental associar uma estética aos objetos de utilização comum e de baixo custo. Criaram uma corrente de expressão estética baseada na igualdade, harmonia e equilíbrio.” (Paulsson, 1919) Em 1960, as artes aplicadas dinamarquesas adquiriram uma notoriedade assinalável no contexto internacional. O mobiliário e as arts and crafts tornaramse internacionalmente conhecidos e muitos arquitetos dinamarqueses detinham uma grande popularidade internacional. Este reconhecimento internacional estendeu-se aos consumidores americanos. A marca Stelton atenta ao mercado internacional, melhorou significativamente a qualidade dos seus produtos para competir no mercado americano. Em 1964 iniciou a colaboração com o arquiteto Arne Jacobsen (1902-1971). O aço inoxidável e as suas características industriais encaixavam perfeitamente na visão industrial do arquiteto. O bom design seguiria assim princípios democráticos e seria acessível a todas as pessoas; seguir a harmonia entre a forma e função, consubstanciar as formas básicas e puras. Peter Holmblad (1934-2004), após assumir a direção da marca, convidou Jacobsen a projetar um serviço de chá e café. Jacobsen verificou que os serviços em porcelana eram em grande parte produzidos com formas cilíndricas. Percebeu que a razão pela qual estas formas não tinham sido exploradas no aço

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gravítico natural moldaram as superfícies de betão que se traduziram em volumes elementares perante o equilíbrio das forças e reações em presença. ” (Ravara, 2008)


inoxidável devia-se à dificuldade em produzir com ângulos de 107º graus, entre a base e as laterais a partir de chapas de aço inoxidável. Assim, Holmblad sentiu-se atraído pelo desafio de realizar um serviço a partir de formas cilíndricas. Numa fase inicial, Holmblad tentou produzir estas formas a partir de tubos de aço inoxidável. Esta ideia era inteiramente partilhada por Jacobsen que entendia o aspeto prático da produção a partir de tubos de aço inoxidável pela aparente simplicidade e baixo custo. No entanto, esta ideia revelou-se totalmente inadequada. Os tubos de aço inoxidável não eram produzidos para serem utilizados no interior das casas e não tinham as características necessárias, para serem devidamente polidos de modo a obterse a mesma qualidade dos restantes produtos da coleção Stelton. Mesmo depois de polidos, permaneciam manchas indesejáveis, principalmente depois de soldar a base aos tubos. O polimento teria de ser muito superior ao efetuado nos outros produtos pelo que, a ideia inicial, de criar objetos acessíveis de custo controlado tornouse inviável. Jacobsen afirmava acreditar nos métodos industriais. A precisão da produção só poderia ser garantida pelas máquinas. Quanto á produção manual era extremamente difícil e cara. Para Jacobsen as máquinas conseguiriam sempre melhores resultados. Para ultrapassar esta dificuldade de produção, a Stelton desenvolveu um equipamento completamente novo para produzir objetos cilíndricos a partir da chapa de aço inoxidável. Inventou uma máquina de soldar as bordas das folhas de aço inoxidável, depois de dobradas em rolos e ainda o fundo de uma só vez, sem ação humana. A invenção foi aperfeiçoada e permitiu que a passagem de rolos sobre a superfície, retirasse praticamente o excedente da soldadura, evitando assim, demasiado

trabalho manual de polimento. Resolvido este problema, Jacobsen criou um outro, quando propôs umas pegas originais. Ao contrário do que era usual (pegas de aço inoxidável ou em madeira), quis que fossem em plástico preto, devidamente destacadas da forma cilíndrica. Para resolver este problema, os técnicos tiveram de inventar uma forma de agarrar as pegas á superfície de aço inoxidável. Desenvolveram um método para soldar dois pequenos tubos que as agarravam ao aço inoxidável. Para evitar manchas na soldadura e consequente polimento, descobriram que antes de soldar, teriam de mergulhar o aço inoxidável em água e sabão. Três anos depois, entrava finamente em produção a Cylinda-Line. A Cylinda-Line é constituída ao todo por 17 objetos e tornou-se num êxito industrial e comercial, devido ao facto das dimensões da forma da CylindaLine terem sido retiradas das medidas estandardizadas dos tubos de aço inoxidável e ainda, á evolução dos meios de fabricação que viabilizaram o fabrico do produto de acordo com as expectativas do próprio autor A conclusão da Cylinda-Line em 1967 coincidiu com a maior exposição alguma vez realizada sobre a obra de Jacobsen. Este acontecimento fez da Stelton até então pouco conhecida, uma marca de relevo. As reportagens destacaram Cylinda-Line em aço inoxidável pelas suas características originais; funcional, prática, bela e económica. Para esta apreciação contribuiu a forma pura dos objetos, constituídos por peças simples e com detalhes de alta qualidade industrial. No mesmo ano a Cylinda-Line obteve o prémio ID, fundado em 1965 pela Associação de Design Industrial Dinamarquesa que premeia a alta qualidade industrial no design. Recebeu ainda o Design Award atribuído pelo Instituto Americano dos Designers de Interiores e foi selecionada para coleção permanente

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Candeeiro de mesa (1930), Wilhelm Wagenfeld Candeeiro de mesa (1939), Wilhelm Wagenfeld


De acordo com José Gorjão Jorge (2011), o período que antecedeu este momento histórico, substituiu a lógica metafísica por uma aparente lógica do mundo material. Ergueu a razão e a ciência experimental como instrumentos do conhecimento. A observação objetiva adquiriu um novo carácter e assumiu esta “objetividade” afastando todas as “subjetividades” para o domínio da estética. Com o nascimento do positivismo, passou-se o mesmo com a poética na arquitetura. Existirá uma poética do design moderno com origem nos Silos, à semelhança do que aconteceu com a arquitetura moderna? Será que realmente o design moderno utilizou esta imagem icónica e representativa da modernidade e da nova objetividade para se construir mentalmente e significar a qualidade da sua função? De acordo com José Gorjão Jorge (2011), o período que antecedeu este momento histórico, substituiu a lógica metafísica por uma aparente lógica do mundo material. Ergueu a razão e a ciência experimental como instrumentos do conhecimento. A observação objetiva adquiriu um novo carácter e assumiu esta “objetividade” afastando todas as “subjetividades” para o domínio da estética. Com o nascimento do positivismo, passou-se o mesmo com a poética na arquitetura.

do Museu de Arte Moderna, Nova Iorque e do Victoria and Albert Museum, Londres.

CONCLUSÃO Os silos para armazenamento de cereais, constituíram uma mais-valia para a arquitetura moderna. Representam um processo de industrialização, desde a estandardização e uniformidade ao realismo material e moral, ao progressismo social, a gestão sistemática e científica de toda a operação industrializada, até ao novo gosto que o funcionalismo representou, e por fim a flexibilidade dessas mesmas estruturas. Os silos mostraram aos arquitetos do movimento moderno a plena verdade da construção enquanto meio de representação dessas mesmas atividades. As formas básicas da geometria como cubos e cilindros, converteram-se em autênticos modelos para a arquitetura moderna. Existirá uma poética do design moderno com origem nos Silos, à semelhança do que aconteceu com a arquitetura moderna? Será que realmente o design moderno utilizou esta imagem icónica e representativa da modernidade e da nova objetividade para se construir mentalmente e significar a qualidade da sua função?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arnheim, R. (1988 [1977]) A dinâmica da forma arquitectónica, Tradução de Wanda Ramos, Lisboa: Editorial Presença. Arnheim, R. (1998) Arte e Percepção Visual, Uma Psicologia da Visão Criadora, São Paulo: Livraria Pioneira Editora Banham, R. (1986) A Concrete Atlantis: U. S. Industrial Building and European Modern Architecture, 1900-1925, Cambridge: Ed. An Mit Press Classic Banham, R. (1982) Theory and Design in the First Machine Age, Londres: Ed. The Architectural Press Behrendt, W.C. (1937) Modern Building; Its Nature, Problems and Forms, Nova Iorque: Ed. Harcourt Brace and Company Consiglieri, V. (1995) Morfologia da Arquitectura, Lisboa: Ed. Estampa Dorfles, G. (1972) Introdução ao Desenho Industrial, Lisboa: Ed.70 Gorjão Jorge, Jorge. (2011) ‘Imaginações da Arquitetura‘. Revistas de Arquitetura: Arquivo(s) da Modernidade, Casal de Cambra: Ed. Caleidoscópio Maldonado, T. (2006) Design industrial, Lisboa: Ed. 70. Paulsson, G. (1919) The Aesthetics of Household Objects Ravara, P. (2008) A consolidação de uma prática: do edifício fabril em betão armado nos EUA aos modelos europeus de modernidade, Lisboa: Tese de Doutoramento em Arquitectura na FA/UTL, não publicada Steiner, H. (2004) ‘Silo Dreams: The grain elevator and modern architecture‘. Rediscovering the Concrete Atlantis: Buffalo Grain Elevators. Buffalo, Nova Iorque: Ed. Lynda H. Schneekloth

