Revista Velhas nº20 - Setembro de 2024 - CBH Rio das Velhas

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Imagem de capa:

Pelas lentes de Ane Souz, a Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, de Ouro Preto“A Fé que Canta e Dança”.

Por lá, o Reinado ocorre em janeiro em honra a Chico Rei, que veio do Congo sequestrado para ser escravizado no Brasil. Na antiga Vila Rica, ele conseguiu comprar sua alforria e de outros conterrâneos, que o consideraram “rei”.

Ilustração

Editorial Cuidando da nossa “casa comum”

Em 2015, o Papa Francisco redigiu a primeira encíclica da Igreja Católica totalmente inspirada em meio ambiente e sustentabilidade. ‘Laudato si’, que significa “louvado seja”, trata do cuidado com o ambiente e com todas as pessoas, bem como de questões mais amplas da relação entre Deus, os seres humanos e a Terra.

Há quem sustente, de fato, que o discurso ambientalista encontra semelhanças ao discurso espiritualista: o cuidado com a nossa “casa comum” e com as gerações futuras seria a principal marca. Aqui na bacia do Rio das Velhas essa máxima faz sentido. Não que um ambientalista precise acreditar no transcendente ou que um devoto necessariamente seja um ecologista, mas aqui nesta porção de território estão iniciativas de vanguarda na defesa do meio ambiente, assim como uma forte cultura religiosa que se mantém viva ao longo dos anos.

Nesta edição de nº 20 da Revista Velhas, contaremos um pouco dessas múltiplas manifestações religiosas e como as festividades e tradições têm atraído fiéis e turistas de todo o país.

Outra marca da cultura mineira é a culinária. Rica em sabores, aromas e texturas, sua herança remonta aos tempos coloniais, influenciada pela miscigenação de povos indígenas, africanos e europeus.

A partir dos doces artesanais em tachos de cobre de São Bartolomeu, passando pelo pastel de angu de Itabirito, pela influência inglesa nos bolos nova-limenses, pela jabuticaba em Sabará e pela peixada no Baixo Velhas, faremos um mergulho na história e na cultura de um povo que valoriza suas raízes e compartilha sua identidade através da mesa.

Não há como negar também que a Lagoa da Pampulha é outro símbolo do nosso estado. Nem por isso, o cartão postal da capital e parte do conjunto reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco deixou de receber variadas agressões ao longo de décadas. Uma conjunção favorável, porém, parece se desenhar no horizonte. Mais recente acordo judicial ilumina o céu de possibilidades para, finalmente, despoluir a bacia e assegurar sua devida manutenção futura.

No fim de abril, o Rio Grande do Sul foi atingido por fortes chuvas em quase todo o estado. Em certas localidades choveu em um dia o que, na média histórica, choveria em dois meses. Juntou-se a isso desmatamento, urbanização não planejada, inércia do poder público, e o que vimos foi o caos: centenas de mortos, milhares de desabrigados, milhões de impactados.

A pergunta que fica é: e se acontecer na bacia do Rio das Velhas – com suas centenas de barragens de rejeito projetadas para determinado volume de chuvas – o que aconteceu no Rio Grande do Sul? Em uma reportagem especial, ouviremos especialistas para achar as possíveis respostas.

Presidente do CBH Rio das Velhas por sete anos, secretário por outros dois e atual vice-presidente do CBH do Rio São Francisco, Marcus Vinícius Polignano é o entrevistado desta edição da Revista Velhas. Há mais de 30 anos sendo uma das principais vozes do ambientalismo mineiro, ele faz um balanço da jornada e projeta o que vem pela frente, sabendo muito bem onde pisa: “O nosso endereço na Terra não é a rua, não é o CEP, mas é o rio”.

A sessão artística Olhares abre espaço para o livro Marinho, Zé Curupira e Parangolé, uma reflexão sobre a relação com o fogo e o ambiente natural. A obra é escrita pelo conselheiro ouropretano Chiquinho de Assis e ilustrada por Anna Göbel.

O território em destaque na edição de nº 20 da Revista Velhas é a UTE Rio Itabirito. A região prioritária para a conservação é também guardiã das águas que abastecem os milhões de habitantes da Grande BH.

Aqui você verá também que “Água para a Prosperidade e a Paz” é o lema da ONU para 2024 e como a Cobrança pelo Uso da Água tem impulsionado ações de preservação e conservação ao longo de toda a bacia do Rio das Velhas.

Expediente

Revista Velhas

Publicação Semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas Nº 20 - Setembro

CBH Rio das Velhas

Diretoria

Presidenta: Poliana Valgas (Prefeitura Municipal de Jequitibá)

Vice-Presidente: Ronald de Carvalho Guerra (Associação Quadrilátero das Águas- AQUA)

Secretário: Renato Júnio Constâncio (Cemig)

Secretária-Adjunta: Heloísa França (SAAE Itabirito)

Agência Peixe Vivo

Diretora-Geral Interina: Rúbia Mansur Gerente de Integração: Rúbia Mansur Gerente de Projetos Interina: Jacqueline Fonseca Gerente de Administração e Finanças: Berenice Coutinho

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBH Rio das Velhas.

Produzida pela Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social

Direção: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de Jornalismo: Luiz Ribeiro

Edição: Luiz Ribeiro e Rodrigo de Angelis

Redação e Reportagem: Leonardo Ramos, Mariana Martins, João Alves e Paulo Barcala.

Revisão: Isis Pinto

Fotografia: Acervo Comunidade Arturos, Acervo pessoal Mestre Cuta, Adília Dalbem, Agência Brasil, Alexandre Alves, Álvaro Gomes, Ane Souz, Bianca Aun, Boca dos Olhos, Divulgação Copasa, Fernando Piancastelli, João Alves, Leo Boi, Luiz Maia, Marcelo Andrê, Marcos Neves, Michelle Parrom, Ohana Padilha, Paulo Vilela, Robson Oliveira, Shutterstock.

Ilustrações: Clermont Cintra e Albino Papa

Projeto Gráfico: Márcio Barbalho

Design Gráfico e Diagramação: Albino Papa e Rafael Bergo

Impressão: EGL Editores

Tiragem: 3.000 unidades.

Direitos reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Sumário

Com a palavra p. 6

“Água

para a Prosperidade e a Paz” é lema da ONU para 2024

Uma nova esperança para a bacia da Pampulha

p. 12

19

Emergência climática: é preciso ouvir a Ciência

Os muitos sabores da bacia do Rio das Velhas

p. 24

Água para produzir, cobrança para preservar

p. 42

Entrevista: Marcus

Vinícius Polignano

p. 30

Olhares: Marinho, Zé Curupira e Parangolé

Turismo da fé

UTE Rio Itabirito: guardiã das águas que abastecem a RMBH

p. 56

João Alves

A bacia é o mundo

A integração entre Comitês de Bacias Hidrográficas e entes do Sistema de Recursos Hídricos é fundamental para o avanço da gestão das águas. Nessa toada, o CBH Rio das Velhas tem participado ativamente ao longo de 2024 de uma série de fóruns, painéis e demais eventos que têm a gestão dos recursos hídricos como ponto central.

Assim foi com o 10º Fórum Mundial da Água, realizado na Indonésia; o ERCOB (Encontro Regional de Comitês da Região Sudeste), sediado em BH; o 1º Encontro dos CBHs de Minas Gerais, promovido em Capitólio – e por aí vai.

Quando se olha para fora, para os outros, a compreensão sobre si mesmo é realçada. E, ao encabeçar tais eventos, temos podido observar com clareza nossas forças, valências, avanços e conquistas nesses tantos anos de CBH Rio das Velhas, como também nos desafios que ainda temos a avançar.

Em 2024, no que diz respeito aos nossos desafios ligados aos instrumentos de gestão, nossas atenções se voltam ao processo de reenquadramento dos corpos d’água em classes, segundo os usos preponderantes. O atual vigente, datado de 1997, deverá ser atualizado a partir de um amplo processo técnico e participativo entre todos os entes e segmentos da bacia do Rio das Velhas. Esperamos que, após a conclusão desse processo, tenhamos padrões ambientais e formas de comando condizentes com a realidade do território, sempre na busca da garantia de mais e melhores águas para todos.

Também este ano, por meio da nossa campanha anual de comunicação ‘Velhas, Faço Parte’, jogamos luz a outro importante instrumento da política de recursos hídricos: a Cobrança pelo Uso da Água. A ação teve o público geral como preferencial, mas se dirigiu de maneira especial ao segmento de usuários de recursos hídricos: aqueles que pagam efetivamente a Cobrança pelo Uso da Água, que é repassada ao CBH para o desenvolvimento de ações e projetos de recuperação hidroambiental.

A campanha detalhou as ações e resultados alcançados ao longo dos anos na produção de mais e melhores águas na bacia, buscando sensibilizar os usuários sobre a importância do pagamento da cobrança e como isso se reverte em benefícios a eles próprios – que passam a contar com maior oferta de água e em melhor qualidade. O objetivo da iniciativa foi contribuir para uma progressiva redução na inadimplência do pagamento pela cobrança na bacia do Rio das Velhas.

Já em relação à governança, nos orgulhamos muito de, em 2024, termos formalizado a criação de dois novos Subcomitês: PeixeBravo, com atuação nos municípios de Jequitibá, Santana de Pirapama e Presidente Juscelino; e Ribeirões Tabocas e Onça, reunindo territórios de Araçaí, Cordisburgo, Paraopeba, Curvelo e Jequitibá. Os Subcomitês são braços importantes do CBH Rio das Velhas nos territórios, que garantem penetração e capilaridade na gestão de cada porção. É gente cuidando de águas.

Também este ano, aprovamos o nosso Plano de Educação Ambiental (PEA), com método e estratégia para elevar a consciência de preservação no território. Com um horizonte de planejamento de quatro anos, nosso PEA tem o objetivo de sensibilizar a comunidade inserida na bacia sobre questões que envolvem os principais fatores de pressão que impactam a qualidade ambiental do território e a necessidade premente de preservá-lo, visando a adoção de posturas socioambientalmente responsáveis em favor dos recursos naturais locais.

Nesse mesmo bojo, validamos também em 2024 o Plano de Formação de Conselheiros do Comitê, que apresenta, de forma estruturada e planejada, as ações de formação e capacitação dos conselheiros do CBH Rio das Velhas, em suas mais diversas instâncias (Plenário, Câmaras Técnicas e Subcomitês), visando ao aprimoramento contínuo dos conselheiros.

Temos avançado fortemente também com o nosso Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água, que já adentrou à fase executiva, e com o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) que irá nortear a elaboração de estudos de concepção e projetos – básico e executivo – para sistemas de esgotamento sanitário de uso coletivo na bacia do Rio das Velhas.

Que possamos continuar colhendo os frutos dessas ações por muitos anos ainda.

Poliana Valgas Presidenta do CBH Rio das Velhas

A batalha pela água

“Água para a Prosperidade e a Paz” é lema da ONU para 2024; números, no entanto, apontam para conflitos em que a água está em disputa

Texto: Leonardo Ramos

No dia 22 de março de 1992, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou a “Declaração Universal dos Direitos da Água”. Em 10 artigos, a organização procura ressaltar a importância da água para uma vida humana digna e, desde então, a data é celebrada anualmente como o Dia Mundial da Água. Este ano, a ONU propôs a reflexão “Água para a Prosperidade e a Paz”, trazendo à tona alguns números que, por vezes, passam despercebidos.

• 2,2 bilhões de pessoas não tinham condições para gerir com segurança a água potável em 2022;

• Cerca de 80% dos empregos são dependentes da água em países de baixa renda, onde a agricultura é a principal fonte de subsistência;

• 72% da captação de água doce é utilizada pela agricultura;

• 1,4 bilhão de pessoas foram afetadas por secas entre 2002 e 2021;

• Até 10% do aumento da migração global entre 1970-2000 esteve ligado a déficits de água.

Se os números são alarmantes e apontam para um conflito generalizado pelos recursos hídricos, a batalha pela água só será perdida se nos entregarmos ao alarmismo ou cedermos à apatia frente às previsões apocalípticas. É necessário entender as dinâmicas humanas e atuar na realidade para que seja possível garantir água em abundância e qualidade para todas as pessoas. Aqui eu te convido a enxergarmos esses números com um olho na realidade e o outro na arte.

Ilustração Albino Papa
“Como se a esperança fosse uma planta que crescesse com a chuva”

Se até 10% da migração global aumentou entre 1970 e 2000, segundo a ONU, por conta da escassez de água, no Brasil os fluxos migratórios em busca de água causados pela seca são também preocupantes. Muitos que moravam no Polígono das Secas – que atinge desde o norte de Minas Gerais até quase todos os estados da Região Nordeste – deixaram seus locais de origem em busca de melhores condições de vida.

No filme “O Auto da Compadecida”, baseado em obra homônima de Ariano Suassuna, João Grilo se safa do Inferno porque Maria, sua advogada, convence Manuel (Jesus) de que o travesso João pregava suas peças por necessidade: “João foi um pobre como nós, meu filho, e teve que suportar as maiores dificuldades numa terra seca e pobre como a nossa. Pelejou pela vida desde menino. Passou sem sentir pela infância, acostumou-se a pouco pão e muito suor. Na seca comia macambira, bebia os frutos do xique-xique. Passava fome e quando não podia mais rezava, e quando a reza não dava jeito ia se juntar a um grupo de retirantes, que ia tentar sobreviver no litoral. Humilhado, derrotado, cheio de saudade. E logo que tinha notícia da chuva pegava o caminho de volta, animava-se de novo, como se a esperança fosse uma planta que crescesse com a chuva”, diz Maria a Jesus.

