RESTYLING DA REVISTA FARMÁCIA PORTUGUESA // DIREÇÃO DE ARTE // PAGINAÇÃO

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FARMÁCIA PORTUGUESA

Farmácias ajudam portugueses a sobreviver no Interior abandonado

Carlos Moreno

Juiz Jubilado do Tribunal de Contas

«Farmacêuticos foram vilipendiados»

PUBLICAÇÃO trimestral • 207

Os resistentes


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www.nutricia.pt

Avenida D. João II lote 1.17.02 15º piso, Torre Fernão de Magalhães, 1998-025 Lisboa Telf.: 21 425 96 00 . Fax: 21 418 46 19


editorial

Os passos que nos aproximam

Maria da Luz Sequeira

Caminante, son tus huellas / el camino y nada más; caminante, no hay camino, / se hace camino al andar. Antonio Machado (1875 – 1939); in “Campos de Castilla”

Quisemos, assim, rasgar as leis da Física e abrir janelas sobre a realidade quotidiana de cada um de nós, nas nossas farmácias, com as nossas vivências, por vezes, afinal, tão comuns, mas também tão distintas. Perceber, nos discursos diretos, a matéria dos números e a crueza das estatísticas, e a forma como resistimos no desempenho de um papel que tantos procuram ignorar. Quisemos ver e mostrar o mundo pelos olhos de quem melhor o conhece, deixando-nos guiar pelos colegas nas viagens pelas suas terras. Quisemos manter abertas as portas à entrada de visões diferentes, assim como conservámos o nosso lado mais técnico, na certeza de que há campos por explorar que podem ser um apoio importante para colmatar as dificuldades que continuam a atingir as farmácias.

Gostávamos agora de perceber se os leitores concordam com a nossa opinião de que esta é a direção certa para a “Farmácia Portuguesa”. Contamos, por isso, com a vossa disponibilidade para novas sugestões e críticas, porque o caminho, no fundo, não existe; constrói-se a cada passo.

As novidades saltam à vista na edição que agora lhe chega às mãos.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Peço emprestadas as palavras a Antonio Machado, poeta castelhano que disse «o caminho faz-se caminhando», para me referir a mais um passo dado pela nossa “Farmácia Portuguesa” no seu curso gradual rumo a uma cada vez maior proximidade dos seus leitores. As novidades saltam à vista na edição que agora lhe chega às mãos e na qual é evidente todo um corpo refrescado. Mas não ficámos por aqui. Quisemos ir mais fundo e tocar o próprio âmago da revista: a imagem e a palavra. Os conteúdos mantêm o espírito institucional da publicação, mas mudámos o seu foco. Perguntámo-nos de que era feita a alma da ANF, e sem nenhuma distorção vemos os seus associados na resposta. Pois se as instituições são as pessoas, serão elas os protagonistas das nossas páginas!

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prontuário

Propriedade

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Diretora Maria da Luz Sequeira conselho editorial Nuno Vasco Lopes Filipa Duarte-Ramos Duarte Santos Projeto Departamento de Comunicação da ANF Carina Machado Carlos Enes (Responsável) José Luís Martins Nuno Esteves Produção

34 Edifício Lisboa Oriente Av. Infante D. Henrique, 333 H, 44 1800-282 Lisboa T. 218 504 060 - Fax: 210 435 935 Consultora Comercial Sónia Coutinho soniacoutinho@bmarketingcom.pt T. 961 504 580 Assinaturas 1 Ano (4 edições) - 50,00 euros Estudantes de Farmácia - 27,50 euros Contactos T. 213 400 650 • Fax: 213 400 674 Email: anf@anf.pt Periodicidade: Trimestral Tiragem: 3 000 exemplares Distribuição gratuita aos associados da ANF Impressão e acabamento RPO - Produção Gráfica, Lda. Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de janeiro

FARMÁCIA PORTUGUESA

Distribuição

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FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa

www.anf.pt

23 03 - Editorial

A diretora, Maria da Luz Sequeira, explica o espírito que presidiu à remodelação da revista “Farmácia Portuguesa”.

06 - Os Resistentes – Reportagem

Uma parte da população portuguesa vive cada vez mais abandonada. A desertificação e o encerramento de serviços públicos não param de destruir economias locais, sonhos, qualidade de vida. Vamos conhecer o que fazem as farmácias nas aldeias e vilas do Interior. Como encaram esses portugueses, que já perderam a escola e a extensão do centro de saúde, o risco de falência da sua farmácia?

23 - Saúde Animal

Um estudo da consultora GfK mostra que os animais de companhia são acolhidos por cada vez mais famílias como seus membros. Saiba como as farmácias respondem a esta realidade. Conheça alguns dos animais de estimação da família ANF.

34 - Campanha de Vacinação


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50 38 - Entrevista a Carlos Moreno

O juiz jubilado dos tribunais de contas português e europeu discorre sobre a despesa pública, a austeridade e os seus efeitos na economia das farmácias. Carlos Moreno abre o livro aos poemas e valores mais importantes da sua vida.

42 - Notícias Internacionais 44 - Consultoria Jurídica 46 - Ébola. Cúmplice da Peste Negra

48 - Consultoria Fiscal 50 - Farmacêutico Convida

A partir deste número vamos conhecer Portugal guiados pelos farmacêuticos. Profissionais de saúde melhor distribuídos no território, os farmacêuticos conhecem todos os segredos das suas regiões.

62 - Entre Nós – Paulo Duarte

O Presidente da ANF discorre sobre a obsessão permanente das farmácias portuguesas com a inovação e o legado de João Cordeiro.

O Ébola ajudou a Peste Negra a dizimar a população europeia. Foi o Museu da Farmácia a fazer a divulgação deste importante conhecimento científico em Portugal.

No próximo número FARMÁCIA PORTUGUESA

Na edição de dezembro da “Farmácia Portuguesa” contamos-lhe tudo sobre o Prémio João Cordeiro. Fique a conhecer todas as medidas que deve adotar, na sua farmácia e na comunidade, para prevenir e lidar com casos suspeitos de Ébola. Na nova secção “Farmacêutico Convida” vamos visitar a Madeira e as suas tradições de Natal e Ano Novo.

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FARMテ,IA PORTUGUESA


Os resistentes FARMÁCIA PORTUGUESA

Fecham escolas, tribunais, centros de saúde, postos de correio. O Estado retira-se aos poucos das pequenas aldeias do Interior. Mas ainda lá vivem portugueses, de mão cheia e coração extraordinário. Fazem amizade para a vida com os seus farmacêuticos. Quando morrem, deixam nas farmácias livros de poemas, artefactos para o gado, um museu de emoções. Uma reportagem nas farmácias ameaçadas pela austeridade, que o povo tenta segurar às terras que ainda não foram abandonadas.

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UM ALVARÁ PARA SETE ALDEIAS

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A aldeia, branca, não é maior do que um presépio. Duas mãos cheias de casinhas caiadas, agarradas ao chão por rodapés vermelhos, amarelos e azuis. Tirando a casa do povo, onde funciona uma extensão do centro de saúde do Alandroal, com uma médica de Badajoz, não há serviços públicos. A farmácia encontra-se logo. A arquitetura denuncia um edifício verdadeiramente central para a aldeia. «Está feita à minha medida», explica Sílvia Bentes, a farmacêutica proprietária. Pôde dar asas ao sonho porque o projeto é do cunhado Ricardo Bentes, arquiteto. A farmácia está na Aldeia das Pias, mas ficava bem na lisboeta Avenida da Igreja. Sílvia Bentes concorreu em 2005 a um concurso lançado pelo INFARMED. Só em 2009 recebeu a notícia: tinha ganho um alvará para se estabelecer em Santiago Maior, Alandroal. O projeto era servir a população de 2205 habitantes (INE, 2011) das aldeias dos Marmelos, das Pias, da Venda, Orvalhos, Cabeça de Carneiro, Seixo e Casas Novas de Mares. «Já nem me lembrava que me tinha candidatado», recorda Sílvia Bentes, ainda com o espanto conservado no rosto. A maioria da população tem mais de 60 anos, os jovens fugiram quase

todos. A farmácia teve de trocar um stock de preservativos por aparelhos para medir a tensão. «Aqui não estamos no meio rural, estamos no meio ultra rural», descreve, já com quatro anos de conhecimento de causa. A farmacêutica vivia e continua a viver em Serpa. A diferença é que, antes, trabalhava a um minuto de casa. Agora, a cada dia de trabalho percorre quase 200 quilómetros: 95 para cada lado. Parece impossível, mas só para quem não a conhece. Sílvia Bentes tem seis filhos, nascidos em anos pares, agora com 6 – 8 – 10 – 12 – 14 e 16 anos. Quem assim desafia a mediana estatística da natalidade em Portugal, alguma vez na vida poderia ter medo de viajar mais do que toda a gente para trabalhar? Sílvia Bentes ganhou aquela firmeza tranquila só ao alcance das mães de seis filhos, mas não é a supermulher dos desenhos animados. Quando lhe saiu o alvará, fez «milhares» de contas de cabeça e perdeu umas horas de sono. Como viabilizar uma farmácia rural, num dos concelhos mais pobres de Portugal? A nossa interlocutora encerra o assunto do alvará que lhe calhou em sorte com um brilhozinho nos olhos: «Pensei: por que não?».


A VIAGEM DIÁRIA DE SÍLVIA Farto da rotina de correrias urbanas, na manhã da reportagem, o GPS do carro resolveu dar um passeio maior do que o previsto pelo Alentejo. Levou-nos para Pias, Serpa. Nós queríamos a Aldeia das Pias, no Alandroal. Andámos oitenta quilómetros a mais para sul e outros tantos no regresso, a sós com o azul do céu sobre a planície de terra vermelha, dourada do mato seco e de searas maduras, e salpicada, numa frequência irregular mas perfeita, pelos tons verdes de sobreiros e despenteadas oliveiras.

Estávamos mais uma vez parados, a discutir com o GPS, quando de súbito ouvimos uma voz sair do primeiro carro que nos apareceu ao fim de uma eternidade: «Ó menina, há azar(i)?». Não havia, estávamos finalmente às portas da Aldeia das Pias. Agradecemos a atenção com um deslumbramento absurdo, como se acabássemos de ser resgatados por um ser estranho. Mas, aqui, os estranhos somos nós. Reconciliámo-nos com o GPS. O aparelho ensinou-nos a compreender a viagem diária de Sílvia Bentes até à sua farmácia. Demorámos mais de duas horas, mas ela tranquilizou-nos: leva só hora e meia para cada lado.

A farmacêutica trabalhava a um minuto de casa. Agora, a cada dia de trabalho percorre quase 200 quilómetros

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UMA VESPA CONTRA A AUSTERIDADE

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«Abrimos em julho de 2010 e ainda não chegámos ao zero», revela Sílvia Bentes. O rosário de medidas de austeridade dos últimos anos ultrapassou várias vezes a capacidade de reposta de um mercado de sete aldeias, cada vez mais desabitadas, do Alentejo. «Cada vez que tento vir à tona há sempre más novidades», lamenta a jovem proprietária. Estudou seis anos Ciências Farmacêuticas, mas agora tem de praticar gestão de sobrevivência. Para tentar fugir ao vermelho, a pequena empresa aderiu a um grupo de compras, porque do lado das vendas «não há muito por onde crescer». Ainda tentou aplicar algum cross selling, mas a estratégia não funciona neste Alentejo. A saída é essencialmente de medicamentos, o mercado é rígido, este povo só tem para o pão de cada dia e sofre para aviar as receitas até ao fim. Os dois lineares de bebé foram substituídos por um de veterinária e outro de ortopedia. «Há dias apanhámos uma grávida na farmácia e fizemos uma festa. Por aqui, uma grávida é um grande acontecimento». Para além dos medicamentos receitados, de vez em quando o que se vende é um andarilho, ou uma bengala. Os serviços revelaram-se a outra saída para afastar o espectro da falência. Aqui fazem muita falta. O centro de saúde fica a 30 quilómetros e a maioria da população anda a pé. A adesão às consultas da nutricionista e da podologista contratadas pela farmácia surpreenderam a proprietária. As sete aldeias servidas pela Farmácia Santiago Maior parecem ter sido semeadas em lonjura. «Como as pessoas não têm meios para se deslocar, vamos ter com elas a casa, senão interrompiam a medicação até arranjarem uma boleia», conta Sílvia Bentes. O resultado é lindo de se ver pelos caminhos estreitos do Alentejo. A farmácia vai às casas de Vespa branquinha.

Nos dias de consulta, a viagem é para recolher as receitas, no dia seguinte para entregar os medicamentos. «Não sei se compensa o custo da gasolina. Mas não podemos viver só disso. Não há nada que pague o reconhecimento da população», afirma Sílvia, com as palavras a saírem-lhe do coração. Quando podem, as pessoas vão a médicos de Évora ou Estremoz, mas aviam as receitas na sua farmácia. «Quero crer que, em parte, é mérito nosso. Mas deve-se muito à consciência que a população tem da importância de ter uma farmácia. As pessoas fazem o que podem para que não tenhamos de fechar as portas», descreve Sílvia Bentes. O isolamento não é desculpa. O serviço não pode ser menos do que «excelente», repete à sua equipa. «As pessoas valorizam-nos muito, são muito orgulhosas da sua farmácia. Fico contente que sejamos vistos na freguesia como um verdadeiro serviço de saúde».


Barbilhos para chibos A farmácia tinha tudo preparado para se transformar num salão de baile. Miguel Jacinto Brites, de Marmelos, adoeceu nessa semana e morreu no dia em que fez 100 anos. A festa ia ser de arromba, mas cedeu ao luto. Miguel era um bem-disposto, segredo provável da sua longevidade. Na sua ficha na farmácia apenas ficou escrito xarope

expetorante. Com um maço de notas no bolso da camisa, caminhava cinco quilómetros para lá chegar e reclamava pronto atendimento, porque não queria «fazer a noiva esperar». Um dia entrou e pediu barbilhos para chibos. «Fiquei a olhar para ele. Não sabia o que isso era», conta Sílvia Bentes. «Então aqui não há de tudo, como na

Anastácio gostou tanto do caderno que o encheu de rimas

o caderno de Anastácio à farmácia. Morreu com 88 anos. «Era muito especial. Comovia-se imenso com um elogio ou o gesto mais simples». Deixou o caderno na Santiago Maior e uma imensa saudade.