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JORNAIS IMPRESSOS Design brilhante, futuro incerto Carla Cadete *

Se o futuro dos jornais impressos é incerto, em Portugal o design destas publicações quer em suporte físico, quer em suporte digital está longe de o ser. Sucedem-se os prémios atribuídos pela Society for News Design (SND) nas mais variadas categorias e classes. Desde o Word´s Best Designed-Newspapers, Award of Excellence, ÑH (SND Península Ibérica) e Malofiej direcionado aos prémios de infografia. Criado em 1993, pelos professores da Universidad de Navarra, Juan Antonio Giner e Miguel Urubayen com o objectivo de homenagear o cartografista argentino Alexandro Malofiej e atribuindo o seu nome ao maior evento de infografia do mundo. Destaque para os jornais diários i, Público, Diário de Notícias, Jornal Notícias e o semanário Expresso, por diversas vezes premiados. Desde a sua fundação, em 2009, que o jornal i ganhou sucessivas distinções jornalísticas. Na área do design destacam-se os prémios Melhor Jornal Europeu, em 2009 e 2010, atribuído pela European Newspaper Award; o prémio de Jornal mais bem Desenhado do Mundo, atribuído em 2010 pela Society for News Design; os prémios ÑH na categoria Lo Mejor Diseño Periodístico España & Portugal, nos anos de 2009, 2010, 2012 e 2013, também atribuídos pela Society for News Design, na sua edição espanhola; várias medalhas de bronze e prata atribuídas pelo Malofiej, na área da infografia, considerados os Pulitzer desta categoria, ou ainda a nomeação, em 2010, para os prémios Design & Art Direction, da organização britânica, que engloba comunidades criativas de design e publicidade de todo o mundo. Em 2015 venceu o título de melhor capa, tendo conquistado um total de 15 prémios. O i fundado em 2009 pelo grupo Lena, foi vendido dois anos depois ao empresário Jaime Antunes e mais tarde ao grupo de media luso-angolano Newshold. Porém, a 30 de Novembro de 2015 podia ler-se nas primeiras páginas dos jornais, que os accionistas do diário i e do semanário Sol decidiam encerrar até ao final de 2015 a empresa detentora dos dois títulos, a Newshold, do empresário Angolano Álvaro Sobrinho. Na origem do encerramento, estão prejuízos elevados dos dois jornais. Em 2009, o Público tornou-se o primeiro jornal português a obter o Lápis Amarelo na categoria de Magazine & Newspaper Design, pelo seu desenho — na altura visando o design do caderno principal e do caderno diário P2 — e continua a ser, desde 1999, a única publicação portuguesa a ter tal distinção. Em 2013 foi considerado a publicação on-line mais bem desenhada na edição do congresso ÑH. No mesmo ano a Society for News Design, atribui-lhe três prémios de excelência às capas do jornal do dia da morte de Nelson Mandela a 6 de dezembro e do suplemento P2. Em 2004 o Jornal de Notícias foi destinguido com 7 prémios de design na 6ª

O jornal i venceu o prémio máximo da Society for News Design (SND). O júri considerou que o matutino lançado em 2009 tem o “melhor design do mundo”. (Público, 15-02-2011)

* Portugal, Designer. Doutoramento em Design pela Universidade de Aveiro; Licenciatura em Design de Comunicação pela Faculdade

de Belas-Artes do Porto. Universidade Lusófona do Porto, Professora Associada. Direção da Licenciatura em Design de Comunicação.

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Prémio máximo da Society for News Design (SND) 2010. O júri considerou que o matutino lançado em 2009 tem o “melhor design do mundo”.

A infografia do i com o tema Batman ganhou duas medalhas de prata e uma de bronze nos prémios Malofiej relativos aos trabalhos de 2012.

Em 2009 prémio “Melhor Jornal Europeu”.

Em 2015 Prémio Melhor Capa ÑH (SND Península Ibérica)

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Ă‘H7 2010 Medalha de prata (infografia da autoria de AndrĂŠ Brito, Clara Silva, Diana Garrido, Nuno Castro e Vanda Marques)

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edição do concurso European Newspaper Design com a participação de 334 jornais de 26 países, tendo sido o jornal europeu a receber mais prémios pelas suas primeiras páginas. Já o Diário de Notícias, foi eleito em 2005 no congresso O Melhor Design Jornalístico de Portugal e Espanha, o jornal ibérico impresso com melhor design. Em 2007 na 28ª Edição da Society for News Design (SND) recebe quatro prémios de excelência. Entre varios outros prémios de design o semanário Expresso foi eleito European Newspaper of the Year, na 17ª edição dos prémios European Newspaper Award. De entre 196 publicações, de 26 países diferentes, Portugal volta a destacar-se no design editorial. Ainda em 2015 foi distinguido como site do ano nos prémios de comunicação da Meios & Publicidade. O prémio distingue a informação, a navegabilidade e o layout. Reformulado em maio de 2015, na sequência da aposta contínua nas novas linguagens multimédia e digitais. O layout do site passou a ajustar-se a todos os dispositivos - smartphone, tablet e desktop. Não restam dúvidas de que os meios de comunicação tendem a aproveitar a evolução tecnológica. Essa realidade não é de hoje. De acordo com Jorge Pedro Sousa, investigador e professor Associado da Universidade Fernando Pessoa, «A imprensa modificou-se com a rotativa, o off-set, os meios de paginação electrónica e o aparecimento da Internet, gerando transformações no jornalismo. Essas transformações fizeram-se sentir, essencialmente, a dois níveis: em primeiro lugar, nas rotinas jornalísticas de produção de informação; e em segundo lugar, nas formas e formatos de difusão de informação, ou seja, no produto jornalístico» (Sousa, 2003). De acordo com o investigador, «O jornalismo on-line não exterminou o jornalismo noutros media, mas modificou-o, obrigando-o a uma adaptação constante. A Internet mudou as coisas, sendo neste momento o meio de comunicação que mais torna visível a convergência dos media, ou seja, a integração dos media num único suporte.» (Sousa, 2003). A adaptação ao on-line não foi fácil. Por um lado, surgiu a necessidade de se descobrirem as características da linguagem do novo meio e de se adaptar o discurso jornalístico a essa nova realidade. Por outro lado, os meios jornalísticos também sentiram a necessidade de afectar recursos humanos e financeiros ao jornalismo on-line e de capacitar os seus profissionais para o novo meio. O Poynter Institute for Media Studies com sede na University of South Florida em St. Petersburg, surgiu em 1975 por Nelson Poynter, proprietário do jornal St. Petersburg Times. Desde 1983 que Poynter for Media Research realiza estudos de investigação em jornalismo visual desenvolvidos inicialmente por Mario Garcia, Peggie Stark Adam, com o objectivo de compreender o modo de como os leitores observam os jornais impressos e online, de modo a tornar o design mais apelativo e o conteúdo mais fácil de ler. Os estudos realizados através do sistema eye-tracking, uma tecnologia que permite registar os movimentos oculares de um indivíduo perante a amostragem de um estímulo em ambiente real ou controlado, determinando, deste modo, em que áreas fixa a sua atenção, por quanto tempo e segundo que ordem segue na sua exploração visual. O EyeTrack 07, desenvolvido em 2007 por Sara Quinn e Pegie Stark Adam, estudou 600 leitores de jornais, 200 leitores em formato broadsheet, 200 em formato tablóide e 200 em on-line. Os resultados concluiram que os leitores on-line lêem mais do que os leitores em suporte de papel (77% on-line, 62% broadsheet, 57% tablóide). Presume-se que o resulado se deve ao facto da dimensão restrita do ecrã comparativamente com o jornal impresso não deixando que o leitor disperse o olhar ao longo da página, mantendo-o mais concentrado na porção de texto visivel. O estudo revela ainda que os leitores lêem de duas maneiras, methodical e

