Livro Pedro Um Beijo Tchau

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Maria de Souza Duarte

Pedro - Um beijo, tchau...

A3 Gráfica e Editora Brasília - DF 2009


Projeto gráfico e Diagramação: Carlos Henrique Bodê Editora: A3 Gráfica e Editora Ltda Revisão: Marcone Barros

Capa: Wagner Barja e André Santangelo

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Pública de Brasília

Duarte, Maria de Souza D812 p Pedro - Um beijo tchau... / Maria Duarte. — Brasília : A3 Gráfica e Editora, 2009. 154 p. : il.

ISBN: 978-85-909780-0-8

1. Duarte, Pedro - memórias 2. Duarte, Pedro, 1964-2006 Biografia. I. Título.

CDD: 920.71


Para o Pedro In memorian



Sumário 1 – APRESENTAÇÃO 7 2 – PREFÁCIO 10

3 – PRIMEIRA PARTE 13 4 – SEGUNDA PARTE 80 5 – EPÍLOGO 151


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Apresentação

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ste não é um livro comum. É a vívida declaração de amor feita por uma mulher que honra a memória do filho e deseja que a história dele permaneça viva, mesmo depois de sua partida para o outro lado da vida. É assim que Maria Duarte abre a alma para reconstituir, com palavras tão meigas e afetuosas, os fragmentos de uma história já eternizada no coração e na memória, mas que agora se cristaliza com a fixação definitiva dos caracteres indelevelmente incrustados na suave textura do papel. Mas, este não é um livro para ser entendido mediante a simples decifração das letras e das palavras. Para compreender sua mensagem é necessário ler nas entrelinhas. É preciso ir além do texto, sentir o suspiro que existe em cada vírgula e a emoção que permeia cada ponto. Este é um livro para ser lido no contexto. A história aqui relatada só faz sentido se for vista através do olhar de quem a escreveu. Para conhecer a história do Pedro é preciso compreender o Pedro da história. E ninguém pode decifrá-lo melhor do que Maria Du­ arte. Porque foi ela que inventou o Pedro. Não por meio da criação de um personagem, mas através do dom da procriação da vida. Pedro é um pedaço da Maria. Por causa do DNA? Também! Mas, principalmente pelo jeito de ser, pelo caráter, pelos valores e princípios compartilhados ao longo dos anos de convivência. A vida do Pedro se confunde com a vida da Maria. Do mesmo modo que a história do Pedro permeia a história da Maria. Eles se misturam antes, durante e depois. No início, Pedro era apenas um sonho, mas já fazia parte da história!


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Sua imagem já estava desenhada na mente e no coração da Maria. Seus caminhos certamente já estavam traçados – teria uma mente brilhante, seria bem sucedido nos estudos, faria uma carreira de sucesso. Seria o professor Pedro... Não deu outra! Só mesmo Maria para ver o futuro com tanta precisão! Em 1964 o sonho se materializou. Pedro fez-se gente. As primeiras caretas, as primeiras palavras, os primeiros passos... Tudo fora rigorosamente registrado e tombado pelo Arquivo Histórico do Coração de Mãe. Pedro era motivo de orgulho para toda a família. Nos estudos, nos esportes, no trabalho, tudo o que fazia tinha um toque de capricho e esmero. Pedro cumpria com muita responsabilidade todos os seus compromissos. Era um homem exemplar e tratava a todos com dignidade e respeito. Mas... Invertendo a ordem natural da história, Pedro partiu primeiro e o coração da Maria partiu-se por inteiro. Ninguém esperava! De repente subiu numa árvore para colher um fruto e foi colhido para a eternidade. Seria o fim? Claro que não! A história jamais poderia terminar assim! E não terminou mesmo! Pedro não iria simplesmente desaparecer sem deixar nenhum vestígio. Ele continuaria para sempre vivo no coração e na vida da Maria. E assim é – cada palavra que ela pronuncia, cada passo que dá, cada prato que prepara, cada aroma, cada cor, cada sabor, tudo tem um pouco do Pedro. É como se ele estivesse sempre por perto. Mas, com uma diferença – ela sabe que ele nunca mais vai sair e sabe, também, que ele nunca mais vai voltar. Este é um livro diferente! Ele não conta uma história qualquer. Este livro é a história do Pedro contada em prosa e verso na vida da Maria Duarte. Peniel Pacheco


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Prefácio

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a tarde do dia 9 de dezembro de 2003, nos pilotis do bloco “J” da SQN 415, em Brasília, eu me despedia de Pedro, meu filho mais velho, ouvindo-o dizer, carinhoso, enquanto eu partia em meu carro: “Tchau mamãe, UM BEIJO, TCHAU”. Depois de almoçarmos juntos – eu, ele e Asmahan, sua mulher – cada um retomaria seus afazeres: Pedro no Colégio Elefante Branco; Asmahan na UnB; eu na casa de Natália, minha filha, ajudando-a a ultimar os preparativos de seu casamento com Armando, que seria realizado dali a três dias. Eu me encontraria também com os netos Mariana e Lucas e, mais tarde, com meu marido, Ítalo, e com meu filho caçula, André, e sua companheira Cláudia. Só que – não sei regidas por quais forças – as coisas não aconteceram assim. Minutos depois de despedir-se de mim, Pedro partiu para sempre, caindo do alto da mangueira que sombreava o seu apartamento, num acidente inusitado. Entramos no longo e escuro túnel do sofrimento mais absoluto, sem conseguir imaginar como sairíamos dele. Todos os dias, em todos os lugares da Terra, pais perdem filhos, vivenciando a dor mais antiga e mais doída do mundo. Dor que contraria a ordem natural das coisas, que é os filhos enterrarem os pais. A maioria desses pais conseguem atravessar o vale da morte, não permanecem nele, apoiados por fatores que variam de família a família. Nós também atravessamos o vale. Tivemos dias tristes e longos, mas saímos do túnel porque contamos com muitas ajudas: a família, a fé, as mãos amigas que se estenderam para nos ajudar, e o tempo – que é um bom enfermeiro. Também foi importante a decisão de escrever um livro sobre o Pedro, um livro que perenizasse a sua memória entre nós, que registrasse como ele era especial e insubstituível – achei que lhe devia esta homenagem.


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Só agora, passados cinco anos, consigo concretizar a decisão tomada – eu não imaginava o custo emocional da tarefa que me impus. Escrever foi uma longa jornada pelos caminhos da memória e da dor, mas me manteve atenta, ocupada, e me possibilitou desvendar um Pedro que eu não conhecia tanto: – uma pessoa muito singular; – um corajoso e organizado guerreiro na superação de suas dificuldades. Antes deste livro, se me pedissem para descrever em uma imagem o lado emocional do Pedro, eu escolheria aquela estampa de um cálice com a tarja FRÁGIL, que protege os pacotes de louça – e ele era o contrário disto; – um humanista, sempre aberto ao encontro e ao acolhimento carinhoso das pessoas. As fotos deixadas pelo Pedro registram esta acolhida: ele está sempre de mãos dadas, ou com um braço em torno do ombro, ou oferecendo algo a quem está a seu lado. O ciclo natural da vida é nascer, crescer e morrer. Como a morte continua sendo, para mim, um mistério absoluto, depois da partida do Pedro tentamos cuidar melhor da vida, e crescer, tornando-nos pessoas melhores: mais pacientes, mais solidários, mais amigos, mais carinhosos. Sabendo, mais que antes, que filhos são a nossa marca de passagem neste mundo, por isto são fundamentais. Sem fugir ao afeto – narro a história do Pedro fazendo parte dela – tentei não ser piegas, nem dramática, nem deprimente. Gostaria que este livro fosse um ato de significação do Pedro, mostrando a força da vida, do afeto, do tempo. E que pudesse, de alguma forma, ajudar pais órfãos de filhos a atravessar o vale. Além deste Prefácio, o livro contém: APRESENTAÇÃO – por Peniel Pacheco, o Deputado Distrital que prestou ao Pedro a homenagem que ele gostaria de receber – nominar, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, uma sala com seu nome; – PRIMEIRA PARTE – na qual narro os dias em que aprendemos a viver sem o Pedro; – SEGUNDA PARTE – uma síntese da pessoa que foi o Pedro; – EPÍLOGO – que Natália escreveu, com todo o afeto de uma irmã amiga. Não vou acrescentar uma página de agradecimentos. Apenas dizer, aos que nos confortaram, e a todos os citados no livro, que Pedro nos uniu na vida e na morte.


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Primeira parte Sexta-feira, 5 de dezembro de 2003

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edro me telefonou dizendo que não viria para a Fazenda hoje, como combinado, chegaria amanhã, sábado, com o André. Eu quis saber como estava se sentindo, disse-me: “cansado, muito cansado”. Perguntou o que eu faria para ele almoçar no sábado, respondi que havia separado costelinha, para fazer “vaca atolada”, como ele gostava, faria um bolo gostoso e, no domingo, uma galinha caipira. “Então, mamãe, faz a costelinha bem macia, com molho, não põe muita mandioca”. Conversamos, despedimo-nos com carinho: Um beijo, tchau... Diminuiu um pouco a preocupação que sentíamos nas últimas semanas, porque o Pedro andava acabrunhado, achando-se à beira de uma crise, bebendo e comendo compulsivamente, quando o que queria era emagrecer. Asmahan também estava preocupada, conversamos várias vezes sobre isto. Pedro estava fazendo tudo para se sentir melhor – natação, massagem, psicoterapia, acupuntura – mas estava difícil. Eu pretendia, logo após o casamento de Natália e Armando, marcado para a sexta-feira seguinte, dia 12 de dezembro, ficar em Brasília, dedicando mais tempo ao Pedro, participando dos programas de que ele gostava: caminhar no Parque Olhos d’Água, almoçar em restaurantes, passear, ir ao cinema, jogar conversa fora. Já havíamos feito isso no mês anterior, o que foi muito bom para nós dois. Eu também imaginava como um tempo de restauração as férias que começariam em duas semanas; os dias que toda a família passaria reunida na casa já alugada na praia de Guarapari; depois, a


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viagem que Pedro e Asmahan fariam ao sul do Brasil. Em fevereiro, na volta ao trabalho na Câmara Legislativa do DF – onde estava de licença-prêmio – Pedro assumiria uma função no Gabinete do Deputado Chico Floresta. Ficara contente com o convite do Deputado, e isso contribuiria para um melhor estado de espírito.


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SÁBADO, 6 DE DEZEMBRO DE 2003 Pedro telefonou confirmando que viria com o André, mas chegaria atrasado, porque ia passar no supermercado. Eu disse-lhe que bastava trazer pão e jornal, já tínhamos tudo para o final de semana. Ao meio-dia André telefonou para Ítalo, desistira de vir com o Pedro, porque ele estava dirigindo perigosamente, e demorava-se muito nas compras no supermercado. André chegaria mais tarde, com Claudinha, sua mulher. Pouco depois das 13 horas Pedro passou pela guarita da Fazenda, conversou rapidamente com Serginho, o porteiro amigo, dizendo que estava atrasado para o almoço, por isto só na volta iriam escutar juntos o CD de música caipira que comprara. Pedro chegou carregado de compras: muito vinho, pão, queijos, embutidos, t-bone para churrasco e um enorme peixe pacú. Sugeriu que fizéssemos um churrasco à noite, Ítalo e eu não quisemos, não tínhamos mais o hábito de jantar. Combinamos que no domingo almoçaríamos o pacú, Pedro detalhou como queria que eu preparasse o peixe: temperado só com sal, alho, limão e muito azeite, depois assado no forno, envolto em folha de bananeira. Almoçamos, tomamos vinho e comemos queijos, logo depois André chegou com Claudinha. Mais tarde Ítalo, Pedro e André foram buscar os porcos que Ítalo comprara em uma fazenda vizinha – Pedro na carroceria da Pampa, fumando um charuto. Uma fagulha do charuto caiu, fazendo um buraquinho na camisa de linho – presente da Asmahan – que Ítalo lhe emprestara; Pedro chateou-se, quando voltou pediu-me para dar um jeito: “Fiz uma besteira com camisa tão bonita”. Voltaram alegres; Pedro pegou o livro “Páginas Escolhidas”, de Machado de Assis, na antiga coleção de Ítalo e foi ler deitado na rede da varanda. À noite, Pedro preparou um churrasco com o t-bone, apenas beliscamos, ele comeu e bebeu fartamente. Após o churrasco, Pedro vasculhou nossa antiga coleção de LPs, ouviu alguns de seus prediletos – Chico Buarque, Paulinho da Viola, Milton Nascimento – mas buscava especialmente o LP no qual Caetano Veloso cantava sua composição “Irene”. Ficou contente ao encontrar o velho disco, ouviu e cantou a música repetidas vezes, indagou qual era, no meu entender, o sentido da letra de “Irene”. Comentei que talvez Caetano


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sentisse muita falta da calorosa alegria dos baianos, simbolizada na gargalhada de sua irmã Irene, então queria voltar para sua gente – ele não era de Londres, onde estava exilado. Pedro concordou com minha idéia, lia em voz alta os versos, que achava muito bem feitos. Mais tarde, ligou para Asmahan, conversaram bastante. Eu e Ítalo fomos dormir; André e Cláudia estavam vendo um filme em vídeo; André se aborreceu porque Pedro queria ficar entre eles, conversando. Pedro retomou o livro de Machado de Assis, ficou lendo alguns de seus contos; não sei a que horas foi dormir.


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DOMINGO, 7 DE DEZEMBRO DE 2003 Depois de um lauto café da manhã, Pedro resolveu nadar na barragem da Fazenda. Buscou um cajado grande, não encontrou, disse-me que ia pedir ao seu tio Fernando que lhe mandasse, do Espírito Santo, “um cajado bem grande, com uns 20 centímetros de grossura”. André e Claudinha acordaram mais tarde, também foram nadar na barragem. Fiz o almoço como combinado; assei o bolo que Pedro gostava de comer molhado com leite. Todos gostaram muito do pacú assado; Pedro abriu solenemente – para que todos escutassem o “ploc” de abertura – os vinhos que trouxera: um Bordeaux Blossom Hill, da Califórnia, e um italiano Della Casa Rosso. Guardou as rolhas, que colecionava em sua casa, num grande pote de vidro. Ficamos conversando à mesa, um dos assuntos foi religião. Pedro e Ítalo reafirmaram-se materialistas; André falou de suas dúvidas, eu e Claudinha dissemos de nossas crenças em Deus e no poder da fé; Cláudia lamentou não poder comungar, por não ser casada com André. Eu disse-lhe que, se acreditava na Eucaristia, não devia sentir-se impedida do ato simbólico de encontro com Deus que é a comunhão. Falamos de outros assuntos; depois do almoço André e Claudinha voltaram para Brasília. Durante a tarde Pedro e Ítalo ficaram sentados na varanda, fumando charutos, bebendo Cointreau e conversando sobre política – o assunto predileto dos dois. Depois, Pedro resolveu ler mais um pouco de Machado de Assis, aí adormeceu na rede da varanda. Dormiu todo o resto da tarde; eu observava-o com carinho, sentada em uma cadeira ao lado da rede. Estava anoitecendo, resolvi acordá-lo, achei que dormindo tanto perderia o sono à noite. Chamei-o em voz baixa, Pedro despertou, olhou em torno, afagou a barba, depois olhando para mim, bem tranqüilo, disse: “Dona Maria, a senhora me acordou, né? Mamãe, esta fazenda é o paraíso, é um privilégio ter um lugar assim. Pena que vocês gastam todo o dinheiro que ganham aqui”. Disse ainda que estava gostando muito de reler o conto Missa do Galo, que Machado de Assis era mesmo genial, propôs: “Mamãe, enquanto eu tomo banho, você lê o conto ‘A Missa do Galo’ – é bem fácil de ler –, depois a gente conversa sobre isso”. Pedro foi tomar banho; li o conto; lanchamos chá com bolo, à


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mesa continuamos a conversa. Pedro leu em voz alta “...a família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia”, comentando: “Que construção bonita! Mamãe, no seu entender, no conto como um todo, o que Machado de Assis quis expressar?” Falei que talvez fosse o interesse mútuo entre Conceição e o rapaz de 17 anos, que não ousavam assumir por causa dos costumes. Pedro concordou, falamos mais um pouco do livro, depois enveredamos para o seu assunto predileto: política. Pedro leu algumas manchetes dos jornais que trouxera, comentou: “Mamãe, se o Lula conseguir acabar com a fome e que todos os brasileiros tenham chance de ir à escola, ele terá realizado um projeto socialista. Pode dar o nome que quiser, mas este é um projeto socialista.” Ponderei que não era bem um projeto, sim uma utopia socialista. Pedro reagiu veemente: “Não é utopia, é projeto!” E discutimos acirradamente – se utopia, se projeto. Cansei da discussão, fui dormir, não sei até que horas Pedro ficou vendo televisão.


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SEGUNDA-FEIRA, 8 DE DEZEMBRO DE 2003 Ítalo acordou cedo; pedi-lhe que fechasse a janela do quarto de Pedro – ele deixava-a sempre aberta, para ver o nascer do sol – assim ele dormiria até mais tarde, Ítalo concordou. Levantei-me pouco depois, Pedro logo depois de mim. Enquanto eu preparava nosso café, Pedro, ainda de pijama, queixou-se com o pai: “Mamãe diz que o projeto socialista é uma utopia, isto não esta certo”. Ítalo ponderou que talvez eu entendesse como utopia algo que poderia vir a acontecer, algo para sempre ser buscado. Pedro não concordou, recomeçou uma grande discussão. Eu pretendia sair antes das 9 horas, passaria a semana em Brasília, ultimando os preparativos para o casamento de Natália, Ítalo ficaria na Fazenda. Pedro também precisava voltar, naquela manhã faria acupuntura com Dr. George. Eu disse então, com firmeza, que não continuaria discutindo, não adiantava nada, e precisávamos sair. Pedro ficou muito abalado, chorou, disse que não tínhamos tempo para ele; não entendia porque corríamos tanto, a esta altura de nossas vidas. De repente, Pedro saiu da cozinha em desabalada carreira, fiquei muito assustada, pensei que ele poderia se machucar; chamei-o várias vezes, sem resposta. Resolvi procurar Pedro, saí de carro pela estrada de acesso à Fazenda, sem encontrá-lo. Ia fazer o retorno quando a roda do carro prendeu-se em um mata-burro, eu não conseguia sair; fiquei muito assustada, chorando pedi a Deus que me ajudasse naquela agonia. Um vizinho deu-me carona, Ítalo já me esperava na porteira da Fazenda, estava preocupado, mas conseguiu acalmar-me. Como Pedro custava a voltar, resolvi telefonar para o consultório do Dr. George, transferindo sua consulta para a tarde. Quando ia buscar a caminhonete para tirar meu carro do mataburro, Ítalo encontrou-se com Pedro que, depois de caminhar na trilha, fora pesar-se na balança do curral. Pedro falou para o Ítalo: “Você e o André ficam dizendo que o meu peso é de três dígitos, mas estou com 99 quilos”. Logo Pedro voltou para casa, apressando-se para sair, eu disselhe então, que não precisava correr, eu havia transferido sua consulta com Dr. George para a tarde. Pedro ficou muito zangado: “Você não pode interferir na minha vida; eu vou fazer 40 anos, resolvo os meus assuntos...”, vestiu-se e saiu com o seu Escort em alta velo-


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cidade. Ao passar pela guarita da Fazenda saiu do carro, abraçou Serginho, falou do Flamengo, despediu-se: “Tenho problemas para resolver em Brasília, vamos ouvir a música caipira na próxima semana. Beijos para a família. Tchau...”. Imaginando como o Pedro ia correr na estrada, fiquei muito preocupada, queria ir atrás dele, Ítalo me convenceu que eu não conseguiria alcançá-lo. Saí menos de uma hora depois; dirigi meu carro rezando alto, pedindo a Deus para não ver o carro de Pedro detido em algum acidente. Felizmente nada aconteceu, e ele conseguiu consultar-se com Dr. George ainda naquela manhã. Telefonei para Asmahan; Pedro já havia falado com ela – que estava dando aula na UnB –, convidando-a para almoçar no restaurante Piantella. Pedro também convidou meu irmão Pedrinho para o almoço – mais que tio e sobrinho, eles eram grandes amigos – travando o seguinte diálogo: – E aí Pedro, como foi o final de semana? – Foi ruim tio, péssimo! – Por quê? – Briguei com seu cunhado e sua irmã... – Isso passa... – Dessa vez foi sério. – Pedro, vocês sempre brigam, amanhã ou depois passa. – Já passou, conversamos. – E então? – Mas é que irrita, dá vontade de matar, de torcer o pescoço. – O que houve? – Ah, você fala, fala, e as pessoas não entendem... Mas tio, vamos falar de coisas boas. Vamos fazer uma extravagância? – Como? – Vamos almoçar no Piantella? Você está bem vestido? (Pedrinho não estava bem vestido, não acompanhou Pedro e Asmahan no último almoço no Piantella).

Durante o almoço Pedro telefonou-me, pediu desculpas, disse que eu também lhe devia desculpas. Concordei. Chorando emocionados nos desculpamos mutuamente. Combinamos nos encontrar à noite, na formatura de Mariana, que terminara a 8ª série.


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Ainda durante o almoço, Ítalo telefonou para Pedro, e conta assim o diálogo que tiveram: “– Pedrão, como você está? – Eu estou bem, pai. E aí, como estão as coisas? – Está tudo bem. Que bom saber que você está bem. – Estou bem, pai, mas um pouco chateado. Como dizia o Coronel Ramiro, ‘a gente nesta vida não faz outra coisa que não seja fazer sofrer as pessoas que a gente mais ama.’ Quero pedir-lhe desculpas. – Pedrão, eu já te disse muitas vezes e nunca vou deixar de repetir: não há nada que você faça, que você deva pedir-me desculpas; porque você está e estará sempre quites comigo. – E você pai, estará sempre com crédito comigo. Foi nossa última conversa. Acabaram-se todos os meus cuidados, e deixei de contar com a presença constante do Pedro. E ficou uma saudade... uma saudade... uma s a u d a d e ...”

Asmahan telefonou-me mais tarde. O almoço com o Pedro fora bom, mas continuava preocupada: “A família devia lhe dar mais atenção. Mariana não convidara o tio e padrinho para sua formatura”. Justifiquei Mariana: a proximidade do casamento de Natália embaralhava um pouco as coisas. Pedro também telefonou para Natália, conversaram muito, ele disse que estava muito cansado, não estava feliz; falou também com o sobrinho Lucas, tinham brigado na semana anterior, “fizeram as pazes”, segundo Lucas. À noite, nos encontramos na formatura de Mariana; Pedro chegou atrasado, tivera que dar aula no Colégio Elefante Branco. Pedro entrou no auditório da CONTAG exatamente no momento em que a professora Nemézia, paraninfa da turma, falava de Mariana, de como ela era alegre e conversadeira; Pedro pensou que Mariana estava recebendo o certificado, começou a bater ruidosas palmas, todos se voltaram para ele, que ficou muito sem graça, dizendo para Armando: “Que mico eu paguei”. Após a solenidade, abraçamo-nos. Pedro conversou com alguns professores; convidou-me para comer uma pizza, “a festa não tinha comida e ele estava com fome”. Eu disse que preferia um chá no nosso apartamento da 715 Norte – onde ele morou com Asmahan por onze anos – Pedro aceitou meu convite.


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Pedro fez questão de levar-me até meu carro, estacionado atrás do supermercado Pão de Açúcar, já fechado. Perto do carro estava sentado um mendigo, já meio alcoolizado, que pediu-nos dinheiro para comprar um remédio. Pedro deu-lhe uns trocados, conversou com o pedinte, depois me disse, rindo: “Mãe, este pelo menos não mente, perguntei onde ia comprar o remédio, ele disse que ali, naquele botequim, onde vai tomar umas biritas”. Cada um em seu carro, chegamos juntos ao apartamento; fiz o chá, separei biscoitos, fatiei sapotis que eu havia comprado à tarde. Pedro comeu com muito prazer, não conhecia a fruta, só o seu suco, que ele e Asmahan tomaram , durante as últimas férias em Fortaleza. O clima ficou muito bom, conversamos amorosamente sobre vários assuntos, Pedro fez comentários sobre familiares: Natália tinha finalmente arranjado um bom companheiro, o Armando; ele gostava muito de Claudinha; Sílvia era mesmo como uma irmã; Thiago, tão jovem, já era engenheiro civil; Mariana e Carol eram moças lindas... Combinamos almoçar juntos, no dia seguinte, em sua casa. Perto da meia-noite eu disse ao Pedro que estava com sono, que ele fosse para casa dormir. Concordou, saiu. Da janela fiquei olhando-o dirigir-se ao estacionamento, ao lado do bloco; quando Pedro abria o seu carro, passou por ele, dirigindo devagar, uma colega de trabalho; ele cumprimentou-a efusivo, disse-me: “Veja, mamãe, a princesa que é a minha amiga da Câmara; que coincidência ela passar por aqui”. Com o som do carro alto, Pedro passou devagar pela minha janela, dizendo: “Escuta mãe, que música mais linda” – era La mer, com Edith Piaf. Ao chegar em casa, Pedro conversou com Asmahan; ainda telefonou para Armando e para a amiga Sálua. Finalmente foi dormir.


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TERÇA-FEIRA, 9 DE DEZEMBRO DE 2003 Pedro acordou cedo, foi para o treino de natação no DEFER, conseguiu melhorar seus índices para um campeonato marcado para o domingo seguinte. Depois da natação fez shiatsu com a massagista Luana. Em sua casa, almoçamos juntos uma nova receita de filé de salmão – que Asmahan preparara com a ajuda de Francisca, que trabalhava para eles há 10 anos – vinho , queijo com goiabada cascão de sobremesa. Pedro estava contente, disse para Asmahan: “Bem, você comprou hoje a sobremesa predileta e vinho chileno para mim!” Foi um almoço de paz, durante o qual Pedro concordou com nossas sugestões de mudança de terapeuta; de emagrecer, comendo e bebendo menos; de descansar mais, assim que terminassem as aulas no Elefante Branco. Falando do casamento de Natália e Armando, na sexta-feira seguinte, fiquei olhando para o Pedro, achei-o tranqüilo, com seu olhar bondoso, e muito, muito bonito. Com carinho, passei a mão em seu rosto, perguntei se ele ia tirar a barba para a festa de casamento. Pedro respondeu: “Não, vou só aparar bem, lavar com shampoo, para ficar brilhando; vou usar meu terno de risca de giz; vou ser o primeiro padrinho a entrar”. Depois do almoço atenderam a um telefonema da amiga Celina, convidando-os a visitá-la nas férias; Pedro garantiu que, na volta da viagem ao Sul, passariam em sua casa, em Alfenas; Asmahan foi dormir. Para que Pedro não se atrasasse no encontro que teria, às 16 horas, com seu psicólogo – encontros de que gostava “porque podia falar de tudo o que quisesse, sem ninguém interromper” – fiquei ajudando-o a passar as notas de seus alunos de Português para o Boletim, que deveria entregar também naquela tarde, no colégio Elefante Branco. Pedro chamou minha atenção para o cuidado nas anotações feitas no Boletim pela professora Regina (a quem estava substituindo), dizendo: “Mãe, ainda dizem que o serviço público não funciona. Veja que professora eficiente e cuidadosa!” Olhei o Boletim, constatei orgulhosa que as suas anotações eram tão cuidadosas como as da professora Regina. Também observei como era interessante a forma como Pedro trabalhava, com seus alunos, os poemas de Carlos Drummond de Andrade “Nosso tempo” e “De mãos dadas”– este último lemos juntos, em voz alta, comentando a beleza da poesia:


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Não serei o poeta de um mundo caduco Também não cantarei o mundo futuro Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças Entre eles, considero a enorme realidade O presente é tão grande, mas não nos afastemos muito Vamos de mãos dadas...

