Jornal Quintanares - edição especial

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EDIÇÃO COMEMORATIVA AOS 25 ANOS DA CASA DE CULTURA MARIO QUINTANA - SETEMBRO 2015 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA FOTOS DULCE HELFER

25 ANOS de aplausos

Um dos mais importantes centros dedicados à arte e ao conhecimento da América do Sul, a Casa de Cultura Mario Quintana comemora essa data com atividades oferecidas para a comunidade. Um espaço que, além de incentivar a cultura, tem uma história de sucesso contada nesta edição especial do jornal Quintanares. A publicação mostrará como esse projeto virou um símbolo para os gaúchos.

O glamour e o fim do Hotel Majestic Página 10

Como Quintana virou símbolo da Casa Página 11


2 l Porto Alegre, setembro de 2015

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Como surgiu o Quintanares

FOTO RICARDO LAGE

EDITORIAL

FOTOS DULCE HELFER

25 anos de cultura

WALTER GALVANI* FOTOS DULCE HELFER

ÉMERSON MARTINEZ FORTES Diretor da CCMQ

Os gaúchos ganharam um presente há 25 anos. O presente ultrapassou fronteiras e hoje é referência, motivo de orgulho para quem acredita que a sociedade pode se transformar por meio da cultura e da educação. Em 25 de setembro de 1990, a Casa de Cultura Mario Quintana abria suas portas oferecendo dança, música, artes plásticas, oficinas literárias, teatro, fotografia, um cabedal de atividades com o fim de democratizar a cultura. Um quarto de século de aplausos, de risos, de formação de talentos, de compartilhamentos, de conhecimentos. Uma honra fazer parte desta história. Cada um que passou por aqui ofereceu o seu melhor. Espero estar fazendo a minha parte, que é, com a equipe que faz esta Casa acontecer, proporcionar as ferramentas para que este centro cultural continue sendo uma referência para a cultura. “Amar é mudar a alma de casa”, dizia Quintana. E, é assim que nos sentimos aqui. Junto com a Secretaria de Cultura, em sintonia com o secretário Victor Hugo, estamos de corpo e alma nesta Casa. Diferente de outros memoriais espalhados pelo mundo que refletem a realidade vivida por grandes escritores, como a Maison de Balzac, em Paris, ou La Chascona, no Chile, a casa onde Pablo Neruda viveu, a Casa de Cultura Mario Quintana é um aparelho cultural que oferece vivências artísticas e intelectuais. Esta edição especial do Quintanares recupera um pouco da história da CCMQ. Em 1991, Luiz Fernando Moraes, atual secretário de Turismo de Porto Alegre, era um jovem jornalista já com a marca do empreendedorismo. Foi dele a ideia de fazer um jornal, um canal de comunicação entre a Casa e o público – o Quintanares. A experiência deixou saudades. Por isso, aproveitem o Quintanares, em sua edição especial, para conhecer um pouco mais da Casa de todos que vivem, respiram e apreciam a cultura. Que a Casa de Cultura Mario Quintana continue sendo a “rua encantada” do nosso poeta maior. “Há tanta esquina esquisita, Tanta nuança de paredes, Há tanta moça bonita Nas ruas que não andei (E há uma rua encantada Que nem em sonhos sonhei...)” Mario Quintana – O Mapa (Apontamentos de História Sobrenatural)

Um quarto de século

Luiz Fernando Moraes criou o primeiro jornal da Casa de Cultura

Reproduções das primeiras edições do jornal

Era início dos anos 1990. A Casa de Cultura Mario Quintana recém havia sido reformada. Mesmo com uma programação cultural intensa e grande afluência de frequentadores, artistas e intelectuais, não havia um canal de comunicação entre a instituição e o público. Foi então que o jornalista Luiz Fernando Moraes, na época com 28 anos, teve a ideia de criar um jornal da casa. – Foi uma singela iniciativa de alguém que estava começando na profissão – diz Luiz Fernando, hoje secretário de Turismo de Porto Alegre. – Na época, fui conversar com o Walter Galvani, então presidente da Associação dos Amigos da Casa de Cultura, e ele topou fazer o periódico. Até aí tudo bem, mas faltava um nome para o jornal. Luiz Fernando havia lido que a escritora Cecília Meireles – a quem Quintana conhecera em 1935 e imediatamente se tornara seu confesso admirador – inventara a palavra “quintanar” para se referir à maneira como Mario Quintana fazia poesia. Além disso, Manuel Bandeira havia escrito um poema depois da terceira rejeição do poeta gaúcho à Academia Brasileira de Letras. A primeira estrofe dizia:

“Meu Quintana, os teus cantares Não são, Quintana, cantares: São, Quintana, quintanares...” Depois disso, entendi que o nome Quintanares era perfeito para o jornal que levava o nome do poeta – conta Luiz Fernando. O secretário de Turismo da Capital relembra como era o trabalho de produção do periódico. Depois de batalhar anunciantes e reunir textos e fotos, era feita uma pré-diagramação do material, impresso na gráfica do jornal O Pioneiro, em Caxias do Sul. – Eu colocava tudo no meu Fusca branco e subia a Serra. Lá, era feita a diagramação final, a montagem e a impressão. Na madrugada, eu voltava para Porto Alegre com o Fusquinha abarrotado de jornais – lembra. O Quintanares circulou por pouco tempo. Os anunciantes foram escasseando. A Associação dos Amigos da Casa de Cultura chegou a bancar a publicação por alguns meses, mas o projeto acabou inviabilizado. Hoje, ao completar 25 anos, a Casa de Cultura resolveu brindar os frequentadores com uma edição especial de Quintanares.

EXPEDIENTE Reportagem e edição: Beth Bertinatto, Cássia Duarte e Leonardo Caldas Vargas

Fotos: Dulce Helfer Projeto gráfico e diagramação: Carolina Porto Ruwer Revisão: Pínio Nunes

De uns tempos para cá comecei a me orgulhar de pertencer a um clube anteriormente fechado para mim, mas que agora se amplia, com velocidade atraente que lhe dá o direito de se expor e comunicar com estridência: é o Clube dos Cabelos Prateados. E junto com a distinção de fazer parte desta gloriosa agremiação e privar da companhia de outros colegas que podem ser vistos a distância e por isso se destacam na multidão, fornece-nos a certeza de que foi possível fazer alguma coisa pela comunidade e nos torna assim devedores desta mesma sociedade. É que envelhecemos, ou melhor, pintamos nossos cabelos de cor prata, ao longo de um exercício a que nos levou o próprio trabalho. Quando relembro que uma das primeiras entrevistas esportivas que fiz, ao iniciar minha carreira de repórter no Correio

do Povo, foi com o então craque do Farroupilha, de Pelotas, Fernando José Bertaso. Eu, que tinha 21 recém feitos, me empolguei com a oportunidade que se abria, de ir ao belo e aristocrático Hotel Majestic, entrevistar o jogador pelotense que somava à sua atividade como esportista, o fato de pertencer a uma família de livreiros, herdeiro de um sobrenome histórico e encantador? Bertaso, da família proprietária da livraria e da editora Globo. Fui seu amigo até que a fatalidade o levou tão cedo. Quando outro craque, este da palavra, um gigante da poesia, Mário Quintana, lá habitava muitas vezes fui a seu encontro e mais ainda quando a casa passou a ter o seu nome. A Casa de Cultura Mario Quintana para melhor sobreviver, gerou uma Associação de Amigos que tive a honra de pre-

Poeminha do Contra Todos estes que aí estão Atravancando o meu caminho, Eles passarão.. Eu passarinho! (Caderno H)

sidir e agora posso festejar seus 25 anos, um quarto de século, lembrando toda esta ligação. É isso que dá mexer no baú das recordações. Estou aí, portanto, tirando “meu hipotético chapéu” para todos os que antes e depois souberam conduzir esta Casa ao nível do seu patrono que tanto visitei em seu modesto aposento, que era apenas uma parte daquele todo memorável. Sim, a Casa faz parte, automaticamente, como sede inigualável, do clube dos cabelos de prata desta gloriosa capital. * Ex-presidente da AACCMQ