Um dia entrou e pediu barbilhos para chibos. «Fiquei a olhar para ele. Não sabia o que isso era»

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Anastácio dos Orvalhos era um poeta. Homem sensível, inspirado por tudo e em tudo assentando as ideias, que arredondava para caberem nas suas décimas. Sílvia leu a primeira nas costas de um envelope de contas, numa visita domiciliária. Poucos dias depois, a farmacêutica levou a casa de Anastácio um caderno e um desafio: escrever ali os seus poemas. Anastácio gostou tanto do caderno que o encheu de rimas - e até o rematou com um índice. A obra em construção ficou sempre guardada na farmácia. Quando Anastácio dava por acabada uma nova inspiração, que trabalhava de cabeça, metia-se a fazer os 16 quilómetros de viagem, dos Orvalhos até

farmácia?», perguntou Miguel Jacinto com uma gargalhada triunfante. Regressou no dia seguinte, com uns pedacinhos de pau, presos por fios pretos. Barbilhos! Colocados na boca dos cabritos, impedem-nos de mamar, mas permitem-lhes comer erva. «Agora sim, pode dizer que há de tudo como na farmácia!».

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DESISTIR: UM APELO DIÁRIO

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Há 14 anos, Paula Alexandra Rodrigues e Paula Cristina Oliveira, duas jovens de Viseu recém-licenciadas, aceitaram subir à Serra da Estrela. A etapa de montanha era de 64 quilómetros, rumo à vila de Loriga, de 1.503 habitantes (INE, 2011). Eram jovens, virava o milénio, o euro e as baixas taxas de juro incentivavam o risco. Todas a noites, na televisão, políticos

de convívio, quase como um café ou um salão de chá. «Aqui não se entra e sai da farmácia. Fica-se à conversa. Conhecemo-nos pelo nome. Partilhamos histórias de vida». Os laços, numa terra tão pequena, são como as ruas, mais estreitos. Só que os últimos anos foram de nevoeiros e tempestades, todos os dias a sentirem-se empurradas

e economistas prognosticavam sucesso aos bons profissionais. Elas só precisavam de acreditar em si próprias. Paula Alexandra e Paula Cristina sentiram-se fortes para puxar, na roda uma da outra, e trepar sonho acima. Tudo o que pôs à prova o profissionalismo da equipa correu bem. Abriram as portas a clientes, hoje têm uma legião de amigos. A Farmácia Popular transformou-se num ponto de encontro. É cada vez mais um serviço e menos uma loja de medicamentos. Um serviço de saúde, mas também social,

estrada abaixo. A austeridade, anos a fio, sem intervalos, deixou a farmácia em estado de coma. Paula Alexandra e Paula Cristina confessam que abrem o computador «a medo». Foram demasiados os dias em que receberam más notícias – mais um corte nas margens, acusações ofensivas de um e outro político, notícias de insolvências, penhoras, falhas no acesso aos medicamentos, crise, austeridade, mais austeridade e mais crise. Um ciclista com dores deve sentir o mesmo apelo. Há alturas na vida em que desistir,

«Estamos a dar tudo por tudo para continuar aqui, mas não sabemos mesmo se vamos conseguir»

fechar as portas com um jantar de despedida, é a solução mais confortável. Acontece que Paula Alexandra e Paula Cristina ganharam raízes à terra, às pessoas e aos seus problemas, ao clima da montanha. «Não nos vemos a trabalhar num grande centro. Apesar das dificuldades, gostamos mesmo disto», diz uma - e a outra acena afirmativamente com um sorriso conformado. Para manterem a farmácia, cortaram nos próprios salários e acordaram trabalhar ambas mais horas ao balcão de atendimento.


Precisaram de pedir «paciência à família», a quem roubaram atenção e horas de vida. As duas sócias tentam não despedir ninguém, mas põem de parte os projetos para alargar os quadros. «Tão cedo não conseguiremos contratar ninguém, o futuro continua a ser uma incógnita». A farmácia está em risco. «Estamos a dar tudo por tudo para continuar aqui, mas não sabemos mesmo se vamos conseguir». O nevoeiro é tanto que só permite fazer contas a cada mês de sobrevivência, como se fosse mais uma meta volante atingida, contra a permanente ameaça de desqualificação.

POVO TEME ABANDONO

medicamentos de que precisam, quanto mais para ousarem consumir outros produtos de saúde. A comunidade já percebeu: não é só a escola, o futuro da farmácia também está em risco. Por isso, os habitantes de Loriga e das aldeias em redor vão muitas vezes à Farmácia

Popular só para dar ânimo às farmacêuticas. Preocupados, perguntam-lhes se aguentam o estabelecimento, ou se também elas vão desistir. «As pessoas preocupam-se connosco, não querem ver-nos partir», conta Paula Cristina. «Sentem a falta que a farmácia lhes fará».

O FRIO DE CRISTINA

Cristina passou os últimos anos da vida sozinha, enfiada num corpo marcado por uma vida dura. Na serra tudo é extremo: o trabalho, o clima, a solidão. Na farmácia, Cristina encontrou conforto e companhia. «Até morrer, vinha para cá passar as tardes. Sentava-se numa cadeira e dormia a sesta. Dizia que em casa estava muito frio, que a farmácia era mais quentinha».

Há estudos de consumo que o demonstram: muitos velhos deixaram de poder aquecer as casas, as reformas não chegam para tanta conta de eletricidade. A verdade, porém, pode ser ainda mais cruel. O abandono é uma doença cada vez mais frequente. «As pessoas estão muito sozinhas, são extremamente carentes. Se lhes damos um bocadinho de atenção, elas ficam».

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Nos últimos anos fecharam dezenas de escolas na Serra da Estrela. A escola de Loriga, com alunos até ao 9.º ano de escolaridade, começou por receber crianças de terras vizinhas. Mas já foi anunciado que vai ela própria fechar. Provavelmente, este será o último ano letivo do estabelecimento de ensino. A notícia caiu que nem

uma bomba na comunidade, demasiado pequena e envelhecida para resistir ao destino. O assunto tornou-se habitual na Farmácia Popular. As farmacêuticas assumem-se como porta-vozes da população. «O poder político, em Lisboa, não vê o sacrifício das pessoas. Não sabe que as crianças já fazem 15 quilómetros para virem à escola, e vão passar a fazer 30 ou 40 até Seia», critica Paula Alexandra. Cuidado, que os quilómetros não são iguais em todo o lado. Na serra os invernos são uma coisa séria. As estradas enchem-se de gelo. A viagem, serra acima, serra abaixo, vai muitas vezes demorar mais de uma hora. «Alguns pais pensarão em mudar-se, deixando a terra ainda mais deserta. Mas outros, sem posses, desempregados, ficarão pelas aldeias, assim como as crianças, ao abandono», prevê Paula Cristina. As duas sabem do que falam, todos os dias conhecem casos reais ao balcão da farmácia. A população anda inquieta e atordoada com o que lhe aconteceu. Loriga já foi uma das localidades mais industrializadas da Beira Interior. Hoje, a pujança nos lanifícios, conhecida desde o século XVIII, resume-se a uma fábrica. Se a esta juntarmos uma metalúrgica, achamos o total da indústria local. «Só nos últimos anos fecharam três empresas. As pessoas caíram no desemprego sem alternativa que não seja emigrar, ou tentar a sorte nas cidades grandes». Os mais jovens são arrancados à terra, só ficam os velhos. Depois não há crianças para encher as escolas. «É uma bola de neve. Quando a escola fechar, tudo o resto irá atrás». As farmacêuticas sabem que o futuro lhes reserva uma equação cada vez mais difícil. Para além dos cortes «brutais» nas margens, terão cada vez menos clientes. Ficarão os mais pobres, sempre com dificuldades para aviar todos os

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A FARMÁCIA QUE NINGUÉM QUERIA

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A Farmácia Jales não tem exatamente “porta de entrada”, mas uma parede de vidro a rasgar o granito, que enche o interior com a luz do Sol. Em 2004, Marília Carvalho, a farmacêutica proprietária, fez questão que fosse construída assim: ampla, a pensar no futuro e em todas as transformações que sonhou para a profissão. Queria ficar para a vida. Dez anos depois, quer ainda mais. «Há mais tempo aqui!», resume, para quem não sabe quanto vale a liberdade sobre o relógio de pulso. Marília conhece o caráter transmontano como à palma das mãos. As pessoas «são mais cordiais e afáveis». Claro que não nadam em dinheiro, muitas passam necessidades. A escolaridade média é baixa e o analfabetismo ainda muito comum. «Mas, sabe uma coisa? As pessoas podem não saber assinar as receitas, mas são sérias e honram os seus compromissos». Aqui é mais seguro dar crédito aos clientes. No dia em que levantam a pensão ou recebem o ordenado aparecem a pagar, reconhecidos por terem podido tratar-se a tempo, ciosos do seu bom nome e da relação de confiança. Ganhou o alvará num concurso nacional com apenas um ponto. À alegria seguiu-se de imediato um cortejo de fantasmas. Muitos

a alertaram «para a natureza inóspita do local». Recomendaram-lhe prudência no investimento, aconselharam-na a pensar muito bem se queria mesmo meter-se nele. Marília Carvalho passou por cima, sentiu a força inabalável do seu destino. Iria poder realizar o sonho que a manteve seis anos de juventude agarrada aos livros na Faculdade de Farmácia de Coimbra. A sua comunidade seria Campo de Jales e as aldeias à volta? Tanto melhor. «Não me importei e hoje importo-me menos ainda», afirma. Sente-se ela própria honrada ao serviço do tal povo que honra os compromissos. Os fantasmas não eram de todo desprovidos de sentido. Os problemas inesperados começaram logo no início. Tentou contratar outro farmacêutico e, durante anos, não conseguiu. Quando abriu a parede de vidro, ficou presa à farmácia. «Estive oito meses sozinha», recorda. «A minha sorte é que, na altura, ainda era possível fazer o registo de prática a uma colaboradora, a Lena, porque também não consegui trazer para cá um técnico formado». A crise alterou o mercado de trabalho. Hoje recebe currículos, mas tem de dizer que não. «A equipa está estabilizada e a funcionar muito bem. Os custos de contratar um farmacêutico adjunto, nesta altura, seriam incomportáveis».

«As pessoas podem não saber assinar as receitas, mas são sérias e honram os seus compromissos»

«A farmácia é nossa» O povo sente que lhe roubaram as minas e as pedreiras. É comum perguntar ao balcão se também lhe vão levar dali a farmácia. Manuel “Fanta”, o cliente número 12, nunca aviava uma receita sem puxar pelo assunto: «Desculpe, doutora, mas se a farmácia se chama Jales, então não é sua, é nossa».


DOZE ALDEIAS, ZERO GRÁVIDAS muros, nas calçadas e fontanários. Já as pedreiras foram fechando. Perderam mercado devido à crise na construção dos últimos anos. Também passaram à história, escrevendo um segundo capítulo no livro do desemprego. Das pedreiras restam esqueletos metálicos a ganhar ferrugem e feridas abertas na paisagem. Salvam-se as castanhas, mas não chegam para alimentar a economia local. Por isso, Vreia de Jales é mais uma freguesia transmontana em nítida perda de gente: 967 habitantes no censo de 2011, o que corresponde a metade da população dos anos noventa e a um terço da que ali vivia no tempo pré-revolucionário. «Ninguém fica onde tudo fecha. Os jovens ou já foram ou estão agora a emigrar». Os lugares de estacionamento da farmácia são sempre de sobra para o número de clientes. «Os mais velhos vão morrendo e não há renovação», descreve, amargurada, Marília Carvalho. A parede de vidro da farmácia revela à proprietária a floresta do problema. No balcão, ela sentiu-o atacar árvores por quem tinha especial carinho: duas técnicas de farmácia seguiram os companheiros até à França e à Suíça. A farmácia serve

duas freguesias e cerca de uma dúzia de aldeias, contando com os concelhos limítrofes. Dá para fazer um retrato. «Hoje só ficam por cá os poucos que ainda trabalham na agricultura e na pecuária, ou então nas lojas da vila». A farmácia é um barómetro fiel do grave problema de natalidade de Portugal. «Não conheço, em nenhuma das aldeias que servimos, uma única mulher que esteja grávida», revela a farmacêutica. Até as paredes de granito da farmácia estremecem ao ouvir tão cruel estatística. «Sem crianças, fecham as escolas, fecham as creches, fecham os serviços», descreve. Do Minho ao Algarve, a medonha bola de neve é sempre a mesma, já tínhamos ouvido falar dela nos outros sítios que visitámos. Há três anos, causaram alvoroço na aldeia as prospeções feitas por uma empresa do Canadá, que devolveram à população a esperança da retoma da exploração mineira. «Ainda hoje as pessoas continuam nostálgicas das minas. Afirmam, recorrentemente, que nunca, como no mês em que fecharam, tinham trazido tanto ouro para cima. Para esta zona seria ótimo, mas não tenho grande

A farmácia é um barómetro fiel do grave problema de natalidade de Portugal confiança, nunca mais se soube de nada». As medidas de austeridade dos últimos anos deixaram Marília com os nervos em franja, mas a farmacêutica reagiu com a cabeça. A bata de trabalho esconde agora uma gestora que faz diariamente «o controlo cirúrgico» de todas as despesas. Marília confessa que se viciou nas ferramentas tecnológicas de gestão disponibilizadas pela ANF. Não é mulher de torcer. Está obstinada com a ideia de resistir, de permanecer no meio da gente séria que o alvará lhe destinou. Mas a sucessão interminável de medidas de austeridade dos últimos anos teve efeitos devastadores, não só nos balanços da farmácia como no mercado local. «Em dias mais pessimistas, sinto a espada sobre a cabeça».

Número de idosos por caDa 100 crianças

134 102 45 2001

2013

O envelhecimento da população tem sido galopante. No início dos anos oitenta, para cada 100 crianças (até aos 15 anos) só havia 45 portugueses com mais de 65 anos. Agora, é ao contrário.

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1981

Fonte: Pordata

Cinco coisas abundavam em Campo de Jales: ouro, prata, pedra, castanhas e gente. O ouro e a prata, explorados desde o tempo dos Romanos, passaram à história em 1992, com o encerramento das minas. O povo, que começou então a tratar por tu o desemprego, nunca aceitou a decisão. De fé ou ciência certa, garante que ainda há minério no subsolo. Quanto à pedra, em particular o granito, está em toda a parte: nas fachadas, nos

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farmácias reais

FARMÁCIA PORTUGUESA

distritos com maior redução percentual de extensões de centros de saúde

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Fonte: Visão

Fonte: Visão

Fonte: Cefar

Portugal a desaparecer...

Concelhos com mais encerramentos de escolas do primeiro ciclo

Concelhos onde fecharam mais postos dos Correios

Menos 763 extensões de centros de saúde

Desapareceram três em quatro escolas primárias

Encerraram 1.330 postos dOS correioS

As urgências e as extensões territoriais dos centros de saúde sofreram uma razia na última década. Entre 2003 e 2012, último ano disponibilizado pelo INE, fecharam exatamente 200 serviços de atendimento permanente (SAP) e de urgência básica (SUB), 68% da rede. Já as extensões dos centros de saúde eram 1.962, no ano 2000, e baixaram para 1.199 (INE, 2011). O encerramento de 763 extensões de centros de saúde corresponde a 38,8% destes serviços.