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“O jornalismo on-line não exterminou o jornalismo noutros media, mas modificou-o, obrigando-o a uma adaptação constante. A Internet mudou as coisas, sendo neste momento o meio de comunicação que mais torna visível a convergência dos media, ou seja, a integração dos media num único suporte.” (Sousa, 2003)


scanning e que 75% dos leitores em papel são methodical, já os leitores on-line 50% são methodical e 50% são scanners. Mais respostas correctas foram obtidas pelos leitores que leram notícias apresentadas de maneira mais versátil, do que de forma conservadora. Conclui-se ainda que fotografias e títulos de grande escala atraem os leitores em papel, mas os leitores on-line são atraídos por elementos indicadores de busca. Para os leitores do jornal em suporte de papel que participaram nesta investigação, a primeira fonte diária de informação é o jornal impresso, seguido da TV e por último a internet. Para os leitores que preferem o on-line, a primeira fonte de informação diária é a internet, depois a TV e em último lugar os jornais impressos. O designer e investigador Joan Costa, na obra Design para os olhos, considera que «Quando a atenção é difusa ou está pouco desperta ou concentrada, o olho não passa de uma peça mecânica óptica e encontra-se inactivo. É um alvo uma presa fácil de capturar. Quando a atenção e activa, o olhar explora os sinais que o rodeiam à procura de qualquer coisa - uma informação, um dado -, torna-se um radar.» (Costa, 2011: 17). Refere ainda o autor «Os olhos e o olhar estão dispostos ou em estado de atenção latente, disponíveis para se deixarem tentar, porque o prazer do olhar é uma motivação psicológica constante» (Costa, 2011: 18). Costa, em La Esquemática, considera que o processo de visão decorre em três fases: a sensação, a seleção e a exploração, seguindo-se uma outra fase com a percepção e a integração. A sensação corresponde à fase «excitação óptica» (Costa, 1998: 59) onde a página é o resultado de um conjunto de manchas cromáticas, ou tipográficas. Na fase de seleção as enúmeras «partes do campo visual são discriminadas» (Costa, 1998: 59). Na fase da exploração «o olhar vago viaja sobre a superfície da mensagem gráfica e desloca-se de um ponto ao outro da mesma, volta e vai absorvendo da mensagem um elemento atrás do outro estabelecendo uma microrelação (...)» (Costa, 1998: 59). A percepção corresponde à «fase em que culmina o trabalho do olho, o processo cognitivo da visão» (Costa, 1998: 60). Esta dinâmica do cérebro entre o que procura e o que encontra, que a mancha se começa a desenhar. A fase da integração corresponde à «mensagem visual captada, interpretada. Na percepção informativa, a integração é percepção cognitiva.» (Costa, 1998: 59) Nesse sentido e de acordo com resultados do Eye-Trac Reaserch 1991, realizado pelo Poynter institute for Media Studies, com o objectivo de compreender como os leitores observam as páginas de um jornal, a função do designer é captar a atenção inicial do leitor e depois conduzi-lo ao longo da informação, através de um distribuição hierarquica, capaz de definir o percurso do olhar. Evitando desordem, ambiguidade e falta de compreensão. Os diversos prémios atribuídos às publicações jornalísticas nacionais, fazemnos crer que estas e outras regras do design estão presentes ao longo das páginas destes periódicos. Mario Garcia colaborou com mais de 500 publicações como designer e consultor, durante cerca de 40 anos, redesenhou publicações como The Wall Street Journal, The Miami Herald, The Philadelphia Inquirer e Die Zeit. Para Mario Garcia o hábito de ler o jornal pode não ser tão importante como foi em gerações anteriores, mas o interesse pelas notícias é tanto, ou maior do que anteriormente. Na perspectiva do autor, hoje a notícia é a informação de ontem que precisamos compreender e aprofundar. É necessário concentrarmo-nos no conteúdo para que este tenha qualidade, decidir que media vai apresentálo e para cada caso concreto potenciar a sua apresentação. Estudos como o eye-track 07 é importante porque nos auxiliam a refefinir no futuro o modo de apresentar visualmente a informação num jornal, independentemente do suporte em que se apresente. Naturalmente que a internet, o telemóvel, o iPod e outros gadgets vieram revolucionar a imprensa e desempenham um papel

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“O PÚBLICO recebeu três prémios de excelência, atribuídos pela Society for News Design, na edição de 2013. A primeira página do jornal de 6 de Dezembro, com o punho fechado de Mandela, venceu na categoria de Cobertura Noticiosa, assim como a capa do suplemento da mesma edição, em que se vê o rosto. A fotografia de um pescador de São Tomé e Príncipe na capa da revista 2 de 18 de Agosto, do fotógrafo Daniel Rocha, venceu na categoria de fotografia.” (Público, 14-02-2014)


A primeira pĂĄgina do jornal de 6 de Dezembro 2013, com o punho fechado de Mandela, venceu na categoria de Cobertura Noticiosa, prĂŠmio atribuĂ­do pela Society for News Design.

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A fotografia de um pescador de São Tomé e Príncipe na capa da revista 2 de 18 de Agosto, do fotógrafo Daniel Rocha, venceu na categoria de fotografia.

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O Diário de Notícias conquistou uma distinção para Portugal na categoria Infographics, na edição de 2012 dos European Newspaper Award por duas páginas da edição de 12 de Novembro de 2011, referentes à Grande Investigação dedicada à maçonaria. A secção de infografia é coordenada por Cristina Santos.

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ÑH 2015 Melhor jornal Península Ibérica capa do 25º dia de aniversário do Público.

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informação. O mesmo aconteceu com a televisão. É certo que a internet coloca desafios completamente diferentes e que o ritmo deas mudanças tecnológicas e a velocidade a que chegam até nós não se compara com o gradualismo do passado. Refere ainda que a actual crise económica tem contibuído para a redução nas vendas, já que os leitores têm menos recursos económicos e os anunciantes cortam com os orçamentos para a publicidade. Porém, o futuro da imprensa e da comunicação social é tão indissociável do futuro do mundo, que o jornalismo terá que sobreviver, ainda que tenha que ser reeinventado.

fundamental, uma vez que podem oferecer em tempo real a actualidade informativa. Mario Garcia faz referência às palavras de James Carey, Professor universitário e membro do Poynter institute, «Não podemos domestificar o futuro mantendo-o continuamente sobre controle. No entanto, devemos pensar no futuro de forma positiva, antecipando as forças que nos moldam a forma de escrever, de editar, de fazer design e de gerir um mundo de múltiplas plataformas de informação.» (Adam, P. ; Quinn, S.; Rick, Edmonds, 2007) De acordo com José Manuel Fernandes, director do Público, no 19º aniverário do jornal, a 05 de Março de 2009, os jornais estiveram para morrer quando apareceu a rádio, sobreviveram e até se tornaram melhores orgãos de