A Casa e sua Associação de Amigos EDUARDO VITAL*

Programação de 25 anos da CCMQ 25 DE SETEMBRO

30 DE SETEMBRO

14h às 22h - Aula Aberta - JAM Contato e improvisação com Alessandro Rivelino Sala Marcos Barreto 15h - Teatro Infantil - João e Maria Teatro Bruno Kiefer 15h - Banda Municipal de Porto Alegre Travessa dos Cataventos 16h - Solenidade Comemorativa e Homenagens - Travessa dos Cataventos 17h - Banda da Brigada Militar - Travessa dos Cataventos 20h - Música - Monica Navarro - Teatro Bruno Kiefer

12h às 13h - Quindim do Quintana Especial - André Pereira - Travessa dos Cataventos 15h30 - Teatro - Apresentação resultado das Oficinas de Teatro Sapato Florido Sala Lili Inventa o Mundo 18h - Teatro - El Juego de Antonia Travessa dos Cataventos

26 DE SETEMBRO 11h - Teatro Infantil - João e Maria Teatro Bruno Kiefer 15h - Dança - Nara Margarete e Grupos Escolares - Travessa dos Cataventos 15h - Teatro Infantil - PUM! Histórias Mal Cheirosas - Teatro Carlos Carvalho 15h - Teatro Infantil - João e Maria Teatro Bruno Kiefer 15h30 - Música - Coral da UFRGS Passarela do 3º andar 16h - Dança - Mulatas dos Bambas Travessa dos Cataventos 17h - Dança - La Marupeña Tango Travessa dos Cataventos 19h - Música e Dança - IBEJI, Cultura Iorubá - Travessa dos Cataventos 27 DE SETEMBRO 10h às 11h - Aula Aberta - Folclore Argentino - Sala Cecy Franck 11h às 12h - Dança - Folclore Argentino Travessa dos Cataventos 12h - Intervenção Poética - Só 10 % é mentira o resto é invenção - Cris Cubas Travessa dos Cataventos 13h às 21h - Festival da Boa Vizinhança Travessa e Rua 7 Setembro 14h às 14h30 - Música - Grupo Batukatu - Travessa dos Cataventos 15h - Teatro Infantil - PUM! Histórias Mal Cheirosas - Teatro Carlos Carvalho 15h - Teatro Infantil - João e Maria Teatro Bruno Kiefer 15h às 17h - Aula Aberta - Encontrão Batukatu - Sala Cecy Franck 18h - Dança - Flash Mob - Aline Rosa e 60 bailarinos - Travessa dos Cataventos 20h - Ensaio Aberto - El Juego de Antonia - Teatro Carlos Carvalho 28 DE SETEMBRO

ANDERSON XAVIER

Tenho a satisfação de cumprir meu segundo mandato como presidente da Associação dos Amigos da Casa de Cultura Mario Quintana na ocasião em que ela comemorou três décadas de atuação, em julho deste ano. A essa data se alia o fato de ter tomado parte, como proponente do projeto aprovado pelo MinC, no mais completo restauro de fachadas da Casa de Cultura desde sua inauguração, há 25 anos. Trabalhamos com a responsabilidade de levar esta obra detalhista a bom termo e ao final. Em novembro de 2014, experimentamos a sensação de dever

cumprido ao entregar o prédio totalmente renovado em seu exterior, tal como na época em que o Hotel Majestic era orgulho da arquitetura, da hotelaria e da vida de Porto Alegre e do Estado. Sem a atuação da Associação, por meio de sua equipe que montou, encaminhou, divulgou e acompanhou o projeto, e do patrocínio do parceiro Banrisul, a obra não teria ocorrido. Por isso, usando este restauro como o símbolo da nossa atuação junto à casa que homenageia seu mais ilustre morador, comemoramos 30 anos salientando que o trabalho voluntário da diretoria da As-

sociação valeu e sempre valerá a pena. Ele se iguala a tantas atuações semelhantes que apoiam diferentes instituições culturais mundo afora, sendo a alavanca que move o moderno mecenato do fazer e viver cultural. Também queremos cumprimentar todos os ex-presidentes e diretorias e a atual equipe, que dá seu tempo e energia para que a Casa continue atuante no cenário nacional. É um momento que merece ser celebrado. Comemoramos agora em setembro 25 anos deste templo da cultura que é a CCMQ. Um salve para a Associação de Amigos e um salve para a Casa de Cultura. * Presidente da AACCMQ

12h às 13h - Quindim do Quintana Especial - Luana Fernandes - Travessa dos Cataventos 15h30 - Música - Orquestra Jovem da OSPA - Travessa dos Cataventos 16h - Abertura de Exposição - Núcleo de Fotografia da CCMQ 25 anos – 3º andar 19h às 22h - Aula Aberta - Grupo Levanta Favela - Sala Marcos Barreto 29 DE SETEMBRO

1º DE OUTUBRO 12h às 13h - Quindim do Quintana Especial - Maí Yandara - Travessa dos Cataventos 17h - Música - Coral Oficial Banrisul Travessa dos Cataventos 18h - Teatro - El Juego de Antonia Travessa dos Cataventos 19h - Música - Coral Banrimanos Travessa dos Cataventos 19h - Teatro - Projeto Secreto: A Gaiola das Loucas Ou Drag não Pagam Ingresso - Teatro Bruno Kiefer 20h - Ensaio Aberto - Performance de Artes Visuais com Tatiana Fanz - Sala Claudio Heemann 2 DE OUTUBRO 12h às 13h - Quindim do Quintana Especial - Paulinho Parada - Travessa dos Cataventos 15h - Teatro Infantil - João e Maria Teatro Bruno Kiefer 18h - Teatro - El Juego de Antonia Travessa dos Cataventos 19h - Música - Grupo de Alunos de Marcelo Nadruz – Erudito - Auditório Luiz Cosme 19h - Mosaico CCMQ RS - Teatro Carlos Carvalho 19h - Teatro - Projeto Secreto: A Gaiola das Loucas Ou Drag não Pagam Ingresso - Teatro Bruno Kiefer 3 DE OUTUBRO 12h às 13h - Discoteca Natho Hehn recebe Feira do Vinil - 4º andar 15h - Teatro Infantil - PUM! Histórias Mal Cheirosas - Teatro Carlos Carvalho 18h - Teatro - El Juego de Antonia Travessa dos Cataventos 19h - Teatro - Dança dos Sentidos Teatro Carlos Carvalho 19h - Teatro - Projeto Secreto: A Gaiola das Loucas Ou Drag não Pagam Ingresso - Teatro Bruno Kiefer EXPOSIÇÕES INÉDITAS Local: Memorial Majestic Tema: CCMQ 25 anos - Um Sonho Torna-se Realidade Local: Saguão Arte Loja Tema: Quintanares - O Primeiro Jornal Local: Hall do Jardim Lutzenberger Tema: Associação de Amigos da CCMQ 30 anos de Parceria Local: Núcleo de Fotografia - 3ª Andar Tema: 25 anos de Fotografia na CCMQ Local: Hall Principal Tema: Como tornar realidade a Casa de Cultura Local: Discoteca Natho Henn - 4ª andar Tema: Músicos da CCQM

12h às 13h - Quindim do Quintana Especial - Rafael Brasil - Travessa dos Cataventos 14h às 15h30 - Aula Aberta - Dança para pessoas com ou sem deficiencia com Carla Vendramin - Sala Cecy Franck 16h30 - Dança - Grupos da Carla RE-EDIÇÃO DE EXPOSIÇÕES Vendramin - Passarela do 4º Andar 19h - Teatro - Grupo de Atores Local: Hall do 2º Andar - Administrativo Signatores - Mostra do processo teatral Tema: 100 anos do Hotel Majestic para atores surdos - Teatro Carlos Carvalho Local: Quarto do Poeta 20h - Música - O Samba Tropical de Tema: 75 anos do Livro “A Rua dos Antonio Carlos Pereira - Teatro Bruno Cataventos” Kiefer Alguns eventos são pagos. Confira em www.ccmq.com.br.


