Revista Velhas nº19 - Abril de 2024 - CBH Rio das Velhas

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MAR 2024 X ANO 19 Uma publicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do
Rio das Velhas

Imagem de capa:

A emergência dos novos tempos, pelo olhar de Albino Papa. Resiliência é a palavra de ordem.

Em contraposição, nesta contracapa, projeto do Parque Botânico Rio Medelín, que prevê o uso do rio como eixo ambiental de integração entre o “vazio verde” e a rede ecológica da região.

Ilustração: Empresa de Desarrollo Urbano de Medellín

Correndo contra o tempo

Vivemos um período marcado por emergências climáticas que transcendem fronteiras geográficas e desafiam a resiliência de nosso planeta. A complexa teia de interações entre a natureza e a atividade humana atingiu um ponto crítico, demandando uma reflexão profunda e ação imediata.

As mudanças climáticas não são mais uma ameaça distante, mas uma realidade que se desdobra diante de nossos olhos. Eventos climáticos extremos tornaram-se episódios recorrentes em diversas regiões do globo, evidenciando não tratar-se de meras coincidências sazonais, mas de um sistema climático já em desequilíbrio.

Estamos em um ponto de inflexão crucial, em que a ação coletiva pode moldar o destino do nosso planeta. Nesse contexto, a Revista Velhas faz um chamado à responsabilidade, à solidariedade global e à liderança visionária. Em uma reportagem especial nesta edição, mostraremos aqui como os municípios da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas estão se preparando para lidar com os extremos decorrentes da urgência climática. A hora é agora e o lugar é aqui.

Em janeiro deste ano, completou-se cinco anos da tragédia socioambiental da Vale em Brumadinho, que ceifou 270 vidas e espalhou resíduos de minério pela bacia do Rio Paraopeba, também afluente do Rio São Francisco. Uma nova matéria apresentará em detalhes quais foram e são até hoje as influências da tragédia sobre o Rio da Velhas e a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

A entrevistada desta edição da Revista é a deputada federal Duda Salabert, uma das principais vozes do movimento ambiental no Congresso Nacional. Ela fala sobre os projetos de conservação para a Serra do Curral ante o avanço da mineração, das ameaças e efeitos já presentes da emergência climática, dos desafios ligados à gestão de resíduos sólidos em todo o país e do papel crucial do parlamento nessas discussões. Sobre esse último ponto, ela é categórica: “O Legislativo precisa tratar a crise climática como trata pautas econômicas e as pautas da saúde, até porque não são divergentes”, diz.

Muita gente sabe que a região de Lagoa Santa, no Médio-Alto Rio das Velhas, é mundialmente conhecida como patrimônio arqueológico e paleontológico, com registros de ocupação humana que datam de cerca de 12 mil anos. Mas nem todos sabem que, há dez anos, a cidade retornou aos holofotes por ter sido berço de outras conquistas, desta vez alcançadas por um baiano que se utilizou de suas águas para alcançar o ponto mais alto da maior competição esportiva internacional. Apresentaremos nesta edição da Revista Velhas a relação entre Lagoa Santa e o multimedalhista olímpico Isaquias Queiroz.

Para todo e qualquer projeto de recuperação hidroambiental, educação não pode faltar. Mostraremos aqui também as iniciativas de Educação Ambiental que buscam transformar a bacia hidrográfica e o processo de reenquadramento dos corpos d’água em classes, atualmente em vigor no âmbito do Comitê.

A sessão artística Olhares apresenta a Exposição ‘TerreirosÀs Margens do Velha’, da artista sabaraense Massuelen Cristina. Nesta o nosso Rio das Velhas é o ancestral comum em um trabalho que recria a simbologia das tradições afro-brasileiras.

Tem também as belezas e histórias da terra natal de João Guimarães Rosa, no Médio Rio das Velhas, e a experiência de turismo de base comunitária implementada no vilarejo de Extrema, em Congonhas do Norte.

Viaje com a gente nessa!

Editorial
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Expediente

Revista Velhas

Publicação Semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas

Nº 19 - Março / 2024

CBH Rio das Velhas

Diretoria

Presidenta: Poliana Valgas (Prefeitura Municipal de Jequitibá)

Vice-presidente: Ronald de Carvalho Guerra (Associação Quadrilátero das Águas- AQUA)

Secretário: Renato Júnio Constâncio (Cemig)

Secretária-adjunta: Heloísa França (SAAE Itabirito)

Agência Peixe Vivo

Diretora-Geral: Elba Alves Silva

Gerente de Integração: Rúbia Mansur

Gerente de Projetos: Thiago Campos

Gerente de Administração e Finanças: Berenice Coutinho

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBH Rio das Velhas.

Produzida pela Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social

Direção: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de Jornalismo: Luiz Ribeiro

Edição: Luiz Ribeiro e Rodrigo de Angelis

Redação e Reportagem: Leonardo Ramos, Paulo Barcala, Arthur de Viveiros, João Alves e Luiz Ribeiro.

Revisão: Isis Pinto

Fotografia: Acervo Cop 28 ONU, Acervo Duda Salabert, Acervo Ministério Público MG, Acervo Pessoal Carlos Nobre, Adalto Lúcio, Agência Brasil, Agência Senado, Alexandre Gabriel, Alexandre Loureiro CBCA, Arquivo pessoal Paulo Rodrigues, Bianca Aun, Divulgação MAP, Dynelle Coelho, Empresa de Desarrollo Urbano de Medellín, Fernando Piancastelli, João Alves, Leo Boi, Leo Ramos, Lucas Mishimoto, Luiz Maia, Marcelo Andrê, Michelle Parron, Ohana Padilha, Rodrigo de Angelis, Shutterstock.

Ilustrações: Clermont Cintra e Albino Papa

Projeto Gráfico: Márcio Barbalho

Design Gráfico e Diagramação: Sérgio Freitas e Rafael Bergo

Impressão: EGL Editores

Tiragem: 3.000 unidades.

Direitos reservados.

Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Com a palavra p. 6

08 Resiliência climática: como municípios se preparam para os extremos

20

5 anos de Brumadinho e as consequências ainda presentes na bacia do Velhas

Sumário
Educação Ambiental na bacia do Rio das Velhas p. 14

A experiência do Turismo de Base Comunitária

p. 26

Olhares: TerreirosÀs Margens do Velha

32

Entrevista: Duda Salabert

p. 36

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Reenquadramento dos corpos d’água na bacia do Rio das Velhas

Isaquias Queiroz e o caminho do ouro em Lagoa Santa

p. 48

Ribeirões Tabocas e Onça: desbravando as terras de Rosa

p. 52

Pensar global, agir local

Os extremos observados aqui na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas – inundações, escassez hídrica, anomalias climáticas, impactos na moradia e produção rural, etc – simbolizam um desafio em nível global, que o mundo inteiro já vivencia e vivenciará de forma ainda mais potente de agora em diante. A emergência climática já é uma realidade.

O trabalho de um Comitê de Bacia Hidrográfica não pode, portanto, estar alheio a isso. 2024, nesse contexto, será um ano estratégico para o CBH Rio das Velhas dar sequência e efetivar uma série de ações e instrumentos na gestão dos recursos hídricos em nosso território.

A começar pelos investimentos em saneamento. Uma parceria entre o CBH Rio das Velhas e o Comitê da Bacia do Rio São Francisco viabilizará o aporte de quase R$ 20 milhões em projetos de saneamento urbano e rural – apenas na bacia do Rio das Velhas. Jequitibá, Joaquim Felício, Baldim, Congonhas do Norte, Diamantina, Funilândia, Jaboticatubas, Morro da Garça e Ouro Preto são os municípios beneficiados.

Ainda em relação ao eixo saneamento urbano, publicaremos em breve um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) voltado aos municípios da bacia, para serem contemplados com a elaboração de estudos de concepção, projetos básico e executivo para sistemas de esgotamento sanitário de uso coletivo.

Lançado em 2021, o nosso Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água consiste no desenvolvimento de ações com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água nas sub-bacias hidrográficas, a partir do planejamento e da execução de Soluções baseadas na Natureza (SbN). Uma vez promovidos os devidos estudos e mapeamentos nas quatro sub-bacias consideradas prioritárias, em 2024 o Programa sairá do papel e passará para a etapa de obras e intervenções físicas.

Com a palavra
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Em alinhamento às propostas estabelecidas por essa Diretoria recém-eleita, estruturaremos também um Programa Produtor de Águas para toda a bacia do Rio das Velhas, tendo o Pagamento por Serviços Ambientais como o carro-chefe.

Em 2024, daremos início também ao nosso Plano de Educação Ambiental. O objetivo será coordenar, de forma estratégica e bem direcionada, o desenvolvimento de ações diretas e o apoio a tantas outras. Acreditamos na Educação Ambiental como ferramenta transformadora, capaz de fomentar o interesse pela preservação e pelo cuidado das nossas águas nos quatro cantos da bacia.

Vale lembrar que todas essas iniciativas são viabilizadas a partir dos recursos da cobrança pelo uso da água na bacia do Rio das Velhas – o grande motor para ações de recuperação ambiental no território.

Por fim, vale destacar que este ano conduziremos também o processo de reenquadramento dos corpos d’água da bacia em classes, segundo os usos preponderantes – um dos instrumentos mais importantes da Política de Recursos Hídricos. A ideia é juntos construirmos, no âmbito do Comitê, uma proposta factível, que assegure de fato às nossas águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas, e que permita a diminuição dos custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes.

Poliana Valgas

Presidenta do CBH Rio das Velhas

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Léo Boi

Para evitar o fim

Cidades correm contra o tempo para se adaptarem aos eventos extremos enquanto o planeta busca meios para superar o modelo que os criou

Não foi preciso chegar ao verão brasileiro para lamentar acontecimentos trágicos relacionados ao clima. Da seca histórica da Amazônia às inundações do Sul, está demonstrado que entramos em crescente risco decorrente dos efeitos das mudanças climáticas.

José Carlos Carvalho, ex-ministro do Meio Ambiente, vê nisso “uma questão que se tornou crucial”. “No plano global estamos tendo as maiores temperaturas dos últimos 125 mil anos” e “a maioria dos países, o Brasil entre eles, não está preparada”.

Emergência climática
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Texto: Paulo Barcala Inundação em Belo Horizonte, durante enchente de janeiro de 2020.
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Luiz Maia

COP 28

A 28ª Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP 28), encerrada em Dubai em 12 de dezembro, foi atrás de respostas ao gravíssimo quadro. Segundo organizações ambientalistas ouvidas pela Agência Brasil, o encontro “trouxe avanços, mas deixou a desejar por não ter estabelecido metas mais rígidas para enfrentar a crise climática”.

Todos, no entanto, reconhecem que a edição da COP estabeleceu um acordo histórico, registrando em seu documento final, pela primeira vez, o compromisso de transição dos combustíveis fósseis para fontes energéticas alternativas.

Os países signatários terão até 2025 para apresentar novos planos nacionais e cumprir as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). A NDC do Brasil, atualizada em 2023, fixa a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) em 48% até 2025 e em 53% até 2030.

O ex-ministro destaca “a mudança do governo anterior para o atual, com uma atuação de acordo com as grandes preocupações internacionais”. “A posição nacional”, analisa, “tem um peso muito grande porque participamos das negociações com a autoridade de ter o maior ativo ambiental do mundo, com a maior diversidade biológica”.

Em sua 28ª edição, a COP estabeleceu, pela primeira vez, compromisso por transição dos combustíveis fósseis.

Plano para o desastre

Júlio Pedrassoli, coordenador de Áreas Urbanas do MapBiomas, rede formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia, condena “a ocupação em áreas de risco nos centros urbanos”.

Segundo Pedrassoli, “de 1,2 milhões de hectares de área urbanizada em 1985, passamos a 3,7 milhões em 2022, mas a área de favelas quadruplicou e a ocupação em alta declividade quintuplicou”.

No Brasil, “16,5% do crescimento em área urbana se deu em cima de áreas de várzea, de 1985 pra cá”. “A forma como as cidades são ocupadas continua a criar situações de risco”, constata.

Na maioria das principais cidades da bacia do Rio das Velhas, o percentual das áreas de risco sobre o total da zona urbana é mais do que preocupante: 14,1% em BH, 18,1% em Nova Lima, 18,5% em Santa Luzia, 27,9% em Sabará e 32,9% em Vespasiano, conforme dados do MapBiomas.