Entre 2000 e 2012, fecharam 6.373 escolas públicas do primeiro ciclo, as antigas escolas de instrução primária. No virar do milénio, havia 8.660 escolas do primeiro ciclo. Em 2012, só 2.287 mantinham a porta aberta. Foram encerradas nesse período 6.373 escolas do primeiro ciclo, 73,5% da rede. Se contabilizarmos os Açores e a Madeira, o número sobe para 6.628 escolas. Os encerramentos dos últimos anos ainda não foram contabilizados pelo INE.

De acordo com um levantamento de João Ferrão, no livro “Estado Social de Todos Para Todos” (Tinta da China, 2014), citado pela revista “Visão”, havia 3.884 postos dos Correios em 2002. Agora, restam 2.518. Oitocentos fecharam até 2004. Depois a rede manteve-se estável até 2011, quando perdeu mais 300 postos. Este ano, já fecharam 44. A ansiedade é grande quanto aos efeitos da privatização da empresa.


...E a resistir Mais 307 farmácias, Interior beneficiado

< 3000 3000 - 4000 > 4000

Fonte: Cefar

habitantes/ faRmácia

O número de farmácias tem aumentado. Em 2013, o INE contabilizou 2.867 farmácias, contra 2.560 no ano 2000. São mais 307 farmácias, correspondentes a 12% de crescimento da rede. Em média, há uma farmácia por cada 3.569 portugueses. Mas, nos distritos de Vila Real, Guarda, Portalegre, Évora e Beja há uma farmácia, em média, para cada 2.500 habitantes. Em concelhos como o Crato há uma farmácia por 1.174 pessoas. Há maior densidade de farmácias no Interior.

Desertificação: uma questão de dose Como um farmacêutico, António Barreto alerta para a importância, crítica, da dose. Até um determinado ponto de equilíbrio, a concentração de serviços é benéfica. «Fui visitar escolas no Alentejo, ainda há dez anos, que tinham três, quatro, cinco alunos. O processo pedagógico, social, cultural, psicológico, de formação destes alunos não é aceitável! Estes miúdos têm de ter 20, 40, 50 colegas, têm de mexer-se de uns lados para os outros». O problema agrava-se quando o Estado acaba por promover a debandada geral de serviços, em terras onde ainda há gente e poderia haver mais. «Os ministérios perdem a cabeça, os diretores-gerais perdem a cabeça e em vez de quatro escolas é dez, depois em vez de dez são 20, depois das 20 passa a 40, e depois não se repara, não se faz a diferença. Há sítios onde se justifica uma escola de 20 alunos».

1 - António Barreto, Tempo de Mudança, Relógio D’Água, 1996, p.107 2 - Diário de Notícias, entrevista a António Barreto, 9 de Março de 2014

Mário Soares, Presidente da República, Beja, 25 Outubro 1987

«Faço questão de manter bem presentes no meu espírito as imagens dos homens e mulheres do Interior com quem tenho contactado. São rostos que, aparentando resignação, trazem muitas vezes as marcas da solidão, de aspirações eternamente adiadas, de saudades pelos que saíram, de expectativas profissionais frustradas, de desejos de participação recalcados» Jorge Sampaio, Presidente da República, Idanha-a Nova, 13 Junho 1997

«Não posso ser insensível às vozes que me chegam do Interior em relação à tendência para o envelhecimento e o despovoamento» Cavaco Silva, Presidente da República, Portalegre, 4 Julho 2008

FARMÁCIA PORTUGUESA

«A desertificação demográfica do Interior e mesmo de parte do litoral faz parte de um padrão irreversível de desenvolvimento», avisava há quase 20 anos António Barreto, provavelmente o mais persistente estudioso do fenómeno em Portugal1. «A sociedade moderna vai ser uma sociedade em que não há tanta população rural quanto havia no passado ou hoje. Isso não me preocupa», clarificou o mesmo António Barreto há apenas seis meses.2 O sociólogo apela à distinção de dois conceitos: “despovoamento”, consequência natural do desenvolvimento em grandes extensões do território; e “desertificação”, doença do desenvolvimento. A desertificação é o abandono definitivo das terras, a destruição de recursos naturais e o desaproveitamento de possibilidades económicas, como a florestação, o turismo e a agricultura.

«A realidade alentejana ainda é, infelizmente, marcada por alguns estigmas de pobreza e subdesenvolvimento»

17


farmácias reais

SITUAÇÃO ECONÓMICA DAS FARMÁCIAS

153

insolventes

47.549 €

PREJUÍZO MÉDIO GERAL

PREJUÍZO FARMÁCIAS MAIS PEQUENAS

295

alvo de penhoras

Fonte: Universidade de Aveiro (eixo horizontal) e Cefar (eixo vertical)

8.703 €

Farmácias pequenas tornaram-se inviáveis

FARMÁCIA PORTUGUESA

Prejuízo médio de 50 mil euros em 2012

18

Nos últimos anos, o Interior de Portugal não saiu dos telejornais como protagonista da crise. As notícias falam do encerramento de serviços públicos de saúde, de atrasos de viaturas de emergência médica, de outras que estavam inoperacionais quando fizeram falta, do fecho de escolas, postos dos Correios e tribunais. As farmácias contrariaram esta tendência, de debandada acelerada de serviços essenciais

para a população. Um estudo de Villaverde Cabral refere que 70 por cento dos portugueses continua a ter uma farmácia a dez minutos de distância. Em média, há uma farmácia por cada 3.569 portugueses. Mas, nos concelhos do Interior, esta capitação baixa para metade, ou mesmo um terço. Em Gavião há 1291 pessoas por farmácia, no Alvito 1.279, no Crato apenas 1.174. «As farmácias, ao contrário da generalidade dos serviços, não se mudaram todas para o litoral e os grandes aglomerados populacionais. Resistiram lá. Continuam

2.414 das 2.915 farmácias deram prejuízo, o que corresponde a 83% da rede.

a servir as populações mais pobres, mais idosas e com menos alternativas de serviços de saúde», descreve o presidente da ANF, no seu último editorial na revista “Farmácia Saúde”. «Quem, como eu, cresceu no Interior, sabe bem o que isto significa», declara Paulo Cleto Duarte. Para os farmacêuticos, a resistência significa maior responsabilidade, mas também uma luta diária contra o espectro da falência. Quanto à responsabilidade, as farmácias são a porta de entrada no sistema de saúde para cada vez mais portugueses.



FARMÁCIA PORTUGUESA

farmácias reais

20

«Se nós também saíssemos daqui, então não sei o que seria desta população», descreve Sílvia Bentes, a farmacêutica da Aldeia das Pias. Os farmacêuticos são os profissionais de saúde, no mínimo com seis anos de licenciatura, melhor distribuídos pelo território. Quanto aos problemas diários, os números provam como resistir de porta aberta é cada vez mais difícil: 152 farmácias enfrentam processos de insolvência e 295 de penhora. Um estudo da Nova School of Business and Economics alerta para o facto da farmácia média portuguesa estar a funcionar, desde 2010, com margens negativas. «As farmácias defrontam uma situação económica em que a atividade normal não permite cobrir os custos fixos numa maioria de estabelecimentos», descrevem os autores, Pedro Pita Barros, Bruno Martins e Ana Moura. A Universidade de Aveiro fez contas precisas a esse prejuízo, com base nos dados financeiros reais das farmácias, relativos a 2012 e 2013. O prejuízo médio verificado das farmácias, em 2012, foi de 3.757 euros. Nesse ano, 2.414 das 2.915 farmácias deram prejuízo, o que corresponde a 83% da rede. Os défices mais graves atingem precisamente as farmácias mais pequenas, muitas delas o único serviço de saúde próximo das populações, rurais ou urbanas, mais isoladas e desfavorecidas. Assim, as 415 farmácias com menor volume de faturação registaram um prejuízo médio, só em 2012, de 47.549 euros. Os últimos anos, em lugar de soluções, trouxeram o agravamento contínuo do problema. Em 2013, o prejuízo médio da atividade de farmácia subiu para 8.703 euros, de acordo com os cálculos preliminares dos peritos da Universidade de Aveiro. O Memorando de Entendimento celebrado entre o Estado Português e a Troika previa um corte de 50 milhões nas margens de grossistas e farmácias, para ajudar Portugal a sair da bancarrota. Na realidade, o corte foi de

314 milhões de euros, seis vezes o acordado. O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), no seu último relatório, chama a atenção para a crise nas farmácias e para «falhas no abastecimento, nalguns casos de medicamentos essenciais». Os peritos das universidades portuguesas reunidos no OPSS declaram que «a contração na despesa com saúde continua a ser feita, numa parte significativa,

à custa dos cortes na despesa com medicamentos». Um relatório do Banco Mundial, de outubro de 2013, alerta para o risco de «rutura da rede de farmácias». O documento afirma mesmo a «necessidade de avaliar o risco de inviabilidade económica da rede de distribuição de medicamentos à população». Consulte os Estudos citados neste artigo em www.anf.pt

perda de margem de farmácias e grossistas acordo com a troika

-50 m€

REAL

-97,5

2011

2012

528%

-187,6 2013

-28,8 -313,9 M€ Fonte: Cefar


PROTEÇÃO PROFUNDA DA PELE E XC L U S I VO DA B O O T S L A B O R AT O R I E S

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saúde animal

Metade dos lares portugueses tem pelo menos um animal de estimação. Os cães predominam, seguidos dos gatos. Os dados de uma sondagem, realizada pela consultora GfK, mostram que os animais fazem cada vez mais parte da família dos portugueses. Nas próximas páginas saiba como conquistar estes novos clientes da sua farmácia.

Família.

jOÃO silveira, presidente da MESA DA assembleia-geral da anf, com barack e diana

FARMÁCIA PORTUGUESA

23


saúde animal

50%

68% 35%

CASAS TÊM ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

DELAS TÊM CÃO

TÊM GATO

O QUE OS DONOS DIZEM

“O meu cão…”

40%

“O meu GATO…”

36%

“é um membro da família”

32% 13%

“é como um amigo” “faz-me companhia”

35% 20%

FARMÁCIA PORTUGUESA

6% “é como um filho para mim” 3% 2% “é apenas um animal” 3%

24

1%

“é o animal dos meus filhos”

2%


hUGO MAIA, DA dNF, E IVHONE

cão (1) O cão pode ser treinado facilmente para obedecer a um conjunto de comandos simples, como os clássicos “vem aqui” e “senta”. (2) Animal social por excelência. Quer estar com a sua matilha e segui-la para todo o lado. (3) É um carnívoro que se alimenta de restos, o que significa que prefere a carne. Mas pode sobreviver unicamente de vegetais. (4) Usa facilmente as suas reservas de gordura e tolera por muito mais tempo a falta de comida.

gato (1) É difícil ensinar-lhe algo que implique resposta a uma ordem. (2) É um solitário. A sua ligação mais forte é com o território, mesmo quando tem de escolher entre ele e seguir os amigos de duas pernas ou quatro patas. (3) É, mesmo, carnívoro. O gato é incapaz de sobreviver sem comer carne. (4) Não pode jejuar nem fazer dietas súbitas. Perante um cenário de abstinência alimentar, o seu metabolismo consome os tecidos não adiposos como fonte de energia, deixando-o em risco de vida.

(6) Tem garras retrácteis, que se mantêm afiadas porque se resguardam dentro das patas.

(7) Vive mais. A longevidade de um gato, hoje em dia, ronda os 15 anos. Não é raro alguns chegarem aos 20 anos!

(6) As suas garras estão sempre expostas e desgastam-se pelo constante atrito com o solo. (7) Um cão de raça grande, com cerca de 70kg, pode ter um vida média de cerca de sete anos. Um cão pequeno, de 4kg, pode viver até 14 anos, ou mais.

cão 70 a 130

8 a 12 meses

gato Frequência cardíaca média

Maturidade sexual

63 a 65 dias

Período de gestação

42

Dentes

160 a 240

5a9 meses

61 a 63 dias

30

ALEXANDRA GOMES, DO SECRETARIADO DA DIREÇÃO, COM TOBIAS E LUA

FARMÁCIA PORTUGUESA

(5) É um sprinter, como o Francis Obikwelu. Aproxima-se subtilmente e surpreende as presas pela rapidez.

&

(5) É um corredor de fundo, como o Carlos Lopes. Caça correndo atrás das suas presas e vence-as na distância.

