Artur, o gato com alma de artista: Um processo criativo

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Caroline Pires Marta

Artur: o gato com alma de artista - Um processo criativo

Memorial descritivo apresentado para a conclusão da disciplina “TCC II” do curso de Comunicação e Multimeios da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Orientadora: Profa. Dra. Laís Guaraldo

São Paulo, dezembro de 2013



PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, COMUNICAÇÃO, LETRAS E ARTES

Caroline Pires Marta

Artur: o gato com alma de artista - Um processo criativo

Monografia aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Bacharel em Comunicação em Multimeios.

Banca Examinadora: Profa Dra Laís Guaraldo Prof Dr. Douglas Canjani de Araújo Prof Ms. Bruno Mendonça



Agradecimentos Agradeço aos meus pais, meus irmãos e meus amigos queridos que sempre estão por perto: minhas famílias. Aos meus sobrinhos, que me mostram a leveza e a beleza da infância, todos os dias. À todos os professores que me ensinaram que é fundamental trabalhar com brilho nos olhos: Laís Guaraldo, Laura Teixeira, Douglas Canjani, Bruno Mendonça, Selma Kuasne, Egle e Isa Uehara. Aos meus amigos mais que especiais, Ricky Ribeiro e Cristina Ribeiro, que sempre deram força e inspiração para tudo o que faço na vida. À Bell Motta e à editora Cuore, por acreditarem e investirem no meu trabalho. E principalmente à companheira de todas as horas e de muitos dias e noites de trabalho, Rafaela Basto.



Às vezes uma espera lenta confere uma solução, mas na maior parte do tempo a solução surge com muita luta. Seja qual for o processo, é interessante. Suzy Lee


Lista de figuras Figura 1 - “O homem-Banana”, quadrinho autoral de 2002 Figuras 2 e 3 - Ilustrações para texto de Maiakóvski. Caroline Pires, Arthur Garrido e Elisa Carareto, 2012 Figura 4 - Trabalho na mesa de luz na oficina do Sesc Pompeia Figura 5 - Espaço colaborativo da oficina do Sesc Pompeia Figura 6 - Ilustrações autorais para o texto “Virando Woodwo”, de Neil Gaiman Figura 7 - Página de “Onde vivem os monstros”, de Maurice Sendak. Foto: Juliana Cortês Figura 8 - João Felpudo (1858), de Heirich Hoffmann Figura 9 - “Na noite escura”, de Bruno Munari, edição de 2008 da Cosac Naify Figura 10 - Primeiros esboços do personagem principal do livro, Artur Figura 11 - Experimentação da primeira página do livro Figura 12 - Segunda experimentação da primeira página do livro feita no software Illustrator Figura 13 - Terceira experimentação da primeira página do livro Figura 14 - Primeira tentativa da segunda página do livro Figura 15 - Quarta tentativa de estilo de ilustração Figura 16 - O Artur “original” Figura 17 - Concepção do personagem Artur Figura 18 - Experimentações para concepção do personagem Artur Figuras 19 e 20 - Estilo definido das duas primeiras páginas do livro Figura 21 - Primeira versão da terceira página ao lado da versão final da mesma página Figura 22 - Banco de texturas e paleta de cores do projeto Figura 23 - Esboços da capa do livro Figura 24 - Construção da tipografia do título do livro Figura 25 - Cartaz de Dave Hodges, 1967, que serviu de inspiração para a tipografia do projeto gráfico Figura 26 - Versão final da capa do livro Figura 27 - Página 9 do livro (tipografias) Figura 28 - Alfabeto criado especialmente para o projeto Figura 29 - Primeira versão, feita em setembro de 2013, e a segunda, feita em novembro Figura 30 - Primeira versão “oficial” do Artur, feita em setembro de 2013, e a segunda, feita em novembro


Figura 31 - Versão final do livro “Artur, o gato com alma de artista” Figura 32 - Capa de “Caperucita Roja, Verde, Amarilla, Azul y Blanca”, de Bruno Munari e Enrica Agostinelli, 1998 Figura 33 - Capa de “Caperucita Roja”, de Pedro Perles, 2010 Figura 34 - Página de “Caperucita Roja”, de Pedro Perles, 2010 Figura 35 - Storyboard de “Un petit chaperon rouge”, de Marjolaine Leray, 2009 Figura 36 - Capa de “Un petit chaperon rouge”, de Marjolaine Leray, 2009 Figura 37 - Página de “Un petit chaperon rouge”, de Marjolaine Leray, 2009 Figura 38 - Rascunhos das ilustrações de Artur Figura 39 - Páginas de sketchbooks produzidos durante o processo criativo do livro Figura 40 - O grande circo do mundo (Companhia das Letrinhas), escrito por Marta de Senna, 2010 Figura 41 - O grande circo do mundo (Companhia das Letrinhas), escrito por Marta de Senna, 2010 Figura 42 - Tempo (2013), de Catarina Sobral Figura 43 - O comércio da morte — Inútil magazine no.4 (2011), de Catarina Sobral Figura 44 - Personagens secundários de “Artur, o gato com alma de artista” Figura 45 - Untitled, de Saul Steinberg, 1948 Figura 46 - Graph Paper Architecture, de Saul Steinberg, 1954


Resumo Partindo do processo criativo de um livro infantil entitulado “Artur, o gato com alma de artista”, o memorial descritivo pretende apresentar as questões envolvidas na produção do livro e promover a discussão de temas pertinentes ao processo. O memorial apresentará os elementos da elaboração do produto, a análise das habilidades e competências do ilustrador como coautor de uma obra narrativa, além de refletir sobre o pensamento visual, as estratégias expressivas da linguagem gráfica e fazer uma crítica a esse processo. Além disso, serão apresentadas as diretrizes visuais do projeto gráfico, os ilustradores referências, os estilos buscados, as técnicas e reflexões que o processo aborda. Pretende-se abordar a combinação da prática criativa de produção de material gráfico com a reflexão sobre os desafios implicados nos processos de criação desse tipo de trabalho.

Palavras chave: Ilustração, processo criativo, narrativa visual gráfica.


Abstract Based on the creative process of a children’s book titled “Artur, o gato com alma de artista�, the descriptive memorandum submitted plans to present the issues involving the production of the book, and promote discussion of issues relevant to this process. The memorial will present the elements of writing this album chart, analysis of the skills and competencies of the illustrator as the co-author of a narrative work, and reflect on visual thinking, the expressive graphical language strategies and criticize this process. In addition, guidelines will be presenting visual graphic design, illustrators references, styles fetched, techniques and thoughts that the process approaches. To discuss the combination of the creative practice of producing graphic material with some observation on the challenges involved in the creative process of this type of work.

Keywords : illustration, creative process, graphic visual storytelling.