Carvalho vai no x do problema: “Por razões históricas, nossas cidades foram planejadas para não serem resilientes. A urbanização tradicionalmente se deu nos fundos de vale inundáveis e nos morros com risco geológico”. Os “custos de adaptação são altíssimos”, assinala, “com um mal adicional: os problemas urbanos são desigualmente distribuídos, na imensa maioria quem está nos vales e nos morros é a pobreza”.

Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e criador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), resgata estudo em conjunto com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010 sobre “825 cidades com as maiores áreas de risco”. Nelas “10 milhões de pessoas viviam em áreas de risco e, 2 milhões, de altíssimo risco”.

Para o ex-ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, a maioria dos países, dentre eles o Brasil, não está preparada para a emergência climática.

Pesquisador da USP, Carlos Nobre chama a atenção para efeitos mortais das ondas de calor.

Ondas de calor

O pesquisador do IEA alerta que a “imprensa divulga muito mais os desastres que matam” de uma vez só, mas sustenta: “A mudança climática que mais mata é pelas ondas de calor”. Para comprovar, evoca as “61 mil pessoas mortas na Europa em 2022” por essa causa. “Infelizmente”, diz, “não temos estatísticas precisas no Brasil a respeito”.

Nobre traz outro fato assustador: “Nas grandes cidades, há outro agente, o efeito ‘ilha urbana de calor’, quando se retira toda a vegetação e o clima local muda fortemente”. Na capital paulista, “só esse efeito responde por algo em torno de 2,5 a 3 graus a mais, sem contar o aquecimento global”, dispara

Agência Senado Acervo Cop 28 ONU Arquivo Pessoal -
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Carlos Nobre

O campo e o clima

Cerca de 54% da população mundial moram em áreas urbanas, percentual que deve chegar a 66% em 2050. No Brasil, 84% vivem na zona urbana. Mesmo assim, as cidades cobrem apenas uma pequena parte da superfície terrestre. Não podem, pois, ser resilientes isoladamente.

Para Pedrassoli, “as áreas urbanas se beneficiariam muito do desmatamento zero e sofrem com a diminuição da superfície hídrica, que perdeu 15% de 1985 a 2022 no país e 60% no Pantanal, pelo uso intensivo da agricultura, do pivô central, das outorgas mal concebidas”. “O rebatimento”, diz, “é direto nas cidades. Crise climática e escassez hídrica não se resolvem no âmbito da política urbana sem política ambiental integrada”.

Gustavo Malacco, ativista da rede Observatório do Clima pela Associação Angá, de Uberlândia, calcula que “mais de 98% do desmatamento no Cerrado é de responsabilidade dos estados” e seus processos de licenciamento.

Para Nobre, o setor onde mais viceja o negacionismo climático é o agrário, que responde por algo como 25% da emissão de GEE. “Técnicas restaurativas são muito mais produtivas e usam menos área”, compara, mas “convencer esse setor tem sido um grande desafio, a política que vem de séculos é de pura expansão”.

Para o ex-ministro Carvalho, “faz parte do esforço de adaptação mudar a política de uso da terra e o modelo de desenvolvimento rural”. De acordo com ele, “o Brasil tem hoje em torno de 70 milhões de hectares de pastagens degradadas, quase uma Inglaterra inteira”. “Estimulamos a expansão das fronteiras agrícolas, mormente na Amazônia, e deixamos 700 mil km2 de terras degradadas subutilizadas ou inutilizadas”.

Pedrassoli exalta a diretriz adotada pelo governo federal, que orientou o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e o Banco do Brasil a “usarem dados do MapBiomas para concessão de créditos”. Malacco complementa: “O Plano Safra [plano de financiamento da agricultura e da pecuária empresarial no país] já incorpora variáveis ambientais”.

Shutterstock 11

Na maioria das principais cidades da bacia do Rio das Velhas, o percentual das áreas de risco sobre o total da zona urbana é preocupante. Em destaque, Ribeirão Onça no bairro Ribeiro de Abreu, em BH.

As cidades

O Escritório das Nações Unidas para a Redução de Riscos de Desastre (UNDRR, na sigla em inglês) comanda a iniciativa “Construindo Cidades Resilientes”, em apoio aos municípios na preparação para a redução de riscos e para o desenvolvimento de resiliência urbana.

A primeira versão (2010 a 2020) reuniu mais de 4 mil cidades, 1.078 do Brasil, mas apenas 10 da bacia do Rio das Velhas. Na nova versão, 2021/2030, havia, até o fechamento desta matéria, 326 cidades brasileiras, apenas duas da bacia: Belo Horizonte e Contagem, que já figuravam na primeira lista.

Carlos Nobre vê como “muito positivos esses arranjos porque eles vão até as cidades e demonstram a viabilidade dos projetos, mas não passam de projetos-piloto demonstrativos”. “Depende de nós, dos níveis de governo e do setor privado, dar escala a esses projetos”.

Dany Amaral, diretor de Gestão Ambiental da Secretaria de Ambiente de Belo Horizonte, confirma que “a ONU tem ajudado na organização de áreas vulneráveis, no aporte de recurso e equipes técnicas, na construção de projetos e no engajamento social nas comunidades”.

Remetendo a “estudo de 2016 de vulnerabilidade climática”, com projeção para 2030 sobre “o que BH enfrentaria se nada fosse feito”, relaciona “deslizamentos, ondas de calor, explosão de dengue e inundações” como destaques.

Conforme o diretor, “70% dos eventos extremos” na capital “ocorreram nos últimos cinco anos”, numa série histórica que vem desde os anos 1940. Quase 60% dos GEE vêm das operações relacionadas à mobilidade urbana.

Na lista de tarefas, estão “a implantação do transporte elétrico, de ciclovias, o aumento da eficiência energética, o incremento da energia fotovoltaica, a troca de iluminação pública e a produção de energia nas unidades de tratamento de resíduos”, elenca

Amaral. Para a adaptação da cidade, a bússola é o Plano de Ação Climática, “construído com a sociedade civil e a Academia”, segundo o diretor.

Dany Amaral cita “as 10 agroflorestas e as 12 miniflorestas já implantadas” como exemplos das ações em curso, mas frisa a centralidade da “integração com outros municípios, em toda a bacia, pois só a ação local é limitada”.

A realidade em Contagem é semelhante. Maria Thereza Mesquita, Secretária Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que já foi conselheira do CBH Rio das Velhas, informa que “acabamos de fazer a contratação da conformidade climática junto ao ICLEI [associação internacional de governos locais e organizações governamentais]” e estamos no rumo do Plano Local de Enfrentamento às Mudanças Climáticas, uma construção coletiva, o que reforça a adesão desde o início”.

O novo Plano Diretor da cidade oferece ferramentas para a empreitada, do “incentivo aos empreendimentos com aproveitamento de águas de chuva à regulamentação do IPTU verde”. O Plano Municipal de Arborização Urbana será lançado no primeiro semestre de 2024, com a meta de duas novas árvores a cada supressão.

Com o governo do estado, a secretária diz: “temos interlocução, mas os recursos são municipais ou federais”. A iniciativa da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte para uma ação climática em toda a Grande BH também “ainda não prosperou”.

Para Gustavo Malacco, o governo mineiro é “tímido e distante desse debate, num estado com “uma pegada de carbono muito alta e crescente”. Em matéria de desmatamento, “é sempre campeão, no caso da Mata Atlântica” e ”precisa urgentemente colocar em prática, no seu planejamento, quanto vai reduzir daqui a quatro, cinco anos”. Começar “a fazer política de financiamento para os municípios que arregacem as mangas para enfrentar” é um bom caminho, receita.

Michelle Parron
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Inimigos do fim

José Carlos Carvalho estica o olho para um futuro que está logo ali: “Vai aumentar o número de habitantes nas cidades e, mais ainda, o percentual que vive nas áreas litorâneas”. Com o aquecimento global e a projeção do nível do mar até o fim deste século “boa parte dessas regiões se tornará inabitável, e isso não é catastrofismo”.

Gustavo Malacco destaca contribuições negativas do desmatamento no Cerrado e Mata Atlântica.

A prefeitura de Nova York, diz ter “estudos que mostram que, já em 2050, mantidos os atuais índices de emissão de GEE, todo o sistema de metrô vai para o brejo, aliás, para o mar”.

Pedrassoli concorda: “A catástrofe é uma hipótese plausível”, mas “as soluções existem”. Tudo depende “da escala que conseguirmos dar” às medidas de mitigação, transição energética e cuidado ambiental.

O professor Carlos Nobre pede pressa: “O Fundo Climático só alcançou os US$ 100 bilhões em 2023. Os países em desenvolvimento falavam, já na COP de 2021, que seriam necessários US$ 700 bilhões. Hoje já se fala em trilhões de dólares”.

Nobre sabe que os países pobres “não têm condições de bancar. Só o Brasil precisa de mais de US$ 100 bilhões por ano para a transição”. “Se os países ricos não entenderem que precisam aportar recursos”, assevera, “vamos mesmo para o fim do mundo”.

Trecho urbano, favelas e áreas de risco na bacia do Rio das Velhas

Fonte: MapBiomas

14,1% 3,1% 18,5% 18,1% 32,9% 27,9% Percentual de áreas de risco (risco/urb) 1,6 mil 96,2 204,4 27,8 11,8 43,0 Favelas em áreas de risco (ha) 7,8% 4,7% 8,0% 10,2% 10,0% 5,9% Percentual de favelas (fav/urb) 2,1 mil 480,1 287,1 350,0 240,3 135,0 Favelas (ha) 26,7 mil 10,1 mil 6,0 mil 3,6 mil 3,4 mil 2,4 mil 2,3 mil Área urbana (ha) Belo
Horizonte Contagem Sete Lagoas Santa Luzia Nova Lima Vespasiano Sabará
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Ohanne Padilha
Ilustração Clermont Cintra

Uma escola a céu aberto

Bacia do Rio das Velhas é palco de múltiplas iniciativas de Educação Ambiental que visam a transformação rumo à sustentabilidade

Ambiental
Texto: Arthur De Viveiros
Educação
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Com câmeras ou celulares em mãos, alunos do Ensino Médio de três municípios do Baixo Velhas dirigiram o olhar, em 2023, para as belezas naturais, riquezas culturais e históricas do território onde vivem, mas também para o preço da intervenção humana e das atividades econômicas sobre a paisagem, o meio ambiente e os recursos hídricos.

O espaço registrado por meio da fotografia foi a sub-bacia do Rio Curimataí, região que compreende a famosa Serra do Cabral, berço de incontáveis nascentes, cachoeiras e veredas, além de fauna e flora exuberantes, com algumas espécies endêmicas.

Foi isso que propôs o projeto ‘Mergulho na paisagem da subbacia do Rio Curimataí’, realizado com 45 alunos das cidades de Augusto de Lima, Joaquim Felício e Buenópolis. A iniciativa partiu do Subcomitê Rio Curimataí, ligado ao CBH Rio das Velhas, e contou com a participação de vários parceiros locais.

Entre agosto e outubro, as 27 fotografias previamente selecionadas passaram a integrar uma exposição itinerante que percorreu os três municípios. Na exposição – e nas redes sociais do projeto – as fotografias receberam votos populares e a premiação das 12 mais bem ranqueadas, que vão integrar o calendário 2024 do Subcomitê e das instituições parceiras, aconteceu em novembro de 2023. Na ocasião, as três mais votadas receberam prêmios de destaque.

“Participar desse projeto foi simplesmente algo incrível, levarei para minha vida! Percebi que a fotografia vai muito além de uma simples foto, precisamos entender a história por trás das imagens, dos lugares retratados, perceber as formas de novos ângulos”, resumiu o aluno Pedro Henrique dos Santos, da Escola Estadual Nossa Senhora das Dores, de Joaquim Felício, que ficou em 1º lugar ao final do concurso.

Crianças aprendem sobre o Rio das Velhas próximo à sua nascente, em ação promovida pelo Comitê.
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João Alves

Projeto fotográfico na UTE Rio

Curimataí dirigiu olhar dos alunos para problemas e virtudes ambientais locais. Em destaque, o registro do aluno Pedro Almeida, de Joaquim Felício.