O argumento dá conta do fato de que, onde não há água, não há também a possibilidade de enfrentar a vida com dignidade. Quando falta água, falta comida, falta trabalho – já que, também segundo o organismo internacional, 80% dos empregos em países de baixa renda são afetados pela escassez de recursos hídricos, uma vez que, nesses países, a agricultura costuma ser a principal fonte de subsistência. E, sem trabalho, mesmo a migração se torna uma ação arriscada.

“Preciso da bicicleta para poder gerar eletricidade. Com a eletricidade, posso conseguir água, posso fazer chover”

A gestão dos recursos hídricos não é simples. Mesmo onde há abundância de água, pode não haver qualidade para beber. A falta de água potável é um problema sério: de acordo com a ONU, em 2022, 2,2 bilhões de pessoas não possuíam instrumentos necessários para gerir a água potável com segurança, bem como 1,4 bilhão de pessoas foram afetadas por secas entre 2002 e 2021. No filme “O menino que descobriu o vento”, o jovem William Kamkwamba, do Malawi, país do leste da África, precisa encontrar, entre estudos e ferros-velhos, uma solução para a escassez de água que ameaça a vida de sua comunidade. Embora peça de ficção, o filme é baseado na história real de um menino que procurou, de todas as formas, construir uma bomba eólica para que as atividades agrícolas do local onde morava pudessem continuar e sustentar a vida.

O filme também é uma celebração do espírito de vida comunitária. Os conflitos são debatidos conjuntamente. As pessoas se reúnem em torno de lideranças anciãs, que não decidem sozinhas o que deve ser feito, mas orientam e aconselham os mais jovens. Há um ensinamento importante que evoca o passado como inspiração para o presente: “Mesmo rezando pra chover, os ancestrais sobreviveram porque permaneceram juntos”. Em tempos de mudanças climáticas e de escassez de água, lembrar que a vida humana se baseia no trabalho coletivo e nos laços comunitários é uma trilha que deve ser percorrida para se chegar a soluções para questões como essas.

“Perto de muita água, tudo é feliz”

Outro número importante diz respeito ao uso da água. Segundo a ONU, 72% da água doce captada no mundo é usada para a agricultura. É claro, esse volume é utilizado para alimentar a população, mas o mesmo órgão aponta, na “Declaração Universal dos Direitos da Água”, no sexto artigo, que “A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo”.

Na prática, a legislação brasileira transformou essa constatação num instrumento de gestão de recursos hídricos.

A Lei nº 9.433/1997 instituiu a Cobrança pelo uso da água como uma forma de racionalizar o uso dessa captação. Em Minas Gerais, a cobrança permite que o CBH Rio das Velhas possa lutar pela universalização do acesso à água em quantidade e qualidade para múltiplos usos. Desde 2011, todo o trabalho desenvolvido pelo Comitê só foi possível graças aos recursos da Cobrança pelo Uso da Água.

De lá para cá, o CBH destinou quase R$ 71 milhões em projetos de recuperação ambiental, que têm um principal objetivo: a garantia de mais e melhores águas na bacia para todo mundo.

Para que as atividades que realizamos, do lazer à sobrevivência, sigam sustentando o que nos faz humanos, é necessário que todos nós nos envolvamos na discussão do futuro do planeta. Porque paz e prosperidade não são plantas que crescem com a chuva, não caem do céu nem brotam do chão como as nascentes de rios. Elas nascem da resolução humana por justiça e demandam trabalho, debate, educação. Mas, nesse processo, nós, agentes desses valores, podemos e precisamos buscar estímulos, seja na constatação da realidade ou no suporte da poesia, para não desanimar frente a tantas vozes que dizem que já não há mais volta.

É preciso seguir lutando por água para todos. Porque, como diz Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas”, o grande inspirador do CBH Rio das Velhas, “perto de muita água, tudo é feliz”.

Águas urbanas

Uma nova esperança para a bacia da Pampulha

Acordo judicial e novo coletivo de governança com participação do CBH podem enfim recuperar bacia que irriga patrimônio da humanidade

Texto: Paulo Barcala
Águas da Pampulha integram a bacia do Ribeirão Onça, importante afluente do Rio das Velhas.

A Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, desde 2016 é parte de um conjunto reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, braço da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Com a orla enfeitada pelos jardins de Burle Marx, é cercada de joias arquitetônicas desenhadas por ninguém menos que Oscar Niemayer: a Igreja de São Francisco de Assis, o antigo Cassino (atual Museu de Arte), a Casa do Baile (hoje o Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design) e o Iate Tênis Clube (nascido Iate Golfe Clube).

Tantos atributos, porém, não a livraram de adoecer, década após década, de variados males. Seus meros 2 km2 de área recebem águas de uma bacia de quase 100 km2, esgoto in natura de 30 mil pessoas, muita poluição difusa, sedimentos e lixo que ainda hoje atiram diretamente em seu corpo ou ao leito dos afluentes.

Assoreamento que já rouba mais de 50% do espelho d’água original, eutrofização (proliferação descontrolada de algas e plantas aquáticas), recorrente mortandade de peixes (a mais recente, agora mesmo em março, que teve entre 5 e 7 mil espécimes exterminados) ou o mau cheiro resultante de lançamentos clandestinos são feridas abertas por décadas de problemas inteiros e soluções pela metade.

Uma conjunção favorável, porém, parece se desenhar no firmamento. Acordo judicial de março de 2023, reunindo a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) e as prefeituras de Belo Horizonte e Contagem, e nova comissão constituída no começo deste ano por determinação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) iluminam o céu de possibilidades para, finalmente, despoluir a bacia e assegurar sua devida manutenção futura.

Ohanna
Padilha

O engenheiro civil Ricardo Aroeira, Diretor de Gestão de Águas Urbanas na Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), admite que se trata de “um grande desafio”, mas exalta o “trabalho consistente desde 2015/16, de desassoreamento (com 1,2 milhão de metros cúbicos de sedimentos retirados em 10 anos), de remoção do lixo sobrenadante, de manutenção da orla e tratamento das águas da lagoa” que tem “oito afluentes diretos”.

Segundo Aroeira, são duas as causas principais de agressão externa – “a poluição dos córregos e a poluição difusa” – e uma interna – o “passivo acumulado no fundo da lagoa”.

Edinilson dos Santos, engenheiro florestal, conselheiro do Subcomitê Ribeirão Onça e servidor da PBH há 31 anos, foi transferido há 15 para a diretoria que cuidava então exclusivamente do Propam, o Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da bacia da Pampulha. Para ele, o Propam passou a ser “desconsiderado” após meados da segunda década deste século.

Com uma longa vivência no tema, protesta: “Você vai à Lagoa, ela está cheirando mal, tem esgoto ainda, vaza com frequência, entope, desentope, entope de novo. Tem bota-foras clandestinos espalhados pela bacia inteira, alimentados de madrugada. Vem a chuva e leva para os córregos, leva para a Lagoa”. E clama: ”Precisa de um novo diagnóstico da bacia. O próprio licenciamento ambiental deixa brechas para ocupações do solo que estão ‘dentro da lei’, mas são danosas ao meio ambiente”.

Ação civil pública

Em 2021, a PBH moveu ação na Justiça Federal em que exigia da Copasa a universalização do sistema de coleta e tratamento do esgoto na bacia, distribuída em cursos d’água da capital e da vizinha Contagem. Daí derivou o acordo judicial homologado em março de 2023, com prazo de cinco anos para o cumprimento da meta.

O plano de ação da Copasa, batizado de Projeto Reviva Pampulha, pretende interligar 9.759 unidades residenciais e comerciais ao sistema de coleta, além de realizar obras e promover investimentos na infraestrutura para conferir maior segurança às operações técnicas.

Sérgio Neves, engenheiro sanitarista, gestor de Empreendimentos de Grande Porte da Copasa e responsável pelo projeto, destaca: “A bacia é uma cidade de 500 mil pessoas, mas o problema não é falta de rede”, pois a “cobertura é da ordem de 99%”. Dados da companhia estadual de saneamento mostram que, atualmente, cerca de 5% dos clientes não estão interligados às redes de esgoto da Copasa na região. No entanto, quatro partes desse total são denominadas ligações factíveis, ou seja, já possuem rede à disposição. Apenas 1% desses quase 10 mil imóveis não tem sistema de esgotamento sanitário implantado”.

De acordo com Neves, o Reviva Pampulha prevê “investimentos de R$ 146,5 milhões”, dos quais R$ 29,9 milhões já foram aplicados, “com a finalização de 3.373 ligações, ou 35% do objetivo”.

Às prefeituras cabem a emissão de decretos de Utilidade Pública, a fim de garantir maior celeridade na liberação das áreas e faixas de servidão para execução de redes coletoras e ligações prediais, a emissão de licenças ambientais e ações da vigilância sanitária. No caso de Contagem, entram também intervenções de urbanização e eventuais realocações de moradores de áreas de risco para as quais não haja solução segura.

Além das obras de infraestrutura, o Reviva Pampulha também realiza monitoramento de qualidade das águas dos córregos, inspeção e correção de lançamentos de águas pluviais nas redes coletoras. Conforme balanço da Copasa de março de 2023, seis dos 20 córregos que compõem a bacia apresentavam qualidade ruim ou péssima. Em setembro, o monitoramento apontou melhoria geral, com 95% das amostras em patamares “bom” ou “aceitável”.

Conselheiro do Subcomitê Ribeirão Onça, Edinilson dos Santos atua no Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia da Pampulha.
Sérgio Neves, da Copasa, destaca que 35% do objetivo de ligação de imóveis à rede coletora já foi concluído.
Ohanna Padilha
Divulgação Copasa

Para Isnard Horta, engenheiro civil que coordena o Grupo de Trabalho multisetorial encarregado do assunto na Prefeitura de Contagem, o novo monitoramento é “um ganho importante, porque tradicionalmente era feito na chegada dos córregos à Lagoa, além de pontos dentro dela. A novidade é o monitoramento que mostra qual trecho de qual curso tributário está poluindo. Um avanço muito grande para o controle ambiental”.

Em breve entrará em cena o monitoramento remoto, serviço a ser contratado pela Copasa, totalizando 21 pontos em frequência trimestral de amostragem segundo os parâmetros do Índice de Qualidade das Águas (IQA), que mede, por exemplo, oxigênio dissolvido, coliformes, temperatura, nitrogênio e fósforo.

Horta também realça a “radiografia” que ajuda a identificar as favelas onde a Copasa pode completar a rede mais facilmente e os casos mais complexos, por adensamento e outros motivos, “invertendo a lógica de que só podia botar rede quando urbanizasse”. Nesse universo, Contagem tem nove AIS [Áreas de Interesse Social] com mais de três mil ligações necessárias e 668 implementadas.

O gestor da Copasa cita 35 comunidades em Contagem em processo de regularização de conexão à rede coletora e descreve atrativos para convencer os moradores à adesão: “Criamos facilidades para quitar os débitos e condições para viabilizar a formalização”. No site do projeto, algumas dessas vantagens: o cliente pagará R$ 60, que pode ser parcelado em até três vezes; a dívida será congelada; os débitos prescritos (superiores a 10 anos) serão baixados; cada intervalo de seis meses de adimplência habilitará a baixa dos três débitos mais antigos.

Conjunto Moderno da Pampulha foi declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco.
Plano de ação da Copasa pretende interligar 9.759 unidades residenciais e comerciais ao sistema de coleta de esgoto.
Poluição dos córregos que abastecem a lagoa, poluição difusa e passivo acumulado no fundo são algumas das principais fontes de agressão ao corpo d’água.
Fernando Piancastelli

Mais um Tribunal

Em janeiro deste ano, o TCE considerou que as obras relacionadas à retirada do esgoto da bacia eram insuficientes para a revitalização total da Lagoa, determinando a constituição de novo coletivo para agilizar ações e reduzir gastos com o projeto.

A comissão congrega, além do governo estadual, das prefeituras de Belo Horizonte e Contagem, e da Copasa, diversos órgãos e instituições, como o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, onde se insere a microbacia da Pampulha, a Agência Peixe Vivo, a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana, o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas), a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário de Minas Gerais (Arsae-MG) e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

Poliana Valgas, presidenta do CBH, saúda a decisão. “Ao propor a constituição de um coletivo para construir a governança, o TCE fez questão de incluir o Comitê, que, por sua formação tripartite e sua missão devotada às águas, tem por excelência vocação para uma ação integral e integrada”.

As orientações do Tribunal de Contas nasceram de auditoria operacional que, em relatório preliminar, analisou e propôs melhorias aos esforços relacionados à despoluição, particularmente no que diz respeito à governança de todo o processo.

Muito chão pela frente

Valgas frisa a dimensão da empreitada: “Embora sejam muito importantes a interceptação e o tratamento de esgoto que hoje cai na Lagoa, isso não basta para despoluir e muito menos para mantê-la limpa. É preciso, entre outras medidas, preservar córregos e nascentes de BH e Contagem, implantar um monitoramento ambiental efetivo, pôr fim à ocupação das áreas de várzea, investir em sistemas adequados de drenagem pluvial e enfrentar a questão da poluição difusa”.

Aroeira faz coro: “Apenas resolver o esgoto não é suficiente. É preciso um somatório de ações, como uma política de uso e ocupação do solo que leve em conta critérios ambientais”. Nesse quesito, ele exalta o novo Plano Diretor da capital, em vigor desde 2019, e exemplifica: “É muito avançado, proíbe canalizar córregos, aposta nos parques lineares, cada nova edificação é obrigada a entregar uma vazão como se fosse um terreno virgem, estimula as áreas arborizadas para maior conforto térmico”.