Percurso Acadêmico Ano passado, ao conversar com alguns colegas da oficina de Ilustração do Sesc Pompeia, em São Paulo, sobre o motivo que os aproximou ao universo da ilustração e do desenho, a maioria começou a contar uma história de criança. Comigo não foi diferente: sempre gostei de desenho, desde muito nova. Muitas crianças adoram desenhar, mas poucas passam dias produzindo livrinhos, quadrinhos, historinhas ilustradas. Lembro nitidamente de planejar durante semanas projetos gráficos e realizá-los, depois mostrar à família toda. Sempre fui atraída pelo processo como um todo: desde escrever, até comprar o material, produzir os desenhos, fazer a colagem dos livrinhos, grampear tudo, mostrar aos leitores, comentar o processo, etc. Esse universo gráfico e narrativo sempre esteve presente em mim e não pude deixar de falar sobre ele no trabalho de conclusão de curso. Na adolescência me interessei muito por quadrinhos, chegando a criar um personagem, o “Homem-banana”, e produzir uma história completa. A história de Artur surgiu há dois anos, na aula de Hipermídia III, quando a professora pediu que escolhêssemos uma música para escrever algo inspirado nela. Eu escolhi a música “Na carreira”, do Chico Buarque, e produzi uma história de um gato que queria ser artista de circo. Logo após escrever a Figura 1 - “O homem-Banana”, quadrinho autoral de 2002 história, o primeiro desejo que me ocorreu foi o de ilustrá-la. Foi quase inevitável atender essa necessidade e produzir um livro, além de um TCC sobre o meu universo pessoal e profissional, que é a ilustração. Quando comecei a frequentar a oficina de Ilustração do Sesc Pompeia em 2012, comandada


pela ilustradora Laura Teixeira, percebi que esse era definitivamente o meu universo. Essa oficina teve muita importância na minha trajetória como ilustradora, pois me permitiu expandir os horizontes da criação e da experimentação de materiais. As experiências e discussões dessa oficina contribuíram para que duas publicações pessoais fossem produzidas, uma ilustrando um texto de Maiakóvski, e outra ilustrando um texto de Neil Gaiman. Conheci técnicas novas, como fotografia na mesa de luz, como podemos ver a seguir:

Figuras 2 e 3 - Ilustrações para texto de Maiakóvski. Carolilne Pires, Arthur Garrido e Elisa Carareto. 2012

A técnica usada para construir as ilustrações de Maiakóvski consiste em dispor materiais sobre uma mesa de luz, montando as composições, para na sequência fotografá-las. O texto é inserido posteriormente, no computador.

Figura 4 - Trabalho na mesa de luz na oficina do Sesc Pompeia

Este projeto foi realizado em grupo de três pessoas (o meu grupo era composto pelos ilustradores Elisa Carareto e Arthur Garrido). Na proposta, era permitido usar papéis cortados, transparências, texturas, enfim, todo o tipo de material sobre a mesa de luz.


Como a oficina durou 2 semestres, no primeiro nos preocupamos em experimentar todo o tipo de material e técnica possíveis. Laura queria que a gente se soltasse, experimentasse de tudo, fugisse do que estávamos acostumados a trabalhar. Quase não usamos desenho tradicional, por isso os resultados foram surpreendentes e bem diferentes do que vinha produzindo. Além da produção, fizemos uma exposição coletiva dos nossos portfolios e vimos muitas referências visuais e poéticas de outros ilustradores. E muitos deles serviram de base para o TCC. A oficina foi muito enriquecedora também pelo espaço aberto em que é realizada. Esse espaço permite uma troca de ideias que constroem um trabalho conjunto e uma rica reflexão do que está sendo produzido, graças à convivência com os outros colegas, inclusive de outros cursos. Figura 5 - Espaço colaborativo da oficina do Sesc Pompeia No segundo semestre da oficina, a proposta era que escolhêssemos um dos textos disponibilizados por Laura e o ilustrássemos individualmente, usando colagem (era proibido cortar com tesoura, só rasgando) e desenho com a mão oposta. Escolhi um texto de Neil Gaiman. O resultado foi esse:

Figura 6 - Ilustrações autorais para o texto “Virando Woodwo”, de Neil Gaiman

Neste trabalho, em especial, houve uma pesquisa de texturas. A expressividade que diferentes papeis conferem a um trabalho é uma pesquisa constante no meu trabalho de ilustradora. A sobreposição de papeis rasgados em contraposição à textura do lápis dermatográfico, que é


um lápis parecido com o de cor, um pouco mais grosso e oleoso, conferiu uma sensação visual de conflito, que era o principal sentimento do personagem. Como o texto fala de uma crise emocional de um personagem, que vaga por uma floresta e fala sobre os seus sentimentos, que são fortes – como raiva e paixão – optei por usar o vermelho, branco e preto, garantindo uma identidade visual ao trabalho pelas cores também (as linhas e texturas fazem parte dessa identidade, como podemos ver na figura). Durante essa oficina pude fazer uma reflexão sobre um conceito que é muito visto em trabalhos com softwares como Photoshop e Illustrator, que é o das camadas. Depois que comecei a trabalhar mais no computador, senti dificuldade em pensar nessas camadas de desenhos no papel. Como no computador há muita facilidade em transitar por essas camadas, errar, voltar, refazer, quando tentava fazer uma ilustração analógica, essa comodidade se transformava numa imensa dificuldade, que demandava diversos rascunhos, até conseguir um resultado satisfatório. A oficina me fez ver que trabalhar com ilustração requer muito estudo. A partir disso, o sketchbook se tornou um companheiro inseparável. Apesar do meu trabalho estar concentrado no computador, é no papel que as principais ideias aparecem. Percebi que as texturas de papeis e lápis, além das manchas de tintas, deviam ser levadas para as ilustrações no computador, por conta disso, o scanner também se tornou um aliado no processo criativo de todos os trabalhos. Com isso, um banco de dados de papeis e texturas foi criado, e algumas coisas desse banco foram utilizadas no produto aqui apresentado. Essa liberdade de transitar entre as diferentes linguagens e técnicas foi um dos maiores ganhos da oficina, abrindo horizontes nos processos que vieram depois dessa experiência. As referências também foram muito enriquecidas, dando mais autonomia e segurança para os trabalhos. Acredito que sem todo esse percurso pessoal e acadêmico haveria muito mais dificuldade em encontrar um tema plausível para uma pesquisa como essa.



Sumário Introdução..........................................................................................................20 Justificativas......................................................................................................26 Objetivos............................................................................................................27 Problematizações.............................................................................................27 Produto..............................................................................................................28 Fundamentação teórica..................................................................................42 Produção...........................................................................................................50 Pós produção....................................................................................................54 Considerações finais.......................................................................................54 Bibliografia.......................................................................................................55


Introdução A ilustração é conhecida popularmente como a imagem que acompanha um texto, seja ela uma foto, desenho, colagem, etc. Mas até que ponto esse papel é visto como secundário numa narrativa? Este memorial irá explorar questões como estas e explicitar o papel do ilustrador como um produtor de linguagem.