Longe de parar por aí

O projeto ‘Mergulho na paisagem da sub-bacia do Rio Curimataí’ foi uma das quase 300 iniciativas de Educação Ambiental mapeadas e diagnosticadas na bacia do Rio das Velhas, a partir do Plano de Educação Ambiental (PEA) que o Comitê vem desenvolvendo. Com um horizonte de planejamento de quatro anos, o Plano se propõe a indicar como o CBH Rio das Velhas pode inserir e potencializar iniciativas de Educação Ambiental de alto impacto já em desenvolvimento na bacia, bem como caminhos para a execução direta de ações educativas ao longo do território.

“O Comitê já realiza práticas de Educação Ambiental ao longo de toda a bacia, sempre de forma espontânea, atendendo solicitações da comunidade local. A falta de um Plano estruturado e coeso era, de fato, um gargalo na organização das ações. Assim, o PEA terá, a partir de agora, a importante função de nortear essas ações”, contou a coordenadora-geral do Programa de Mobilização Social e Educação Ambiental do CBH, Karen Castelli.

Para o desenvolvimento de um PEA de forma participativa, em um processo que procurou ouvir as bases do CBH Rio das Velhas, como conselheiros e Subcomitês, um longo caminho foi traçado. Para mapeamento de ações já existentes, a primeira fase de desenvolvimento do Plano voltou-se ao diagnóstico do atual cenário da Educação Ambiental na bacia. Nesta fase, 292 principais iniciativas já existentes na bacia foram identificadas. “Este é outro fator interessante: a realização de um mapeamento das ações que já vêm sendo realizadas. Isso contribui de forma definitiva para a construção de pontes e parcerias entre o Comitê e os entes que já encampam ações de Educação Ambiental”, destaca Castelli.

Para a presidenta do Comitê, Poliana Valgas, a Educação Ambiental é um caminho estratégico na gestão dos recursos hídricos do território. “O Plano de Educação Ambiental representará um novo momento para o Comitê e a bacia. Com este Plano, poderemos coordenar, de forma estratégica e bem direcionada, o desenvolvimento de ações e o apoio a tantas outras. Acreditamos na Educação Ambiental como ferramenta transformadora, capaz de fomentar o interesse pela preservação e pelo cuidado do nosso rio nos quatro cantos da bacia”, completou.

A previsão é que o PEA seja apresentado ao Plenário do Comitê ainda no primeiro semestre de 2024.

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Coordenadora do Programa de Mobilização Social e Educação Ambiental do CBH Rio das Velhas, Karen Castelli destaca a importância do novo Plano que orientará ações na bacia.

Exposição itinerante passou por dezenas de cidades da bacia, mobilizando centenas de alunos. Em destaque, a passagem da iniciativa por Curvelo e Acuruí, distrito de Itabirito.

Educação itinerante

Mesmo ainda sem um Plano, algumas ações de educação ambiental promovidas pelo Comitê se destacaram em 2023. Uma delas foi a exposição educativa “Rio das Velhas, Eu Faço Parte”, composta por um conjunto de totens com informações diversas sobre a bacia hidrográfica, o ciclo da água, a importância da preservação, os múltiplos usos, a fauna e flora, dentre outros.

Desde então, a exposição tem percorrido vários municípios da bacia hidrográfica, do Alto ao Baixo Velhas, seja em museus, parques, escolas, seja em grandes eventos, representando um recurso importante na mobilização de alunos, educadores, coletivos, poder público e demais moradores para o contexto de proteção do rio, de suas águas e da biodiversidade.

Felipe Mancini, morador de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, foi um dos visitantes: “A exposição do CBH Rio das Velhas foi ótima! Foi muito legal entender melhor o percurso do rio, tal como a presença da fauna e da flora ao longo de sua trajetória, mas sinto que o mais importante foi trazer a reflexão do quão importante é preservar nosso rio e assegurar a utilização de seus recursos de forma consciente. Conscientizar é o caminho e a exposição fez isso muito bem”.

Em Nova Lima, a Exposição integrou as atividades da Semana da Árvore, em parceria com a prefeitura. Segundo Gabriela Araújo, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mais de 300 pessoas haviam passado pela exposição, somente nos três primeiros dias: “É de vital importância, principalmente pela falta de informação sobre o assunto. O Velhas está numa área mais rural aqui em Nova Lima, poucas pessoas veem o rio. Quem esteve aqui agora sabe do rio, por onde ele passa e a sua importância”, disse.

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João Alves João Alves Rodrigo de Angelis Rodrigo de Angelis

Biomonitoramento a serviço da educação

Desde 2000, o Monitoramento Ambiental Participativo (MAP), projeto desenvolvido no âmbito do CBH Rio das Velhas, em parceria com o Projeto Manuelzão e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem levado às escolas municipais da bacia técnicas de biomonitoramento e de avaliação da qualidade das águas de diversas localidades.

A iniciativa possui duas linhas de abordagem: o monitoramento da ictiofauna, que compreende as amostragens de peixes na calha, afluentes, lagoas marginais e riachos de cabeceiras da bacia do Rio das Velhas, análises de distribuição, riqueza, diversidade e análises para determinar a incorporação de compostos orgânicos nos tecidos de peixes; e o Monitoramento Ambiental Participativo, com atividades educacionais e de mobilização com a participação dos Subcomitês e das escolas.

A ação também conta com os “Amigos do Rio”, programa que envolve ribeirinhos, da nascente à foz, que se prontificam a comunicar eventos de mortandade de peixes e coletar informações da água e do ambiente, conforme treinamento prévio.

“O MAP atua levando informações sobre recursos hídricos, sobre a bacia e sobre as práticas de biomonitoramento, por meio da realização de atividades e oficinas em 23 escolas espalhadas pelo território, indicadas em reuniões realizadas junto aos Subcomitês”, explica Katiene Santiago, bióloga que integra a equipe do projeto.

Ela detalha o caminho. “Primeiro, treinamos os professores. Na sequência, agendamos uma visita à escola, na qual trabalhamos a parte teórica do projeto, realizamos a primeira coleta de água, de organismos aquáticos e fazemos a análise química. Após esse primeiro contato, os professores e alunos passam a realizar esse trabalho de forma mensal. Ao final do ano, retornamos à escola já com os resultados para apresentação”, explica Santiago.

Ações do MAP combinam técnicas de biomonitoramento e avaliação da qualidade da água a ações educacionais e de mobilizaçãocomo na Escola Municipal Washington de Araújo Dias, em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto (em destaque).

Divulgação MAP
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Ohanna Padilha

Mãos na água

Com tantos anos de estrada, o MAP recebe também o reconhecimento de quem está na outra ponta do processo, como é o caso de Pia Chaves Guerra, professora na Escola Municipal Washington de Araújo Dias, em São Bartolomeu. “Fundamentalmente, esse projeto faz nascer nas pessoas o cuidado e o amor pelo Rio das Velhas. Moro aqui há mais de 40 anos e, desde que cheguei, sou amiga desse rio, sendo que participo do MAP há quatro anos”, disse.

Para a também professora Fabiana Torres, ações como essas solidificam a noção de pertencimento a um território. “Todos os meses, os meninos vão até a beira do rio, colhem amostras de água, e nós, professoras, pedimos para que eles observem a coloração da água, se há alguma alteração. Depois disso, voltamos à sala e os alunos fazem as análises e montam um relatório, o que contribui com a escrita, com a leitura; fora que esse contato com o rio é fundamental. O rio para eles é tudo”.

A aluna Stefany Reis concorda. “Aqui no projeto, a gente faz os experimentos com a água, fazemos os relatórios sobre como o rio está, e, normalmente, ele está sempre muito bom”. Ela finaliza. “Eu acho esse projeto muito legal e importante, para a gente ter uma água limpa e saudável, onde a gente possa tomar banho no rio, beber a água, sem se preocupar com a sujeira e com a poluição”.

Quer saber mais sobre a exposição itinerante e tudo o que rolou na Semana Rio das Velhas 2023? Assista! bit.ly/ExposicaoVelhasFacoParte

Bióloga que integra o projeto, Katiene Santiago diz que iniciativa atua em todas as porções da bacia do Rio das Velhas. João Alves Fernando Piancastelli
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Iniciado pelo Projeto Manuelzão, programa de biomonitoramento já tem mais de duas décadas de atuação.
Degradação Luiz Maia 20

Brumadinho, 5 anos: as cicatrizes de uma tragédia

Completados cinco anos da tragédia da Vale em Brumadinho, quais são as consequências ainda presentes na bacia do Rio das Velhas?

Texto: Leonardo Ramos

Quis o destino – ou algo que o valha – que meu primeiro trabalho como repórter fotográfico fosse em Brumadinho, no dia 26 de janeiro, há cinco anos. Com a câmera na mão e a bota na lama, testemunhei de perto um cenário que em tudo se assemelhava ao de uma guerra: devastação, acessos fechados, helicópteros, buscas profissionais e amadoras por sobreviventes, pessoas entre atônitas e desesperadas. O rompimento da barragem da Mina de Córrego do Feijão, empreendimento da Vale em Brumadinho, foi uma tragédia ambiental e humana de gigantesca proporção que, cinco anos após, ainda está presente – seja na mancha da lama que não sai da bota usada naquele dia, seja nos impactos causados, alguns dos quais jamais serão reparados, permanecendo como cicatrizes de um evento traumático.

Foram mais de 270 pessoas mortas, das quais três ainda não encontradas. O Rio Paraopeba está longe de se recuperar, e o das Velhas, que conta com o irmão para abastecer a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), vive a insegurança da pesada missão de fornecer água para uma população que supera a casa dos milhões. Embora geograficamente separados, Paraopeba e Velhas fazem parte de um todo, cujas partes que separamos e nomeamos se comunicam e se influenciam mutuamente.

Além disso, o que aconteceu com o Paraopeba também pode acontecer com o Rio das Velhas, uma vez que há também barragens de rejeito que, se rompidas, podem repetir a tragédia que devastou Brumadinho e levar a Grande BH a uma situação de caos hídrico.

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Os impactos diretos e indiretos na bacia do Rio das Velhas

Inaugurada em 2015, após um período crítico de escassez hídrica, a captação a fio d’água no Rio Paraopeba tinha como objetivo criar mais uma camada de segurança para o abastecimento de água na RMBH e servir de apoio para a segurança hídrica na bacia do Rio das Velhas. É importante notar que cerca de 71% da população da bacia mora nessa região, situada na porção mais alta do rio. Isso quer dizer que, estando o Rio das Velhas sobrecarregado no abastecimento da RMBH, todo o restante da população na bacia a jusante sofreria também com a escassez hídrica. Segundo a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), hoje, o Sistema Paraopeba, constituído pelas represas de Rio Manso, Serra Azul e Várzea das Flores, construídas nos afluentes do rio, contribui com 28% do abastecimento de Belo Horizonte e 48% da RMBH.

Quando ocorre o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, a captação direta na calha do Paraopeba fica comprometida pela contaminação causada pelo rejeito de minério e é imediatamente interrompida.

Nesse sentido, os Comitês das Bacias Hidrográficas (CBHs) dos Rios das Velhas, São Francisco e Paraopeba se uniram, logo após a tragédia, na cobrança por reparações das consequências que afetaram a todos. Para a bacia do Rio das Velhas, a principal reparação consistia em construir um outro ponto de captação no Paraopeba que pudesse cumprir a função daquele que foi comprometido no rompimento da barragem.

Em agosto daquele mesmo ano, a Vale se comprometeu, diante dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, a construir um novo ponto de captação no Paraopeba, 12 km a montante do local onde a lama foi despejada. De adiamento em adiamento, cinco anos se completaram sem que o compromisso fosse cumprido. Questionada sobre essa questão e outras, a Vale não se pronunciou até o fechamento desta matéria.

Ex-presidente do CBH Rio das Velhas e atual vice-presidente do CBHSF, Marcus Vinícius Polignano cobrou à época reparação integral dos impactos da tragédia.

Com a captação a fio d’água interrompida há cinco anos no Rio Paraopeba, uso do Rio das Velhas para abastecer a RMBH se intensificou. Em destaque, a Estação de Bela Fama da Copasa, em Nova Lima.

Michelle Parron
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Léo Boi

Quadrilátero Ferrífero ocupa grande parte do chamado Alto Rio das Velhas, região onde é produzida grande parte da água que abastece a RMBH. Especialista aponta “conflito hídrico gravíssimo”.