(Pedro um dia comentou comigo e Natália: “Como é bom ser professor. Sou pago para ler Carlos Drummond de Andrade com meus alunos.”) Enquanto trabalhávamos, Pedro pediu a Francisca que lhe trouxesse mais um pedaço de queijo com goiabada – dizendo ainda: “Não é para Asmahan saber” – e café. Francisca atendeu-o, trazendo tudo numa bandeja muito bem arrumada; Pedro pegou sua mão, beijou-a, rindo e dizendo: “Mãe, se a Francisca não existisse a gente tinha que inventar uma, não é?” Mais ou menos às 15 horas decidi ir embora, eu tinha acupuntura agendada com Dr. George, e precisava tomar providências para a festa de casamento. Disse-lhe para continuar trabalhando, mas Pedro insistiu em me acompanhar até meu carro; pegou-me carinhosamente pelo braço, descendo as escadas. Na Portaria, encontramos com Ana, zeladora do bloco e sua amiga, que lhe entregou o Livro de Atas do condomínio, para que ele e Asmahan assinassem. Pedro brincou: “Ana, você conhece esta moça?” “Claro, Pedinho (era assim que ela o chamava), é a sua mãe!” “Pois então, ela trouxe ovos da Fazenda para você; pegue depois lá em casa”; Ana riu. Pedro pegou as chaves, abriu meu carro, fez-me sentar, beijoume, fechou a porta dizendo: “D. Maria, vá com cuidado, você é meio barbeira na direção”, rimos, ele ficou em pé na calçada enquanto eu manobrava, acenando: “Tchau mamãe, UM BEIJO, TCHAU...”. Saí, passei pela banca de jornal de Vera, minha cunhada, levando-lhe ovos da Fazenda, conversamos. Eu disse do quanto estava aliviada por Pedro estar bem, e as providências para o casamento de Natália e Armando, em dia. Segui então para a minha consulta de acupuntura. Quando entrei na Clinica a recepcionista entregou-me o telefone, com uma ligação urgente para mim. Era Nelma, uma amiga, informando que eu devia voltar ur-


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gentemente para a casa de Pedro, pois ele sofrera um acidente. Todos estavam tentando me localizar. Enquanto eu dirigia da Clínica (na quadra 302 Norte) para a casa de Pedro (na 415 Norte), pensava qual tipo de acidente Pedro poderia ter sofrido, pois eu o deixara tão bem, na portaria do seu bloco. Sem nenhuma aflição, conclui que ele poderia ter escorregado no piso do pátio ou na escada, talvez tivesse machucado os joelhos ou quebrado uma perna. Isso não o impediria de apadrinhar o casamento de Natália, mesmo que fosse em cadeira de rodas. Quando eu ia entrando na quadra 415, vi uma UTI do Corpo de Bombeiros contornando o balão de saída, o carro de Natália atrás, Asmahan chorando muito, ao seu lado. Muito tensa, Natália acenoume para segui-la. Senti que algo de muito grave acontecera, mas não conseguia imaginar o quê. Segui a UTI e Natália pelo que me pareceu o mais longo caminho que percorri na vida. Quando estacionei meu carro em frente ao Hospital Distrital, os bombeiros já haviam levado a maca com o Pedro para o interior do Pronto Socorro. Asmahan chorava muito, Natália disse-me então que Pedro havia caído da mangueira da frente de sua casa, era grave.1 Aturdida, tentei consolar Asmahan, dizendo-lhe que o Pedro seria salvo. Logo chegaram parentes e amigos, chamados por Francisca, entre eles Rita, Sálua, Ângela, Pedrinho e Vera. Enquanto esperava, pedi a Deus que salvasse Pedro, mas que não o deixasse inválido, ou paraplégico; ele não merecia isso. Rezamos todos juntos um Pai Nosso. Natália chamou Ítalo; também telefonou para André, dizendo-lhe: “Agora, somos só nos dois”.2 1 Segundo relato de Ana, foi assim que aconteceu o acidente fatal: Logo que meu carro partiu, Pedro voltou-se para subir ao seu apartamento, reencontrou Ana, colocou a mão em seu ombro, recomeçou a conversa, mas Ana interrompeu-o: “Pedrinho, eu preciso terminar minhas tarefas, vou lavar a escada. Você também, suba e vá terminar seu trabalho da escola”; então se despediram, Ana dirigiu-se à prumada central do bloco. A suposição que faz é que, quando ia entrar na sua portaria, Pedro viu algumas crianças tentando colher mangas, resolveu ajudá-las. Colocou o Livro de Atas no chão, tirou os chinelos, começou a subir na mangueira da qual gostava muito, e que fazia sombra em seu apartamento. Quando estava na altura do apartamento 207, Dudu, seu amiguinho de 7 anos, gritou: “Pedro, você está subindo muito alto, vai cair.” Pedro respondeu: “Dudu, se eu cair, e morrer, você joga uma florzinha para mim!”. Continuou subindo, tanto que Antônia, que trabalhava no apartamento 308, ficou assustada quando o viu na altura do 3º andar. Ana estava lavando uma escada quando escutou Maria, vizinha de Pedro, chamando: “Ana, o Pedro caiu da mangueira!” Ana correu, logo chegaram outras pessoas. Asmahan, vendo da janela, desesperada, chamou a Emergência dos Bombeiros; Francisca avisou familiares e amigos próximos. A primeira pessoa a tentar socorrer Pedro foi Raul, seu vizinho e amigo – e que foi o seu professor mais querido, no Colégio Marista. Logo chegaram os socorristas, os bombeiros Fábio Ferreira Dulce, Carlos Pereira e Rui Gomes, que com competência e cuidado, colocaram Pedro na maca, depois na UTI de Emergência. Rita de Cássia, amiga e vizinha, contrariando normas dos bombeiros, seguiu com Pedro para o Pronto-Socorro, segurando-lhe a mão, rezando, tentando falar com ele. Rita sentiu Pedro respirar forte, depois diminuir, viu suas unhas ficarem roxas; acha que sentiu o momento em que Pedro despediu-se da vida. 2

Natália pensa que recebeu uma mensagem do que ocorreria: no momento em que Pedro caiu da mangueira, ela sentiu-se muito mal, quase desmaiou, em seu local de trabalho, no MEC; teve que se encostar na parede, depois sentar, com a ajuda de amigos. Recebeu então o telefonema de Asmahan, que não conseguia falar, foi Francisca quem lhe deu a notícia.


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O tempo parou. Após uma eternidade, Natália abraçou-me e, bem baixinho, com a maior ternura possível naquele momento, disse-me: “Mãezinha, o Pedro morreu... seja forte mãe, o Pedro estava cansado, muito cansado...” Faltou-me o chão, soltei um grito, uma médica queria medicar-me. Pela minha cabeça passou uma reportagem do jornal Correio Braziliense, sobre mães que perderam filhos, e que me tocara fundo; quase todas falaram da importância de cumprir-se todos os rituais. Recusei a medicação, resolvi que ficaria consciente, junto com meu filho, sempre. Pensei que seria bom eu morrer também, mas já tinham chegado Ítalo e André, achei que não devia deixá-los. Ainda chorava muito, Ítalo então chegou perto de mim, me abraçou dizendo: “Maria, vem cá...”; saí da sala com ele, não sei o que me disse. Natália, quando me viu parar de chorar, de mãos dadas com Ítalo, sentiu que nós agüentaríamos. Ítalo e Pedrinho – que chorava muito – foram ao interior do Pronto Socorro, despedir-se de Pedro; segui-os até o meio do caminho, voltei por concluir que não aguentaria ver meu filho morto, ali. Uma médica consultou-nos para a doação de órgãos do Pedro, concordamos, eu e Ítalo assinamos a autorização. Entrei num túnel de dor, do qual só saí muito tempo depois. Mas cumpri todos os rituais que se seguiram.3 Esses rituais incluíram uma cadeia de comunicações entre parentes e amigos, que foram chegando, aturdidos, ao Pronto-Socorro, ao apartamento de Pedro e Asmahan, ao velório, às homenagens que lhe foram prestadas. A presença de tantos parentes e amigos – aos quais seremos sempre gratos – nos ajudou muito, nos deu coragem, pois significaram acolhida, carinho, solidariedade.

3 Hoje compreendo bem como foi importante, naqueles dias doídos, cumprir os rituais. Não é sem razão que, desde tempos imemoriais, e em todas as civilizações, as etapas do ciclo de vida dos homens são solenizadas, através de rituais. A vida corresponde a um processo contínuo de transformações, de “passagens”, que se iniciam no nascimento e terminam com a morte – às vezes vão além da morte. E os atos rituais constituem uma linguagem, um modo de vivenciar, de expressar, de simbolizar estas “passagens”. Os rituais da morte permitem a quem fica, vivenciar o luto e aceitar a dura realidade – aquela pessoa não volta mais.


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QUARTA-FEIRA, 10 DE DEZEMBRO DE 2003 Não sei quantos chegaram, mas uma presença muito forte foi Leda Dantas, uma querida amiga que perdera, em 1996, em trágico acidente de carro, o filho Maurício e a nora Cláudia. Maurício e sua irmã Helena foram companheiros de infância de meus filhos, no Rio de Janeiro e em Brasília. Eu e minha família acompanhamos o luto e a tristeza de Leda e Fábio até eles se mudarem para Recife, em 1998. Eu sabia que Leda estava em Brasília, participando da Xll Conferência Nacional de Saúde, por isto pedi aos amigos Rosa e Fredi Holanda que a localizassem. Leda recebeu a notícia quando compunha uma das Mesas da Conferência, onde estava com a palavra Natividade Santana, com quem eu e Pedro trabalhamos, durante quatro anos, na Câmara Legislativa. Para justificar sua saída, Leda fez um bilhete comunicando a morte de Pedro à Natividade. Natividade leu o bilhete, perdeu a fala, começou a chorar; informada do acontecido, a platéia fez um minuto de silêncio – a primeira homenagem coletiva ao Pedro. Pedi que Fredi e Rosa buscassem Lêda porque senti que só quem tivesse passado pela dor de perder um filho poderia me ajudar a resistir ao que eu estava sentindo. Leda chegou, ficou comigo, deixou muito claro que minha dor duraria o resto da vida, que eu havia perdido um pedaço de mim, então seria para sempre uma pessoa mutilada, mas precisava aprender a viver assim, viver seria possível, mas os próximos dias seriam longos e tristes. As decisões importantes naquele transe eu, Ítalo e Asmahan tomamos juntos. Ajudados principalmente pelos caros amigos Raimundo Lobão e Andrélino Bento, Natália e Armando ocuparamse de todos os trâmites e das dolorosas providências – entre elas, transferir o casamento marcado para três dias depois. Ítalo tentou ajudá-los, mas estava muito desarvorado e triste, conseguiu ocuparse mais com a chegada dos familiares que vieram do Rio e do Espírito Santo: Clóvis, Sandra, Cilene, Eutemar, Elza, Paulinho e Adriana com seu filho, Matheo. Do que aconteceu no velório lembro pouco, só de muitas lágrimas; do clima de comoção entre os parentes e muitos amigos que chegaram, aos quais seremos sempre gratos pela presença amiga e


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solidária; de que me despedi de Pedro dizendo o poema de Drummond – De mãos dadas – que tínhamos lido juntos no último almoço em sua casa. Pedro foi cremado, vestido com o terno de risca de giz que usaria para ser o padrinho de casamento de Natália e Armando, e suas cinzas espalhadas nos lugares de que gostava muito: na Fazenda, entre as raízes de sua árvore Esmeralda e nas águas da barragem; na casa dos avós Pedro e Rozita; no jardim que Asmahan fez no lugar da mangueira da qual caiu.


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QUARTA-FEIRA, 17 DE DEZEMBRO DE 2003 Cumprimos de forma diferente o ritual de um ato religioso pósfuneral, porque eu não conseguiria acompanhar uma missa de defunto para meu filho. E também porque Pedro se declarava ateu, embora participasse sempre de todas as cerimônias religiosas familiares e tivesse uma vida interior muito rica – um espaço de reflexões, ética, afetos, solidariedade, coragem. Com o apoio do Diretor Arlécio Gazal e de alguns Deputados, eu e Asmahan organizamos, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, um Ato Ecumênico de celebração da vida do Pedro. Convocados por belo trabalho gráfico de Marel Toshi, usando textos e fotos de um Pedro feliz em diversos momentos de sua vida, mais de quatrocentos amigos lotaram o auditório da Câmara e participaram emocionados da digna homenagem.

O padre Gabrielli, da Pastoral Ecumênica da CNBB, o pastor Júlio e o líder espírita Rômulo conduziram as preces ecumênicas. As músicas escolhidas tinham tudo a ver com o Pedro: Asmahan escolheu “João e Maria”, de Sivuca e Chico Buarque, que costumava cantar com o Pedro; “O filho que quero ter”, de Vinicius de Morais, foi escolhida por Ítalo; André interpretou, com a cantora e compositora Keilah Diniz, “Meu amigo Pedro”, de Raul Seixas. E todos cantaram a “Canção da América”, de Milton Nascimento e Fernando Brandt, depois de me ouvirem contar esta história de vida de Pedro:

“Pedro nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de setembro de 1964. Eu escolhi o seu nome – o mesmo de meu pai; Ítalo foi quem escolheu o nome de Natália, que chegou em 1966; Pedro nominou André, nascido em 1968. Pedro foi forte, saudável, arteiro, precoce em muitas coisas: no andar, no falar, no mexer em tudo, nos porquês sem fim. Perguntava muito, e sempre – uma herança genética de Ítalo. Com três anos, por exemplo, queria saber o que é casamento; porque não tinha sol de noite; porque a Natália fazia xixi para traz; se o moço que dirigia um carro cheio de crianças ‘ia de pai ou de motorista de táxi mesmo’; porque a gente não tinha outro dedo aqui (entre o polegar e o indicador), e porque não se podia ter seis dedos. Refletia e descre-


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via as coisas de um modo muito seu: “Mamãe, o André está desmamando! Como é que a gente pensa, aqui na testa? Gosto de papai até o pescoço das mulheres boazudas! Papai, eu gosto de você até o buraquinho da estrelinha lá no céu! Como vai ser o engarrafamento na lua (com os foguetes espaciais)?” Até virmos para Brasília, em 1970, nossa vida se dividia entre o apartamento onde morávamos, em Botafogo, e os fins de semana em São Bento, o sítio de meus pais na antiga estrada Rio-Petrópolis, onde Pedro se ligou, e para sempre, com os avós, especialmente com a vó Rozita. Dizia: “Mamãe, eu sei que você gosta muito de mim, mas não gosta mais que a vovó Rozita”. Ítalo introduziu-o, muito amorosamente, no amor ao Flamengo, às coisas da roça, à política e ao socialismo. De forma tão precoce e intensa que, aos quatro anos, Pedro fingia ler num livro: ‘Mao (Tsé Tung) mandou dizer para eu ir à China, matar soldado do Jonhson Porco’. Aos 17 anos era um comunista ortodoxo, com 18 participava da célula do Partidão na UnB – obviamente clandestina. Há muitos anos era um disciplinado militante do PPS. Participou comigo dos muitos movimentos culturais e políticos acontecidos em Brasília: o CUCA; a Frente Cultural, as lutas prórepresentação política de Brasília, o Diretas já!, o impeachment de Collor. Às vezes eu e Ítalo comentávamos não haver muita coerência entre suas crenças socialistas e seu bom e caro estilo de vida. Hoje eu sei que Pedro era socialista por seu humanismo, por sua crença e vivência absoluta da igualdade entre as pessoas, por pensar que todos deviam usufruir das coisas boas da vida . De mim, Pedro herdou a persistência, a teimosia, a sensibilidade e a avidez por prazeres: gostar de estar junto, do encontro, de poesia, música, cinema, teatro, viajar, comer – no prazer por queijos e vinhos, ele nos introduziu. Sua vida escolar, sempre brilhante, começou no Rio de Janeiro, no Centro de Preparação de Pessoal do SESC (onde eu trabalhava) e no Jardim de Infância Marechal Hermes, o mais antigo do Rio de Janeiro. Aqui em Brasília, sempre junto com Natália e André, estudou na Escola de Aplicação, no Colégio Polivalente e fez o segundo grau no Colégio Marista. Com 16 anos foi aprovado em seu primeiro vestibular, para a Universidade Federal de Ouro Preto, mas preferiu estudar na UnB,


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onde se formou em Letras – Língua e Literatura Brasileiras – e, mais tarde, em Direito. Aos 17 anos era professor de francês, formado pela Universidade de Nancy; na Cultura Inglesa completou o curso de inglês. Paralelas às suas vidas escolares, os meninos participavam de muitas atividades: cinco anos de Escola de Música; inglês ou francês; judô na Júlio Adnet; natação no SESC e Cooper na UnB, . A enxurrada de atividades nunca prejudicou nosso lazer de fins de semana e férias. Sempre juntos, viajamos por todo o Brasil, principalmente em nosso Opala laranja de capota preta. Em 1976, com bolsa de estudos, viajamos para a França – acho que foi o ano mais feliz de minha vida. Morávamos em Rocquencourt, perto de Versailles, as crianças estudavam na escola pública local, mas o Pedro decidiu estudar também na Aliança Francesa de Paris; era o aluno mais novo de lá, por isso o chamavam de Benjamin. Ia sozinho, diariamente, de Rocquencourt para Paris – pegava ônibus, trem, metrô, fazendo algumas estrepulias: quebrar uma vidraça do Louvre , esconder-se dos avós no trem. Em um velho e valente Renault 4 saíamos todo final de semana e em feriados para uma cidade diferente, comendo o farnel que a vovó Ermelinda preparava carinhosamente. Rodamos 15.000 quilômetros pela Europa; Pedro perguntando e pesquisando histórias, mapas, atrações, comidas, informando-se sobre as coisas de todos os lugares por onde passamos. Acho que isso o ajudou a ser o homem culto que todos reconheciam. Amava a França, para onde voltou várias vezes, inclusive com bolsa de estudos. Aos 19 anos Pedro viveu uma séria crise psicológica. Trancou sua matrícula na UnB e fomos, eu e ele, para o Rio de Janeiro, enquanto Natália e André permaneceram em Brasília, com a avó Ermelinda; Ítalo viajando entre uma cidade e outra. Todo o ano de 1984 foi um período muito difícil, ultrapassado com a união da família, o carinho dos avós, um bom tratamento psiquiátrico e, principalmente, a força do Pedro na luta por sua recuperação. Força que o fez um guerreiro na luta por seu equilíbrio emocional, superando dificuldades que a outros abateria. Aos 20 anos Pedro assumiu seu primeiro emprego como professor, profissão da qual se orgulhava muito, influenciado por professores que admirava, como Raul e Maria Cristina Leal.


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Foi Analista Judiciário do TJDF, depois assumiu o cargo de revisor concursado da Câmara Legislativa do Distrito Federal – onde trabalhou, entre 1991 e 1994, no Gabinete do Deputado Carlos Alberto e na Assessoria Legislativa, tendo sido um dos revisores da nossa Lei Orgânica. Tinha orgulho de estar aqui, embora não se achasse em um bom momento de trabalho, tanto que entrou em licença-prêmio. Mesmo assim, num encontro no Conjunto Nacional, contestou o Deputado Paulo Delgado na idéia de fechar a Câmara Distrital. Não ter sido chamado para nenhuma função nesta legislatura o acabrunhou, mas refez-se com o convite do Deputado Chico Floresta para um cargo de confiança em seu Gabinete, que ele assumiria em março. É bom descobrir agora como o Pedro era querido por seus companheiros de trabalho. Lembro um encontro muito cordial, um mês antes de sua morte, no Parque Olhos d´Água, com a Deputada Eliana Pedrosa. Pedro, eu e Ítalo, André e Cláudia andávamos pelo Parque quando encontramos a Deputada e familiares; ela e Pedro se cumprimentaram tão carinhosa e efusivamente que perguntei a razão disto, já que nunca trabalharam juntos e não tinham afinidades ideológicas. Pedro respondeu: ‘A Deputada me disse que gostava muito de pamonha, quando me viu comendo uma, na CCJ. No dia seguinte comprei pamonha e levei de presente para ela, que gostou muito, aí ficamos amigos’. Só mesmo o Pedro, com seu lado menino, compraria pamonha como presente para uma Deputada. Eu e Ítalo nunca interferimos nas escolhas profissionais e afetivas de nossos filhos, embora sem deixar de dizer o que pensávamos. Pedro não foi um adolescente bem sucedido na vida amorosa, teve várias paixões não correspondidas, por isto gostamos quando ele e Asmahan se encontraram, em setembro de 1988, e casaramse, em maio de 1990. Não dava para, racionalmente, apostar neste casamento. Asmahan é independente, discreta, séria, organizada, sistemática, rígida até; Pedro, sob estes aspectos, um tumulto só. Ficaram juntos todos estes anos, amaram-se, se completaram nas suas diferenças, fizeram muito bem um ao outro. Desde 2001 moravam em um belo apartamento na 415 Norte, que Asmahan escolheu, reformou e mantinha impecável, com a ajuda de Francisca, que trabalhava com eles há dez anos. Do apartamento, Pedro gostava sobretudo da vista, com muito verde, um pedacinho do Lago e o


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nascer do sol através da mangueira que sombreava o bloco “J”, e era uma de suas árvores-paixão – e de onde caiu para morrer. Nossa família estava vivendo dias muito felizes: Ítalo planejando a auto-suficiência da Fazenda, em 2004; eu acreditando muito na proposta pedagógica do VER DE PERTO – Turismo Rural Escolar; a celebração do casamento de Natália e Armando, em 12 de dezembro; André e Cláudia planejando casar-se em maio próximo; Mariana, Marina, Fernanda e Carol, sem problemas nos estudos; Lucas ouvindo seu bordão UM BEIJO, TCHAU, que usa em todas as horas, ser adotado por todos nós. Ontem, foi em nome do Pedro – ele nunca faltava a um evento familiar – que assistimos à defesa de monografia de Thiago, na UnB. Foi um alento, nestes dias doídos, ver o meu sobrinho virar um profissional, um promissor engenheiro civil, para alegria maior de Vera e Pedrinho – o tio e padrinho que Pedro elegera como o seu melhor amigo. Não vou falar do absurdo da morte do Pedro, minutos depois de um belo almoço em sua casa, dele colocar-me em meu carro, despedir-se com beijos e abraços. Mas o Pedro fica em tudo de nós – exceto em sua ruidosa presença física, em seus beijos e abraços carinhosos, nas muitas lembranças que agora nos constituem. Vou retomar o caderno onde sempre anotava as estorinhas dos filhos e dos netos, e registrar seus casos, suas estórias, seus rituais, suas fidelidades, seu carinho com as pessoas – e quero contar com vocês para isto. Pedro foi um homem de caráter, um intelectual culto e brilhante, um profissional competente, um guerreiro na superação de suas dificuldades emocionais, uma pessoa amorosa, um menino travesso. Por tudo isto, queremos continuar vivendo, e tentar celebrar com muita música, muita poesia, muitos encontros, muito queijo e muito vinho, as suas lembranças. Tudo e muito. Vai faltar, para sempre, um pedaço de mim, um pedaço de nós. Assumo-me, hoje, como uma pessoa mutilada, mas tenho boas próteses: Ítalo, Natália e André, com suas famílias, Asmahan, os parentes, os amigos, e quem mais chegar. Juntos, de mãos dadas, caminharemos.”

Em dias tão doídos, recebemos de parentes e amigos, no Livro de Pêsames e através de visitas, telefonemas, cartas, telegramas e tex-


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tos, mensagens que muito nos comoveram, e foram muito importantes naquele transe. Nunca esqueceremos estas palavras de carinho:

– Vamos sempre lembrar do pedaço estranho que vivemos hoje, mas envolto em brumas de incredulidade. Mas uma coisa vai brilhar em nós, clara, perene: vamos lembrar do Pedro na barriga de Maria, recém-nascido, menino, adolescente, homem. Sua lembrança faz o mundo mais bonito. Fábio e Helena sabem e vivem isso também. Leda Dantas – Querido filho – hoje estamos aqui para, pela última vez, compartilharmos de corpo presente a tua imagem, a tua lembrança, os teus sonhos, os teus ideais, estes não passarão nunca para teus pais, teus sobrinhos, tua companheira, teus amigos, camaradas de Partido e toda a torcida do Flamengo. (sem assinatura) – Pedrão, o infinito é o horizonte do espírito, Deus é o seu ponto de chegada. Paz! Rômulo Teixeira

– A homenagem de um companheiro, também amigo. Carlos Alberto – Pedro, a poesia do Drummond é maravilhosa, lida pela sua mãe; “Mãos dadas” é de uma sensibilidade incrível, parecida com você. Ceres – Pedro, te desejo paz e que Deus te acompanhe e te proteja. Cláudia – “Aonde você vai eu vou também”. André – Pedrão, até sempre! Berê Bahia

– Sei lá! É difícil pensar uma CCJ e uma Câmara sem o Pedro É muito difícil aceitar uma Asmahan sem o Pedro Da mesma forma como é difícil compreender o Seu Ítalo e a D. Maria sem o Pedro


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Como também é difícil entender a Natália e o André sem o Pedro Ah! Ia me esquecendo Vai ser duro para a mangueira não ter mais o Pedro para subir nela Mas todos acreditamos que, esteja o Pedro onde estiver, Será o mesmo camarada, amigo, maravilhoso filho, esposo e irmão Um agregador e uma criança. De tão puro, chegava a ser ingênuo Peço licença aos meus companheiros de partido, pela linda homenagem de quarta-feira, para parodiá-los e repetir com todos: PEDRO DE SOUZA DUARTE – PRESENTE! PEDRO DE SOUZA DUARTE – PRESENTE! PEDRO DE SOUZA DUARTE – PRESENTE! Homenagem do amigo Dino Pedro Amigo querido, ser humano terno, idealista e caloroso. Presença alegre e luminosa, sempre! Aluno brilhante, monitor dedicadíssimo e paciente; seriedade e competência em suas realizações. São lembranças tecendo a imagem de Pedro, com saudade e carinho. Maria Cristina Diniz Leal Prezada Asmahan, Soubemos, há pouco, do falecimento do Pedro. Gostávamos e continuamos a apreciar muito esse bom amigo, hoje em outro patamar de energia. Ele deve estar muito bem pois, além de competente e idealista, ele era profundamente bom aqui na Terra. No dia 30 de setembro de 2003, perdemos também nosso filho caçula, muito querido, o Rodrigo. Podemos imaginar sua dor e nos solidarizamos com você. Gostaríamos de conhecê-la pessoal­ mente. Veja nosso endereço no verso do envelope. Desejamos a você um 2004 pleno de bençãos de Deus. Afetuosamente, Theresilda e João Ribeiro QUERIDA Asmahan! Beijos! Tenho pensado e rezado por você sempre! Envio esta mensagem espírita. É bela e tem poder consolador. Beijos carinhosos da Cláudia Fallul.


