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APOIO

ALBERGUE NOTURNO: 67 ANOS DE APOIO AOS MORADORES DE RUA DE BAURU

CAROLINE DOMS

A

cidade de Bauru conta com três casas de passagem que acolhem moradores de rua, uma delas é o Albergue Noturno. Fundado em fevereiro de 1951 pelo Centro Espírita Amor e Caridade (CEAC), o albergue acolhe pessoas em situação de rua, durante as 24 horas do dia, há 67 anos. Francine Rodrigues, coordenadora social do Albergue Noturno, conta que são oferecidas quatro refeições diárias, além de atendimento social, acompanhamento psicológico e atividades de terapia ocupacional de segunda a sexta-feira. “Fora isso, as pessoas podem ser acolhidas e receber alimentação, banho, pernoite, um espaço para descanso. A proposta é que eles deixem de ficar nas ruas e passem a ficar aqui por quanto tempo precisarem”, explica. Embora a casa de passagem seja uma instituição privada, recebe dinheiro público dos governos municipal, estadual e federal. Além disso, a instituição se mantém com a ajuda dos moradores de Bauru, por meio de arrecadação por telemarketing, bazares e campanhas no Facebook. Francine conta que boa parte das pessoas em situação de rua, é de usuários de álcool e drogas ilícitas. Quando essas pessoas procuram ajuda no albergue pela primeira vez, a instituição as encaminha para os atendimentos públicos do SUS, como o Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS). Enquanto o usuário está em tratamento ou aguarda internação, ele pode morar no albergue. Assim, o Albergue Noturno oferece dois tipos de apoio aos moradores de rua. Há quem passe apenas uma noite na instituição, na área localizada na parte da frente do prédio, e quem more no local, na parte dos fundos. Esses são apenas homens, com família em Bauru, e que aguardam sua transferência para outras instituições da cidade.

tos, ele conta que começou a usar drogas aos 39 anos e decidiu que “não queria dar desgosto para a família”, por isso passou a morar nas ruas. Durante esse tempo vivendo nas ruas, Márcio foi internado quatro vezes em clínicas de recuperação, sempre contra sua vontade. Desta vez, ele buscou ajuda no Albergue Noturno por vontade própria. Ele conta que o acolhimento da instituição é muito bom: “A alimentação é boa e a cama é boa”. Além disso, a van do albergue o leva para fazer tratamento no CAPS, que é a única razão que o faz sair da instituição. José Maria Pereira, 63, também mora no albergue. Jardineiro, natural de Bauru, ele morava em uma república localizada na Vila Cardia até três semanas atrás. Ele conta que o ambiente era muito violento e que estava muito nervoso com a situação. Por conta disso, decidiu sair de sua casa sem seus pertences e foi para as ruas. Essa é a primeira vez que ele passa por essa situação e diz que chegou a dormir por dois dias nas ruas. José Maria aponta que buscou a ajuda do Albergue Noturno sem ser pressionado: “vim de livre e espontânea vontade”. Ele é diabético, faz tratamento no posto de saúde da Vila Cardia e está aguardando vaga em uma casa para idosos. Enquanto isso, diz que é muito bem tratado no albergue: “Tenho muiHistórias diferentes to bem o que falar deles. O que Marcio Aparecido Funchal, eu puder falar bem, eu falo”. 48, está se tratando no CAPS Os moradores do albere mora no albergue. Casado gue fazem atividades de terahá 20 anos, com filhos e ne- pia ocupacional diariamen-

“A minha história

é bem diferente. Eu não sou morador de rua, só estou passando por um momento difícil.

Fotos: Caroline Doms

A situação de rua de Edenilson de Castilho começou em Londrina, após ele perder o emprego e não conseguir pagar o aluguel do quarto em que morava.

te. Eles praticam artesanato, horta terapia, raciocínio rápido, limpam os espaços que utilizam, lavam a própria roupa e arrumam as camas em que dormem. “Tudo isso numa retomada de dignidade, ressocialização familiar ou social”, conta Francine. Um caso totalmente diferente é o de Edenilson de Castilho, 45, natural de São Paulo. Ele estava no Albergue Noturno só para pernoitar e pretendia ir para Americana, interior de São Paulo, no dia seguinte. A história de Edenilson começou este ano, depois que ele se divorciou e resolveu buscar emprego em Londrina, interior do Paraná. Tudo ia bem, até que a empresa em que trabalhava faliu e ele não teve mais condições de pagar o aluguel. No dia 26 de setembro, Edenilson teve a sua primeira experiência nas ruas. De Londrina, ele foi para Cambé, também no Paraná, depois para Ourinhos e, por fim, chegou em Bauru em 1º de outubro. Todo esse trâmite foi coor-

denado pelo Centro Pop de Cambé, Ourinhos e Bauru, que também o encaminhou para o Albergue Noturno. “O pessoal é bem organizado. Cheguei em Bauru por volta das 14h e o pessoal do Centro Pop me encaminhou para cá”, conta. “A minha história é bem diferente. Eu não sou morador de rua, só estou passando por um momento difícil”, aponta Edenilson. Ele diz que já chegou a trabalhar como motorista no aplicativo Uber para conseguir dinheiro, mas que alugava um carro para isso e acabou tendo mais gastos do que lucro. A esperança de Edenilson é conseguir ajuda com sua família. “Eu espero estar na casa da minha família amanhã. Quero conversar com o meu irmão e ver se ele me ajuda a montar um negócio”, diz entusiasmado. Ele não contou para sua família que está em situação de rua, e diz porque: “Eu quero falar pessoalmente, não acho legal falar isso pelo telefone. Quero conversar com eles e não os preocupar”.

Reconhecimento e gratidão Durante esses 67 anos de atividade em Bauru, diversas pessoas com histórias muito diferente foram acolhidas pelo Albergue Noturno e saíram das ruas. “Tem casos de usuários de drogas que foram reabilitados, e tem casos de pessoas vieram a procura de emprego, foram enganadas e usaram o serviço por um tempo, até serem recolocadas no mercado de trabalho”, explica.” Francine conta que alguns dos funcionários da instituição foram usuários do serviço e que decidiram continuar ajudando pessoas em situação de rua. Além disso, o albergue recebe cartas, visitas da famíliade ex usuários do serviço e doações. “Na semana passada uma monitora me disse que uma pessoa tocou o interfone, em um ‘carrão’, foi a expressão dela, e deixou três cestas básicas. Ele disse que há quatro anos chegou em Bauru sem nada e passou por aqui. Então também existem pessoas que preferem não se identificar”, finaliza.

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