Mas os impactos são mais profundos – literalmente

“Na crise hídrica de 2014/15, o Rio das Velhas praticamente secou – o que não é permitido por lei. Você não pode matar um rio nem mesmo para suprir a necessidade de abastecimento.

A Copasa, então, resolveu ver onde poderia melhorar a questão da segurança hídrica. Foi aí que se iniciou o processo de captação de água na calha do Paraopeba. Com a tragédia da Vale em Brumadinho, aquela onda de lama destruiu a captação da Copasa que estava na margem do rio, e nós voltamos ao cenário précrise hídrica de 2014”, resume o geólogo e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, Paulo Rodrigues. Para ele, no entanto, o problema é – literalmente –mais profundo.

Paulo explica que as águas dos rios, como as do Paraopeba e do Velhas, são, em suas palavras, “dádivas” das águas subterrâneas que, armazenadas nos aquíferos, acabam transbordando para a superfície quando saturadas, formando as nascentes dos rios. “Os aquíferos são como caixas d’água, onde essas águas subterrâneas ficam armazenadas. O que vemos na superfície, nos rios, é, em média, 1/40 do que está no aquífero. Quando ele está saturado, essa água começa a sair pelos olhos d’água. Todo olho d’água, toda nascente é resultado dessa saturação. É como a caixa d’água que transborda e sai pelo ladrão, como se dizia antigamente”. Dessa forma, as nascentes funcionam como “sentinelas” do que ocorre no subterrâneo. Se elas secam, significa que algo de errado está acontecendo no aquífero”, observa.

Ocorre que, segundo ele, o Quadrilátero Ferrífero, onde estão localizadas as nascentes do Rio das Velhas, possui uma característica única no planeta: devido ao fato de o minério de ferro ser um aquífero de grande qualidade, e de que, nessa região, esse minério está localizado em topo de morro, a atividade mineradora destrói os aquíferos responsáveis pelas

nascentes dos rios. “Então, nós temos um sério problema: ou você preserva as zonas de recarga e os aquíferos para o bem de todos – inclusive dos empresários e das empresas, que necessitam da água para suas atividades – ou você minera, o que vai beneficiar apenas os empresários da mineração, em detrimento do interesse público. Aí temos um conflito hídrico gravíssimo, que não existe em nenhum outro lugar do mundo, só no Quadrilátero Ferrífero”, alerta.

Conclusão: o rompimento de barragens não é o único nem o maior problema. Paulo também chama a atenção para o fato de que mesmo as barragens que não estão em risco podem estar despejando metais pesados e produtos químicos nos rios, uma vez que não há fiscalização suficiente para assegurar que a água drenada das barragens esteja livre desses elementos.

Questionada sobre se a mineração ao longo da bacia do Rio das Velhas compromete a qualidade da água captada, a Copasa informou que “o monitoramento é feito pelos órgãos ambientais. Entretanto, a Companhia também monitora a qualidade da água bruta captada para verificar sua capacidade de tratamento e, até o momento, a estação de Bela Fama [no Sistema Rio das Velhas] atende a todas as condições para fornecer uma água dentro dos padrões de potabilidade definidos pela legislação”.

Geólogo Paulo Rodrigues chama a atenção para a necessidade de preservação dos aquíferos, para garantir perenidade no afloramento das águas.

Acervo PessoalPaulo Rodrigues Léo Boi 23

Projeto costurado pelo MPMG, lançado em novembro de 2023, prevê aporte de R$ 7,5 milhões a ser investido no Alto Rio das Velhas.

Vice-presidente do Comitê, Ronald Guerra chama a atenção para risco extremo em caso de eventual rompimento de barragem na bacia do Rio das Velhas.

Há alternativas?

Segurança hídrica diz respeito não só à quantidade de água disponível para consumo humano, como também, obviamente, à qualidade dessa água. O CBH Rio das Velhas se dedica a enfrentar os obstáculos nessas duas frentes. Ronald Guerra, vicepresidente do Comitê, reflete sobre estas questões: quais são as alternativas, então, para garantir a segurança hídrica na bacia frente aos riscos que a atividade minerária impõe?

“A tragédia que ocorreu em Brumadinho afetou também o imaginário das pessoas, a relação que elas têm com a própria bacia hidrográfica e com a segurança. Há muitas barragens na bacia do Rio das Velhas. Qualquer acidente pode ter as dimensões que ocorreram nessas grandes duas tragédias [Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019]. Esse é um risco objetivo que mexe com a segurança das pessoas”, pontua. Nesse sentido, há inúmeras propostas de ampliação dos sistemas de captação já existentes, das quais algumas ainda carecem de maior discussão, tendo em vista que qualquer intervenção humana gera impactos ambientais em maior ou menor grau.

Após a tragédia, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) impôs alguns Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) à Vale no intuito de garantir a reparação possível e necessária à devastação causada. Um deles, o TAC “Água”, teve recursos para as bacias do Paraopeba e do Velhas recentemente aprovados. “O TAC Água define a entrega de projetos para ampliação do Sistema Rio Manso. Além disso, há um projeto de barramento que a gente vê com uma expectativa não muito positiva que é na Ponte de Arame [no leito do Rio das Velhas]. Há o sistema de captação do Ribeirão da Prata, do Ribeirão Macaúbas… esses últimos são estudos previstos como ampliação com poços artesianos, bem detalhados e sendo discutidos com um olhar cuidadoso para o impacto que eles podem também causar no território da bacia”, conta Ronald.

Acervo Ministério Público
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Alexandre Gabriel

O CBH Rio das Velhas vê com precaução a proposta do barramento Ponte de Arame por ocorrer em um cânion com uma área extensa de Mata Atlântica com vestígios arqueológicos e que, segundo Ronald, seria mais bem aproveitado como uma Unidade de Conservação própria para turismo. O barramento seria construído a jusante da barragem de Rio das Pedras, em Itabirito, em franco processo de assoreamento.

Ainda como desdobramento do TAC Água, o projeto “Água e Sustentabilidade: Segurança Hídrica para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)” prevê o aporte de R$ 7,5 milhões, provenientes da compensação pela tragédia da Vale em Brumadinho, a serem investidos na sub-bacia do Rio Maracujá, no Alto Rio das Velhas, em ações do CBH Rio das Velhas de recuperação de áreas degradadas que já estão em andamento. Essa microbacia vem sofrendo com voçorocas e despejo de resíduos sólidos e esgoto.

Para Ronald, a preocupação do CBH Rio das Velhas coincide com o pensamento do Paulo Rodrigues: a mineração no Quadrilátero Ferrífero, berçário do Rio das Velhas, é um ponto de extrema atenção: “O mais importante é observar que a gente precisa ampliar todo o programa de revitalização das cabeceiras do Rio das Velhas, que abastecem a RMBH, pensando em aumentar a oferta de qualidade e quantidade de água através da proteção desses mananciais. Todo esse sistema de exploração na cabeceira tem tido desdobramentos da grande mineração em pequenas minerações, que estão surgindo com licenciamentos mais simplificados e transportando minério bruto ou minério tratado através das rodovias – e que, no final da história, é adquirido principalmente pela Vale, para ser exportado no mercado internacional”, lembra.

Uma das possibilidades ventiladas a fim de garantir segurança hídrica é a construção de barramento no leito do Rio das Velhas. Comitê vê com preocupação a proposta.

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Alexandre Gabriel Alexandre Gabriel
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Turismo

Experiência de comunidade: o vilarejo de Extrema

Estratégia de turismo chama protagonismo para a comunidade sustentável em região da bacia do Velhas

Texto e fotos: João Alves

Mesmo não sendo um hino oficial do estado, a canção “Ó Minas Gerais”, cuja melodia é uma adaptação direta da música “Vieni Sul Mar”, já entoava o sentimento que é compartilhado pela maioria dos mineiros e visitantes: “Quem te conhece, não esquece jamais”. Não à toa, o vilarejo rural de Extrema, distrito de Congonhas do Norte, se consolida como excelente destino para se visitar no Médio-Baixo Rio das Velhas. A região vem atraindo as pessoas ao priorizar o Turismo de Base Comunitária (TBC) e proporcionar experiências que evidenciam as belezas naturais e a vivência com a comunidade, marcando a memória de quem passa por lá.

Localizado a 206 km da capital mineira, Belo Horizonte, e a 13,5 km de Congonhas do Norte, o vilarejo de Extrema é um exemplo do TBC para a bacia do Rio das Velhas. Diferente do modelo tradicional e os segmentos de turismo, como o cultural, rural, o de natureza e social, o Turismo de Base Comunitária é uma estratégia de gestão social e empreendedorismo que vem ganhando força dentro do segmento, permitindo vivências que a própria comunidade organizou para aquele determinado tempo.

O sentimento e senso de coletividade é algo que pode ser alcançado no local por meio desse tipo de turismo. A moradora do vilarejo, Rita de Cássia Silva, é categórica em suas palavras. “Tem que vir para viver a experiência de comunidade, a experiência de Extrema”.

Imagine desfrutar de uma gastronomia, de técnicas e histórias, passeios guiados por moradores e de uma estalagem que foi pensada, organizada e executada por toda a comunidade? Isso é o TBC. Portanto, essa estratégia tem como objetivo promover um turismo mais justo, que coloque a população local no protagonismo em todas as etapas de elaboração, execução e resultados – e claro, levando em consideração a sustentabilidade social e ambiental das atividades.

Essa estratégia “nasceu da necessidade das comunidades se emanciparem socialmente neste cenário de turismo, já que muitas vivenciam a chegada do segmento, mas não conseguem participar das tomadas de decisões e do planejamento, e acabam recebendo apenas os impactos, tanto os positivos quanto os negativos”, explica Luciana Priscila do Carmo, Turismóloga e Mestra em Geografia.

Em Extrema, a alta procura de locais dentro ou próximo ao Parque Estadual da Serra Geral do Intendente, no distrito de Tabuleiro, em Conceição do Mato Dentro, principalmente durante a pandemia de Covid-19, fez com que a comunidade se organizasse e tomasse para si as rédeas do tipo de turismo na região.

Para além da organização comunitária, o TBC é um exercício de economia criativa e educação ambiental para os turistas, já que o ambiente físico e biótico, como a vila e as cachoeiras, é o diferencial do destino. “O turista vai usufruir do que há de melhor, que são as pessoas, o meio social de quem vive e cuida da bacia”, completou a turismóloga.

No coração do Espinhaço, vilarejo recebeu o nome de Extrema por estar nos limite entre as bacias dos rios São Francisco (Rio das Velhas) e Doce (Rio Santo Antônio).

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Kátia Souza de Almeida viu aumentar oportunidades de trabalho a partir do surgimento do coletivo de mulheres em Extrema.

O Ecovilarejo de Extrema

O vilarejo rural está situado na Cordilheira do Espinhaço, no limite entre as bacias dos Rios São Francisco (Rio das Velhas) e Doce (Rio Santo Antônio) – daí o nome Extrema. A fundação do vilarejo está ligada ao Senhor Joaquim Candeia, um curandeiro que foi conhecido e reconhecido por toda a região pelos seus processos de cura realizados com as plantas da cordilheira. Durante anos, a região foi o seu lar, até a chegada de novos moradores e famílias durante o século passado.

Atualmente, com aproximadamente 40 casas e 240 habitantes, Extrema é denominada como um ecovilarejo rural, por conta de sua atividade econômica e sistemas de fossas ecológicas, e mantém parte de suas construções originais, mesmo que algumas outras já tenham modificações mais contemporâneas.

O Espaço Educacional Contraponto, idealizado pela bióloga e educadora Alessandra Calvão, foi um pilar para a instalação do TBC na região, com iniciativas como a permacultura e a agroecologia buscando desenvolver a autonomia e o empoderamento dos moradores locais. “Houve essa troca com a comunidade desde o início. Então aprendemos com os moradores (...) e, hoje, buscamos atrair esses turistas, que venham e fiquem para aprender técnicas e costumes”, reforçou Calvão.

Após ouvir demandas e estruturar oficinas, o Espaço Educacional Contraponto realizou cadastros de atrativos naturais e históricos da região, e de prestadores de serviços turísticos, para, assim, realizar capacitações de gestão financeira, de hospedagem e alimentação, guias turísticos e outros, para a população.