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A casa que se abriu para a cidade

FOTOS DULCE HELFER

Os Rios Há na vida tanta coisa, Tanta coisa e um só olhar! Toda a tristeza dos rios É não poderem parar.. (A Cor do Invisível)

A Casa de Cultura é a Renascença do povo gaúcho, avalia o historiador Voltaire Schilling

Uma vizinhança orgulhosa

As amigas cariocas Terezinha, Sheyla e Teresa aproveitam a viagem para conhecer o centro cultural

A cena é corriqueira, mas revela a magia do antigo prédio rosado, localizado na Rua dos Andradas, 736. Uma mãe e duas filhas caminham encantadas pela Casa de Cultura Mario Quintana. Ana Lúcia Alves é pedagoga, nasceu em Santana do Livramento e mora em São Paulo há 30 anos. Sempre que visita o Rio Grande do Sul dá um jeito de ir até o centro cultural. Dessa vez, trouxe as filhas Flora e Nathalia. Elas estão no acervo Elis Regina, uma sala que desvenda um pouco da história da cantora. – Sempre que venho aqui aprendo alguma coisa. Eu não po-

deria deixar de dividir este lugar fantástico com as minhas filhas – diz a pedagoga. Com 12 mil metros quadrados, distribuídos em sete andares, divididos em duas alas, cortadas pela romântica Travessa dos Cataventos, a Casa de Cultura é um mosaico cultural. Não só pelas inúmeras atividades que oferece ao público, mas pela diversidade das mais de 30 mil pessoas que visitam todos os meses o local. Com um mapa que traz as ruas de Porto Alegre na mão, Maria Tapia aproveita o intervalo de suas atividades para saborear um café

Presente para os gaúchos O antigo Hotel Majestic sempre chamou atenção em qualquer tempo, valendo o trocadilho com o nome, por sua majestade. Porém, no começo dos anos 80, o hotel fechou, deixando ali um espaço que estava sendo devorado pelo tempo e falta de cuidado. É neste momento que nasce a ideia de uma Casa de Cultura para os gaúchos.

O governo Amaral de Souza, em julho de 1980, através do Banrisul compra o antigo prédio e, nos anos seguintes, lentamente começa a sua restauração. No governo Jair Soares (1983/1987), as primeiras salas foram ocupadas pela Discoteca Pública Natho Henn e por um cinema, mas o grande projeto ainda estava por vir.

no terraço da CCMQ e planejar seu roteiro na Capital. Ela é uma jovem jornalista mexicana que viaja pela América Latina produzindo reportagens para um portal virtual. Segundo ela, os gaúchos deveriam se orgulhar da CCMQ. – Não vi em nenhum outro país que visitei um centro cultural como esse - revela a estrangeira. Outros desbravadores das atrações da cidade têm a mesma impressão. – No nosso hotel, nos táxis, nos restaurantes e até na rua, perguntamos o que poderíamos conhecer aqui em Porto Alegre e todos nos mandaram para cá – dispara a agrônoma Sheyla Oliveira da Fonseca, a mais falante do grupo de amigas cariocas, que veio à Capital para acompanhar os maridos durante um congresso de Administração. Deslumbradas com a grandiosidade do prédio e as belezas dos jardins espalhados pela Casa, as amigas lamentaram a falta de conhecimento que se tem no resto do país de um lugar dedicado

à cultura e que traz o nome de Mario Quintana. – Ele viveu aqui. Isso é fantástico – diz Terezinha Oliveira. Mas nem só de turistas vive a Casa. Basta entrar em uma das tantas salas da CCMQ para perceber a importância do espaço para a comunidade. Isadora Marcolin, 20 anos, é estudante de Medicina e frequenta as oficinas do Núcleo de Fotografia. A curiosidade pela revelação analógica e o fascínio pela fotografia levaram a estudante ao curso. – Sempre gosto de aprender coisas novas e queria muito conhecer esse processo – diz a jovem, que representa muitos outros jovens de Porto Alegre que procuram a Casa para aprender e desenvolver atividades culturais. Somente em 2015, até o mês de agosto, foram realizadas 100 oficinas, 50 mostras e exposições, 120 peças teatrais, 150 eventos musicais, 20 lançamentos de livros e um público de mais de 60 mil espectadores nas três salas de cinema.

Não é preciso muito esforço para perceber a movimentação gerada na tradicional Rua da Praia pela vida cultural da CCMQ. Os restaurantes e bares no entorno estão sempre cheios. Há 20 anos, seu Adão é garçom de um tradicional bar nas proximidades. Ele já viu todo o tipo de gente por ali, mas garante: - Recebemos muitos clientes, um público fiel que nunca deixa de vir. Mas nosso movimento maior é de artistas, músicos e o pessoal que vai

assistir aos filmes ali na Casa de Cultura. Outro exemplo é um sebo localizado há mais de 10 anos ao lado da Casa de Cultura. Sônia de Pauli e Neusa Mantovani são atendentes da loja que recebe, entre seus clientes, estrangeiros de todas as partes do mundo. Sônia revela que na maioria das vezes a procura é por edições bilíngues do poeta Mario Quintana. Paulo Fernando traduz muito bem o sentimento de

quem mora por ali. Ele é do Alegrete, por coincidência, conterrâneo de Mario Quintana. Aposentado da Varig, viajou o mundo inteiro, morou no Rio de Janeiro, mas escolheu o Edifício Serrano, no número 721, para desfrutar de sua aposentadoria. O prédio como a maioria das construções da Rua da Praia é majestoso. Uma bela construção do começo dos anos 50. A sacada de seu apartamento serve, muitas vezes, como ponto de observação da Casa de Cultura Mario

Quintana. - Assim passo o meu dia, cuidando das minhas plantas e, quando olho para frente, tenho algo belo para apreciar. Uma amiga quando hospedada em meu apartamento disse que estava se sentindo em Rive Gauche, em Paris. Aqui neste cantinho do mundo é assim, por isso estou aqui – conta satisfeito, referindo-se aos antigos distritos da capital francesa que foram referência em arte e boêmia na primeira metade do século 20.

O vizinho Paulo Fernando faz da Casa de Cultura, localizada em frente ao prédio em que mora, o seu cantinho no mundo

A cultura se redemocratiza - O primeiro ponto de referência cultural de Porto Alegre, após a ditadura, é a Casa de Cultura Mario Quintana. A frase é do historiador Voltaire Schilling, que lembra do tédio cultural vivido pelos gaúchos durante o regime militar. Voltaire recorda o cenário cultural dos anos 70 na Capital. - O que salvava quem queria um pouco mais de conhecimento, de cultura, de diálogo, eram os encontros onde se aprendia um pouco de filosofia proporcionados pelo Goethe-Institut Porto Alegre - revela o historiador. Segundo ele, não existia muita opção na Capital. Os cinemas passavam filmes comerciais e quem queria assistir a filmes mais conceituais tinha de sair em excursão até Montevidéu, no Uruguai. Eram tempos difíceis para a cultura gaúcha, e raros os espaços culturais que sobreviviam com uma programação qualificada e atraente. - Sem dúvida nenhuma, a Casa de Cultura representou a nossa renascença cultural. A recuperação da cidade e do seu direito de se expressar e participar – afirma Voltaire. Nesses 25 anos, a CCMQ tem sido referência para toda a classe artística. A atriz Deborah Finocchiaro ocupa os seus palcos há pelo menos 22 anos, tendo feito a sua estreia com a peça “Pois é Vizinha...”, em 1993. Para ela, a Casa é um bem que tem que ser cuidado. – É um lugar maravilhoso. Independentemente de qualquer Governo, é um espaço para a população, para os artistas e para a formação de público – avalia. Déborah participa há 15 anos do Porto Verão Alegre e sempre escolhe o palco do Teatro Bruno Kiefer, na Casa de Cutura, para suas apresentações. Desde 2006, está em cartaz com a peça Sobre Anjos & Grilos - O Universo de Mario Quintana e já percorreu 20 estados brasileiros, destacando a universalidade do poeta.


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Eles iluminam a Casa

FOTOS DULCE HELFER

Ao longo de seus 25 anos de existência, a Casa de Cultura Mario Quintana acolheu colaboradores que presenciaram o centro cultural virar realidade

O Mapa Olho o mapa da cidade Como quem examinasse A anatomia de um corpo..