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FARMÁCIA PORTUGUESA

saúde animal

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«Fazemos parte da equipa da farmácia» Carlos Godinho, diretor de Operações do Espaço Animal, em entrevista


FARMÁCIA PORTUGUESA Que animais aparecem como “clientes” da farmácia? CarloS GODINHO - Sem rigor absoluto, diria que o cão e o gato representam 90% do mercado da saúde animal das farmácias. Os outros dez por cento são animais de produção. Não são os industriais, com grandes produções, que procuram a farmácia, mas antes quem tem cinco ou dez galinhas em casa, um porco, três ovelhas. Neste segmento, em regra são números demasiado pequenos para se enquadrarem num tipo de cuidados prestados de forma massificada. FP - Que benefícios pode trazer à saúde de um ser humano o convívio com um animal? CG - Começando pelas crianças, há um estímulo imenso ao desenvolvimento. Os animais promovem comportamentos de responsabilidade, partilha e afeto. Nos adultos, são uma fonte de equilíbrio. O cão e o gato são frequentemente um centro apaziguador das relações familiares. Fora de casa, facilitam as relações sociais dos seus donos. Os animais são em regra membros ativos do agregado familiar. O seu papel não se limita a dar e receber afetos, o que em si já é valioso. Nos idosos, tantas vezes o animal é a única companhia - e isso faz toda a diferença.

potenciaram o aparecimento de ratos. O gato aproximou-se então, para tratar da fome. FP - E o Homem recebeu-o de braços abertos… CG - Claro, porque o gato o ajudava a cuidar da integridade das reservas. No deserto, a associação ao homem também dava aos gatos a garantia de acesso à água, um bem essencial. Os cães são mais próximos porque foram convidados. Os gatos, ao que parece, terão mantido sempre a sua independência. FP - A veterinária cria fidelização de clientes às farmácias? CG - Claro que sim. Se uma farmácia me oferece um serviço mais alargado, se me ajuda a resolver os problemas de um animal que faz parte da minha

família, não tenho razões para procurar outra. Há até farmácias que criaram, por sua própria iniciativa, um cartão específico para o animal. Sinal de que algumas estão já a trabalhar muito à frente. Há outras que incluem na ficha do utente os dados e produtos para o animal. Como noutras áreas, essas farmácias já sabem, por exemplo, que antiparasitário costuma usar o cão de um determinado cliente. FP - Em que consiste a adesão de uma farmácia ao Espaço Animal? CG - Um contrato simples de parceria. O que fazemos é preparar e apoiar a farmácia em tudo o que precisa para oferecer aos seus utentes um serviço simples e diferenciado no segmento de saúde animal, capaz de gerar muitos benefícios para todas as partes. Há muitos mitos em torno deste tema. Boa parte da preparação passa por dissipá-los. Logo depois da adesão, trabalhamos para que a farmácia comece tão rapidamente quanto possível a trabalhar e a vender este segmento de produtos, o mais e melhor possível. No dia-a-dia, apoiamos a farmácia sempre que surge uma dúvida. Somos o apoio de retaguarda. Passamos a fazer parte da equipa da farmácia. FP - Fazem consultas veterinárias? CG - Não. Mas a maior parte das questões que os proprietários de animais colocam podem ser resolvidas ao balcão de uma farmácia. São quase sempre questões simples e de resolução fácil. Preparamos as equipas do atendimento para saber responder às questões essenciais e para distinguirem sempre o que é do foro da farmácia. Quando a situação extravasa o âmbito da farmácia, encaminha-se a pessoa para o médico veterinário. A farmácia deve protagonizar um conjunto alargado de indicações que têm

«A farmácia deve protagonizar um conjunto alargado de indicações que têm a ver com a saúde e o bem-estar dos animais»

FARMÁCIA PORTUGUESA

FP - Qual é a grande diferença entre cães e gatos? CG - A história ancestral da domesticação de cada uma das espécies ajuda-nos a perceber. O cão foi domesticado quando o homem o introduziu como membro na comunidade, mas sempre submetido a ele. Já o gato, foi ele que se aproximou de nós, por razões estratégicas. Em África, quando o homem deixou de ser apenas caçador e se tornou agricultor, começou a cultivar cereais e armazená-los para a sua subsistência. O problema é que os celeiros

«Os animais são em regra membros ativos do agregado familiar. O seu papel não se limita a dar e receber afetos, o que em si já é valioso»

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saúde animal

«Farmácias praticam os preços mais baixos do mercado» a ver com a saúde e o bem-estar dos animais e, claro, com a boa utilização dos medicamentos. Mas seria um erro grosseiro que a farmácia tentasse substituir o médico veterinário. Podemos, numa situação de emergência, sugerir uma solução intermédia, que permita que um problema agudo não evolua, mas apenas no sentido de garantir que o animal não piora perigosamente o seu estado de saúde até que seja observado por um médico veterinário.

FARMÁCIA PORTUGUESA

freddy

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«As nossas formações promovem uma partilha de experiências grande»

FP - Em termos muito concretos, o que pode esperar uma farmácia que adere a este serviço? CG - Primeiro, fazemos um levantamento do que a farmácia faz e do seu potencial de crescimento. Depois, damos um conjunto de sugestões sobre a estratégia para explorar este segmento. O tipo de produtos em que se deve apostar, a abordagem aos clientes. Ajudamos a preparar tudo, desde o início, mas sempre em conjunto com a farmácia. Não há imposições de espécie alguma. Somos apenas consultores, oferecemos os nossos conhecimentos e a nossa experiência. Caberá sempre à farmácia a última palavra sobre cada questão. Como cada farmácia é um mundo diferente, é o que faz sentido. Depois, desenvolvemos ações de formação para toda a equipa. FP - Que formação é essa? CG - Uma formação inicial prepara a equipa para o lançamento. Depois, ao longo do ano, fazemos ações de formação temáticas, para pequenos conjuntos de farmácias, onde todas são convidadas a participar. Há, ainda, formação específica, farmácia a farmácia. As nossas formações promovem uma partilha de


experiências grande. Debatemos casos concretos, problemas e soluções. O objetivo é sermos eficazes e interessantes. FP - Como apoiam a farmácia no dia-a-dia? CG - Oferecemos um serviço permanente de apoio técnico por telefone. Temos uma equipa de três médicos veterinários que se dedicam em exclusivo a atender as dúvidas das farmácias com Espaço Animal. São três telemóveis sempre disponíveis para a farmácia aderente ligar a qualquer hora. Isto permite que os clientes encontrem soluções junto dos seus farmacêuticos, quase sempre de forma imediata. FP - Quantas chamadas recebem por dia? CG - Nalguns dias, entre os três veterinários, chegam a ser 200. FP - Falam diretamente com os utentes? CG - Nunca. Nós só falamos com a farmácia, somos o apoio de retaguarda da Farmácia. Não estamos aqui para dar consultas. Apoiamos o melhor possível as farmácias, a fim de darem a melhor resposta aos problemas que surgem aos seus balcões. Fazemos é workshops para os utentes da farmácia, sobre múltiplos temas, dos cuidados básicos a questões mais complexas. Há já farmácias a pedirem-nos várias ações por ano. FP - Quanto paga uma farmácia pela adesão a este serviço? CG - Quarenta euros mensais. E por este valor tem acesso a tudo. Consultoria, todas as formações, apoio técnico por telefone 24 horas por dia, sete dias por semana, de médicos veterinários em dedicação exclusiva.

FP - Onde se localizam as farmácias que vendem mais veterinária? CG - A chave não é a localização, existe mercado em todo o lado. Julgo que não é tanto uma questão de localização, mas sim da cultura, prática e experiência próprias de cada farmácia. O segredo está na dinâmica que a farmácia tem a trabalhar este segmento. A ideia é simples: metade das pessoas que entram numa farmácia são proprietárias, pelo menos, de um animal de companhia. Já pensou bem nisso? É um potencial imenso que pode e deve ser aproveitado.

«Apoiamos o melhor possível as farmácias, a fim de darem a melhor resposta aos problemas que surgem ao balcão»

O Espaço Animal é uma marca da Globalvet, empresa da ANF que apoia as farmácias a desenvolver o negócio em torno do segmento Veterinária.

400 50

2008

2014

FATURAÇÃO MÉDIA DA FARMÁCIA em produtos veterinários sem espaço animal - 500€ COM ESPAÇO ANIMAL - 1.100€ custo espaço animal - 40€/mês

FARMÁCIA PORTUGUESA

FP -Qual a margem média das farmácias nos produtos de veterinária? CG - Cerca de 25%. Na esmagadora maioria dos casos, os preços da farmácia são os mais baixos do mercado, mesmo face

aos praticados pelas clínicas veterinárias, e os proprietários dos animais já se deram conta disso.

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saúde animal

A saúde dos nossos amigos Por Carlos Godinho, diretor de Operações do Espaço Animal Alimentação A alimentação equilibrada dos cães e gatos é essencial para garantir uma vida saudável. A qualidade dos alimentos que ingerem influencia decisivamente o seu estado geral. Os animais não devem ser alimentados com restos de alimentação humana, que possui em excesso ingredientes que afetam o estômago e alteram o seu metabolismo. As consequências desse erro são frequentemente visíveis no seu estado geral e, sobretudo, na pelagem. A pelagem reflete muito bem o estado geral de saúde dos animais e o seu nível nutricional. Eis uma boa razão para os donos se preocuparem tanto com o pelo e a pele do seu animal. A grande vantagem das rações é a de fornecerem aos animais de estimação todos os elementos essenciais à manutenção de uma boa qualidade de vida. Nas rações, sobretudo nas de qualidade superior, estes elementos estão equilibrados e são facilmente absorvidos.

A frequência ideal para escovar os animais depende da raça, da fase que o cão ou gato atravessam, ou até do seu estado de saúde, podendo variar de semanal a diária. Quanto aos banhos, um cão normal que não se suje, poderá tomar banho com intervalos de dois ou três meses ou mais. No caso de ser necessário, recorre a banhos mais frequentes. É aconselhável usar um champô com óleo ou um condicionador para compensarem a perda das indispensáveis gorduras cutâneas. Enquanto o pH da pele de cães e gatos está entre 7 e 7.5, o da

pele humana é um pouco mais ácido (5.5 a 6.2). Por essa razão não se deve utilizar champôs de uso humano nos animais, pois são agressivos para a pele deles.

Outros aspetos muito importantes na higiene dos animais têm a ver com a saúde e higiene oral, os cuidados com os olhos e com os ouvidos. A higiene oral é fundamental não só para a manutenção da integridade das gengivas e dos dentes, mas também porque ajuda a prevenir outras doenças infecciosas internas graves. A limpeza regular dos contornos dos olhos e, sobretudo dos ouvidos é crucial. Para a higiene destas áreas também não se deve recorrer a produtos de uso humano, mas sim optar por produtos formulados exclusivamente para os animais.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Higiene

30

Para manter uma boa higiene da pelagem, a escovagem é um cuidado elementar. Em raças de pelo comprido ou encaracolado a atenção tem que ser redobrada. Os animais podem mudar a pelagem duas a três vezes por ano, sendo o ritmo de renovação do pelo influenciado pela temperatura ambiente. A queda de pelo é normal, mas constitui um problema para os donos que convivem com os animais dentro de casa. Para manter o pelo em boas condições é necessário efetuar uma boa escovagem regular, que ajuda a evitar esse inconveniente.

Nuno Esteves, DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO, E FÃ-FÃ


JOÃO FILIPE MARTINHO, da epgsg, E leonardo

berdade (primeiro cio) depois de alcançar 80% do seu peso corporal (2,3 - 2,5kg), o que acontece por volta dos seis, nove meses. No que respeita ao controlo reprodutivo, tanto nas gatas como nas cadelas, existem duas opções: o controlo hormonal e a cirurgia. 1. Controlo hormonal administração de fármacos (comprimidos ou injetáveis): tem um custo mais reduzido, é reversível e a qualquer momento a cadela ou gata pode retomar a atividade reprodutiva. Tem como principais desvantagens o maior risco de infeções uterinas, de tumores ma-

mários e maior predisposição para o aparecimento de diabetes. Estes métodos têm como consequência a menor esperança de vida. 2. Cirurgia - Esterilização: tem como principais vantagens a diminuição do risco de desenvolvimento de tumores mamários (se a cirurgia for feita antes do 3.º cio), eliminando também os principais problemas do aparelho reprodutor, nomeadamente a ocorrência de quistos ováricos e de infeções uterinas. Tem como desvantagem o custo mais elevado e os riscos inerentes à cirurgia, que, no entanto, são mínimos num animal saudável.

SUSANA FLOR, DA FINANFARMA, COM MAGGIE

Controlo do cio e da reprodução O comportamento sexual da cadela difere do das outras espécies. O cio ocorre duas vezes por ano, com um intervalo médio de seis meses. O momento do primeiro cio depende muito da raça e do tamanho do animal. As gatas são animais que fazem

vários cios (poliéstricas) sazonais, estando, pois, dependentes da época do ano. Nas zonas temperadas, no hemisfério norte, a época do cio começa normalmente em janeiro/fevereiro e termina entre setembro e outubro. Uma gata doméstica atinge a pu-

Profilaxia das doenças parasitárias existentes no mercado. Desde os vulgares spot-on (pipetas), passando por coleiras, champôs ou comprimidos, as opções são variadas. Na maioria dos casos, a administração deve ser mensal, podendo estender-se por intervalos maiores nalguns medicamentos de nova geração.

No que se refere a parasitas internos, os médicos veterinários podem estabelecer protocolos adaptados a cada situação. De uma forma geral, os animais jovens devem ser desparasitados a partir das seis semanas e mensalmente até atingirem seis meses de idade. A partir daí, o intervalo poderá ser de

três meses, de acordo com as recomendações internacionais atuais. Também quanto ao tipo de medicamentos disponíveis no mercado, a variedade é grande, quer na apresentação (comprimidos, pastas ou até spot-on), quer no espectro de parasitas que combatem.

FARMÁCIA PORTUGUESA

A profilaxia das doenças parasitárias é das preocupações mais comuns nos proprietários dos animais. A prevenção e controlo de parasitas externos, tais como pulgas e carraças - os mais frequentes -, é já uma prática corrente de muitos proprietários, que recorrem a diferentes medicamentos

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saúde animal

MERCADO O mercado da veterinária representou, no acumulado de janeiro a junho de 2014, um total de 9,8 milhões de euros, correspondendo a 0,8 milhões de embalagens vendidas. Este mercado representou 0,5% em volume e 0,6% em valor do total de vendas nas farmácias, no período em análise. Uma análise comparativa das vendas, no acumulado de janeiro a junho de 2014, versus período homólogo, revelou um crescimento, quer em volume quer em valor (Figura [1]).

abel mesquita, coordenador-geral da Anf, com WALLY

VOLUME DE VENDAS (EMbalagens) YTDJun2013

+2,0%

YTDJun2014

VALOR DE VENDAS (€)

819.660

YTDJun2013

836.049

YTDJun2014

9.471.054

+3,1%

9.761.120

Figura [1] > Crescimento homólogo em volume e valor, YTDjun2013 vs YTDjun2014, do mercado da veterinária. 14

FARMÁCIA PORTUGUESA

#Rank

32

Nome do Produto

YTDJun2014 (€)

1

Advantix Cão Sol Unção 4x2.5ml

493.629 €

2

Advantix Cão Sol Unção 4x4ml

464.419 €

3

Advantix Cão Sol Unção 4x1ml

434.798 €

4

Megecat Comp 18

426.352 €

5

Terramicina Vet Nebul 26.7mg/ml 150ml

340.957 €

6

Pilusoft Comp 16

254.523 €

7

Frontline Combo Sol Top Gato 3x0.5ml

249.868 €

8

Drontal Comp Cão 2

240.111 €

9

Terramicina Vet Cart Pó Sol 4x28.4g

222.445 €

10

Frontline Combo Sol Cão 3 2-10kg 3x0.67ml

216.676 €

Tabela [1] > Top 10, em valor, dos produtos do mercado veterinária no YTDjun2014

No Top 10 dos produtos do mercado da veterinária mais dispensados (em valor - acumulado de janeiro a junho de 2014) encontram-se representadas as marcas Advantix®, Megecat®, Pilusoft®, Frontline®, Terramicina® e Drontal® (tabela [1]).


No acumulado de janeiro a junho de 2014, os medicamentos de uso veterinário (MUV’s) corresponderam a 94,7% em volume e 94,9% em valor, do total das vendas no mercado da veterinária. Destes, os antiparasitários representaram 65,0% e 63,3% em volume e valor, respetivamente. Analisando, especificamente, o mercado dos antiparasitários, verificou-se que o maior peso recai nos antiparasitários externos (61,2% em volume e 74,2% em valor) (Figura [2]).