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Querida Asmahan Nós, equipe da Direção e demais servidores do CIL de Brasília, agradecemos o convite que nos foi enviado para participar da homenagem póstuma ao querido Pedro. Pedro é parte da história de nossa escola e será sempre lembrado por todos nós. Com amizade, Denise

UM AMIGO PARTIU HOJE Hoje às cinco horas da tarde morreu um amigo, um grande amigo. Alguém extremamente doce e que tinha apenas 39 anos. Morreu como um menino que ele nunca deixou de ser. Subindo numa árvore à frente de sua casa, conversando com um garotinho vizinho enquanto pegava uma manga. Caiu de mau jeito e faleceu com traumatismo craniano e muitos ferimentos no rosto. Morreu sem ao menos sentir o que acontecia... O meu querido amigo era uma pessoa a um só tempo doce e contestadora, carinhosa e até por vezes irreverente, profundamente afetuoso e convicto em seu modo de encarar a vida, o que o tornava absolutamente sedutor... Brilhante e profundamente culto, pontilhava os diálogos de divertida seriedade e poderíamos saber que para tudo tinha um comentário atraente, fazendo de seus bate-papos algo encantador. Ninguém poderia deixar de saber que ele havia chegado porque sua presença ruidosa enchia a casa ou o ambiente em que se encontrava de comentários, frases interessantes e absorventes, traduzidas em seu eterno prazer de viver... Valeu conhecê-lo, Pedro, privar de sua amizade, carinho, solidariedade, conceito de igualdade entre os irmãos terrenos, partilhar de suas idéias e discutir com você prismas da existência, e ser tocado pelo entusiasmo que você liderava e o vigor que lhe percorria a estrada... Carregava alguns problemas e, profundamente inteligente, tinha sido vítima aos 19 anos de um problema emocional que deixara seu sistema nervoso abalado. E lutou com sua força delirante contra tudo que pudesse atrapalhar a vida que ele amava, sobrepondo-se a qualquer coisa que pudesse interromper seus conceitos, coragem e ânsia de viver. Formou-se em Letras e Direito, sempre com o brilho que cons-


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tituía a marca de seu temperamento empreendedor. Tinha uma cultura profunda e envolvente e falava de música, teatro, cinema, política, poesia, assim como dos fatos corriqueiros da vida, com extraordinária naturalidade... Nunca esqueceremos, nenhum de nós, sua família e seus amigos mais íntimos, a lição que nos deixou de dedicação, afeto, simplicidade, calor humano, espontaneidade, nem olvidaremos os momentos tão especiais, em que você revelava seu talento maravilhoso, perspicácia, o carisma inspirador que reunia um grupo animado, interessado e fascinante. É difícil expressar tudo que sentimos no momento da sua precoce partida, tão imprevista quanto dolorosa, mas precisava lhe dizer quanto foi importante sua amizade e convivência para todas as pessoas que lhe cercavam... Vá em paz, amigo, com a luz que sempre lhe iluminou, e creio inteiramente que o sol brilhará em seus passos, que nunca foram hesitantes. Tenho certeza de sua paz e plenitude no horizonte que lhe espera colorido e integral! Saudades! Muitas saudades! Vânia Moreira Diniz A CARTA QUE PEDRO NÃO RECEBEU Recife, dezembro de 2003

Pedro, Eu nunca saberia escrever sobre você, por achá-lo tão próximo de nós que, na impossibilidade de um telefonema, só um bilhetecarta poderia me ajudar na tarefa estranhíssima de dizê-lo. Pois hoje você ocupa nossos corações e cérebros, mais do que o natural. A gente pensa você de traz pra frente, da frente pra traz, e tudo que se sente não é comunicável pelos sentidos. No começo, lá em 1964, era só o imaginar: “Quem ocupa, de forma tão ampla e prazerosa, o barrigão de Maria? Quem ocupa? Quem vai chegar, menino? menina? quem será esta esperança de gente? Você chegou, lá na Carmela Dutra. E não foi fácil chegar à maternidade, chegar ao mundão aberto, né Pedro? Você aterrissou no planetinha com bastante esforço. Foi sua primeira, das muitas vitórias que acumulou. Logo depois, no mesmo lugar, Fábio e eu recebe-


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mos a nossa Helena, que durante os anos da pré-escola seria a sua namoradinha. Ter você como meu genro durou pouco, mas valeu. Aí veio do lado dos Duarte, a Natália, e depois Maurício, que nasceu de Rezende Dantas, e aí André, que entrou na história já tendo vocês dois como irmãos. Vocês meninos viveram tempos felizes, em anos de chumbo. Chegar ao Brasil em 1964, 65, 66, 67 e 68 não foi para qualquer um. Vocês chegaram para mostrar que a vida prevalece sobre todas as forças que a desafia. Vieram depois as outras crianças que também nos alegraram muito. Mas vocês cinco, para nós, foram os pioneiros dessa geração. Muito bom sermos recebidos por vocês em Brasília, onde você vivia experiência bem diferente do sítio dos avós, do convívio com os tios no Rio de Janeiro. Você era o menino grande que, por ser mais forte, aprendeu a não bater nos mais fracos. Será que começou aí a sua percepção que o caso não era o tamanho, nem a força, mas a justeza das posições? E que no nível individual muitas coisas só mudariam se mudasse o arcabouço maior, onde as histórias pes­ soais eram em muito determinadas por forças adversas? Logo você compreendeu que o mundo ia muito além das quadras, da Água Mineral, das lagoas, das chácaras, escolas e playgrounds da Capital da Esperança. Você não precisou esperar que a rotina da vida liberasse Maria e Ítalo para conhecer o mundo. Você encontrou, desde pequenino, no avô Pedro, a companhia que lhe faria o maior bem. E vocês saí­ ram juntos, conhecendo meio mundo. Instintivamente, ou com a inspiração dos seus pais, logo, logo, você descobriu a palavra e o mundo da “geografia”. E como você se deliciou com esta descoberta! Descobriu que essa humanidade, espalhada no planeta, não falava uma língua só. O português era de nós poucos. Você descobriu as “neolatinas”. Puxa vida... Como uma língua abre mapas inimagináveis... Mundos impensáveis, para quem usa uma língua só. E você aí se esmerou na nossa flor do Lácio, tão inculta, tão bela e tão violentada Língua Portuguesa. Nossa Pátria, não é Pedro? Sem dúvida “a nossa língua é a nossa pátria”. Seu primeiro ato político foi tornar-se amante, amado, amoroso e fiel cuidador de nossa Língua Portuguesa, sempre ameaçada pelo colonialismo cultural e pelo mimetismo


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nacional. Seu francês serviu-lhe sempre como uma língua universal de comunicação, para muito além dos acertos meramente comerciais. Você salvou muita gente da deficiência cultural e política do monolinguismo. Imagino como foi determinante para você a integridade de seus pais. Terem sido capazes de ver, quando ninguém ousava dizer que viu, e expressar responsavelmente suas críticas à utopia prematuramente parturizada, as limitações do socialismo tal como viável no Leste Europeu, deve ter dado a você os fundamentos da sua opção pelo socialismo. Você compreendeu que aquele ensaio geral era um ensaio, que outros virão e que a Grande Utopia nos guiará sempre, rumo a sociedades plurais, dinâmicas, em que a busca da eqüidade seja sempre realizada tendo o sentido fraterno como base, a intersubjetividade como recurso e a ética como bússola. Você, Pedro, numa dimensão que gente como eu desconhece, provavelmente sabia que a vida sua seria vivida de maneira concentrada, no tempo. Não seria como nós, setentões, que vivemos tempo suficiente para ir corrigindo a rota, ensaiando, errando e até acertando, vez por outra. Sua pressa tinha uma razão: a vida seria compactada no tempo. Foi por isso que você buscou e encontrou tão depressamente a mulher de sua vida? Será que os anjos, os santos e os deuses o ajudaram a encontrar aquela que o amaria e amará, com a mesma intensidade com que foi amada? Ah, Asmahan... A gente chora de alegria por saber como vocês se fizeram tão felizes, tão completos, enquanto a vida os uniu... Pois é, Pedro, Pedrinho, Pedríssimo... Que saudade, que vazio precioso, esse que se preenche de boas memórias... A ida antecipada de Maurício e de Cláudia, que parece ter sido ontem, mas que foi em 1996, ela nos deu recursos para sentir sua falta de maneira mais madura do que seria, se você tivesse ido na frente. Nosso mineiro já disse que a gente não morre, se encanta. Dessas coisas eu não entendo. Meu cérebro é primitivo a conta inteira, mal posso compreender aquilo que se passa entre o nascer e o morrer. Aí me lembro da estorinha dos dois gêmeos batendo papo, na barriga da mãe. E um perguntou: “Diga lá: você acha que existe vida além do útero?” É assim, Pedro, que eu fico matutando: terá uma inocente mangueira a capacidade de levar a não existência, uma pessoa, uma rea-


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lidade, uma história tão objetiva, tão real como você? Sei lá... Mas o que for verdade sobre você, será sobre o Maurício e a Cláudia. Quem sabe os escritos de seus pais, irmãos, tios, primos, amigos, nos ajudarão a pensar você como um mensageiro do bem? E sua sobrinha contará às novas gerações quem foi Pedro Duarte. Queria compartilhar com os que vão fortalecer suas memórias, e os que vão lê-las, nesse conjunto de escrituras emocionadas, um episódio de minha vida. Foi assim: despedindo-me de uma grande amiga, a teóloga protestante, militante, escritora francesa Suzanne de Dietrich (e nós duas sabíamos que era uma despedida “para sempre”), ouvi de seus lábios a seguinte “benção”: “Desejo, minha querida, que você recupere a sua fé. Mas, se de todo isto não acontecer, eu espero, Maria Leda, que além da morte, você tenha uma alegre surpresa... Au revoir, Maria Leda, au revoir”. Ao revoir, Pedrinho, Pedro nosso, au revoir. Se Ítalo, Maria, Asmahan, eu, Fábio, Helena e todos os que o amamos tanto tivermos uma “alegre surpresa”, você, seguramente, estará nos esperando lá, onde a UTOPIA, onde o não-lugar e o não-tempo nos acolherá. Nós, seus saudosos amigos, surpresos, confiantes, nós que lhe queremos bem, desde sempre, somos gratos pela sua existência. Até!... Leda A CARTA QUE MARIA NÃO RECEBEU Em maio de 2004, no Dia das Mães, Érica, minha sobrinha por adoção, escreveu uma carinhosa carta, visando consolar-me: “...enfim, somos obrigados a aceitar o desenho de nossa vida... descobrimos que existe no universo uma trama de fios mais grandiosa e complexa que tudo, e então prestamos mais atenção aos sinais que nos mostram os caminhos, os desígnios divinos. E deixamos de lado o ego, a mania de achar que somos donos do destino... e aí precisamos de muita coragem, e eu tenho a senhora como um exemplo de coragem... Que Deus possa lhe dar toda a luz e toda a sabedoria, lhe abençoando e lhe guardando sempre...” Érica


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Mas a carta não foi enviada, por receio de machucar-me. Só em fevereiro de 2008, em São Bento, Érica entregou-me a carta que guardara, junto com outra em que dizia da imprevisibilidade da vida. É que também ela era agora uma mãe-órfã – perdera seu filho, Richards, de 14 anos, numa queda acidental – e refletia: “...E de repente, a vida nos surpreendeu com o mesmo acidente e, sem explicação, me vi na mesma situação que a sua... É muito difícil sobreviver, sei que hoje já não sou a mesma pessoa, o encanto pela vida perde bastante sentido... E sem saber direito o que fazer, ainda um pouco perdida e atordoada, sigo em frente... Hoje entendo perfeitamente porque Deus me deu a Maria Rozita (filha), ela é o ar que respiro, é o meu suspiro de vida, é meu tudo...”


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QUINTA-FEIRA, 18 DE DEZEMBRO DE 2003 No dia seguinte ao Ato Ecumênico encaramos o retorno ao cotidiano, mas já antevendo a magnitude do impacto da perda do Pedro em nossas vidas. Asmahan, tristíssima, com o apoio constante das amigas Ângela e Sálua, se concentrou nas coisas de Pedro, como se esperasse ele voltar: arrumou roupas e livros, selecionou fotos, espalhou-as pelo apartamento, emoldurou algumas e presenteou amigos e parentes. Voltamos para a Fazenda, Ítalo na caminhonete e eu conduzindo o Escort do qual Pedro tanto gostava – Asmahan achou que devíamos ficar com o carro, que hoje é de Mariana. Pegamos um engarrafamento na BR-040, eu chorava sem parar, nunca o trajeto para a Fazenda foi tão difícil. Durante algum tempo tentamos homenagear o Pedro repetindo aquilo de que ele gostava: encontros, almoços, vinho. No domingo seguinte ao Ato Ecumênico fizemos um almoço na Fazenda, uma grande mesa com os pratos de sua preferência, parentes e amigos lembrando suas estórias, principalmente as engraçadas. Logo chegariam os festejos de final de ano, quando a família tradicionalmente se juntava para as férias de verão na praia. Desde outubro tínhamos alugado a casa de praia em Guarapari, da qual gostávamos tanto. Estas temporadas com a família ampliada, para festejar o Ano Novo juntos, são das mais caras lembranças que tenho na vida. Discutimos muito ir ou não ir – sem o Pedro tudo seria ruim –, mas acertadamente prevaleceu a idéia de que não devíamos nos separar. O Natal André passou com a família de Cláudia; Natália com Armando, Mariana e Lucas; Asmahan com sua mãe; eu e Ítalo fomos para casa de Cizeni e Fernando, no Espírito Santo. Nunca esquecerei o carinho de Fernanda e Eutemar, fazendo companhia a seus chorosos tios, numa noite que poderiam passar em lugares bem alegres.


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QUARTA-FEIRA, 31 DE DEZEMBRO DE 2003 Na casa de praia, com Asmahan e Ângela, Sílvia e Carol, mais as famílias de Astrida, Adelmo, Fernando e Nelson, saudamos o ano que chegava fazendo uma grande roda de ciranda, todos girando tristes e comovidos, ao som de “A Ciranda da Rosa Vermelha”, de Alceu Valença, cantada por Elba Ramalho. Foi à forma que encontrei de homenagear Pedro e minha mãe, que gostavam especialmente de cirandas e desta música. Durante toda a tarde tínhamos falado do Pedro, todos tinham gratas recordações dele, gravamos alguns depoimentos:

– Pedro trazia muita alegria para a gente. Sempre que a gente estava triste, ele fazia a gente rir com as suas estórias. Uma vez Pedro me chamou para passear, irmos à casa da vovó, ele falou: “Você vai bem arrumado, bermuda, tênis, meião até o joelho”. Na hora, resolveu que faríamos um piquenique; levamos suco de maracujá, sanduíche. Só no dia seguinte fomos à casa da vovó. Leandro, primo – Pedro era muito legal. Era muito forte, nadava bem, tentava ser feliz. Eu ia jogar tênis com ele, agora vou só com o Armando. Lucas, sobrinho – Pedro e eu brigávamos pela posse do controle remoto; chamava-me de “minha sobrinha intelectual”, eu lhe dizia que intelectual era ele. Maria Carolina, sobrinha

– Lembro muito do Pedro. Lembro quando, na Fazenda, fomos ao alto do morro para abraçar a sua árvore, que ele chamava de Esmeralda, porque estava sempre verde , mesmo na época de seca. Eu não consegui abraçar todo o tronco, ele disse que eu precisava crescer mais para fazer isto. Ele vai estar sempre com a gente. Bruno, amigo – Ele veio passar uma semana conosco, aqui em Guarapari. Mamãe assou para ele um coxa de chester, bem grande, apostamos que ele não ia conseguir comer tudo. Ele tentou, não conseguiu, foi muito engraçado. Vovó Ermelinda ficou brigando: “Se você não aguentava,


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porque não pegou só um pedaço?” No outro dia eu ia fazer bacalhau com creme de leite, ele ia viajar cedo, não almoçaria conosco – resolveu então tomar um copo da água salgada do bacalhau! Uma vez, ele comprou garrafas de rum, que gostava de tomar, deu uma de presente para papai, que depois quis trocá-la no supermercado, papai não bebia. Só que a garrafa estava quase vazia, Pedro bebera tudo. Onde e quando ele estava, era só alegria, ele era tudo de bom. Vânia, prima – Todo ano ele trazia um charutinho para mim, cubano ou baiano, o Pedro me deu o primeiro charuto que fumei na vida. Márcio, primo

– Ele sabia os dias dos santos, descobriu que depois da festa de São Pedro – que tínhamos festejado – vinha a de Santa Brígida, aí disse: “Vamos fazer agora uma festa para Santa Brígida!” Chamou os empregados da Fazenda, começou a catar galhos para fazer uma fogueira, ficou cansado, chamou a mim e a vó Ermelinda para catar também; dissemos não, estávamos cansadas. Ele ficou zangado, foi tomar banho. À noite, acendeu a fogueira, arrumou a mesa, comemos juntos. Quando terminamos, ele perguntou: “Gostou da festa, tia Cizeni? Gostou, vovó? Se vocês tivessem ajudado, a festa tinha ficado muito melhor!” Seu nome era criança, ele era um amor. Quando nos telefonava, perguntava por todo mundo: “E a nossa Vera Fisher? Ela tem o nariz mais bonito que eu conheço; a Natalinha tem também o nariz bonito, mas não tanto como o da Vânia...” Chamava-me “minha tia alemoa”; ficava mais de 40 minutos no telefone, perguntava: “E o meu tio, o grande Diretor?” Uma vez, no Rio de Janeiro, ele me levou, junto com a vó Ermelinda, para almoçar em um restaurante muito caro, depois propôs que eu e a vó pagássemos a metade. “Eu não pago, não tenho dinheiro”, disse D. Ermelinda, aí ele pagou tudo. Quando era adolescente, veio sozinho, pela primeira vez, à nossa casa. Fomos a Conduru, visitar minha tia Alice; ela insistia para que ele tomasse suco artificial; ele despistava: “Tia Alice, Ki suco não; pode ser um suco de limão?” Voltamos de carona, na carroceria de um caminhão, Pedro foi largando pelo caminho um monte de abóboras dadas por tia Alice. Depois fomos visitar minha irmã Eny,


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ele perguntava: “Eny, você não tem um pedacinho de queijo para eu botar no pão? Cizeni, tia

– Pedro, fizemos tantas viagens juntos, e você partiu só... Quando a gente se encontrar, vou te contar pormenores daquela viagem que você queria fazer ao Forno Grande, e não realizamos. Um dia, faremos juntos. Fernando, tio – Uma vez, em Brasília, Pedro nos levou para vê-lo nadar no Lago; queria que a gente o filmasse, levasse o vídeo para Castelo e mostrasse que ele não pesava cem quilos; que era um atleta em forma. O vídeo está lá em casa. Fernanda, prima

– Pedro, você lembra daquela viagem que fizemos em Brasília, você com uma garrafa de rum e um charuto cubano? Vamos nos encontrar, acabar de tomar aquela garrafa de rum. Eutemar, primo

– Pedro era muito educado, muito querido, uma figura de quem a gente gostava, uma inteligência brilhante, muito culto. Quando D. Ermelinda morreu, Pedro ficou comigo e com Sandra, depois fomos juntos pegar a urna com as cinzas. Lembro do Pedro andando na Fazenda, com seu cajado, lembro as discussões políticas, as gozações. Darlan, tio – Pedro, você passou pela vida tendo um caminho de luz. Foi uma pessoa muito especial, muito, muito querido. Está com sua avó, seu avô, jamais será esquecido. Fica com Deus e os iluminados. Astrida, tia – Guarapari, Ano Novo, você está feliz por ver a família reunida, caminhando, lembrando de você. Pedrão, valeu! Paulo, primo

– Pedro me convidou, fui com ele a um restaurante no Leblon. Na mesa vizinha à nossa um rapaz comia um tipo de presunto. Pedro lhe perguntou se podia provar um pedacinho, o sujeito ficou sem graça, mas concordou. Aí ele provou, fez o gesto de que estava muito bom, pegando na ponta da orelha. Danielle, prima – Pedrinho, oi Pedrinho querido, você mora no coração de todos nós, a gente está junto. Elza, tia


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2004 – PRIMEIRO ANO

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a segunda semana de janeiro de 2004 voltamos à Brasília, retomando o cotidiano. Começamos a ir, em pequenos grupos, aos restaurantes preferidos de Pedro, comendo o que ele gostava, bebendo muito. Ítalo, André e Pedrinho fumaram os charutos que Pedro deixou, conversando sobre ele com os maitres e garçons que eram seus especiais amigos, rindo e chorando ao mesmo tempo. Foi uma fase equivocada, que obviamente não durou muito, mas ajudou a atravessar os terríveis dias pós-partida de Pedro. Dias marcados por perguntas que não podíamos responder: porque aconteceu isto? Como não estar o Pedro conosco? Porque esta injustiça? E lembranças cálidas, mas doídas: sua personalidade tão múltipla, variando entre ser um menino carinhoso e um homem culto e preocupado; as últimas conversas; seu prazer em comer bem; o cheiro nas suas roupas; sua velha e redonda escova de cabelos (que herdou do avô); os discos espalhados; os papéis com suas escrituras; a correspondência em seu nome, que continuava a chegar – e era muito duro informar: “O destinatário faleceu”. Se o telefone tocava, íamos atender correndo, pensando que podia ser ele, que nos telefonava várias vezes por dia, anunciando-se: “Fala Pietrovsky, de Pietrograd”. E, nas noites, muitas crises de choro, afogadas no travesseiro, para Ítalo não perceber – só que ele também tentava esconder assim o seu pranto. Tivemos alguns sinais físicos da dor que nos avassalava: Ítalo teve o corpo marcado por herpes de fundo nervoso; em fevereiro, meu seio esquerdo ficou muito dolorido, inchado e vermelho. Pensei que era câncer, e que não seria ruim ir encontrar-me com Pedro; depois considerei que minha família ficaria muito abatida. Resolvi consultar meu médico, não era câncer, sim reação de fundo nervoso. Também dei continuidade à terapia com acupuntura, com Dr. George Kousak. Sabíamos que voltar a ter uma atividade era essencial, então Ítalo se ocupou com a Fazenda, e eu decidi confirmar encontros de imersão em inglês e em francês, agendados no VER DE PERTO pelo Positive Course e pela Escola Francesa. De um dos programas de imersão, realizado nos dias de carnaval de 2004, participou uma professora, Roseli, que perdera,


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num acidente de moto, um genro de 21 anos. Roseli é uma pessoa mística, e decidiu ajudar-me: ensinou-me exercícios de respiração, meditação, escalda-pés, orações – uma novena de nove semanas, considerada como exercício espiritual. Olhando para a árvore Esmeralda, no alto do morro, aprendi a ter todos os dias um tempo de recolhimento, que hoje passo junto à fonte do jardim que fizemos para o Pedro. Também rezei nas missas que ainda hoje faço celebrar, in memorian de Pedro. Uma das missas mais tocantes foi a organizada por Asmahan, marcando um ano da partida do Pedro – celebrada pelo amigo Padre Aleixo. Na capela de São Pedro Apóstolo, com músicas executadas pelo quarteto da violonista Kátia Andrade, parentes e amigos, convocados pelo poema “Em algum lugar” – reproduzido no final deste livro – encontraram-se emocionados. Para homenagear o Pedro, em 10 de fevereiro de 2004, o Deputado Peniel Pacheco – seu amigo de muitos cafés-da-manhã na Padaria Capri – com o apoio de quase todos os Deputados Distritais, apresentou Projeto de Resolução, dando à sala de reuniões da Comissão de Constituição e Justiça a denominação de “Sala Pedro de Souza Duarte”, com a seguinte justificativa: “Sempre que nos voltamos em olhares ao derredor, ou circulamos nos corredores desta Casa, conferindo os que ainda estão, e nos damos conta de que há um a menos, somos então levados a refletir sobre este grande e divino exercício que é o de se ir, durando. Pedro de Souza Duarte já não está mais entre nós. Funcionário dedicado, sempre de bem com a vida. Estar de bem com a vida não é apenas estar de bem consigo próprio; é indissociável de estar de bem com os outros. Pedro entre nós, os seus contemporâneos, era assim. Ao longo de 12 anos de dedicação a esta Casa, Pedro exerceu funções de assessoria parlamentar e posteriormente prestou concurso público e foi nomeado na função de Assessor Técnico Legislativo – Revisor de Texto. No seu itinerário, soube espraiar respeito, amizades, compreensão e profissionalismo, sendo defensor intransigente da moralidade e da causa de seus semelhantes, que deve ser sempre a grande causa da vida. Considerando a relevante contribuição que o servidor Pedro prestou a esta Casa, em especial, assessorando a Comissão de Cons-


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tituição e Justiça, é que apresentamos a presente proposição, denominando a sala de reuniões da Comissão de Constituição e Justiça, Sala de Reuniões PEDRO DE SOUZA DUARTE. Diante do exposto, entendemos que a homenagem ao servidor Pedro se justifica. Para tanto, conclamamos os ilustres pares desta Casa para aprovarem este Projeto de Resolução”. O Projeto foi aprovado em Plenário no ano de 2005.

Querendo consolar-nos, amigos queridos presentearam a mim e Asmahan com textos e livros. Principalmente livros referentes à perdas, de Richard Edler, Isabel Allende, Lia Luft, Lucinha Araújo, Esther Grossi, Danuza Leão, Joan Didion, Cláudia Fallul, Jostein Gaar­der e Dráuzio Varela. Li e reli todos eles, assim como o texto mimeografado “À minha mãe”, no qual a amiga Maria Dalva Fonseca registra o cotidiano trepidante e bem-humorado de seus seis filhos, quando pequenos. Tais leituras me fizeram muito bem, conclui que registrar emoções era uma forma positiva de enfrentar a dor e a saudade. Comecei a imaginar o livro que queria fazer para o Pedro. A primeira tentativa de escrita foi esta carta: Fazenda São Pedro Apóstolo, 15/02/2004

Meu querido filho Pedro Hoje começo a ter a sensação de estar saindo do túnel da dor, ainda que devagarzinho. Há tanto para lembrar, rir, chorar, lamentar, fazer, refazer, trocar, falar, sentir, escrever, ler, manusear, rezar... Não sei por onde começar, mas vou tentar. A primeira tentativa é localizar no computador a frase: “Carta para o meu amado filho Pedro”, que você digitou quando pedi sua ajuda para lidar com disquetes. Não cheguei a escrever a carta, o que você me cobrou. Vou tentar agora, de coração partido. É muito ruim, meu filho, não ter você aqui, que falta você faz! Há um buraco no meu coração, passei a depender do seu pai, de Natália, André, Mariana, Lucas, Armando, Cláudia, parentes e amigos mais próximos para me sentir viva, para aguentar. Tudo o que vivemos passa como um filme; tivemos tanta coisa juntos, o que fazer com as lembranças? É o que ficou, então vamos resgatá-las, dizer do nosso amor: te amei, te amo, te amarei para sempre.


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Nos próximos dias de carnaval nossa família vai reunir-se para definir por onde começamos. Foi bonito e comovente o Ato Ecumênico de celebração da sua vida, na Câmara Legislativa. Eu e Asmahan ficamos muito juntas, começamos a juntar e organizar as suas coisas: roupas, objetos, fotos, escritos, livros, tudo o que traduz sua inteligência, sensibilidade, carinho, competência, tenacidade. Que pessoa legal que você foi, muito, muito melhor do que a gente sabia ou pensava! Isto às vezes torna a sua ausência mais sentida e chorada, mas eu tenho muito orgulho de, junto com seu pai, ter concebido, gestado, parido e criado uma pessoa como você. Vou tentar traduzir-te, registrar-te, no livro ou “arquivinho” que quero pronto para o próximo São Pedro. Asmahan está ajudando na arrumação do que, aqui em nossa casa, será o seu quarto. Vai ficar como você gostava: organizado, bonito, cheiroso, parecido com o menino “do coração cheio de domingo” que era o meu Pedrão. Teremos também o seu jardim, junto com o da vó Ermelinda e, um dia, o bosque do Pedro e uma capelinha. Sua árvore Esmeralda continua firme no alto do morro; sempre que estou rezando gosto de olhar para ela. Estamos esperando a confirmação de ser o seu famoso jequitibá a árvore que Seu Euclides plantou junto à nossa casa – tomara que seja, ficará para sempre junto de nós.4 Tem chovido muito – só agora seu pai começa a fazer o silo de milho – mas a Fazenda está muito bonita, talvez você possa estar sentindo isto. Acho que te senti hoje, ao acordar, você sentado na cama, vestindo uma Lacoste preta, bermuda branca. Quando a gente poderá te sentir e lembrar, sem que isso seja tão doído? Não estava em condições de escrever hoje, mas André está aqui, abriu o computador, me levou a começar. Estou confusa, mas minha cabeça começa a vislumbrar o que será o “arquivinho do Pedro”. Outro dia volto a escrever, hoje não dá mais, eu só queria te abraçar e beijar. Maria 4 O famoso jequitibá tem uma história bonita: Pedro gostara muito de uma cena da novela “Renascer”, na qual o protagonista crava uma

espada num simbólico jequitibá. Comprou então várias mudas desta árvore e pediu ao caseiro Euclides que as plantasse pela Fazenda. Em setembro de 2003 Pedro perguntou-me onde estavam os jequitibás, eu não sabia, e Seu Euclides esquecera onde os plantara. Pedro ficou chateado, eu lhe pedi que trouxesse outras mudas, plantaríamos com mais atenção, mas não houve tempo para isto. Aí, em maio de 2004, a equipe que implantou no VER DE PERTO o Projeto Rota das Árvores identificou, logo à porta de nossa casa, um dos jequitibás de Pedro, que virou a árvore-símbolo do Projeto, e onde Asmahan colocou uma placa com os versos de Drummond: O amor é todo vestido De amor e tempo de amar O meu amor e o teu Suplantam qualquer medida...


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Em 30 de julho deste primeiro ano escrevi outra carta para Pedro:

“Pedríssimo, São 17:30 da tarde, fiquei martelando no computador para organizar uns disquetes, mas já resolvida a começar hoje o livro que quero fazer para você. Tanta coisa aconteceu, mas você é mais presente que nunca em nossos corações e mentes. Estamos menos machucados. A lida com a Fazenda, o muito rezar, as famílias de Natália e André, a Asmahan e, principalmente, seu pai, conforta e faz aguentar. Mas às vezes eu me pergunto se é justo, se é lógico, ou possível, vivermos sem você. A pessoa mais machucada agora é a Asmahan – nem ela, nem nós, nem você, poderíamos imaginar tanto amor, tanta saudade, tanta falta. Registro alguns acontecimentos familiares: os casamentos de André e Cláudia, Natália e Armando; a aprovação em concursos públicos, de Natália para o MEC e o SARAH; de André para o CNPq; a formatura de Thiago; a doença do tio Zé – um câncer do qual ele está conseguindo se recuperar; o Projeto do Deputado Peniel Pacheco, que dá o seu nome à Sala de Reuniões da CCJ; os jardins que fizemos para você, na SQS 415 e na Fazenda, onde retomamos o VER DE PERTO – que quero que dê certo –, nos ajuda na vida. Seu pai diz, refletindo: “Eu pensava que era eu que ajudava Pedro a viver, sei agora que é o contrário, ele é que dava sentido à nossa vida...” Tudo, tudo, lembra você: comidas, lugares, viagens, música, poesia, escritas, dúvidas que temos sobre português, francês... Para o livro já organizei muito material: fotos, estórias, convites, lembranças, textos dos amigos. O texto que Lêda escreveu é lindo, leio sempre, chorando. Penso assim o seu livro: – os intensos e sofridos dias, depois de 9 de dezembro de 2003; – o resumo de sua vida, que fiz para o Ato Ecumênico; – textos, cartas, artigos e poesias que você escreveu; – algumas cartas e bilhetes que recebeu; – textos e fatos sobre sua vida familiar, acadêmica, esportiva e de trabalho; – histórias de vida; – sonhos que tivemos, depois que você partiu; – o que você significou, significa, para nós que te amamos tanto. UM BEIJO, TCHAU”.


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Neste primeiro ano da partida do Pedro conseguimos levar uma vida mais ou menos normal, tendo-o como o primeiro pensamento ao acordar e o último ao dormir. Mas tínhamos recaídas. O dia 2 de novembro Ítalo passou chorando, muito, muito triste – preferiu ficar sozinho, sentado na varanda, voltado para o jardim do Pedro. Conversamos várias vezes sobre vender a Fazenda, ir embora – só não sabíamos para onde. Eu me angustiava por querer saber onde e como estava Pedro. Nenhuma “mensagem” recebemos dele. Então achei que eram pistas os sonhos que tive ou que me foram relatados – resolvi registrálos –, o que faço até hoje. Marcou-me muito, nos primeiros dias pós-partida de Pedro, ouvir o relato do sonho que, no Rio de Janeiro, minha tia Maria, que é espírita, tivera com Pedro, na noite de 9 de dezembro: ela sonha que alguém está junto dela, de costas, como que deitado. Ela reconhece Pedro, pelo perfil do nariz, e de parte do seu tronco sai então uma criança bem bonita, rindo. Quando tia Izaura lhe telefona, na manhã do dia 10 de dezembro, tia Maria diz, antes de saber do ocorrido: “Foi o Pedro que morreu...” Nestes mesmos dias – eu estava dormindo, à custa de soníferos, com Asmahan – eu tive o meu primeiro sonho com Pedro: eu estava no sítio de meus pais, em São Bento, vejo junto aos pés de caqui um conjunto de gavetas grandes, como túmulos de cemitério, tudo está escuro, há flores. Sinto um puxão bem forte em meu braço, aí caio na cama de minha mãe, que está presente, cabelos curtos e brancos. Acordo rezando: graças a Deus, graças a Deus. No dia de Natal de 2003, na casa de Cizeni e Fernando, sonho que estou na Fazenda, vestindo uma velha camisola. Sopra uma ventania muito forte, nosso amigo Lobão está presente; então, “sinto” Pedro me dando um forte abraço. Em 2004, dos 41 sonhos registrados, destacamos alguns aqui:

– Ítalo sonha que está com o Pedro no apartamento onde moramos, na SQS 316. Vai haver um jogo de futebol – Pedro veste uma camisa do Flamengo –, Ítalo lhe pergunta se vai precisar de mais bebida. Pedro responde que “precisa muita bebida, pois vão vir muitos caminhoneiros e camponeses”.