Neves vai no mesmo tom: “O plano de trabalho é focado no esgoto, mas o problema na Pampulha vai muito além”. Para ele, “a população tem que aderir, a responsabilidade é do morador se o sistema de coleta está disponível, e são necessários cuidados no uso do sistema de esgotamento, pois esgoto não é lixeira”. Para atingir esse propósito, afirma o papel da educação ambiental, assim como Isnard Horta, que só acredita em eficácia se a “educação estiver no cotidiano das pessoas”.

Ricardo Aroeira, da PBH, chama a atenção para a necessidade de se resolver outros problemas na bacia, para além do esgoto.

Adília Dalbem

Não olhe para cima

Quando emergências climáticas

são a pauta do dia, é preciso ouvir a Ciência

Texto: Leonardo Ramos

No fim de abril, o Rio Grande do Sul foi atingido por fortes chuvas em quase todo o estado. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em certas localidades choveu em um dia o que, na média histórica, choveria em dois meses. Juntou-se a isso desmatamento, urbanização não planejada, inércia do poder público, e o que vimos foi o caos: centenas de mortos, milhares de desabrigados, milhões de impactados.

Não se pode dizer, no entanto, que fomos “surpreendidos” pela precipitação. Ainda que o volume tenha sido grande em todo o estado gaúcho, os avisos haviam sido dados. Não é de hoje que cientistas de todo o mundo estão avisando que eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes. Fortes chuvas, longos períodos de seca, ondas de calor, tufões… Além disso, há uma infinidade de estudos e plataformas que alertam para os riscos de que desastres naturais podem causar mais danos do que o esperado.

Uma dessas plataformas, o Sistema de Informações e Análises sobre Impactos das Mudanças do Clima (AdaptaBrasil MCTI), desenvolvido por meio de uma cooperação entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Rede Nacional de Pesquisa e Ensino (RNP), possui um mapeamento extenso sobre o clima e os riscos de diversos impactos no Brasil, como disponibilidade de recursos hídricos, segurança alimentar, segurança energética, desastres geo-hidrológicos entre outros. É possível acessar dados sobre a situação presente de todas as cidades do país, bem como projeções para 2030 e 2050.

Na era da informação, é difícil se falar em “surpresa”. E se aconteceu no Rio Grande do Sul, é possível que aconteça em outros lugares do Brasil, como em Minas Gerais.

Chuvas muito volumosas e duradouras no Rio Grande do Sul ocasionaram a cheia sem precedentes e o transbordamento de vários cursos d’água, como o Lago Guaíba, em Porto Alegre.

O (novo) ciclo hidrológico

É preciso entender como ocorre o ciclo hidrológico e por que temos tido eventos de chuvas concentradas em poucas horas. Quem explica o fenômeno é Euler Cruz, engenheiro mecânico e presidente do Fórum Permanente São Francisco. “De maneira bem resumida, os oceanos são a fonte mais importante de chuva. São da superfície da Terra. De lá, a água evapora, acumula-se na atmosfera e, em determinadas condições de temperatura e pressão, ela se condensa e cai como chuva, nos próprios oceanos como também nos continentes”.

Euler também conta por que eventos extremos têm acontecido com mais frequência. “Agora, o que tem acontecido ultimamente é devido ao que a gente chama de mudanças climáticas. Já há uns dois séculos de fumaça de carros, de fábricas e de outros gases de efeito estufa acumulados na atmosfera”, explica.

A partir daí, a “estufa” em que se transformou a atmosfera por causa do acúmulo desses gases permite que o calor atinja a superfície da Terra, mas dificulta sua saída. “O carbono deixa a radiação do Sol entrar. Ela entra, mas não sai. Isso causa o aquecimento dos mares, o que vai gerar mais vapor na atmosfera. Essa água vai ter de cair uma hora…”, alerta. Segundo ele, foi isso o que aconteceu nas terras gaúchas, potencializado pelo fato de que o estado mais ao sul do Brasil se tornou uma zona de convergência da umidade vinda das regiões mais quentes do país. “No Rio Grande do Sul se formou uma zona de convergência, a meio caminho entre o Equador e o Polo Sul, transformando-se numa barreira – a atmosfera fria do sul não consegue passar para o norte e o calor do norte não consegue passar para o sul naquele momento”, relata.

Ou seja: enquanto houver aquecimento global haverá maior evaporação dos oceanos. E enquanto houver maior evaporação dos oceanos, haverá chuvas concentradas.

O Rio Grande e as Minas

O que aconteceu no Rio Grande do Sul, mais cedo ou mais tarde, acontecerá em Minas Gerais. No entanto, Minas Gerais não é um estado como o Rio Grande do Sul. Além da diferença entre biomas – lá, terra dos Pampas, aqui, predominantemente Cerrado e Mata Atlântica –, o nome de ambos os estados apontam também para suas peculiaridades. O panorama em terras mineiras é preocupante. Dados extraídos da AdaptaBrasil revelam que há 19 cidades com risco muito alto de enfrentarem inundações destruidoras como as do Rio Grande do Sul. A plataforma classifica os riscos entre muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto. Já entre as de risco alto são 227.

Para a AdaptaBrasil, “riscos relacionados a desastres geohidrológicos são os efeitos sobre vidas, meios de subsistência, saúde, ecossistemas, economias, sociedades, culturas, serviços e infraestrutura, devido a alterações climáticas ou eventos climáticos que se dão dentro de períodos específicos de tempo, de vulnerabilidade e de exposição da sociedade ou sistema, relacionados aos desastres geo-hidrológicos.

Considera-se desastre uma ‘séria interrupção no funcionamento de uma comunidade ou sociedade que ocasiona grande quantidade de mortes, perdas e impactos materiais, econômicos e ambientais que excedem a capacidade da comunidade ou sociedade afetada para enfrentar a situação, mediante uso de seus próprios recursos.

O desastre se caracteriza por ser imediato e localizado, mas frequentemente possui efeito indireto geográfico e temporal de maiores dimensões’”.

Agência Brasil
Enchentes e enxurradas no RS deixaram mais de 4 mil desalojados, 173 mortos e 38 desaparecidos. Em destaque o município de Arroio do Meio, no Vale do Rio Taquari.

Algumas cidades gaúchas receberam de 500 a 700 mm de chuva, equivalente a um terço da média histórica de precipitação para todo um ano. Em destaque a capital Porto Alegre.

Enquanto os gaúchos precisam se preocupar com os grandes rios, os mineiros não podem se esquecer da mineração. São 260 barragens cadastradas na Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), nenhuma delas dimensionada para suportar o volume de chuvas que atingiu o Rio Grande do Sul. “Se uma chuva daquelas cair por aqui em Minas Gerais, ela vai provocar o rompimento provavelmente simultâneo de muitas barragens. Porque se ela cair concentrada numa região aqui no Quadrilátero Ferrífero, há muitas barragens e pilhas de rejeito de minério, e as nossas barragens foram dimensionadas para aguentar até 350 milímetros de chuva num dia, a partir de um cálculo da Resolução 95/2022 da Agência Nacional de Mineração [ANM]”, aponta Julio Grillo, engenheiro civil e ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Julio Grillo aponta risco de rompimento de várias barragens simultâneas em Minas, caso chova aqui o mesmo que choveu no Sul.

Acesse o webnário disponível em bit.ly/webinario-resiliencia-climatica ou escaneie o QR Code

Agência Brasil

Índice de risco para inundações, enxurradas e alagamento na bacia do Rio das Velhas

Alto Médio

Baixo

Muito baixo

0,60 a 0,79

0,40 a 0,59

0,20 x 0,39

0,00 a 0,19

Fonte: AdaptaBrasil
Ilustração
Clermont
Cintra

Rio das Velhas sob ameaça

Se grandes enchentes não são exatamente novidade na bacia do Rio das Velhas, é também verdade que muitas delas causam estragos nas cidades do Quadrilátero Ferrífero. Sabará, Nova Lima, Raposos, Ribeirão das Neves e Santa Luzia são as cidades de alto risco de desastres ocasionados por chuvas segundo o AdaptaBrasil, totalizando 50% dos municípios da bacia nesse nível.

Já vimos grandes inundações nessas cidades, e a tendência é que elas se repitam mais frequentemente. “Por exemplo, no dia 8 de janeiro de 2022 houve uma chuva muito grande no Quadrilátero que inundou Raposos, e o Rio das Velhas subiu ao máximo já registrado. Houve vazão de 630 metros cúbicos por segundo registrado em Raposos, e só não registrou mais porque a água subiu tanto que afogou o pluviômetro. Nos 45 anos em que eu estou lá, eu nunca tinha visto uma quantidade de chuva tão grande”, relembra Euler. E ele continua: “Historicamente, o Quadrilátero, das regiões de Minas Gerais, é a que mais chove. E isso vai aumentar. Além disso, é a região que tem mais barragens e mais gente vivendo. Então, uma chuva intensa pode levar várias barragens. Aí, nós vamos perder o Rio das Velhas, como já perdemos o Paraopeba e o Doce “, avisa.

A diferença entre as tragédias que aconteceram com as barragens da Vale e da Samarco e a que pode acontecer no Rio das Velhas é que, no caso de ocorrer um grande volume de chuva concentrada que venha a romper uma ou mais barragens, a água da precipitação se juntaria aos rejeitos de minérios, carregando metais pesados até o Rio São Francisco. “As zonas de autossalvamento e as manchas de inundação foram calculadas em cima do volume que há no reservatório de rejeitos. Se esse reservatório se rompe por um problema de chuvas extremas, a lama que sairá vai descer acrescida desse volume de chuvas. Ela vai ficar mais fluida, deixando as manchas de inundação mais largas, e a velocidade de descida do rejeito será muito maior”, previne Júlio.

Olhe para cima

Ao El Niño, que causou as fortes chuvas no Sul, precederá a La Niña, que deve trazer tempestades para o Sudeste no verão. Alertas como esses que deram Julio Grillo e Euler Cruz podem ser vistos como exageros. Afinal, pessoas como eles frequentemente são chamadas de “ambientalistas xiitas” ou “cientistas malucos”. No entanto, como na frase vista um dia numa manifestação, “no começo de todo filme de desastre tem cientista sendo ignorado”.

No filme “Não olhe para cima”, um grupo de cientistas alerta para um imenso meteoro que fatalmente se chocará com o planeta. Ninguém lhes dá ouvidos. Diferentemente de um pedaço de rocha atingindo a superfície da Terra e extinguindo a vida em instantes, a destruição causada por crescentes eventos climáticos nos empurraria para um fim que levaria décadas, durante as quais passaríamos anos tentando negar o inevitável. Adaptar-se à emergência climática e proteger o meio ambiente é uma decisão urgente. Tomemos essa decisão enquanto há tempo.

Léo Boi
Luiz
Maia 23
Em 2020, enchente inundou a Avenida Tereza Cristina, em BH. Naquele janeiro choveu 974 mm, o mês mais chuvoso da história da cidade.
Minas tem 260 barragens de rejeito cadastradas na FEAM, como a de Maravilhas II, em Itabirito.

Historicidades de encher a boca

Os muitos sabores do Rio das Velhas

Texto: João Alves

Das nascentes, que estão localizadas dentro do Parque Municipal Cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto, ao deságue no Rio São Francisco, no distrito da Barra do Guaicuí, em Várzea da Palma, os sabores que são praticados ao longo da bacia do Rio das Velhas são muitos. E, sem dúvidas, o território é um recorte significativo para compreender a gastronomia mineira.

Com muitas cores, texturas e aromas, a gastronomia mineira remonta aos tempos coloniais, influenciada pela miscigenação de povos indígenas, africanos e europeus. Dos quitutes simples aos pratos mais elaborados, cada um desses sabores são carregados de tradições, histórias e dedicação. Dessa forma, iremos conhecer quais são as comidas que não só marcam a bacia, mas também reforçam a identidade de um povo mineiro diverso, banhado pelas águas do Rio das Velhas.

Robson Oliveira
De origem inglesa, a Queca é um bolo trazido à Nova Lima na época da migração e exploração do ouro, e tornou-se culinária tradicional entre os nova-limenses.

A arte doceira

No Alto Rio das Velhas, a poucos quilômetros da nascente, está localizado o vilarejo de São Bartolomeu, em Ouro Preto. Com o nome do padroeiro dos padeiros, dos alfaiates e das profissões de manufatura, São Bartolomeu é um polo de produção de deliciosos doces artesanais, muitos deles produzidos em tachos de cobre e fornalhas a lenha.

Há 44 anos, em 1980, a educadora, ativista ambiental e doceira, Pia Guerra, chegava a São Bartolomeu. Com o intuito de viver uma vida mais tranquila e rodeada de natureza, ela e o marido escolheram o vilarejo como novo lar. Pia, que já havia herdado de seus avós técnicas de produção familiar, já produzia alguns produtos, mas nada como os doces da região. Foi com a Dona Maria do João da Costa, uma das doceiras mais antigas do distrito, que Pia aprendeu a arte doceira do vilarejo e se consagrou também como uma das guardiãs da cultura gastronômica de São Bartolomeu.

“O primeiro doce que eu fiz foi o de figo, porque eu o tinha plantado na fazenda. A partir do doce de figo, passei para a goiabada, pessegada, laranjada, doce de mamão, de cidra, e assim fui observando o potencial agrícola que os frutos de São Bartolomeu possuem”, comentou Pia Guerra.

O potencial e a arte doceira do distrito são seculares.. Durante o século 18, quando a cidade de Ouro Preto ainda era chamada de Vila Rica (1711-1823), São Bartolomeu serviu como o celeiro de abastecimento de verduras e frutas da cidade, justamente porque os fazendeiros e proprietários da época plantavam as suas culturas à beira do Rio das Velhas. A produção desses doces provém da necessidade de conservar açúcares e frutas durante o ciclo do ouro no século 18 e 19, método para driblar a fome durante os longos períodos de viagem. Por conta dessa forte influência e tradição, desde 2008, os doces artesanais do distrito são reconhecidos como Patrimônio Imaterial de Ouro Preto.