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adam, P. (1995) Color, Contrast, and Dimesion in News Design. St. Petersburg, Florida: The Poynter Institute for Media Studies. Adam, P. ; Quinn, S.; Rick, Edmonds (2007) Eyetracking the News. St. Petersburg, Florida: The Poynter Institute for Media Studies. Ames, Steven (1989) Elements of Newspaper Design. New York: Praeger. Arnold, Edmund (1969) Modern Newspaper Design. New York: Harper & Row. Costa, Joan (2011) Design para os Olhos: Marca, Cor Identidade e Sinalética. Coleção design, comunicação e publicidade. Lisboa: Dinalivro. Costa, Joan (1998) La Esquemática: Visualizar la Informacióon. Paidós García, M. (2002) Pure Design. St. Petersburg, Florida: Miller Media. García, M.; Javier Errea’s love affair with printed newspapers. GarcíaMedia Blog [Em linha]. Florida: Tampa, 08 Dez.2015. [Consult. 21 Jan. 2016] Disponível na http://garciamedia.com/blog/javier_erreas_love_affair_with_printed_newspapers Sousa, Jorge P.; Jornalismo on-line. Forum Media [Em linha]. nº5 (2003). Viseu: IPV. [Consult. 22 Jan. 2016]. Disponível na www.ipv.pt/ forumedia

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ARTE E DESIGN Pontos de Encontro Cláudia Lima *

Da arte ao design O termo design é relativamente recente na nossa história, não obstante, podemos dizer que, de algum modo, este conceito esteve associado à arte, ao longo de séculos. Na Grécia Clássica, a arte designava-se como techné (Flusser, 2010; Salinas, 2003), termo que deu origem a técnico, “relacionado com a aplicação da ciência à obtenção de objetos ou resultados práticos”, e tecnologia, “conjunto das actividades relacionadas com a exploração da natureza, a construção ou fabricação de qualquer classe de coisas” (Salinas, 2003, p-104). Em latim, esta capacidade de criar objetos foi designada como ars que “significa «agilidade», «destreza»” (Flusser, 2010, p.10). Ars deu origem a artis, que designava a atividade humana que perspetiva um resultado útil, com “um caráter mais prático que teórico” (Salinas, 2003, p.104). O conceito artis prevaleceu ao longo do desenvolvimento da Roma Imperial, definindo a “maneira hábil de realizar qualquer trabalho” (Salinas, 2003, p.104). No período da Idade Média, passaram a distinguir-se dois tipos de arte: as artes mecânicas, associadas à construção de utensílios, instrumentos ou máquinas com fins práticos, e as artes liberais, “relacionadas com conhecimentos específicos para a reflexão e o debate teológico segundo se praticavam nos lugares destinados à educação” (Salinas, 2003, p.105). E na era do Renascimento, com o emergir de uma nova filosofia assente na intelectualidade do humanismo , as artes passaram a ser classificadas como artes úteis, associadas à prática utilitária, e belas artes, relacionadas com a criação de obras artísticas associadas a “valores estéticos e espirituais” (Salinas, 2003, p.106). A Revolução Industrial trouxe um novo alento às designadas artes úteis com a introdução de um novo tipo de produção, a produção mecânica em série. Numa primeira instância, a função prática prevaleceu sobre o valor estético, perspetivando a velocidade de produção para uma resposta a um mercado tendencialmente massificado. O método de produção mecanizada e a forte concorrência que se impôs no seio de políticas capitalistas repercutiram-se na diminuição da qualidade dos materiais dos produtos, na simplificação dos objetos e massificação da produção, considerando o público como um todo indiferenciado. Na segunda metade do séc. XIX, William Morris (2003), observando o impacto negativo causado pelos novos processos de fabrico, teceu fortes críticas à industrialização nos seus manifestos, alertando para uma clara anulação do papel das artes decorativas. O autor considerava que a estratégia capitalista adotada tinha, de facto, baixado significativamente o custo dos produtos, mas retirara-lhes qualidade e valor estético, bem como o próprio prazer na sua produção. Nos seus manifestos, realçou, ainda, os malefícios que este tipo de produção criava na qualidade de vida do ser humano, considerando que este se tornara escravo das máquinas e que a produção industrial, não só havia tornado os produtos mais fracos e menos belos, como também transformara as cidades em locais pouco próprios para viver. Em finais do século XIX, surgem os primeiros projetistas procurando aliar arte e tecnologia com o intuito de “dotar de uma nova estética todo o tipo de produtos provenientes da área fabril” (Salinas, 2003, p.110). Inicialmente, ornamentavam

* Doutoramento em Media Digitais pela Universidad do Porto (2015); Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Fernando

Pessoa (2009) Comunicação pela Faculdade; master em Desenho e Produção Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona (2005) e licenciou-se em Design de Comunicação, pela ESAD, em Matosinhos (1998); docente do curso de Design de Comunicação da Universidade Lusófona do Porto e investigadora do ID+ – Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura.

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os produtos com elementos decorativos, aliando arte e indústria, mas logo os foram despojando de qualquer adereço sem uma funcionalidade prática, procurando simplificar e rentabilizar a produção. Já no século XX, adotou-se o rigor absoluto do racionalismo e funcionalismo. O conceito de design passou a ser definitivamente diferenciado do conceito de arte e passou a ser parte integrante do plano estratégico das empresas, tornando necessária uma formação especializada neste âmbito. Destaca-se aqui a fundação da escola Bauhaus, por Walter Gropius, que procurava aliar arte e tecnologia através de formas racionais e geometrizadas perspetivando a perfeição funcional. “O funcionalismo ascético e puritano da Bauhaus” (Moura, 2005, p.77) associado ao conceito de uma produção mais económica tornou-se, então, numa das premissas básicas da disciplina do design, influindo o seu percurso, ao longo do século. O funcionalismo vigorou durante as primeiras décadas do século XX, imperando a pureza funcional dos objetos e a simplicidade geométrica. Como resultado criaram-se objetos tendencialmente frios e austeros, de formas despojadas de qualquer ornamento, em suma, objetos fruto exclusivo da função a que se destinavam. A produção ficou marcada por uma total uniformização que pressupunha um público indiferenciado. A intenção de criar objetos a um custo mínimo “que fossem destinados a todas as categorias sociais e que não fossem reservados a elites em vias de extinção” (Dorfles, 1990, p.26) cedo se revelou utópica e conduziu a um novo pensar do processo produtivo. O público passou a ser segmentado segundo necessidades próprias e características sócio-culturais e económicas. A forma deixou de seguir somente a função para responder a toda uma série de questões de ordem cultural, social, económica e ambiental, visando a qualidade em detrimento da quantidade. A funcionalidade do objeto deixou de ser atribuída apenas ao aspecto “mecânico” do produto, passando a ser considerados aspetos sensoriais, simbólicos e culturais. Neste sentido, sem retirar a importância que o funcionalismo teve no desenvolvimento do design, Gillo Dorfles (1990) propôs que o conceito de funcionalidade fosse substituído por semanticidade, defendendo “que um objeto para ser funcional no verdadeiro sentido da palavra, deverá responder, não só a exigências práticas, utilitárias, de adequação às características do material utilizado e aos custos, etc., mas também a exigências semióticas, de correspondência entre forma do objeto e o seu significado” (p.55). O design deixa, então, de operar como “investigação de uma forma associada a uma função”, investindo “na criação de uma ideia capaz de introduzir no repertório cultural uma informação nova que reformule o quotidiano, estabelecendo uma identidade pessoal que converte o recetor num colaborador do designer” (Ferrara, 2003, p.180). Ao participar na determinação do valor económico e do valor simbólico dos objetos, o design participa também no processo de marcação social do gosto, diferenciando grupos e classes através do uso de objetos.