VOLUME

VALOR

74,2% 61,2% 37,5%

23,1%

1,3%

2,7%

antiparasitários INTERNOS

antiparasitários EXTERNOS

OUTROS antiparasitários

Figura [2] – Repartição do mercado, em segmentos, em volume e valor, no YTDjun2014

350

12,5%

YTDJun2013

250

YTDJun2014

-3,1%

200 150 100

-9,1%

50 0 antiparasitários INTERNOS

antiparasitários EXTERNOS

OUTROS antiparasitários

9,7%

5.0

YTDJun2013

4.5

YTDJun2014

4.0 VALOR (MILHÕES DE EUROS)

Neste segmento verificou-se que o número de embalagens dispensadas decresceu nos antiparasitários internos, em volume (-3,1%) e em valor (-2,0%), no YTDjun2014 face ao YTDjun2013. Contrariamente, os antiparasitários externos apresentaram crescimento de 12,5% em volume e 9,7% em valor (Figura[3]).

VOLUME (MILHARES DE EMBALAGENS)

300

3.5 3.0 2.5 2.0

-2,0% -7,4%

1.5 1.0 0.5

Fonte: Sistema de Informação hmR/Análise CEFAR

0.0

antiparasitários INTERNOS

antiparasitários EXTERNOS

OUTROS antiparasitários

Figura [3] – Crescimento homólogo de YTDjun2014 vs YTDjun2013, em volume e valor por segmento

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23/06/14 19:03


campanha de vacinação

FARMÁCIA PORTUGUESA

Gripe: farmácias vacinam em todo o país

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De acordo com dados revelados pela Direção-Geral da Saúde, «a mortalidade anual por gripe e por causas que podem estar associadas a complicações da gripe variou entre 3.822 óbitos, em 2003, e 5.186 óbitos, em 1999»1. Estes óbitos ocorrem, principalmente, no grupo etário de 65 e mais anos, com ainda maior expressão nos indivíduos de idade igual ou superior a 75 anos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a vacina contra a gripe previne entre 70% e 90% dos casos de gripe em adultos saudáveis. Entre os idosos pode evitar quatro em cada cinco mortes relacionadas. A Direção-Geral da Saúde tem como objetivo a vacinação de

60% da população com mais de 65 anos. Contudo, Portugal ainda não atingiu esta meta e continua ainda longe dos 75% definidos pela OMS (na Europa apenas a Holanda e o Reino Unido atingiram este objetivo). Desde 2008 que as farmácias disponibilizam aos utentes o serviço de administração de vacinas não incluídas no Plano Nacional de Vacinação, entre as quais a vacina contra a gripe. Na época vacinal de 2011/2012 a estimativa máxima da taxa de vacinação nas farmácias foi de 49%. As farmácias, maior rede portuguesa de serviços de saúde, têm também atuado proativamente na deteção de utentes pertencentes aos grupos

de risco e sem a prescrição da vacina, com o objetivo de aconselhamento para consulta médica. A vacinação contra a gripe em farmácias é uma prática em muitos países desenvolvidos. Nos EUA começou logo nos anos 90, no Reino Unido em 2002, na Irlanda em 2011. A intervenção farmacêutica em Portugal segue os padrões de qualidade e segurança mais avançados do mundo, nomeadamente pela obrigatoriedade de formação complementar dos farmacêuticos e protocolos rigorosos para a sua intervenção. Contudo, nesses países existem disposições no sentido de aproveitar mais a capacidade instalada nas far-

(1) Pandemia de Gripe – Plano de Contingência Nacional do Setor da Saúde para a Pandemia de Gripe, DGS, 2ª edição, 2008

A DGS tem como objetivo a vacinação de 60% da população com mais de 65 anos mácias, com o objetivo de atingir níveis mais elevados de cobertura vacinal da população. Designadamente, é permitida a dispensa e administração sem necessidade de prescrição médica aos grupos populacionais prioritários, bem como uma remuneração específica das farmácias pelo seu contributo.


FARMテ,IA PORTUGUESA

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campanha de vacinação

sete COMPROMISSOS DAS FARMÁCIAS VACINAÇÃO IMEDIATA: Nas farmácias não há lista de espera, nem hora marcada. PROXIMIDADE: Pela sua distribuição geográfica, as farmácias são os serviços de saúde mais próximos da maioria dos portugueses. COMPETÊNCIA: Mais de 3.600 farmacêuticos receberam formação complementar e estão devidamente certificados para vacinar contra a gripe. SEGURANÇA: As farmácias garantem a integridade da cadeia de frio indispensável à estabilidade da vacina.

Três VANTAGENS DO REGISTO NO SIFARMA

FARMÁCIA PORTUGUESA

1. O registo é uma obrigação legal, sujeita a inspeção do INFARMED.

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2. O registo através do Sifarma é RÁPIDO e FÁCIL. 3. Só o registo permitirá ao CEFAR demonstrar cientificamente os ganhos em saúde para a comunidade resultantes da intervenção das farmácias.

Consulte no portal anfonline as instruções e vídeos explicativos do procedimento; encontrará ainda disponível o guia prático “Vacinação contra a Gripe na Farmácia”; a brochura sobre o “Serviço de Administração de Vacinas na Farmácia”; informação sobre o procedimento de intervenção farmacêutica em caso de reação anafilática; e a carta de referência à consulta médica.

SEGURANÇA II: As farmácias dispõem dos fármacos necessários a reagir de imediato a qualquer caso de reação anafilática à toma da vacina. SEGURANÇA III: Os farmacêuticos são os primeiros a vacinar-se contra a gripe, evitando assim ser agentes de transmissão do vírus. CAPACIDADE: Os fabricantes de vacinas comprometeram-se a abastecer todas as necessidades das farmácias, no mínimo nas quantidades de 2012/2013.


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entrevista

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«Farmacêuticos foram vilipendiados sem razão» Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, em entrevista sobre Democracia, Finanças Públicas e coisas mais importantes na vida.


Famácia Portuguesa - Que sonhos teve em 1974 que se concretizaram? Carlos Moreno - A democracia. A democracia mudou radicalmente para melhor a vida dos portugueses em matéria de direitos, liberdades e garantias individuais. Trouxe também esse bem maior que é o SNS, mas hoje receio que se torne progressivamente menos universal e mais ineficaz.

FP - Olhando agora para o presente, não temos instituições reguladoras suficientes, ou as que temos funcionam mal? CM - Não beneficiamos de tradição, nem de saber e experiência acumulados em matéria de atividade reguladora. Encontramo-nos ainda numa espécie de fase de instalação regulatória e damos predominância ao experimentalismo. Temos reguladores a mais, que funcionam de menos.

FP - Como cidadão, quarenta anos depois, quais são as suas grandes frustrações? CM - Não me esqueço de que existem dois milhões de pobres e um milhão de desempregados. São portugueses que, substancialmente, ficam de fora da democracia e são até por ela objetivamente humilhados. Dos partidos que deram voz ao Povo durante anos, alguns dos mais relevantes mostram-se hoje desligados da realidade e fechados à sociedade, com a consequência do afastamento de milhões de cidadãos da vida pública.

FP - Olhando para a crise, podemos concluir que o Tribunal de Contas ainda não faz as auditorias suficientes? Faltou-lhe fazer alguma? CM - Não comento nem o passado, nem o presente do Tribunal de Contas português no qual, durante 15 anos, procurei servir, o melhor que me foi possível, os contribuintes como juiz-auditor. Conduzi, até final de 2009, dezenas de auditorias a dispendiosos eventos públicos nacionais, a grandes obras públicas, a muitas empresas estatais e a dezenas de PPP, algumas com grande impacto nos meios de comunicação social e na opinião pública, porém rapidamente esquecidas e sem consequência alguma. Creio que, com insuficientes recursos, fiz tudo o que podia humanamente ter feito. Se voltasse atrás repetiria no essencial o que realizei.

FP - É um tema recorrente em si, a distinção entre democracia substancial e democracia formal. CM - Pois é, porque isso me parece decisivo. Em certos domínios tem-se reforçado a democracia formal em prejuízo da substancial. Isso sucede, por exemplo, quando a real e efetiva separação de alguns dos poderes é publicamente afetada. E quando não são assumidas responsabilidades políticas ao mais alto nível, segundo a boa prática anglo-saxónica da demissão. E isso tem acontecido demasiadas vezes!

FP - Porquê? CM - Porque avalia o mérito, a eficiência e a eficácia do gasto de dinheiro dos contribuintes.

«Dois milhões de pobres e um milhão de desempregados são portugueses fora da Democracia»

FP - Confia nas propostas dos bancos para aplicações financeiras? CM - Só aconselho os outros a fazerem o que eu próprio faço. Jamais fiz aplicações financeiras em bancos. FP - Aconselha as novas gerações a subscreverem planos de complemento de reforma? CM - Também não tenho nenhum complemento de reforma. FP - A falta de saúde dos idosos portugueses foi o que mais surpreendeu os peritos internacionais de um recente estudo da Fundação Gulbenkian. CM - Também reparei nisso, até partilhei no Facebook. Eles mostram que a generalidade dos idosos portugueses, nos últimos seis anos de vida, tem muito pior saúde, ao contrário do que acontece noutros países europeus com os seus mais velhos. FP - O que acha que está a falhar no nosso sistema de saúde? CM - Julgo que é menos uma falha do nosso sistema de saúde e mais uma grave deficiência cultural e de literacia da maioria da população, aspetos cruciais, com os quais o Estado pouco se tem importado. Acresce que é proverbial a nossa vocação e até a nossa vaidade com o “desenrascanço”. Estamos sempre mais virados para remediar do que para prevenir. Mesmo que saia muito mais caro. FP - Sem querer invadir a sua intimidade, pode descrever-nos como é a relação com o seu farmacêutico? CM - Nunca tive apenas frias relações comerciais com o meu farmacêutico. Considerei-o sempre

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FP - Qual o líder político a quem está, como cidadão, mais reconhecido? CM - Recordo como líderes que mais me marcaram na nossa caminhada democrática, os doutores Mário Soares e Sá Carneiro e o engenheiro Adelino Amaro da Costa.

FP - O Senhor Conselheiro foi o primeiro juiz português no Tribunal de Contas Europeu. Os dois tribunais são muito diferentes? CM - No Tribunal de Contas Europeu, no qual permaneci nove anos, predominava a auditoria da boa gestão financeira, em vez da auditoria da legalidade, como acontece no Tribunal de Contas português. Pessoalmente, mesmo no Tribunal de Contas português, optei quase em exclusivo pela auditoria da boa gestão, de que sou um defensor empenhado.

O dinheiro dos contribuintes é um bem cada vez mais escasso. E é cada vez mais o resultado de grandes sacrifícios. A auditoria pública não pode ficar descansada, ou contentar-se, em avaliar apenas aspetos formais e de legalidade da despesa.

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entrevista um amigo, quase um confidente. O meu farmacêutico é sempre um conselheiro, ao qual peço ajuda para resolver rápida e eficazmente pequenos males do corpo e da alma. Meus e dos meus. FP - Os farmacêuticos eram privilegiados? CM - Jamais considerei os farmacêuticos como privilegiados. O farmacêutico desempenhava, nas nossas terras de infância, a par do médico, do professor e do prior, uma eminente função social e de serviço público na ajuda ao próximo mais desfavorecido da sorte. Hoje, principalmente nos grandes centros urbanos, esse papel tornou-se menos visível. Todavia, os farmacêuticos continuam a ser frequentemente - e de forma devotada e gratuita - o único apoio de proximidade aos doentes mais velhos ou mais pobres. FP - Acha que se formou uma imagem errada da profissão? CM - Os farmacêuticos foram estigmatizados. Chamaram-lhes muitas vezes ricos e sequiosos de lucros fáceis. Por outro lado, acusaram-nos de concorrer em domínios académicos para os quais não tinham preparação. Como o passar do tempo tem vindo a comprovar, essas ideias eram falsas. Trata-se de preconceitos sem aderência à realidade.

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FP - Acredita que estão em crise? CM - Os farmacêuticos e as farmácias estão em crise manifesta. Foram demasiado vilipendiados sem razão.

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FP - Parece-lhe bem que as farmácias tenham um papel reforçado no controlo da diabetes, da hipertensão e na prevenção da saúde em geral? CM - Sim. Atribuir às farmácias um papel ativo na prevenção da saúde em geral e, em particular, no controlo da diabetes, da hipertensão e do colesterol acarretaria seguramente valor acrescentado imediato para uma melhor saúde dos portugueses.

FP - O seu livro “Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro” foi um sucesso de vendas. Voltará a publicar? CM - Escrever livros constitui uma espécie de sedução, de atração amorosa. Os que escrevi esgotaram as respetivas edições, com destaque para o que teve por título “Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro”. Sendo um livro técnico, chegou aos 25 mil exemplares. Voltarei a publicar se e quando me sentir de novo seduzido e tiver um editor que acredite no meu amor. Não sou capaz de fazer previsões a este respeito. FP - É muito ativo no Facebook. Como descreve a sua experiência nas redes sociais? CM - Gosto de estar nas redes sociais. Consigo exprimir na hora as minhas razões e as minhas emoções e ter na hora o feedback da minha lucidez ou da sua falta e da sinceridade ou não dos impulsos do meu coração. FP - Assume-se publicamente como católico. Que papel tem a fé na sua vida? CM - Entendo que ser católico é acreditar militantemente em Jesus Cristo, isto é, dar testemunho permanente e visível, na vida, na sociedade e na profissão, da sua palavra e do seu exemplo. Sem medo. FP - Quais foram os conselhos de seus pais essenciais para a sua vida? CM - Dos meus pais recebi um testemunho marcante - prescindiram de quase tudo o que gostavam para poderem dar aos filhos a melhor educação possível. FP - O que diz aos seus filhos e netos que gostaria que eles não se esquecessem nunca? CM - Gostava que os meus filhos caminhassem pela vida levando numa das mãos um punhado de ternura e na outra uma nesga de poesia. E que os meus netos quando fossem grandes conseguissem fechar todas as fábricas de armas.

«Não vislumbro sensibilidade social nas políticas públicas»


«O desperdício de dinheiros públicos solta-me a língua» FP - O Senhor Conselheiro tem sido um crítico claro do atual Governo e foi das personalidades que primeiro criticou a governação anterior. Nunca o pressionaram para calar as críticas? CM - Não tenho sido um crítico profissional de governos. O que sucede é que enquanto estão na oposição os futuros governos ouvem, concordam e aplaudem o que digo em matéria de Finanças Públicas. Após chegarem ao poder consideram-me um incómodo. Eu tento manter um rumo coerente

no que digo e no que faço. Práticas de má gestão financeira pública, desperdícios de dinheiros públicos, ausência de exemplo público visível de contenção de gastos estatais não são comigo e soltam-me a língua e a voz azedadas. Não sou também capaz de permanecer mudo e quedo quando não vislumbro sensibilidade social nas políticas públicas, mesmo em caso de crise financeira grave. A única razão de ser do Estado e das suas instituições é a da servir sempre os mais fracos, os mais pobres e os mais

humilhados dos seus cidadãos. FP - Acha que a comunicação social portuguesa é verdadeiramente livre? CM - Há, sempre houve e continuarão a existir jornalistas livres e independentes. Não todos, seguramente. Mas enquanto houver alguns sentir-me-ei um cidadão com sorte. FP - Acredita que Portugal vai dar a volta por cima? CM - Tenho a certeza de que Portugal vai dar a volta por cima. Só não sei quando.