A educadora Pia Guerra reforça que todos os doces feitos são de frutas nativas da região, e que muitas das receitas foram aprimoradas por meio da observação e sustentabilidade. Após uma tempestade derrubar praticamente todas as mangas da árvore em seu quintal, ela e seu filho criaram a Geleia de Manga Verde com Gengibre. “Eu colhi uns 20 baldes de manga verde. Então nós preparamos e transformamos essa manga em uma geleia e, depois, agregamos um pouquinho de gengibre. No final, a geleia tinha o azedinho da manga verde e o picante do gengibre. E com isso nasceu a geleia de manga verde com gengibre”, contou.

Pia Guerra demonstra um profundo amor pelos doces caseiros e pelo Rio das Velhas. “Se não fosse esse rio, esse pequeno arraial, distrito de Ouro Preto, nem existiria. O Rio das Velhas nos trouxe esses sabores, essa mata, esse ar puro e essas frutas que têm aqui. Então, eu o agradeço, por poder receber da mãe natureza todas essas dádivas, que em minha mão transformo em deliciosos doces para as pessoas”.

Produção dos doces nasceu da necessidade de se conservar açúcares e frutas, ainda durante o Ciclo do Ouro.

Pia Guerra é uma das produtoras do tradicional doce produzido em tachos de cobre, em São Bartolomeu.

O tradicional pastel mineiro

Pertinho dos doces, ali, em Itabirito, a 49 km da nascente do Rio das Velhas, o aroma dos Pastéis de Angu convida os visitantes a experimentar essa receita tradicional da região. Como grande parte da comida mineira, o pastel de angu tem sua origem no período da escravidão, no final do século 19, nas fazendas onde os escravos escondiam os restos de carne dos senhores em bolinhos de fubá, para consumi-los posteriormente nas senzalas.

Com o passar do tempo, a receita ganhou popularidade e diversas adaptações. Hoje, a região de Itabirito é conhecida por preservar a tradição na preparação dos deliciosos pastéis de angu, ainda hoje sinônimos de resistência.

João Alves
Ane Souz
Ane Souz

Sabores de um Brasil monarca

O segundo e último monarca do Império do Brasil, Dom Pedro II (1825-1891), realizou, em 1881, uma viagem de 36 dias pelas regiões do Quadrilátero Ferrífero, Campo das Vertentes e Zona da Mata. Incursão essa que despertou tradições, histórias e sabores, sendo eles as quecas, bolos de frutas cristalizadas e as lamparinas, doces de cocos.

Na época, durante o século 19, Minas Gerais já era um importante polo de exploração de ouro e metais, e Dom Pedro II planejou passar por diversas cidades que tivessem esses minerais na rota. E devido à histórica mina de ouro de Morro Velho, em Nova Lima, o monarca separou alguns dias para desembarcar na cidade.

Entre a população, os Christmas Cake, ou melhor, em abreviação mineira, as quecas, já marcavam o paladar da época, principalmente durante o Natal. Devido aos ingleses terem assumido a administração da mina Morro Velho, por volta de 1835, muitas mulheres novalimenses, que trabalhavam nas casas dos empresários, aprenderam a receita que até então era feita pelos ingleses na época de Natal. Ao observar e aprender a receita, essas mulheres começaram a repassá-la para vizinhos e amigos. Quem conta essa história é Vera Lucia Rocha, quequeira, mantenedora da tradição e da receita de quecas e lamparinas da região de Nova Lima.

“É um bolo com frutas cristalizadas, castanhas, nozes e finalizamos com conhaque. É uma herança inglesa deliciosa. Contudo, as famílias inglesas utilizam uma castanha própria que era importada, e como as mulheres não tinham acesso a esses frutos, as receitas passaram a utilizar as que tínhamos aqui no Brasil. O tempo passou, as receitas se consolidaram e, hoje, os Christmas Cake (Bolo de Natal) são quecas. Demos uma mineirada na palavra e virou patrimônio da cidade de Nova lima”, conta.

Se as quecas já são bons exemplos de miscigenação entre as culturas e a gastronomia inglesa e brasileira, o docinho de coco, lamparina, é um outro caso de mistura de sabores entre Brasil e Portugal.

Devido à visita de Dom Pedro II, toda a comunidade de Nova Lima passou a se preparar para receber o monarca. Conta-se que, entre elas, existia uma francesa, dona de uma pensão, que ficou muito entusiasmada com a visita e decidiu elaborar uma receita que se assemelha ao pastel de Belém, doce bastante tradicional de Portugal. Assim, com doce de coco, massa folhada e creme de ovos, a francesa criou este doce, que até então não tinha um nome.

Vera Lucia Rocha dá detalhes. “Na época, não havia energia elétrica. Então, a francesa, após servir o jantar, pegou essa sobremesa, e antes de Dom Pedro ir para o quarto, colocou um pavio no meio do docinho e acendeu. Ele pegou, admirou e foi para o seu quarto. Chegando lá, Dom Pedro II apagou o pavio, comeu o docinho e foi dormir. No dia seguinte, ele elogiou bastante o doce e deu a ele esse nome: lamparina”, explicou a quequeira.

Hoje, tanto as quecas como as lamparinas são importantes pratos da região que mantém toda uma tradição e cultura, na qual o ciclo do ouro, o Império brasileiro e o Rio das Velhas se entrelaçam tornando, assim, cada sabor especial.

Lúcia Rocha (2ª da dir para a esq) compõe coletivo de

Robson Oliveira
Robson Oliveira
Também sob influência da visita de Dom Pedro a Nova Lima, a lamparina popularizou-se no município.
Vera
produtoras de queca em Nova Lima.

O Ouro Negro de Sabará

Fundada em 1674, a cidade de Sabará mexeu com a imaginação dos colonizadores e forasteiros pela lenda de Sabarabuçu, uma mítica serra de pedras preciosas e esmeraldas, que um dia haveria de ser encontrada. Apesar de ser apenas uma lenda, a cidade de Sabará foi um importante polo de ouro e outros metais. Contudo, a exploração de ouro diminuiu significativamente e a região passou a ter o minério de ferro amplamente explorado. Mas através do tempo, entre as lendas, minérios e pedras de Sabará, um outro tipo de “ouro” sempre teve a atenção popular: o “ouro negro” em formato de fruta, a então jabuticaba.

Moradora de Sabará, Dirleia Peixoto conta que essa paixão pela fruta e pelas receitas foi algo que herdou de sua mãe, já que ela inventava pratos com jabuticabas de todos os tipos. “Minha mãe fazia naquele fogão à lenha, pegava as jabuticabas e, ao invés de fazer receitas com uvas passas, fazia com jabuticaba. A farofa era uma delícia. E tinha o licor também, sempre tomávamos na época de Natal e Ano Novo, mesmo que um pouquinho. A jabuticaba sempre esteve presente na minha casa.”

Com a influência da mãe, Dirleia passou a experimentar novas receitas até então inusitadas, como, por exemplo, a Amarucaba, um licor cremoso de jabuticaba. “E naquele tempo a gente ficava com essa coisa de tomar batida. Então coloquei leite condensado junto ao licor de jabuticaba”. Além disso, a moradora relembra os dias felizes em que a família se reunia para comer peixe, pescado no Rio das Velhas, com geleia temperada de jabuticaba. “Meu irmão ia lá no Rio das Velhas, pescava um bagre e levava para minha mãe fazer. Comíamos com chutney, uma geleia de jabuticaba agridoce. E isso me dá água na boca, sabe? Quando eu penso nesse passado”.

Quando pensa no rio, Dirleia é saudosa e agradecida. “O Rio das Velhas para nós é um marco em nossa vida. A gente tem muita gratidão por esse rio existir aqui em Sabará e prestar grande serviço à toda a região.”

Nacionalmente, Sabará é conhecida hoje como a cidade da Jabuticaba e, desde 1987, é realizado o famoso Festival da Jabuticaba de Sabará. Em 2008, o festival foi tombado pelo Patrimônio Histórico-Cultural e o “ouro negro”, a jabuticaba, alcançou o status de patrimônio imaterial da cidade e região.

Robson
Oliveira
Jabuticaba é reconhecida como Patrimônio HistóricoCultural de Sabará.
Produtora Dirleia Peixoto diz ter herdado paixão pela fruta de sua mãe.

A tradição da pesca

Palco de diversas expedições e personagens históricos, como a expedição do naturalista Peter Wilhelm Lund (1801 - 1880), e a já citada viagem de Dom Pedro II (1825-1891) por Minas Gerais, o Rio das Velhas também é o cenário de vivências ordinárias, experiências que definem e marcam todo um povo. Esse é o caso do comerciante aposentado e pescador, Eustáquio Gomes da Costa.

Nascido em Corinto e criado próximo às margens dos afluentes e do próprio Rio das Velhas, Seu Eustáquio é um pescador que vê no reflexo das águas a sua própria história. “A minha relação com o rio existe desde quando eu era menino e ouvia a lenda do Caboclo d’Água, e morria de medo de pescar porque eu achava que tinha o tal caboclo lá, mas era uma mentira, era simplesmente folclore. Mas meu pai foi o primeiro pescador. Eu pescava com ele entre Curvelo e a Barra do Guaicuí, nos Rios Paraúna e Cipó”, contou.

Enquanto gravava, Seu Eustáquio batia os dedos na mesa e refletia sobre a sua história, e contava sobre as suas vivências, como a vez em que o seu amigo pegou um “moleque”, forma de chamar os peixes surubins, extremamente grande e pesado. “Toniquinho, um velho pescador amigo, que já morreu, pegou um surubim de 55kg. Mas ali, na Barra do Guaicuí, existiam muitos barcos e embarcações onde o pessoal pescava bastante. Comprei muito dourado na mão de barranqueiras e pescadores”.

Mas, além de pescar, Seu Eustáquio é também um cozinheiro de mão cheia. Ele diz que aprendeu tudo com os seus pais, já que eles traziam sempre um peixinho para casa. Tal herança cresceu e se espalhou, inclusive entre os amigos que pescavam no rio. “Pescar? Eu pesquei pouco, mas eu ia para as pescarias como o cozinheiro oficial. Os outros iam pescar e eu ficava fazendo a comida e tomando umas cachacinhas. Aprendi a fazer peixe frito e empanado no fubá, em fogo baixo, com um “moleque” de 10, 15 ou 20 kg, ficava muito saboroso”, lembrou Seu Eustáquio.

A sua especialidade? Ensopado de dourado. Com muito entusiasmo, Eustáquio lembra, “sou mestre em fazer um peixe ensopado, com um molho cremoso de tomate, cebola, pimentão, pimenta malagueta e pimenta do reino. Essa é a minha receita mais especial. O peixe frito não sei fazer tão bem, mas os meus ensopados de Dourado, de Pacu e Pacamã são muito bons”, comentou.

Em suas falas e causos, Seu Eustáquio, com seus 75 anos de idade, demonstra extremo carinho e respeito pelo Rio das Velhas, cenário de suas lembranças afetivas, sabores marcantes e vivências inesquecíveis. “Essas receitas são tradicionais, as vezes são feitas de maneiras diferentes, mas o básico está ali. São feitas por barranqueiros e pescadores, são feitas por todo mundo que pesca no Rio das Velhas”.

Dotes culinários levaram Seu Eustáquio a se tornar o cozinheiro oficial das pescarias.

Marcelo Andrê
Àlvaro Gomes

Somos todos ribeirinhos

Texto: João Alves Mais de 30 anos em defesa do rio vivo fazem da trajetória de Marcus Vinícius Polignano uma bússola a orientar caminhos

Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas por sete anos, secretário por outros dois e atual vice-presidente do CBH do Rio São Francisco, Marcus Vinícius Polignano, professor da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e um dos fundadores do Projeto Manuelzão, sabe onde mora: “O nosso endereço na Terra não é a rua, não é o CEP, mas é o rio”.

Acompanhe a seguir, mais do que uma entrevista, uma contação de história, uma narrativa, uma interpretação do mundo do ponto de vista de quem sabe o valor dessa morada.

Por Paulo Barcala
Polignano comemora chegada da Expedição pelo Rio das Velhas ao distrito de Barra do Guaicuí, na confluência com o Velho Chico, em 2009.

Depois de tantos anos à frente do CBH Rio das Velhas, que balanço você faz e o que apontaria como os principais marcos dessa trajetória?

Eu gostaria de começar por uma reflexão mais geral sobre em que ponto a gente está na questão ambiental. Estamos num momento muito complexo da nossa história. Nunca tivemos tanta tecnologia, conhecimento e informação, mas estamos cuidando muito mal das condições naturais do planeta. Vivemos um cataclismo climático. Nesta exata hora da entrevista, temos a imagem clara de tudo que aconteceu no Rio Grande do Sul (e a gente deixa aqui a nossa profunda solidariedade ao povo gaúcho), demonstrando o quanto a gente está desregulado do ponto de vista climático e como essas coisas impactam a vida das pessoas nos mais diversos territórios e países.

Sobre marcos e balanços, essa questão dos rios comecei a trabalhar ali por 1996, quando criamos o Projeto Manuelzão. A gente percebia, então, que as águas refletiam essa dualidade de caminhos: de um lado, a gente quer e necessita de água limpa e disponível em quantidade e qualidade; mas, do outro, trabalha-se exatamente na contramão, degradando, contaminando os cursos d’água, destruindo as áreas de recarga. Por isso a gente investiu muito nessa proposta dos Comitês de Bacia como uma forma de organização cujo arcabouço legal trazia parâmetros importantes, como o que estabelecia que a água é um bem público dotado de valor econômico, que tem que ser compartilhado através da participação de todos os segmentos da sociedade em favor de uma bacia equilibrada, que abarque os usos múltiplos, dentro das possibilidades e limitações que ela tem.