FOTOS DULCE HELFER

(Apontamentos de História Natural)

Eloisa entre livros, partituras e LPs Livros especializados em música, partituras, LPs e CDs fazem parte do dia a dia de Eloisa Franzen Bernd, bibliotecária da Discoteca Pública Natho Henn, que funciona no quarto andar da Casa de Cultura Mario Quintana. Formada pela UFRGS, a canelense de 65 anos, que vive há 40 anos em Porto Alegre, diz sentir-se realizada. – Já podia ter me aposentado, mas gosto do que faço – conta Eloisa, que atua no setor há mais de 25 anos, antes ainda da inauguração da Casa. O gosto pela organização e o fato de ser metódica ajudam na atividade. Afinal, são mais de 15 mil itens registrados, entre LPs, álbuns, compactos e CDs, e cerca de 26 mil ainda a serem catalogados. Ela diz que o trabalho é minucioso. Um disco mais complexo pode levar mais de um dia para ser catalogado.

Em uma simulação, a placa da Travessa Araujo Ribeiro volta a seu antigo lugar, hoje denominado Travessa dos Cataventos

Memória para gerações futuras

A luz e o som de Zezinho – Praticamente, vi nascer este teatro – diz José Antônio Souza Carvalho, ou apenas Zezinho, 65 anos, ao se referir ao Teatro Bruno Kiefer, local onde ajudou a montar toda a estrutura cênica do palco, há 25 anos. O iluminador relembra o dia que antecedeu a inauguração do teatro, em 25 de setembro de 1990. A peça de estreia era Orquestra de Senhoritas. Tudo tinha de estar pronto para o grande dia. A equipe vinha trabalhando arduamente. Na parada para o almoço no dia 24 de setembro, foram ao restaurante. Na hora que chegou a comida, Zezinho caiu de cara no prato.

– De tanta cola que eu tinha inalado no trabalho fui parar no pronto-socorro. O pessoal queria que eu fosse para casa, mas saí do hospital e voltei ao teatro. Viramos a noite trabalhando – conta. Essa é apenas uma das recordações ao longo dos 20 anos de atuação na Casa. Um tempo depois da inauguração, Zezinho foi trabalhar em Rio e São Paulo, onde passou um ano. Ficou outros três excursionando pelo Rio Grande do Sul com a peça O Homem da Flor na Boca. Retornou para o Teatro Bruno Kiefer em 1996, a convite de Dilmar Messias, e não saiu mais.

Zezinho é discípulo de João Acir, um dos mais experientes técnicos das artes cênicas do Estado – que morreu em 2011. Foi pelas mãos de Acir que o iluminador foi parar no teatro. Por volta de 1980, Zezinho era porteiro do Teatro Renascença. A cada final de espetáculo, adorava espiar o trabalho do pessoal do som e da iluminação. Passados quase dois anos na portaria, foi convidado por Acir a transpor a porta e entrar para o mundo do teatro. Depois disso, começou a fazer cursos e workshops, um deles com Nei Matogrosso, que também foi por um tempo iluminador.

Testemunhos da memória da Casa de Cultura, do poeta Mario Quintana e da cultura do Estado repousam em estantes e prateleiras do Núcleo de Acervo e Memória da Casa à espera de classificação e organização. Criado em meados de 2013, o setor reúne e organiza a documentação de todos os acervos culturais da Casa, especialmente do poeta gaúcho que dá nome ao lugar. A ideia é fazer do local uma das maiores fontes de pesquisa da cultura do Rio Grande do Sul.

Carmen diverte a criançada com suas histórias Quem circula pelos corredores da Casa de Cultura Mario Quintana pode esbarrar na Lili Inventa o Mundo. Mas não é a menina da obra de Quintana e sim a personagem criada pela contadora de histórias Carmen Beatriz Henke para guiar o passeio de crianças de escolas e contar histórias dentro dos projetos Poetando pela Casa com Lili e Batalhão das Letras. A ligação de Carmen com a Casa de Cultura começou há 20

anos quando buscava um lugar para passear com as filhas Ana Lídia e Eugênia, na época, com três e cinco anos, respectivamente. Em vez de irem para a creche, Carmen as levava para a biblioteca, que passou a fazer parte do cotidiano da família. Por volta de 2003, com as filhas na escola, logo os coleguinhas começaram a se reunir na casa de Carmen. O que eles faziam? Brincavam de teatro. Um tempo depois, Carmen criou o

grupo de teatro infanto-juvenil O Nariz Postiço. O primeiro trabalho foi A Rua dos Cataventos, que estreou no Teatro Bruno Kiefer. O grupo fez apresentações em escolas da Capital. Atualmente, Carmen se dedica aos dois projetos de contação de histórias na Casa, que funciona com agendamento. Aos 52 anos, Carmen não para e já está com um novo projeto em gestação, agora na área de histórias em quadrinhos.

Arquivologista Alexandre Veiga mostra alguns acervos da Casa

Localizado no terceiro andar, o núcleo funciona contíguo à Biblioteca Erico Verissimo e guarda, por exemplo, material que recupera a história do antigo Hotel Majestic, como fotos do edifício e da posterior reforma, e até documentos de compra e venda do imóvel e registro de funcionários. Desta época, o setor guarda ainda a placa da Travessa Araújo Ribeiro, hoje Rua dos Cataventos. Um dos acervos com organização mais adiantada é do escritor Mario Quintana, com fotos, caricaturas e manuscritos, além de objetos pessoais, como a bengala do escritor e alguns quadros, que podem ser vistos no quarto do poeta, reproduzido em uma sala no segundo andar da Casa. Conforme Alexandre Veiga, arquivologista do Núcleo de Acervo e Memória, o setor tem também as primeiras edições de obras como Sapato Florido e A Rua dos Cataventos e uma coleção quase completa do Caderno H, coluna do poeta publicada pelo jornal Correio do Povo.

– Temos ainda um acervo bem interessante da cantora Elis Regina. Praticamente tudo que está aqui veio de doações e consta de discografia, reportagens publicadas na imprensa sobre a artista e material feito por fãs-clubes. Há, inclusive, fotos da infância de Elis em Porto Alegre, como flagrantes da primeira comunhão e da cantora ainda bebê – conta Alexandre. O crítico e programador de cinema Romeu Grimaldi também tem um espaço especial dentro do setor. Há desde material de divulgação de filmes, grande parte dos anos 70 e 80, cartazes e até críticas cinematográficas feitas pelo programador, além de livros e documentos. Grimaldi foi o primeiro diretor da Cinemateca Paulo Amorim e desenvolveu uma programação voltada ao cinema como arte, que incluía ciclo de filmes, relançamento de clássicos, mostras de cinema internacional e de produções independentes. Para Cássio Pires, historiador no Núcleo, a criação

do setor foi fundamental para assegurar o acesso e a preservação de todos esses acervos da Casa de Cultura. O lugar abriga ainda a documentação administrativa da Secretaria do Estado da Cultura a partir de documentos, ofícios, fotografias e plantas arquitetônicas. A ideia é organizar, a partir deste material, o sistema de cultura do Rio Grande do Sul. Como o setor ainda é novo e o material dos acervos está em fase de classificação e organização, os interessados em consultar algum tema específico devem agendar pelo telefone (51) 3212-7061 ou pelo e-mail memoriaccmq@sedac. rs.gov.br. O atendimento é das 10h às 17h. No total, são quatro profissionais que trabalham no Núcleo. Além de Alexandre Veiga e de Cássio Pires, o setor conta com Vera Stracke, formada em Letras, e Marina Deuner, estagiária de História. Quem quiser fazer doações para o núcleo pode entrar em contato pelo e-mail memoriaccmq@sedac.rs.gov.br.