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– Vera (tia) sonha que Pedro, bem jovem, alegre, vestindo um terno, vem visitá-la na banca de jornal. Despede-se dizendo: “Vou para o meu lugar”.

– Adriana (prima) sonha que a família, enlutada, está em um anfiteatro, como um estúdio, onde se recebe mensagens psicografadas. O rosto de Pedro aparece em uma grande tela de TV, sorrindo, bonito. Muda o cenário, e agora todos estão em São Bento, na varanda lateral da casa, com Rozita preparando uma festa. Pedro chega, acompanhado de luz intensa, bonito, magro, bem vestido. Alegre, cumprimenta todos, do mesmo jeito de sempre. Asmahan chora, Pedro a abraça e diz: “Não chore, eu estou bem, feliz”. Depois Pedro diz que precisa ir embora e sai. – Natália sonha que está junto a uma árvore bem verde, conversando com Pedro, que diz: “Natália, olha que bonito!” Num galho, dois botões de flor, bate um raio de sol, as flores desabrocham rapidamente (no Livro dos Sonhos, Natália lê que sonhar com árvore verde significa paz espiritual, e com flor é ganho inesperado de dinheiro – dias depois Natália é convidada para coordenar o programa Brasil Alfabetizado e ganha R$ 5.000,00 do CEUB).

– Natália sonha que está numa espécie de corredor; vê Pedro, mas um espelho não o reflete, ela pergunta: “Pedro, você está aqui?” Pedro responde: “De vez em quando eu venho, estou bem, o céu é muito bom, eu faço o que tenho vontade de fazer”. “Então, por quê você não volta?” “Ah, isto não pode”. Aí Natália sente a mão de Pedro puxando-a para um sofá. – Sonho que estamos em um apartamento novo, desconhecido; vou abrir a porta para o André, quem surge é Pedro – sereno, grande, de calça preta e camisa bem branca; chaves na mão. “Pedrão!”, digo alegre, mas Pedro vira-se à direita, some na parede; acordo assustada.

– Sonho que estou em uma maternidade – tudo limpo, amplo, claro –, vou ver o Pedro, recém-nascido. Há um balcão grande, oval, com vários cestinhos de bebês. Penso que vou reconhecer Pedro pela marca do fórceps (como ele nasceu); identifico logo, mas não há marcas de fórceps, sim um machucado grande no lado direito do


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rosto. Pedro, todo de branco, dorme sereno; tomo-o nos braços, não acorda; no seu cartão de identificação tem escrito: “Pedro II” e eu reclamo: “Não é Pedro segundo, é o primeiro”. Acordo.

– Sonho com a solenidade que dá o nome do Pedro à sala de reuniões da CCJ. Vejo Deputados na Sala; procuro Eliana Pedrosa; passo por computadores. Perco-me em uma cidade por onde já passei; ando em ruas vazias, não quero chegar atrasada; vou atrás de um táxi. Triste, choro a morte de Pedro. – No Dia das Mães sonho com André. Estamos mudando para uma nova casa; é preciso trocar o forro de cortiça da parede. Vou ao quarto, vejo Pedro sentado, gordo, digo: “Que bom, Pedro está vivo!” Pedro não fala nada, mas faz com a mão um gesto de negação. Convido-o para ir ao cinema. Acordo.

– Sonho que estou saindo da Fazenda para participar de um treinamento. O carro enguiça, André aparece de moto, como vou andar de moto? Ítalo então aparece, resolve o problema do carro; fico contente. Batemos em uma porta, é mamãe quem vem abrir. Tranqüila, cabelos brancos, com o vestido estampado que reconheço; a casa em ordem, pintada, tudo arrumado. Rozita diz, contente: “O Pedro tinha me avisado que vocês chegariam”.

– Sonho que, depois do enterro do Pedro estamos, muito tristes, em uma casa onde já morei. Depois, já nos alojamentos do VER DE PERTO; arrumo as camas onde todos vão dormir. Pedro aparece, magro, sorrindo, bonito, vestindo calça jeans e a camisa listrada que comprei para ele, quando voltamos do Rio, em 1984. Todos falam muito alegres: “Pedro não morreu, está aqui”. Beijo-o muito, digo: “Precisamos falar com Asmahan”. Vou à cozinha, vejo Pedro e mamãe abraçados, digo: “Mamãe, não precisa despedir-se, Pedro não morreu”. Depois não os vejo mais; muito triste, deito numa cama beliche e tento dormir.

– Estou num pátio cimentado, antes era um lugar coberto e escuro. No meio do pátio há um pedaço redondo de lage, com um buraco pequeno no centro, também uma bananeira bem verde, com cachos de banana. Armando está ao meu lado, usando blusa e


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bermudas brancas; seguro sua mão e digo: “Armando, veja a força da vida, como ela se renova. “Mesmo abafada na lage a bananeira não morreu, e tem frutos. E olha como está brotando!” Vemos então um broto da bananeira crescendo rapidamente através do pequeno buraco central. – Estamos num local de férias, todos juntos, inclusive mamãe. Tomo banho nua, num campo aberto. Pedro presente, mas há um ar de despedidas; está mais magro, cabelos grandes e cacheados. Quebro algo de vidro, choro, penso que Pedro tinha morrido. Sinto um vácuo. – Sonho com Pedro nadando em uma piscina grande, azul, tudo luminoso, brilhante. Pedro nadava suavemente, tranqüilo, esguio, cabelos curtos, de barba. (as imagens deste sonho ainda me transmitem tranqüilidade).

No final de 2004 eu e Ítalo, mais serenos e conformados, decidimos não vender a Fazenda; era um lugar de que Pedro gostava muito, e para qualquer lugar que fôssemos, levaríamos a nossa dor. Havia ainda muita coisa que não conseguíamos fazer: escutar os CDs de Pedro; cozinhar os seus pratos preferidos; fazer churrascos ou luaus na Fazenda; definir planos para o futuro; concretizar contatos para o VER DE PERTO. Precisávamos ficar junto com a família; assim sendo decidimos passar o Natal em Brasília e logo depois viajar, de carro, num grupo de vinte e dois familiares e amigos, para Trancoso, na Bahia, a convite do amigo Alberto Paranhos. Acampados na pousada que Alberto estava construindo, festejamos o novo ano na praia, abraçando-nos e dançando a mesma “Ciranda da rosa vermelha”. Confiávamos num retorno pleno à vida, mas para sempre sentindo a falta do Pedro.


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2005 – SEGUNDO ANO

R

etornando da Bahia para Brasília, eu e Ítalo decidimos ir logo para a Fazenda. No dia 9 de janeiro Ítalo pegou na oficina a caminhonete que mandara reformar; encheu-a de compras; e pegamos a BR-040, eu seguindo a Pampa no Escort que foi do Pedro. Ítalo precisava pegar, em Luziânia, documentos com o seu contador; então, na entrada da cidade, nos separamos. Ele me recomendando muito que eu não corresse, dirigisse com cuidado, porque estava chovendo. Ele chegaria logo depois de mim. Fiquei limpando e arrumando as coisas de casa, enquanto aguardava o Ítalo. Só que escureceu e ele não chegou. Preocupada, telefonei para Natália; ela me acalmou: talvez ele estivesse conversando com amigos em Luziânia. Já passava das 21 horas quando telefonei para André, pedindo-lhe para tentar localizar Ítalo, eu o procuraria em Luziânia. Saí, e com a ajuda de Serginho, tentei localizar Ítalo na estrada, na Delegacia e em três hospitais de Luziânia. No terceiro hospital, soube que ocorrera um acidente na BR-O40; as vitimas tinham sido levadas, em estado grave, para Brasília. Logo depois André me telefonou, conseguira localizar e falar com Ítalo, lúcido mas em estado grave, no Pronto Socorro do HDB. Fomos para o Hospital, passamos a noite em suspense, Ítalo estava sendo operado. Só conseguimos vê-lo no dia seguinte, muito machucado: costelas e perna fraturadas, cortes profundos no couro cabeludo e no rosto, dentes quebrados. Mas não houve fratura de crânio, e Ítalo não perdeu a lucidez. Ítalo conta assim o acidente: “Na saída de Luziânia, alcancei a BR-040 e ultrapassei um caminhão e um Gol. Na altura do km 35, começou a chover muito forte; reduzi a velocidade para pouco menos de 80 km; o Gol me ultrapassou e eu, como a visibilidade estava ruim, resolvi segui-lo. Subitamente, no km 37, vejo um Corsa azul atravessando a estrada na minha frente. Com a pista muito molhada, pensei: desviar à direita bateria numas árvores; à esquerda poderia bater de frente com outro carro. Resolvi frear – a perícia registrou 15 metros de marca de pneus freados no asfalto – e houve a colisão. Eu nem ouvi a pancada. Lembro-me vagamente de dar informações aos bombeiros que me socorreram e de, já no hospital, conversar com o André, pedindo-lhe para chamar o Nélson, médico amigo.”


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A motorista do Corsa faleceu, mas Ítalo foi salvo por uma médica que passou pelo local do acidente; constatou que ele estava vivo e chamou os bombeiros; estes o conduziram, de helicóptero, para o pronto-socorro do HDB, onde o atendimento foi correto. Ítalo saiu do HDB direto para o apartamento de Natália, onde adaptamos cama hospitalar e cadeira de rodas. Fiquei cuidando de Ítalo todo o tempo, só em maio foi possível voltar à Fazenda. De novo a vida ficou em suspenso, precisamos muito de força e do apoio da família, mas Ítalo não morreu, está bem, e isto é o que importa. A importância do Ítalo para mim cresceu nestes tempos tormentosos. Sempre tivemos um casamento sólido e prazeroso – claro que com rusgas e crises, decorrentes de nossas diferenças: Ítalo é racional, comedido, atento, exigente, questionador; nisso, sou o contrário dele. Mas estamos acórdes no que é mais importante: afetos, valores, compromissos, expectativas. Isto nos possibilitou criar bem nossos três filhos. Com eventuais erros e impaciências, demos a eles o melhor que tínhamos: amor, segurança, cuidados. Continuamos a promover encontros familiares. Na Páscoa de 2005, mesmo com Ítalo em dificuldades – andando de muletas –, num almoço na Fazenda, inventei um jogo para extravasar sentimentos – cada um foi convidado a dirigir uma mensagem afetiva a quem escolhesse, entre os vinte e dois participantes do almoço. Dei início ao jogo dizendo para Ítalo a “Canção da plenitude”, de Lya Luft: Não tenho mais os olhos de menina Nem corpo adolescente, e a pele Translúcida há muito se manchou. Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura Abrandada pelos anos e o peso dos fardos Bons ou ruins. (carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia) O que te posso dar é mais que tudo O que perdi: dou-te os meus ganhos. A maturidade que consegue rir Quando em outros tempos choraria, Busca te agradar Quando antigamente quereria


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Apenas ser amada. Posso dar-te muito mais do que beleza E juventude agora: esses dourados anos Ensinaram-me a amar melhor, com mais paciência E não menos ardor, a entender-te Se precisas, a aguardar-te quando vais A dar-te regaço de amante e colo de amiga, E sobretudo a força – que vem do aprendizado. Isso te posso dar: um mar antigo e confiável Cujas marés – mesmo se fogem – retornam, Cujas correntes ocultas não levam destroços Mas o sonho interminável das sereias. Todos deram seus recados, choramos, nos emocionamos . Pedro estava sempre conosco, e já não nos fazíamos as dolorosas cobranças e arrependimentos iniciais: porque fui tão exigente? Porque não fiquei com ele? Porque fui impaciente? Porque não o entendi bem? Ah, se eu soubesse... Se eu pudesse voltar atrás... Se... Se... Cuidando da sua memória, acompanhei a tramitação do Projeto que dava o seu nome à sala de reuniões da CCJ, contando com o apoio do Diretor Arlécio Gazal, do Deputado Peniel Pacheco e do seu assessor Augusto Cézar Alves Bravo. Assim, em 12 de abril de 2005, no Plenário da Câmara Legislativa, comovente homenagem perenizou o nome de Pedro na Casa da qual ele gostava tanto. Depois da projeção de vídeo sobre o Pedro, produzido pelo amigo Augusto Bravo, falaram os Deputados Peniel Pacheco, Chico Floresta, Arlete Sampaio e Érica Kokay, o Presidente do SINDICAL, os amigos Fernando Tolentino e Andrélino Bento Santos Filho. Natália leu “A carta que Pedro não recebeu”, de Lêda Dantas, e eu encerrei a cerimônia com a seguinte mensagem: Amigos e amigas Porque estamos aqui, como familiares e amigos, em nome e por causa do Pedro, quero lhes falar um pouco sobre ele, e também do que sentimos, hoje, sobre a vida, sobre perdas, sobre pais e filhos – esta relação tão delicada, que todos nós vivenciamos, sendo filhos, muitos de nós pais, avós, até bisavós.


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Posso resumir sua vida dizendo o quanto Pedro foi bem-vindo – o primeiro dos três filhos que eu e Ítalo tivemos, o primeiro neto de meus pais. Pedro foi bem amado, bem criado, bem formado, bem educado. Isso o ajudou a ser o que era: uma pessoa do bem. Pedro nos legou uma bonita história de vida, concentrada no tempo, mas intensa, generosa, apaixonada, nem sempre venturosa, mas cheia de surpresas e aventuras. Não fugiu de emoções profundas, nunca se afastou de suas muitas paixões: a família, Asmahan, o Flamengo, o socialismo, o PPS, as viagens, a natação, a gastronomia... Humanista na melhor acepção deste termo, Pedro aproveitou cada momento da sua vida para prestar atenção nas grandes e pequenas coisas que conheceu; nas pessoas, nos lugares por onde andou. Daí sua presença forte, e sua ausência tão sentida, em família, pelos amigos, e nesta Câmara Legislativa do Distrito Federal. A vida é um sopro, forte e frágil ao mesmo tempo, e Pedro morreu de uma forma simbolicamente ingênua – lírica até –, pegando mangas para crianças, logo após um almoço de paz em sua casa, onde eu o senti sereno, amoroso, bonito. O sentimento de fragilidade da vida que hoje tenho, me faz valorizar mais as pessoas e entidades comprometidas em preservar, defender, tornar a vida melhor. Por isto homenageio agora, muito especialmente, os bombeiros que salvam tantas vidas. Desde o acidente que vitimou Pedro tentamos identificar a equipe de Emergências Médicas do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal que, de forma muito carinhosa, o atendeu, e só agora conseguimos isto. Estão aqui os bombeiros Fábio Ferreira Dulce, Carlos Pereira e Rui Gomes, que formavam esta equipe. Com eles, e mais Maria Rita de Cássia, a vizinha e amiga que, contrariando normas, subiu na UTI de Socorro, Pedro viveu seus últimos momentos aqui na Terra. Mais do que fazer um agradecimento público – que inclui o salvamento do Ítalo no acidente que sofreu em janeiro deste ano – quero dizer aos nossos amigos bombeiros que hoje, quando cruzo com uma viatura de socorros médicos dos bombeiros, penso em quem vai ser socorrido, e na equipe que o está socorrendo, e rezo por ambos. A dor mais antiga dos homens, e a mais doída também, é a da morte de filhos, até porque ela contraria a ordem natural das coisas, que é os filhos enterrarem os pais.


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Quando um filho morre, os pais sentem que falharam. Pensam que o filho pode estar só, assustado, precisando deles. Há perguntas constantes: onde está o meu filho? Será que ele está bem? Como eu posso dormir, acordar, comer, falar, se o meu filho está morto e eu sinto culpa ou vergonha por sobreviver a ele? Será que esta dor vai passar, um dia? Será que vou poder ser feliz de novo? Será que um dia nos reencontraremos? Sentimos na carne a precisão de alguns ditos populares: ficar sem chão; coração partido; peito dilacerado; vácuo pela dor da metade arrancada de mim. Quando Natália me dizia: “Mamãe, você é forte, você agüenta”, eu rezava o que já não era possível: “Meu Deus, me faça mais fraca, e me devolva o meu filho”. Muitas das perguntas estão ainda sem respostas, a dor não passou, mas já nos serenizamos, e aprendemos a viver com ela: não endoidecemos, não guardamos mágoas de nada nem de ninguém, cumprimos todos os rituais, tocamos a vida. Aprendemos que o tempo é um bom enfermeiro. Quanto a ser feliz, poderemos ter bons momentos, e já os tivemos: os casamentos de André e Cláudia, de Natália e Armando; as férias juntos; a retomada dos encontros na Fazenda. Mas, nas horas boas e nas ruins, paira sobre nós a ausência de quem amamos tanto. Nunca esqueceremos o Pedro, nem a vida que vivemos tão juntos. Enfrentamos o desafio de nos pacificar com muitas ajudas: aprendi a rezar muito; nossa família, incluindo a Asmahan, ficou sempre unida; foi fundamental a presença, a solidariedade, o olhar amigo, o gesto carinhoso de tantos que estão aqui, e de outros que não puderam vir. Ítalo e eu ficamos e seguiremos juntos, pelo tempo que nos restar viver, porque temos um ao outro, contamos com uma bela família, da qual nos orgulhamos muito, e queremos retomar projetos. Hélio Pellegrino escreveu que, “sendo pais e avós, somos flechas ao crepúsculo, ricas de passado, tensas de presente, limitadas de futuro. Filhos e netos são flechas novíssimas, que nos dilatam, nos renovam, nos renascem, dão continuidade e sentido às nossas vidas, por isto são fundamentais”. Pedro tinha uma relação muito especial com as crianças, mas não deixou filhos. Então, quero que ele continue e se multiplique


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através de sua memória, dos descendentes que temos, e dos que ainda queremos ter. Quero mais vidas em nosso núcleo familiar porque, por sobre sua fragilidade, contando perdas e ganhos, a vida vale, e pode ser melhor e mais rica, se formos ao encontro do outro, se trocarmos afetos, carinho, solidariedade. Para fazer jus à memória do Pedro, queremos ser pessoas melhores: mais amigos, mais amorosos, mais generosos, mais pacientes, mais solidários. Pedro era um ser político, gostava muito desta Casa, acreditava na política, no que a Câmara pode significar para a melhoria de vida do povo do Distrito Federal. Onde estiver, ele estará contente e orgulhoso com a aprovação do Projeto 70/2004, que dá o nome “Pedro de Souza Duarte” à Sala de Reuniões das Comissões, e com esta homenagem. Por tudo isto, do fundo do coração, agradecemos ao Deputado Peniel Pacheco pela iniciativa de apresentação do Projeto, e aos demais Deputados pela sua aprovação por unanimidade. Que no dia-a-dia desta Câmara a sala seja chamada pelo seu novo nome – Sala Pedro de Souza Duarte – e que ali se discuta e se aprove, com seriedade, competência e Justiça, Leis, Projetos e Resoluções de efetivo valor para a capital do Brasil. Terminando, queremos relembrar o belo texto de justificativa do Projeto 70/2004, e também o poeta Drummond, repetindo: “Mas as coisas lindas, muito lindas, Mais que lindas Mesmo findas, Estas ficarão...” Muito obrigada

Em junho de 2005 foi concluído o inventário dos bens deixados por Pedro, processo conduzido com muita competência e carinho pela amiga e advogada Maria da Graça Silva Pereira, a quem seremos sempre agradecidos. Neste segundo ano, já eram muitas as estórias que me contavam sobre o Pedro, e que desvendavam um lado do meu filho que não conhecíamos tanto: querido, admirado, amigo, fraterno, generoso, engraçado. Descobrir estes sentimentos sobre o Pedro foi, de certa forma,


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uma bela e reconfortante surpresa, para nós. Pedro dava um valor especial à amizade, queria muito que gostassem dele, e temia que isto não acontecesse – e eu e Ítalo temíamos por ele. Pedro era de uma fidelidade absoluta a profissionais que lhe prestavam serviços: zeladora, faxineiras, barbeiro, garçons, mecânico, seguranças, massagista, lavador de carro. Relembro algumas estórias:

ANA, zeladora do bloco – “Pedro morava aqui no bloco só há dois anos, mas parecia que éramos amigos há vinte. Conhecia todo mundo, brincava com todos, as crianças gostavam muito dele. Era muito simples, e tinha sempre tempo para se encontrar com as pessoas. Ia visitar-nos em nossa casa em Santa Maria, e vinha muito tomar um cafezinho aqui, no nosso apartamento de zelador. Uma vez quis tomar café com pão e manteiga, eu não tinha manteiga, ele disse: “Ana, você compra a manteiga, eu compro pão e queijo, vamos tomar um café completo!” Ele gostava muito de Camila, minha filha; um dia, trouxe uma garrafa de vinho muito bom, dizendo: “Ana, este vinho é para tomar na festa de casamento de Camila”. Rimos muito, porque a Camila só tinha 16 anos, e ele já havia tomado um pouco do vinho. Outra vez ele ia para a Fazenda, saiu esquecendo que colocara a carteira com documentos e dinheiro em cima do teto do carro; chateou-se, depois ficou muito contente porque a carteira, intacta, foi devolvida por um senhor, que a encontrara no viaduto da quadra. Meu marido, que é o vigia do bloco, lembra-se das muitas noites de frio em que Pedro lhe trazia chocolate quente e pedaços de pizza num prato de papelão, explicando: ‘Não quero sujar louça, senão Asmahan briga comigo’. E ficavam um tempão conversando...” FRANCISCA, diarista – “Pedro, que me chamava de Chiquinha, foi várias vezes à minha casa, visitar meu neto, para quem ele sempre mandava balas e chocolate. Eu fazia com gosto a arrumação de seu armário, como ele queria, as camisas por ordem de cor e tipo, tudo no lugar, impecável. Ficou muito contente quando, na campanha eleitoral, em minha casa, eu preparei um almoço – ele forneceu os gêneros – e chamei parentes e vizinhos para ouvi-lo. Quando Felipe, meu neto de 4 anos, soube que Pedro tinha morrido, apontou para o céu e disse: ‘Aquela estrela é o Pedro...’”


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(Certo dia, Asmahan comprou um bom vinho e bacalhau do Porto, preparou uma receita especial para almoçar com o Pedro. Só que Asmahan atrasou-se muito para o almoço. Então Pedro fez Chiquinha arrumar solenemente a mesa, sentaram-se, comeram todo o bacalhau e tomaram todo o vinho. Nada deixaram para Asmahan.) EUCLIDES, caseiro da Fazenda – “Pedro trazia o café em grão, Odete torrava, guardava numa latinha, quando o Pedro chegava aqui em casa, ela fazia o café como ele gostava. Depois a gente, fumando um cigarro de palha, ficava conversando sobre casos antigos da Fazenda. Era um menino muito bom...”

EUNICE, faxineira da Câmara Legislativa – “As vezes Pedro ficava aqui na Câmara, trabalhando até tarde. Então, pedia comida chinesa por telefone, ele chamava as faxineiras que estavam de plantão, a gente arrumava a mesa, jantávamos juntos”.

No início de dezembro de 2003, os servidores da CCJ organizaram um almoço de confraternização, Pedro compareceu trazendo a sua contribuição – embora estivesse de licença-prêmio. Num determinado momento, Pedro disse para todos: “Este é o nosso último almoço!” Houve estranhamento, alguém perguntou: “Por quê, gente vai morrer?” Pedro explicou: “Não, este é nosso último almoço em 2003”. Quando, no mesmo dezembro, eu tratava, na Gráfica da Câmara, da impressão do convite para o Ato Ecumênico, uma servidora falou-me de uma ex-colega da Câmara: “Pedro a viu chorando, muito aflita, perguntou o que acontecia; ela disse que estava sendo demitida (numa mudança de legislatura), e o que mais lamentava era não ter recursos para continuar o curso onde se preparava para um concurso público. Pedro então resolveu pagar o curso, ela foi aprovada no concurso, diz que nunca deixará de rezar pelo Pedro”. Pedro não era pontual, se atrasava sempre em seus compromissos, dizia não ter hora para chegar, nem para sair da Câmara; se tinha revisões de textos para fazer, ficava trabalhando até tarde da noite. Então, levava escondido vinho e charutos, chamava os seguranças de plantão, faziam intervalos em que bebiam, fumavam e conversavam muito. Um desses seguranças guardou consigo o último charuto que Pedro lhe deu.


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No Natal de 2000 fizemos uma festa na Fazenda, comemorando também a ampliação da casa-sede. Pedro trouxe para a festa o vigilante Arismar, que lavava o seu carro na Câmara Legislativa, que por sua vez trouxe outro convidado. Ficaram tão à vontade que passaram três dias na Fazenda. Só meses mais tarde soubemos que o convidado era um menino de rua, que foi assassinado por traficantes.

JESSÉ, barbeiro – “Fui barbeiro do Pedro por mais de 20 anos. Este ano (2003) nosso Natal será muito triste, sem o Pedro. É que todo final de ano ele trazia pão, vinho, queijo, salaminho e um doce para festejarmos juntos, todos do salão, o Natal, e era uma alegria”. HELENA, massagista – Pedro dizia que minha massagem era deliciosa. Um dia, pediu para levar o currículo de minha irmã, que estava procurando emprego, para uma deputada amiga, depois disse: “Não, vou levar o currículo para a Deputada Ceres (irmã de Asmahan, que não é deputada mas trabalha na Câmara Federal)”.

ANTONIO, garçon do Fratello Uno, na 109 Norte – “Quando Pedro chegava, eu lhe servia a pizza como ele gostava. Um dia contei a ele que meu filho estava doente, e eu não podia pagar o tratamento. Pedro conversou com um deputado, conseguiu a internação no Hospital, meu filho ficou bom”.

DÉLCIO PEREIRA, da concessionária Ford, na 502 Norte, a quem Pedro confiava o seu Escort: – “Não esqueço do Pedro. Ele era um menino amoroso, gentil, simples, tratava a todos com muito carinho. Ao mesmo tempo, era um homem muito culto, entendia de tudo, brilhante.” NEOLÂNDIO, da Padaria Capri – “Pedro gostava de tomar café da manhã aqui, conversava e brincava muito comigo, mas só me chamava de ‘terra nova’, por causa do meu nome”.

ALBERTO, amigo – Alberto almoçou na casa de Pedro, Asmahan não estava. Beberam, escutaram música, quebraram copos, fizeram bastante bagunça. Quando Alberto saiu, Pedro disse para Chiquinha: “Asmahan não pode saber que Alberto esteve


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aqui, que fizemos tanta bagunça. Diga a ela que quem quebrou os copos foi você”. Este mesmo Alberto, muitos anos antes, aprovado no concurso para a Caixa Econômica, escreveu um entusiasmado bilhete que ainda guardo: “PEDRO, confirmando as esperanças depositadas por você em mim... É com grande satisfação que escrevo agora para lhe dizer que PASSEI”. Do seu eterno amigo, Alberto Paranhos JÚLIO, pastor (o mesmo que concelebrou o Ato Ecumênico) – “Quando perdi meu filho, de um acidente coronariano, Pedro me encontrou e disse: ‘Deus matou o seu filho, e você ainda acredita e gosta dele?’” Pedro, sem filhos, tinha uma especial relação com as crianças:

BELA, 8 anos, era vizinha e amiga, e sempre se abraçavam quando se encontravam, e ela informava-o: “Pedro, sua dona (Asmahan) já está na sua casa (ou não chegou ainda)”. Quando Pedro morreu, ela escreveu-lhe bilhetes:

“Pedro, você foi um grande amigo. Estou com muita saudade de você. Quando você era meu amigo e ainda não tinha ido para o céu, você me ajudava e me abraçava e eu te amo. Um beijo”. Bela “Pedro trazia uma porção de pirulitos, balas e chocolate para mim. Agora vou tomar conta da mangueira dele”.

Continuei registrando os sonhos com Pedro, significativos também neste segundo ano. Destaco alguns:

– Estou em uma casa que lembra São Bento; Ítalo, papai e mamãe estão presentes, todos rindo. Quero ficar a sós com Ítalo, mudamos para um quarto grande, vou fechar as cortinas, vejo três crianças rindo, numa sacada de janela; sinto Pedro, mas não o vejo. Mais tarde, estou perdida em Brazlândia, atrás de um ônibus; vou casar com alguém. Escorrego numa escada, mas não me machuco. Acordo.