O Juiz Viciado em Beatles e poemas de Prévert O Conselheiro Carlos Moreno aceitou o desafio de partilhar com os leitores da “Farmácia Portuguesa” os cinco livros e cinco músicas da sua vida. > Paroles, Jacques Prévert > 5.ª Sinfonia, Beethoven > Bolero, Ravel, > Fado da Despedida, Luiz Goes > Beatles, «tudo o que nos deixaram»

> Folhas Mortas / Les Feuilles Mortes / Autumn Leaves, Música de Joseph Kosma, letra de Jacques Prévert, foi gravada por dezenas de cantores, bem como por músicos de Jazz de primeiro plano, de Edith Piaf a Miles Davis.

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> Bom Dia Tristeza, Françoise Sagan > O Adeus às Armas, Ernest Hemingway > Servidão Humana, Somerset Maugham > Os Maias, Eça de Queirós

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europa

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Medicamento: Juncker obrigado a recuar

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O Presidente da Comissão Europeia (CE) foi forçado a recuar na intenção de retirar a tutela dos medicamentos e dispositivos médicos à Direção-Geral Saúde e Consumidores (DG SANCO). Jean-Claude Juncker anunciou que a Agência Europeia do Medicamento (EMA) passaria para a DG Empresa e Indústria. A decisão invertia a política de Durão Barroso, que em 2009 transferiu a política do medicamento para a DG SANCO. A proposta de Juncker provocou uma onda de choque e preocupação entre peritos, doentes e ativistas da saúde

pública. E deu origem a uma carta violenta subscrita por 30 organizações. Entre elas, o Grupo Farmacêutico da UE – em que a ANF tem assento, os representantes dos doentes (European Patients Forum), dos consumidores (BEUC) e dos médicos (CPME). A carta aberta alertava para o conflito entre, por um lado, a proteção da saúde e da segurança dos doentes e, por outro, a promoção da competitividade da indústria e da economia europeias. Para os signatários a medida era «injustificada» e dava à sociedade um sinal

errado: o de que os interesses económicos prevalecem sobre a saúde dos cidadãos. A medida era classificada de «perigosa», por suscitar a suspeição e potenciar a falta de confiança nas futuras propostas da CE no domínio da saúde. Era um «mau começo» para a nova CE e um «grande retrocesso» na política do medicamento. «Os medicamentos e os dispositivos médicos não são – e não devem ser – considerados da mesma forma que quaisquer outros produtos do mercado interno, pois eles salvaguardam a saúde das pessoas»,

lê-se na carta, que desafiava Juncker a repor «os interesses da saúde em primeiro lugar». Eurodeputados de várias famílias políticas secundaram o teor da carta. Alguns acusaram Juncker de estar a ceder ao lóbi da indústria farmacêutica. No âmbito das audições aos comissários indigitados, os eurodeputados solicitaram concessões na redistribuição das responsabilidades para aceitarem o Colégio de Comissários. Juncker acabou por voltar atrás, tendo já anunciado que o medicamento permanecerá na DG SANCO.


inglaterra

Farmácias poupam despesa pública e aumentam saúde RESULTADO DA INTERVENÇÃO FARMACÊUTICA

POR DOENTE:

+ 22 DIAS

MENOS

243€ resultados em saúde, por uma entidade independente, condicionando a decisão sobre a continuidade do contrato aos resultados alcançados. A Universidade de Nottingham realizou um estudo clínico experimental para avaliação dos resultados em saúde dos doentes aderentes ao serviço farmacêutico, em que comparou um grupo de doentes aderentes ao NMS com um grupo de doentes não aderentes ao serviço. Os resultados demonstram que nos doentes aderentes ao NMS, verifica-se uma maior adesão à terapêutica, bem como um maior número de problemas relacionados com o medicamento identificados e resolvidos pela farmácia. O estudo evidencia que o NMS reduz os custos do SNS,

verificando-se uma poupança de £21,11 (27 euros) por doente, mesmo depois de descontada a remuneração da farmácia. Foi também conduzida uma avaliação económica do serviço, verificando-se resultados consistentes no que respeita à evidência de poupança e dos resultados em saúde. Foi assim calculado que

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A Universidade de Nottingham publicou recentemente o relatório de avaliação do New Medicines Service (NMS), com resultados positivos, a nível da adesão à terapêutica medicamentosa e na redução de custos para o Serviço Nacional de Saúde Inglês. O NMS é um serviço implementado nas farmácias Inglesas em 2011, disponível para doentes que iniciam medicação crónica na área da asma, DPOC, Diabetes tipo 2, terapia antiplaquetária / anticoagulante e hipertensão. Requer uma consulta inicial de intervenção na farmácia e consultas de monitorização, sendo remunerado pelo SNS Inglês. A contratualização deste serviço com as farmácias incluía a realização da sua avaliação, sob o ponto de vista económico e de

Fonte: Universidade de Nottingham

SAUDÁVEL POR ANO DE VIDA

por cada doente aderente ao NMS, o SNS poupa £190 (243 euros). Já o utente ganha 0,06 QALY – Quality Adjusted Life Years. Como 1 QALY equivale a 1 ano de vida em perfeita saúde, a intervenção das farmácias permite aos doentes ganhar 22 dias de saúde por ano de vida. Os investigadores concluíram que este serviço prestado pelas farmácias tem resultados clínicos positivos e benefícios económicos, pelo que recomendam a sua continuidade, bem como a análise do possível alargamento a outras áreas, como a saúde mental. Recomendam igualmente algumas melhorias, para fomentar uma maior implementação deste serviço nas farmácias, que já está disponível em 90% das farmácias inglesas. Essas recomendações passam por facilitar o acesso dos farmacêuticos aos registos clínicos dos doentes e maior integração com os prestadores de cuidados de saúde primários a nível local. Os resultados alcançados em inglaterra vêm evidenciar que a tendência de maior envolvimento das farmácias na prestação de cuidados de saúde primários tem resultados positivos, tanto do ponto de vista do Estado, através de uma utilização mais eficiente de recursos, como do ponto de vista dos cidadãos, com melhorias dos níveis de saúde e qualidade de vida da população e maior acesso a cuidados de saúde.

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consultoria jurídica

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Código do Trabalho – Sexta Alteração

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Foi publicada a Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, que procede à sexta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. Esta lei surge na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, de 20 de Setembro, que considerou inconstitucionais, com força obrigatória geral, diversas disposições do Código do Trabalho na redação introduzida pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho (terceira alteração ao Código do Trabalho). Entre as disposições consideradas inconstitucionais estão as redações introduzidas aos n.ºs 2 e 4 do artigo 368.º (requisitos de despedimento por extinção do posto de trabalho), e ao n.º 1 do artigo 375.º (requisitos de despedimento por inadaptação). Assim, no que concerne ao despedimento por extinção do posto de trabalho, a nova redação dada ao n.º 2 do artigo 368.º pela Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, veio alterar os critérios que devem ser observados na escolha do trabalhador a despedir, quando na secção ou estrutura equivalente da Empresa exista uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico. O Quadro 1 sintetiza as alterações legislativas que foram

Foi publicada a Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, que procede à sexta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro

efetuadas aos critérios de seleção previstos no artigo 368.º, n.º 2 do Código do Trabalho. Ou seja, na redação introduzida pela Lei n. º 23/2012, de 25 de junho, era ao empregador que cabia a definição dos critérios de escolha do trabalhador (conquanto se tratassem de critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho), ao passo que na redação original do Código do Trabalho de 2009 (repristinada com o Acórdão n.º 602/2013), os critérios que o empregador estava obrigado a seguir, e respetiva ordem de aplicação, encontravam-se tipificados na lei e estavam exclusivamente relacionados com a antiguidade e categoria profissional dos trabalhadores. Com a redação agora introduzida pela Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, os critérios que o empregador se encontra obrigado a observar na seleção do trabalhador a despedir, e respetiva ordem de aplicação, continuam a estar expressamente tipificados na lei, passando no entanto a abranger a avaliação de desempenho do trabalhador (desde que os parâmetros da mesma sejam previamente por este conhecidos), as suas habilitações académicas e profissionais, a


Artigo 368.º Requisitos de despedimento por extinção de posto de trabalho

Redação atual resultante da Lei n.º 27/2014, de 8 de maio (sexta alteração ao Código do Trabalho)

Redação da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho (terceira alteração ao Código do Trabalho)

Redação da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, repristinada com a declaração de inconstitucionalidade (redação original do Código do Trabalho 2009)

“2 - Havendo, na secção ou estrutura equivalente, uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, cabe ao empregador definir, por referência aos respetivos titulares, critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho.”

“2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para concretização do posto de trabalho a extinguir, o empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios: a) Menor antiguidade no posto de trabalho; b) Menor antiguidade na categoria profissional; c) Classe inferior na mesma categoria profissional;

“2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios: a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador; b) Menores habilitações académicas e profissionais; c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; d) Menor experiência na função;

d) Menor antiguidade na empresa.”

e) Menor antiguidade na empresa.”

QUADRO 1

Trabalho, mas tinha sido já repristinado com a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Acórdão n.º 602/2013. Da mesma forma, a Lei n.º 27/2014, de 8 de maio veio alterar a redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 375.º, prevendo como um dos requisitos do despedimento por inadaptação, a inexistência na empresa de outro posto de trabalho disponível e compatível com a categoria profissional do trabalhador. Tal requisito havia também sido eliminado com a terceira alteração ao Código do Trabalho, tendo sido repristinado com a declaração de inconstitucionalidade, embora a disposição vigente à data se referisse a um posto de trabalho compatível com a “qualificação

profissional” do trabalhador, e não com a sua “categoria profissional”, como agora sucede. As alterações supra descritas introduzidas pela Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, entraram em vigor no passado dia 1 de junho de 2014. Eliana Bernardo PLMJ-Sociedade de Advogados

Os critérios que o empregador se encontra obrigado a observar na seleção do trabalhador a despedir, e respetiva ordem de aplicação, continuam a estar expressamente tipificados na lei

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onerosidade da manutenção do vínculo laboral, a sua experiência e apenas por último – caso não seja possível proceder à seleção do trabalhador a despedir através dos supra mencionados critérios – a antiguidade do trabalhador na empresa. A Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, veio também alterar a redação do n.º 4 do artigo 368.º (adotando igual redação à versão original do Código do Trabalho de 2009), mantendo assim como causa da impossibilidade da subsistência da relação de trabalho o facto de não existir outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador. Note-se que este requisito havia sido eliminado com a terceira alteração ao Código do

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museu da farmácia

Ébola: o cúmplice da Peste Negra

FARMÁCIA PORTUGUESA

Por João Neto, Diretor do Museu da Farmácia

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A Peste Negra, provocada pela bactéria Yersinia pestis, foi o maior sinónimo de morte que a Europa alguma vez enfrentou. O seu primeiro aparecimento conhecido deu-se na época Romana, entre os anos 541 a 543 dC, na governação do Imperador Justiniano (527 565 dC). Mas regressou várias vezes, de forma pandémica. Por alguma razão nos foi ensinado nas escolas a datar a Peste Negra entre o final da Idade Média e o século XVIII. A doença foi o grande assassino dessa época. O cálculo maioritário entre os historiadores aponta para 75 milhões de mortos em cerca de 300 anos, um terço da população europeia. Não houve família ou classe social a salvo do terror.

No século XIX, a Peste Negra perdeu a roleta russa com a população europeia, mas virou-se ainda para a Ásia, causando novas mortandades na Índia e na China. Não foi possível encontrar, até aí, um fármaco eficaz para combater a Peste Negra. A teoria das espécies, de Darwin, é boa para iluminar o resultado. Sobreviveram os dois terços de europeus cujo organismo teve a capacidade de incubar e neutralizar a bactéria, assim como o conjunto de patologias associadas à Peste Negra. Entre elas, sabemos agora, a hemorragia causada pelo vírus Ébola. A explicação tradicional para a pandemia na Europa assenta-

va no contágio ao homem por parte das pulgas e dos ratos. Mais recentemente, biólogos, médicos e cientistas do genoma ajudaram os historiadores a entender o que se passou com maior profundidade. A combinação da análise da propagação geográfica dos vários surtos de Peste Negra, com o estudo do ADN dos infetados, revelou um relevante cúmplice da bactéria Yersinia pestis. Para além da infeção com origem em roedores e pulgas, a população europeia foi simultaneamente vítima de um vírus hemorrágico, com características semelhantes ao Ébola. Em 2004, o Museu da Farmácia organizou uma conferência de-

dicada ao tema “A Peste Negrauma visão diferente”. Foi então convidado o biólogo Christopher Duncan, professor jubilado da Universidade de Liverpool. Este perito demonstrou, pela primeira vez em Portugal, que as pulgas e ratazanas não seriam suficientes para permitir a rápida propagação da Peste Negra numa tão vasta extensão do território europeu. A mortandade causada só é explicável pela colaboração de um vírus hemorrágico, semelhante ao Ébola, com período de incubação de 20 a 30 dias no hospedeiro humano, e pelo contágio direto entre humanos, através da tosse e de espirros.


Na falta de fármacos eficazes, o terror da Peste Negra estimulou o uso de proteções junto ao corpo. As classes de maiores posses penduravam ao pescoço moedas-medalhas com iconografia religiosa. A Peste Negra era o apocalipse que se abatia sobre a Humanidade, como castigo dos

pecados. Cristo crucificado representa o sacrifício, a dor e o sofrimento pela salvação da humanidade. A prata não é por acaso. Na tradição ancestral oriunda dos druidas, era o símbolo da pureza e frequentemente usada em rituais mágicos como amuleto contra a doença e de invocação da saúde.