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Confira onde se localizam as atrações da Casa de Cultura ALA OESTE

6º andar

 Galeria Xico Stockinger  Espaço Vasco Prado

5º andar  Centro de Desenvolvimento da Expressão  Jardim Lutzenberger – Reproduz espécies representativas de banhados, pradarias, desertos e ambientes gaúchos. Utiliza vasos, bancos e pergolados de madeira plástica  Oficina de Arte Sapato Florido – Espaço expositivo e salas dirigidas ao público infanto-juvenil (acesso pela ala leste)

FOTOS DULCE HELFER

Em suas duas alas interligadas por passarelas, em uma área de 12 mil metros quadrados, o o centro cultural tem uma série de atrativos e serviços para o público. Veja onde funcionam:

ALA LESTE 7º andar

6º andar

 Café Santo da Casa  Fotogaleria Virgílio Calegari  Jardim – Mais de 70 utilitários com plantas

 Galeria Sotero Cosme – Museu de Arte Contemporânea  Teatro Bruno Kiefer – Tem capacidade para 200 espectadores e destina-se a montagens teatrais e shows musicais. Dispõe de luz e som próprios

5º andar  Biblioteca Lucília Minssen – Especializada em obras de literatura infanto-juvenil. Oferece oficinas, hora do conto e jogos  Sala Lili Inventa o Mundo

4º andar

 Auditório Luís Cosme – Sala com 120 lugares utilizado para apresentações e shows musicais  Sala Cecy Frank (acesso pela ala leste) – Para oficinas e ensaios de dança  Sala Irmãos Moritz – Para debates e exposições  Sala Marcos Barreto (acesso pela ala leste) – Para oficinas e ensaios  Sala Radamés Gnatalli – Espaço para exposições sobre personagens e temas relacionados à música

4º andar

 Biblioteca Armando Albuquerque – Registro de jornais e revistas de música  Discoteca Pública Natho Henn – Acervo formado por discos, gravações em aúdio e vídeo, livros e partituras  Espaço Lupicínio Rodrigues – Para audições  Espaço Professora Dionéia Rudiger  Sala Hermes Mancilha – Para ensaios, oficinas e encontros de artes cênicas

3º andar  Biblioteca Erico Verissimo – Acervo de literatura em geral, especializada em literatura rio-grandense e brasileira. Tem obras raras de Verissimo  Espaço Maurício Rosenblatt  Galeria Augusto Meyer  Sala de Literatura – Para estudos, reuniões e oficinas

3º andar  Laboratório de fotografia – Promove cursos permanentes de fotograma, quimiograma, pinhole, revelação e ampliação  Núcleo de Acervo, Memória e Pesquisa – Documentos históricos da Casa, fotografias, plantas, impressos de jornais digitalizados para o acesso do público

2º andar  Teatro Carlos Carvalho – Capacidade para 100 pessoas. O palco e a plateia podem ser organizados de diferentes maneiras  Salas de convenções: A2B2 e C2

Mezanino  Acervo Mario Quintana – Destaca a trajetória literária do poeta, reunindo fotografias, pôsteres, ilustrações, pinturas, caricaturas, poemas e depoimentos gravados  Cinemateca Paulo Amorim – Equipada com ar-condicionado central, som Dolby Stereo e dois projetores Bauer-8 35 milímetros, de fabricação alemã

Térreo    

Central de Informações Espaço Memorial Majestic Sala Paulo Amorim – Sala de cinema com 148 lugares Sala Norberto Lubisco – Sala de cinema com 53 lugares

2º andar          

Administração CCMQ Administração Museu de Arte Contemporânea Acervo Elis Regina – Abriga documentos e materiais sobre a vida e a obra da cantora gaúcha Associação dos Amigos da Casa de Cultura Mario Quintana Instituto Estadual da Música Instituto Estadual de Artes Visuais Instituto Estadual de Cinema Memorial do Hotel Majestic Quarto do poeta – Reprodução cênica do quarto de Mario Quintana, com objetos originais Sala Claudio Heemann – Ensaios e apresentações de teatro

Térreo  Sala Eduardo Hirtz – Sala de cinema com 98 lugares


10 l Porto Alegre, setembro de 2015

Quintanares l 11

Um hotel majestoso na Rua da Praia Idealizado por um visionário do empreendedorismo, o Hotel Majestic, um prédio com ares de palacete, no coração da capital gaúcha, ajudou a mudar o perfil de Porto Alegre ao se inserir no cotidiano político, social e econômico da cidade, sobretudo na primeira metade do século passado. A construção foi uma espécie de testemunha imponente dos fatos que conduziram a história nacional até ser vencida pela modernidade, o que, no entanto, acabou dando início a um processo de revitalização que a transformou em um dos maiores centros culturais da América do Sul. A Porto Alegre dos anos 20 vivia um momento singular de desenvolvimento. Nesse cenário, surge um sonhador que tinha um terreno entre a Andradas e a Sete de Setembro, cortado pela então Travessa Araújo Ribeiro e que queria que ali fosse levantado um prédio para ser reconhecido entre os demais. Assim, audaz, Horácio Carvalho contratou o arquiteto Theodor Alexander Josef Wiederspahn, um alemão que emigrara para o Brasil e que deixou marcas pela cidade. É dele o projeto de prédios como o do edifício Ely (atual Tumelero, no Centro), o da Faculdade de Medicina da UFRGS, o dos Correios e Telégrafos (atual Memorial do Rio Grande do Sul) e o do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). O projeto de Wiederspahn era moderno e surpreendente. Tinha dois blocos separados pela Travessa Araújo Ribeiro e ligados por passarelas suspen-

“O grande legado que fica é a cultura. A destinação do prédio do Majestic não poderia ser outra. Antes, as pessoas entravam lá como hóspedes ou visitantes, agora são participantes. O local tem vida. Ouço crianças entrando e saindo. É uma energia muito boa, e a cidade está usufruindo.” Flávio Porcello, jornalista, bisneto de Horácio Carvalho, dono do Hotel Majestic

sas. A doutora em Arquitetura e Urbanismo e professora da UFRGS Sílvia Lopes Carneiro Leão, que realizou uma pesquisa a partir de sua dissertação de mestrado sobre hotéis, classifica a planta como “interessante”: – Era arrojada para a época, particularmente a ligação por passarelas, que criava uma rua interna, algo inédito – diz a professora, que quando criança chegou a se hospedar no Majestic com a família. Segundo sua pesquisa, a travessa era a chave do projeto: “ao incorporar a rua ao hotel, o arquiteto criou um espaço nem tão privado que constituísse barreira aos passantes, nem tão público que não funcionasse como filtro aos transeuntes”. Outra inovação era o uso de concreto armado, o que gerou até motivo de publicidade nos jornais (veja detalhe). A primeira ala do edifício, a oeste, ficou pronta em 1918. Nessa primeira fase, o hotel funcionava como uma pensão,

FOTOS DULCE HELFER

conforme a pesquisa de Sílvia Leão. Cinco anos depois, em 1923, quando o empreendimento de Horácio Carvalho passa a ser administrado pelos irmãos Masgrau, surge o nome Majestic. A construção da ala leste é finalmente concluída em 1929,

Anúncio destacava atrações do hotel, como água quente e o fato de ter sido construído com cimento armado

com seis pavimentos, estabelecendo uma assimetria no edifício que permanece até hoje. Era a fase áurea do hotel, com 300 quartos, salão de refeições para 600 pessoas e comodidades que chamavam a atenção, como um elevador especial de comida que permitia que o café da manhã e almoço pudessem ser servidos dentro dos quartos. O Majestic torna-se o grande

rival do Grande Hotel, na Praça da Alfândega, que até então costumava fisgar os hóspedes mais famosos. Os anos 40, no entanto, marcam o início do declínio do hotel da Rua da Praia, o que se acentua na década seguinte, quando surgem concorrentes mais modernos, oferecendo TV e ar-condicionado, e o Centro começa a assistir à fuga de moradores e empresas. Mesmo assim ainda atrai hóspedes que mais tarde dariam o que falar, como um jovem que ali permaneceu por um ano e se tornaria uma das figuras mais enigmáticas do cenário artístico brasileiro. João Gilberto, um dos pais da bossa-nova, ocupou um dos quartos do Majestic ao longo de 1952, período em que permaneceu em Porto Alegre para realizar shows. Na década de 60, o hotel é uma espécie de pensão mensalista e, no final da década, em 1968, Mario Quintana passa a ocupar o quarto 217. – Era necessário muito dinheiro para encarar os hotéis modernos, mas felizmente o local virou um centro cultural que é referência – diz a advogada Liana Koslowsky Silva, 65 anos, bisneta de Horácio Carvalho e autora do livro Majestic – Memórias de um Monumento. O prédio foi vendido ao Banrisul em 1980 e passou a ser a Casa de Cultura Mario Quintana há 25 anos. – Sempre que passo pela Casa, fotografo. Tornou-se um espaço muito interessante – orgulha-se a bisneta do homem que idealizou aquele prédio majestoso na Rua da Praia.