O vilarejo hoje conta com trilhas ecológicas estruturadas, placas indicativas, pacotes de experiências para turistas, outdoor e distribuição de panfletos em Congonhas do Norte e região, uma feirinha de produtos rurais, área de camping, uma estalagem e guias locais.

a comunidade.

Diante da estruturação do TBC, uma outra organização comunitária ganhou força: o Coletivo de Mulheres de Extrema. A educadora e participante do coletivo Beatriz Gama contou que o movimento começou em 2020 com o objetivo de trocar saberes e gerar renda para a comunidade. Durante esse período, oficinas em diversas áreas foram realizadas para que todas pudessem conhecer e se identificar com alguma técnica. “Tivemos um curso sobre placas entalhadas e móveis de bambu, e essa foi uma das técnicas que elas mais se identificaram, tanto que hoje é o que elas mais produzem”, explicou Gama.

Para além do aprendizado manual, Beatriz afirma que a grande felicidade para ela é ver o fortalecimento de laços, já que “elas passaram a se encontrar muitos dias além do que a gente combinou e isso não ocorria antes. (...) Acho que esse movimento coletivo em si pode ser uma tecnologia social também”.

A moradora Kátia Souza de Almeida viu o seu trabalho ganhar novo significado após o surgimento do coletivo de mulheres. Segundo ela, “houve muita oportunidade - e ainda há, né? Porque antes do projeto vir para cá e fazer o que a gente faz hoje, ficávamos apenas com o serviço de casa, né? E hoje nós temos um outro trabalho, inclusive mais sustentável”. Kátia explica também que a chegada do coletivo trouxe outras mulheres para a comunidade. “Muitas pessoas já vieram para cá, para conhecer o espaço e o nosso trabalho. (...) Porque antes, a mulher só tinha o serviço de casa”.

Ela vê um futuro promissor para o turismo na comunidade. “Eu vejo para Extrema um futuro grande. Vejo muita coisa que não tinha e hoje tem. É cada oportunidade que nós temos, então vejo esse espaço maior do que ele já é”.

Beatriz Gama destaca que coletivo teve início buscando trocar saberes e gerar renda para
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Com o crescimento do turismo, Rita de Cássia passou a cozinhar e recepcionar hóspedes em Extrema.

Prosa e muitas gostosuras

Natural de Santos Dumont, criada em Sete Lagoas e, hoje, moradora do vilarejo de Extrema, Rita de Cássia Silva é uma mulher que abraçou a comunidade em que vive, tanto pela força de trabalho, quanto pela comida. Casada e com uma filha, Rita viu nas receitas de sua mãe e em vídeos do YouTube a oportunidade de cozinhar para quem chega no vilarejo.

“Esse negócio de cozinhar e servir comida para as pessoas, eu acho uma responsabilidade muito grande. A princípio, fiquei meio assustada, mas depois eu gostei.”

Rita conta que começou com quitandas, mesas de cafés mineiros que possuem pão de queijo, broas, biscoito de polvilho, rosca, bolo de fubá e outras delícias. O retorno positivo das pessoas passou a incentivá-la a testar outras receitas e pratos. Além de uma cozinheira de mão cheia, Rita recebe em sua casa alguns hóspedes que vêm em busca do Turismo de Base Comunitária. “Claro, não é qualquer pessoa que irei receber, mas é interessante notar que existem pessoas para esse turismo. Teve uma moça que ficou aqui comigo, depois de alguns dias de muita conversa, ela me falou que eu era tipo uma mãe para ela. Ela viveu a experiência de Extrema em comunidade, né?”, contou.

Sobre o TBC, Rita está bem otimista, já que vê o crescimento pela procura do vilarejo. “A gente sempre vê pessoas procurando, né? Pessoas que vêm passar um final de semana. Vemos também que realmente esse é um projeto que veio para ficar, e que bom, fico feliz, que consiga, cada vez mais, se desenvolver respeitando a natureza e a comunidade”.

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Belezas Naturais

Assim como já cantavam os mineiros, “quem te conhece não esquece jamais”, o vilarejo de Extrema e a cachoeira da Fumaça são um desses lugares para ficar na memória. Com três cachoeiras localizadas na comunidade de Extrema, e outras cinco na região, o vilarejo se torna o local perfeito para os turistas que gostam de trilhas e quedas d’águas.

Visitamos a imponente e majestosa Cachoeira da Fumaça. Com uma trilha sinalizada de 25 minutos de caminhada na ida e 40 minutos de volta, a Cachoeira da Fumaça é vista de longe por quem se aventurar por ela. Após atravessar um pequeno curso d’água e seguir por mais alguns metros, a Cachoeira da Fumaça estará logo adiante.

Formada por um extenso paredão de pedras, a cachoeira possui um poço que bate na altura do peito. Curioso notar a disposição das pedras ao fundo deste poço, já que as pedras lisas formam um chão de pedras, quase plano, ao longo de toda a sua extensão.

O acesso a ela é relativamente fácil, pois há trilha e corrimão para apoio durante a descida. Contudo, a volta para o centro do vilarejo pode ser um pouco mais custosa, já que a trilha é bastante íngreme em sua volta. Para conhecer melhor a região, vale conversar com os guias e moradores locais.

Além da Cachoeira da Fumaça, a região possui outras sete cachoeiras de acesso estruturado. São elas a Cachoeira da Cobra, Cachoeira da Samambaia, Cachoeira Chiquinho da Escola, Cachoeira do Carapinas, Cachoeira das Virgens, Cachoeira do Levi e Corredeiras do Cedro.

Atmosfera bucólica e belezas naturais preservadas encantam viajantes que vão a Extrema.

Quer saber mais sobre a experiência em Extrema e outras iniciativas de TBC na bacia?

Assista novamente o webinário promovido pelo

CBH Rio das Velhas: bit.ly/WebinarioTBC

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Olhares 32

Terreiros

Rio das Velhas é o ancestral comum em exposição que recria simbologia das tradições afro-brasileiras

Por Vitú de Souza (Curador da Exposição)

Fotos: Dynelle Coelho

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A Exposição ‘Terreiros - Às Margens do Velha’, da artista Massuelen Cristina, propõe a experiência religiosa da umbanda e dos cultos aos antepassados em galerias de arte e museus. Composta por técnica mista, a exposição recria a simbologia da atribuição de valor afetivo aos objetos (e espaços físicos) sagrados nas tradições afro-brasileiras.

A imagem dentro do contexto das religiões afro-brasileiras designa a um culto respectivo (agregado), tornando um mesmo espaço, comunidade ou quilombo possível de cultuar entidades de diversas partes da África e da América, de vários períodos históricos, desde seus ancestrais mais próximos, avôs e avós, como também seus descendentes mais antigos, indo até as próprias representações da natureza: as matas, pedras e os rios.

A Exposição ‘Terreiros - Às Margens do Velha’ homenageia as mulheres da família (quilombo) Xavier, as sacerdotisas que praticaram e praticam os ensinamentos da umbanda, e que tiveram papel fundamental na consolidação espiritual da artista Massuelen durante a ocupação sob as margens do Rio das Velhas.

Em Sabará, o Rio das Velhas foi utilizado como perímetro, dividindo os casarões coloniais do centro, os quilombos e as comunidades ribeirinhas das margens, fronteiras dessas estruturas de poder, separando pessoas por sua classe, sua cor e seu tratamento para com o rio.

A mesma elite que morava dentro dos limites do rio inutilizou sua água, poluiu seus córregos e aterrou suas fontes, provocando mudanças drásticas no comportamento das cheias. Já as comunidades que se organizaram nas margens do rio fizeram dele sua fonte de resistência.

BDMG Cultural, em Belo Horizonte, recebeu exposição em 2022.

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Do ‘cascalho do rio’, Dinorá e Dolores construíram seu quilombo, seis casas e um terreiro embaixo delas. Trouxeram o rio para o seu sagrado, incorporando sua água nos ritos de cura e limpeza. O Velhas se tornou o ancestral comum dessa comunidade, sendo a razão pela qual foi possível que o seu assentamento fosse construído e que continuasse erguido até os dias de hoje.

Mesmo com as enchentes, o rio é visto por elas como um antigo amigo, com o qual possuem uma relação profunda de pertencimento, configurando deste modo numa outra forma de leitura, sendo o Rio das Mulheres Velhas do Quilombo Xavier.

Experiência religiosa da umbanda e dos cultos aos antepassados é marca presente na Exposição ‘Terreiros - Às Margens do Velha’.

‘Terreiros - Às Margens do Velha’ ficou exposta no BDMG Cultural, em Belo Horizonte, em 2022. No mesmo ano, parte dos trabalhos foram em itinerância para a Mostra Arte e Vertente, em Tiradentes/MG, e em 2023 para a Diáspora Galeria, em São Paulo.

Natural de Sabará, Massuelen Cristina é artista e pesquisadora, graduada em psicologia e especialista em Artes Visuais. De uma família de lavadeiras, neta de Dinorá e filha de Sueli, busca através de seus trabalhos multiartísticos ressignificar narrativas, ouvir mais do que falar e se deixar afetar e criar a partir do que observa.

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Ambientalismo político

Entrevista 36
Umas das principais vozes do movimento ambiental no Congresso Nacional, a mineira Duda Salabert fala à Revista Velhas sobre segurança hídrica, Serra do Curral, emergência climática – e o papel crucial do parlamento nessas discussões

Por Luiz Ribeiro

Em 2022, a professora de literatura Duda Salabert Rosa (PDT) foi eleita a deputada federal mais bem votada da história de Minas Gerais. Em meio a um Congresso Nacional notadamente hostil – em sua maioria – às temáticas progressistas e ambientais, Salabert teve na centralidade das suas propostas a defesa do meio ambiente, os direitos humanos e a educação.

Natural de Belo Horizonte, a política já havia sido eleita vereadora, em 2020, tendo sido – também na cidade – a mais bem votada da história. No exercício do papel legislativo, seja em Brasília ou na capital mineira, a defesa da Serra do Curral a acompanha. Atualmente, é relatora do Projeto de Lei que pretende criar uma Unidade de Conservação (UC) para a região, tendo os Rios das Velhas e Paraopeba como limites geográficos.

“São áreas fundamentais para a recarga dos aquíferos da região e que estão gravemente afetadas pelo avanço predatório da mineração, o que precisa mudar”, revela.

A segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) é outro motivo de preocupação para a parlamentar. Ela defende maior rigor no monitoramento da água bruta extraída, auditoria nas outorgas concedidas e preservação integral de áreas estratégicas na produção de água, como é o caso do Sinclinal Gandarela.

Nesta entrevista exclusiva à Revista Velhas, Duda Salabert fala, ainda, das ameaças e dos efeitos já presentes da emergência climática, dos desafios ligados à gestão de resíduos sólidos em todo o país e do papel crucial do Legislativo nessas discussões.

Montagem fotográficaAlbino Papa
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O seu mandato é focado em três principais eixos: meio ambiente, educação e direitos humanos. Quais são as suas prioridades em relação ao meio ambiente?

O espaço legislativo, seja em esfera municipal, estadual ou nacional, é parte da tarefa urgente de contribuir com o endereçamento da crise climática e de tratá-la como se deve: uma questão global. No que nos cabe fazer, nossas prioridades são de legislar em consonância com as evidências e constatações científicas sobre esse assunto; em respeito à necessidade urgente de reduzirmos emissões de gases de efeito estufa e nos adaptarmos às consequências das mudanças climáticas, ampliando legislações e os respectivos processos de fiscalização de atividades que emitem gases de efeito estufa, tal como a mineração, indústrias cimenteiras, carvoarias, entre outras; e respondendo à urgência de passarmos por um processo de transição energética para termos um novo modelo de desenvolvimento econômico, com vistas à descarbonização, efetivamente sustentável, que faça o Brasil tirar as pessoas da fome, ter empregos e, ainda, salvaguardando a sociobiodiversidade, a nossa vida e a das gerações futuras.

2023 foi um ano marcado pelos extremos climáticos no Brasil e no mundo. Qual o papel do Legislativo brasileiro nas discussões que envolvem a emergência climática?