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– Estamos em uma casa grande, com uma rampa. Ítalo, recémacidentado, tem que sair; André o ajuda. Pedro aparece, bonito, tranqüilo, para ajudar. Depois, toda a família vai para a Europa; o aeroporto é vizinho de nossa casa; somos os últimos a entrar no avião. Tenho um bebê, uma menina, perfeita, bem clarinha – fico sem saber se é filha ou neta. – Estamos em São Bento, Pedro já morreu. De repente, vejo Pedro, magro, camisa branca, calça preta. Falo com ele: “Pedro, você não morreu?” “Não, eu estou vivo!” Vejo mamãe, de cabelos brancos e encaracolados; estamos num canto do quarto, perto da cômoda com o oratório, digo: “Mamãe, Pedro não morreu. E nós saímos dizendo isso”. Mamãe responde: “Pois é, eu rezei, vocês precisam acreditar”. Diz isso mexendo em folhas verdes, perto do oratório.

– Em São Bento, na antiga mesa da sala, estamos eu, Ítalo, Pedro e outras pessoas da família. Há um desentendimento; percebo Pedro acuado. Tento chamar a atenção de Ítalo, para parar a discussão. Pedro fica alterado, começa a passar mal. De repente confundo Pedro, muito magro, com a imagem de papai, já doente. Pegamos Pedro para deitá-lo, e ele é como se fosse meu pai, na sua velha cama.

– Sonho que sou professora na Cidade dos Meninos (meu primeiro emprego); tenho a sensação que perdi uma bolsa, depois a encontro. Ando pelas ruas, pego um ônibus; vou dormir em São Bento, numa cama espaçosa. Ítalo está lá, feliz, muito à vontade; depois Pedro, menino, dorme em meu ombro, vestido com uma camisa bem branca, tranquilo, eu o acarinho. Acordo com a sensação de que Pedro está junto ao meu pescoço.

– Sonho que estou em uma escola – talvez o Marista – onde religiosos examinam um texto, que tento ler, debruçada na janela. Vejo Pedro no pátio da escola, de costas, está só, outros alunos brincam. Pedro veste um moleton cinza, camisa azul escuro. Aproximo-me, pensando que posso abraçar e me encontrar com Pedro. Abraço-o pelas costas, ele se vira, vejo que está chorando, sentido. Por quê está chorando, Pedro? Ele diz: “Mamãe, eu caí...”


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– Sonho que, numa casa grande, tio Zé Preto (meu tio mais querido), Layr e vovó estão preocupados com as ameaças de uma mulher; fecham todas as janelas. Depois, estamos já na Fazenda, há preparativos para receber convidados. Pedro aparece, bonito, sem barriga, blusa amarela, bermuda branca. Vai até a porteira de entrada da Fazenda, atravessa-a, senta no chão, cruza as pernas e diz: “Agora, vou ficar aqui!” – Sonho com uma casa em arrumação. Pedro caminha com Ítalo em uma trilha à beira do rio, do qual só vejo uma margem; tudo úmido, parecendo Petrópolis. Pedro está magro, bonito, de short, tênis e camiseta, falando com uma voz muito forte. Sei que ele está morto, penso: como a gente não via o Pedro tão bonito; a sua voz de trovão... – Em Guarapari, tenho um sonho muito confuso, mas cai uma chuva de pétalas de rosas, que “sinto”, acordando e lembrando do Pedro.


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2006 – TERCEIRO ANO

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ais uma vez a família reuniu-se na casa de praia em Guarapari, para as comemorações de final de ano. No réveillon, dançamos novamente a “Ciranda da Rosa Vermelha”, ceamos, falamos muito de Pedro naquelas férias. Asmahan não participou, e entendemos que ela se afastasse destes encontros familiares, que aumentavam suas saudades. Aposentada, Asmahan ainda ocupava-se com a arrumação de coisas de Pedro, distribuindo entre a família e amigos roupas, objetos, fotos e textos que ele deixou. Era grande a saudade do Pedro, pensávamos nele todos os dias, mas sem a aflição de querer saber onde ele estava; se estava bem. Avalio que contribuía muito para isto o envolvimento de cada um com seu trabalho: Natália coordenando o projeto Escola Aberta, no MEC, e dando aulas na UDF e UNIP; André trabalhando como analista do CNPq e cursando MBA na UDF; Claudinha no quadro de pessoal do IBAMA e também fazendo um MBA; Ítalo cuidando da Fazenda, ocupado em trocar o gado pardo-suiço, de manejo difícil e oneroso, por gado cruzado; eu assumindo nova perspectiva para o trabalho no VER DE PERTO. Seguindo a afirmação de Charles Hélder: “Quem está de luto tem de percorrer o vale. Não pode acampar ali”, decidi que me dedicaria ao VER DE PERTO, com a idéia principal de proporcionar dias felizes aos escolares que nos visitavam. Junto com o RURALTUR (Sindicato do Turismo Rural e Ecológico do DF) tínhamos retomado, no final de 2005, contatos com a Câmara Legislativa e com a Secretaria de Educação do DF tentando a implantação, no sistema público de ensino, do Projeto Classes Transplantadas. Tal projeto consiste em proporcionar a visita de turmas de estudantes a empreendimentos de Turismo Rural Pedagógico, com o objetivo principal de possibilitar-lhes a vivência, em ambiente rural, de conteúdos curriculares, agregando significância prática aos conhecimentos adquiridos na escola, principalmente no que se refere à educação ambiental e patrimonial. Por iniciativa do Deputado Chico Floresta, a Lei 3664/2005 instituiu as Classes Transplantadas no sistema de ensino do DF, mas a Secretaria de Educação não se interessou por sua implantação.


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Buscamos então uma saída em Luziânia, através da vereadora Eliene de Queiroz Marques, autora da Lei 2917/2005, que “institue o Projeto Classes Transplantadas no sistema de ensino do município”, e contamos com o apoio de Wilter Campos Coelho, Secretário Municipal de Educação Assim, e com o apoio técnico e financeiro da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD/MEC – em maio de 2006, Luziânia deu início às suas Classes Transplantadas. Sob orientação de 150 professores especificamente capacitados, todos os alunos da 4ª série do ensino fundamental desenvolveram, em salas de aula e no VER DE PERTO – escolhido por licitação pública – com absoluto sucesso, atividades lúdicas e didáticas, vinculadas a temas de Educação Ambiental e Patrimonial. Para mim e para Ítalo, acolher cerca de 3.000 escolares no VER DE PERTO foi um desafio trabalhoso, mas que amainou a nossa dor, enchendo nossas vidas de um novo sentido, principalmente pela alegria, carinho, curiosidade, entusiasmo, o quase deslumbramento dos escolares com as atividades desenvolvidas. Ainda em 2006 realizamos, no VER DE PERTO, em articulação com o ISDEL (Instituto Ser Diferente É Legal) o projeto Inclusão Social & Turismo Rural Pedagógico, atendendo alunos deficientes de escolas públicas do DF, junto com alunos de ensino médio do Colégio INEI. Conseguimos possibilitar a esses alunos vivências com diferenças físicas, mentais, raciais, culturais e econômicas que, rompendo preconceitos, suscitam fraternidade e solidariedade. Aprendemos que ajudar os outros ajuda você próprio a sarar, e encaramos o desafio de nos reinventarmos, querendo ser pes­ soas melhores, tal como prometemos durante o Ato Ecumênico, em memória do Pedro. Mudamos prioridades de vida, ficamos mais sensíveis a determinados fatos. Sou muito sensível, por exemplo, à notícias sobre morte de jovens, sempre penso nos pais que os perderam, quero transmitir-lhes solidariedade; mulheres grávidas e bebês me emocionam muito, e fico querendo ter mais netos. E o registro dos sonhos com Pedro continuou sendo feito, cito alguns: – Sonho com Natália; estamos em uma casa grande, diferente,


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isolada, mas cheia de gente. Natália está em trabalho de parto, nascerá uma menina; há uma enfermeira presente. Há riscos, Natália chora muito, tento confortá-la, consigo um pouco. Acordo, durmo em seguida. Sonho então que estamos em um lugar com muita água, há piscinas em vários planos, e um recém-nascido, que coloco num canto da piscina, e vou nadar. Quando me lembro, corro até o bebê, que está quase morto, mas o massageio, enrolo em minha roupa, levo-o para o quarto. Natália traz roupas que foram de Mariana recém-nascida, cuido do bebê; chegam minha mãe e André, a criança ri; todo mundo fica feliz. (Dias após este sonho, atendo um telefonema e escuto: “Fala Dona Maria” exatamente como Pedro falava – o mesmo jeito, ritmo, entonação. Fico aturdida: é o Pedro? não pode ser! Só então reconheço que é André.) – Sonho que eu e Pedro estamos em uma casa grande; desço com dificuldades a escada; entramos no Escort, que eu dirijo. Faço barbeiragem com o carro, Pedro não reclama. Vamos jantar em local recomendado por Natália, perto da Rodoviária de Brasília. Entramos em um boteco, para fazer um lanche; Pedro conversa com os presentes, entre eles um preto velho. A atendente parece se enganar com o troco, resolvemos isto. Pedro me mostra onde vamos jantar, num edifício muito alto, que lembra o Conjunto Nacional. As luzes estão apagadas, só há uma janela com luz tremulando. Procuramos a entrada, está numa grande parede de pedra, é uma entrada lateral, quase imperceptível, tipo um labirinto. Acordo.

– Eu e Pedro estamos em uma casa amarela, parecida com São Bento. Há muita gente; eu preocupada com o que tenho que organizar para as Classes Transplantadas. Pedro está na sala, alegre, me olha sorrindo. Eu penso que Pedro está vivo, não morreu. Ele confirma, me diz que vai encontrar-se, sem Asmahan saber, com Marcinha, sua primeira namorada. Vou ao quintal, vejo tio Zé Preto, alegre, bem disposto, que me ajuda a escolher frutos diferentes, maduros, parecem figos, alguns já mordidos. Ele diz: “Pedro está fazendo o que pode, mas não pode tudo”. Depois, saio de carro com Ítalo, na estrada penso: Pedro está vivo, não precisava tudo o que foi feito. Temos que anular o atestado de óbito, o inventário, a pensão...


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– Eu e Ítalo estávamos na estrada Rio-Petrópolis, Pedro perto de nós, vestindo um pijama azul, magro, triste. Eu queria abraçá-lo, mas havia um canal cimentado, não muito grande, com água, que eu não conseguia atravessar para ficar perto de Pedro.

– Estou com Ítalo em uma casa que não conheço, apertada, há água em torno. Pedro está em pé, com uma blusa azul-marinho, calça de moleton cinza. Acordo, volto a dormir, sonho então que estamos em um quarto, com um espelho, uma grande cama de casal, arrumada com lençóis brancos e travesseiros grandes e macios. Ítalo acarinha minhas pernas, dizendo: “Vou fazer como o Pedro faz”. Pedro está deitado com os pés para a cabeceira da cama, a mesma roupa do sonho anterior; faz um bico com a boca, pergunto: “Pedro, você está aqui?” Penso que, mesmo que tenha morrido, é normal que esteja conosco. Ele responde: “Agora, vou ficar aqui!” – Estamos à beira-mar, eu, Ítalo, Pedro e Natália. Há um mercado onde se compra alimentos. Pedro e Natália vão nadar; ficamos preocupados com a segurança deles. Em certo momento, não os vemos mais; pensamos que podem ter se afogado. Ítalo, baqueado, encosta numa parede; eu tenho esperanças de Pedro não morrer afogado, vejo as ondas batendo na praia. Acordo.

– No dia do aniversário de Pedro, sonho com ele, vestindo uma camisa branca e uma bermuda xadrez, em pé, numa trilha bem sombreada, onde escolares de Luziânia caminham contentes. Pedro junta os dedos das mãos, um gesto muito seu, que fazia sempre que defendia seus argumentos. Acordo. – Em São Bento, em uma casa nova, ao fundo uma parede de vidro, a família está reunida. Converso com tia Nair, falamos de tia Izaura. Vejo Pedro, vestindo o jeans e a camisa listrada que comprei para ele em 1984, quando voltamos para Brasília; está bonito, feliz, luminoso. Abraço-o contente. Pedro vai saindo, atravessa a parede de vidro, toma o rumo do céu.


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2007 – QUARTO ANO

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ecidimos viajar para o Rio de Janeiro; organizamos o réveillon em São Bento, sítio adquirido por meu pai em 1942, e do qual toda a família guarda preciosas lembranças. Quando meus pais eram vivos íamos de Brasília para São Bento pelo menos duas vezes por ano, para a festa de São Pedro e para o Ano Novo, quando nossos filhos encontravam todos os primos. Depois de ter sido do Pedro, a casa de São Bento agora é nossa, e Ítalo reformou-a para retomar os antigos encontros. Neste quarto ano pós-partida de Pedro levávamos uma vida normal, mas dentro das limitações descritas por Dráuzio Varella, em seu livro POR UM FIO, referindo-se à morte de seu irmão mais novo : “Você vai se acostumando com a idéia de que perdeu alguém querido. Parece que o teto da felicidade teve um rebaixamento – você anda dobrado, porque o teto ficou muito baixo. Com o tempo sente que consegue esticar-se. Passa muito tempo tendo saudades da pessoa.” Compreendi bem o sentimento de Dráuzio quando, em maio de 2007, perdi meu irmão Adelmo, vítima de câncer linfático. Havia momentos muito difíceis – por exemplo, dizer “o Pedro morreu” quando alguém, que não soube do ocorrido, perguntava: “E o Pedro, como vai?” Isso aconteceu várias vezes, comigo e com Asmahan, e era terrível dizer que Pedro tinha morrido. Também foi difícil a separação de André e Claudinha – uma decisão dos dois na qual não tínhamos o direito de interferir – e que tornou menor a minha família. Não perdi nem a amizade nem o carinho por Claudinha, mas já não temos entre nós o convívio com Marina , Fernanda e, principalmente, Pietra, minha bisneta por adoção. Em 2007, a realização dos Projetos Classes Transplantadas e Inclusão Social & Turismo Rural Pedagógico encheu o VER DE PERTO, e os nossos corações, com a alegria e o entusiasmo de 3.000 escolares, confirmando o acerto de nossa opção por apostar na vida. Nos meses de junho e julho interrompemos nossas atividades para cumprir uma promessa que eu fizera a Mariana: levá-la para conhecer a França, e fazer, na Sorbonne, uma imersão em língua francesa, que ela já estudava. O presente foi ampliado, porque deci-


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dimos alugar um apartamento em Paris, onde acamparam seis pessoas: eu, Ítalo, Mariana, Lucas, Natália e Maria Carolina. Foi uma temporada intensa; visitamos, de carro, Lille (onde moram os sobrinhos Adriana e Gui, com seus três filhos), Madri, Barcelona, Amsterdã , Brugges e Roma. Lembramos muito os felizes dias vividos em 1976, e a magnífica viagem à Europa que fiz com Pedro, em 2001. Mariana permaneceu na França por três meses, custeando sua estada com o trabalho como garçonete. Porque estávamos na França, Astrida e Elza organizaram, em São Bento, a tradicional festa de São Pedro, que desde o falecimento de Rozita, eu comemorava na Fazenda, com apoio de Pedro, que minha mãe nomeara “herdeiro” da tradição. Continuei fazendo o registro de sonhos, aqui alguns deles:

– Estamos em uma Fazenda, numa casa bem grande. Pedro aparece, primeiro com a camisa amarela da Seleção, depois com uma camisa branca listada de azul. Chamo a atenção de Ítalo, como o Pedro está bem, bonito, magro; tento passar a mão em suas costas. Depois Pedro aparece de terno, com uma pasta na mão, dizendo que vai cuidar do INSS de Iveuda (que trabalha para Natália); sai num pequeno caminhão.

– Estou na casa de São Bento, tudo limpo, capinado, luminoso. Vou viajar, vejo uma velha senhora e uma charrete que vem me buscar para levar ao aeroporto. Tento fechar minha mala, não consigo, papai e mamãe tentam me ajudar. Não conseguimos fazer a charrete esperar, ela vai embora, fico muito irritada. Logo depois estou com o Pedro, ainda rapaz novo, vamos viajar juntos. Ele está muito bem, sereno, bonito. Fico confusa: o Pedro morreu, como pode estar aqui, e tão bem? Ele me diz que está bem, beijo sua mão. Acordo contente.

– Eu e Ítalo estamos na Secretaria de Educação de Luziânia, visto blusa e uma calça azul, que de repente começa a cair; Fatinha me dá um botão, conserto a calça. Saímos, e então fico angustiada, lembrando-me do Pedro. Digo a Ítalo: nunca mais falei com o Pedro, nem tenho telefonado, ele pode não estar bem. Faço uma ligação


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para o telefone do apartamento do Pedro, a empregada diz que Pedro está trabalhando, Asmahan também. Insisto em falar com ele, fico pensando que o apartamento da 415 Norte é muito pequeno para eles trabalharem com estudantes ali. Aguardo uma chamada de Pedro, penso: o Pedro não quer falar comigo, fiquei muito tempo sem procurá-lo. Hely, professor amigo do Pedro, me telefona dizendo que Pedro não está bem, está angustiado. Penso que Pedro vai morrer, sinto-me mal. Acordo triste. Durmo de novo, sonho que estamos todos num apartamento grande, amamento uma criança que não vejo, mas é como se fosse o Pedro. Aí me dizem que o Pedro está chegando, me ajeito para ele não ver que amamento. Pedro chega com o Sílvio (amigo de André), alegre, bonito, conversando. Fico contente, faço um carinho em sua cabeça, logo estou fazendo um carinho em Lucas, de cabelos compridos, presos em rabo de cavalo. Pedro sai andando com Silvio, olho ao longe, estamos na 715 Norte, tudo é claro e alegre. Acordo em paz. – Estamos em um restaurante grande, tipo popular, para almoçar com a família, Pedro não vem, sinto que está morto. Armando está na cabeceira da cama, cabelo cortado curto, vestido com o blusão que Pedro comprou na França, no Torneio de Roland Garros. Armando fica parecido com o Pedro, depois é André que me lembra o Pedro. Aí vejo o Pedro, de terno preto, conversando com os garçons. Fico contente, quero chegar até ele, fazer um carinho, ele tem uma espécie de grampo, grande, preso atrás de sua cabeça.

– Vestindo um vestido bem estampado, preciso chegar a um lugar desconhecido, atravesso um pátio que está sendo lavado, chego a um local onde se celebra uma missa, fico atrás de uma mulher que chama minha atenção. Ítalo vem me buscar para um almoço, do qual participam André, Darlan e um casal jovem. André está sentado no chão, Pedro surge, senta ao lado de André, estão em trajes de jogar futebol. Penso: como Pedro está aqui, se morreu? Como vamos almoçar juntos?

– Estávamos em uma casa que não conheço, saio com o carro. Pedro está na estrada, me manda parar, entra no carro. Fico espan-


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tada – Pedro morreu, mas está aqui? – abraço-o, apalpo, pergunto: “Pedro, onde você estava?” “Estou morando no alojamento da UnB; é legal, veja como estou magro!” Mostra o cinto na calça do terno, usa camisa de manga comprida. Outras pessoas estão falando, digolhe: “Agora, você tem de ficar aqui em casa, com a gente”. Pedro ri, meigo, não fala nada. – Estávamos em uma comemoração na UnB; Natália com um menino pequeno no colo, não deu para reconhecer Lucas. Lamento Pedro não participar da comemoração, ele ia gostar muito. Há uma construção parecida com um túmulo perto dali. Depois, Natália me mostra as últimas fotos que tirou com Pedro, sentados em frente a uma praia.


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2008 – QUINTO ANO

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o final de 2007 Natália e Armando ficaram impedidos de sair de Brasília, por questões de trabalho e estudo, e Mariana quis passar o réveillon e seu aniversário na Bahia. Então passamos juntos o Natal, depois eu e Ítalo fomos para São Bento; celebramos o réveillon em Copacabana, com os amigos Odilon e Graça. Voltamos ainda em janeiro, para cumprir a promessa de levar Lucas à Argentina. Lucas é um excelente companheiro de viagem, nisto parece muito com Pedro: é curioso, atento, engraçado, amoroso. Sempre que possível repetimos com ele as boas experiências de viagens que tivemos com nossos filhos. Mariana, aos 19 anos, tem outros interesses: faculdade, amigos, namorado, tentativas de trabalho. A sobrinha/afilhada de Pedro é hoje como ele gostaria de vê-la: uma jovem mulher forte, decidida, independente e muito, muito bonita. Em fevereiro cumpri outra promessa, feita a Pedro: celebrei o centenário de nascimento de meu pai, junto com os 40 anos de André, com um almoço na Fazenda. Do almoço participou Asmahan e também Sônia, a namorada de André, com seu filho Paulo. Recebemos, no VER DE PERTO, um número menor de escolares, porque não houve apoio financeiro da SECAD/MEC à Secretaria de Educação de Luziânia, por conta das eleições municipais. Mas o Projeto continua de fundamental importância para nós – e temos certeza que para as crianças também. Lya Luft é sábia quando afirma que toda dor tem uma hora de acabar, todo morto seu momento de partir. Isso ainda não chegou de todo para nós, mas estamos bem, e acho, hoje, que atravessaremos o vale (da morte), não permaneceremos nele. Mas não é fácil superar a perda de um filho, e quando menos se espera – uma música, um lugar, um gesto, uma comida – a dor pousa em nosso ombro, e dói tudo de novo. Dor que talvez se traduza nos sonhos que tivemos e que continuamos registrando. Nunca ousei tentar interpretar o que esses sonhos significavam, mas gosto de sonhar com o Pedro, para mim é uma forma de estar com ele. Por sugestão de Natália, busquei informar-me sobre este fenômeno psíquico que é o sonho, tema pelo qual nunca me interessei antes, mas que me toca especialmente depois da morte do Pedro.


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Na antiguidade considerava-se que sonhos eram símbolos de manifestações divinas, ou aviso do sobrenatural, destinados a prevenir o ser humano quanto a determinados acontecimentos. Isabel Allende – que ilustra alguns de seus livros com seus sonhos – entende que os sonhos são fundamentais, nos ajudam a entender a realidade e trazer à luz o que está enterrado nas cavernas da alma. Sigmund Freud, em “A interpretação dos sonhos”, uma de suas obras básicas, condensa seus estudos sobre o sonho como fenômeno psíquico, e formula as leis e características do inconsciente, base da teoria psicanalítica. Para Freud, o sonho é a realização de um desejo. Quando nossos desejos não são condizentes, ou aceitáveis pela nossa censura interna, preferimos esquecê-los, ignorá-los, eles são recalcados. O desejo recalcado permanece em algum lugar de nosso aparato mental, de nossa psique, exercendo seus efeitos, buscando expressar-se de alguma maneira. Os sonhos são apenas um exemplo destes efeitos. O sonho pode ser entendido então como a expressão de uma série de desejos, que encontram nele uma via para a consciência. Freud considera que nosso aparato mental é formado pela consciência – cujas regras conhecemos – e pelo inconsciente – cujos efeitos nos surpreendem, por seguir uma lógica diferente e desconhecida. E entende o sonho como a via régia para o inconsciente, uma vez que é a sua manifestação mais direta. É trabalho do sonho as distorsões necessárias para que o que está relegado ao inconsciente – o que não passou pela auto-censura – possa se manifestar. A maneira pela qual uma idéia – ou um desejo, uma intenção, uma percepção – possa se realizar, ou se manifestar através de seus substitutos, resulta do trabalho do sonho. Os sonhos tem por característica sua falta de senso, sua não obediência às leis que nos regem na vigília. No sonho, pelo mecanismo da condensação, um pequeno detalhe pode representar uma idéia completa. O sonho não possui um único sentido latente, mas uma rede de significações emocionais: pode ser a concretização de um desejo, um temor realizado, uma reflexão, uma lembrança. Através da interpretação (do analista) chega-se ao significado do sonho. Buscarei os significados de sonhos, sonhados em 2008, tais como estes:


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– Sonhei que estávamos em casa, voltando de uma viagem (à Argentina?). Fui fazer um café, tive dificuldades em achar um coador de pano. Depois que fiz o café vi Pedro, que a tudo assistia, com uma cara boa, feliz.

– Estou com pessoas que trabalharam comigo no INSS, entre elas Marília, que passou pela dor de perder uma filha. Pedro e André brigam feio, Pedro sai de casa. Fico preocupada, depois sou informada que Pedro está na casa de Vera e Pedrinho. Vou tomar banho, quando estou terminando vejo Vera passar. Me enrolo na toa­lha, chamo Vera, pergunto-lhe como está o Pedro. Vera responde, rindo: “Pedro está ótimo, onde está!” – Na Fazenda, estamos juntos, é um encontro. Vejo Pedro e André deitados juntos, na cama. Contente, digo: “Pedro, que bom, você está aqui!” Faço um carinho na sua barriga, ele ri contente, me passa a sensação que está protegendo André (que teve sério problema de saúde, nestes dias).

– Estou viajando com a Mariana, chega a notícia que deram um tiro no Pedro, ele morreu. Voltamos, chegamos ao que parece a Câmara Legislativa, uma moça fala com carinho de Pedro, elogia sua capacidade de escrever bem. Depois um advogado vem conversar comigo, quer saber do Pedro, quem ele era. Falo de suas qualidades, a moça também. O advogado afirma que Pedro morreu do tiro, aí Pedro aparece, de terno preto, tenso. Diz que levou um tiro no tórax, em baixo do braço. Tenho esperanças: o Pedro não morreu.

– Estamos assistindo a um debate, talvez na Câmara Legislativa. Pedro, vestido com o blusão que comprou em Roland Garros, calça de veludo marrom, faz perguntas e colocações muito inteligentes. Todos o admiram, e eu fico muito orgulhosa. Logo fico triste, penso que o Pedro morreu, e que é uma perda muito grande alguém tão culto e preparado como ele, morrer tão jovem.

– Estou em uma cozinha pequena, mas bem equipada, preparando bolinhos para uma reunião à qual tenho que ir. Falta farinha de trigo, saio para comprar, levando R$ 10,00 no bolso do vestido. Procuro em padaria, botequim, mercado, não encontro a farinha.


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Sigo andando, quando percebo estou caminhando em Fernando de Noronha. Tento voltar num barco que vai sair da ilha às 20 horas, algumas pessoas já estão sentadas, quietas, caladas, mas o barco vai para outro lugar, não o que eu quero. Jackson (foi meu professor na UnB) informa que meu barco só sairá na manhã seguinte, fico desesperada, não tenho onde dormir, nem roupa para trocar, estou só com R$10,00. E como avisar Ítalo e mamãe, para eles não ficarem preocupados? Numa cabine de controle de navios consigo finalmente um celular emprestado, mas esqueci os números de telefone de casa. Consigo contato com o telefone de André, mas há barulho de muitas vozes, em vão chamo: “André, André...” Como não tenho onde ficar, uma jovem me convida para ir dormir em sua casa, sigo com ela, aliviada. Olho para trás, vejo uma paisagem linda, um lago translúcido, palmeiras, tudo muito calmo à luz do luar, fico tranqüila, acordo.

– Estamos num edifício grande, muitos andares, no alto de um morro, com diferentes acessos. Eu estou meio aflita, quero ir a um espetáculo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, levando Astrida, Layr, tio Zè Preto, minha avó, uma moça com uma criança que não identifico. Tenho que pegar a chave do carro em outro apartamento, com uma moça chamada Gil. Consigo pegar a chave, aí o problema é achar meus sapatos, encontro embaixo da cama – Pedro escondeuos ali. Descemos para pegar o carro, é um Fusca –, a moça vai pegalo no estacionamento lotado. Temo perder a hora, são 20:30, e o espetáculo começa às 21 hs. A moça desiste de ir, não cabem todos no carro. Tio Zé Preto não aparece mais, Layr senta ao meu lado. Quando vou ligar o carro a chave está quebrada. Acordo. Na mesma noite sonho que estamos em São Bento, mamãe prepara uma festa, a bagunça é geral. Natália nega-me algo que quero emprestado. Vejo Pedro num quarto, ele já morreu, penso que posso lhe dar um abraço, estou com muitas saudades, mas não consigo fazer isto. Sentamos à mesa, eu, tia Nair e mais duas pessoas. Meu irmão Adelmo (há pouco falecido) aparece, derruba tia Nair da cadeira, ela cai no chão, mas não parece zangada. Brigo com Adelmo, cobro dele: “Como você faz isso com tia Nair?” Ele está encostado em uma parede, gordo, o cinto segurando a calça bem larga, diz: “Não se preocupe, daqui a pouco vou sumir daqui!”