O sentido do design Para a compreensão do conceito de design (e melhor distinção do conceito de arte) urge uma análise semântica e etimológica deste termo. Segundo Cerezo (2003), o termo design deriva do latim designare, que se traduz em “marcar, traçar, desenhar, representar, indicar, sinalizar, eleger, designar, ordenar” (p.223). Yves Zimmermann (2003), considera que design provém do latim designio – intenção – que, por sua vez, deriva do termo signo, que significa sinal, sinalizar (Cerezo, 2003; Zimmermann, 2003). Deste modo, o termo design encontra-se “diretamente ligado ao de desígnio, à intenção assim como à noção de signo, no sentido de assina-lar, sina-lizar” (Zimmermann, 2003, p.69), cabendo ao designer a manipulação e articulação de signos reconhecidos numa linguagem geradora de novos signos. Design é, portanto, a “intenção”, o “propósito” e o “plano”, pressupõe o ato de projetar, de “arquitetar algo”, “organizar” e “agir estrategicamente” (Flusser, 2010, p.9). O conceito de design afigura-se, assim, como parte integrante de um projeto que investe na funcionalidade dos objetos, mas também na sua própria comunicabilidade. Como refere Moura (2005), “determina-se nesta intenção de combinar pragmática e poética, de unir a capacidade de fazer com o desejo de comunicar” (p.74). Para Kerckhove (1997) “o design emerge como aquilo a que poderíamos chamar ‘a pele da cultura’” (p.212), desempenhando um papel metafórico das capacidades funcionais do objeto e refletindo

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tendências culturais através de formas. Neste âmbito, refere um conjunto de exemplos como o design que Dieter Rams criou para a BrAun ou as formas aerodinâmicas que Raymond Loewy adotou nos meios de transporte e que serviram posteriormente de inspiração a toda uma vasta gama de produtos como frigoríficos, torneiras e até o próprio design da garrafa de Coca-Cola. Se o design descende de uma evolução natural da arte, o facto é que arte e design se tornaram duas áreas distintas que se regem por princípios e finalidades diferentes. A arte, numa era pós-moderna, surge como um processo contínuo de expressão pessoal do autor, em constante evolução, dependendo da sua sensibilidade, manualidade e da sua intuitividade emocional. De formas livres, adquire uma “magnitude filosófico-espiritual” (Helmut Federle, citado em Zimmermann, 2003, p.67) não tendo, à partida, um objetivo prático, senão o da sua própria contemplação. Não tem um recetor específico a quem se dirige embora o artista procure ocasionalmente passar uma mensagem, muitas vezes associada a manifestações políticas e sociais. Em boa verdade, é quase um contraspsenso, nos nossos dias, encontrar uma definição precisa para arte uma vez que esta vive da sua não objetividade. Não é científica, não segue uma lógica e é suscetível de inúmeras interpretações. Para Maurice Barrett (1982), “qualquer definição de arte é, pela própria natureza, incompleta e polémica” (p.17), Otl Aicher (2002) define-a como “sintaxe sem semântica” (p.23) e Tony Godfrey (1998) considera que “a arte é um conceito: não existe como um tipo de coisa definível com precisão, como existem os elefantes ou as cadeiras” (p.19). Claudia Giannetti (2002), refletindo sobre a arte do século XX, conclui que tudo pode ser arte , sendo que “a não-arte é também uma forma de arte” (p.74). Os quadros brancos de Robert Rauschenberg, a música sem o som de qualquer instrumento, como a peça 4’33’’ de John Cage, ou a página em branco de Mallarmé são exemplos claros da dita “não-arte” que se tornaram referências fundamentais na arte contemporânea. Para Aicher (2002), não cabe à arte projetar objetos com finalidade prática ou utilitária, sendo que “uma escultura que cumpre alguma utilidade já não é uma obra de arte, senão uma máquina ou utensílio” (p.23). Já “o design relaciona-se com circunstâncias, está ligado à linguagem (…) consiste em adequar produtos à circunstância a que estão atribuídos”, sendo que num mundo em constante mutação “também os produtos têm que mudar” (p.18). Na arte impera a originalidade e distinção em detrimento da cópia. No design a originalidade é valorizada enquanto projeto se numa perspetiva da evolução das qualidades formais e funcionais da peça e de todos os requisitos a que se propõe responder. E se o artista se expressa sem qualquer finalidade prática, o designer rege-se segundo parâmetros como a funcionalidade, agradibilidade formal, fiabilidade, “valor e procedência reconhecíveis” (p.63). Fernando Martín Juez (2003) tece um conjunto de considerações neste âmbito, diferenciando arte e design também de forma bastante objetiva. Para o autor, “a obra de arte reflete as crenças e a visão de uma cultura; o design, seu nível tecnológico e progresso. O design facilita a vida, a arte enaltece-a. A arte é para os sentidos e alimenta o espírito; o design é uma extensão mecânica do nosso corpo e facilita as nossas tarefas. A arte não obedece a regras (seu âmbito é o da imaginação); o design sim (seu empenho é a certeza). O artista é caprichoso; o designer, disciplinado” (p.236-237). Ainda que arte e design constituam áreas distintas, estes conceitos tendem a manter-se interligados, tendo a sua origem, segundo Flusser (2010), “na mesma visão existencial do mundo” (p.11). Para o autor, o design é “o lugar em que a arte e a técnica (…) coincidem de comum acordo e abrem caminho a uma nova forma de cultura” (p.11). Mais ainda, “o design representa o ponto onde convergem grandes ideias que, derivando da arte, da ciência e da economia, se enriqueceram e se sobrepuseram de forma criativa umas às outras” (p.12-13). Podemos dizer, então, que o design está na base de toda a cultura, é o ponto onde imaginação e razão convergem (Munari, 1990), tornando o mundo mais funcional e atribuindo valor simbólico aos objetos, em suma, configurando e remodelando o que se designa por pele da cultura.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aicher, O. (2002). El Mundo como Proyecto (4ª ed). Barcelona: Gustavo Gili. Barrett, M. (1982). Educação em Arte. Lisboa: Editorial Presença. Cerezo, J. M. (2003). Con el arte a otra parte... In A. Calvera, Arte¿?Diseño, Nuevos capítulos una polémica que viene de lejos (pp. 215-229). Barcelona: Gustavo Gili. Dorfles, G. (1990). Introdução ao Desenho Industrial. Lisboa: Edições 70. Ferrara, L. (2003). El arte en el diseño: Un rito de paso. In A. Calvera, Arte¿?Diseño, Nuevos capítulos una polémica que viene de lejos (pp. 173-182). Barcelona: Gustavo Gili. Flusser, V. (2010). Uma filosofia do design: A forma das coisas. Lisboa: Relógio D’Água. Giannetti, C. (2002). Estética Digital, Sintopía del arte, la ciencia y la tecnología – Iteractividade. Barcelona: Associació de Cultura Conteporánia L’Agelot. Godfrey, T. (1998). Conceptual Art. London: Phaidon Press Limited. Juez, F. M. (2003). Ordinario y extraordinario. In A. Calvera, Arte¿?Diseño, Nuevos capítulos una polémica que viene de lejos (pp. 231-247). Barcelona: Gustavo Gili. Kerckhove, D. (1997). A Pele da Cultura – Uma Investigação Sobre a Nova Realidade Electrónica. Lisboa: Relógio d’Água. Lima, C. R. (2009). ?-Actividade: interactividade, reactividade e retroactividade na arte e no design digitais (Dissertação de mestrado, Universidade Fernando Pessoa). Recuperado de http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/1071/2/claudialima.pdf Morris, W. (2003). As Artes Menores e Outros Ensaios. Lisboa: Antígona. Moura, C. (2005). O desígnio do design. In 4º Congresso SOPCOM (p.73-81). Recuperado de http://www.bocc.ubi.pt/pag/moura-catarina-designio-design.pdf Munari, B. (1990). Artista e Designer (3ª ed). Lisboa: Editorial Presença. Salinas, O. (2003). El diseño: ¿ es arte?. In A. Calvera, Arte¿?Diseño, Nuevos capítulos una polémica que viene de lejos (pp. 101-117). Barcelona: Gustavo Gili. Zimmermann, J. M. (2003). El arte es arte, el diseño es diseño. In A. Calvera, Arte¿?Diseño, Nuevos capítulos una polémica que viene de lejos (pp. 57-73). Barcelona: Gustavo Gili.