Por que uma Casa? O homem de cabelos brancos, voz mansa e um papo que poderia render uma noite inteira de risadas e revelações tem muito a contar sobre a história recente do nosso Estado. Estamos no apartamento do professor, escritor e ex-secretário de Cultura Carlos Jorge Appel. O bate-papo nos leva ao ano de 1987. Pedro Simon era o governador e havia chamado Appel para uma missão. – Nós temos que fazer algo que recupere a nossa autoestima, algo que tenha abrangência nacional e que seja símbolo da força do Rio Grande – disse Simon ao secretário. Foram mais de 20 anos de governo de exceção. O momento era de crise econômica e recuperação política. Vivíamos a ressaca do Plano Cruzado. Em abril de 1987, com apenas um mês de governo, aconteceu aquela que seria a maior greve do magistério. O Rio Grande precisava mostrar que ainda era capaz de fazer grandes realizações. Appel tinha isto muito claro. Para desenvolver o plano de ação foram convocados grandes nomes da nossa cultura como, Dilan Camargo, Décio Freitas, Cyro Martins, Jairo Andrade, Moacyr Scliar, Bruno Kiefer, José Clemente Pozenato e outros. Em seguida, foi instituído o Conselho de Desenvolvimento Cultural, diretamente vinculado ao governador que demandou uma nova política cultural, com núcleos espalhados pelo interior do Estado. O foco estava em fazer um gran-

de aparelho cultural que servisse de modelo para todos os municípios gaúchos. – Elegemos a Casa como a reconstrução da nossa autoestima. Aquilo não podia ser um cortiço cultural, tinha que ser um local com espaços adequados à nossa cultura. – rememora Appel. O projeto arquitetônico foi assinado pelos arquitetos Flávio Kiefer e Joel Gorski, que planejaram 12.000 m2 de área construída para a área cultural, em 1.540m2 de terreno. Gorski lembra que o principal desafio foi transformar o hotel em uma Casa de Cultura. – Removemos as paredes internas e realizamos a integração das alas atendendo à demanda de público com um percurso cultural que começa na Rua da Praia – diz o arquiteto. A obra chegou a contar com 250 operários. A Rua da Praia respirava aquela transformação. Para dirigir o projeto da Casa de Cultura, em seu reaparelhamento e reestruturação, foi convocado o engenheiro, poeta e compositor Sérgio Napp. O grupo que o acompanhava era formado por Vera Maria Becker, coordenadora do patrimônio histórico; Nicéa Brasil, braço direito de Napp; Flora Leães, do setor administrativo da Secretaria de Cultura; os arquitetos Flávio e Joel, e Eliana Santos, colaboradora especialista em restauração de prédios históricos. Para eles, aquilo não era apenas um local de trabalho, mas um objetivo de vida.

Para Appel, a Casa de Cultura recuperou a autoestima dos gaúchos

O amigo Amigo é aquela criatura que escuta todas as nossas coisas sem aquela cara que parece estar dizendo: - E eu com isso? (O Sapo Amarelo)

Faltava dinheiro. Mas, era preciso reconstruir aquele que seria o símbolo da retomada da cultura no Estado. Appel chamou o governador e o presidente da Fiergs, Luiz Carlos Mandelli, para traçar uma estratégia junto ao empresariado gaúcho. Em um almoço com um grupo que reuniu os 50 empresários mais influentes daquele período (1988), no Galpão Crioulo do Palácio Piratini, foi apresentado um projeto distribuindo a Casa em 32 espaços. A iniciativa foi um sucesso, a verba foi conseguida e a Casa foi concluída em um ano e nove meses. Em 25 de setembro de 1990, no começo da gestão de Sinval Guazzelli, foi inaugurada a Casa de Cultura. Mario Quintana acompanhou e ajudou em todo o processo, pedindo, muitas vezes, apoio para a conclusão do projeto. Sua única preocupação era estar vivo ao fim da obra. Ele conseguiu! O poeta faleceu no dia 5 de maio de 1994, próximo de completar 87 anos. Como ele mesmo escreveu: “Amigos, não consultem os relógios quando um dia eu me for de vossas vidas... porque o tempo é uma invenção da morte”.

Por que Mario? “O nome de Mario começou a circular entre outras razões porque o Mario era apolítico. Ele simplesmente fazia parte da condição social”. A frase do historiador Voltaire Schilling remonta ao momento político que o país passava, quando Mario Quintana foi homenageado com o nome da Casa de Cultura de seu Estado. A poesia de Mario não era política, mas do cotidiano. Regina Zilberman, doutora em Literatura, lembra que a redescoberta do poeta, que teve sua grande produção nos anos 30 e 40, se deu em 1966, com a “Antologia Poética de Mário Quintana”, com 60 poemas inéditos, organizada por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, na consagrada Editora do Autor. – A redescoberta não foi somente pela importância da editora, mas pelo fato de que os livros do autor estavam esgotados e agora era possível chegar a qualquer livraria e encontrar a obra de Mario – conta a professora. Mas, a universalização só aconteceu mesmo no início dos anos 80, quando se percebe o impacto de sua poesia no público infantil, com a publicação de diversos livros, entre eles a reedição de Pé de Pilão (1975). – Neste momento, Mario passa a ser um poeta de todos os públicos e não de um segmento específico – conclui Zilberman. O historiador Voltaire

Schilling brinca que todo o estado precisa de um totem literário. E, naquele momento nosso totem estava ali, vivo e pronto para significar a Casa de Cultura. Não havia um nome melhor que o de Mario. Em 2 de maio de 1983, o deputado estadual Ruy Carlos Ostermann apresentou o projeto de lei que deu nome à Casa de Cultura, por sugestão de um grupo de estudantes. Para ele, a ideia mais simples que já encampou e com maior adesão. – Aquela Casa acabou sendo uma referência notável ao poeta, uma vez que ele foi o seu último inquilino. Quando se cogitou a ideia de Mario para aquele espaço não houve absolutamente ninguém que pudesse dizer: Não sei... Talvez... Mario Quintana foi unânime – recorda o professor. O homem que batizou a Casa termina suas considerações observando que a Casa de Cultura não pode depender de governos. – O importante na Cultura é que se dê a ela uma importância que ela tem e não reclama. Nada é mais valioso do que a referência clara da Cultura. E, Casa de Cultura Mario Quintana não pode ser mais claro do que é: na intenção, no seu objetivo e na sua realização. A Casa de cultura precisa de pessoas que saibam fazer a leitura do seu hálito, que é um hálito saudável, agradabilíssimo! – dispara Ruy com um largo sorriso no rosto. FOTOS DULCE HELFER

Mario Quintana era uma unanimidade, lembra Ruy Ostermann


12 l Porto Alegre, setembro de 2015

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O guardião da sensibilidade gaúcha

A imagem perdida

DULCE HELFER

Para Armindo, Quintana é um gênio da literatura ARMINDO TREVISAN

Gênios não sobram em parte alguma. São raros na China, na Europa e, portanto, também no Brasil. Quando irrompe um gênio em nossa proximidade, é porque as potências celestes resolveram conceder-nos um privilégio. Podemos aplicar aos gênios a frase da Bíblia: “ Um amigo fiel é uma poderosa proteção; quem o encontrou, encontrou um tesouro”. (Eclesiástico 6, 14).

Lembro-me do espanto de um jornalista, por ocasião da passagem do último milênio. De repente, o jornalista teve a lucidez de propor uma questão: - Quantos gênios teriam existido nos Mil Anos que passaram? Após mencionar alguns – que os houve, até com relativa abundância –, o jornalista surpreendeu-se: -Em mil anos só esses? São relativamente poucos... Sim, os gênios são raros.

