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REINSERÇÃO QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA: O VÍCIO SOB UM OLHAR HUMANIZADO CAMILA RODERO E LETÍCIA ALVES

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ábio Layser, professor de Psicologia e membro do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e Drogas em Bauru, fala sobre políticas públicas para lidar com a drogadição e suas consequências.

O Professor Doutor Fábio Leyser é psicólogo, ministra aulas de psicofarmacologia e tem experiência no estudo da relação entre comportamento e drogas. É membro do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e Drogas do município de Bauru ocupando a cadeira como representante do ensino superior. O Conselho é responsável pela formulação de políticas públicas a respeito do abuso de álcool e drogas.

Que tipo de política [de álcool e drogas] pode-se considerar progressista? Políticas mais liberais, libertárias, ou que consideram mais os direitos humanos em geral, acho que são as políticas ligadas à redução de danos. Se eu não estou conseguindo resolver o uso da droga em si, vamos pelo menos resolver essa parte de compartilhar seringa, por exemplo, pois é parte do dano causado. A pessoa fica exposta à hepatite C, ao HIV, a outras doenças que são transmitidas pelo sangue. Se eu consigo eliminá-las eu já estou na vantagem, depois eu pego o seguinte. Veja, não existe nada que a gente faça que não produza dano. Se você usa álcool ele produz dano. Costela assada também produz danos, tem muita gordura e colesterol. O problema não é se eu como costela ou bebo álcool. O uso do álcool e drogas está na humanidade há milênios. É muita pretensão a gente achar que vai acabar com isso. Como o Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e Drogas influencia a implementação de políticas públicas? O Conselho Municipal tem a função de oferecer o subsídio, de formular inclusive a política pública sobre álcool e drogas do município. Na prática, nunca é tão fácil assim. Tem muita gente querendo dar palpite. É um Conselho que tem representação do poder público, como segurança, educação, saúde, cultura, esporte e lazer. Eu estou lá como representante das instituições de ensino superior, que também têm assento no Conselho. A ideia é que o Conselho dê direcionamento de como o município trataria essas questões de álcool e drogas, mas na prática não é tão fácil porque muitas vezes o Conselho não é consultado como deveria e, embora ele seja deliberativo, não há mecanismos para que, de fato, tenha controle de forma que o poder público cumpra essas deliberações. A gente não tem uma força tão grande assim. Como é o tratamento de uma pessoa em clínica de internação? Você tem as comunidades terapêuticas que são instituições não médicas, em geral são religiosas mas não precisam ser, e que fazem acolhimentos de 5 a 6 meses. Nessa comunidades, pela legislação, não poderia haver internação compulsória, mas há juízes que mandam internar na comunidade terapêutica. Hoje em dia, a legislação exige que eles tenham profissionais da saúde mental, psicólogos, psiquiatras que acompanhem esses pacientes. O grande problema da internação longa é que, na medida em que a pessoa se expõe ao uso de substâncias, ela altera o sistema nervo-

so e o ambiente que o paciente frequenta passa a controlar uma série de respostas de procura pela droga. Alí [na clínica] você não cria esse novo repertório. É muito comum que as pessoas, quando saem dessas internações recaiam, porque essas relações com o dia a dia só podem ser trabalhadas no ambiente em que a pessoa vive. Nesse sentido, os grupos de apoio como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos fazem um trabalho mais contextualizado? Nesse sentido sim, mas tem outros problemas. Na minha opinião, eles criam uma dependência do grupo. A pessoa está lá e não bebe há 30 anos e continua a frequentar o grupo porque ele não prepara para uma vida sem aquilo. Isso acaba dando uma ideia de que “sou fraco, eu preciso ficar longe disso”, mas a gente sabe que existe um componente genético e questões ambientais. Qual deveria ser o esforço do Estado para lidar com a drogadição? Primeiro, a gente tem que levar como uma questão de saúde pública. Uma coisa que a gente não faz é um levantamento do uso de substâncias. Quanta droga se usa aqui em Bauru? Não tem um levantamento, é tudo no chute. O Estado não pode se basear em achismos, ele deve se basear nos números, nas pesquisas. Depois, a gente tem que avaliar a eficácia dos programas. Não tem política pública se você não souber qual é o problema. De que forma a sociedade pode lidar com a questão do vício em álcool e drogas? Todas as atitudes no sentido de ajudar as pessoas a terem uma vida plena, a terem seus direitos respeitados, terem acesso à educação, à comida, contribuem. É muito comum as pessoas falarem de quem está pedindo [dinheiro na rua]: “vai comprar pinga, então não vou dar”. Isso é resquício de uma visão moralista do uso de drogas. Posso brigar por políticas públicas, dar o meu voto para quem eu acho que pode instituir uma política mais interessante. Mas o que eu posso fazer alí é ajudar a pessoa a não precisar roubar, não precisar se envolver em outras situações de risco. A humanização do usuário é a compreensão de que ele é uma pessoa como outra qualquer, sofrendo, que não perde seus direitos por ser usuário. Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas - CAPS AD Rua Dr. Lisboa Júnior, 2-66, Centro Fone: (014) 3227-4905 E-mail: capsad@bauru.sp.gov.br Horário de Funcionamento: Das 7h às 17h Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas III - CAPS AD III Rua Azarias Leite, 13-28 Fone: (014) 3222-3937 E-mail: capsad3@bauru.sp.gov.br Horário de Funcionamento: 24 horas

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