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2.1 ENTREVISTA Nuno Coelho / Designer

2.2 ENTREVISTA Ana Arag達o / Arquiteta e Ilustradora


NUNO COELHO / DESIGNER

Nuno Coelho é designer de comunicação e docente nos cursos de licenciatura e mestrado em Design e Multimédia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Investigador integrado do CEIS20 – Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra. Licenciado em Design de Comunicação e Arte Gráfica pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Posteriormente realizou uma pós-graduação e master em Design e Produção Gráfica pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona. Recentemente concluiu o doutoramento em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Iniciou a actividade como designer no Porto quando ainda era estudante de licenciatura. Desde então desenvolve trabalhos, em regime independente, para diversas entidades e instituições em Portugal e no estrangeiro, na sua maioria agentes artísticos e instituições culturais. No meu trabalho gráfico exploro amplamente conceitos como a apropriação, o vernáculo, a ironia e o humor. Tenho desenvolvido uma série de projectos auto-iniciados na intersecção entre o Design e a Arte, levantando questões, na sua maioria, sobre temáticas sociais e políticas. Numa outra vertente do seu trabalho tenho vindo a explorar questões de identidade e memória através da exploração do imaginário visual de antigas marcas comerciais portuguesas, vertente esta que pode aprofundar na sua investigação de doutoramento.

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E N T R E V I S TA

O que te inspira? (livro/ filme/ objeto / Musica) N.C. - Costumo afirmar que a minha maior fonte de inspiração é caminhar na rua, estar atento ao que nos rodeia no espaço urbano em que nos inserimos, pois a inspiração pode vir sob diversas formas e de muitas fontes. Olhar como se fosse pela primeira vez para as coisas que existem no ambiente onde vivemos ajuda-nos a ter um espírito mais crítico daquilo que somos e da sociedade onde nos inserimos. Visitar países e culturas diferentes também é igualmente importante para mim pois ajuda-me a ter capacidade de perspectiva pois conheço formas diferentes de viver em sociedade, igualmente válidas. Torna-se mais fácil perceber que há sempre diferentes soluções para o mesmo problema. Para além disso, nas viagens todos os sentidos são estimulados pois as imagens, os sons, os cheiros, as texturas são distintas. A minha inspiração vem também de outras áreas criativas para além do Design, tal como a fotografia, a arquitectura, a dança contemporânea, o teatro, a performance, a literatura, a música... É sempre difícil nomear um autor ou uma autora que goste ou que me tenha influenciado pois tantos autores e autoras me influenciaram de diferentes formas ao longo da minha vida profissional. Posso ser influenciado pela obra inteira de uma determinada pessoa ou por uma obra específica. A lista seria interminável e, para além disso, seria uma injustiça para os nomes que inevitavelmente iria deixar de fora pois a memória falha sempre quando me pedem referências. Para mim, para se ser um bom profissional de Design, é preciso ser um consumidor ávido de cultura nas suas mais diferentes formas. Olhando para trás qual(is) o(s) trabalho(s)/momento(s) que destacas no teu percurso de designer? N.C. - Ao longo da minha vida profissional houve vários momentos que foram importantes para mim. O início de 2005 foi um desses momentos pois foi quando decidi trabalhar como independente a tempo inteiro. Foi um risco calculado despedir-me de uma empresa onde trabalhava há alguns anos como designer, embora em part-time, não o fazendo sem antes garantir alguns projectos de grande envergadura, nomeadamente a imagem gráfica da representação oficial portuguesa na 51ª Bienal de Veneza. A artista que nesse ano representou Portugal foi a Helena Almeida e foi simultaneamente desafiante e assustador

Entrevista realizada por Andreia Pinto de Sousa. Designer, licenciada pela FBAUP. Doutoranda no Programa Doutoral em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais na Universidade de Aveiro e Porto. Professora Assistente do curso de Design de Comunicação da Universidade Lusófona do Porto e do Instituto Politécnico de Viseu.

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ter de responder ao trabalho dela pois, desde que tive conhecimento do trabalho dela no meu primeiro ano da faculdade, era e ainda é uma das minhas artistas preferidas. 2008 foi igualmente um ano importante para mim pois foi quando comecei a leccionar no então recém criado curso de Design e Multimédia na Universidade de Coimbra. Foi quando percebi que a transmissão de conhecimento é uma das actividades mais estimulantes e desafiantes que alguma vez pude experienciar. Mais recentemente, um outro ano importante foi o de 2013, ano da conclusão da minha tese de doutoramento. Foi nesta altura que descobri outra das minhas paixões, a investigação em Design. Foi durante a minha investigação doutoral que pude aprofundar uma vertente do meu trabalho, à qual chamo de “Arqueologia do Design”, em que trabalho questões históricas relacionadas com as antigas marcas portuguesas. É no seguimento desta minha investigação que tenho desenvolvido os meus trabalhos mais recentes. N.C. - A exposição “Uma terra sem gente para gente sem terra” tem sido mostrada em diversos países o que significa para ti este trabalho? A exposição “Uma terra sem gente...” foi uma exposição produzida em 2007 para ser apresentada na galeria Fabrica Features em Lisboa. A exposição explica de uma forma suscinta o conflito Israel-Palestina sendo composta por uma série de cartazes com ilustrações e infografias a preto-e-branco que os visitantes podem completar colorindo com lápis de cor. Foi o resultado de uma viagem de um mês que realizei no ano anterior à Palestina e a Israel representando a minha visão sobre o conflito. No entanto, a minha intenção era a de criar um dispositivo com um discurso associado que permitisse aos visitantes formular a sua própria opinião tendo como ponto de partida o meu ponto de vista. O meu objectivo era o de aumentar a conciencialização sobre a situação e gerar debate, ou seja, as pessoas poderiam reagir ao que lhes era mostrado concordando total ou parcialmente, ou discordando de todo, perante os conteúdos. Penso que nessa perspectiva o projecto tenha sido bem sucedido pelos reacções que pude presenciar nos vários locais onde a exposição foi apresentada. Produzida para ser apresentada uma única vez, a exposições acabou por ter um impacto inesperado na sua primeira apresentação em Lisboa e acabaram por surgir convites para a apresentar noutros locais. A segunda apresentação foi na galeria Rosalux em Berlim. A partir daí, realizei mais de trinta apresentações em seis países diferentes – Portugal, Alemanha, Espanha, Grécia, Austrália e Brasil. Para além da exposição, fui muitas vezes convidado para falar sobre o projecto através de conferências em universidades, escolas, espaços culturais, bibliotecas. Ao final de algumas apresentações, em 2009, decidi adaptar a exposição para o formato livro. Este recria todos os conteúdos da exposição, apresentando também alguns conteúdos produzidos propositamente para o livro. Convidei uma série de pessoas ligadas com a situação na região, nomeadamente jornalistas, políticos, artistas e designers, para que produzissem um ensaio escrito tendo como ponto de partida os conteúdos da exposição. Procurei, uma vez mais, convidar pessoas que sabia antecipadamente que tinham uma opinião muito distinta da minha sobre o conflito pois, como já afirmei anteriormente, o mais importante para mim era que o debate se gerasse.