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Segunda parte

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este sexto ano da partida do Pedro, feito o resgate do que aconteceu desde dezembro de 2003, sentindo muitas saudades ao lidar com sua memória, com as lembranças, textos, recortes, fotos e objetos que nos deixou, concluo – e Natália também – que a história de vida do Pedro foi sobretudo uma bela história de superação. E vale muito reconstituir esta história. Pedro em 1965, 1970 e 1974


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Alguns eventos marcaram muito a trajetória de nossa família, entre eles a vinda para Brasília, a temporada na França, os dias difíceis entre 1982 e 1984. Mas a linha divisória de nossas vidas é a morte de Pedro – tudo é referenciado como “antes” e “depois”. E acho que, para o Pedro, esta linha divisória foi a crise que vivenciou em 1984 – a reconstituição dos fatos demonstra isto. A vinda para Brasília, em 1970, aconteceu porque, aprovado no concurso para Técnico de Tributação do Ministério da Fazenda, Ítalo optou por ser lotado em Brasília, para onde eu também poderia ser transferida pelo meu trabalho, no SESC Nacional, entidade que deveria ter sede na capital do País. Tivemos receio no que se refere à adaptação a uma cidade diferente, com uma imagem negativa entre os cariocas, e onde não tínhamos parentes nem amigos. Felizmente conseguimos trazer para Brasília Heloisa, que trabalhava em nossa casa, no Rio de Janeiro. Heloisa e Cely foram, por oito anos, as leais e carinhosas babás de nossos filhos. Também por conta do receio de não adaptação programamos viagens frequentes ao Rio e deixamos nosso apartamento em Botafogo montado – se não desse certo, voltaríamos. Deu muito certo, nos adaptamos bem, melhoramos nossa qualidade de vida. E hoje, eu, Ítalo e nossos filhos temos aqui o nosso chão, nossos netos são brasilienses, eu sou Cidadã Honorária de Brasília. Nossa opção por Brasília foi testada em 1982, quando o SESC Nacional, de onde eu era servidora estável há 20 anos, decidiu transferir-me compulsoriamente para o Rio de Janeiro, junto com Leda Dantas. Foram inúteis os muitos apelos pela nossa permanência em Brasília, possivelmente nossa atuação cultural e política contrariasse aos dirigentes patronais da entidade. Eu e Leda não aceitamos a transferência, e teve início um processo na Justiça só encerrado em setembro de 1984, com nossa vitória e a devida indenização pelo SESC. Foi um período difícil, pois além do trauma pelo afastamento de um trabalho e de um espaço que eu implantei, e do qual gostava muito, a família perdeu metade da renda que garantia o seu padrão de vida, pois meu salário foi suspenso. Felizmente Brasília me deu outras oportunidades de estudos, trabalho e de sucesso profissional. Em 1982 conclui um mestrado na UnB, e continuei militando em movimentos culturais e políticos,


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tendo o Pedro como companheiro. A temporada na França, em 1976, foi um sonho por muito tempo acalentado, e que pôde ser realizado quando o Ministério da Fazenda indicou Ítalo para um curso sobre o uso da Informática no serviço público, promovido pelo CEPIA (Centro de Estudos e Pesquisas em Automação), na cidade de Rocquencourt. Aproveitei a chance para dar continuidade a um estágio em Administração Cultural, organizado pela Embaixada da França, que eu iniciara em 1974, quando viajei ao Quênia e à Europa, com bolsa de estudos. Voltando da França, em 1977, vivemos tempos felizes, em nosso apartamento na 316 Sul. Tínhamos uma família fraterna, saúde, muitos amigos e bons empregos – Ítalo como supervisor nacional do programa Imposto de Renda, eu ainda coordenadora do SESC da 913 Sul – que se tornou um importante espaço cultural e político nas lutas pró-democratização em Brasília. Tivemos possibilidades de garantir para nossos filhos todos os cuidados afetivos e materiais, além de viagens, bons livros, discos, filmes, teatro, música. Pedro completou a 7ª e 8ª séries do ensino fundamental no Colégio Polivalente, enquanto André e Natália permaneciam na Escola de Aplicação. Em 1979 os três foram estudar no Colégio Marista, onde Pedro tornou-se um estudante extremamente sério e dedicado, já decidido a formar-se em Letras e Literatura Portuguesas, na UnB. Talvez por isto foi, a contragosto, um adolescente sem grupos de amigos e sem namoradas. Em julho de 1981, com 16 anos, Pedro foi aprovado no vestibular para o curso de Letras da Universidade Federal de Ouro Pedro, mas preferiu fazer o mesmo curso na UnB, a partir de 1982.


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1975, ensaio de teatro no Sesc


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Em 1983 licenciou-se em Língua e Literatura Francesas, pela Université de Nancy, e no exame final, oral, ao discorrer sobre a história política da França, ouviu o examinador francês declarar que “na França, na sua idade, não haveria nem cinco pessoas que dominassem com tanta propriedade este assunto”. Pedro também licenciou-se em Tradução Português-FrancêsPortuguês; ficou muito feliz quando, em 1995, foi o tradutor oficial do Seminário “Cidades Patrimônios da Humanidade”, realizado no Palácio do Buriti. Em 1983 Pedro viveu a ventura da primeira namorada, Reneide; foi com ela e outros estudantes de Letras ao Rio de Janeiro, para participar do ENEL (Encontro Nacional de Estudantes de Letras). Estava muito feliz, e esta viagem, por sua conta, foi um marco na sua vida de viajante. Na UnB, Pedro diversificou suas atividades, como diretor do Centro Acadêmico de Letras, militante da base do Partido Comunista na Universidade e, durante todo o curso, competente e orgulhoso monitor de sua querida professora Maria Cristina Leal, uma amiga de todas as horas. Participava também dos Jogos Esportivos Internos da UnB, na modalidade natação, esporte ao qual dedicouse com afinco até o fim da vida. Em 1984 o equilíbrio emocional de Pedro não resistiu aos intensos acontecimentos da época: meu processo com o SESC; as muitas atividades na UnB; a dificuldade para conseguir namoradas; o restrito círculo de amigos; o desgastante clima político da época, para quem era um consciente militante. Pedro sofreu uma séria crise psicológica, e teve que suspender suas atividades estudantis e políticas. Com orientação médica, fomos para o Rio de Janeiro – eu também precisava do colo de minha mãe. Natália e André ficaram em Brasília, com a vó Ermelinda, e Ítalo continuou o trabalho de Supervisor do Programa IR, que exigia viagens constantes entre Rio, Brasília e São Paulo. Além dos cuidados médicos, eu busquei ajuda na fé. Não em uma religião específica, mas na crença em Deus, contando também com o apoio de pessoas especiais, como Vera Lúcia Messias, a quem serei sempre agradecida. Foram tempos duros, mas fizemos o que tinha que ser feito, e Pedro contou sempre com o apoio, carinho e cuidados dos


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pais, irmãos, avós e tios – muito especialmente os tios José Alves e Adelmo. Ficamos mais fortes e mais unidos enfrentando juntos a crise. De volta à Brasília, no início de 1985, já refeito, Pedro dedicouse com afinco à metas que, consciente ou inconscientemente, definiu para si mesmo: – seguir todas as orientações médicas para preservar seu equilíbrio emocional; – perder peso; – retomar suas atividades universitárias; – preparar-se para trabalhar, para não depender financeiramente de nós; – continuar a militância política e o compromisso com o socialismo; – gozar do legítimo direito de ter prazeres na vida. Foi como um guerreiro que Pedro enfrentou esta empreitada – difícil para qualquer pessoa – e cumpriu um itinerário de superações. Com apoio de endoclinologista, Pedro conseguiu, em 1985, perder 15 quilos; manteve-se com peso adequado por muitos anos, graças aos esportes que praticava, uma vez que curtia comer e beber bem, e muito. Depois dos 35 anos Pedro voltou a engordar, e isto o aborrecia demais, travava uma batalha constante “para não chegar aos três dígitos na balança”. Nunca mais Pedro teve crise como a de 1984, viveu uma vida plena em todos os sentidos, mas mantinha-se sempre alerta a qualquer sinal de perigo. Algumas vezes se impacientava, ficava irritado, deprimido ou eufórico; então recorria, com sucesso, aos recursos disponíveis: psicoterapia, apoio familiar, acupuntura, massagens, esportes, viagens. Bem poucas pessoas souberam destas dificuldades do Pedro, alguns o consideravam um ser diferente, ruidoso, espaçoso, meio sem limites, mas iluminado pelo gosto de viver, pela solidariedade e carinho com todos, por sua inteligência e cultura.


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1986, Ítalo e Pedro na Fazenda São Mateus, Cavalcante

A UnB foi um tempo e espaço fundamental na vida do Pedro. Em 1985 retomou o curso de Letras, que concluiu em julho de 1987, como brilhante aluno e monitor de Cristina Leal. Participou intensamente de atividades universitárias: do Diretório Acadêmico de Letras, como Diretor e representante junto ao Colegiado Departamental do LIV; do GEU (Grupo de Estudos Universitários); dos ENEL (Encontro Nacional dos Estudantes de Letras); da base do PCB na Universidade; de atividades de extensão, como o FLAAC (Festival Latino Americano de Arte e Cultura) e reuniões da SBPC; de atividades esportivas, principalmente torneios de natação; do coral Ponha a Língua Neste Canto; da Serenata de Natal da UNB. Em 1986 eu e Ítalo tivemos a alegria de ver nossos três filhos novamente aprovados em vestibulares da UnB: André resolveu estudar Economia; Natália matriculou-se em Pedagogia; e Pedro começou o curso de Direito. Na formatura do curso de Direito, em 3 de dezembro de 1993, Pedro foi o formal – em ocasiões solenes ele era muito formal – e orgulhoso orador de uma mensagem do sociólogo Betinho aos formandos, lida depois deste preâmbulo:


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“Boa noite a todos, especialmente à minha família e aos meus amigos. Passarei, em seguida, à leitura desta mensagem. Antes, porém, quero dizer algumas palavras minhas. É para mim um momento de intensa felicidade estar aqui nesta noite. Ao lado de meus colegas, que admiro pela inteligência e dedicação aos estudos. Diante dos professores do glorioso Departamento de Direito da UnB, cujo brilhantismo e erudição são ímpares. E, particularmente, pela honra de – autorizado pela Comissão de Formatura – ler para os senhores, a mensagem que nos enviou o Sr. Herbert de Souza – que empresta seu nome à nossa turma. Nosso amigo Betinho, acredito assim poder chamá-lo, é com um sentimento de orgulho incomparável que passo a ler sua mensagem; pois eu me sinto identificado profundamente com suas idéias e seus ideais políticos – de uma esquerda socialista, democrática e solidária.”

1987, com Marcinha, conclusão do curso de Letras, na UnB


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Pedro lĂŞ a mensagem de Betinho aos formandos de Direito.


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“Meus queridos formandos da turma de Direito da UnB

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gradeço o gentil convite para participar dessa solenidade de formatura. Sei que este é um dia de glória. Mas vocês que passarão agora a lidar com a justiça têm obrigações que ultrapassam este momento. O que é a Justiça? O que é justo e o que é injusto? Olhando o mundo com olhar cheio de humanidade, não é difícil responder. A injustiça está mais presente em nossas vidas que a justiça. Nossa Constituição define o advogado como indispensável à administração da justiça. Mas de qual justiça estamos tratando? Daquela que é ágil e rápida quando se trata de retirar milhares de famílias sem terra de uma propriedade? Daquela que condena à reclusão de 5 anos, no mínimo, pessoas pobres somente porque participaram juntas de um furto? Daquela que nos casos de corrupção pune com poucos meses de reclusão os ricos e engravatados? Daquela que protela por anos a fio um processo de desapropriação de terras? Daquela que protege a propriedade em detrimento da vida? Dias atrás manifestei minha indignação com as cenas de violência contra crianças, mulheres e homens trabalhadores e indefesos que ocuparam uma fazenda em Getulina, São Paulo. Neste caso a justiça foi rápida e violenta. No caso da corrupção que rouba dos pobres e miseráveis milhões de dólares, a justiça é cordial no tratamento do réu e morosa na administração da pena. Nesse caso, a justiça esquece que o produto do roubo poderia ter sido destinado à vacinação de crianças, ao saneamento básico, à merenda escolar, à geração de emprego, à abertura e manutenção de escolas. De que justiça estamos falando? Da que não pune os assassinos de meninos e meninas de rua ou daquela que fecha os olhos aos acordos internacionais espúrios que sangram nosso país em bilhões de dólares pagos depois que a dívida já se pagou há muito? Nosso país precisa de vocês. Nosso povo clama por justiça. Vocês vão administrar a justiça. Mas, gostaria que olhassem nosso povo, sentissem nossa realidade, e buscassem nela o sentido da justiça.


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Um povo faminto não vive a justiça. A fome é sinal da falta de justiça. Eu gostaria de estar com vocês nesse dia de alegria, mas se a fragilidade de meu corpo não me permite dizer pessoalmente essas palavras, minha alma, solidária e fraterna, está com vocês, manifestando minha indignação e minha esperança. Indignação por deixarmos que a injustiça progrida. Esperança por saber que ainda podemos mudar nosso mundo, humanizá-lo, enchê-lo de beleza e justiça. Recebam meu abraço e meu apelo para que não percam nunca a vontade de fazer a justiça humanizar-se. Betinho”

Pedro manteve sempre contato com a UnB, participando de atividades de extensão e acompanhando Asmahan, que era professora de inglês na Universidade. Nos anos iniciais de 2000 Pedro cursou, como aluno ouvinte, disciplinas de Filosofia. No final de 1988, Pedro ganhou bolsa de estudos para um estágio para professores de francês no CLAB de Besançon, França. Por este motivo Pedro não estava em Brasília quando nasceu Mariana, sua primeira sobrinha e afilhada, com quem foi muito ligado, festejou de longe.


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Durante o estágio Pedro passou pequena temporada com os Pelissard, casal francês que hospedava estudantes do mundo inteiro em viagens de intercâmbio. Ficou muito amigo da família Pelissard, correspondiam-se, presenteavam-se. Em 2001, numa viagem que fizemos à Europa, fui com Pedro à Besançon, para almoçar com os Pelissard, que ficaram muito contentes. Mme Pelissard ainda carregava na bolsa, prendendo as chaves de seu carro, o chaveiro de cristal que Pedro lhe presenteou em 1989. 1989, com os Pelissard, em Besançon


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Em 1988 Pedro fez a primeira das várias tentativas de ingressar no Instituto Rio Branco, sem sucesso. Numa das vezes, conseguiu a mais alta nota da prova de conhecimentos gerais, mas ficou reprovado em inglês. Desistiu de vez da carreira diplomática, de seu “projeto Damasco”, quando, estranhamente, tirou uma nota baixa na prova de português – um assunto que dominava como poucos.

Eu e Ítalo nunca fomos perdulários no que se refere a dinheiro para nossos filhos, e conseguimos que eles valorizassem o trabalho e a independência financeira. Todos três formaram-se cedo, na UnB, e começaram a trabalhar perto dos 20 anos. No retorno à Brasília, em 1985, além das atividades universitárias, Pedro começou a se preparar para concursos públicos; retomou o curso de inglês, na Cultura Inglesa; fez curso de datilografia. Com a ajuda de custo que recebia como monitor da UnB, aulas particulares de francês e português e a mesada que lhe dávamos, Pedro cobria as suas despesas, mas precisava controlar-se. Por isso, e acho que pelo firme propósito de organização de vida, entre agosto de 1985 e setembro de 1988, com algumas interrupções, em dois cadernos escolares, sob o título “Registro de Gastos”, Pedro anotou despesas e receitas, e muitas outras observações. Tão minuciosamente que é possível depreender das anotações quais eram as suas atividades; o notável equilíbrio com que retomava as rédeas de sua vida; e suas reflexões sobre vários assuntos, através de textos, seus e de outros, que ocupam metade das páginas de um dos cadernos.

No primeiro semestre de 1987, aprovado em concursos públicos, Pedro assumiu os cargos de Agente Administrativo e Professor de francês, no INSS e na FEDF/GDF, respectivamente. Consegui convencê-lo que estava sobrecarregado de atividades, então em agosto ele pediu demissão do INSS. Como professor de francês e português, Pedro trabalhou no Centro Educacional Setor Leste e no Centro Interescolar de Línguas, até o início de 1991, quando foi cedido, com licença sem vencimentos, para trabalhar como Assessor Legislativo na Câmara Legislativa do DF – onde foi um dos revisores da Lei Orgânica do DF – depois assessor, no Gabinete do Deputado Carlos Alberto.


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Só em 2003 Pedro reassumiu seu cargo de professor da Secretaria de Educação do DF. Selecionado por concurso público, Pedro tornou-se Analista Judiciário do TJDFT – Pedro ali trabalhou de 1995 a 1998. Devidamente registrado na OAB, Pedro fez uma incursão pela advocacia, mas desistiu da carreira quando não conseguiu a absolvição do cliente que defendia em um processo. Em 1998, aprovado em outro concurso público, Pedro voltou à Câmara Legislativa, no cargo de revisor da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), na qual também era muito útil sua formação como advogado. Na Câmara, Pedro vinculou-se à atividade sindical.

Nosso caminho é feito de perdas e conquistas. As conquistas do PCCR não nos farão esquecer os que perdemos durante a luta! Uma homenagem do Sindical ao companheiro PEDRO DUARTE


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Manteve sempre muito boas relações com a maioria dos Deputados Distritais, independentemente de suas vinculações partidárias. Revisava textos e Projetos de Lei, acompanhou com especial carinho o Projeto do Deputado Chico Floresta, que me concedeu o título de Cidadã Honorária de Brasília, do qual me orgulho muito.

1998, Concessão do Título de Cidadã Honorária de Brasília

Escreveu projetos e discursos para vários deputados, entre os quais o texto que o amigo e Deputado Rodrigo Rollemberg usou em discurso proferido, em 2 de fevereiro de 1999, na tribuna da Câmara Legislativa: “UMA SOCIEDADE MAIS FRATERNA Ao tomar posse na Câmara Legislativa, apresentei ao povo de Brasília minha proposta de trabalho para os próximos quatro anos, bem como minha percepção da situação política atual. Vivemos


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mais uma crise do capitalismo e, neste contexto, estou convencido de que as soluções de âmbito local repercutem positivamente nas esferas mais amplas, de forma que assumo a responsabilidade de minha liderança política comprometido com a formulação de propostas para o enfrentamento da crise que nos atinge. Minha experiência anterior nesta Casa, no período de 1995 a 1996, e minha experiência como Secretário de Estado, de 1996 a 1998, permitem que eu diga francamente da mudança de mentalidade que operamos na sociedade brasiliense durante o Governo Democrático e Popular do Professor Cristovam Buarque. Esta mudança está vinculada sobretudo à valorização da cidadania e se refletiu na melhoria da qualidade de vida, o que se comprova por estudos sobre desenvolvimento humano feitos pela ONU. Com efeito, projetos como Paz no Trânsito, Lei do Lixo, Bolsa-Escola, Projeto Orla, Saúde em Casa, são hoje referência nacional de Administração Pública séria e competente. Novo governo se inicia em Brasília. Conquanto seu sucesso seja em última instância o sucesso de nossa cidade, e por este fato o desejamos sinceramente, temos sérias preocupações quanto a ele e por razões sérias. O atual governador, que já ocupou o cargo no período de 1988 a 1994, tem sua atuação caracterizada pela ocupação desordenada do solo, pela grilagem de terras públicas, pela prevalência de interesses especulativos privados, pela perseguição política, pelo uso da mentira para fins eleitoreiros, pela adesão à política recessiva do Governo Federal. Tudo isso refletindo uma, infelizmente já conhecida, irresponsabilidade no trato da coisa pú blica por parte do grupo político agora no poder. Quanto ao meu mandato, ele será exercido com austeridade e responsabilidade, com os olhos voltados para o futuro e para a humanidade; ao mesmo tempo para o mundo e para a cidade. Trabalharei para implantar uma política de desenvolvimento sustentável, na qual ganham vulto o Turismo, a Cultura e a Indústria do Conhecimento e da Alta Tecnologia. Neste sentido, o Projeto Orla e o Turismo Cívico – além das festas populares – terão nosso decidido apoio. Ao Pólo Turístico deve se juntar o Pólo de Varejo, que envolverá setores como o da moda e das jóias. Temos uma preocupação especial com a ocupação da terra, entendendo que o espaço rural envolve, além das questões relativas


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ao abastecimento, a verticalização e a diversificação de suas atividades econômicas. Dada a dramaticidade da situação hídrica do Distrito Federal, damos a maior relevância à preservação de nossos preciosos mananciais. Trata-se de aspecto fundamental quando se fala de desenvolvimento sustentável. De outra parte, devo dizer que a juventude e a terceira idade estarão também na ordem do dia ao longo do meu mandato parlamentar ora iniciado. Enfim, como membro do Partido Socialista Brasileiro, legenda do inesquecível João Mangabeira, um professor de cidadania, nosso candidato à Presidência em 1950, legenda que ao longo de meio século de bons serviços prestados ao País não tem, como bem assinalou o Dr. Miguel Arraes, nosso líder maior, revisões históricas a fazer; estamos abertos à discussão de novos temas e à busca de novos paradigmas, o que inclui para nós da Esquerda o reconhecimento do valor e da importância da iniciativa privada. Sempre atentos, todavia, ao ideal dos socialistas, que é o de construir uma sociedade mais justa, na qual o homem não seja, conforme sentença de Thomas Hobbes, o lobo do homem, mas sim seu amigo fraterno.” Pedro foi um excelente revisor. Corrigiu os cinco livros que escrevi, e era o consultor informal da família e de amigos para qualquer dúvida sobre as línguas portuguesa e francesa. O cuidado com que lidava com a nossa língua pode ser percebido nas correções que fez no texto que Ítalo escreveu em homenagem à vó Ermelinda, reproduzido na página seguinte.


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Pedro foi, desde a adolescência, um fiel e disciplinado militante do socialismo – ao qual foi introduzido principalmente por Ítalo. Topava qualquer discussão política; admirava sem restrições as figuras de proa da esquerda brasileira; era anti-americanista ferrenho. Do ponto de vista da militância, relembro alguns fatos sobre esta sua paixão: – em agosto de 1965 comprei o livro “Palavra de Arraes” para Pedro presentear Ítalo, e escrevi por ele a seguinte dedicatória: “Papai, ainda não entendo de política, mas já sei que o senhor admira e gosta de Miguel Arraes. Por isso, medite e apreenda a “Palavra de Arraes” para daqui há alguns anos conversar comigo sobre o significado delas, e de tudo o que ocorre no Brasil agora. Pelo primeiro Dia do Papai “nosso”, um abração do Pedrinho”.


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Pedro descobriu o livro quando já adulto, guardou-o para si, depois de discuti-lo conosco, e ficou muito feliz quando, em fevereiro de 2003, conseguiu um autógrafo de Miguel Arraes no mesmo livro.

– Simpatizante do PCB desde os anos 70, Pedro filiou-se ao Partido em 1983, contribuindo financeiramente e participando de vários eventos partidários. Foi tesoureiro do Coletivo de Estudantes Comunistas da UnB; membro do grupo de estudos “Reflexões sobre o marxismo”; fiscal de apuração e advogado indicado pelo Partido nas eleições de Brasília em 1989, 1994 e 1998; militante nas campanhas pró-representação política de Brasília, Diretas Já e Impeachment de Collor; candidato a Deputado Distrital.

– Em 1988, toda a família (incluindo Natália, grávida de Mariana) participou do seminário sobre a Perestroika e a Glasnost, realizado na UnB. Com a participação de representantes do governo russo, de Sebastião Malina e de várias autoridades políticas, discutiam-se as propostas de Gorbachov para a reformulação e abertura das estruturas administrativa, econômica e política da URSS. Em desacordo com a maioria dos participantes, Pedro posicionou-se contrário à proposta de reformulação, defendendo com veemência sua posição – que o tempo mostrou ser acertada, dentro da teoria marxista. – Delegado eleito para o Vlll Congresso do PCB, ficou muito contente com a tarefa de acolher em Brasília e ser o intérprete – em francês – da Delegação do Vietnam ao mesmo Congresso. Durante algum tempo correspondeu-se com membros desta Delegação. – Manifestava-se sempre que achava isto necessário, inclusive por escrito. Em 1993 eu fui a organizadora do livro “POMPEU”, publicado pelo Senado Federal, em homenagem ao meu caro e inesquecível amigo Pompeu de Souza. Pedro escreveu a seguinte mensagem, infelizmente não incluída no livro por atraso no prazo de entrega à Gráfica: “NUNCA ESQUECEREI A visita do Senador Pompeu de Souza ao glorioso PCB, em 1986,


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durante a campanha e confirmação da senatoria. A sede ficava no Setor Comercial Sul – inopinada e democraticamente ao lado das Edições Paulinas, uma empresa católica. Os grandes líderes do Partidão até hoje – Carlos Alberto e Augusto Carvalho – receberam-no com todas as honras. Eu, quase sempre sem senso de oportunidade, estava lá e gritei: “Força, ação, aqui é o Partidão” e “De norte a sul, de leste a oeste; o povo está com Luiz Carlos Prestes”. Só que o Cavaleiro da Esperança há mais de cinco anos não era nosso camarada... Bom, o interessante é a entrada de Pompeu, mais ou menos como descrita pelo grande Tolentino em sua carta que faz parte deste livro, e o que ele disse com seu entusiasmo peculiar. Algo que era verdadeiro sobre o PT de então, e segue válido até hoje, por mais que a petecada tenha mudado, e para melhor. Lá vai o que disse o Senador Pompeu: ‘Nós estamos construindo uma pinguela entre a Ditadura e a Democracia e esses meninos ficam pulando em cima dela!’ Inesquecível!” – Em data não identificada, Pedro escreveu para a revista VEJA: “A propósito dos artigos de Roberto Pompeu de Toledo, sobretudo o intitulado ‘Sobre anti-americanismo e antibrasilismo’ venho, como assinante desta revista, dizer que são textos como este que me fazem continuar a ler VEJA. Por outro lado, fazendo o exame de consciência a que ele nos convida, acredito que a reação seria mais próxima dos bêbados de shopping centers e dos festejadores de halloween; sobretudo se formos considerar o texto – sempre anti-socialista e quase sempre anti-nacional – dos civitas, kanitzs, mainardis e francos que infelizmente também constam deste que já foi o maior hebdomadário brasileiro.”

– O grande momento da militância política de Pedro aconteceu em 2002, quando foi candidato a Deputado Distrital, pelo PPS. De início, nós e Asmahan fomos contrários à candidatura, achando que a sensibilidade de Pedro não resistiria aos embates de uma campanha política. Mas fomos convencidos, no dia 24/04/2002, ao ouvir o discurso de lançamento da campanha, transcrito a seguir. Mais que o texto, belos foram os improvisos que Pedro incluiu em seu discurso, a partir de um roteiro pré-definido:


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Camaradas, companheiros, Meus familiares, meus amigos, meus colegas de trabalho e de estudo, Senhores e senhores, As crianças e as criancinhas, enfim, todos os que estão aqui presentes;

Permitam-me saudar especialmente algumas pessoas pelo nome. Primeiramente, minha esposa e meus pais, Asmahan, Ítalo e Maria. Em seguida, duas figuras maiores do partido – o velho PPS, o novo PCB – na cidade e no País, Augusto e Carlos Alberto e, por último, mas com toda a reverência, duas lideranças que nos últimos dez anos tanto têm trabalhado por este tão pequeno e tão grande partido, Amauri e Homero. A primeira consideração que devo fazer é no sentido de responder a uma questão básica: por quê ser candidato? Vamos à resposta. Somos candidato a Deputado Distrital por uma razão básica e precisa, necessária e suficiente: queremos transformar o mundo para melhor. Não somos candidatos, porque isso não pode ser, pelo menos de meu ponto de vista, para satisfação pessoal, vaidade, orgulho, promoção pessoal, soberba. Meu nome não é Brás Cubas, nem muito menos Luís Estevão. Meu nome é Pedro. Não é para defender meus interesses pessoais ou dos que me são próximos, nem mesmo os legítimos, quanto mais os escusos – que não existem. Não se trata de favorecer meus grandes negócios, as minhas negociatas. Não sou candidato para representar meus amigos poderosos. Mesmo porque não tenho amigos poderosos, nem sou eu mesmo um poderoso. Sim, sou candidato, e esta é a razão primeira desta aventura em que estou entrando, porque nós temos um compromisso antigo com a construção de uma sociedade mais justa e, para nós, é o socialismo o movimento político – e tudo que com o político vem, cultural, econômico, social – que constrói uma sociedade mais justa, e por esta razão mesma, melhor. “Nem desistir, nem tentar Agora tanto faz Estamos indo de volta para casa.” Renato Russo


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Isto não tem nada a ver conosco. Não começamos a lutar em 1917, nem mesmo em 1789. Nossa luta vem de muito mais longe e tudo indica, se estiver certo o velho Heráclito de Éfeso, nossa luta não vai acabar nunca. Porque o universo não foi criado. Ele sempre existiu e sempre existirá. O que pode acabar e deve acabar é a miséria em que vivem milhões de compatriotas no Brasil e bilhões de irmãos na Terra. Miséria esta gerada pelo sistema político-econômico excludente, desumano, injusto e indecente, que prevalece no mundo desde os fins do século passado, e que se comporta de modo totalmente desenfreado e tresloucado desde o fim da gloriosa e imortal União Soviética. Fim que transformou o cenário mundial da situação muito ruim de bipolaridade para a péssima situação de unipolaridade. Mas voltando à nossa luta, ela vem de muito longe. Mencionei aqui a Revolução Francesa e a Revolução Russa – a maior de todas em todos os tempos. Uma espécie de Flamengo entre as revoluções. Foram vitórias fantásticas, assim como foram vitórias fantásticas, no mundo, as de 1848 (Europa), 1870 (Paris), 1949 (China), 1959 (Cuba), 1970 (Chile), 1975 (Vietnam) e, no Brasil, 1822, 1889, 1930, 1946, 1985 e 1992. Fantásticas e dolorosas foram igualmente as derrotas mundiais de 1794, 1851, 1870, 1889, 1991 (a maior de todas), e as derrotas nacionais de 1935, 1937, 1964, 1989 e, numa homenagem à realidade local, de 1998, quando o projeto irresponsável, demagógico, corrupto, enfim – criminoso – de Roriz e Estevão, derrotou nosso governo democrático e popular. Numa só palavra, socialista; porque democrático e popular quer dizer socialista e, politicamente, não pode querer dizer outra coisa! Outro aspecto que eu não poderia deixar de abordar nesta data é a data em que nós estamos reunidos. Data importante para mim e acredito que não sem importância, ainda que pequena, para o partido. Data deste singelo e modesto anúncio de pré-candidatura. O que eu gostaria de assinalar são duas datas que cercam esta de hoje. O 1º de maio de depois de amanhã e o 25 de abril da semana passada. O Dia Mundial dos Trabalhadores e o vigésimo oitavo aniversário da Revolução dos Cravos. Para terminar, e não sem tempo, mas lembrando provavelmente uma fantasia que ganha muito mais valor se de fato tiver acontecido. Dizem que a parte mais aplaudida do líder democrata ameri-


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cano na convenção de 1988 foi aquela em que ele anunciou assim: “E, para terminar...” Foi a convenção na qual sagrou-se candidato Michael Dukakis e um dos postulantes, justamente o autor do discurso, governou a América – segundo alguns, o mundo – de 1993 até o ano passado. Para terminar, uma pequena reflexão sobre as palavras do maior poeta da Língua Portuguesa vivo, depois do grande Nilto Fernando Maciel: “Afagar a terra, Conhecer os desejos da terra, Cio da terra a propícia estação E fecundar o chão.” Nós aqui, neste momento, quereríamos ser como o personagem desta belíssima canção, salvo engano, a única parceria do talentoso Milton Nascimento com o formidável Chico Buarque. Esta letra, estes versos, dizem muito do que nós pensamos. Onde numa metáfora o chão é o povo e a possível colheita é a Revolução. Não a Russa, nem a Chinesa ou a Cubana, nem mesmo a Francesa. Porém, a nossa Revolução Brasileira, quando construiremos uma sociedade mais justa, reduzindo as imensas desigualdades sociais dentro do estado democrático de direito. Quem sabe edificar o estado socialista de direito. Vamos edificá-lo!!! Freedom is not free but equity is more expensive


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Pedro não investiu dinheiro na campanha – pagou apenas pequenos brindes e panfletos divididos com os candidatos Caetano e Lauro Campos. E nós bancamos uma festa junina de campanha na Fazenda, onde até hoje está colado na porta de entrada o adesivo:

Pedro curtiu muito ser candidato, e anotou em sua agenda:

Embora tenha tido pouco mais de cem votos, Pedro vivenciou bem seu momento político – disse-me que seria de novo candidato na campanha de 2006 – e vibrou com a vitória de Lula.