O que é ilustração? A ilustração é um dos principais temas deste trabalho, de modo que se faz necessário conhecer suas origens e direções. Na era da revolução da comunicação surgem os códices, que são denominados assim por oposição à forma do rolo de pergaminho. A palavra códice vem do latim codex, que significa bloco de madeira ou livro. Aos poucos, o códice substituiu os rolos como suporte para escrita e, depois disso, foi substituído pelo livro impresso. Não podemos pensar em ilustração sem os códices. A relação entre imagem e texto existe antes do livro impresso. Nos manuscritos antigos encontramos imagens que narram e gerenciam o texto, para facilitar a leitura da população pouco letrada. Essas imagens são conhecidas, também, como ilustrações. Segundo o dicionário Michaelis, ilustração é uma breve narrativa, verídica ou imaginária, com que se realça e enfatiza algum ensinamento. Pode ser considerada também uma publicação periódica com estampas ou o desenho, gravura ou imagem que acompanha o texto de livro, jornal, revista etc., ilustrando-o. O livro de imagem é um livro trimídia, que soma texto, imagem e a consciência do livro-elemesmo. Como exemplo desse livro trimídia, podemos destacar “Onde vivem os monstros”, de Maurice Sendak (1963). Em “Onde vivem os monstros”, a consciência da estrutura do livro como um código ganha vida. Tudo no livro faz parte da narrativa. Como a diagramação faz parte do desenho, a paginação é usada como um recurso narrativo. A frase é interrompida propositadamente, para ser completada depois da pausa que representa uma passagem de folha, e esta suspensão

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enfatiza a narração, funcionando como um “gancho” de leitura.

Figura 7 - Página de “Onde vivem os monstros”, de Maurice Sendak. Foto: Juliana Cortês

O livro de Sendak é muito importante na história da ilustração infantil porque foi principalmente a partir dele que houve uma dificuldade de se pensar na ilustração isoladamente. É nele que se toma consciência que um desenho não é feito só para estampar um livro, mas o desenho é o próprio livro. A relação texto imagem se potencializa, criando um novo universo narrativo. No campo de produção de livros de imagens, temos alguns ilustradores importantes a destacar, além de técnicas empregadas nesta produção, num breve panorama: Até o final do século XVIII, a xilogravura era muito utilizada na ilustração de livros de imagens. Muitos artistas utilizavam a técnica pois esta possibilitava uma maior reprodução. Na primeira metade do século XIX, predomina o livro com ilustração, mas estes livros continham poucas imagens, tendo um texto principal e poucas ilustrações em páginas isoladas. Em meados de 1800, o suíço Rodolphe Topffer conseguiu realizar desenhos acompanhados, logo abaixo, de um texto manuscrito, considerando o texto e a imagem dois componentes essenciais, de “natureza mista”. Topffer é tido como o inventor da história em quadrinhos, por apresentar uma série de vinhetas articuladas entre si.

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Já na metade do século XIX, na Alemanha, surge uma obra emblemática, do autor Heinrich Hoffmann: o “João Felpudo”. Esta obra promove um admirável diálogo entre a narrativa verbal e os desenhos, por conseguir integrar mais os dois elementos, fazendo com que a história se aprofundasse mais. Nos anos 1860, os avanços técnicos permitiram a publicação de obras francesas concebidas especialmente para o público infantil, dentre elas, “Os livros ilustrados Stahl” (pseudônimo de Hetzel), ilustrados por Lorentc Fralich. Temos também, neste mesmo período, “Os livros ilustrados Trim”, com diversas ilustrações coloridas, graças a técnica do stencil.

Figura 8 - João Felpudo (1858), de Heirich Hoffmann

Já nos anos 1870 surgem os Toy Books (livros para brincar), de Walter Crane e Kate Greenaway, possibilitando mais recursos visuais nessa linguagem. Um dos primeiros ilustradores/autores a revelar uma relação de complementariedade entre textos e imagens é o ilustrador americano Randolph Caldecott (1846-1886). Em 1967, na França, o autor e ilustrador americano Maurice Sendak (1928 – 2012) publica aquela que seria uma das mais importantes obras da ilustração infantil: “Onde vivem os monstros”. Nesta obra, as imagens permitem que o inconsciente infantil seja representado. Nos anos 70 e 80, pequenas editoras começam a usar fotografias e estilos pictóricos ousados, disseminando os livros-imagem e os livros com estruturas não narrativas. A partir dos anos 90 a materialidade do livro começa a ser explorada pelas editoras. Entre 1990-2000, muitas pequenas editoras surgem focando o caráter experimental-artístico da ilustração, que começam a ser chamados de livros artísticos. A partir dos anos 2000, grandes editoras começam a investir em livros infantis, como a Cosac Naify e a Companhia das Letras, que cria a linha editorial Companhia das Letrinhas, publicando sucessos da literatura infantil, como “Alice no país das Maravilhas”, de Lewis Carroll.

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A produção da imagem Sophie Van der Linden, em seu livro “Para ler o livro ilustrado”, faz uma análise da produção da imagem, no contexto do universo da ilustração. Ela nos lembra (2011, p. 33) que as imagens usadas num livro ilustrado são reproduções de um trabalho original, de modo que pressupõe uma série de etapas de produção. O rascunho tem um peso muito importante para o ilustrador, que é uma espécie de pesquisador de formas e processos que constituem a sua rede de criação. O ilustrador faz o papel de editor, de diretor de arte. É quase impossível pensar em ilustração sem pensar no design gráfico, pois é um processo que faz escolhas que podem ter consequências significativas para um projeto. Esse papel é mais ou menos marcante, de acordo com a maneira como cada ilustrador lida com o seu processo de criação. Na maioria das vezes, o ilustrador pensa no projeto gráfico do livro e não só nas ilustrações como desenhos soltos, e pode ser visto como co autor da obra ilustrada. A experimentação gráfica teve ênfase a partir do século XX, quando técnicas começaram a ser mais exploradas e a ilustração não era resumida em gravuras originais, apenas. As fotogravuras começaram a ser exploradas, e imagens muito diversas, inclusive com relevo, começaram a ser produzidas. O surgimento da fotografia possibilitou que as imagens ganhassem texturas e volume, conferindo uma enorme possibilidade gráfica aos projetos. A pré produção ganhou mais força a partir daí. Em “Na noite escura”, de Bruno Munari (2008), vemos uma pesquisa de papéis e técnicas explicitados no projeto gráfico do livro. O material usado nesse projeto dialoga com a narrativa e constrói sentidos que não existiriam se o ilustrador não tivesse a preocupação em pesquisar e usar materiais específicos para o livro. As transparências do papel vegetal e as lâminas no meio do livro têm peso tanto quanto um personagem da história. A primeira edição do livro foi feita em 1956, época Figura 9 - “Na noite escura”, de Bruno Munari, edição de 2008 da em que as ilustrações não tinham Cosac Naify um papel tão marcante, elas apenas acompanhavam o texto e, nessa edição, o autor reinventou a forma de ler um livro.

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Primeiramente, a história começa pela capa, que traz a silhueta de um gato, e as páginas seguintes são em papel preto, trazendo a atmosfera noturna da história para o leitor. Já a segunda parte é feita em papel vegetal, o que enfatiza essa simultaneidade de narrativas visuais. É uma leitura que convida o leitor a experimentação sensorial da história.