A gente procurou, do ponto de vista do Comitê, realçar que o caminho passa pela participação social, e uma coisa inovadora que a gente trouxe, e que até hoje é inovadora em termos de Brasil, foi a ideia dos Subcomitês por sub-bacia. Hoje temos 21 Subcomitês no CBH Rio das Velhas, formados por pessoas de um dado território, da comunidade, dos usuários e do poder público local, para que exista essa percepção da realidade de cada lugar. Trabalhamos, ao longo desse tempo, para consolidar os Subcomitês, fazer com que eles pensassem em projetos locais, em mobilização e articulação, atuassem pela revitalização e pela proteção de nascentes, pela recuperação de áreas degradadas, mapeando áreas prioritárias para conservação, fazer planos de saneamento, ação fundamental dada a escassez de recursos dos municípios, e o CBH Velhas fez mais de 20 planos para os municípios, possibilitando-lhes um instrumento legal para

Como ampliar a percepção popular sobre a questão hídrica e ambiental e atrair apoio para as medidas que se tornam cada dia mais urgentes?

Fomos o primeiro Comitê a estabelecer uma estratégia para a revitalização. Em 2005, após a grande mobilização da Expedição 2003, criamos a meta de nadar, pescar e navegar no Rio das Velhas até 2010 – algo totalmente audacioso, mas a gente sabe que, se tivéssemos feito tudo que estava previsto, teríamos alcançado essa meta. É inegável, porém, que tivemos resultados que dificilmente alcançaríamos sem essa estratégia. A Estação [de Tratamento de Esgotos] do Onça foi construída em tempo recorde. A gente não conseguiu nadar, evidentemente, porque não conseguimos interceptar todos os esgotos, mas você imagina que uma capital que não tratava nem 10% do seu esgoto passou a tratar de 60 a 70%. Isso significou a volta dos peixes, que foram como que um símbolo de que é possível a humanidade reverter processos de degradação.

Através da comunicação, procuramos socializar a informação e motivar as pessoas. Independente do ponto do rio em que elas estejam, somos membros de uma grande família chamada Rio das Velhas, e o Velhas reflete a complexidade e a capacidade de resposta de cada um dos seus afluentes. Além do mais, o Rio das Velhas não morre em si mesmo, ele é São Francisco, ou seja, o que fazemos aqui é uma mensagem que a gente leva para o Rio São Francisco. Esse movimento chamado “Eu viro carranca para defender o Velho Chico” [campanha institucional do CBH do Rio São Francisco] é exatamente para que todo mundo sinta que tem um endereço na Terra que não é a rua, não é o CEP, mas é o rio. Somos todos, vamos dizer, ribeirinhos, e fazemos parte da família são-franciscana e, mais especificamente, do Rio das Velhas.

A gente sempre realçou a visão de que Comitê de Bacia é para trabalhar com rio vivo, um rio que tenha não só a capacidade de abastecer, de servir aos vários usos para o ser humano, para os animais, para a indústria e a agricultura, mas que também seja vivo na sua biodiversidade, que tenha peixe, vida aquática, e que também seja um lugar de lazer, onde seja possível nadar, pescar, navegar.

Polignano ao lado de outras lideranças do Projeto Manuelzão, que ajudou a fundar no final dos anos 1990.

Você já tem planos para depois desse mandato de vice-presidente do CBH do Rio São Francisco?

Eu acho que tem que ir construindo a vida como ela é. Às vezes se tem essa prepotência de dizer: “Olha, vamos mudar o rumo da história, amanhã estaremos noutro patamar, noutra situação”. Uma coisa é certa: vamos continuar na nossa plataforma de lançamento, o Projeto Manuelzão, que é onde a gente acumula, reflete, tem liberdade para pensar, refletir e se posicionar sem as limitações que às vezes a representação institucional impõe.

No CBH do Rio São Francisco tem sido esse trabalho de buscar fortalecer [a proteção do patrimônio hídrico] num momento muito difícil, em que a gente sempre está às voltas com projetos tramitando no Congresso Nacional que tentam minar as políticas das águas, as áreas de proteção e até o financiamento dos projetos de revitalização.

Eu acho que o projeto que a gente tem e sempre teve nunca foi personalista. A perspectiva é trabalhar pelo bem coletivo e da melhor forma possível, e isso depende de cada momento, de cada situação, de como você vai poder contribuir. Não é construção de projeção pessoal, é a projeção de um futuro melhor, seja para a bacia do Velhas, seja para a bacia do São Francisco ou do ambiente todo. Essa perspectiva não é pessoal, é uma construção política de processos.

Os Comitês cuidam da gestão das águas, mas o uso e ocupação do solo ficam a cargo do município e o licenciamento por conta do estado. Como é possível superar essa dispersão?

A gente consegue fazer uma coisa que a natureza não consegue, que é compartimentalizar o mundo, separar solo de rio, vegetação de água, passarinho de natureza. A natureza não é assim. Quando aquece a água do Pacífico, isso provoca uma distorção climática no planeta inteiro.

“ “

O Rio das Velhas não morre em si mesmo, ele é São Francisco, ou seja, o que fazemos aqui é uma mensagem que a gente leva para o São Francisco

Tem coisas que efetivamente não estão sob o domínio do poder humano e uma delas se chama clima. O que nós temos controle é exatamente sobre aquilo que a gente deve fazer para entrar num caminho da resiliência. O grande desafio sempre foi fazer com que isso se traduza em políticas públicas. Porque nós temos uma limitação: se a Lei nº 9.433/97 permitiu que o Comitê fizesse a gestão das águas, e para isso previu o Plano [Diretor] da Bacia, o Enquadramento, as Outorgas e a Cobrança [pelo Uso da Água], por outro lado a bacia hidrográfica não é simplesmente água –ela é água e todo o conjunto de terras por ela drenadas. Ou seja, você tem aí uma questão de dominialidade do solo. A questão do uso e ocupação do solo está no Plano Diretor dos municípios, e é fundamental que essas coisas dialoguem entre si.

Às vezes o Comitê determina suas prioridades de uso e produção de água e os Planos Diretores [municipais] caminham na direção oposta. Você define, por exemplo, que determinadas regiões teriam que ser protegidas porque são APPs [Áreas de Preservação Permanentes], como as margens dos rios urbanos, as nascentes etc., e o que a gente assiste é que os Planos Diretores desconsideram quase qualquer questão em relação às águas e produzem efeitos absolutamente desastrosos, como a canalização em massa, sem critérios. Isso traz efeitos como o aumento da força e da velocidade, o que provoca esses impactos relacionados às inundações. E nisso o Comitê não tem dominialidade, então cria uma frustração. Tem que entender também que licenciamento ambiental e outorga têm que caminhar juntos. Você não pode autorizar empreendimentos que demandam extrema quantidade de água em lugares que já tem alta demanda. Isso é estupidez, e vai dar conflito com certeza! Não faz o menor sentido separar gestão hídrica e gestão ambiental. As ferramentas até existem, mas elas não se comunicam politicamente, não existe interesse que elas se comuniquem. E aí, é como diz aquela história: quem semeia vento colhe tempestade.

Boca dos Olhos
Presidente do CBH
Rio das Velhas por sete anos, Polignano agora é vice do CBH do Rio São Francisco.

Como aliviar essa situação de tensão hídrica e ambiental de BH e Região Metropolitana?

A humanidade que destrói é também a humanidade que pode reverter isso. Basta um ato político, deputados dizendo: “Tais e tais áreas são de preservação permanente, ponto”. Pela própria lei ambiental já deveriam ser automaticamente preservadas. Mais do que obras, a vontade política pode ter um resultado para o futuro muito mais direto e definitivo. Se definirmos que o Gandarela vai ser uma área de servidão ambiental permanente, acabou! Ali não se pode fazer esse tipo de exploração porque é uma área que tem condições excepcionais para ser um Patrimônio da Humanidade. Há quanto tempo estamos pedindo o tombamento da Serra do Curral, exatamente pela preservação de áreas de enorme potencial, tanto do ponto de vista de recarga para a bacia, quanto de amortecimento dos efeitos da chuva!?

Temos que pensar a cidade em convivência com o ambiente natural. Esse modelo de cidade toda asfaltada, cimentada, concretada, não serve. A China, que com razão foi muito criticada por sua carga poluidora muito pesada, tem procurado mostrar alternativas como as chamadas cidades-esponja, que se adaptam a essa questão da água, de resiliência à água, porque o que a gente precisa é ter resiliência e não resistência à água. Nós construímos cidades com fobia de água, que impermeabilizam tudo, aumentando a força da água.

Eu diria que, na maioria das vezes, a ação política, em sentido amplo, tem um poder destruidor muito maior do que qualquer outra ação. Você permite ao cara desmatar 1 mil hectare de Mata Atlântica e depois fica sugerindo aos cidadãos que plantem uma árvore. Não tem matemática que feche essa conta. Saber o que pode e o que não pode ser feito, onde se pode ter uma certa atividade e onde não se pode são critérios que a sociedade tem o direito de escolher e, os políticos, o dever de executar. Culpar a natureza pelas tragédias é ocultar o poder de fogo que esses poderes têm sobre os ambientes naturais. O modelo de cidade que nós temos é do tamanho da cabeça que a gente tem, da mentalidade que a gente tem. Se o rio é esgoto, é porque nós fizemos isso. Se inunda, se destrói, é porque nós fizemos. Sem mudança de mentalidade não tem civilização que sobreviva.

É preciso redesenhar a cidade e, para redesenhar a cidade, temos que redesenhar a cabeça dos homens. “ “
Robson Oliveira
Tombamento da Serra do Curral é uma das bandeiras do professor da UFMG.

A gente consegue fazer uma coisa que a natureza não consegue, que é compartimentalizar o mundo, separar solo de rio, vegetação de água, passarinho de natureza.

Ainda dá tempo de acreditar no futuro?

A gente está gastando por conta o nosso cheque especial. Há quem diga que passamos do ponto possível de reversão. E o que é pior é que as políticas continuam indo para cima de territórios que são áreas de recarga, que são áreas verdes – a gente está destruindo por conta sem saber o futuro que nos espera. Você imagina, além de todo o sofrimento do Rio Grande do Sul, os prejuízos de toda ordem, físicos, de capacidade de produção, do quanto as pessoas perderam, perde empresa, perde o pequeno, perde o cara as poucas coisas que construiu durante uma vida. Então, nós não podemos submeter todos a esse risco. Nós já tivemos aqui, em vários anos, enchentes no Velhas que também provocaram sérias perdas e consequências. Enquanto a gente continuar brigando com a natureza, não respeitando aquilo que lhe é próprio, a gente vai sofrer muito duramente as consequências dessa falta de compreensão.

Conflitos, porém, geram oportunidades. Por exemplo, até há pouco não se tinha nenhuma alternativa ao combustível fóssil. Era petróleo e petróleo, todos os carros a petróleo. Agora você tem toda uma disputa comercial mundial por motores que tenham outro tipo de funcionamento, elétricos ou híbridos, e agora até a hidrogênio. Isso é para dizer que a espécie humana tem capacidade intelectual e tecnológica de fazer com que as coisas sejam possíveis, no sentido da transformação. Não existe a impossibilidade de que se evolua, mas volto a insistir: nada substitui a necessidade básica de preservação da natureza. Nada substituirá o que a biodiversidade faz pelo planeta, o que as áreas verdes produzem. É bom lembrar que toda a nossa capacidade de descarbonizar vem, na verdade, de um processo básico que é a fotossíntese que as plantas fazem sem cobrar, de uma forma automática. Nós temos que entender que a natureza cumpre funções absolutamente essenciais ao funcionamento desse grande, vamos chamar assim, empreendimento chamado Planeta Terra. Se você for pensar até do ponto de vista do capital, a Terra é um grande empreendimento, um empreendimento fantástico que deu certo sem o homem, não dependeu de um dedo do ser humano, e agora o ser humano está fazendo uma força colossal, num período mínimo de 100 anos, para destruir o que levou milhões de anos para ser feito.

Mandatos de Polignano no CBH foram marcados pela defesa de um uso e ocupação do solo mais inteligentes, saneamento para todos e contra o avanço da mineração em áreas de preservação.

Robson
Oliveira
Ohanna Padilha
Marcos Neves

Marinho, Zé Curupira e Parangolé

Marinho, Zé Curupira e Parangolé é um livro escrito por Chiquinho de Assis, ilustrado por Anna Göbel, originalmente publicado em 2023, pela Mazza Edições.

Chiquinho de Assis

Vivo entre as montanhas e florestas de Ouro Preto, Minas Gerais, região que produz água para o Rio São Francisco e para o Rio Doce. Sou músico, compositor, professor, rabisqueiro, produtor cultural, brigadista florestal e ambientalista. Sempre gostei de ouvir histórias e de contar também; meus primeiros ouvintes sempre foram meus filhos Júlia, Aurora, Rufo e Flora. Este é meu primeiro conto infantil.

Anna Göbel

Nasci na Espanha, de família alemã, criada entre a Alemanha e a Argentina, e estou morando desde 1995 no Brasil, em um sítio na Mata Atlântica, em Minas Gerais. Já publiquei dezesseis livros e ilustrei um outro tanto, além de pintar e expor em galerias de arte e dedicar-me, também, ao muralismo comunitário com o projeto #miradasdeafeto, que está percorrendo todo o Brasil e o exterior. Tenho fé que um mundo mais pacífico, sustentável e inclusivo é possível; por isso nos momentos de crise, ilustro a esperança e, nos momentos de esperança, ilustro a utopia.