O povo de Minas Gerais me deu seu voto de confiança para que eu o representasse no parlamento. É minha obrigação levar ao Congresso Nacional as pautas que carrego na minha trajetória política e que são estruturantes para a sociedade mineira. A pauta ambiental é central na minha atuação política desde muito antes de ser detentora de um mandato legislativo. Não há mais espaço para discussões ideológicas que empobrecem o debate político do parlamento e afogam a construção de políticas públicas que são urgentes para a população. O Legislativo precisa tratar a crise climática como trata pautas econômicas e as pautas da saúde, até porque não são divergentes. Uma economia forte precisa ter em suas bases a defesa dos ecossistemas, protegendo-os da ação destrutiva da mineração e do agronegócio irresponsáveis.

Parte do papel do legislativo é, também, alargar o debate, fazendo as pontes necessárias entre as comunidades e as organizações da sociedade civil para construirmos saídas coletivas, colocando as populações vulnerabilizadas e carentes na centralidade da discussão – afinal são os mais atingidos pelos efeitos da crise climática. Um parlamento que defende o meio ambiente é de fato um parlamento que defende a democracia, a participação social.

A sua campanha em 2022 foi considerada “lixo zero”, sem impressões de materiais eleitorais. Qual a sua proposta em relação à gestão de resíduos no país, em especial à cadeia da reciclagem e fim dos lixões?

A gestão adequada e inteligente dos resíduos sólidos é um dos principais desafios ambientais da nossa sociedade. Apesar da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) preconizar a importância de se reduzir a produção de resíduos, reciclar e destinar corretamente o que for produzido, dez anos depois, em 2022, das 77 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos geradas no Brasil, 38,6% foram destinados de forma totalmente inadequada – em lixões, aterros controlados, queimados a céu aberto ou lançados em rios e oceanos. O restante, 61,4%, foi destinado a aterros sanitários. Precisamos ir além, seguir o que a PNRS nos traz, não precisamos inovar e reinventar a roda: a gestão

dos resíduos no Brasil precisa ter a participação dos catadores e catadoras, cooperados ou autônomos, ampliando os percentuais de reciclagem no país. Por outro lado, é preciso que a indústria também compreenda o seu papel na produção de embalagens mais sustentáveis – e o legislativo pode contribuir nesse sentido, a partir da ampliação do diálogo sobre o tema e de novas leis.

É preciso também que ajamos sobre a gestão dos resíduos orgânicos, visto que reciclá-los é peça chave para aumentar os índices de reciclagem dos resíduos secos. Ou seja, precisamos trabalhar na separação entre resíduos sólidos e orgânicos, otimizando o trabalho – fundamental – das associações e cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis, aumentando a quantidade e a qualidade dos materiais recuperados e, também, endereçando corretamente os resíduos orgânicos, para evitarmos emissões de gases de efeito estufa oriundas desse processo e, ainda, podemos usá-los na produção de biogás, por exemplo. Hoje, quem paga a coleta seletiva são os munícipes, com as taxas e impostos que lhes são cobrados, porém, conforme prevê a PNRS, quem deveria custear esse processo são aqueles que produzem e comercializam as embalagens, o que chamamos de logística reversa.

Veja o caso de Belo Horizonte. Temos um contrato com as associações e cooperativas de catadores para a coleta dos resíduos recicláveis, porém eles não recebem um centavo pela triagem desses materiais, que é parte enorme do serviço que prestam. E ainda temos uma situação que é totalmente absurda: o contrato assinado entre a Prefeitura e a empresa dona do aterro sanitário que recebe os resíduos coletados na cidade possui uma meta de aterramento atrelada a uma cláusula de exclusividade. Belo Horizonte gera cerca de 2.900 toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) todos os dias, porém, a cláusula 10.5 do Contrato SMURBE SC - 266/08 estabelece uma meta que garante a exclusividade na destinação final dos RSU para o aterro sanitário até a quantidade de 3.178t/d. Ou seja, mesmo que a prefeitura decida investir na reciclagem, ela não pode, pois se o fizer descumprirá o contrato e, com isso, pode ter de pagar uma multa ao dono do aterro.

Agência Brasil
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Parlamentar lembra que, ainda hoje, quase 40% dos resíduos sólidos urbanos são destinados de maneira inadequada no Brasil.

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A RMBH vive um contexto de insegurança hídrica, com fragilidades e ameaças aos dois principais sistemas produtores de água – Rios das Velhas e Paraopeba. Como mudar essa rota?

Em Minas Gerais, vivenciamos a falta de transparência sobre a gestão das águas e sobre a concessão de outorgas, sobretudo para grandes usos. Defendo a realização de auditorias operacionais e de conformidade nos processos de outorgas concedidas pelo IGAM [Instituto Mineiro de Gestão das Águas], bem como que se monitore em tempo real a quantidade de água extraída nelas, de modo que o poder público e a população tenham condições reais e efetivas de avaliar, em conjunto, os pedidos de outorga, e tenham capacidade de intervir quando necessário sobre os usos que extrapolam as condições mínimas de garantia ao fornecimento de água para os usos fundamentais.

A garantia da segurança hídrica na RMBH necessita, então, de vontade política e da atuação estruturante do Estado, em curto, médio e longo prazo. Nas regiões dos Rios das Velhas e Paraopeba, observamos que há uma concentração do uso das águas pela mineração nas regiões altas ou mais relacionadas ao Quadrilátero Aquífero-Ferrífero; mais de 90% da vazão outorgada de água subterrânea é para a mineração. Isso traz implicações, como a redução de disponibilidade de água superficial em várias localidades, que se alia ao grave problema do reuso das águas, vez que as águas captadas pelas mineradoras são, em grande parte, canalizadas para as Unidades de Tratamento de Minérios. Elas tiram/desviam águas de uma ou mais microbacias e jogam-nas com rejeitos nas barragens, que não foram projetadas para suportar os novos regimes de chuva que estão cada vez mais intensos, como parte das consequências das mudanças climáticas.

Não podemos lembrar dos rios urbanos apenas no período de chuvas. É preciso recuperar a saúde dos nossos rios, torná-los parte da cidade novamente, contribuindo para termos uma cidade mais agradável, com mais saúde no espaço urbano.

Outra ação primordial para mudar essa rota de insegurança hídrica envolve a preservação integral do Sinclinal Gandarela, fundamental para a garantia de água em quantidade e qualidade para a RMBH no presente e no futuro. Em direção contrária ao da preservação, o imediatismo do atual chefe do Executivo estadual favorece a expansão da mineração e demonstra, mais uma vez, o seu desprezo pelo meio ambiente e pelo bem-estar das gerações atuais e futuras. Não é possível continuar com a destruição de aquíferos em troca de compensações que não compensam, estritamente em áreas de menor relevância do ponto de vista hidrológico. É urgente pensarmos áreas livres de mineração na RMBH com o objetivo de preservar os aquíferos do Quadrilátero e o fornecimento de água potável, de qualidade, para milhares de pessoas.

Agência Senado
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Você é relatora do Projeto de Lei que cria uma UC para a Serra do Curral e já defendeu que parte dos Rios das Velhas e Paraopeba estivessem incluídos no perímetro. Qual proteção aos mananciais isso poderia garantir?

O meu relatório propõe alteração na tipologia da UC, de Parque Nacional para Monumento Natural (Mona). Este tem o objetivo básico de preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica sem a necessidade de desapropriação. Além disso, o Mona não impedirá que comunidades tradicionais que utilizam a área continuem a utilizá-la. É preciso lembrar que a Serra do Curral é, também, um local produtor de águas tanto para a bacia do Rio das Velhas quanto para a do Paraopeba, principais responsáveis pelo abastecimento da RMBH. É na Serra do Curral e na sua confluência com a Serra do Rola-Moça que nascem os cursos d’água que banham a RMBH, como o Ribeirão Arrudas, os córregos e ribeirões Sarzedo, Ibirité, Barreiro, do Bálsamo, Rola Moça, Taboões, Clemente, Capão da Posse, Cercadinho, Acaba Mundo, Serra, André Gomes, Jambreiro, Mutuca, Carrapato e Casa Branca. A nossa proposta de perímetro compreende uma ampliação sentido Rio Paraopeba em razão da necessidade de preservação das cangas ferruginosas, matas, campos rupestres e cachoeiras.

Além disso, o perímetro que estou propondo no substitutivo busca conectar 24 unidades de conservação – sete Reservas Particulares do Patrimônio Natural, 12 Parques, três Monumentos Naturais e duas Estações Ecológicas – existentes na região, bem como áreas ainda preservadas. A ideia é transformar o Mona Serra do Curral num grande corredor ecológico com limites geográficos no Rio das Velhas, a nordeste, e no Rio Paraopeba, a sudoeste. São áreas fundamentais para a recarga dos aquíferos da região e que estão gravemente afetadas pelo avanço predatório da mineração, o que precisa mudar.

Preservação do Sinclinal Gandarela é vista por Duda Salabert como fundamental para a garantia da segurança hídrica na RMBH.

Deputada federal é relatora do Projeto de Lei que cria Monumento Natural para a Serra do Curral.

Bianca Aun
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Léo Boi

E quanto à Serra do Curral? É a criação de uma UC a solução para a preservação definitiva da área?

A criação de uma UC de proteção integral tem sim o objetivo de estabelecer um espaço territorial efetivamente protegido de toda e qualquer ação humana que ameace a sua integridade e possa gerar danos à sociobiodiversidade. No entanto, é fundamental avaliar o perímetro proposto. Não queremos uma UC ali convivendo com a atividade mineradora ao lado. É preciso lembrar que a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, por exemplo, deixou de fora uma área prioritária para conservação e que é alvo de um megaprojeto de mineração pela empresa Vale S.A: o Projeto Apolo. Faço essa relação porque não podemos aceitar a criação de um Parque Metropolitano da Serra do Curral em troca da liberação das instalações e operações da Tamisa. A sociedade quer a proteção efetiva da Serra do Curral por meio do tombamento e da criação do Mona que engloba o perímetro de oito municípios: Belo Horizonte, Nova Lima, Sabará, Brumadinho, Raposos, Mário Campos, Sarzedo e Ibirité.

A mobilização popular em defesa da Serra tem mostrado a sua força, mas é preciso que os poderes públicos – e seus gestores – respondam aos anseios do povo belo-horizontino e mineiro. Trata-se de um bem tombado pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] e pela Prefeitura de Belo Horizonte, algo que não pode ser atropelado, como tem sido.

Como belo-horizontina, qual a sua relação com os rios da capital?

Eu me lembro de, quando mais nova, ouvir histórias das pessoas terem contato com diversos rios, córregos e cursos d’água pela cidade e muitos deles permitiam atividade humana, servindo como uma opção de lazer, principalmente para pessoas de baixa renda. Enquanto cidadã e mãe, gostaria que a Sol, minha filha, pudesse ter o mesmo contato dessas histórias. Faltam opções de lazer na cidade e temos diversos cursos d’água cobertos embaixo dos nossos pés. Dos quase 700 km de cursos d’água, aproximadamente 1/3 está tamponado, 1/3 está canalizado e apenas 1/3 em leito natural, mas grande parte dessa parcela está poluída. Não podemos lembrar dos rios urbanos apenas no período de chuvas. É preciso recuperar a saúde dos nossos rios, torná-los parte da cidade novamente, contribuindo para termos uma cidade mais agradável, com mais saúde no espaço urbano.

Infelizmente, sequências contínuas de gestões – irresponsáveis –tornaram essa realidade um sonho distante para Belo Horizonte. Mas, o que nos move, senão os sonhos? A BH que eu quero para o futuro é colorida, com muito verde, das árvores que serão plantadas, com rios urbanos reconhecidos como patrimônio do povo belo-horizontino. Inclusive, BH se tornou a capital de Minas Gerais por conta da riqueza dos seus recursos hídricos. O caminho para isso passa pela educação climática e de gestões que se comprometam com o meio ambiente e com a saúde da cidade e do povo que nela vive, trabalha, estuda, se diverte.