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Em 25/04/2003 Pedro escreveu um de seus mais belos textos polĂ­ticos, dedicado ao Ă?talo:


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Foram muitas e diversificadas as paixões vividas por Pedro: família, política, Flamengo, literatura, artes, viagens, comer e beber, encontros, carros. Era epicurista no usufruir dos prazeres da vida – talvez intuísse que não viveria muitos anos para fazê-lo. Pedro tinha um genuíno interesse por esportes em geral, sintetizado em uma paixão hereditária – vinda do Ítalo e de meu pai – e quase irracional pelo Flamengo. Ver pela TV o Flamengo jogar, discutindo todo o tempo com Ítalo e André, era programa imperdível, e Pedro muitas vezes fez viagens rápidas ao Rio de Janeiro só para assistir jogos decisivos de seu time no Maracanã. Numa dessas viagens foi jogar no campo de futebol do Politheama, levado por meu amigo Alexandre Mello, que era técnico do time – Pedro ficou felicíssimo ao jogar ao lado de seu ídolo, Chico Buarque. Guardo ainda alguns dos bilhetinhos que Pedro espalhava sobre seu clube: O FLAMENGO NÃO É: – Vice-campeão do mundo; – Vice-campeão da Libertadores; – Vice-campeão do Brasil; – Vice-campeão brasileiro; – Vice-campeão do mundo de novo.

O FLAMENGO É: – Campeão do mundo; – Campeão do MERCOSUL; – Campeão da Libertadores da América; – Campeão do Brasil; – Campeão Brasileiro; – Tricampeão carioca (só 3 vezes); – Bicampeão Carioca (só 4 vezes); – Campeão Carioca (só 26 vezes); – Tricampeão da Taça Rio; – Hexacampeão da Taça Guanabara.


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2001, com a camisa do Flamengo, em Sevilha (Espanha)

Logo depois de chegarmos à Brasília, participando de pesquisa do Professor Kléber sobre o Método Cooper, corríamos juntos no Centro Olímpico da UnB. André tinha só 3 anos, eu e ele éramos os lanterninhas das corridas, mas nos divertíamos muito e Kléber vaticinava: “Família que corre unida, permanece unida”.


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Pedro guardou o gosto por caminhadas e corridas por toda a vida, participou de maratonas, frequentava os Parques Olhos d’Água e Água Mineral, às vezes acompanhado por Asmahan, onde tinha um grupo de amigos. Pedro também era – há muitos anos – freqüentador assíduo do Centro Esportivo do DEFER, onde jogava tênis – que teve que abandonar, por problemas no joelho – e nadava. Ele me dizia: “Nadar é uma das coisas que mais gosto de fazer; é só ir deslizando pela água, não é preciso pensar em nada, nada nos incomoda”.

Campeonato de Natação Master do DEFER


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2001, nadando no mar Mediterrâneo em Cartagena (Espanha)

Fazendo parte da Equipe Máster de Natação do DEFER, Pedro participou de inúmeros campeonatos, colecionando troféus: guardo 17 medalhas de Torneios Máster, 7 de torneios da FABRA, 2 de Corrida de Reis, 1 de tênis e 1 de xadrez. Todos os anos participava do Torneio Máster de Natação de Ribeirão Preto. Em 2003 trouxe, além de medalhas, um “Certificado de bom bebedor” da Choperia Pinguim, autografado pelos nadadores da equipe de Brasília. E em 2004 Asmahan recebeu da mesma equipe um cartão do Pinguim dizendo:


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2001, dirigindo na Espanha

Em 1985, com a indenização recebida do SESC, resolvemos dar um pequeno apartamento para cada filho, e demos também ao Pedro o seu primeiro carro – um Chevette meio usado, mas que o deixou muito feliz. Começaram aí dois gostos de Pedro:

– ter a sua própria casa. Saiu do pequeno apartamento que lhe demos, na 708 Norte para um melhor, na 715, quando se casou com Asmahan. Em 2001 comprou, com nossa ajuda financeira, um belo apartamento na quadra 415, onde viveu seus dias finais;

– ter e dirigir automóveis, e cada vez melhores. Conhecia todos os endereços, saídas, estradas e caminhos de Brasília e Entorno; viajou muito pelas estradas brasileiras. De vez em quando me levava a lugares altos, nas cercanias de Brasília ou da Fazenda, só para ver o pôr do sol. Era um bom motorista, cuidava bem e fazia o controle do carro, anotando datas e gastos com combustível e manutenção. Mas tínhamos uma preocupação: Pedro corria muito, perigosamente, e sofreu vários acidentes; felizmente sem consequências sérias.


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Pedro mesmo se definia como um gourmeant – alguém que come bem, e muito – e adorava frequentar bares e restaurantes. Gostava muito também que eu e Asmahan cozinhássemos pratos especiais para ele, e me conforta lembrar que sempre tive muito gosto em participar de suas aventuras gastronômicas. Juntos, pesquisávamos receitas, ele fazia as compras, curtíamos o cozinhar e o comer, que ele cercava de rituais – a mesa bem posta, a taça certa para o vinho (também para tomar seus demorados banhos fazia preparativos que lembravam um banho de bebê). Dizem que cozinhar com gosto é ir atrás dos sabores perdidos, mas acho que nunca mais sentirei o prazer com que fazia alguns pratos que ele apreciava especialmente: tripas à Caen, borch, galinha cabidela, osso buco, omelete à Mére Poulard, carne recheada. Eu gostava tanto quanto ele de incursões inusitadas, em busca de determinados pratos. Por exemplo, em 2001, saímos de Paris só para comer um moutton pré-salée e uma omelette no Restaurante de Mére Poulard, no Monte São Michel, Normandia. Naquele domingo andamos mais de 800 quilômetros, entre ida e volta, para satisfazer o desejo de Pedro de repetir o almoço que a família fez, junto com a vó Ermelinda, em 1976. No restaurante de Mére Poulard, no Monte São Michel


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Como era assíduo frequentador de restaurantes, às vezes com Asmahan, ou meu irmão Pedrinho, ou Ítalo, ou sozinho, Pedro era amigo de muitos maitres e garçons de Brasília, que ainda hoje lembram dele. No Dia das Mães de 2008 fomos almoçar, com toda a família, no Restaurante Xique-Xique; Pedrinho começou a conversar sobre Pedro com o garçon amigo Samuel, emocionamo-nos muito, Pedrinho chorou durante todo o almoço. De música, Pedro gostava e entendia, tanto música erudita como MPB e música francesa. Junto com Natália e André frequentou, durante cinco anos, a Escola de Música de Brasília, estudando flauta doce e violoncelo, com o Professor Ben Hur, de quem ele gostava muito. Chegou a apresentar-se, com outros alunos, num recital realizado no Teatro Nacional Cláudio Santoro. 1974, Teatro Nacional Claudio Santoro


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Escutava música o tempo todo, em qualquer lugar, conhecia bem as coleções que eu e Ítalo formamos, ao longo do tempo, de LPs e CDs de música erudita e da história da MPB, e de seus principais intérpretes; também organizou um precioso acervo musical em sua casa. Gostava de cantar com Ítalo, Natália e André – que tocam violão – principalmente em luaus na Fazenda – era quem sabia as letras de todas as músicas. A última vez que cantamos juntos – só eu e ele – foi durante uma caminhada pelo Parque Olhos d´Água. Ele cantava “Hey Jude” de Paul McCartney, eu não conseguia acompanhá-lo, por não falar inglês; Pedro então traduzia a letra para mim, e repetíamos o canto. Desde a partida de Pedro, custamos a retomar estes encontros. Num luau que organizou em 2008, André chorou muito ao cantar, com Ítalo, “Serafim e seus filhos”. E eu ainda não consigo tocar nossos discos preferidos. Pedro também vinculava música com teatro e cinema, cantava com Ítalo as músicas de filmes das quais gostavam especialmente. Filmes de cunho político eram vistos com muito interesse; o último filme que vimos juntos foi “Invasões Bárbaras”, que ele viu duas vezes. Alguns meses depois da morte de Pedro, Natália me convenceu a ir ver “Adeus Lênin” que, para ela, era um retrato do Pedro. Fui com Ítalo, chorei durante todo o filme, lembrei-me muito do Pedro. No que se refere à vida social, nas anotações dos cadernos “Registro de Gastos”, pode-se constatar como, entre 1985 e 1988, Pedro conseguiu enfrentar e superar suas dificuldades para ter amigos, sair com meninas e ter namoradas. O namoro mais longo, em 1987, foi com Marcinha, uma doce menina que ainda estava terminando o segundo grau, que se orgulhava muito de namorar “o professor Pedro” e o acompanhava em todos os lugares, inclusive ficou conosco numas férias no Rio de Janeiro. O namoro não resistiu à mudança de Marcinha para Natal, acompanhando sua família. Ia a festas, bares e lanchonetes com Alberto, Caliman, Marcelo, Ari, Mauro, Tiago, Rômulo, grupos de professores; fez acampamento em Itiquira com André, Alberto e Rogério; curtia as caricaturas do amigo Lopez.


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Com Paulo Bertran e Ricardo Pires, em BrasĂ­lia

Com Antonio Pitanga e Benedita, em Gramado Dançando em Santiago do Chile


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Elana, colega no curso de Letras e com quem quis namorar, tornou-se uma grande amiga, lhe fez muita companhia em lanches, jantares, teatro e cinema. Também saía com Juliana, Betsy, Ingrid.

Até que, em 2 de setembro de 1988, num bar onde professores se reuniam para conversar e beber, Pedro encontrou-se com Asmahan, foram para a boite New York, New York, depois para um motel, e ficaram juntos até o fim de sua vida. Muito significativamente, as anotações nos cadernos de “Registro de Despesas” encerram-se neste dia. Acho que o encontro com Asmahan marcou para o Pedro o final da bem sucedida etapa de reorganização de sua vida, e o início de um outro ciclo, no qual ele se sentia pleno, equilibrado, comprometido, bem feliz.

Asmahan diz: “O encontro com Pedro foi o grande encontro da minha vida. Eu era uma mulher madura, experiente, independente, só um homem muito especial me interessaria. Amei muito e amarei para sempre o Pedro, admirava a sua inteligência, a sua cultura, o seu jeito de ser. E sei também que eu era muito amada por ele, me sentia segura disso, ainda que fosse ciumenta. Éramos pessoas bem diferentes, por isto brigávamos bastante, mas sempre fazíamos as pazes; tenho certeza que nunca nos separaríamos, tínhamos muita importância um para o outro. Lembro dele todos os dias, de como era carinhoso; ele foi mesmo especial , nunca vou encontrar outra pessoa como ele.”


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Com Asmahan, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro)

Pedro e Asmahan casaram-se em 9 de maio de 1990. Não tiveram filhos, Asmahan engravidou duas vezes, mas abortou naturalmente.

Pedro, alfabetizado aos seis anos, sempre foi um grande leitor: frequentava bibliotecas, principalmente a da UnB; escolhia com critério os livros que comprava; pedia livro emprestado – mas não gostava de emprestar os seus. Seus livros eram referenciados, cheios de anotações, algumas pitorescas, outras questionadoras. Também lia textos esparsos, copiava em qualquer pedaço de papel ao seu alcance o que mais lhe tocava. Guardei alguns destes fragmentos, que, digitados ou manuscritos, variam muito: trechos do discurso de posse de Nelson Mandela; a Oração de São Francisco; Os Filhos da Época, de Wislawa Szymborska; O Difícil Facilitário do Verbo Ouvir, de Arthur da Távola; Vista Cansada, de Otto Lara Resende; Viver Não Dói, de Carlos Drummond de Andrade; Instantes, de Jorge Luiz Borges; Algu-


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mas Maneiras de Fazer Alguém Feliz; Tudo Que Eu Precisei Saber Aprendi no Jardim de Infância; Riscos; Preciso de Alguém – textos sem autores indicados. De um de seus poetas preferidos, Fernando Pessoa, vivia repetindo: O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente... De tentativas de se exprimir graficamente, Pedro se ocupou antes mesmo de aprender a ler, guardei alguns de seus trabalhos no Jardim de Infância Marechal Hermes, no Rio de Janeiro. Ali, em abril de 1970, ele criou: “A História do Astronauta O astronauta ia partir para Mercúrio, aí quando ele voltou de Mercúrio, uma porção de gente veio visitar ele. Aí acabou a história”. Que desenhou assim:


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E uma historinha sobre si mesmo: “O Pedro desobedeceu a mãe e saiu e depois se perdeu. E depois aquele coelho, que eu fiz no outro papel, ajudou o menino a voltar para casa. Não vai mais desobedecer”. Que ilustrou com o desenho que fez de seu pai:


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Em 1974, na Escola de Aplicação de Brasília, inventou um país: “KLENGRESTOYN

“Mas ou menos 500 anos depois de Cristo ouve em Roma, capital romana, um enorme roubo, os ladrões fugiram numa galera. o rei, Nero, mandou seus melhores soldados atrás deles, sendo que rumarão para oeste. No decorrer da viagem ouve uma tempestade e a galera dos assaltantes naufragou, e os soldados, ao saberem, tentaram voltar. MAS COMO? haviam perdido o rumo! Então rumarão para o sul, chegando nas terras geladas da antártica. Mas não tinham chegado a Roma. Puzeram-se para o noroeste e chegaram a uma terra um pouco mas quente e onde havia muita caça, pesca, índios e matas. Então um soldado chamou esta terra de KLENGRESTOYN e resolveram deixar alguns soldados lá e os que iam prometeram voltarem para ajudar e foi o que eles fizeram, navegaram durante meses e anos entraram no oceano indico e depois de muito tempo chegaram as índias e após uma pousada foram para Roma atravessando o então famoso hoje canal de Suez. Os soldados ao chegarem foram...(sic)” Em 1979, teve oportunidade de conhecer e conversar bastante com Paulinho da Viola e músicos que o acompanhavam numa série de espetáculos musicais, realizados no SESC. Pedro escreveu então, como trabalho escolar para o Colégio Marista, uma comovente biografia de Paulinho. As duas únicas cópias do trabalho ficaram com o violonista Cézar, pai de Paulinho – que gostou muito da biografia – e outra com Maria Eduarda, a primeira paixão de Pedro. Na UnB, durante o curso de Letras – Língua e Literatura Brasileiras – os trabalhos escritos para diferentes disciplinas recebiam invariáveis notas SS e elogios dos professores. Pedro guardou a maioria de seus trabalhos escritos, que hoje estão comigo. Aí é possível constatar a seriedade com que, desde 1982, com 17 anos, Pedro escrevia sobre diversificados temas:

– DEFINIR SOCIOLOGIA – baseando-se em Karl Marx, Pedro de-


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monstra porque a sociologia estuda a sociedade do ponto de vista das relações sociais.

– O QUE É DEMOCRACIA – Citando com ironia o General Figueiredo: “Democracia é como banana: temos a nanica, a maça, a prata, a da terra. Todas, apesar de distintas, são bananas”; faz análise etimológica da palavra; descreve o que era a democracia em Atenas; propõe uma definição; cita exemplos de estados democráticos. – DIZE-ME COM QUEM ANDAS E DIR-TE-EI QUEM ÉS – Pedro não concorda com o dito – “ele torna-se falso por ser determinista”.

– MINHA MÃE – Com muita ternura, conclue: “... (este) trabalho superficial e incompleto, pode, contudo, apresentar-lhes ligeiramente a mãe que me cabe: uma pessoa nem extraordinária nem medíocre, que eu, sem dúvida, amo com muito carinho.”

– DEFINIR SOCIALISMO – Coerente com sua opção ideológica, concluiu que “o socialismo busca uma sociedade mais justa, luta portanto pela organização do proletariado para que este, consciente de sua situação, promova a superação da estrutura econômica, e consequentemente social e política, em que é explorado.”

– DEFINIR MAIS-VALIA – Analisa-a como modo de produção capitalista, “que permite à burguesia uma sempre maior acumulação de capital”.

– QUAL É O CASO DO BRASIL? – Analisa a situação brasileira, no que concerne ao desenvolvimento, estudando comparativamente Brasil, Haiti, Cuba, Bulgária e Suíça, em relação a território, população, renda per capita, índices de analfabetismo e mortalidade infantil, tipo de governo. SUBEMPREGO NO BRASIL – Ilustra o seu estudo com um caso concreto – o de nossa empregada doméstica – concluindo que, apesar de ter direitos trabalhistas garantidos, ela é subempregada. – POR UMA TIPOLOGIA DO ROMANCE ROMÂNTICO NO BRA-


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SIL – Baseando-se em Antônio Cândido, afirma que, ao contrário da poesia, o romance é analítico e objetivo e, dessa forma, ajusta-se às exigências estéticas do romantismo. – DENUNCIAR AS FUNÇÕES LATENTES DA TELENOVELA – Confrontando diferenças entre capitalismo e socialismo, concluiu que a telenovela contribui para tornar mais estável a sociedade capitalista, através da alienação do espectador.

Em 1985, na UnB, escreveu dois grandes trabalhos: – para discussão com seus colegas de classe, um bem fundamentado estudo sobre as possíveis contribuições da teoria de Paulo Freire ao ensino da Língua Portuguesa no Brasil; – como monografia final da disciplina Literatura Brasileira 2, uma Proposta de Interpretação do conto VIVER!, de Machado de Assis. Objetivava “apresentar alguns princípios interpretativos da obra de Joaquim Maria Machado de Assis – em nosso modo de ler, o maior escritor de expressão portuguesa – e verificar a aplicabilidade destes princípios: Princípio geral da reversibilidade dos contrários; Ruptura entre romance de costumes e drama de caracteres; Pensamento dialético e materialista – em uma obra específica. A obra específica foi o conto VIVER!, publicado juntamente com quinze outros no livro Várias Histórias.

2003, a família no Encontrão dos Mesquitas


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Pedro guardava parte da correspondência que recebia, eu guardei cartões – todos numa linguagem simples e coloquial– postais e cartas que recebemos dele. É um material rico em informação, carinho cumplicidade; revelador de sua grande ligação com a família e de sua paixão por viagens. A singeleza dos cartões de Pedro – para quem dominava tão bem a língua portuguesa – encontra paralelo nas mensagens que lhe foram enviadas pela afilhada Lara e pela amiga Bela:


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Os cartões que Pedro enviava também eram informativos:

abril de 1976 – de Barcelona, Pedro manda um postal para seus avós:

– maio de 1976 – de Paris, postal para a família do tio Adelmo, dizendo: Esta Igreja, chamada Notre-Dame, se situa na ilha em que começou Lutécia (hoje Paris). O Paulinho ainda está forte e sapeca daquele jeito? E a Dadá? Escrevam-me. Abraços, Pedro. – outubro de 1984 – do Rio de Janeiro, postal para os irmãos:


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– julho de 1986 – do Paraná, onde estava de férias:

– janeiro de 1987 – do Nordeste, em longas férias:


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– fevereiro de 1988 – do Nordeste , escreveu para o avô:

– dezembro de 1988 – do Porto, Portugal:


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– julho de 1996 – de São Paulo (xerocar cartão)

As cartas enviadas e recebidas entre Pedro e nós, revelam carinhos e cuidados:

– Janeiro de 1979 – de férias no Rio, com os avós, escreve-nos:

“Aos velhos Ítalo e Maria Bon jour, dependendo da hora, bon soir. Estou indo, e vou até o fim, dessas férias que como de hábito passo no Rio. Cheguei, vi os que estavam lá quando lá cheguei! Visitei tio João e a bisavó, conversei com tio Zé Preto. Fui para Niterói com D. Rozita, para depois visitar Seu Pedro. Depois de ficar dois dias com sua irmã, fui de carro para Atafona. Quatro horas, uma boa viagem. Passei pelo Distrito, conheci le fameux açougue, e fiz um belo passeio até Aruçaí, pela praia, passeio que deixou a todos preocupados (sem motivo), ida e volta eram 14 km. O Dia de Ano passamos dormindo, ou melhor, ouvindo o barulho da discoteca.


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Daqui eu ainda escrevi uma carta para Lucienne, uma amiguinha da Fátima e do Naldo, que é antes de tudo baixinha, engraçadinha, fofinha e bonitinha. Voltei ao Rio de ônibus, com os distintos. Viajamos de noite, foi uma viagem adorável. Domingo, o tio Clóvis veio a casa da vovó e nesse dia eu visitei oito primos. Joguei xadrez com o Cói e o Jorge, fui à Caxias com eles e visitei a fábrica do tio, a Primatex. Como você sabe, eu fui ao aeroporto. Na casa da vovó está acontecendo o de costume. Eu vou contar apenas que a nossa principal diversão é jogar futebol, e que eles três contra mim (Paulo, Naldo e Deco) não conseguem me apanhar. Vim para Atafona e é daqui que lhe escrevo esta, ou isto?! Não sei ao certo se estou com muita ou pouca saudade de você. Já que é o papai que insiste em escrever, será ele quem fará um pedaço da próxima carta, que deve ser mandada para a casa da vovó. Um abracinho do Pedro”

– Janeiro de 1981 – fez uma longa viagem com o avô Pedro, que queria lhe apresentar o seu Nordeste. Escreveu-nos no transcorrer da viagem; esta foi a primeira carta, de João Pessoa: “Bom dia mamãe. A viagem tem sido bastante agradável. Nada de brigas, se fala baixo, uma tranquilidade. Seu pai é uma pessoa realmente agradável. Nós saímos sexta-feira à noite, o trem no horário certo, 8h15. De manhã eu havia levado cinco beijos de marimbondo. O trem se atrasou no caminho. Mas tudo correto até Belo Horizonte. Passeamos, fomos à Pampulha e observamos cartazes do show de Milton no Mineirinho. Domingo, 11h40, saímos para João Pessoa. Viagem longa, cansativa, bonita, enjoativa, mestra (que ensina), comunicativa. Ou seja, agradável. A viação chama-se Planalto, e o roteiro era pelo interior: Governador, Vitória, Feira, Senhor do Bonfim, Petrolina, Salgueiro, Cajazeiras, Souza, Marisópolis, Pombal, Patos, Campina Grande. Chegamos em Campina, almoçamos, passeamos, subimos no “ Sul América de Seguros” e, do décimo terceiro andar, vimos a cidade. Duas horas até João Pessoa. Vi o sol nascer e morrer na Paraíba, da fronteira com o mar e depois com o Ceará. Chegamos muito cansados. Estávamos com duas carteiras do


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SESC, uma invalidada. Procuramos o edifício do centro. Encontramos. Pedimos uma hospedagem, falamos seu nome. Trataram-nos muito bem e mesmo sem reserva, estamos hospedados no balneário de Tambaú. Muita gentileza e compreensão. Aqui está tudo agradável. A Paraíba é toda adorável. Hoje vamos para Recife. Abraços no papai. Lembranças a quem eu conheço. Devemos telefonar de Maceió. Um beijo. Adeus. Seu Pedro e Pedrinho” A segunda carta, nesta viagem, é quase um conto:

Bom dia papai, bom dia mamãe É de noite. Aqui é Paulo Jacinto. Uma cidade a 18 km de Viçosa. Com uma igreja, uma prefeitura, uma praça, ladeiras, um rio, com ruas calçadas, sem ligações asfaltadas. A estrada de ferro que liga o Nordeste ao Sul passa aqui. Não pára. Só há trem de carga. E aqui não há carga. A estação está abandonada. Um pouco triste. Em Paulo Jacinto existem 7.100 habitantes, uma juíza, uma prefeita e 15 vereadores. Aqui começa o agreste. Perguntei se já houve mata: não. Perguntei porque em Viçosa também não tem, só uns restos, poucos, nos altos dos morros. Só que Viçosa é zona da mata. Viçosa. Cidade bem feita, entre morros. Várias praças, água tratada, todas as ruas calçadas, um cinema, um rio que não seca. Mas nesse rio há muita esquistossomose. Demais. É uma cidade não próspera. Mas não decadente. Afinal, é uma região rica. “Planta-se” sobretudo gado. Sim, porque desperdiça-se terras boas com capim. Não, não sei se é desperdício. Apenas não me parece razoável. As cidades do interior são tranquilas. Ou melhor, Viçosa é tranquila. Muita calma, poucos carros, pouco barulho. Algum barulho. Há televisão (integrada), rádios, música estrangeira. Uma praça à noite com bom movimento. Filmes pornográficos. As casas são parecidas. Uniformes e antigas. Há exceções. Poucos sobrados, quase nenhum. Mais casas com quintais, mais modernas, novas. E também casas mais pobres, feias, em rua sem calçadas. Pessoas pobres, crianças com verminose e sujas. Não são tantas, são exceções, mas é bem triste.


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Faz muito calor. Pouco chove. Acho que é a seca. Na Paraíba estava muito seco. Mas era tudo muito bonito. Em Paulo Jacinto está muito quente e seco. Mas agora está agradável, fresco. Deve haver lua. Acho que passearei. Amanhã irei a Quebrangulo e Palmeira dos Índios. Com meu avô nem tudo vai bem. Há problemas. É a convivência. Há gritos. Há gestos. Coisas feias. Mas isso acontece e contorna-se, resolve-se. Seu Pedro é uma pessoa meio cínica, com seus modos de “huns”, “certos” e “direitos”. Tem muitas histórias repetidas e não conversa muito. Mas cínica é palavra forte, não fica bem e desculpe-se. Mas por outro lado, ele tem conhecidos e amigos. Faz rir, ri, informa-se, comenta, se comunica. É alegre. Foi bem tratado, considerado. Encontrou muitas pessoas amigas que o abraçaram, me abraçaram e se fizeram amigas mesmo. Vale dizer que é uma cidade velha, com gente velha. É gente nova nascendo e se indo. Seu Pedro é moço, disposto e forte. Cidades do interior. Atraem e não atraem. Deve-se pensar bem, estudar. Meu julgamento é parcial, de uma cidade. Mas esta me pareceu velha e solitária. Nem tudo, contudo, é feio. Há 27 horas, subimos o morro do Hospital. Foi bonito. Era pôr do sol... Bonita paisagem. Subimos mais. Fomos à estação de tratamento de água. Grande, nova e bem cuidada. De lá subi mais. Foi um passeio esquisito. Como viram, era um morro. Primeiro o hospital, depois a estação, uma cerca. Depois havia um pasto, capim, o monte subia um pouco mais. Eu gosto de paisagens, e alturas, e vistas, e belvederes. Mas estava intrigado com umas estórias de cobra que ouvira. Resolvi-me a subir. Atravessei o farpado. Estou de havaianas. Corro. O pasto está seco e áspero (de longe tudo é verde). Estou preocupado, medroso, e corro 2 ou 3 minutos e chego ao topo. Fico pouquíssimo tempo. Mal olho. E era o pôr do sol. Volto correndo. Piso em espinho, arranco-o da sandália, medroso, e corro. Quando chego estou excitado e cortado, arranhado. Sangro um pouco, pouco. Falo em cobras, peço uma mangueira, peço álcool. Seu Pedro foi atencioso. Cordial. O servidor da estação muito simpático. Foi um passeio mal feito, mal pensado, mal aproveitado. Que tolice. Às vezes me acho um palhaço.