Marinho cresceu vendo o pai atear fogo no mato para fazer pasto.

Ele ficava da janela seguindo o pai com os olhos, lá longe, na mata. O mato queimando e o menino observando aquele fogaréu. No fim das contas, de tanto olhar, aprendeu. Cresceu... No mês de agosto, quando o mato estava muito seco, ele tacava fogo sem dó! De longe, escutava-se aquele “tac-tac”: eram os estalos do mato chorando, dos galhos se quebrando, das árvores morrendo. Se o menino se assustava? Se chorava? Não. Pelo contrário, Marinho gargalhava. Gostava de ver aquele mundão de fumaça. Falava baixinho consigo mesmo: “Fui eu quem fiz esse espetáculo”. O fogo queimava a mata ciliar, aquela que fica de ladinho do rio. Com isso, cada vez menos a água da chuva se infiltrava no solo. Menos água para as nascentes, para os córregos e para os rios. Mesmo assim, ele não parava. Quanto mais o menino crescia, mais perdia o controle sobre as queimadas.

Marinho tinha como vizinho Zé Curupira. Um jovem moço que ganhou esse apelido justamente por ser como o Curupira, um protetor da floresta. Zé Curupira era da roça, um homem do mato que defendia o seu lugar. Ele sempre dizia ao Marinho:

O fogo que nos aquece e prepara os alimentos, pode ser também o que vai nos deixar sem água e sem comida.

Vai acabar com a casa dos animais e nos tirar a sombra que nos protege do sol forte. Mas não adiantava, Marinho seguia ateando fogo.

Eis que andava por aquela floresta um macaco diferente, que começou a se fazer notado, arrastou galhos e subiu para as copas das árvores. Marinho sentiu que aquele som era novo, não estava apenas ouvindo os estalos da mata chorando, sentia que havia alguém ali com ele. Bateu o desespero.

Marinho gritava: – Quem está aí, quem está aí?

O macaco atirou um galho de graveto. Desorientado, Marinho foi andando de costas. Com muito medo, não esperava que haveria no caminho um grosso galho de uma árvore derrubada recentemente por um lenhador. Foi assim que uma árvore derrubada derrubou Marinho. O terror estava se aproximando. Ele começava a ficar refém do perigo que causou durante anos a tantos animais. Que ironia! Dessa vez, quem estava em perigo era o nosso vilão, provando do próprio veneno.

Um certo dia, como que numa armação dos espíritos da floresta, Marinho entrou numa mata muito grande, pronto para fazer o que já estava acostumado. Juntou um punhado de mato seco debaixo de árvores de madeira-de-lei, daquelas que queimam por dois dias sem parar.

Queria produzir brasa boa, fazendo da floresta o seu fogão, cozinhando as árvores e os animais que ali moravam.

Pegou seu isqueiro de estimação e juntou mais galhos, tinha consigo até pastilhas de gel para garantir o sucesso do fogo. Riscou o isqueiro e o fogo veio, começou a subir depressa, a fumaça esbranquiçando o lugar, o cheiro ficando forte, os olhos lacrimejando, o caos anunciado. O coração de Marinho já vibrava disparado, era aquela adrenalina do perigo e do prazer.

O macaco, batizado de Parangolé, havia fugido de um circo onde fazia trabalhos forçados. E por ele estar ali, naquele dia, naquele instante, naquele momento, a nossa história se transforma... Parangolé agarrou Marinho pelos pés e saiu arrastando-o. Foi quando começaram a chegar os brigadistas para combater as chamas.

No meio da travessia, não é que o Marinho acordou?

Com dificuldade, tentava entender o que se passava. Ele esfregou os olhos, ainda tossindo, e se deparou com um macaco que o puxava, arrastava-o pelo pé estrada afora.

Marinho foi se levantando, titubeando e, para surpresa geral, pegou um chicote à beira da estrada e também começou a combater as chamas, chorando.

Naquele dia, Marinho aprendeu que tinha muito mais para oferecer.

Agradeceu pela sorte que teve. Quando viu um tamanduá morto, todo queimado, chorou profundamente. Viu, com surpresa e gratidão, o valente macaco Parangolé apagando o fogo. Graças a um macaco, havia saído da morte para a vida naquela tarde. Marinho soluçava, entendendo o seu crime e desejando perdão. Algo de novo acontecia no seu coração, ele estava se transformando.

Marinho foi um menino que cresceu aprendendo a coisa errada.

Marinho foi procurar Zé Curupira. Disse que se via como um bandido, mas que, de agora em diante, não queria mais ser assim, queria ser brigadista. Zé Curupira o abraçou. Com um arrependimento tão grande, Marinho jurou que iria fazer todos os cursos de proteção ambiental, de brigadista, de protetor da natureza. Zé Curupira o ajudou.

Hoje todos o chamam de Marinho da Brigada.

Dizem por aí que o macaco Parangolé vai sempre visitá-lo. Tem gente que fala que os dois conversam por horas a fio. Não se sabe se é verdade, não se sabe se é mentira.

Mas, por sorte, teve uma oportunidade na hora certa e conseguiu se transformar. De destruidor da floresta, virou seu protetor. E como ninguém faz nada sozinho, hoje Marinho, Zé Curupira e Parangolé estão sempre prontos para agir. Como protetores das nossas matas.

Água para produzir, cobrança para preservar

Como instrumento democrático, a Cobrança pelo Uso da Água abre caminho para que todos tenham acesso à água

Texto: Leonardo Ramos

Em Caeté, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), na zona rural, nasce o Ribeirão Ribeiro Bonito. O curso d’água passa por diversas propriedades até chegar à Horta do Milton, onde é responsável por irrigar alfaces, brócolis, almeirões entre outras hortaliças que abastecem os mercados da capital. Ali, Marcelo, Ruth, Milton e Maria usam a água da microbacia do Ribeiro Bonito para produzir alimentos indispensáveis para a população do entorno. Sem a água do ribeirão, a Família Nunes não poderia produzir. “Na minha produção rural, a importância da água é total, porque, sem ela eu não consigo produzir. Diferentemente de outros cultivos que podem ser regados pela chuva, eu tenho que irrigar realmente todos os dias”, conta Marcelo Nunes, um dos proprietários.

Águas da microbacia do Ribeirão Ribeiro Bonito ajudam a irrigar a produção da Horta do Milton, em Caeté.

No entanto, a água é, em muitos lugares, um recurso escasso. A Lei nº 9.433, de 1997, dispõe, em seus fundamentos, que a água é um bem de domínio público, um recurso natural limitado e dotado de valor econômico. Nesse sentido, a lei instituiu uma série de instrumentos para a Política Nacional de Recursos Hídricos e, entre eles, está a Cobrança pelo Uso da Água. Esse instrumento visa reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água; e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Isso significa que usuários da água que possuem outorgas de usos significantes pagam por esse uso, e os recursos obtidos retornarão a eles em forma de diversos projetos de preservação e recuperação hidroambiental, ações de educação ambiental entre outros benefícios.

A Família Nunes conhece bem esse instrumento. A Horta do Milton fica localizada na única região da bacia do Rio das Velhas onde foi decretado o conflito pelo uso da água – o que significa que a demanda por água na região é maior do que a disponibilidade de recursos hídricos. Na microbacia do Ribeirão Ribeiro Bonito, a outorga é coletiva, e os usuários precisam lidar de maneira também coletiva com a escassez de água: o uso racional do recurso hídrico é essencial para que todos os usuários da região tenham acesso à água para seus múltiplos usos.

Consciente dessa realidade, a família implementou uma série de ações para reduzir o uso da água. “Aqui nós estamos numa região de conflito pelo uso da água, ou seja: pouca água para muitos usuários”, conta Marcelo. “Então, para conseguirmos continuar com a nossa produção, tivemos de adaptar bastantes coisas, que aumentaram a nossa eficiência, e tivemos de diminuir o uso da água. Nós mudamos o nosso manejo, fomos atrás de novas tecnologias, reduzindo o desperdício na tubulação a quase zero. Com isso a gente reduziu, em média, em 50% o uso da água”, celebra.

Léo
Boi
Produção de hortaliças ocorre em área onde há conflito pelo uso da água.
Para Marcelo Nunes (de chapéu), Cobrança pelo Uso da Água é essencial e se reverte em benefícios aos próprios produtores rurais.

Cobrança para preservar

A Horta do Milton pôde ver de perto o retorno e os benefícios gerados com o pagamento da Cobrança pelo Uso da Água. Com o apoio do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, foram construídas uma série de estruturas, como barraginhas e curvas de níveis, além de cercamentos de nascentes, que contribuíram com o aumento da disponibilidade de água na região – tudo com os recursos provenientes da cobrança. “O pagamento pelo uso da água, do meu ponto de vista, é essencial, porque graças ao CBH Rio das Velhas conseguimos fazer mudanças nas nossas propriedades: fizemos barraginhas, curvas de níveis… tudo com auxílio do Subcomitê [Rio Taquaraçu]”, comemora Marcelo.

Ele também reflete sobre o bem-estar coletivo proporcionado pelas ações. “Aumentou bem a nossa água. Não para a gente, mas para os vizinhos, porque produzimos a água mesmo para os vizinhos e se todo mundo fizer isso, a água vai aumentar para todo mundo. Se a gente pensar no coletivo, não vai faltar água para ninguém. Então, com a cobrança, foi possível fazer vários programas”, conclui.

No entanto, há uma preocupação. Nem todos os usuários que precisam pagar estão adimplentes com essa contribuição para o bem comum. Na bacia do Rio das Velhas, segundo Thiago Santana, Diretor de Gestão e Apoio ao Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos (DGAS) do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), a inadimplência quanto a esse instrumento de gestão dos recursos hídricos apresenta tendência de crescimento ao longo dos anos desde 2018. “De modo geral, a taxa de inadimplência se manteve abaixo de 1% até 2018, a partir de quando começaram a subir, seguindo o mesmo padrão observado para as demais bacias. Não se sabe a razão para esse aumento, após anos de estabilidade”, alerta Thiago.

Segundo o órgão, em 2023, o valor cobrado na bacia do Rio das Velhas foi de R$ 12,2 milhões. Desse montante, R$ 3,4 milhões (28%) não foram pagos pelos usuários. Esse valor de inadimplência corresponde a 66% do número de outorgas concedidas pelo IGAM no ano passado. Para se ter uma ideia, desde 2011, o Comitê destinou quase R$ 71 milhões em projetos hidroambientais – apenas uma das várias ações promovidas com os recursos arrecadados. Ou seja, só nesse ano, o CBH Rio das Velhas não pôde contar com 4% do valor total investido ao longo de 13 anos.

“Em termos de valor, verificamos que a maior inadimplência se refere às finalidades abastecimento público/esgotamento sanitário. O setor de saneamento, em particular, responde por 39% dos valores não quitados na bacia. Em termos de número de outorgas, observa-se que 51% da inadimplência se refere a finalidades não especificadas no relatório e que foram agrupadas na categoria ‘outra’. Essa categoria pode incluir consumo humano, aspersão de vias, lavagem de veículos, entre outras atividades. Ressalta-se que o agrupamento é feito de acordo com a finalidade, e não com o tipo de usuário”, explica Thiago.

Ele ainda reflete sobre as causas dessa inadimplência.

“Os recursos são, em boa parte, aplicados no meio rural, porque é onde há a produção de água. Contudo, nós falhamos em levar essa informação para o meio rural. A inadimplência é um reflexo disso, dessa falha de levar informação ao produtor rural, que é o maior inadimplente em termos de volume de intervenções outorgadas. Nós temos de fazer chegar essa informação de que o recurso retorna para ele num contexto de uma segurança hídrica, da produção de água e da melhora da oferta da água daquele território”, conclui.

Thiago Santana, do IGAM, alerta para preocupante inadimplência no pagamento da cobrança.

Uma parceria de peso na Comunicação

Nesse sentido, o CBH Rio das Velhas lançou, este ano, a campanha “Cobrança pelo Uso da Água: sua parte faz falta e pode fazer a diferença”, com o objetivo de conscientizar os usuários sobre a importância do instrumento da cobrança para todos os atores da bacia do Rio das Velhas, bem como dar publicidade a todas as ações já realizadas desde 2011, quando a cobrança iniciou nesse território.

Para isso, a Comunicação do Comitê conta com uma parceria de peso – um rosto que os mineiros conhecem bem. Quem nunca o assistiu defendendo o América Mineiro, time de futebol da capital de Minas Gerais, na “bancada democrática” do Alterosa Esporte? Ou percorrendo as belezas, culturas e comidas das cidades do interior no programa Viação Cipó?

Otávio di Toledo está há 27 anos diariamente na TV aberta e, em 2020, foi o diretor do documentário “Alto Rio das Velhas: sete cidades, um destino”. Toledinho, como muitas vezes chamado, aceitou o convite do CBH Rio das Velhas para ser a voz da campanha de conscientização da importância da Cobrança pelo Uso da Água. Ele é também o rosto em diversas peças de mídia, incluindo um episódio especial da Viação Cipó para falar da bacia do Rio das Velhas e do instrumento da cobrança, que pode ser visto tanto em seu canal quanto no do Comitê.