Quem é o ilustrador? O ilustrador não é aquele que produz imagens para um texto ficar mais atrativo visualmente, e sim aquele que trabalha com os diversos sentidos que um material pode trazer. Ele possui uma linguagem poética própria, que muitas vezes faz parte de todo o seu trajeto profissional e é explicitado em todos os seus trabalhos. Muitos chamam essa linguagem de “traço”, mas esse elemento necessita de uma leitura mais profunda. O traço pode ser lido, aqui, como o processo criativo de todo ilustrador, o seu percurso e, portanto, único. O ilustrador é um artista gráfico, muitas vezes alguém que sempre teve habilidade em desenho e construção de narrativas visuais.

Proposta do memorial Este álbum gráfico vai ilustrar um texto de autoria própria intitulado “Artur, o gato com alma de artista”. O texto conta a história de um gato que quer ser artista de circo e quase enlouquece a sua dona, Teresa, com as coisas que apronta. O processo criativo é dividido em 7 partes: 1. Produção da história 2. Busca da técnica para os desenhos 3. Pesquisa de referênciais visuais (diretriz conceitual) 4. Construção de um roteiro gráfico para a história (diretriz visual) 5. Produção das ilustrações 6. Pesquisa de tipografia 7. Edição (pós produção) O relato de processo tem como molde um livro da ilustradora coreana Suzy Lee, chamado “A trilogia da margem” (2012), que fala sobre o processo criativo de 3 livros de sua autoria. Escolhi contar sobre o processo criativo nesse estilo, mostrando os rascunhos e discussões que cada elemento da produção gerou. Neste livro, a ilustradora conta como foi produzir três dos seus livros: Onda, Espelho e Sombra. Lee fala sobre o seu processo criativo e coisas fundamentais no universo da ilustração, como a

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relação imagem e texto, as mudanças e adequações de projeto. No texto de apresentação do livro do site da Cosac Naify a temática é mais explicitada: “Quem nunca sentiu dificuldade em lidar com um livro sem palavras? A autora de Espelho, Onda e Sombra nos conta de maneira didática e pessoal como as imagens podem narrar uma história sem a palavra”. Em paralelo às experimentações gráficas, haverá a pesquisa de temas que conversam com a produção, e todo esse processo criativo será a base das discussões que a memorial irá contemplar.

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Justificativas O curso de Comunicação e Multimeios fornece elementos para a elaboração de produtos de comunicação em diferentes suportes e linguagens. Problematizar as competências envolvidas nas relações entre imagens e texto e o papel da ilustração na comunicação social objetiva contribuir para um melhor entendimento dos desafios implicados nesse tipo de produção. O presente trabalho pretende gerar uma reflexão sobre todo o processo que existe por trás de um livro ilustrado, reafirmando o papel do ilustrador como um coautor da narrativa; como aquele que cria e modifica os sentidos do leitor. Além disso, o livro como objeto também altera a percepção de quem o lê e, muitas vezes, o ilustrador serve como um designer e diagramador, que se responsabiliza pelo modo como a leitura vai se desenvolver. A profissão de ilustrador precisa ser melhor analisada e relacionada com as novas mídias, de modo a esclarecer a sua importância na área da criação e do design. É importante refletir sobre o processo criativo. Este processo, segundo Cecília Almeida Salles (2004, p.12), não se dá de forma espontânea, ou seja, não é como uma lâmpada que se acende e de um segundo a outro a coisa já está criada. O processo criativo não é algo a ser aprendido numa bula farmacêutica ou numa receita. É uma construção engendrada pela materialidade do próprio processo, e, entrando em contato com esse fazer podemos visualizar a maneira com que o objeto se compõe. A inspiração, definida pelo dicionário Michaelis como a marca do gênio ou do talento na obra do artista, é um dado importante na concepção de um produto artístico, mas não pode-se enfatizar a inspiração pois além de ser algo subjetivo, teoricamente não se sustenta. Consideramos portanto relevante apresentar um relato de processo de criação para outros alunos e profissionais de Multimeios tenham um embasamento para compreender a complexidade do trabalho do ilustrador e a riqueza dos recursos a serem investigados.

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Objetivos O objetivo do produto é ilustrar uma história de autoria própria para, a partir daí, criar uma reflexão sobre o processo criativo do ilustrador e sobre algumas questões geradas por esse tipo de trabalho, além de apresentar o universo gráfico da produção do livro infantil e relacionar o trabalho do ilustrador com os multimeios.

Problematizações - Quais as principais questões envolvidas na produção de um livro infantil? - Quais as referências visuais para um projeto como esse? - Como se documenta um processo criativo? - Quais os desafios enfrentados pelo ilustrador na produção de um livro?

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Produto A ilustração de livros infantis sempre foi objeto de interesse e de estudo, desde criança. É o meu objeto de pesquisa diária, pois estou sempre em contato com um grupo grande de ilustradores contemporâneos, analisando o que está sendo produzido e publicado pelas principais editoras do gênero. O produto que este memorial descreve teve como mote uma história de autoria própria e suas respectivas ilustrações. O livro tem como título “Artur, o gato com alma de artista” e tem o formato A4, 12 páginas ilustradas, além da capa e contra capa, e é voltado ao público infantil, de 6 a 12 anos de idade. Tudo começou com um texto produzido em 2012, na disciplina Hipermídia, onde era proposto escrever uma história a partir de uma música. A música escolhida foi “Na Carreira”, de Chico Buarque. A partir dela, um personagem foi criado – o gato Artur – e todo o universo circense acompanhou a escrita, assim como acontece com a música. ARTUR, O GATO COM ALMA DE ARTISTA Era uma vez um gato chamado Artur. Artur tinha alguma coisa diferente dos outros gatos. Era um gosto, uma mania, uma verdadeira obsessão. Todas as noites, o felino de alma sonhadora ficava na janela de sua casa admirando os fios dos postes, e quem olhasse poderia apostar que o gato estava tramando alguma coisa aérea, mas onde já se viu, bicho sem penas querer alguma coisa no céu? Pois veja só que durante o dia, o gato se arriscava a pular de árvore em árvore, e, de tanto tombo, já tinha gastado seis de suas sete vidas. Teresa, que havia encontrado o bichano na rua quando ele ainda era um filhote, já estava de cabelo em pé por ver o gato pulando daquele jeito. – Acho que ele tem alma de macaco! – disse, no dia em que ele decidiu testar suas habilidades voadoras, se jogando do telhado e caindo no chão. Teresa estava muito preocupada com o comportamento do seu bichinho e decidiu, então, levá-lo ao veterinário. “melhor ainda seria levá-lo ao psiquiatra”, pensou. O médico, ao examiná-lo, não constatou nenhuma característica que o diferenciasse dos outros gatos. Desse modo, não pôde diagnosticá-lo.