Acervo Duda Salabert
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Defesa do meio ambiente é uma das bandeiras da deputada federal, eleita, em 2022, como a mais votada da história de MG

Construindo o rio de amanhã

CBH Rio das Velhas inicia revisão do enquadramento dos corpos d’água de toda a bacia

Cipó, bacia do Rio das Velhas
Gestão Rio
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Aun
Texto: Paulo Barcala
Bianca

O mais comprido afluente do Rio São Francisco nasce cristalino nas serras de Ouro Preto. As águas límpidas, porém, não resistem à carga pesada que ofende sua pureza rio abaixo. Esgoto doméstico e industrial, químicos tóxicos, destruição de mata ciliar, sufocamento de nascentes, carreamento de sedimentos, expansão urbana em áreas de recarga e nas várzeas, dragas: toda sorte de agressão transforma o Rio das Velhas, o Uaimií dos povos originários, num corpo d’água pouco mais que moribundo mesmo antes de deixar para trás a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Por uma espécie de prodígio, no entanto, volta a celebrar a vida após receber uma espécie de transfusão aplicada principalmente por um subafluente, o Rio Cipó.

“O milagre é conhecido e mensurável, um processo chamado de autodepuração, no qual a matéria orgânica é decomposta a ponto de ser absorvida por organismos como os fitoplânctons, gerando fotossíntese e restituindo o ciclo da vida”, explica o professor do CEFET-MG e biólogo Thiago Cotta Ribeiro, mestre pela Universidade da Costa Rica e doutor pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Mas essa capacidade de autodepuração, “um serviço ecossistêmico gratuito que a natureza nos presta, não é ilimitada”. Para que o Rio das Velhas siga vivo e engorde o São Francisco de qualidade, precisa de afluentes saudáveis, ricos em bactérias, plânctons, macroinvertebrados, peixes, todos que de alguma forma contribuem nesse processo. Por isso, diz Ribeiro, “aumentar a preservação do Cipó e do Paraúna é fundamental para que essa capacidade do Velhas seja cada vez mais eficiente”.

As bacias do Paraúna e de seu afluente Rio Cipó “sofreram ameaças e ainda sofrem”, aponta o biólogo. São “pescas ilegais com bomba, com rede, remoção das matas ciliares, assoreamento” e muitos outros problemas. “Alguns tributários do Cipó, como o Soberbo, estão sendo contaminados e chegam sujos ao Cipó”, alerta.

É aí que entra um instrumento vital para a gestão do nosso patrimônio hídrico: o enquadramento dos corpos d´água superficiais, matéria que está sendo revista para toda a bacia do Rio das Velhas.

O enquadramento

Esse processo, conduzido pelo CBH Rio das Velhas e financiado com recursos do CBH do Rio São Francisco, visa substituir o atual enquadramento, que já tem 26 anos de idade. O estudo, a cargo da empresa Ecoplan, inclui ainda a proposição conceitual para implantação de um programa de monitoramento das águas subterrâneas.

Segundo o conselheiro Valter Vilela, membro da Diretoria Ampliada do CBH e coordenador do Grupo de Acompanhamento Técnico (GAT), criado especialmente para a empreitada, “o enquadramento visa assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas, bem como diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes”.

O enquadramento é referência para outros instrumentos de gestão de recursos hídricos, como a Outorga e a Cobrança pelo Uso, e de gestão ambiental, como o Licenciamento, sendo, portanto, um importante elo entre o Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos (SINGREH) e o Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Trata-se de construir pontes entre o rio que temos, fotografia da realidade atual dos corpos hídricos, o rio que queremos, visão da sociedade sobre o futuro que deseja para esses corpos hídricos, e o rio que podemos ter, pactuação da situação possível de ser mantida ou alcançada, levando em conta os limites técnicos, sociais e econômicos para se chegar às metas de qualidade em determinado corpo hídrico, num horizonte de tempo estabelecido.

Com longa experiência de atuação no CBH, Valter Vilela coordena Grupo de Acompanhamento Técnico do processo de enquadramento. Professor Thiago Cotta Ribeiro enaltece importância dos Rios Cipó e Paraúna para autodepuração do Rio das Velhas.

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Léo Ramos
Bianca Aun

Classes

O enquadramento se divide em classes, desde a especial, caso do nosso Rio Cipó, até a classe quatro, cujas águas servem tão somente para navegação e harmonia paisagística.

Na classe especial, categoria mandatória em Unidades de Conservação de Proteção Integral, as águas acolhem a preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas, abrigam a recreação de contato primário (nadar, por exemplo), garantem o abastecimento para o consumo humano após mera desinfecção, permitem a pesca e a irrigação. Nas demais, quanto maior o número, menor o leque de “serviços” que as águas podem oferecer.

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Infografico Clermont Cintra

Gestão

Renato Constâncio, secretário do CBH Rio das Velhas, assinala: “A importância dessa revisão vem primeiro do fato de que o enquadramento atual é muito antigo, de 1997. A realidade da bacia mudou totalmente, em qualidade e quantidade. Aumentaram a densidade demográfica, a antropização, a mineração e a pressão da expansão urbana”.

Para Rodrigo Lemos, também conselheiro do Comitê, “o enquadramento tenta construir o rio de amanhã” e “tem que ser articulado com os demais instrumentos de gestão de recursos hídricos e com outros, como o licenciamento ambiental e os planos diretores municipais”. “Definida uma classe”, continua, “os usuários terão que se adaptar, normalmente com um processo paulatino. Daí precisa dialogar com toda a sociedade”.

Trata-se, por excelência, de uma ferramenta de planejamento porque, esmiuça Lemos, “estabelece padrões ambientais de qualidade hídrica que se quer manter para o curso d’água ou aos quais se quer chegar, definindo metas e uma espécie de comando que define o que pode ser lançado em determinado curso”.

Secretário do CBH, Renato Constâncio destaca que enquadramento vigente já não reflete a realidade. Rodrigo Lemos, conselheiro pelo Instituto Guaicuy, lembra importância de o enquadramento se relacionar com os demais instrumentos de gestão.
Léo Boi
Enquadramento é referência para outros instrumentos de gestão de recursos hídricos, como a Outorga e a Cobrança pelo Uso. Ohanna Padilha
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Bianca Aun Rio das Velhas em Barra do Guaicuí, Várzea da Palma
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Lucas Nishimoto

Enquadramento visa assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes, bem como diminuir os custos de combate à poluição das águas.

Como será o processo?

Cida Silveira, jornalista encarregada da Mobilização e Comunicação pela Ecoplan, detalha: “É um trabalho composto de etapas, com diagnóstico físico, socioeconômico e biótico que proporcionam uma visão geral da bacia, os tipos de uso; o relatório preliminar que vai à consulta pública; o prognóstico, com projeção de uso, quantidade e qualidade das águas e, ao final, as propostas de metas de qualidade relativas às alternativas de enquadramento das águas superficiais, acompanhadas do programa de efetivação do enquadramento”.

Todas as fases irão à consulta pública, algumas online, como a primeira, e as seguintes provavelmente no formato misto [presencial e online], em busca da máxima participação da sociedade. O resultado será submetido à plenária do CBH Rio das Velhas e encaminhado para a chancela do Conselho Estadual dos Recursos Hídricos. De acordo com Silveira, está em curso um “trabalho de mobilização amplo, que mira além do público direto do CBH”.

Debates

Para Vilela, “a revisão do enquadramento, com certeza, será objeto de debates acalorados, mas respeitosos, entre os diversos atores envolvidos”.

Constâncio lembra: “Vencemos ano passado a questão da cobrança [atualização da metodologia da cobrança pelo uso da água na bacia], que foi modernizada e traz valores mais corretos e justos. Agora os atores voltam a ter que trabalhar. As empresas são certificadas, têm selos de qualidade, se modernizaram, até as bolsas acompanham isso. Os grandes players estão maduros para passar por este processo, muito mais preparados para produzir de modo mais sustentável. O CBH avançou em várias pautas, mas esse tema estava travado há algum tempo, agora chegou a vez”.

A expectativa de Valter Vilela é “termos, após o encerramento do contrato [com a Ecoplan], em fevereiro de 2025, uma proposta de enquadramento que atenda à expectativa da sociedade em geral”.

Marcelo Andre Fernando Piancastelli Bianca Aun
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Águas banhadas em ouro

Quem é Isaquias Queiroz e como ele encontrou em Lagoa Santa o caminho do ouro

Texto: Leonardo Ramos

A 35km de Belo Horizonte, uma pequena cidade situada em terreno cárstico, com grutas e sítios arqueológicos, possui uma lagoa com águas batizadas como santas. Lagoa Santa é um local conhecido mundialmente como patrimônio arqueológico e paleontológico, com registros de ocupação humana que datam de cerca de 12 mil anos. Há dez anos, no entanto, ela retornou aos holofotes mundiais por ter sido berço de conquistas diferentes de ouro, desta vez por um baiano que se utilizou de suas águas santas para alcançar o ponto mais alto da maior competição esportiva internacional.

Perfil
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Alexandre Loureiro
CBCA

30 anos, multimedalhista olímpico, baiano. Isaquias Queiroz parte, este ano, para sua terceira participação nos Jogos Olímpicos em busca de mais uma medalha de ouro na modalidade Canoagem. Desde que iniciou seu treinamento em Lagoa Santa, em 2014, Isaquias conquistou quatro medalhas olímpicas: uma de bronze, duas de prata e uma de ouro – as três primeiras no Rio de Janeiro (2016), o que fez dele o maior medalhista brasileiro em uma única edição dos Jogos Olímpicos e o terceiro maior medalhista olímpico do Brasil, com quatro medalhas, ao lado de Serginho do vôlei e Gustavo Borges da natação, atrás apenas de Torben Grael e Robert Scheidt, que possuem cinco medalhas, ambos da Vela. O primeiro ouro viria em Tóquio (2020), na sua segunda participação em olimpíadas. Em 2023, ele retornou à Bahia para cumprir sua programação de treinamento.

Todo esse sucesso em competições mundiais não retirou de Isaquias sua simplicidade. Costuma dizer que não gosta de ser tratado como “celebridade”; prefere a companhia dos amigos e parentes do interior da Bahia do que a badalação de grandes metrópoles como Rio e São Paulo. Embora esteja defendendo o ouro da categoria C1 1000, agora em Paris, recusa a posição de favorito. “Eu vou para Paris para brigar por medalha porque é bom demais”, brinca. Ainda assim, conta que seu próximo objetivo é ser o maior medalhista olímpico do Brasil, para o que faltam apenas duas medalhas.

Forjado no fogo

Nascido em Ubaitaba, cidade de cerca de 20 mil habitantes às margens do Rio de Contas, Isaquias teve uma infância difícil, marcada por diversos incidentes. Seu pai faleceu quando tinha dois anos; aos três, quase morreu num acidente doméstico em que teve a maior parte do corpo queimado por água fervente; aos 10, perdeu um rim após cair sobre uma pedra às margens do Rio de Contas. Mas foi no remo e na canoa que Isaquias encontrou sua motivação para superar todas as adversidades. Ali, naquele rio, ele iniciou uma caminhada que o levaria à consagração máxima no esporte: a medalha de ouro.

No caminho, venceu diversas competições de canoagem pelo mundo, como seis mundiais de canoagem, dois Pan-Americanos e um Campeonato Mundial Júnior, com apenas 17 anos. Para conquistar o ouro olímpico, no entanto, Isaquias partiu da Bahia para encontrar o lugar ideal para sua rotina de treinamentos. Após morar em São Paulo e no Rio de Janeiro, ele desembarcou na capital mineira em busca de uma cidade em que pudesse se dedicar à Canoagem com menos obstáculos, como trânsito. “A gente morou em São Paulo, morou no Rio de Janeiro, e eram cidades muito grandes, muito movimentadas no trânsito, a gente perdia muito tempo na rua no trajeto entre o treinamento e nossa casa. Então Jesus [Jesus Morlán, treinador de Canoagem que levou Isaquias à primeira medalha olímpica, falecido em 2018] queria um local mais tranquilo, mais sossegado. Ele veio à Lagoa da Pampulha, mas estava muito poluída. E aí alguém contou a ele sobre Lagoa Santa. Disse que era um local perto do aeroporto. Então viemos treinar aqui – até então não tinha nenhuma prática de esporte”, conta.

O ouro de Lagoa Santa
Além do ouro conquistado em Tóquio (2020), Isaquias tem outras três medalhas olímpicas. Fernando Piancastelli Alexandre LoureiroCBCA
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Alexandre Loureiro CBCA

Campeão das águas

Isaquias foi recebido de braços abertos pelos moradores da cidade. As águas da bacia do Rio das Velhas foram testemunhas, por quase dez anos, do trabalho duro e disciplinado do futuro campeão olímpico, e suas marcas viajaram até Tóquio para presenciar a vitória do simpático baiano. “A cidade abraçou a gente, acolheu. A gente ficou muito feliz por isso, pelo cidadão sempre ter torcido por mim, sou muito feliz de ter treinado aqui. Aqui foi onde eu ganhei minha medalha [dos Jogos Olímpicos] do Rio de Janeiro, de Tóquio também, e é um prazer poder estar aqui”, celebra.