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Para ti qual é o papel do designer na sociedade em que vivemos? N.C. - Para mim o Design só faz sentido quando estabelece um diálogo com outras áreas do conhecimento nomeadamente a arte, a história, a arqueologia industrial, a semiótica, a etnografia, a economia, a sociologia, a antropologia, até pelo facto da interdisciplinaridade ser uma característica intrínseca do Design. O Design não pode ser entendido apenas como uma actividade profissional, o Design é também uma actividade cultural e configurativa. Nesse sentido, cada designer deverá ter uma consciência do meio social em que se insere, se a sua prática profissional quotidiana reflecte o bem comum. Podemos chamar-lhe ética profissional ou deontologia. O que quero dizer é o seguinte – antes de nos definirmos por aquilo que exercemos profissionalmente, neste caso como designers, somos acima de tudo cidadãos e, enquanto cidadãos, cada um de nós tem um conjunto de valores morais e éticos que determinam o nosso comportamento social. Deveremos questionar a nossa prática profissional quotidiana se nela não podemos colocar em prática esse conjunto de valores pessoais. Deveremos questionar sempre se aquilo que fazemos profissionalmente está de facto a contribuir positivamente para o bem estar social. Não vejo os designers como sendo meros técnicos de formação de formas através da manipulação de software – embora haja uma cultura muito difundida dessa visão erradamente redutora – é fundamental que os designers tenham poder crítico e analítico, que desenvolvam as suas capacidades de pensamento. N.C. - O que te move pessoalmente e em que tipo de projetos gostarias de trabalhar? Neste momento estou muito dedicado ao ensino e à investigação pois são as áreas que actualmente me preenchem e me estimulam. A minha actividade como Designer enquanto prestador de serviços abrandou, para não dizer que parou mesmo, embora sinto que aquilo que faço neste momento também é Design. Por estar inserido no meio académico, sinto que estou num espaço privilegiado onde várias áreas do conhecimento confluem. Neste âmbito, após vários anos a trabalhar como prestador de serviços, é no ensino e na investigação onde actualmente me revejo. Não obstante, continuo a desenvolver projectos de Design embora agora sem a figura do cliente presente. Continuo a desenvolver projectos autorais e auto-iniciados, nomeadamente a produção de exposições, a edição de livros, projectos curatoriais, entre outros. O que é estimulante no Design é que nunca sabemos que tipo de projectos o futuro nos reserva quando terminamos aqueles que temos em mãos.

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Sabonetes Confian莽a R贸tulos e embalagem

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Sabonete Confianรงa Proposta para embalagem

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Várias aplicações gráficas para a marca de lápis Viarco.

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Projeto Editorial “Uma Terra sem Gente, para Gente sem Terra.� Um livro sobre a Palestina.

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Cartaz para o PavilhĂŁo PortuguĂŞs da Bienal de Veneza 2005.

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Cartaz para o PavilhĂŁo PortuguĂŞs da Bienal de Veneza 2005.

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ANA ARAGÃO / ARQUITETA E ILUSTRADORA

(Porto, 1984) Licenciada em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (2009), recebeu ao longo do seu percurso académico de bolsas de estudo e prémios de mérito. Estudou arquitectura em Barcelona (Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona), onde trabalhou simultaneamente numa editora de livros de arquitectura e design (LinksBooks, 20062007). Tem vindo a colaborar com a FAUP em diversos projectos no âmbito da docência e da cultura. Autora de ilustrações nas revistas Dédalo, Nu, expôs em mostras colectivas (Anuárias, Colectivo Cooperativa Árvore, Get Set Art Festival). Autora do cartaz do evento Pecha Kucha 2011 em Guimarães. Concilia actualmente a investigação em arquitectura (temas relacionados com a percepção e representação da cidade) com a ilustração, pintura e desenho. Vive e trabalha no Porto.

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E N T R E V I S TA

De que maneira a formação em arquitetura tem influência no seu trabalho de ilustração? A.A. - Fiz o curso de arquitetura sim, foram seis anos muito intensos, aqui no Porto, e depois disso ainda tentei trabalhar na área da arquitetura. Fiz estágios, dei aulas, ainda experimentei durante algum tempo o que é que era ser arquiteto. A verdade é que o curso e a atividade profissional são bastante diferentes. E quando eu percebi o que é era arquitetura, o trabalho do arquiteto no dia-a-dia não em identifiquei assim tanto. Depois então é que descobri este caminho da ilustração, um bocadinho por acaso. Só que acabei por ficar com tudo o que vinha da arquitetura. O imaginário, os temas... e aquilo que me surge naturalmente é precisamente aquilo que eu fui apreendendo ao longo do curso, da vida académica (as casinhas, as cidades) e essa é a ponte que existe entre a arquitetura e o meu trabalho como ilustradora. Deixou definitivamente de fazer arquitetura ou ainda realiza trabalhos dentro desta área? A.A. - Deixei completamente. Aliás eu nunca fiz muita arquitetura, a verdade é essa. Acabei o curso, fiz o estágio, o estágio não conta muito... é trabalho de estagiário (risos). Depois acabei por decidir tirar o doutoramento, fui para a Universidade de Coimbra. O tema ia ser sobre a representação da cidade através do desenho. É curioso, como e que apesar de tudo eu já tinha uma certa intuição de que eram estes temas que me interessavam. E o que aconteceu foi que nas aulas de doutoramento, por que sou distraída, comecei a desenhar, a fazer rabiscos, e foi ai que surgiram os primeiros desenhos, aqueles mais importantes, foram ali todos. Acabou por ser uma descoberta, uma epifania e foi por acaso. Portanto eu não deixei de fazer arquitetura, fui caminhando até aqui. Mesmo o doutoramento que eu tive que deixar porque não conseguia fazer em paralelo o trabalho de ilustração. Dedicar-me a uma tarefa é difícil, quanto mais a duas ao mesmo tempo. Assim, deixei o doutoramento, mandei-o temporariamente para trás das costas, e ainda hoje me perguntam as minhas avós quando acabo o doutoramento, e eu respondo-lhes, quando me reformar (risos). Sei que estudou em Barcelona. Como foi a experiência? A.A. - Sim, estive a fazer Erasmus, a estudar e trabalhar. Fui fazer Erasmus e conciliei com

* Entrevista realizada por Facundo Bustos estudante do 2º ano do curso de Design de Comunicação da Universidade Lusófona do Porto.

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o trabalho. Por acaso foi giro, numa editora de livros de arquitetura. Eu fazia composição, revisão, textos, coisas assim. Mas foi em sistema de part-time. Passei o ano na faculdade e a trabalhar ao mesmo tempo. Para além da arquitetura de onde vem tanta inspiração? A.A. - Um pouco de todo o lado. Eu gosto muito de literatura, e recorro frequentemente a essa fonte de inspiração para conseguir ver imagens. Eu acho que o texto é muito bom para isso, mais do que as imagens. Claro que gosto de imagens e que também me servem de inspiração. Por exemplo, não consigo folhear um livro só de imagens. Se for a uma livraria escolher livros, não vou comprar os que tem imagens. Provavelmente vou comprar livros para ler. Não gosto muito de romances, gosto mais de ensaios, ou estudos, ou reflexões... É um bocadinho este tipo de coisas que aprecio e das quais me inspiro. Os textos são as melhores bases que nos temos para criar um conceito para um trabalho. Quando fazemos uma pesquisa de imagens, acabamos por ficar presas a elas.? A.A. - Exatamente, concordo plenamente contigo. E o texto é isso. Como nao te esta a dar uma imagem evidente, só te esta a dar uma imagem mental, é mais rico. Por que permite imaginar mais coisas. Quando as pessoas vem o meu trabalho dizem sempre que fazem lembrar “As Cidades Invisíveis” do Italo Calvino. E é engraçado, por que não há uma ilustração do livro, o livro não é ilustrado. Quer dizer que as pessoas ficaram com alguma imagem na cabeça, uma imagem mental que depois vão associando. Isso é bonito. Eu consigo ver muita personalidade nos teus trabalhos. De que maneira é que eles te representam a ti? A.A. - Isso é uma boa pergunta! (Risos). Olha, uma coisa que eu noto, e que há muita gente que me pede ainda, que tem a ver com um período anterior, com o inicio, que eram aqueles mais românticos, mais inocentes, mais infantais. E que eu hoje em dia não me sinto tão confortável em fazer, deixei de fazer. Isso se calhar reflete uma Ana um bocadinho mais inocente, há muito tempo atras. E agora interessam-me trabalhos mais maduros. Nesse sentido noto uma evolução, eventualmente nesta minha personalidade. No resto não sei, eu quando vejo os meus trabalho vejo se calhar muita paciência, o que não é necessariamente verdade, se calhar sou uma pessoa obstinada quando estou a fazer aquilo que eu quero. Foco. Eu acho que a chave de qualquer problema é a concentração. Sou perfeccionista naturalmente, tenho essa noção e a ideia de acabar, de levar as coisas ate o fim também revela um bocadinho sobre mim. Outra coisa também importante, que é engraçado, e é muito meu, tem a ver mais com o processo de que com o resultado. Eu não consigo prever o desenho, não consigo imaginar o desenho antes na minha cabeça, tal como na vida eu