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– Seu gatinho não tem nada, viu!? Mas Teresa queria que Artur voltasse a ser um gato normal, desses que ronrona e dorme o dia todo. E levou o gato para outros médicos. E de todos ouviu a mesma resposta. Tentou então terapeutas, padres, tentou até uma benzedeira, que ao ver o bichano cinza malhado, disse “se fosse um gato preto poderia resolver”. E ninguém conseguia descobrir qual era o problema com Artur. Certo dia, enquanto passeava pela vizinhança, Teresa parou para conversar com seu Antônio, dono da vendinha da esquina, que nas horas vagas dava sábios conselhos aos moradores do bairro. Seu Antônio disse que o problema do gato podia ser “da cabeça”. E aconselhou dona Teresa a não deixá-lo nunca sozinho, levando-o em todos os lugares frequentados por ela. Assim, Artur conheceu cinemas, shoppings, teatros, praias, bares, restaurantes... Sempre escondido na enorme bolsa de Teresa. Um dia, ficaram sabendo que o circo estava na cidade. Teresa lembrou-se que a última vez que tinha ido ao circo foi quando era criança! Decidiu assistir a uma apresentação, e procurou Artur, que não estava em nenhum lugar da casa. Foi quando viu um rabo balançando agitado pra fora de sua bolsa: o gato, ansioso, já tinha até se adiantado. Noite no circo! Luzes e cores, os acrobatas cruzando o céu de lona recheado de gigantes estrelas multicores! Artur ficou maravilhado. Pulava dentro da bolsa, miava, queria sair. Foi muito difícil manter o esconderijo do bichano. Quando chegou a vez do equilibrista, Artur não se conteve: pulou da bolsa e foi direto para o alto do picadeiro. Todo mundo se espantou: – Ohhhhhhh! Teresa gritava por Artur, que subia a escada do equilibrista e ninguém viu como, mas conseguiu andar até a metade da corda bamba, dar um pulo e virar três cambalhotas no ar, antes de cair na cama elástica. Então era isso! Artur pulava nos fios de poste porque tinha um sonho... Ele treinava noite e dia para se tornar o primeiro gato equilibrista do brasil! Teresa, muito nervosa, pegou Artur, colocou-o na bolsa e saiu do circo, sem ouvir os enormes aplausos da plateia... Por conta disso, Artur foi proibido de sair de casa e passou, então, a observar os fios dos postes protegido pelo vidro da janela. Agora ele só tinha uma vida.

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Até o dia em que um passarinho pousou suavemente em um dos fios... seu nome era Beatriz. Artur ficou encantado com aquele ser alado, que podia pousar no fio que quisesse, pular, dar cambalhota no ar... Foi paixão à primeira vista, e Beatriz não resistiu àqueles bigodes e pêlos macios. Naquele dia, o circo se despedia da cidade, com dois novos integrantes. Artur e Beatriz foram felizes para sempre na única vida que possuíam.

Experimentações iniciais (diretriz visual) O primeiro objetivo do processo criativo foi encontrar o estilo do personagem principal, Artur. Os primeiros esboços foram feitos no papel, procurando por algo que representasse um gato “gordinho” que fosse ao mesmo tempo elástico e surpreendesse o leitor ao longo da história com os seus movimentos. como podemos ver na imagem ao lado. A partir desses estudos de personagem, a ambientação da história e pesquisa de paleta Figura 10 - Primeiros esboços do personagem principal do livro, Artur de cores começou a ser investigada. Para isso o primeiro teste foi produzido no papel, com colagem e desenho a nanquim e grafite:

Figura 11 - Experimentação da primeira página do livro

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A partir da experimentação da primeira página, testei o mesmo desenho com o software Illustrator, usando uma mesa digitalizadora. Senti o desenho duro demais e voltei para as experimentações no papel.

Figura 12 - Segunda experimentação da primeira página do livro feita no software Illustrator

A mancha de texto ainda estava muito “pesada” visualmente e isso incomodava. Ainda mantendo o mesmo texto, experimentei um fundo branco e as texturas de outros elementos mais “analógicos”, como grafite e lápis de cor. Mesmo assim, a mancha de texto ainda pesava. Decidi, então, pedir para uma amiga escritora reescrever a história de forma mais parecida com poesia, com rimas e menos texto, e ficou assim:

Figura 13 - Terceira experimentação da primeira página do livro

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Houve, então, uma pesquisa para a segunda página nesse mesmo estilo:

Figura 14 - Primeira tentativa da segunda página do livro

Mesmo com tantas experimentações, sentia que ainda não era desse jeito que o livro deveria ficar. Nesse meio tempo, uma editora (Cuore) entrou em contato comigo e propôs que a minha história fizesse parte do seu catálogo de 2014. Eu aceitei, deixando claro que isso tudo era parte do meu Trabalho de Conclusão de Curso, e que precisava passar por algumas etapas, como essas experimentações. Por pedido da editora, o texto original voltou a ser o “não poético”, que é o primeiro. Como tudo o que havia sido produzido até agora ainda não correspondia àquilo que imaginava, tentei mudar o estilo, fazendo uma ilustração no computador e preenchendo as cores do desenho e depois apagando com uma borracha pequena, o que trouxe algumas “sujeiras” para o desenho, lembrando uma xilogravura. Figura 15 - Quarta tentativa de estilo de ilustração

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O Artur deixou de ser um gato branco, tornando-se um gato laranja, mais fiel ao Artur original, que era dessa cor:

Figura 16 - O Artur “original”

Experimentei, então, o uso de texturas de papeis colados um sobre o outro com diferentes opacidades (isso foi feito no computador) e finalmente senti que o projeto tinha amadurecido o suficiente para seguir em frente. O resultado foi este:

Figura 17 - Concepção do personagem Artur

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O percurso gráfico da concepção de Artur Uma das coisas mais interessantes de todo o projeto é o caminho que foi tomado em relação à construção do Artur. As idas e vindas desse trajeto foram um estudo imprescindível para a construção da identidade visual do livro.

Figura 18 - Experimentações para concepção do personagem Artur

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Depois de todos esses estudos, e com o Artur já concebido, o caminho para a construção das primeiras páginas do livro foi trilhado com um pouco mais de facilidade.

Figuras 19 e 20 - Estilo definido das duas primeiras páginas do livro

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Figura 21 - Primeira versão da terceira página ao lado da versão final da mesma página

Uma coisa importante a observar é como os primeiros rascunhos foram importantes para a produção do livro como um todo. Na terceira página, a ideia dos gatos pendurados em árvores foi resgatada de um dos primeiros rascunhos. Nesse estágio, a paleta de cores e as texturas dos papeis já estavam estabelecidos.

Figura 22 - Banco de texturas e paleta de cores do projeto

A capa do livro, a pedido da Editora, foi feita na metade do processo criativo, quando apenas 6 páginas estavam feitas, e o seu processo foi documentado.

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Figura 23 - Esboços da capa do livro

Primeiramente, houve a ideia de colocar 7 gatos representando as 7 vidas de Artur e a última vida seria a representada na parte da frente, ele pulando em direção ao balanço do trapézio do circo. Fazendo o rascunho, percebi que havia muita informação na capa, e ela deveria ser mais sucinta e direta, sem tantos elementos, mas ao mesmo tempo deveria ter um elemento gráfico que chamasse a atenção. Houve, então, a construção da tipografia, que foi inspirada num cartaz feito pelo artista Dave Hodges em 1967, cuja temática é circense.