Albarello , com a representação de esqueleto segurando uma ampulheta Itália, Sicília, Século XVII, Faiança

Pest Thaller , moeda/medalha alemã em prata cerca 1530

usado nas boticas da época para guardar substâncias medicinais sólidas e viscosas como unguentos e electuários, surge a imagem de um esqueleto com uma ampulheta. A Europa, no século XVII, vivia o terror da Peste Negra, com o medo obsessivo da morte a dominar as populações. Na mentalidade da época, o combate à doença não passava apenas pela introdução de substâncias medicamentosas no corpo, mas também pela atração de elementos “enérgicos”, que auxiliassem o corpo a vencer a doença. O boticário, ao expor este recipiente no seu arsenal terapêutico, transmitia ao paciente do outro lado da bancada, uma mensagem de poder e imortalidade. A cor brilhante do amarelo evoca o Sol e a sua energia, destruindo o lado negro da doença. Trata-se de um poder que o boticário invoca como aliado do seu conhecimento e da sua capacidade técnica na “ressurreição” do corpo doente.

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O esqueleto é um dos símbolos mais antigos utilizado pelo ser humano, com os significados mais diversos e até antagónicos. Pode representar a morte, mas também a celebração da própria vida. A sua banalização como símbolo funesto surge na cultura europeia com o cristianismo. O esqueleto é usado para lembrar aos pecadores a mortalidade e a necessidade de preparar a morte em vida. Este símbolo não perdeu, contudo, o caráter ambivalente. Pode significar poder (de quem exibe), proteção, imortalidade, mas também servir mensagens relacionadas com medo, perigo, maldade ou qualquer fim tenebroso, designadamente associado à doença. Ainda hoje é utilizado para sinalizar a toxicidade de algumas substâncias e como mero ícone de rebeldia, por grupos de heavy metal ou grupos de motoqueiros. Neste magnifico albarello, vaso cerâmico introduzido na Europa durante a Idade Média pela civilização islâmica (al-barani),

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consultoria fiscal

Quotizações para as associações empresarias A entrada em vigor do novo Código do IRC, em janeiro último, não trouxe alterações às condições e aos pressupostos em que assenta a dedutibilidade das quotizações pagas às respetivas associações empresariais. Inalterável ficou, também, o limite até ao qual a dedução se aceita, para efeitos da determinação da matéria coletável do IRC.

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Aspetos de ordem geral

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Para a determinação do lucro tributável do IRC, o valor correspondente a 150% das quotizações pagas às associações empresariais, em conformidade e para os fins previstos nos seus Estatutos, é considerado gasto imputável ao respetivo período de tributação, até ao limite de 0,2% do respetivo volume de negócios (artigo 44º CIRC1). Quando – como é o caso dos associados da ANF – a quota a pagar compreenda uma componente em valor fixo e uma outra variável, a majoração de 50% e o limite de 0,2% referidos no ponto anterior serão aplicados à soma das duas componentes. Isto se ambas tiverem natureza obrigatória e a sua relação com a obtenção dos rendimentos não puder ser posta em causa (artigo 23.º CIRC2). Resulta da conjugação do disposto nos artigos 23.º e 44.º do CIRC que a majoração de 50% é aplicável quando a quota acrescida da majoração (150% do valor pago) não exceder o limite de 0,2% do volume de negócios

(volume de negócios anual). Isto significa que, para efeitos de determinação do lucro tributável do IRC: a) Se a majoração de 50%, prevista no n.º1 do artigo 44.º, for aplicável, isto é, se a quota, acrescida da majoração, for igual ou inferior a 0,2% do volume de negócios, será gasto do respetivo exercício o valor pago acrescido dessa majoração (150% do valor pago); b) Se a majoração de 50% não for aplicável, isto é, se a quota acrescida da majoração for superior a 0,2% do volume de negócios, o valor pago será, na sua totalidade, gasto imputável ao respetivo exercício (100% do valor pago), ainda que esse valor exceda o limite de 2/1000, previsto no n.º2. Isto se os pressupostos em que a dedutibilidade assenta estiverem verificados, nomeadamente no que respeita: • Aos fins que, estatutariamente, a associação beneficiária prossegue (o apoio, em várias vertentes, a todos os seus asso-

ciados e a defesa dos seus legítimos interesses); • Ao caráter obrigatório que as quotas assumem, quer em relação à componente fixa quer em relação à componente variável; • À convicção e comprovação de que a verificação da condição geral de indispensabilidade, prevista no artigo 23.º, CIRC, agora com diferente formulação, não poderá ser posta em causa. Majoração: uma dúvida A redação que foi encontrada para o artigo 44.º CIRC pode conduzir a duas interpretações e, se estivermos em presença de quotizações de baixo valor, também a dois resultados bem distintos: a) Uns entenderão que a majoração de 50% se mostra, no todo ou em parte, inaplicável nos casos em que, com a aplicação dos 50% de majoração (quotas mais 50% de majoração), se ultrapassa o limite do nº2 (2/1000 sobre o volume de negócios)3;

b) Entenderão outros que a majoração continua a ser – mas, agora, só em parte – aplicável nos casos em que, embora o limite de 2/1000 seja ultrapassado, se aplicada a majoração de 50%, o valor levado a custo fiscal (quota mais a parte da majoração considerada) não excede o valor correspondente a esse limite de 2/1000. O segundo entendimento - o defendido em b) – não sendo o entendimento prevalecente, sustenta-se num argumento que considero importante. Refere o n.º 2 que «o montante referido no número anterior não pode exceder o equivalente a 2/1000 do volume de negócios». Ora, ao dizer-se que o valor a deduzir «não pode exceder» um determinado limite, está, implicitamente, a dizer-se que, até esse limite, a dedução poderá ser feita. Seguindo-se esta interpretação, seria admissível deduzir, para efeitos de IRC, o valor da quota paga mais uma parte da majoração se, no seu conjunto, não se ultrapassasse o limite de 0,2% do volume de negócios.


Exemplo Premissas: volume de negócios = € 500 000,00. Limite de 2/1000 sobre o volume de Negócios = € 1000,00. • Situação A - Quotizações: € 666,00 (com a majoração, € 999,00); • Situação B - Quotizações: € 667,00 (com majoração, € 1 000,50). ­– Seguindo a interpretação defendida na alínea a), a dedução seria feita, na situação A, por € 999,00 e, na situação B, por € 667,00. ­– Seguindo a interpretação defendida na alínea b), a dedução seria feita, na situação A, por € 999,00 e, na situação B, por € 1000,00. Verifica-se, assim, que a interpretação defendida na alínea a) - interpretação dominante gerará, nas situações de fronteira e quando em presença de quotas de baixo valor, uma desigualdade que muitos considerarão injustificada.

A redação que foi encontrada para o artigo 44.º CIRC pode conduzir a duas interpretações As quotas da ANF Relativamente às quotizações da ANF, resulta do exposto que o valor efetivamente pago pelos associados, sem majoração, é considerado gasto para efeitos de determinação do lucro tributável do IRC se as condições previstas no artigo 23.º do CIRC e os pressupostos referidos na parte final da alínea b) do ponto 1, se verificarem. J. A. Campos Cruz, Consultor ANF

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(1) Artigo 44º, CIRC: Quotizações a favor de associações empresariais. 1 – É considerado gasto do período de tributação, para efeitos da determinação do lucro tributável, o valor correspondente a 150% do total das quotizações pagas pelos associados a favor das associações empresariais em conformidade com os estatutos. 2 - O montante referido no número anterior não pode, contudo, exceder o equivalente a 2 (por mil) do volume de negócios respetivo. (2) Artigo 23º, CIRC: Gastos e perdas 1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (3) Entendimento prevalecente. Ver parecer técnico da APECA, publicado em 18 de março de 2010

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Douro

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José Barata, sorriso farto, mãos cheias, pele morena do Sol que cai para lá do Marão. É este farmacêutico de 57 anos quem convida os colegas e todos os amigos da profissão a visitar um Reino Maravilhoso.


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José Barata é um transmontano puro, com raízes à terra. Nasceu em Carrazeda de Ansiães e vive na Régua, cidade-estação do rio Douro, de 9500 habitantes. É proprietário e diretor técnico da Farmácia Douro, em Santa Marta de Penaguião. A mulher, Teresa Barata, também é farmacêutica. Os farmacêuticos gostam tanto do que fazem que é comum apaixonarem-se para a vida. Teresa Barata é diretora técnica da Farmácia Arrochela, uma das mais antigas da Régua. Um dos três filhos do casal, para o ano, completará o curso de Ciências Farmacêuticas. Ou não fosse o Douro terra de resistentes, com grandes farmacêuticos de porta aberta nas aldeias mais esquecidas. José Barata tem 23 anos de experiência na estrutura associativa da ANF. Adora relacionar-se com os colegas e deitar mãos ao futuro da profissão. Não poderia encontrar guia mais amigo. Mesmo que já conheça a região, vai ser surpreendido.

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Bem-vindos ao Reino Maravilhoso

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«A gente entra, e já está no reino maravilhoso.» E é mesmo como escreveu o Adolfo da Rocha, filho de Maria da Conceição e Francisco, lavradores de São Martinho da Anta. No Miradouro de S. Leonardo de Galafura, na Régua, sentimos o que é a paz de espírito. Era um dos lugares prediletos do Adolfo da Rocha. Talvez tenha sido aqui que ficou impressionado com o caule firme e hirto da torga, planta brava da montanha que acolheu como pseudónimo. Em 1977, foi nesta espantosa varanda de vista larga para o rio que Miguel Torga escreveu sobre o “Doiro sublimado”, de “beleza absoluta”, como agora se lê numa placa de pedra, gravada com um extrato do “Diário XII”. José Barata, o farmacêutico que convida, só quis levar-nos ao Miradouro no final da tarde. O dia

estava perfeito para ver o sol desaparecer do espelho de água do rio. O nosso anfitrião garante que os meses de setembro e outubro são os melhores para visitar a região. «A luz varia muito durante o dia, permitindo observações diferentes, mas sempre maravilhosas» descreve, como quem partilha um privilégio, ecoando mais uma vez a palavra mágica do poeta sobre a paisagem. Por mais barragens e auto estradas, o Douro continua a ser um meio rural, que entra em rebuliço na época das vindimas, e de rituais, como as romarias de montanha. Em muitas aldeias a população duplica em agosto, com o regresso de emigrados e empregados nas cidades grandes do litoral português. Em muitas aldeias, como Tralhariz, o povo assa um porco no adro da igreja,

traz para a rua garrafões, lança foguetes e dança ao som de grupos de baile. Território de gente franca e generosa, que vive em comunhão perfeita com a terra e a natureza – assim é o Douro. Já dizia Miguel Torga: «Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde: Entre quem é!». Esta terra presta-se a ser escrita, talvez como mais nenhuma em Portugal. Não foi só Miguel Torga. Também Aquilino Ribeiro, Eça de Queiroz, Teixeira de Pascoaes, Guerra Junqueiro, enfim, uma legião de escritores brotou do Douro ou gravou-o para sempre nas suas obras. O rio até atordoa, pelo declive das margens e as curvas apertadas umas a seguir às outras Cravado nas montanhas, é o terceiro maior

O petróleo desta terra é o Vinho do Porto, um dos melhores vinhos do mundo. As mais preciosas das uvas dão-se nestas encostas a pique


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da Península Ibérica. Beneficiando de um microclima peculiar, o Vale do Douro é generoso em azeitonas, amêndoas, figos, nozes, maçãs, laranjas, cortiça, linho e quase tudo o que se possa pedir à terra. «Como num paraíso, basta estender a mão», descrevia Miguel Torga, agradecido. É no Miradouro de S. Leonardo de Galafura que damos com José Barata mudo, só com o omnipresente sorriso, de olhar fixo no rio, como se o fizesse pela primeira vez. O petróleo desta terra é o Vinho do Porto, um dos melhores vinhos do mundo. As mais preciosas das uvas dão-se nestas encostas a pique, território que parecia reservado a plantas bravas, aves de rapina, fragas e penedias. «Veja bem o xisto na paisagem!», exclama José Barata.

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RIO ABAIXO, RIO ACIMA

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Os passeios de barco no Douro estão na moda - e com plena justificação. O privilégio de termos um guia como José Barata, filho da região, é embarcarmos na moda, mas vestidos de alta costura. O fato, à vela, tem dez metros de comprimento e 14 de mastro. Falamos do veleiro, de fabrico alemão, da empresa “Douro à Vela”, que há dois anos levanta âncora do Cais da Folgosa. O nosso farmacêutico levou-nos lá, com o sorriso matreiro de quem sabe que vai dispensar a dose certa para os leitores da nossa revista. Os grandes navios de cruzeiro, que carregam milhares de turistas no Douro, hão de ser uma gostosa experiência. Mas este veleiro é outra coisa. Chama-se “Libertu’s” - do latim libertu, que significa “colocado em liberdade”, ou “que é solto”. Com lotação para 12 pessoas, oferece a grupos de

amigos, ou a um casal apaixonado, a experiência inesquecível de subir e descer um rio mítico e indomável, uma força da natureza única em Portugal, mas num ambiente íntimo. O Libertu’s é um fato à medida do sonho de cada um. Aluga-se por uma hora, ou por um fim de semana. Podemos dormir nele, embalados pelas águas do rio, com o céu estrelado como teto e as vinhas em socalco a fazer de paredes do quarto. O skipper António Pinto apresenta-se como “filho do Douro”. Navega-o como um marinheiro, de Miranda ao Araínho, como na canção de Rui Veloso e Carlos Tê. A experiência de serpentear sobre as águas, entre vinhas, é impossível de descrever. Não pode haver relação mais intensa com o rio, nem outro miradouro assim no Vale do Douro. Navegam as nossas emoções. António Pinto tem aquele ar, raro, de ser feliz.