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Reli a carta. Escrevi algo e está escrito. Devo dizer que tive dor de barriga. Hoje à tarde alguma dor de cabeça. Isto é muito desagradável. Devo falar algumas coisas úteis: – queremos voltar de avião. Talvez haja dinheiro, talvez não; – se vocês ainda não sabem, digo que comprarei uma sacola de couro, uma sandália de couro e um cinto; – qualquer comentário escrevam para a casa de Seu Eloy. Escrevam e falem também de coisas amenas. E agradáveis. Estamos em casa de um sobrinho de vovó Prazeres. Seu primo, em 2º grau. Chama-se Frodovino. Tem um neto do mesmo nome e uma esposa com ele. É hospitaleiro e amável. Há conforto. Devo dizer que li Vidas Secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos. Que aliás viveu vários anos por aqui. São livros bonitos, pessimistas, tristes, desesperançosos e feios. Acho que ele morreu alguns anos aqui. Isto foi graça. Foi um prazer lê-los. Quero dar um passeio agora. Há algum tempo quero passear sob o luar. Mas parece que choverá. Foi um prazer escrever para vocês. Sobretudo se chegaram até aqui. Estou com saudades de “minha” cama, “meu” quarto, “minha” casa. Que com minha ajuda fica muito confortável. Que vaidade. Tenho saudades de vocês. Claro. Lembranças, beijos, recomendações. André e Natália são nomes bonitos. Estou bem cuidado, com a barba crescendo. Seu Pedro, vovô, é pessoa boa e me vota cuidados e atenção. Estou bem. Levantei e olhei se ele dormira na cama que eu arrumara. Não dormiu. Viajo com um igual. Isto é bom. Acho mesmo que darei um passeio sob o luar. E talvez sonhe com Maria Eduarda Abdalla Tanure... Isto é segredo e particular. Mas que nome bonito. Malheureusement, il pleut. Paulo Jacinto, 21h55m58s – 25/01/1981 Pedro de Souza Duarte


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Em 1982, quando fazia novo estágio na França, Ítalo escreveu esta carta para o Pedro:

Versailles, 09/09/1982 Pedrão Embora estando a 15 ou 20 minutos da “capital do mundo”, Paris, onde você pode encontrar praticamente tudo, estou um pouco perdido. Tenho que fazer um esforço para que eu saia do imobilismo (ou quase) em que me encontro. O Seminário segue sem qualquer problema. A viagem, creio que você já sabe pela carta que escrevi à sua mãe, foi muito boa, sem qualquer novidade. Ontem, sábado, fui almoçar na casa de Gerard e Catherine. Além do bom almoço, o casal, que atualmente tem duas filhinhas, foi muito agradável. Batemos um longo e animado papo sobre política. O CEPIA forneceu a cada participante do Seminário uma Carte Orange, com isso o nosso deslocamento ficou bem mais barato, ou melhor, ficou de graça. Já fui três vezes à Paris: a primeira, fui ao Quartier Latin com dois colegas angolanos que participam do Seminário e estão alojados no mesmo hotel que eu. Neste fim de verão, o Quartier está uma eterna festa. É gente que não acaba mais, e gente de toda a parte do mundo e pertencente a todas as classes sociais; a segunda, fui sozinho ao Champs Elysées. É bem provável que o “Campos Elísios” não tenha sido escrito corretamente, em francês, mas pelo momento isso não importa. O que importa é que lá estava tão concorrido como o Quartier Latin. Havia gente de toda parte, mas predominava a da classe média para cima; a terceira foi para almoçar com Gerard e Catherine. Eu penso que é bom uma saída como esta que estou dando. Representa uma quebra violenta da rotina a que estamos submetidos. Ao regressar, é bem provável que nos lancemos na luta para solucionar os problemas diários com ânimo novo, redobrado. Como anda sua carga de trabalho? Anda muito pesada ou você já conseguiu adequá-la ao tempo? A professora de francês, melhorou? Tornou-se mais simpática ou continua a mesma? Se ela não mudar, quem precisa mudar é você, ou ao menos mudar a expectativa que você tinha ou ainda tem do comportamento dela.


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Como vai o relacionamento com os colegas da UnB? E o relacionamento mais especial com as colegas? Eu penso que já é hora de você fazer um esforço, “arranjar”, este termo não é bem correto, o que eu quero dizer é que você deveria fazer um esforço para conseguir maior aproximação com as meninas, dispensar a elas um pouco do seu tempo, mesmo que não fosse namoro. Eu acho isso muito importante. Eu penso que as coisas devem ser feitas ou iniciadas em suas respectivas épocas. Não existe melhor época para se iniciar esses contatos do que agora, quando você vai completar 18 anos. Eu penso que com um pouquinho de boa vontade você poderá conciliar o trabalho com estas atividades ditas extra-escolares, mas que são muito importantes para a formação da pessoa. Acho que estou me alongando demais e vou tomar muito do seu tempo. Se você quiser me responder você poderá colocar o endereço do Gerard, porque eu deverei sair deste hotel em 26/09/82, e poderá ocorrer quando sua carta chegar eu não estar mais aqui. O endereço do Gerard é: 14, rue de La Ferriére – 4 eme étage – 75.009 – Paris – France. Um abração e muitas felicidades. Ítalo”

Logo depois eu viajei à França, para encontrar-me com o Ítalo, de lá escrevi esta carta para o Pedro: Paris, 19/09/1982

Pedroca querido, está fazendo hoje 18 anos que você nasceu! É o primeiro ano que passamos não juntos um aniversário seu, e eu estou lembrando a todo o momento de fatos, cenas, experiências já vividas. Estou contente com o que lembro, o saldo é muito positivo. Meu filho foi um menino saudável, curioso, cheio de vida e energia, Depois, um adolescente intranquilo, meio estabanado, como todo adolescente. Hoje, alcançando a maioridade relativa (completa, só aos 21 anos!), um rapaz sério, responsável, que promete muito, e a quem amo tanto! Pedroca, tem sido bom ser sua mãe, apesar das dificuldades normais do dia-a-dia. E como eu acredito em você, no seu bom caráter, na sua força de vontade. O mundo precisa de gente como você, capaz de construir, e vai construir! Acho que um dia, eu já velhota, vou voltar a passear pelas ruas de Paris apoiada em seu braço... claro , se quem


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for a minha nora deixar! E aí a gente vai lembrar do tempo em que, com 11 anos, você caminhava por esta cidade tão universal. Você não acha que foi uma boa experiência? Eu acho. Há muitas coisas aqui que me fazem lembrar você. Por exemplo, comer um doce no Fouchon, andar no trottoir roulant, ver na televisão uma propaganda de sabonete líquido (com o sabonete Fa Douche você levava uma hora no banho!). Também ir ao cinema – eu e seu pai acabamos de ver um filma turco, YOL, premiado no Festival de Cannes. É um bom filme, que levanta problemas em relação ao papel da tradição e da posição da mulher na Turquia – é uma denúncia sobre isso. Amanhã vou passar na Aliança Francesa, na sexta-feira passada fui à Parly 2, me pareceu muito bonito o lugar onde moramos. Terça-feira que vem vou à casa de Gerard e Catherine, jantamos lá ontem. Espero que você tenha passado bem o dia do seu aniversário, com sua avó e seus irmãos. Em pensamento, eu e seu pai estivemos com vocês, torcendo para que tudo esteja bem. Qualquer problema, não deixe de me telefonar. Pipoca, fico por aqui – um grande beijo de aniversário, e tenha a certeza que nós estaremos com você, sempre, com amor e carinho. Mamãe

1997, juntos em Santiago do Chile


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Minha carta foi premonitória: Pedro foi um homem de caráter, muito persistente, nossa família manteve-se unida e, em 2001, eu e ele passeamos muito pelas ruas de Paris, com a concordância de Asmahan. Logo Pedro respondeu às nossas cartas:

Brasília, 26/9/1982

Ao papai e à mamãe, Como é que é? Estão satisfeitos com a viagem? Vou procurar primeiro atender aos pedidos da mamãe e depois responder à carta do papai. Vamos lá. Mamãe, como você pediu – e, aliás, já está na cartinha da vovó – vou falar um pouquinho sobre como vão as coisas aqui em casa. Tudo está dentro da ordem e da tranquilidade. Poderia dizer que continua como quando vocês aqui estavam, mas seria necessário acrescentar a saudade que se estabeleceu em seus lugares. Não há nenhum problema mais grave. Procurarei realizar as tarefas que você deixou. Os estudos prosseguem normalmente. Solicitei e obtive trancamento em Psicologia da Educação. Acho que é isso aí, um abração. Papai, respondendo à sua carta. Longa ela, heim!? Bem feita e, no fundo, um tanto séria. Vamos seguir a ordem dos assuntos por você traçada. Primeiro falaste (segunda pessoa é mais agradável, eu penso, vou tentar escrever sempre assim daqui para frente) de como passam os dias por aí. Que estavas meio perdido; um pouquinho sobre o Seminário; do almoço com o casal que nos visitou em 1980; da Carte Orange; das idas à Paris. Ah! E dos colegas angolanos (como é, eles gostam do que está acontecendo por lá, gostam do governo e do socialismo?). Falou do Quartier Latin – aliás, será que há mesmo pessoas de todas as classes sociais? Acho que isso é uma “pequena” utopia. Gente de todos os países e de todas as classes sociais; com essas duas qualidades juntas eu sei que não há: pobre não vai “boir du vin et déguster du fromage au Quartier Latin”. Mas tudo bem, depois você me explica melhor; falou “des Champs Elysées” (que está muito bem escrito, meus parabéns).


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Pelo que escreveu, você não esta perdido não, rapaz! Aproveite bastante. Traga, se possível, um exemplar do Le Monde, do Humanité e do Nouvel Observateur. Este último para que a gente veja a diferença entre a edição internacional e a da França mesmo. Sobre o Nouvel Observateur eu informo que na semana seguinte à que mamãe viajou, começaram a chegar as revistas atrasadas do mês de agosto. Você (que você nada, TU), Tu deves ter algo a ver com isso, não? Mas, sobre isto ainda, se você não fez nada é bom dar uma chegadinha lá porque faltam os exemplares: – 21 a 27 de agosto – 04 a 12 de setembro – ainda não chegou o desta semana, 18 a 24 de setembro; estou escrevendo domingo (26) e ele costuma chegar quinta ou sexta (23 ou 24). Sobre nosso hebdomadário, acho que é isso que posso informar. Você tem muita – você coisa nenhuma! – tens muita razão quando dizes que mudar a rotina faz bem. Pena que poucos possam fazêlo... mas isto não vem ao caso agora. Depois de falar sobre como estás, começas a indagar como estou e de fazer algumas reflexões. Isto é realmente interessante. Falemos um pouco sobre isto. A carga de trabalho foi reduzida, tranquei uma disciplina. Mas continuo a ter o que se fazer. Embora em menos quantidade, é certo. Por exemplo: – quinta-feira tenho que entregar um exercício, fichar um livro (você deve saber o que é isto), este dever foi dado há um mês, e eu só fiz a metade, 85 em 170 páginas. É isso aí (não beba Coca-Cola); – terça-feira começam os exames de francês, Nancy (experimenta achar esta cidade no mapa). São três dias seguidos. É um exame pesado. Mas eu me preparei e devo ficar bem tranquilo. D´ailleurs, selan le poete Paulo Cezar Pinheiro, marido da Clara Nunes: “Le coeur de ce qui travaille Mérite um jour d´être heureux” Depois falas da professora de francês. Não é a pessoa mais antipática do mundo, isso deveria ficar bem claro. E é muito competente e capacitada. Depois, ao fim das contas, não se pode agradar


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a todo mundo. È preciso respeitar o professor e é bastante possível manter-se afastado dele quando se quer. Espero ter esclarecido alguma coisa, pode acreditar que este é um problema ínfimo, se é que chega a ser problema. Por fim falas de relacionamento e de meninas. Este é um problema delicado. Não me alongarei, contudo o que posso dizer é que não penso em outra coisa além de um dia poder acariciar uma moça, conversar longamente com ela, saber como pensa, o que pensa, e ter o prazer de lhe expor minhas dúvidas e meus receios, minhas certezas e esperanças. Esta é toda a verdade. Poderia acrescentar que sem uma moça não dá para viver, falta muito. Eis aí um problema profundo que requer uma solução bem simples. Simples segundo você. Não é tão simples assim. Os problemas da gente parecem sempre mais complicados do que são. Discutimos mais em outra oportunidade. Escrever cansa! Mas escrevemos mais um pouquinho. É sobre o campeonato, lá vai: Quarenta e cinco minutos, segundo tempo. Zico lança na esquerda. A bola gruda no “neguim” Adílio. Ele vai da intermediária esquerda até a pequena área. Toca por debaixo do Mazzaropi, 1 a 0. Mengo pentacampeão da Taça Guanabara! No segundo jogo. Merecido. O Vasco, “Vasquinho”, chegou a ficar 10 minutos sem atravessar a linha de meio-campo, jogou retrancado feito o Botafogo. Está guardado o JB de sexta-feira para ti, o jogo foi quinta, 23. São 12h20m40s, domingo, dia 26 de setembro. Estou escrevendo, ou melhor, comecei a escrever há duas horas. Você vê que se eu não entregar o exercício nem passar no Nancy a culpa é toda sua. E não tem discussão. O Brizola tá na cabeça, vê se pode!? Mas chega de notícia. Você já está viajando para Madri; será que já atravessou o Loire? Anota essa pergunta, eu acho interessante. Bem, tendo ainda um montão de coisas para dizer, paro aqui. Beijos e abraços (a Cristina é que fala sempre assim); Tchau, mamãe e papai. (Pedro continuou com muitas atividades, mas foi aprovado com louvor no exame do Nancy)


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Em abril de 1998, indo para Anápolis para encontrar-se com Asmahan, Pedro escapou de um acidente na BR-060. Escrevi-lhe então esta carta: Pedro, Quando eu soube do acidente ocorrido na estrada Brasília/ Anápolis, cinco dias depois de operar a vista e dois dias após receber o carro consertado por causa de outro acidente, acontecido em circunstâncias desagradáveis, eu fiquei tentando encontrar explicações possíveis para um fato que me comovia: não estar chorando a sua morte na mesma estrada onde Maurício e Cláudia encontraram um doloroso fim. Muita sorte? Proteção divina? Absoluta habilidade na direção? Tudo isto pode ter influenciado, mas como nenhum destes fatores, ou quaisquer outros, são infalíveis ou inesgotáveis, e sobretudo porque lhe quero vivo e bem, esta carta é para lhe dizer dos meus cuidados, da necessidade de você precaver-se, valorizar tudo o que conseguiu, cuidar-se mais. Aproveito a disponibilidade que estou tendo aqui na Clínica Daher, cuidando da Natália, para registrar reflexões que nos dizem respeito: a você, a seu pai, à mim, à Asmahan, à família, enfim. O registro, o escrever, é menos rico que o diálogo, mas em compensação é mais ordenado e completo – e sempre poderemos conversar sobre o que escrevo aqui. E tenho credenciais para lhe escrever o que penso – afinal, sou a pessoa com quem você está há mais tempo (desde dezembro de 1963), e lhe amo muito, de verdade. E eis o que penso, em três enfoques: – vida profissional – você está num momento decisivo na questão profissional/funcional, tendo (no mínimo) três opções: – insistir nos exames de seleção para o Itamaraty – ficar no TJDF – assumir seu cargo como assessor concursado da CLDF E só você tem a tarefa e o direito de optar, de fazer sua escolha. Entretanto, não quero fugir de dizer o que penso: – Não sei como, nem porque, mas acho que o Itamaraty tem sido absolutamente falho, injusto, na avaliação de sua capacidade intelectual e habilitação para o curso de formação de diplomatas. Nestes anos que você tem tentado, parece que as coisas lhe ficam cada vez mais difíceis: tiraram o francês; no inglês não se registram


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(suas) melhoras; mas o que aconteceu no último concurso, com a nota de português, é um absurdo. Não há como imaginar que você não sabe escrever bem em português! Como dar só 30 pontos para uma prova sua, na matéria que você domina como poucos? Nisso, acho que o Itamaraty não quer e não merece você. Não seria masoquismo continuar insistindo? – O TJDF é um lugar que respeito, valorizo muito a carreira jurídica, e você tem credenciais para sair-se bem nela. Além disso, o salário e as condições de trabalho são favoráveis, e você já conta com a estabilidade. Só que eu não vejo em você envolvimento, ou satisfação, com o trabalho que realiza no TJDF, e uma certa paixão pelo que se faz é importante para a vida – embora isto não signifique não ter problemas. Então, se você decidir-se por ficar no TJDF, seria importante buscar uma nova relação com as pessoas, com os grupos (igrejinhas) existentes, e com atribuições compatíveis com a sua formação. – A Câmara Legislativa significa um novo desafio, também com bons salários e condições de trabalho, e com um componente político muito forte – pelo que você sempre se interessou. Não que seja fácil e simples trabalhar lá, mas ser do quadro, admitido por concurso, qualifica a atuação dos que conseguiram isto (nós dois já tivemos experiências, que considero positivas, extra-quadro da CLDF). Também é oportuno lembrar que funcionam na Câmara tendências múltiplas, situação e oposição, então haverá sempre um campo com o qual você se afina mais. Acho que seria muito bom se você pudesse experimentar a Câmara, mantendo o vínculo com o TJDF. Isto é possível, juridicamente? Vale pesquisar e tentar. Em qualquer hipótese, seja qual for a sua opção, o seu potencial, os seus conhecimentos, a sua boa formação pessoal e profissional o habilitam a cumprir um bom trabalho – e não apenas ter um bom emprego – e eu fico torcendo para que você faça a melhor escolha. – Vida emocional – já lhe disse várias vezes como compreendo e valorizo o esforço que você fez e faz para vencer suas dificuldades psicológicas. Isso não é tarefa fácil, exige cuidados constantes, e você tem construído muito, e bem, neste sentido. Já tive muito medo, mas hoje me tranquiliza a certeza de que não viveremos nunca mais uma


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crise como a de 84. Aprendemos muito desde aquele tempo, e acho que sobretudo você consegue o controle que evita nova crise. Mas, como a vida é complicada (o que não quer dizer ruim) e gera sempre fatos e emoções que nos perturbam, acho que sua qualidade de vida – e por consequência, a nossa – melhoraria muito se você investisse em uma terapia de apoio psicológico, que o ajudasse a entender o porque de algumas aflições, irritações, destemperos... Acho que uma pessoa que tem suas qualidades – gentileza, carinho, interesse por gente, curiosidade pelo mundo, capacidade intelectual – pode espalhar muito prazer e alegria. Desenvolver mais seu equilíbrio e inteligência emocional, as relações com você mesmo (“se gostar”), com a família, com os amigos , é uma coisa que você pode enfrentar melhor com um apoio profissional. Pense nisso, enfrente as limitações que você diz ter em tempo e dinheiro – os recursos devem ser usados para a gente ser mais feliz. – Vida afetiva – este é um lado muito delicado, no qual não cabem interferências de outros, mas como é muito importante, eu gostaria de dizer que foi positivo você e Asmahan se encontrarem, e estarem juntos há quase 10 anos. Vocês se ajudaram, um complementando o outro nos aspectos afetivo e emocional, já que são financeiramente independentes, o que significa que a única razão que os impele a ficar juntos é a própria vontade de que seja assim, inclusive porque não tem filhos que influenciem decisões. Então, o que desejo é que você e Asmahan se entendam, para ficar juntos ou para se separarem. E que não se machuquem, sejam cordiais e respeitosos um com o outro, e que as decisões tomadas sejam no rumo da feliz reconstrução. Fico por aqui. Quando você quiser, poderemos discutir, corrigir, refazer ou complementar estas idéias. Das quais a única de que estou completamente certa é de que te amo muito, e sei que você me ama também. Com beijos, Maria (Pedro escreveu “Muito Bom” num canto desta carta, e disseme que nada tinha a acrescentar. Desistiu do Itamaraty; ingressou na Câmara Legislativa; fez psicoterapia e ficou com Asmahan até o fim de sua vida.) Fragmentos escritos por ele, ao longo da vida, alguns datados, outros não, em variados papéis, dizem muito do que sentia:


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– aqueles que buscam a sabedoria saberão como encontrá-la.

– Hoje em dia as pessoas lutam para salvar a própria pele e, de preferência, se possível, com os bolsos cheios. – Pobre daqueles que abandonam suas idéias. Ainda mais quando elas estavam corretas e o novo pensamento predominante é que está – e estavam– incorreto.

– Maílson da Nóbrega, o palhaço da Praça do Mercado, disse que “ Itamar é um estadista com os pés no chão, todos os quatro”. Na verdade, o palhaço estava se olhando no espelho. – Não controlar a explosão, mas sim desarmar o que a detona. Ir às causas da fúria.

– A vida não é algo ordinário. Por uma vida melhor, o que buscamos aqui? A resposta vai sendo encontrada aos poucos. Sua Agenda de 2003 trazia impressos, para cada dia, pequenas assertivas de diferentes autores. Pedro registrou observações sobre muitas delas, por exemplo:

– “Ninguém pode fazer você se sentir inferior sem o seu consentimento. – Eleanor Roosevelt”. Pedro escreveu: “Muito estimulante. Reconfortador”.

– “Se fôssemos confiar no bom senso, o mundo ainda seria plano. – Cleire de Lamirande”. Pedro anotou: “O que não significa que devamos abandonar o bom senso”.

– Pedro complementa um provérbio oriental: “Porque quem diz tudo o que sabe, gasta tudo o que tem”; por via de conseqüências: “O sábio sabe tudo o que diz, mas não diz tudo o que sabe.”

– “O que és determina o mundo em que vives, de modo que, se mudares, teu mundo também mudará. – Norman Vincent” . Pedro considera que: “O mundo no qual vives condiciona o que és.Muito mais do que o que tu és condiciona o mundo no qual vives. Mas a luta continua, companheiros!”


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– “A maior perda é das coisas que nunca tivemos”. Mauro Mora. Pedro reflete: “Que saudades das coisas que não fui!”

Pedro brincava consigo mesmo. Na porta de sua sala de trabalho, na Câmara Legislativa, colocou o aviso: PODE ENTRAR. BATER, NÃO PODE! E ainda:

“O nosso Pedrinho É um grande folião Amigo do vinho Da carne e do pão.”

“Sem mais Eu digo o que sou O antigo Do que vai adiante.”

Em abril de 2003, foi visitar Natália em seu trabalho no MEC. Num papel timbrado que pegou na mesa, escreveu:


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“Depois do último suspiro Vem o suspiro seguinte. Eu uso as palavras Para expressar Meu pensamento E não para escondê-lo.”

“Epitáfio de um banqueiro: NEGÓCIO EGO ÓCIO CIO O”

Nas últimas escrituras, parecia meio taciturno: “Para minha mulher Deixo amor e sentimento Na paz do senhor E para meus filhos Deixo um bom exemplo Mas para os fariseus Não deixarei dinheiro E quem cultiva amor Deixa sempre saudade.”

“O que sai de mim feito prazer De querer sentir o que não posso ter O que faz de mim ser o que sou É gostar de ir Por onde ninguém for.” “Aqui jaz Um compositor que Não gostava de jazz Sofreu muito Porém, viveu pouco.”


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“O verdadeiro pessimista não se suicida Pois sabe que a morte Pode ser pior que a vida.”

“No body, no mind, no problem Sem a mente, o corpo não vive. Errado, pois o corpo precede a mente.” E, em 30 de abril de 2003, afirmou: “Eu não preciso viver cem Eu preciso viver bem.”

Pedro não viveu cem anos. Partiu bem antes disso. Mas, com muita dignidade, dentro de suas circunstâncias, soube viver bem.


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Epílogo Quem tem irmão, Tem uma reserva inacabada De meninice Rachel de Queiroz

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uando, aos 28 anos, fiquei grávida de meu segundo filho – uma gravidez não planejada – fiquei feliz porque minha filha teria irmão. Uma relação cada vez mais rara no contexto capitalista globalizado, onde a prole diminui em virtude da mulher não aceitar mais, sozinha, arcar com a sustentação do bem-estar da família. Exigir melhores condições para ser mãe tem sido uma peleja nas últimas décadas, cujo resultado implica no envelhecimento da população e em um número cada vez menor de filhos. Sou a filha do meio entre dois irmãos. Segundo Freud, uma posição estruturalmente difícil, amenizada pelo fato de ser a única mulher. Nasci tendo Pedro como irmão mais velho. Existi com ele e dele tenho muito. Com ele aprendi lições valiosas que tento compartilhar, agora. A mais importante pode ser traduzida nas palavras de meu pai no velório de meu irmão: “Filho, você foi mais longe do que podia ir...” Pedro sempre foi brilhante. Mais culto do que qualquer um com quem convivi. E convivi de perto com pessoas brilhantes: Isaura Belloni, Francisco Heitor, Esther Grossi, Beth Tunnes, José Luiz Kaon, Osvaldo Russo, Ricardo Henriques, Elias Freire, André Lázaro, Paula Francinete, Cleide Bezerra... Pessoas de personalidades e saber extraordinários. Além de meus pais... Minha mãe foi mais reconhecida que meu pai, acadêmica e profissionalmente. Mas meu pai é uma das pessoas mais brilhantes que conheço.


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Pedro era meu “Google”. Tanto que hoje, chamo o Google de Pedrão – quando eu e Armando precisamos esclarecer qualquer assunto, dizemos: vamos consultar o Pedrão. Nunca lhe fiz uma pergunta que ele não soubesse responder. Tenho consciência do absolutismo dessa afirmação, mas é assim que me lembro. Entretanto a maior lição que aprendi com Pedro não foi essa. Foi provar aquilo de que muito se escreve e que dá sentido a existência: a capacidade de superação. Não de um drama ou de um problema específico, mas a superação de uma dificuldade pessoal. Desde muito cedo Pedro era singular. Não era como os meninos de sua idade, nem como eu ou André. Muito mais culto, lhe faltavam a leveza e futilidades comuns a meninos e meninas de classe média, muito mais preocupados em ser aceitos e se divertir do que ser coerentes ou engajados. Pedro “sobrava” nisso. Ainda menino, Pedro se preocupava com o mundo, com política, com o conhecimento, e isso dificultou seus relacionamentos. Nessa fase tinha poucos amigos e não pertencia a um grupo ou a uma turma. Sentia-se à vontade com adultos politizados, discutindo sobre o mundo, e não destinava tempo para o lazer, sair para jogar conversa fora, para dançar, ou em brincadeiras bobas e ritualísticas típicas dos grupos. Não teve o “jogo de cintura” necessário para transitar pelos anos teens sem marcas e, por isso, foi considerado como diferente ainda muito jovem. Aos 19 anos, teve séria crise psicológica. Acompanhar sua posterior busca por retomada do equilíbrio foi admirável, mas também quase dramático. O controle e disciplina exigidos são tão grandes, que conhecemos poucas histórias de pessoas que sofreram um problema grave como o dele e conseguiram retornar à vida social – e manter-se nela. Esse exercício exigia de Pedro estar sempre atento aos sinais: impaciência, discussões, conflitos, descontroles eram entendidos por ele como sinais de perigo. Nos momentos em que desanimava, fui uma ouvinte constante. Nesses momentos, falava-me do seu cansaço, da incompreensão do mundo que julgava caótico e sem sentido, da dificuldade em mudar a vida e as relações, da abnegação que a vida exigia de todos, mas que para ele era tão difícil exercitar. E se retraía, ficava quieto, para, aos poucos, ir caminhando novamente rumo ao cotidiano, enfrentando-o e superando as dificuldades. Esse circuito – inconformação, agressividade, conflito, consciência, tristeza, recolhimento


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e novo início – fez e refez várias vezes. Para tanto teve sempre fiéis escudeiros: nosso pai, nossa mãe, tio Pedrinho e Asmahan. Observar esse recaminho tantas vezes me fez aprender aquilo que acho a lição mais importante da vida: perseverar e recomeçar. Sempre! Foi assim que Pedro viveu: perseverando e recomeçando! Eu achava que só nós, familiares, sabíamos dessa batalha. E por sabê-la, fôssemos nós os únicos a amar e admirar ainda mais o Pedro. Mas, qual não foi a surpresa: Pedro era querido para além de nós... Sempre preocupou-nos a possibilidade dele não o ser. Como era fora do comum, ele incomodava o simplório, o medíocre, o impaciente, a zona morna do padrão de normalidade. Mas não foi isso que ficou nos que lembram dele. Ele era muito querido. As manifestações de carinho e admiração que teve foram inúmeras e dos mais diversos pontos. Do DEFER, da Câmara, do PPS, das escolas onde trabalhou, de seus muitos amigos, dos companheiros, dos vizinhos, das crianças... Fazendo lembrar que na vida, o que a gente quer é ser amado. E ele foi muito amado e admirado. Natália de Souza Duarte


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Este livro foi feito em fonte Cambria, corpo 12, em junho de 2009


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