Figura 24 - Construção da tipografia do título do livro

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Figura 25 - Cartaz de Dave Hodges, 1967, que serviu de inspiração para a tipografia do projeto gráfico

O resultado final da capa foi o seguinte:

Figura 26 - Versão final da capa do livro

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As diferentes tipografias, após o processo de construção da capa do livro, começaram a surgir no processo, fazendo parte de outras páginas também, como podemos ver na imagem:

Figura 27 - Página 9 do livro (tipografias)

Outro ponto importante que surgiu no processo criativo foi a necessidade de criar uma tipografia autoral para o livro inteiro. Foi assim que surgiu a ideia de escrever o texto inteiro com a minha própria letra. O alfabeto criado foi este:

Figura 28 - Alfabeto criado especialmente para o projeto

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Depois que todas as 12 páginas do livro foram ilustradas, e revendo as primeiras páginas que tinham sido feitas 2 meses antes da última página, notei que alguns elementos precisavam de revisão, para condizer à identidade adquirida no final do projeto. Como exemplo, podemos ver a página 2.

Figura 29 - Primeira versão, feita em setembro de 2013, e a segunda, feita em novembro

Houve uma modificação no Artur também:

Figura 30 - Primeira versão “oficial” do Artur, feita em setembro de 2013, e a segunda, feita em novembro

Depois de todo esse processo, o resultado final de Artur, o gato com alma de artista ficou assim:

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Figura 31 - Versão final do livro “Artur, o gato com alma de artista”

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Fundamentação teórica “A origem etimológica do termo ilustrar vem do latim: ilustro: lançar luz, tornar claro, dar brilho, enfeitar, ver. Daí as imagens que acompanhavam os primeiros livros chamarem iluminuras. Definida como “imagem que acompanha o texto” pelo dicionário Houaiss, a ilustração implica no diálogo entre duas linguagens: verbal e visual. No entanto esse diálogo pode ocorrer de formas muito distintas. A expressão “acompanhar” um texto é oportuna, pois indica ausência de hierarquia. A imagem ilustrativa não foi considerada por Houaiss como ornamento do texto, mas companheira.” (GUARALDO, 2006, P. 2)

O diálogo entre a linguagem verbal e a visual é o principal desafio enfrentado por um ilustrador. As escolhas feitas para gerar este diálogo são os principais objetos de estudo deste memorial. Documentar essas escolhas e colocá-las lado a lado, gerando uma reflexão acerca da diretriz visual, foi o objetivo do capítulo Produto. Agora, se faz necessário fundamentar toda a produção, trazendo alguns temas para serem discutidos e comparados ao que foi produzido. Para isso, é interessante levantar alguns tópicos, como Ilustração infantil e suas funções de linguagem, Livro de Imagem, e Poéticas artística e gráfica.

Ilustração infantil – funções de linguagem O primeiro contato que a maioria das crianças tem com livros é ao ouvir um adulto ler. A criança vai crescendo, aprendendo a ler, e a figura do contador de histórias vai, aos poucos, desaparecendo, fazendo o leitor mirim ter contato direto com um livro. Sobre a relação da criança com a leitura de um livro, a autora e educadora Teresa Colomer, em seu artigo “El álbum y el texto” (1996), diz que as crianças sentem a diferença quando ouvem uma história narrada oralmente ou quando elas mesmas a leem. Quando temos um texto acompanhado de uma imagem, essa leitura se potencializa, pois permite múltipla interpretação. A ilustração infantil tem o papel de auxiliar a leitura da criança e o livro de torna um mediador desse olhar. Mais do que para decifrar o texto, a ilustração tem um papel educativo, tanto no sentido pedagógico, quando no sentido de desenvolver a sensibilidade presente em uma pessoa que está se formando, o que aproxima o papel de um livro com o de uma obra de arte. Segundo o autor Luis Camargo, em seu texto “A relação entre imagem e texto na ilustração de poesia infantil”, a ilustração pode ter várias funções dentro de um texto. Ela pode ser

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descritiva (representar os personagens, cenário, figurinos), narrativa (o que acontece, o que fazem os personagens), simbólica, expressiva (como o ilustrador trabalha com a narrativa: realisticamente, com sátira, estilizando, debochando, exagerando em alguns aspectos, etc) e estética (quais elementos expressivos o ilustrador usa e como os utiliza: linha, cor, forma, mancha, etc.). No caso de Artur, o gato com alma de artista, a função da linguagem das ilustrações é uma mistura de todas essas. Há a representação dos personagens e cenários, assim como há a função narrativa, mas de uma forma estilizada, mostrando essa narrativa de uma forma fantástica, quase mágica. E não há como negar que a função estética é explorada, já que a pesquisa de materiais foi explicitada nos desenhos, mostrando novas texturas e formas para o meu trabalho. Sophie Van der Linden, em seu livro “Para ler o livro ilustrado”, categoriza (2011, p. 120) as relações entre texto e imagem do ponto de vista da recepção do sentido da seguinte forma:

Relação de redundância: “é o grau zero da relação do texto e imagem, que não produz nenhum sentido suplementar.” Isso não quer dizer que o texto e a ilustração de um livro podem dizer a mesma coisa, até porque eles pertencem a linguagens diversas, mas esses conteúdos narrativos são sobrepostos, de forma a um deles poder sustentar a narrativa como um todo, sem a necessidade do outro.

Relação de colaboração: é quando a imagem e o texto trabalham juntos a favor de um sentido comum. Nessa relação, “o sentido não está nem na imagem nem no texto: ele emerge da relação entre os dois”.

Relação de disjunção: é quando não há a sobreposição dos conteúdos, a imagem deixa o campo de interpretação aberto, não complementando e nem reforçando o que o texto diz, mas criando outra narrativa. Independente de todas as relações que podemos identificar em uma obra ilustrada, uma criança sempre vai encontrar num livro uma janela para aprimorar os seus sentidos e a intenção em toda essa produção é contribuir para essas descobertas.

Livro de Imagem ou Álbum Gráfico Segundo Angela Lago (s/d), um livro de imagem é um lugar para descobrir e explorar novas possibilidades narrativas. Ou então, um “campo de experimentação”. Este campo de experimentação é aberto, pois a ilustração contém uma variação de interpretação muito expandida. Quando o texto diz uma coisa e a imagem complementa de uma forma