Lamego T. 91 879 37 92 info@douro-a-vela.pt www.facebook.com/douroavela


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COMO UM SONHO LINDO

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É preciso subir quase até ao céu para lá chegar. Quando se entra, por uma calçada de xisto, o viajante encontra o silêncio - e começa a contar há quanto tempo andava à procura dele. A visão toma então conta de tudo. Mais do que aos olhos, o Reino Maravilhoso revela-se inteiro no nosso espírito. Dali vê-se tanto rio, para montante e jusante, que se imagina ver o rio todo. A vista corta mesmo a respiração, não é figura de estilo. Aqui poderia estar erguido um mosteiro, um lugar de recolhimento inacessível a pecadores comuns. Há oito anos nasceu antes a Quinta Maria Izabel, sempre de portas abertas a visitas de coração bom e exigência no gosto. José Barata conhece bem o caminho, tem uma propriedade mesmo ao lado. Somos recebidos com familiaridade pela enóloga e diretora, Gabriela Canossa. Em poucas horas vamos perceber que o lugar é cheio de vida. E como o Douro tem corrente para chegar ao Brasil. A Quinta Maria Izabel é a materialização do sonho de João Carlos Paes Mendonça, multimilionário brasileiro que se apaixonou pelo Douro. O nome é uma afetuosa retribuição do nosso tempo à última princesa imperial do Brasil. Neta de D. Pedro, o rei que declarou a independência, Maria Izabel foi uma regente poderosa e visionária, que aboliu a escravatura e defendeu o sufrágio feminino, na segunda metade do século XIX. Para o ano, o nome “Maria Izabel” vai regressar ao Brasil em garrafas de Porto Vintage 2012, Tinto 2012 e Branco 2013. A quinta é um grande projeto vitivinícola, com 70 hectares de vinha, para além de 14 hectares e meio de oliveiras. A produção foi possível pela reconversão de vinha, de tinto para branco, e a recuperação

de castas que estavam praticamente extintas. O projeto não é produzir muito, mas bom. «Noventa e nove por cento das uvas que usamos são da nossa quinta», refere com indisfarçável orgulho Gabriela Canossa. Trabalha 12 castas e destaca as autóctones, como a clonada Touriga Nacional (casta emblemática do Douro), Touriga Franca, Tinta Roriz (Aragonez), Tinta

A Quinta Maria Izabel é a materialização do sonho de João Carlos Paes Mendonça, multimilionário brasileiro


Barroca e Tinto Cão. As videiras são meticulosamente acompanhadas todo o ano, sem intervenção mecânica violenta sobre as uvas. Explora-se o tesouro que cada talhão dá. A quinta tem centro vínico, laboratório de enologia, sala de vinificação, sala de lagares em pedra, com pisa-a-pé e controlo de temperatura.

A quinta dispõe de um espelho de água, que se ilumina à noite, sempre com o Rio Douro ao fundo. Nas datas especiais, é o cenário ideal para pequenos espetáculos de pirotecnia. Lugar da Cruz, Armamar T. 254 105 633 www.facebook.com/ QuintaMariaIzabel

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José Barata mediu a temperatura ao tinto reserva de 2012: 19 graus. Antes de ser libertado para o mercado brasileiro, estagia em barricas de madeira de carvalho francês da floresta de Tronçais, em Allier (Auvergne). Há ainda cubas de aço inox e balseiros em madeira para dez, cinco e três mil litros, comprados à Rémy Martin, célebre produtora francesa de conhaque.

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OS ÚLTIMOS COMBOIOS FANTÁSTICOS

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Quem nunca andou de comboio no Douro e em Trás-os-Montes não conhece Portugal. Infelizmente, já não vai a tempo de o conhecer todo. As linhas ferroviárias portuguesas mais extraordinárias, comparáveis às melhores do mundo, sofreram um ataque desenfreado a partir dos anos 80. As linhas do Corgo e do Sabor foram substituídas por “pistas” pedonais e para bicicletas, hoje praticamente desertas. Na linha do Tua, uma das mais impressionantes e aventureiras obras da engenharia portuguesa, o poder central começou por roubar as carruagens, de madrugada, à estação de Bragança. Para suster a revolta da população, as comunicações foram cortadas e a GNR fez uma barreira de proteção à saída dos camiões TIR que carregaram o último comboio. Mais recentemente, uma famosa empresa de sucata encarregou-se de furtar quilómetros de carris. Para finalizar, a barragem vai afogar o último terço de linha, condenando-a a uma humilhante morte. Não é só na Suíça. Também em países do sul, as linhas de montanha têm sido recuperadas para passageiros e mercadorias, viabilizando economias locais e combatendo a desertificação na realidade - e não nos discursos. Basta visitar o website da empresa FEVE, de Espanha, para se perceber como a história do caminho de ferro do Douro poderia ter sido outra. Na linha do Douro, há muito os comboios não chegam a Barca D’Alva. Mas ainda existe serviço de passageiros entre o Porto e a Régua. A linha não foi modernizada – ficou na primeira metade do século XX. Mas a viagem é barata e fantástica. Poucos produtos turísticos

portugueses têm melhor relação qualidade/preço - na área dos transportes, seguramente nenhum. Há uns anos, a CP, talvez espantada pelo sucesso dos cruzeiros fluviais do Douro, começou a vender viagens aos turistas a preços de hotel de cinco estrelas. Nasceu o “Comboio Histórico”. Cinco carruagens de madeira, dos princípios do século passado, foram restauradas para levar 250 turistas da Régua à estação do Tua, uma viagem de 46km com paragem no Pinhão. De início, a composição era rebocada por uma locomotiva 0187, a vapor, fabricada em 1925 pela Henschel & Son. Mas há três anos, para poupar uns trocos, foi substituída por uma máquina a diesel de 1967, pintada de azul e branco.

A CP explicou ser seu desejo «fazer perdurar o Comboio Histórico no Douro, num formato mais sustentável a nível económico e ambiental». Com coerência, promete para 2015 o regresso da locomotiva a carvão. Não falta é “tradição” a bordo. Músicos com trajes regionais garantem a animação, com cantares folclóricos do Douro. Serve-se um cálice de Vinho do Porto, bola regional e rebuçados da Régua. A viagem é divertida. Fica para sempre gravada na nossa memória. O percurso pelo Alto Douro Vinhateiro, entalado entre as escarpas e o rio, enche o coração - é impossível de estragar. Já não há mais nenhum, sequer parecido, em Portugal. O romance “Um amigo para o Inverno” (Casa das Letras,

2013), fresco delicado e belo sobre a história recente do reino maravilhoso, descreve o fenómeno com uma precisão perturbadora. «A tradição é a nossa má consciência de termos destruído o que nos pertencia: o mosaico da paisagem, as paredes das casas, os cestos de vime, a agricultura, um saber fundado na transmissão acrescentada de conhecimentos. Recuperámos uma eira e editamos um desdobrável ilustrado para nos dias festivos mostrarmos como éramos se não nos tivéssemos transformado no que somos», apunhala o escritor transmontano José Carlos Barros. No caso, o Comboio Histórico do Douro é aos sábados, mas só nos meses de verão. Este ano acabou a 25 de outubro.


COMER NA ESTAÇÃO A escolha de José Barata bate certo com o “Guia Michelin” de 2014 e o “Certificado de Excelência” da TripAdvisor. O Castas & Pratos ou, significativamente, CP, dá cinco fabulosos aproveitamentos a antigos armazéns da estação de comboios do Peso da Régua: restaurante, wine bar, lounge, gourmet e wine shop. O chef Tiago Moutinho serviu uma refeição perfeita: entrámos pelo folhado de aves com cogumelos salteados em azeite de alho; seguimos para o bacalhau em crosta de amêndoa de Vila Flor e presunto de Lamego, sobre brandade de bacalhau e camarão. Delicioso. Ainda mais gulosa é a carta de vinhos, elaborada pelo gerente, Manuel Osório. Com mais de 700 escolhas, seria a lista telefónica do Deus Dionísio. Não espanta a coleção de prémios e elogios da imprensa especializada: Melhor Carta de Vinhos - Categoria Regional: Vinhos do Douro, em 2009, pela “Revista de Vinhos”; “Best of Wine Tourism” da “Great Wine Capitals”, em 2010; destaque da “Wine Passion”.

Peso da Régua T. 254 323 290 www.castasepratos.com

DORMIR NA FARMÁCIA farmacêuticos e merece o nome que tem. Este turismo de habitação tem dez suites requintadas, de janelas até ao teto e persianas em madeira. Cada quarto é dedicado a uma planta com propriedades medicinais e decorado em função disso. Com graça, faz educação para a saúde: o hóspede fica a saber que o alecrim,

por exemplo, é usado como estimulante, melhora a circulação sanguínea e combate o reumatismo. Para qualquer necessidade que não se resolva com ervas, há uma farmácia mesmo ao lado, em que os proprietários têm quota. Genuína é a simpatia e hospitalidade que sentimos assim que franqueamos

o almofariz antigo de mármore da entrada. A Casa da Farmácia apresenta-se como “O melhor remédio para o seu descanso”.

Armamar Rua Miguel Bombarda, n.º 8 T. 254 858 320 www.casadafarmacia.com

FARMÁCIA PORTUGUESA

Não é por mera curiosidade que José Barata recomenda a Casa da Farmácia para dormir no Douro. Inaugurada há dois anos e meio, já venceu o prémio Travellers’ Choice TripAdvisor 2014, na categoria de Pousadas. Está pontuada com 9,6 em 10 possíveis (“Excecional”) no sítio Booking.com. A Casa da Farmácia foi ideia de uma família de

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farmacêutico convida tentar outra matemática, ao menos levantar outras contas? Provavelmente, não. “Portugal” é um título contraditório porque Miguel Torga não retrata Portugal, nem parece tê-lo imaginado, mas antes as suas regiões. O espírito da nação é reduzido a um queixume no capítulo final, significativamente dedicado a Sagres, «a seta indicadora dum rumo perdido, real e simbolicamente». Para além da pátria transmontana, do Doiro, talvez ainda do Porto, só quando retrata o Alentejo a escrita escava até ao centro de todas as coisas, sem nenhum facto que a atrapalhe, nem sentimento contingente. No sentido religioso, Miguel Torga santificou Trás-os-Montes e o Alentejo, meteu-os no Olimpo mais conveniente à fé de cada um. Na linguagem profana das ciências, ia a traçar-lhes o retrato e acabou por torná-las mito. «Em Portugal, há duas coisas grandes, pela força e pelo tamanho:

DOURO FILOSÓFICO

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De facto, podemos conhecer o Douro e amar Trás-os-Montes sem nunca ter lido Miguel Torga. Mas depois de iniciados neste livro, rigorosamente publicado a meio do século, contraditoriamente chamado “Portugal”, deixamos de poder acreditar nisso. “Portugal” desafia o conceito de Filosofia da História que o filósofo Hegel ensinava aos seus alunos. Miguel Torga levanta todos os penedos, a corrente assassina do rio, os sentimentos encravados há milhares

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de anos no coração dos transmontanos. No fim, o que se revela aos olhos sarapantados do leitor, com a nitidez da paisagem no pino do verão, é o espírito de um povo e de um território. Nunca mais poderemos distinguir um do outro, nem olhar a terra sem a sua essência, revelada em 1950. Toda a história da região, passada e futura, fica para sempre explicada, com uma evidência provocante e tautológica. Poderemos nós, mesmo os mais talentosos ou aventureiros,

Trás-os-Montes e o Alentejo», avisa ele, com a integridade de um profeta. Uma torrente de metáforas apela à citação fácil, mas o melhor é ler aqueles capítulos, porque todas juntas alcançam o sobrenatural. “Portugal” é também um livro sobre a integridade, qualidade que Miguel Torga só tributa às duas regiões, que é como quem diz, aos seus povos. Os transmontanos trepam as serras «numa penitência inteira» a carregar andores, «mas sem tirar os olhos do inimigo com quem hão de medir forças no arraial» - e ao descer «vêm numa manta, esfaqueados». E foi a planície que conservou o alentejano «vertical e sozinho, para que pudesse ver com nitidez o tamanho da sua sombra no chão». Na demais paisagem, o livro estava destinado à polémica e a despertar carpideiras e guardas de honras locais. Esses capítulos são retratos literários. Poderá Portugal ser maior do que parece?

“Portugal” é um título contraditório porque Miguel Torga não retrata Portugal, nem parece tê-lo imaginado, mas antes as suas regiões Portugal Miguel Torga Dom Quixote Primeira Edição: 1950



entre nós

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João Cordeiro

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Paulo Cleto

A inovação é um dos factores essenciais do desenvolvimento económico e social. Aqueles que param no tempo, mais cedo ou mais tarde, são ultrapassados pelos acontecimentos. Nas áreas sociais e da saúde, em particular, este fenómeno é especialmente visível e determinante. A protecção da saúde é hoje um dos direitos fundamentais da pessoa humana, absolutamente inquestionável, a que os Estados têm de responder com o máximo de eficácia. Todavia, os recursos não são ilimitados. Por isso mesmo, a resposta às necessidades crescentes dos cidadãos no domínio da protecção da saúde têm de saber conjugar, com inteligência, os custos e os benefícios. É aqui que a inovação desempenha um papel fundamental. Em todos os sectores, mesmo naqueles que se julgam inabaláveis pelos produtos ou serviços que disponibilizam, a inovação é essencial. O sector de Farmácias está entre aqueles que presta um serviço público indispensável no acesso da população a cuidados de saúde. Por isso mesmo, tanto ou mais do que qualquer outro sector, as Farmácias têm de saber corresponder à necessidade de evolução do Sistema de Saúde. Se observarmos o sector de Farmácias no período posterior à revolução de 1974, facilmente compreenderemos Duarte que foi um sector

em permanente transformação. Muitas vezes à frente dos próprios acontecimentos, soube encontrar novas soluções, quer no domínio da sua organização, quer no domínio dos serviços prestados à comunidade. O sector de Farmácias foi, sem dúvida, nos últimos 40 anos, um dos sectores mais inovadores da sociedade portuguesa. Embora constituído por pequenas unidades, modernizou-se tecnologicamente muito cedo, através de uma solução assumida colectivamente pelas Farmácias. Criou instrumentos financeiros e de negociação centralizados e, com eles, a força necessária para enfrentar um Estado prepotente e pouco respeitador dos parceiros sociais. O desenvolvimento do mercado de genéricos em Portugal é credor do combate que o sector de Farmácias fez e faz a favor do seu crescimento. A prescrição de medicamentos pela Denominação Comum Internacional é tributária do esforço que o sector e a sua associação desenvolveram, sob várias formas, a favor da sua concretização. Contribuímos para o progresso do Serviço Nacional da Saúde, construindo e participando em novos programas de saúde, designadamente sobre o uso racional do medicamento, a diabetes, o tabagismo, a toxicodependência e o VIH-Sida. Construímos um sector moderno, sempre ao lado dos doentes. Podemos dizer com orgulho que as Farmácias são um exemplo de inovação. Nada disto aconteceu nem acontece por acaso. À frente deste processo esteve uma organização associativa forte e esclarecida. E à frente dessa organização esteve João

A protecção da saúde é hoje um dos direitos fundamentais da pessoa humana

Cordeiro, o maior visionário de todos os farmacêuticos. O sector inteiro está-lhe grato por ter liderado a modernização do sector. O processo, entretanto, não chegou ao fim. Fomos inovadores no passado e temos de continuar a ser inovadores no presente e no futuro. Inspirada na visão empreendedora do seu líder histórico, a ANF decidiu criar o Prémio João Cordeiro - Inovação em Farmácia, para anualmente apoiar e premiar projetos que contribuam para a inovação e desenvolvimento da Farmácia Portuguesa. Atribuído pela primeira vez em 2014, verificámos com muita satisfação o elevado número de candidaturas e a qualidade dos projetos apresentados. O Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia é já uma iniciativa de sucesso. Para nós, é uma forma de homenagear o passado com os olhos postos no futuro.

Texto redigido segundo as regras anteriores ao acordo ortográfico



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Philippe


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