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não consigo imaginar o futuro ou o dia de amanha. A única coisa que eu consigo é ter uma intuição dum caminho. Por exemplo, no desenho eu faço um esboço, e no esboço consigo perceber que é a forma de um balão e tem uma bonequinha por cima. O resto esta para la adentro. Sei que são detalhes, e que tem ali umas coisas. Um esboço muito simples. E depois ao desenhar, ao fazer, é que descubro aquilo que estava a procura. E eu Ana, no sentido de personalidade ou da pessoa que eu sou, também sou assim em tudo. Eu não sei muito bem para onde é que eu estou a ir, mas ao ir vou descobrindo e claro que depois vou tentando fazer o melhor possível quando as coisas dependem de mim. Se calhar isso acaba por ser refletido no meu trabalho, em termos do processo. Vejo muitos balões de ar, muitos objetos flutuantes, essas imagens estão muito presentes no seus trabalhos. O que representam para si? A.A. - A ideia da leveza. É verdade, por acaso está. É interessante, se calhar também por oposição a arquitetura. Na arquitetura não podemos soltar os objetos do chão, e no mundo artístico, no gráfico sobretudo, isso é permitido. No fundo posso construir tudo aquilo que eu quiser. E acaba por ser uma certa ironia, um piscar de olhos a arquitetura, e dizer -Pois mas eu poso. Ha um certo gozo em fazer coisas que não são executáveis e o ar, a leveza, é muito poderoso. A ideia de flutuar, de que nos podemos libertar das amarras que naturalmente temos na nossa vida quotidiana e a nossa vida humana. Mas há na imaginação e a imaginação traduzida em desenho permite nos isso. O que é melhor, preto e branco ou cor? A.A. - Bem, isso é um dilema infinito. O preto e branco eu consigo controlar melhor. É mais fácil de ver o resultado, e isso agrada-me. Também sou ansiosa a trabalhar, quero ver as coisas feitas e sinto uma certo conforto e controlo com o preto e branco no geral. É um trabalho mais limpo, estou sentada no estirador e escuso de vestir a bata e preparar-me para as tintas e mesmo quando faço uma pausa ao retomar é só pegar na caneta. É mais confortável de certa maneira e dá-me muito gozo porque consigo chegar a um nível de detalhe espetacular. A cor é um desafio maior. Eu também sou cor, por que há coisas em que também só faz sentido o recurso à cor. Há desenhos que resultam muito bem a cores, mas é um desafio muito maior para mim, sofro muito mais quando estou a pintar. São mundos diferentes, de uma forma racional, prefiro o preto e o branco... É possível viver da ilustração hoje em dia? A.A. - No meu caso especifico, sim. Tenho trabalhos comerciais, no sentido em que trabalho para empresas e tenho trabalhos que faço e que depois vou vendendo no atelier.

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Complemento um lado mais livre com um lado mais de encomenda, se bem que tento selecionar os que me interessam mais. Que materiais utiliza para além da caneta preta? A.A. - Caneta preta, acrílicos, lápis de cor. Materiais básicos, nada de extravagante. O que representa para si uma folha em branco? A.A. - Uma folha em branco... é o que tu quiseres. É espetacular a folha em branco. Podemos dar uma folha em branco a todas as pessoas do mundo, que todas a irão utilizá-la de inúmeras maneiras.

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3 PROJETOS DE ALUNOS


Ana Figueiredo / 2ºAno / Categoria: Poster Concurso Internacional Enabled for Desabled 2015. Selecionado entre os 100 melhores entre 2674 propostas oriundas de 52 países Cartaz exposto na Youth Cultural Center(MKC) Gallery Skopje, na Macedónia.

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Ana Figueiredo / 2ยบAno Categoria: Poster propostas para concurso Internacional Enabled for Desabled 2015.

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Daniela / 2ยบAno Categoria: Poster Concurso Internacional Enabled for Desabled 2015.

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Daniela / 2ยบAno Categoria: Poster Concurso Internacional Enabled for Desabled 2015.

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InĂŞs Pereira / 2ÂşAno Categoria: Poster Concurso Internacional Enabled for Desabled 2015.

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Leonor Montenegro / 3ÂşAno Categoria: Poster Concurso Internacional Poster for Tomorrow 2015, com o tema tema Right to Healthcare. O cartaz foi incluĂ­do na Short List entre 4980 propostas

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Michelle Martins / 1ยบAno Categoria: Poster Concurso Internacional Poster for Tomorrow 2015, com o tema tema Right to Healthcare.

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Ana Figueiredo / 1ยบAno Categoria: Poster Concurso Internacional Poster for Tomorrow 2015, com o tema tema Right to Healthcare.

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Daniela Silva / 1ยบAno Categoria: Poster Concurso Internacional Poster for Tomorrow 2015, com o tema tema Right to Healthcare.

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Raquel Mendes / 1ยบAno Categoria: Poster Concurso Internacional Poster for Tomorrow 2015, com o tema tema Right to Healthcare.

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André Rodrigues / 3ºAno Categoria: Cards

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Leonor Montenegro / 3ยบAno Categoria: Cards

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Sara Martinho / 3ยบAno Categoria: Editorial

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Diana Ferraz / 3ยบAno Categoria: Graphic Design

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André Rodrigues / 3ºAno Categoria: Graphic Design

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Margarida Pereira / 1ยบAno Categoria: Graphic Design

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4 ALUMNI / ANDRÉ RODRIGUES


ANDRÉ RODRIGUES / DESIGNER

André Rodrigues nasceu no Porto a 3 de Julho de 1993. Licenciou-se em Design de Comunicação pela Universidade Lusófona do Porto (2015). Realizou o seu primeiro contacto com o mercado de trabalho no ano de 2013 como Designer Gráfico na NWSE - Coaching Empresarial. Estagiou no Gabinete de Marketing e Comunicação da Universidade Lusófona do Porto (2014-2015). Realizou o design e a paginação do Nº6 da Revista DRAMA, uma publicação sobre cinema e teatro da APAD - Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos. As suas principais áreas de interesse são identidade visual, packaging, tipografia e editorial. Actualmente, juntou-se a um novo projeto, a ROOF, uma revista bilingue de periodicidade bimestral, em suporte físico e digital, Nascida na cidade Porto a ROOF tem foco editorial nas áreas da Arquitetura, Design, Interiores, Lifestyle, Arte, Fotografia, Literatura, Tecnologia, Música e Cinema. André Rodrigues deixou o seu cunho principalmente na criação de uma grelha inovadora que estrutura cada edição e que envolve personalidades de referência, temas, reportagens, iniciativas, publicações especiais, que a tornam, edição a edição, um projeto surpreendente, desafiador e mobilizador de públicos cada vez mais alargados.

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AndrĂŠ Rodrigues Categoria: Editorial. Revista DRAMA.

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AndrĂŠ Rodrigues Categoria: Editorial. Revista DRAMA.

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AndrĂŠ Rodrigues Categoria: Editorial. Revista Roof.

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AndrĂŠ Rodrigues Categoria: Editorial. Revista Roof.

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AndrĂŠ Rodrigues Categoria: Editorial. Revista Roof.

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5 CONFERÊNCIAS / AULAS ABERTAS


Evento Fiat 500 / Francisco Providência / Jorge Silva / And-Atelier / The Royal Studio / Miguel Neiva / Pedro Almeida (Designer Jornal Público) / Estúdio Dobra / Xesta Studio / Editora Verso da História / Priplak (Xavier Aguilez) / Mother Volcano / Inês D’Orey / Mariana Rio (ilustração) / Antális / Bolos Quentes Estúdio Gráfico / Attic Studio (João Brandão) / Estúdio Gráfico 21

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