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não-óbvia (a história de chapeuzinho vermelho não mostra a menina vestida de vermelho necessariamente, por exemplo), o bom livro de imagem cumpre o seu papel de forma mais competente. Para exemplificar, podemos pegar o livro “Caperucita Roja, Verde, Amarilla, Azul y Blanca”, de Bruno Munari e Enrica Agostinelli. Nesta versão da tradicional história dos irmãos Grimm, cinco chapeuzinhos nos são apresentadas: a vermelha original, a verde, que vive numa floresta selvagem, a amarela que vive na cidade grande, a azul que vive numa ilha e a branca que vive na neve. Cada uma delas é diferente, mas há algo em comum: um lobo feroz vai atrás delas. A grande surpresa dessa versão é que a parte Chapeuzinho Branca, que vive na neve, é ilustrada por... branco! São páginas e mais páginas em branco, que, mesmo assim, Figura 32 - Capa de “Caperucita Roja, Verde, Amarilla, Azul y Blanca”, de Bruno Munari e Enrica Agostinelli, contam com expressividade a versão da tão 1998 conhecida história. Como não há nenhum desenho nesta versão, a interpretação fica totalmente nas mãos do leitor. É como se Munari e Agostinelli dessem um presente a quem abre o livro e dissessem: Te demos uma narrativa que já é tão conhecida e cinco versões diferentes dela. Aproveite a viagem e conte a você mesmo a história do jeito que lhe for mais interessante! Há muitas outras versões da história da Chapeuzinho Vermelho e, dentre elas, vale destacar a do ilustrador Pedro Perles. Nela, o artista tenta contar a história com todos os seus elementos: lobo, vovó, floresta, menina da capa vermelha, mas sem nenhum texto, somente imagem. Nas ilustrações, Perles representa um zoom em algumas partes, como os pés e orelhas do lobo mau, os sapatos vermelhos da Chapeuzinho. No texto de apresentação do livro que o ilustrador colocou no seu site, lemos: “Há uma Chapeuzinho. Há um lobo, há uma avó. Há tensões. As coisas acontecem. E eu tentei contá-las, sem palavras, sem levar em conta outros critérios padronizados que havia essa história já foi submetida.” Nesses casos, o ilustrador faz um papel de explorador de novas narrativas. Tanto Munari quanto Perles buscam uma alternativa de contar a mesma história usando diferentes

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elementos gráficos que fazem parte de seu universo. É um processo de pesquisa de dois ilustradores que buscam explorar as diferentes relações entre texto e imagem. Para o leitor, ter contato com essas versões é tão (ou até mais) enriquecedor do que com a versão original, pelo fato de que elas possibilitam que a leitura se desgrude da forma escrita, e encontre a imaginação. Vira uma brincadeira educativa, no sentido de fazer a leitura se desgrudar ao máximo do senso comum. Como a história já é muito conhecida, há mais facilidade em entrar nesse jogo narrativo proposto pelo artista.

Figura 33 - Capa de “Caperucita Roja”, de Pedro Perles, 2010

Figura 34 - Página de “Caperucita Roja”, de Pedro Perles, 2010

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Existe, também, uma versão da Chapeuzinho Vermelho ilustrada pela artista Marjolaine Leray. Nessa versão francesa, a Chapeuzinho é um amontoado de rabiscos de lápis de cor vermelho, e o lobo é um rabisco preto. Os recursos gráficos acentuam a dramaticidade da história e a expressão poética da obra. No site da ilustradora, temos acesso a um rascunho do storyboard do livro, dado extremamente significante numa pesquisa visual como essa.

Figura 35 - Storyboard de “Un petit chaperon rouge”, de Marjolaine Leray, 2009

Figura 36 - Capa de “Un petit chaperon rouge”, de Marjolaine Leray, 2009

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Figura 37 - Página de “Un petit chaperon rouge”, de Marjolaine Leray, 2009

Vale a pena colocar mostrar essa versão, para podermos observar o quanto é possível, também, criar uma rica narrativa gráfica usando poucos elementos. Nesse caso, a ilustração salta ao texto, porque fala mais alto do que ele. Tudo isso por conta da escolha dos materiais, que fizeram com que os desenhos ganhassem muita dramaticidade e personalidade. É possível, por meio desses materiais, ver os gestos da ilustradora trabalhando, por isso a riqueza na interpretação da obra.

Poéticas artística e gráfica Discutir arte sob o ponto de vista de seu movimento criador é acreditar que a obra consiste em uma cadeia infinita de agregação de ideias, isto é, em uma série infinita de aproximações para atingi-la (Italo Calvino, 1990). Arte não é só o produto considerado acabado pelo artista: o público não tem ideia de quanta esplêndida arte perde por não assistir aos ensaios (Murray, Louis, 1992). O artefato que chega às prateleiras das livrarias, às exposições ou aos palcos surge como resultado de um longo percurso de dúvidas, ajuste, certezas, acertos e aproximações. Não só o resultado mas todo esse caminho para se chegar a ele é parte da verdade (Marx citado por Eisenstein, 1942) que a obra carrega. (SALLES, 2004 p.25)

Os conceitos de processo criativo e de poética artística e gráfica se aproximam porque

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se complementam e a poética no universo da ilustração mora em todo o seu processo de criação, desde quando o texto está sendo escrito até o momento de diagramação e design das páginas do livro. Assim com um poeta escolhe as palavras certas para nos dizer algo e constrói uma narrativa riquíssima com essas escolhas, um artista tem o poder de escolher como dizer o que se quer dizer, graficamente. No livro “O Gesto Inacabado”, a autora Cecília Almeida Salles (2004, p.11) conta que o filósofo Michel Foucault sonha em ter uma editora de pesquisa que mostre o seu processo de trabalho em movimento, em sua forma problemática. É exatamente esse desejo de explicitar e pesquisar o processo criativo no momento em que ele está acontecendo que se tornou o ponto de partida do memorial descritivo apresentado aqui. Normalmente, essa análise crítica se dá após o objeto ter sido produzido. Aqui, a valorização da análise enquanto processo acompanhante da produção é o que caracteriza o trabalho de apresentação da obra. Mergulhar no universo do processo criativo requer muita observação e disciplina. É preciso documentar cada etapa do percurso, fazer anotações de tudo o que permeia o projeto e, não menos importante, abrir espaço para que outros dados façam parte deste processo. O processo criativo é contínuo e não tem descanso. No caso de Artur, o gato com alma de artista, pode-se dizer que esse processo começou há dois anos atrás. Desde que o texto foi escrito, a imaginação já traçou alguns rascunhos, até que o momento de passar tudo isso pro papel aconteceu com o TCC. A maior dificuldade, em todo o processo, foi encontrar uma linguagem poética que dissesse aquilo que estava interiorizado por mim desde que o texto foi escrito. No campo da ilustração, a poética é um componente expressivo da linguagem que podemos ler em diversos elementos. A linha, cor, textura, gesto, mancha, transparência, enquadramento, contraste, brilho, tudo isso faz parte da composição poética de cada obra. A definição do Dicionário Online de Português (http://www.dicio.com.br/) para a palavra “Poética” é a seguinte: s.f. Arte de elaborar composições poéticas. Tratado de versificação. Conjunto

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de recursos expressivos, especialmente quanto à técnica do verso, de um escritor, de uma época.


Qual a poética que existe no processo de construção do personagem Artur? Todas as escolhas que foram tomadas para a produção do livro fazem parte da sua poética. Ela tem a ver com o estilo de cada artista, com o seu traço, as palavras que usa para dizer algo, e todas as escolhas de linguagem usadas em todo o processo de criação. A poética, nesse caso, abrange até a construção do personagem, que existiu na minha vida. O livro é uma homenagem à memória que tenho do Artur de verdade.

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Produção Para falar sobre a produção do livro, é necessário mostrar uma ferramenta fundamental para qualquer ilustrador: o sketchbook, que serve como um diário de rascunhos de ideias. Nas ilustrações do livro do Artur, os rascunhos estão escondidos em camadas escondidas nos arquivos do Photoshop.