Um dia desses, perdoem-me esta intromissão subjetiva, pus-me a pensar nos gênios literários do Rio Grande do Sul. Quantos seriam? Cheguei a conclusão de que, até à hora presente, seriam três: João Simões Lopes Neto, Erico Verissimo, Mario Quintana. Os três construíram nosso patrimônio literário. Sobre a evolução de nossa história estabeleceram a grande ponte de nossa memória coletiva. Simões Lopes bebeu nas águas primordiais de nossas origens. É o autor de nosso Gênesis. Erico mergulhou as mãos – e com que sofreguidão! – no interior do baú de nossa miscigenação étnica, social e política e extraiu de seu bojo os acontecimentos decisivos de nossa história e de nossos mitos, as jóias mais preciosas de nossa vocação épica. Quintana, com modéstia exemplar, contentou-se em explorar a mina da sensibilidade rio-grandense. Agiu com tal sutileza, ao mesclar ao seu contagioso lirismo um humor, por vezes risonho, por vezes pungente, tão refinado que para muitos a qualidade excepcional de sua poesia acabou parecendo “comum e normal”. Meu Deus! Será que ainda não nos demos conta de que Quintana figura entre os maiores poetas líricos do Brasil e da América Latina? Já está traduzido para o chinês, e não tardará a ser traduzido para qualquer língua, inclusive, talvez, línguas que

foram sepultadas sob os destroços da Torre de Babel. Deixem-me referir-lhes um detalhe: fui discípulo e amigo pessoal de Quintana, nosso gênio. Ele, até, me dedicou dois poemas, um dos quais não pude agradecer-lhe pessoalmente. Como creio na promessa de Cristo - a da ressurreição dos corpos -, espero a primeira oportunidade no mundo vindouro para dar-lhe um abraço e agradecer-lhe a generosidade de sua dedicatória. Quintana (ninguém o ignora) era de uma discrição moelar. Raramente fazia confidências. Tenho lembrança de uma única confidência que me fez, das confidências essenciais que vertemos no coração de um amigo uma vez na vida. Jamais a revelarei. Confidência é uma beleza para sempre. Que o poeta Keats confirme minha disposição de ânimo. Voltemos à poesia de Quintana. É uma poesia direta e franca, como o são os gaúchos. Basta ler uma de suas obras-primas, extraída da inesgotável Rua dos Cataventos. Que ruazinha aberta, essa, ensolarada, enluarada e - como convém a cavalheiros da Fronteira - impregnada de rodeios interiores, repleta de invernadas misteriosas. Digam-me: terá alguém escrito no Brasil um soneto com chave-de-ouro mais primorosa do que o soneto VIII de sua coletânea: Eu quero os meus brinquedos novamente! Sou um pobre menino... acreditai...

Que envelheceu um dia de repente!... A celebrada “leveza poética” de Quintana induz a erros. Sim, Quintana é leve, mas leve como a bomba atômica que lançaram sobre Hiroshima, a qual tinha poucos metros de tamanho e pesava relativamente pouco. Espanto-me de que as pessoas continuem citando os versos do mestre, não raro jocosos como “passarinho-passarão”, e ignorem obras-primas como “Mario, larga de ti esses berloques/e bandeirolas multicoloridas”. Não pretendo referir-me ao humor de Quintana (eu disse humor, e não ironia, embora também se encontre ironia na produção de nosso poeta). O Cancioneiro Guasca, de acordo com Augusto Meyer, não revela muito adequadamente nosso eros profundo. O que aparece no Cancioneiro é uma só dimensão do gaúcho: a dimensão de gente acostumada a dobrar chifres de touros! “Consultai os textos no lugar competente” - sugeria o poeta. Sob a pele de cada gaúcho existe outra humanidade, que é hora de se descobrir. A obra de Quintana pode ajudar-nos nisso. Quintana é o guardião de nossa insondável sensibilidade. De uma sensibilidade que só emerge em raros momentos, e sobretudo à medida que nos despedimos dos lugarescomuns, dos clichês sociológicos, e nos deitamos, numa noite de luar, numa das vastidões de nosso Pampa, com o rosto voltado para o céu - e talvez, para Deus.

O dia em que as ruas se abriram para Quintana Elena Quintana é formada em direção teatral pela UFRGS, trabalhou com teatro de rua, nos anos 80 junto com seis amigos fundou o mítico Bar Ocidente e, hoje, mora em um sítio, em Montenegro, onde administra um hotel para cães.

A sobrinha neta do poeta Mario Quintana lembra com emoção o dia em que a Casa de Cultura foi inaugurada: – Nós pegamos um táxi do hotel dele até a Casa de Cultura. Naquele momento, encontramos uma multidão! O

tio Mario se virou pra mim e perguntou como é que a gente iria passar? Uma pessoa escutou a voz dele... Me arrepio de lembrar! (Silêncio) A multidão foi se abrindo de uma maneira muito carinhosa. Começaram palmas em um ritmo crescente. Inesquecível! (emocionada)

Foi a coisa mais linda que já vi! Como a abertura do Mar Vermelho. –Meu Deus, parece até que eu já estou morto! – ele dizia admirado. A maior homenagem foi essa. Respeito ao homem, à obra, à poesia, a tudo... Respeito!

DULCE HELFER

Mario Quintana estava enganado. Ele escreveu em A Imagem Perdida: “Como essas coisas que não valem nada e parecem guardadas sem motivo (alguma folha seca...uma taça quebrada) eu só tenho um valor estimativo. Nos olhos que me querem é que eu vivo esta existência efêmera e encantada... Um dia hão de extinguir-se e, então, mais nada refletirá meu vulto vago e esquivo...”. Tudo lembra Mario. Para mim, que continuo falando com seu fantasma, a cada vez que tento me afastar da sua figura pública, antes que a maldade alheia me alcance, surge em cada esquina a lembrança dele. E uma nova surpresa, como esse jornal feito com muita dedicação e carinho, e, com certeza, à altura do poeta e da Casa que leva (e eleva) seu nome. Fui amiga fiel, mas carrego a culpa de só agora, após sua morte, ter compreendido toda a grandeza das poesias que ele me lia despretensiosamente. Intimidade dá nisso, a gente não dá o devido valor a quem está muito próximo da gente. Acho que todos os grandes amigos sofrem desse mal. Então, enquanto eu puder propalar a poesia e imagem do Mario, assim o farei. Seu valor é bem maior do que ele pensava e ainda vejo seu vulto esquivo, que nunca há de se extinguir para mim, assim como sua obra para o mundo, que é o lugar dos grandes poetas.

Dulce fotografou Mario na sua intimidade FOTOS DULCE HELFER


14 l Porto Alegre, setembro de 2015

Quintanares l 15

O público elege seus espaços especiais

Canção do Dia de Sempre

Espaços da Casa de Cultura Mario Quintana acabam, por diferentes motivos, tornandose especiais para alguns frequentadores. Por razões que vão da necessidade ao encantamento, essas áreas conseguem fisgar o público e se inserir no roteiro de quem costuma perambular pelo prédio que um dia abrigou o Hotel Majestic. Veja a seguir exemplos de como as pessoas se relacionam com seus locais preferidos na Casa.

(Canções)

Gabriela gosta do ambiente calmo do jardim para ler

Fuga da “cidade de pedra”

Preste atenção

Jardim Lutzenberger é um dos espaços mais visitados

Confira programação e horários de funcionamento dos espaços da CCMQ em www.ccmq.com.br

Uma proveitosa descoberta feita por acaso

Bruno aproveita espaço junto à biblioteca para acessar internet

Tão bom viver dia a dia.. A vida, assim, jamais cansa..

FOTOS DULCE HELFER

Bruno Casalotti, 28 anos, entrou na Casa de Cultura com o propósito de acessar a internet. Acabou chegando ao terceiro andar da ala oeste, onde está instalada a Biblioteca Erico Verissimo, local com mais de 16 mil obras e que também completa 25 anos em setembro. Na área externa, foi montado um espaço denominado O Tempo e o Vento para que os usuários possam usar seus notebooks, tudo o que Bruno

desejava. No entanto, a proximidade com a obra de um dos maiores escritores brasileiros acabou despertando a curiosidade do jovem. Natural de São Paulo, o aluno do mestrado em Sociologia da UFRGS não perdeu a oportunidade. – Queria conhecer alguma coisa da literatura gaúcha e, então, aproveitei para ler obras de Erico Verissimo – diz. A biblioteca reserva raridades do escritor como os origi-

nais de O Retrato, publicado em 1951. Hoje em exposição, o material foi resgatado em um leilão no Rio de Janeiro pela Associação dos Amigos da Casa de Cultura. Com ele, estão outros livros singulares como A Volta do Gato Preto (1947), a primeira edição de O Continente (1949), México – História Duma Viagem (1957) e A Novela (1937), uma revista mensal de literatura editada pela Globo com direção de Erico.