Toledo assumiu o compromisso, como ele mesmo disse, “de coração aberto”. “Eu tenho 34 anos de jornalismo, sempre atuei muito nessa área ambiental, em prol da preservação de nossas nascentes, de nossos principais rios. Fiz um documentário sobre o Rio das Velhas, disponível em meu canal do YouTube ‘Viajando Com Toledo’, e [a parceria] foi uma comunhão entre tudo que eu penso e acredito, e o que o Comitê vem desenvolvendo. Estou muito feliz por ter sido escolhido para fazer parte dessa campanha, que, a partir de agora, faço de coração aberto!”

bit.ly/ViacaoCipoCBHVelhas

João Alves
Assista ao Programa Viação Cipó especial Bacia do Rio das Velhas. Acesse o link:
ou escaneie o QR Code
Semana Rio das Velhas 2024 promoveu sessões de cinema ao ar livre com exibição de programa sobre o Comitê e a cobrança.
Programa Viação Cipó, da TV Alterosa, abriu espaço para se discutir a Cobrança pelo Uso da Água na bacia do Rio das Velhas. Em destaque, entrevista com o representante da Copasa e membro do CBH Rio das Velhas, Nelson Cunha.

13 anos de cobrança e preservação

No programa, Toledo pôde ver de perto alguns dos resultados alcançados pelos recursos da Cobrança pelo Uso da Água.

Nesses 13 anos de implementação desse instrumento, o CBH Rio das Velhas utilizou o dinheiro arrecadado para contribuir com a preservação do lençol freático, fonte de toda água da bacia, através da construção de 5.160 barraginhas (bacias de contenção da água da chuva), além de plantar 110 mil mudas nativas em 263 hectares de área, aumentando a penetração da água da chuva no solo. Tudo isso acompanhado de proteção de nascentes e Áreas de Proteção Permanente (APPs) com quase 1 mil km de cercas, impedindo o gado de compactar a terra próximo aos olhos d’água.

Outra preocupação diz respeito às áreas degradadas. Nesses locais, voçorocas, erosões e solos impermeáveis alteram a paisagem e aumentam as possibilidades de enchentes e inundações provocadas pela cheia e assoreamento do Rio das Velhas e seus afluentes. Algumas regiões da bacia receberam 2.126 bigodes e 805 lombadas para controle de águas pluviais e mais de 800 metros de mecanismos para a contenção de voçorocas.

Áreas degradadas e secas são também locais propícios para grandes incêndios. Para isso, os recursos da cobrança pagaram a construção de 124 mil m² de aceiros de proteção contra o fogo.

Próximo a cidades grandes, como as da RMBH, os impactos ambientais provocados pela falta de saneamento básico e urbanização em encostas e nascentes são enormes. O Comitê atuou na elaboração de 28 Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs), de um total de 51 municípios da bacia, bem como auxiliou no cadastro de mais de 600 nascentes urbanas na bacia do Ribeirão Onça, em Belo Horizonte, e na revitalização de mais de duas dezenas de nascentes urbanas nas bacias dos Ribeirões Arrudas e Onça, em Belo Horizonte, Contagem e Sabará.

Para Renato Constâncio, Secretário do CBH Rio das Velhas e representante da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), a Cobrança pelo Uso da Água é um instrumento que beneficia todos os atores da bacia, incluindo os usuários do setor produtivo. “Os recursos financeiros arrecadados através da cobrança na bacia do Rio das Velhas são usados para vários objetivos: ações de comunicação, mobilização social, financiamento de planos de saneamento para vários municípios em toda a bacia, além dos projetos ambientais, que se dão através de obras. Na prática, os recursos pagos pelos usuários dos recursos hídricos são investidos em ações de revitalização e conservação das bacias, gerando água em qualidade e quantidade. O recurso pago pelos usuários volta ao setor produtivo com águas de melhor qualidade e em quantidade, o que muitas vezes pode reduzir o tempo ou os gastos com a produção”, concluiu.

5160 bacias de contenção da água da chuva foram construídas com recursos da Cobrança pelo uso da água na bacia, como esta em Baldim.

Cobrança pelo Uso da Água viabilizou diversas ações de preservação e recuperação ao longo da bacia, além de atividades de mobilização social e educação ambiental.

Assista ao Vídeo da campanha

Acesse o link: bit.ly/VideoCobranca ou escaneie o QR Code

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Fernando Piancastelli
Fernando Piancastelli
João Alves

Turismo

Ane Souz
Membros da Guarda em momento de orações para o descendimento dos mastros para o encerramento do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, em Ouro Preto.

Turismo da fé

As festividades e tradições religiosas na bacia do Rio das velhas não apenas atraem turistas e fiéis de todo o país, mas também mantêm vivas as ricas heranças culturais mineiras

Texto: Mariana Martins

Quando se fala em turismo da fé, Minas Gerais se destaca. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG), 36% dos turistas que visitam o estado têm como principal motivação conhecer locais e festas de riqueza histórico-cultural, incluindo bens e eventos religiosos, gerando uma movimentação econômica de cerca de R$ 5 bilhões por ano. Além das rotas da fé, que exploram o turismo religioso católico, o estado conta com as tradicionais festas religiosas de matriz africana, como o candombe, congado e as missas congas. Nesta reportagem, vamos destacar alguns roteiros e destinos de turismo religioso na bacia do Rio das Velhas.

O CRER (Caminho Religioso Estrada Real), maior roteiro do segmento no Brasil, abrange 38 municípios, sendo 32 mineiros e seis paulistas, ligando Caeté a Aparecida (SP). Destes, 11 municípios estão inseridos na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. Esse trajeto é uma verdadeira peregrinação de fé e devoção, passando por diversos marcos religiosos e históricos.

Em Caeté, o Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, localizado na Serra da Piedade, é um dos principais pontos de turismo religioso, recebendo cerca de 500 mil visitantes por ano. O conjunto cultural, arquitetônico e natural da Serra da Piedade, tombado nos âmbitos municipal, estadual e federal, serve como ponto de partida do CRER.

Seguindo pelo caminho, de Caeté passa-se por Antônio dos Santos e Pompéu, até chegar a Sabará, destino tradicionalmente conhecido por seus eventos religiosos. Das primeiras vilas criadas em Minas Gerais, no início do século XVIII, Sabará conserva um belo conjunto arquitetônico no seu núcleo histórico. Durante a Semana Santa e o Corpus Christi, a cidade enfeita suas ruas com tapetes de areia colorida, flores e ramagens para as procissões. A tradicional Festa de Santo Antônio na comunidade de Roça Grande é outro evento importante, atraindo devotos de várias partes do estado.

No distrito de Morro Vermelho, próximo destino do CRER, a tradição do Banho de Nosso Senhor dos Passos, realizada na Quarta-Feira de Cinzas, é um rito que data dos antepassados da comunidade. Utilizando cachaça para combater a deterioração da imagem, o ritual prepara a figura sacra para as procissões e cerimônias da Semana Santa. A mesma aguardente é reutilizada pelos devotos para curar dores.

Continuando pelo caminho, o município de Raposos, considerado uma das primeiras povoações de Minas Gerais, preserva centenárias manifestações culturais como o Congado, a Marujada, o Moçambique, a Cavalhada, as Pastorinhas, a Capoeira, a procissão das Almas e a Folia de Reis. Os eventos religiosos ganham maior relevância durante a Festa da Padroeira Nossa Senhora da Conceição, realizada no dia 08 de dezembro, e que inclui a tradicional cavalhada, reencenando as cruzadas entre mouros e cristãos. Também se destacam as festas do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora do Rosário, com a participação das guardas de Congado; a comemoração do dia de Santa Efigênia, acompanhada por sua guarda de marujos; o Jubileu de São Benedito, com a presença da guarda de Moçambique; e as solenes celebrações da Semana Santa.

O roteiro segue passando por Honório Bicalho (Nova Lima) e Rio Acima, onde se encontra o Memorial Paroquial Padre Osvaldo Carlos Pereira que possui acervo referente ao padre, peças sacras da capela original e indumentárias eclesiásticas.

Robson Oliveira
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Festa de Nossa Senhora de Nazareth, realizada há mais de 300 anos no distrito de Morro Vermelho, em Caeté.

Em Acuruí, distrito de Itabirito e próxima parada do trajeto, destaca-se a festa de Nossa Senhora da Conceição do Acuruí, celebrada entre 5 e 8 de dezembro. A celebração inclui a Alvorada Festiva, procissão motorizada, Santa Missa Solene, procissão pelas ruas e a Solene Coroação da imagem da padroeira, com participação da Corporação Musical Santa Cecília.

Sirlei Pena, moradora de Acuruí, é dona da mercearia local e coordena as atividades das duas igrejas do distrito, a de Nossa Senhora da Conceição e a de Nossa Senhora do Rosário. Com a propriedade de quem organiza a festa anualmente, ela conta que “vem pessoas de vários lugares de Minas Gerais. Vem gente pagar promessa, vem gente por curiosidade, para conhecer a bela igreja centenária. Vem gente participar dos leilões promovidos na ocasião. A festa é sempre muito povoada. Só quem participa sabe dizer o tamanho da emoção neste dia”.

Os dois últimos pontos de parada do CRER na bacia do Rio das Velhas são os distritos de Ouro Preto, Glaura e São Bartolomeu. Glaura é sede da matriz de Santo Antônio, edificada de 1758 a 1764 e que integra o grupo das grandes matrizes mineiras. São Bartolomeu festeja o seu padroeiro no mês de agosto, quando a imagem do santo apóstolo atrai romarias de diversas regiões do Brasil, com fiéis em busca dos milagres do padroeiro. Durante a festa, o profano e o sagrado se entrelaçam, com barracas de jogos e doces ao lado de vendedores de velas e terços. O pequeno povoado se enche de visitantes de todos os cantos.

Fernando Piancastelli João Alves
Moradora de Acuruí, Sirlei Pena coordena as atividades das duas igrejas do distrito itabiritense.
Santuário Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, está no alto da Serra da Piedade e dela se tem uma das vistas mais belas de todo o estado de Minas Gerais.

Tradição

Ouro Preto, um dos principais destinos turísticos do país, é conhecida por seu patrimônio histórico e religioso, além de seu estilo barroco. Durante a Semana Santa, a cidade, localizada a 100 quilômetros de Belo Horizonte, se transforma para receber visitantes de todo o mundo. Tapetes de serragem são confeccionados nas ruas para as procissões do Domingo de Páscoa, uma tradição herdada dos portugueses no século XVIII. A confecção desses tapetes começou em 1733, durante a reinauguração da matriz de Nossa Senhora do Pilar.

Já no norte de Minas, a Igreja Bom Jesus de Matozinhos, construída com enormes blocos de pedra às margens do Rio das Velhas, em Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma, é um importante marco histórico e de visitação. Documentos indicam que a construção foi iniciada pelos jesuítas no século XVII. Apesar de nunca concluída, a igreja foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

Festa do Divino Espírito Santo é celebrada em Pentecostes, em agosto, junto à Festa em homenagem ao santo padroeiro do distrito ouropretano de São Bartolomeu.

Afromineiridades

A Comunidade dos Arturos, em Contagem, celebra, no mês de outubro, a Festa de Nossa Senhora do Rosário, reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais. A festa, marcada por cortejos de Guardas de Congo, Missa Conga e uma vasta programação, é um agradecimento à santa por sua proteção histórica aos negros. A comunidade também é responsável por manter tradições como a Festa do João do Mato, a Festa da Abolição, a Folia de Reis, o Congado e a cozinha tradicional.

Na Serra do Cipó, a comunidade do Quilombo do Açude celebra o Candombe, considerada a expressão mais antiga do Congado mineiro. Realizado anualmente no segundo sábado de setembro, o Candombe atrai um grande público com seu cortejo e ritual sagrado ao som de tambus, instrumentos feitos por escravizados há mais de 200 anos. O Candombe, originário dos últimos anos da escravidão, é hoje uma manifestação de fé e orgulho, agradecendo a Nossa Senhora do Rosário por todas as bênçãos concedidas à comunidade. Um dos líderes do Quilombo do Açude e também professor de Saberes Tradicionais, Mestre Cuta, faz questão de destacar a tradição banto candobeira. “As pessoas estudam uma África europeia e precisa ser mais estudada a nossa África mineira. Minas Gerais é o berço da religião de matriz africana. Cada montanha dessa tem uma tradição de religião de matriz africana e que precisa ser olhada com mais carinho”.

Acervo Comunidade
Arturos
Acervo
Pessoal
Festa de Nossa Senhora do Rosário, da Comunidade Quilombola dos Arturos, em Contagem.
Mestre Cuta é um dos líderes do Quilombo do Açude, na Serra do Cipó.
Robson Oliveira
Tapetes de serragem dispostos no chão durante o Domingo de Páscoa, em Ouro Preto.
Morro São Sebastião, em Ouro Preto, próximo às primeiras nascentes do Rio das Velhas.
Léo Boi
Inacabada igreja de pedras de Bom Jesus de Matozinhos, na foz do Rio das Velhas, em Barra do Guaicuí: no lugar em que deveria existir uma torre vingou uma imponente gameleira.

Guardiã das águas que abastecem a RMBH

Pico Itabirito ao fundo: além do município homônimo, UTE abriga parte dos municípios de Ouro Preto e Rio Acima.

Conheça a Unidade Territorial Estratégica

Rio Itabirito, uma região prioritária para a conservação e gestão das águas

A Unidade Territorial Estratégica (UTE) Rio Itabirito, com seu centro no município de Itabirito, é um exemplo notável de engajamento comunitário e luta pela preservação ambiental. Com uma rica história, esse território se destaca por suas características ambientais, econômicas e culturais. Localizada na região do Alto Rio das Velhas, a UTE abriga, ainda, parte dos municípios de Rio Acima e Ouro Preto.