Como campeão das águas, Isaquias sabe a importância de se proteger e preservar lugares como o Rio de Contas e a bacia do Rio das Velhas. “Sabemos da importância de preservação dessas águas, das bacias. O Rio de Contas tem sido maltratado nos últimos anos, as constantes enchentes acabam danificando mais ainda as margens do rio. Ter uma lagoa limpa como esta é muito importante para o lazer do cidadão, poder caminhar na orla da lagoa sem mau cheiro, sem lixo... e Lagoa Santa sempre teve isso. Aqui a gente está em casa”, finaliza.

Graças ao baiano Isaquias, as águas da bacia do Rio das Velhas hoje são banhadas em ouro olímpico.

Baiano Isaquias Queiroz iniciou seu treinamento em Lagoa Santa em 2014. Fernando Piancastelli
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Alexandre LoureiroCBCA

Desbravando as terras de Rosa

Território dos Ribeirões Tabocas e Onça guarda histórias que se tecem entre páginas literárias e a realidade deslumbrante desse pedaço único do Brasil

Texto: João Alves

Em 1963, o cordisburguense João Guimarães Rosa – já consagrado como um dos maiores escritores brasileiros, que se tornava naquele mesmo ano membro da Academia Brasileira de Letras – fora convidado para participar, em Curvelo, dos festejos da Semana da Comunidade.

Quando nasceu, Cordisburgo era distrito de Paraopeba, mas Paraopeba pertencia à comarca de Curvelo. Assim, os curvelanos consideravam Guimarães Rosa como também curvelano e, os paraopebenses, como sendo de Paraopeba. Os cordisburguenses, por sua vez, não gostavam nada disso, pois Rosa nascera em Cordisburgo.

Como o escritor, adoentado, não poderia comparecer em Curvelo na Semana da Comunidade, prescreveu aos curvelanos uma mensagem que deveria ser lida pelo seu tio Vicente Guimarães – o que foi feito. Nesta mensagem, Guimarães Rosa proclamou Curvelo como “cidade capital da minha literatura”.

Unidades Territoriais
Lucas Nishimoto João Alves
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Construída em 1883 em estilo colonial, Capela de São José foi o marco de criação da cidade de Cordisburgo.

“Porque sempre senti o Curvelo indissolúvel de CORDISBURGO, como se jamais os dividisse o nosso bonito e quieto ribeirão do Onça, que eu tantas e pressurosas vezes transpunha, para ir em inesquecíveis passeios a territórios já curvelanos”.

(Trecho da mensagem de Guimarães Rosa aos Curvelanos - 1963)

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Cordisburgo, Curvelo, Paraopeba, Ribeirão da Onça... O leitor mais habituado já deve ter notado que a região em questão é a Unidade Territorial Estratégica (UTE) Ribeirões Tabocas e Onça, uma das 23 porções que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas – soma-se a esta os municípios de Araçaí e Jequitibá, e o Ribeirão Tabocas.

O território ocupa uma área de 1.223,26 km² e abriga o Monumento Natural Peter Lund, uma Unidade de Conservação com 73,14 hectares da área estabelecida. Com uma rica tapeçaria de paisagens entre a Serra do Espinhaço e o sertão mineiro, a região reserva não apenas belezas naturais, mas também uma forte conexão com a obra literária do escritor João Guimarães Rosa, que encontrou nas entranhas dessas terras sua inspiração.

Vista aérea da Paróquia São Sebastião de Araçaí. Município é um dos que compõe a UTE Ribeirões Tabocas e Onça

Ilustração Clermont Cintra João Alves
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Entre palavras, objetos e paisagens

A região, berço do ilustre escritor, torna-se protagonista, inspirando e dando vida às obras de Rosa. O vínculo entre a paisagem e as histórias do autor se revela como um fio condutor, conectando trechos de suas narrativas às curvas sinuosas dos rios e à vastidão dos sertões, um gancho que confere identidade única à matéria. A sua obra é um portal para entender as características do sertão mineiro e os anseios de seu povo.

A casa na qual o autor passou praticamente a primeira década de sua vida, em Cordisburgo, hoje abriga um museu com mais de 700 itens relativos à sua vida e obra. O Museu Casa Guimarães Rosa foi inaugurado em 1974 e é um destino certo para os amantes da literatura roseana. Além disso, o cômodo frontal da casa faz ligação direta com o sertão mineiro e a sua história. Denominado como a “Venda de seu Fulô”, referenciando o seu pai, Floduardo Pinto Rosa, a vendinha remonta o cenário onde, até então, o jovem João Guimarães Rosa crescera ouvindo histórias dos frequentadores do local.

Com mais de 700 itens no acervo, museu está instalado na casa onde o escritor João Guimarães Rosa nasceu e passou seus primeiros nove anos de vida.

Fotos: João Alves Lucas Nishimoto
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Para além das conexões feitas no passado, há algumas que são feitas diariamente no presente por meio dos objetos de José Osvaldo dos Santos, o Brasinha. Autodeclarado como um “guardião das coisas do mundo”, Brasinha explica: “Toda vida eu gostei de juntar objetos, até aqueles mais inusitados, porque tenho certeza de que cada um deles tem uma história”.

Em sua coleção curiosa consta desde capacetes usados na 2ª Guerra Mundial até as primeiras lâmpadas utilizadas na iluminação da Gruta do Maquiné, uma das mais importantes do país.

O objeteiro e contador de histórias entende que guardar e contar sobre os objetos, desde aqueles que recebe, até os já retirados do

José Osvaldo dos Santos, o Brasinha, se autodeclara como “guardião das coisas do mundo”.

Rio das Velhas, é uma maneira de promover a conscientização de uma geração. “Imagina esse Rio das Velhas limpo daqui a 20 anos? Então poderemos mostrar para aquela geração que, ali, existiam milhares daqueles objetos que poluíam o rio”.

Assim como Guimarães Rosa faz refletir em suas obras a importância do sertão e das águas, Brasinha faz o mesmo com a sua vivência. “Existe o sertão geográfico que eles falam, mas existe esse outro sertão. Esse ser tão bonito, ser tão triste, ser tão confuso, ser tão enigmático. Existe esse sertão dentro da gente.”

Como “ser tão” é também usado como sinônimo de quantidade e abundância, a frase, “perto de muita água, tudo é feliz”, de Guimarães Rosa, nunca fez tanto sentido.

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João Alves João Alves

Maquiné e Paraopeba

Além do legado literário, a região da Unidade Territorial Ribeirões Tabocas e Onça encanta turistas com uma das mais importantes grutas de todo o território nacional. As formações geológicas subterrâneas são atrativos que encantam visitantes em busca de experiências autênticas.

Considerada o berço da paleontologia brasileira, a Gruta do Maquiné possui sete salões com formas arquitetônicas construídas pela ação da água e do tempo durante milhares de anos. Descoberta em 1825 pelo fazendeiro Joaquim Maria Maquiné, a gruta possui mais de 650 metros de belas esculturas naturais, estalactites e estalagmites, formações feitas a partir de gotejamentos.

Inserida na Rota Peter Lund, do Circuito Turístico das Grutas – que atravessa os locais por onde o naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) passou em suas pesquisas –, a Gruta do Maquiné recebeu quase 50 mil visitantes durante o ano de 2023. O responsável pela administração da gruta, Mário Lúcio de Oliveira, do Instituto Estadual de Florestas (IEF), comemora a retomada de visitações após a pandemia de COVID-19. “Recebemos diversas pessoas, tanto do Brasil como de fora, então temos essa responsabilidade de manter o interesse das pessoas, a nossa infraestrutura e os projetos ambientais que são feitos diariamente com os visitantes”, conta.

A região guarda grande influência de outro curso d’água, também afluente do Rio São Francisco: o Rio Paraopeba, que dá nome a um dos municípios da UTE. A interseção dessas águas cria um cenário único, onde a vida se entrelaça entre os ribeirões e o majestoso Paraopeba.

Vista aérea da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, em Paraopeba.
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UTE Ribeirões Tabocas e Onça guarda grande influência de outro importante afluente do Velho Chico: o Rio Paraopeba. João Alves Bianca Aun

Ribeirão Onça, um dos cursos d’água que dá nome à UTE.

Rumo à formação do Subcomitê

Em um movimento significativo, a região está em vias de estabelecer o Subcomitê Ribeirões Tabocas e Onça. Os Subcomitês são ferramentas importantes na gestão de recursos hídricos do CBH Rio das Velhas. São entidades consultivas e propositivas que funcionam obrigatoriamente com a participação dos três segmentos da sociedade (poder público, usuários da água e sociedade civil organizada), constituindo um avanço na descentralização da gestão das águas.

As articulações locais são lideradas por representantes das prefeituras, IEF, empresas locais e da sociedade civil organizada. Para Winston Caetano de Souza, o Tito, membro da Associação Ambiental Veredas & Cerrados, o colegiado local trará força para o movimento ambiental. “A aprovação deste Subcomitê faz com que as parcerias entre instituições que trabalham na área ambiental, em prol da qualidade e quantidade das águas, se fortaleçam. Além de promover uma maior conscientização das vidas que margeiam o curso d’água”, acredita.

Já Mário Lúcio de Oliveira, do IEF, vê o Subcomitê como espaço para a continuação de outros trabalhos já realizados dentro da unidade e para endossar discussões que precisam ser feitas entre os representantes e instituições. “É um trabalho contínuo que envolve Educação Ambiental, preservação e manejo das águas. Então, devemos sempre buscar outras pessoas, para fortalecer cada vez mais o movimento”.

Um dos lideres do processo de formação do Subcomitê, Winston Souza (acima) já presidiu CBH do Rio Paraopeba.

Mário Lúcio de Oliveira, do IEF (abaixo), é outra liderança importante na formação do colegiado.

Desafios e pressões

Não se pode ignorar, no entanto, os desafios que pairam sobre a região dos Ribeirões Tabocas e Onça. Problemas ligados aos resíduos sólidos, tratamento inadequado da água e esgoto, além dos impactos da agropecuária, destacam-se como fatores de pressão que demandam soluções eficazes para preservar esse ecossistema único.

Um dos que também têm viabilizado a criação do Subcomitê local, Guilherme Miranda, da Secretaria de Turismo, Ecologia e Meio Ambiente de Cordisburgo, aponta as irrigações ilegais de lavouras como um dos maiores problemas do território. “Essas bombas que irrigam retiram uma grande quantidade de água, prejudicando assim diversas pessoas ao longo do curso d'água, chegando a quase faltar em algumas partes. Portanto, com o Subcomitê aprovado, conseguiremos ter uma fiscalização mais efetiva diante desse problema”, explicou.

Nesta jornada por terras tão singulares, lança-se luz sobre a iminente formação do Subcomitê e os esforços conjuntos para conservar a riqueza natural e cultural que caracteriza a região dos Ribeirões Tabocas e Onça. Afinal, é uma história que se tece entre páginas literárias e a realidade deslumbrante desse pedaço único do Brasil.

João Alves Michelle Parron
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Léo Boi

“Flores de pedra, cachoeiras de pedra, cabeleiras de pedra, moitas e sarças de pedra, e sonhos d’água, congelados em calcário. Andares superpostos, hieroglifos, colunas, estalagmites subindo para estalactites, marulhos gotejando das pontas rendilhadas: – Plein!... ritmos do Infinito... – Plein!... e séculos medidos por milímetros...”

Trecho do poema Gruta do Maquiné João Guimarães Rosa (Livro Magma - 1936)

João Alves

A Revista Velhas semestralmente homenageia um artista em suas contracapas. Nesta edição: Anandacolaa, artista preta independente de Belo Horizonte, que busca passar a sua visão do mundo através da colagem digital.

A obra em questão busca explorar o percurso ancestral e sua conexão com o Rio das Velhas, revelando os fios invisíveis que nos ligam aos antepassados. À medida que o rio serpenteia por terras antigas, carrega consigo a memória geológica e ancestral de cada região.

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