Gabriela Gadea, 16 anos, aluna do 1º ano do Ensino Médio, mora na zona norte de Porto Alegre, a mais de 10 quilômetros do Centro. A distância, no entanto, não impede que ela frequente a Casa de Cultura até três vezes por semana. Gabriela descobriu o fascínio do prédio rosa incrustado na Rua da Praia há cinco anos quando, levada pela madrinha, visitou o local para assistir a uma peça de teatro infantil. A paixão dura até hoje, especialmente pelo Jardim de Lutzenberger, um espaço que homenageia o ambientalista gaúcho José Lutzenberger no terraço do quinto andar. Em meio a coleções e ambientes representativos de banhados, desertos, pradarias e áreas tropicais, a adolescente tira o tênis e acomoda-se em um canto para concentrar-se na leitura de A Sacerdotisa do Mar,

de Dion Fortune. – Gosto de ler aqui. Parece que a gente sai da cidade de pedra. É uma fuga da rotina – diz. O ambiente natural atrai gente de todas as idades, mas os jovens são presença constante. Julianne Nascimento, 14 anos, e Thiago Miotto, 17 anos, conheceram a Casa de Cultura há dois meses e, desde então, costumam bater papo no jardim. – É longe do barulho da cidade – explicam. A sensação de se estar em meio à natureza mesmo em plena zona de turbulência urbana, no coração da cidade, era uma das metas dos responsáveis pela criação do jardim. Atualmente cuidado pelo paisagista e biólogo Edgar Salla, o local, idealizado inicialmente pela jornalista Mary Mezzari e por Elisabeth Renck, na época ligada ao Rincão Gaia, é resultado de uma

parceria entre a Casa de Cultura e a Fundação Gaia, com projeto de paisagismo de Paulo Backes e de arquitetura de Guilherme Esteves. Floreiras, bancos e lixeiras são elaborados a partir de plásticos reciclados, assim como pérgolas desenhadas pelo artista visual Mauro Fuke. O projeto tem apoio da Braskem. Entre as plantas que ornam a área, aquelas de ambientes aquáticos sempre chamam a atenção, sobretudo por estarem em banheiras retiradas do antigo Hotel Majestic, que deu origem à CCMQ. Ali estão para o deleite dos amantes da natureza ninféas, aguapés, utriculárias, papirinhos e salvínias. – É um espaço a céu aberto para receber visitantes e escolas para contato com a natureza, percepção da sustentabilidade e sensibilização para a educação ambiental – diz Salla.

Lembranças de encontros com o poeta Desde que se aposentou, há 10 anos, Maria Elaine Assis Machado, 69 anos, preenche seu tempo com visitas periódicas à Casa de Cultura Mario Quintana. Moradora do bairro Cidade Baixa, ela costuma ir até lá porque adora as sessões de cinema, mas também tem o hábito de percorrer outros espaços em busca de novidades culturais. Foi assim que deparou, em uma dessas caminhadas pelo prédio monumental,

com a exposição A Rua dos Cataventos – 75 anos de poesia, que celebrava o aniversário de lançamento do primeiro livro de Quintana. No chamado Memo9rial Majestic, na ala oeste do térreo, trechos da obra prendiam a atenção da bibliotecária. A paixão pelo poeta nascido em Alegrete vem de longe. Maria Elaine conta que em diferentes ocasiões cruzou com Quintana pelas ruas do centro da Capital e se diverte com a

lembrança desses encontros: – Eu o abordava, e ele dizia: Não sou o Mario Quintana, só sou parecido com ele. Para ela, a obra do artista gaúcho é “simples e grande”. – Ele era muito especial, e esse espaço aqui é interessante, conta as coisas dele – resume. Remodelado recentemente, o Memorial Majestic que tanto chamou a atenção de Maria Elaine abriga exposições temporárias.

Maria Elaine confere exposição sobre primeira obra de Quintana


Onde a gurizada inventa o mundo DULCE HELFER

Fique por dentro Confira a programação em www.ccmq.com.br Algumas oficinas são gratuitas, outras não (confira no site)

Alunos de oficina de teatro, adolescentes se preparam para subir ao palco pela primeira vez

O universo infanto-juvenil inspirou a criação de um espaço especial na Casa de Cultura Mario Quintana. É no quinto andar que crianças e adolescentes são arrebatados por atividades e experiências que os colocam cara a cara com a arte. Uma das iniciativas é a Oficina Sapato Florido, um projeto cultural que oferece teatro, poesia, dança, música, artes plásticas e até conteúdos que se impõem na atualidade como a tecnologia, cada vez mais inserida no cotidiano da garotada. Realizadas uma vez por semana, as oficinas têm duração máxima de três meses e envolvem jovens de cinco a 14 anos (idades maiores são exceção). Mais do que um serviço para crianças e adolescentes, as atividades podem servir como um laboratório, tornando-se, assim, uma oportunidade para o educador utilizar o espaço como um campo de estudo. É o que ocorre com a pedagoga Juliane Gavião, que desenvolve uma oficina gratuita com 12 parti-

cipantes cujo resultado ajudará em sua tese de doutorado em educação na UFRGS denominada As Crianças e Suas Memórias de Infância. – Proponho atividades como pintura com tinta, colagem, audiovisual, conversas – diz a doutoranda. E os resultados têm sido positivos, com a plena aceitação pelo grupo. – Acho legal, podemos fazer coisas que na escola não tem como fazer – diz João Pedro Jardim, nove anos, um dos alunos, diante de muito papel, tinta, caneta e lápis de cor. É esse retorno que os envolvidos na proposta esperam ter, como ressalta a coordenadora da Oficina de Arte Sapato Florido, Gabriela Corrêa da Silva: – O trabalho é uma oportunidade de se falar com a criança fora da escola. É uma educação não formal, alternativa. Em outra sala, a oficina de teatro coordenada pelo ator Vini Rodrigues para uma turma de adolescentes é um su-

cesso. Com o roteiro da peça O Assombrado Hotel Majestic na mão, os protagonistas gesticulam e falam alto de tanta expectativa pela estreia no próximo dia 30, na Sala Lili Inventa o Mundo, um espaço ali mesmo no quinto andar onde se desenvolvem atividades lúdicas. – Quero ser atriz no futuro, e essa é a primeira experiência – diz Taís de Oliveira, 16 anos. Também no quinto andar está a Biblioteca Lucília Minssen com um acervo capaz de encantar qualquer criança ou adolescente. São mais de 17 mil livros, além de CDs, vídeos, revistas, jogos e brinquedos. Há ainda uma programação capaz de tirar fôlego até mesmo dessa turminha cheia de energia a quem o espaço se dedica, com atividades como teatro, contação de histórias, encontro com escritores, palestras, lançamento de livros e eventos temáticos. Para Marília Sauer Diehl, coordenadora da biblioteca, a ideia, com tudo isso, é cativar a garotada para o hábito da leitura.

mensagem secreta Entre as letras, em cada linha, há uma ou mais palavras que formam um texto. Cada final de frase tem um ponto que pode ser uma dica. Decifre e descubra o que faz da Casa de Cultura Mario Quintana este lugar tão mágico. Não é difícil. Tente, resista em ler a resposta facilmente.

powerankjvdskeraumacasarsdkjdbfek aldbnbroypjmcbmuitovakdnvlsdkdnvl lasjvvfkhptlljuengraçada,jhpeplnfgyes vltodarosadaeensolarada.dkskiuyevjp cnwdengçlhçlmbfçerpotytodomundo ldsnvotnambxcéfelizjdfkbnbisquando vailáporquewsjirnghpijrtgcvkslfeksbc sklbvculturasefazali.kebflcvnadiktrfnb ksdsnrsortbvinteecincoanosaonvwke nclwbclfjgodacasadeculturaklajhfhab alhfvkmarioquintana.klhkjffjsivhflprpl vbbéumpresentelyejrtjpratodosnós.jk resposta para ler no espelho ,adaçargne otium asac amu arE .adaralosne e adasor adot odnauq zilef é odnum odoT .ila zaf es arutluc euqrop ál iav arutluC ed asaC ad sona ocnic e etniV .són sodot arp etneserp mu é anatniuQ oiraM


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