Texto: Mariana Martins
57 Robson Oliveira

Os principais cursos d’água da unidade são o Rio Itabirito, Ribeirão Mata Porcos, Ribeirão do Silva, Córrego do Mango e Córrego Bação. Além disso, o Rio das Velhas percorre 73 km dentro dos limites da UTE, desempenhando um papel fundamental na hidrografia local. As águas do Rio Itabirito fluem em direção ao Velhas, contribuindo significativamente para o abastecimento da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

A UTE Rio Itabirito abriga quatro Unidades de Conservação que, parcialmente inseridas em seu território, somam aproximadamente 9.586,49 hectares de áreas protegidas, representando 17,47% da área total. Toda a área da UTE está inserida no Quadrilátero Ferrífero, uma região considerada prioritária para a conservação devido à sua riqueza ecológica e importância ambiental.

Esse contexto destaca a UTE Rio Itabirito como um território estratégico não apenas para a conservação ambiental, mas também para garantir a segurança hídrica de uma vasta população. As ações de preservação e gestão sustentável na região são essenciais para manter a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos que abastecem a RMBH.

Córrego da Onça CórregoLuziadosSantos

rregoÁ guaSuja

Córrego Carioca

RibeirãoCarioca CórregodoBação

São Gonçalo do Monte

RibeirãoSardinh a

Ribeirão d o Si l va RioMaracujá C órreg o da Prata

São Gonçalo do Bação

CórregodasAlmas

Antônio do Leite Engenheiro Corrêa

Ouro Preto RibeirãodaPrata

MAPA DE LOCALIZAÇÃO UTE RIO ITABIRITO

LEGENDA

Rios e Córregos

UTE RIO ITABIRITO

Sede

Distrito

Itabirito

Ohanna
Padilha
Rio Itabirito é o principal afluente do Velhas na região e contribui para o abastecimento da RMBH.

Gestão compartilhada, combatividade e defesa do território

Instituído no dia 12 de maio de 2006, o Subcomitê Rio Itabirito tem desempenhado um papel fundamental na defesa da região contra empreendimentos que ameaçam a qualidade e a quantidade das águas locais e contra a ocupação desordenada de Áreas de Preservação Permanentes (APPs). Para Frederico Arthur Souza Leite, secretário de Meio Ambiente de Itabirito e coordenador do Subcomitê Rio Itabirito, além da combatividade, a principal característica do colegiado é a coparticipação de representantes das esferas pública, privada e sociedade civil. “Mais recentemente, o Subcomitê tem se destacado por seus projetos inovadores, principalmente por aqueles projetos articulados em conjunto com outros Subcomitês limítrofes, como o Nascentes”, conta.

Heloísa França, secretária-ajunta do CBH Rio das Velhas, é também integrante do Subcomitê Rio Itabirito desde 2011, como representante do SAAE (Serviço Autônomo de Saneamento Básico) de Itabirito. O engajamento dos membros e a organização do colegiado são, para ela, as características mais marcantes do Subcomitê. “Todas as propostas são trazidas para as reuniões e os debates são assíduos. Temos um grande respeito entre os membros e todos ali representados são ouvidos. Os encontros são sempre muito produtivos. Temos também um trabalho de mobilização muito bem-feito na bacia. As pessoas que participam do Subcomitê têm grande conhecimento da área, não é simplesmente um senso de preservação. Elas conhecem as particularidades da unidade territorial e de cada microbacia”, ressalta.

A luta contra empreendimentos potencialmente danosos à região é uma marca registrada do Subcomitê. Um exemplo significativo foi a tentativa de instalação de um empreendimento minerário na Serra da Moeda, próximo à comunidade de Ribeirão do Eixo. O Subcomitê, junto à prefeitura e à comunidade, conseguiu barrar o empreendimento e impulsionar a criação de uma unidade de conservação no local. Moradora da comunidade, Lucélia Maria da Silva conta que a luta foi árdua. “Na época, fizemos uma mobilização intensa, colocamos outdoors explicativos, chamamos a atenção da imprensa e realizamos vários encontros com a comunidade. Tivemos um grande apoio do Subcomitê, que mapeou as mais de 60 nascentes localizadas na região. O Projeto Manuelzão também foi peça-chave no processo e ensinou à população a importância de preservarmos as nossas águas. Com todo esse engajamento e união, conseguimos barrar o empreendimento”, relembra Lucélia.

Atualmente, o foco da luta é contra a instalação de um terminal de minério, pela empresa Bação Logística, próximo à comunidade tricentenária de São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito. Elias Costa de Rezende, morador da comunidade e membro do Subcomitê, explica que junto com o Terminal vem as estradas por onde transitam caminhões carregados de minério de várias minas e que há também um movimento das mineradoras para viabilizar uma mineração, a FLAPA Engenharia e Mineração, cujo corpo mineral está a 120 metros de profundidade, o que acarretará o rebaixamento do lençol freático. “Esse terminal de minério se encontra a montante da cachoeira Bem-Vinda, que é um atrativo turístico da região e é totalmente circundado por cursos d’água. A lama que é produzida por esse trânsito de caminhões, principalmente na época das chuvas, vai toda para esses cursos d’água, causando a degradação do Ribeirão Carioca”, ressalta Elias.

Por conta de todas essas ameaças, o Subcomitê Rio Itabirito está mobilizando esforços para proteger a região. Segundo ele, o próximo passo é um Parecer Único a ser emitido pela FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente) que pode deferir ou indeferir o licenciamento para a implantação do terminal. O prazo total para a análise do licenciamento é de até 12 meses, mas pode ser suspenso caso a Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) exija mais informações.

59 Michelle Parron
Fernando Piancastelli
Elias Rezende é uma das lideranças a lutar contra instalação de terminal de minério no distrito.
Vilarejo de São Gonçalo do Bação

Saneamento e monitoramento

A luta pela preservação e descontaminação do Rio Itabirito tem mostrado resultados promissores nos últimos anos, graças também aos esforços do SAAE. Com um sistema robusto de tratamento de esgoto, a qualidade da água do rio e seus afluentes tem melhorado, beneficiando tanto o meio ambiente quanto a saúde pública. Um dos pontos de destaque é a localização estratégica dos pontos de captação do SAAE, situados a montante de qualquer ponto de lançamento de efluentes. Isso garante que a água captada esteja livre de contaminações diretas, permitindo um tratamento mais eficiente e seguro.

Desde 2013, quando a primeira Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) entrou em operação, o sistema de coleta e tratamento de esgoto da cidade tem se expandido e se aprimorado. Atualmente, 90% do esgoto gerado na sede urbana é coletado e 79% desse esgoto recebe tratamento adequado. A eficiência na remoção de carga orgânica alcança cerca de 95%, um índice considerado exemplar.

O financiamento para a instalação, operação e manutenção desse sistema veio de recursos do governo federal, o que permitiu ao SAAE implementar tecnologias avançadas e garantir a operação contínua das ETEs. Os resultados já são visíveis em diversos pontos da cidade, onde a qualidade da água do Rio Itabirito e seus afluentes mostra sinais claros de recuperação, especialmente em relação à contaminação por efluentes domésticos.

Apesar dos avanços, ainda há desafios a serem superados. Existem áreas que ainda não estão plenamente integradas ao sistema de tratamento de esgoto. Para enfrentar essa questão, o SAAE realizou um diagnóstico detalhado da situação atual e está na fase de elaboração de projetos para a ampliação do sistema de coleta e tratamento. “O nosso trabalho é contínuo e progressivo. Estamos sempre buscando formas de ampliar a cobertura do sistema de esgoto e melhorar ainda mais a qualidade das águas do Rio Itabirito”, afirmou Heloísa França.

A questão da turbidez do Rio Itabirito é central para o Subcomitê. O grupo possui um sistema de monitoramento articulado, que emite alertas a qualquer alteração na qualidade da água. Este trabalho é crucial para manter a saúde do ecossistema local e garantir o abastecimento de água de qualidade para a população. Odilon de Lima, membro do Subcomitê e da Associação Águas do Acuruí, está à frente desse monitoramento. “Todos os meses eu colho amostras de água do rio e mando para análise, que é realizada pelo Projeto Manuelzão”, diz. Segundo ele, sempre que há alguma denúncia de irregularidade no meio ambiente, a demanda é encaminhada imediatamente ao Subcomitê, que leva ao conhecimento da Secretaria de Meio Ambiente de Itabirito, para que sejam tomadas as devidas providências.

Atualmente, 90% do esgoto gerado na sede urbana é coletado e 79% desse esgoto recebe tratamento adequado.

“Amigo do rio”, Odilon de Lima promove mensalmente coleta de amostras do curso d’água.

Hoje secretáriaadjunta do CBH Rio das Velhas, Heloísa França tem longa história de atuação no Subcomitê.

Michelle Parron
Ohanna Padilha
Paulo
Vilela
João Alves
Turbidez do Rio Itabirito é ponto central para o Subcomitê, que possui sistema de monitoramento articulado.

Secretário de Meio Ambiente de Itabirito e coordenador do Subcomitê, Frederico Leite (último à direita) destaca parcerias entre o colegiado e a prefeitura.

Ações sustentáveis

Outro destaque é o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) de Itabirito, uma iniciativa que tem gerado resultados positivos na conservação ambiental na sub-bacia do Ribeirão Carioca, afluente do Rio Itabirito. Impulsionado pelo CBH Rio das Velhas, o programa promove a recuperação de áreas e remunera o produtor rural pelos serviços ecossistêmicos que ele gera à coletividade. De acordo com o secretário municipal de Meio Ambiente e coordenador do Subcomitê Rio Itabirito, Frederico Leite, “o PSA foi um programa inovador na região do Alto Velhas O município de Itabirito criou as bases legais, com fundo próprio e transparência nas ações com a criação de Unidades Gestoras dos Programas (UGPs), para definir ações e fiscalizar os resultados dos investimentos feitos. Até o momento mais de 90 hectares foram recuperados e protegidos, beneficiando mais de 20 produtores rurais na sub-bacia do Ribeirão Carioca”.

O sucesso das políticas de PSA tem feito o modelo de Itabirito servir de referência para outros municípios na bacia do Rio das Velhas, e até fora de Minas Gerais.

Além disso, a prefeitura de Itabirito desenvolve várias ações sustentáveis, com o apoio do Subcomitê, que visam a preservação ambiental e a melhoria da qualidade de vida dos habitantes. Um dos destaques é a Virada Ambiental, ação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, em conjunto com outras secretarias, autarquias, organizações sociais e setor privado para o plantio de mais de mil mudas de ipês em um único dia. Para este ano a Virada Ambiental deverá escolher uma espécie nativa da Mata Atlântica para repetir o ato, no dia 13 de dezembro. “Estamos avançando na criação de mais dois parques urbanos: a Floresta Municipal Grota da Mina e o Parque Linear do Rio Itabirito. Esse último possibilitará a proteção e uso sustentável das margens do Rio Itabirito, desde o início da confluência do Ribeirão Mata Porcos e o Ribeirão Sardinha, até a sua foz no Rio das Velhas. Além desses, destacamos o Plano de Ação Climática e o Plano da Mata Atlântica, ambos já em andamento e alinhados com políticas brasileiras e mundiais em relação à agenda de adaptação climática e proteção a biodiversidade”, informa o secretário.

do Ribeirão Carioca é o foco do programa de PSA em Itabirito.

Alexandre
Fernando Piancastelli
Alexandre
Alves
Microbacia
Propriedade do pecuarista Ailton Faria foi cercada e recebeu o plantio de 1,7 mil mudas de espécies nativas.

Desafios e parcerias

A represa Rio de Pedras, o único barramento no leito do Rio das Velhas, é um ponto estratégico para o abastecimento da RMBH. A sua gestão e preservação são cruciais para a segurança hídrica da região. O distrito de Acuruí, embora pertencente à UTE Nascentes, é ativo nas discussões e ações do Subcomitê Rio Itabirito, reforçando a colaboração regional.

A represa já foi muito importante para a geração de energia elétrica, mas há alguns anos, devido ao assoreamento, o volume de água diminuiu muito e prejudicou significativamente essa atividade. Importante para manter a vazão do Rio das Velhas no período de seca, a represa também contribui para evitar inundações ao longo do rio no período das chuvas. Importante para o turismo local, o reservatório possibilita a realização de diversas provas esportivas e atividades náuticas.

De acordo com Raul Damásio, membro do Subcomitê Nascentes, “o assoreamento é certamente o principal problema dessa represa. Calcula-se que cerca de 80% do volume da represa esteja ocupado com resíduos sólidos provenientes de atividades de mineração e também das muitas voçorocas que são comuns neste território. Outros problemas são a falta de tratamento de esgoto em comunidades banhadas por afluentes do Rio das Velhas, como o Ribeirão Maracujá, que leva praticamente todo o esgoto do distrito de Cachoeira do Campo para o Rio das Velhas e, consequentemente, para a represa Rio de Pedras. Mais recentemente temos visto uma ocupação crescente das áreas do entorno da represa, fato este que certamente trará consequências negativas para a represa, principalmente no que se refere à qualidade das águas. O sonho das comunidades locais é que a represa seja recuperada”.

Encontro do Rio Itabirito com o Rio das Velhas, território tem 9.586,49 hectares de áreas protegidas (quase 18% da área total).

Léo Boi
João ALves
Alexandre Alves
Membro do Subcomitê Nascentes, Raul Damásio chama a atenção para estado avançado de assoreamento da barragem Rio de Pedras (acima).

Tombado pelo IEPHA - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do estado de Minas Gerais em 1989, o Pico do Itabirito, marco geográfico e histórico da região, atualmente é cercado pela atividade minerária. A UTE Rio Itabirito está inserida no Quadrilátero Ferrífero, o que impõe atenção especial às zonas de produção de água.

Léo Boi

A Revista Velhas semestralmente homenageia um artista em suas contracapas. Nesta edição: JB Lazzarini e a sua versão de Conceição do Mato Dentro. Acrílica sobre tela, 2015.

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