Figura 38 - Rascunhos das ilustrações de Artur

O sketchbook é um diário de anotações visuais e tem um peso muito importante para o ilustrador, uma espécie de pesquisador de formas e processos que constituem a sua rede de criação. Para documentar essas pesquisas, é imprescindível que o ilustrador carregue consigo o sketchbook. A seguir, podemos ver alguns desenhos produzidos simultaneamente ao produto:

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Figura 39 - Páginas de sketchbooks produzidos durante o processo criativo do livro

Enquanto Artur tomava forma dentro do livro houve a necessidade de desenhar sobre outras coisas, rabiscar, cortar e colar papeis. Era como se tudo o que estivesse sendo produzido, além do livro, fizesse também parte da pesquisa a que ele estava submetido. Como o Artur, o gato com alma de artista foi criado totalmente no computador, a necessidade de rabiscar no papel foi importante como pesquisa de traço, de cores, de espacialidade do desenho.

Referências visuais Toda a produção do livro não teve uma única referência. Não pode-se considerar que o trabalho foi inspirado em alguma obra produzida anteriormente, pois as referências visuais usadas para ele são formadas pelo conjunto de coisas que foram acumuladas nesta bagagem gráfica enriquecida em três anos de trabalho. Por conta disso, vou citar alguns artistas e trabalhos que se aproximam do que foi produzido aqui, mas essa comparação só existiu na pós produção.

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Figura 40 - O grande circo do mundo (Companhia das Letrinhas), escrito por Marta de Senna, 2010

O trabalho do ilustrador contemporâneo Daniel Bueno se aproxima do que foi apresentado aqui. Bueno usa em seus trabalhos muitas texturas de papeis e as formas são criadas a partir dessas sobreposições de cores e texturas que ele propõe. Figura 41 - O grande circo do mundo (Companhia das Letrinhas), escrito por Marta de Senna, 2010

No livro “O grande circo do mundo”, cujo tema é também o circo, Bueno usa essas texturas que parecem de papel envelhecido para construir os personagens, alternativa usada também em Artur. Outra referência para o meu trabalho como um todo é a produção da ilustradora contemporânea portuguesa Catarina Sobral.

Figura 42 - Tempo (2013), de Catarina Sobral

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Figura 43 - O comércio da morte — Inútil magazine no.4 (2011), de Catarina Sobral


As representações de pessoas e os desenhos em preto e branco são os trabalhos que mais se conectam aos meus. No livro produzido aqui, por exemplo, todas as pessoas são representadas em preto e branco, para não sobresair às figuras coloridas de Artur e Beatriz.

Figura 44 - Personagens secundários de “Artur, o gato com alma de artista”

Além disso, as formas humanas têm muita correspondência às usadas no trabalho de Sobral. Por último, não dá pra deixar de citar o ilustrador que mais admiro e cujo trabalho é a maior referência para tudo o que é produzido por mim: Saul Steinberg. Saul Steinberg nasceu na Romênia em 1914 e ficou famoso por ilustrar as capas do periódico The New Yorker. Steinberg tem um traço inconfundível. O ilustrador teve em suas mãos o poder de síntese e trabalhou de forma única, explorando diferentes materiais e conferindo um sentido inédito a eles.

Figura 45 - Untitled, de Saul Steinberg, 1948

Figura 46 - Graph Paper Architecture, de Saul Steinberg, 1954

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Pós Produção Todos os desenhos foram produzidos no software Photoshop CS6. A pós produção (edição e revisão) também foi feita nele. O livro foi impresso em papel A4 couchê fosco 230 gramas (capa) e em papel couchê fosco 150 gramas (demais páginas). O acabamento foi o seguinte: vinco, dobra, refile e grampo.

Considerações finais A ilustração é uma área considerada “alternativa” na maioria dos cursos de graduação, por não se definir como arte nem como design, e sim como uma mistura de todos os campos dessas áreas. Por três anos procurei no curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo algo que me interessasse e não encontrei. Depois que ingressei no curso de Comunicação e Multimeios, pude entrar em contato com professores que incentivaram a busca pela minha área, e foi então que eu encontrei a ilustração. Poder fazer um trabalho de conclusão de curso como esse, que une 4 anos de experiência e uma vida inteira de paixão, foi algo que fez valer a pena todo o caminho conturbado até conseguir definir a minha profissão. Por isso, agradeço muito a todos os professores do curso que contribuíram de alguma forma, mostrando ferramentas para que esse trabalho fosse concluído.

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Bibliografia CAMARGO, Luís. A relação entre imagem e texto na ilustração de poesia infantil. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/poesiainfantilport.htm> Acesso em 15 de outubro de 2013. GUARALDO, Laís. A construção da linguagem gráfica na criação de ilustrações jornalísticas. Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC SP, São Paulo, 2007. GUARALDO, Laís. A ilustração jornalística. UNIrevista (UNISINOS), São Paulo, v. 1, p. 1, 2006. LAGO, Angela. O códice, o livro de imagem para criança e as novas mídias. Disponível em: <http://www.angela-lago.com.br> Acesso em março 2013. LEE, Suzy. A trilogia da Margem – São Paulo; Editora Cosac Naify, 2012. LINS, Guto. Livro infantil? Projeto gráfico, metodologia, subjetividade - São Paulo: Rosari, 2002. NEVES, Galciani. Tramas comunicacionais e procedimentos de criação: por uma gramática do livro de artista. Tese de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2009. SALLES, Cecília. Gesto Inacabado. Processo de criação artística – São Paulo; Editora Annablume, 2004. TESSLER, Elida. DUBLING: um ano, um dia e algumas inconfidências conjugadas. Tessituras & Criação n1. [suporte eletrônico] Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index. php/tessitura>. Acesso em 24/03/2013 TEIXEIRA, Laura. Livro-ativo: A materialidade do objeto como fundamento para o

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projeto do livro infantil em forma de códice. Tese de Mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, FAU-USP, São Paulo, 2010. VAN DER LINDEN, Sophie. Para ler o livro ilustrado – São Paulo; Cosac Naify, 2011.

Links: BUENO, Daniel. Website disponível em <http://www.buenozine.com.br/> Acesso em 13 de novembro de 2013. LEE, Suzy. Website da autora disponível em <www.suzyleebooks.com> Acesso em 20 de agosto de 2013. LERAY, Marjolaine. Website disponível em <http://marjolaineleray.com/> Acesso em 10 de novembro de 2013. PERLES, Pedro. Website disponível em < http://pedroperles.net/> Acesso em 10 de novembro de 2013. SOBRAL, Catarina. Website disponível em <http://catarinasobral.com/index.php> Acesso em 13 de novembro de 2013. STEINBERG, Saul. Website disponível em <http://www.saulsteinbergfoundation.org/> Acesso em 13 de novembro de 2013. Dicionário Online de Português. Website disponível em <http://www.dicio.com.br/> Acesso em 8 de novembro de 2013. Dicionário Michaelis de Português. Website disponível em <http://michaelis.uol.com.br/ moderno/portugues/index.php> Acesso em 8 de novembro de 2013.

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