Revista Velhas Nº 13 - Abril 2021 - CBH Rio das Velhas

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Uma publicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas

ABR 2021

ANO

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VII


Editorial

O rio da minha aldeia


Como era o Rio das Velhas antes da ocupação portuguesa? Qual era a relação dos povos que aqui viviam como ele? Nesta edição da Revista Velhas, discutiremos o sentido de ancestralidade – segundo o dicionário, particularidade ou estado do que é ancestral, que se refere aos antepassados ou antecessores. Falar sobre isso é falar especialmente sobre os Goianás, os Guarachués e os Cataguás, que habitavam essa região do Vale do Rio das Velhas, e fundamentalmente sobre o Uaimií (como o rio era tido e reconhecido por eles). O pontapé para essa conversa é o artigo do professor Ricardo Moebus que aponta como a tradução portuguesa de Uaimií [Uaimi era equivalente a “velho”, “velha”, e o –í/-y final significava “rio, água”] cunhou literalmente Rio das Velhas, em detrimento a algo como Avó Água, desconsiderando essa perspectiva indígena que reconhece a familiaridade que unifica os seres. Os Krenak, da mesma maneira, reconhecem o Watu (Rio Doce) como um avô. Nada melhor, nesse contexto, do que uma conversa com um dos pensadores mais influentes da atualidade: o líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor Ailton Krenak. Em entrevista exclusiva à Revista Velhas, ele fala sobre ancestralidade, relação com os rios, preconceito, pandemia e das ameaças que sofremos enquanto espécie. O Baixo Velhas – porta para o sertão e os Gerais – também se faz especialmente presente nesta edição. Contaremos como cuidadores voluntários estão transformando a paisagem às margens de um curso d’água em Buenópolis, assim como as belezas e a história da Unidade Territorial Estratégica (UTE) Guaicuí, berço da confluência entre os Rios das Velhas e São Francisco. É lá também, precisamente no distrito de Barra do Guaicuí, que um grupo de dança cria um espetáculo que irá flutuar pelas águas do Velhas. Pelas lentes do fotógrafo Léo Boi, dançaremos juntos e acompanharemos a estética e o processo criativo do grupo Camaleão e o projeto Veias Abertas de Minas Gerais.

Mostraremos também como essa mesma foz do Rio das Velhas e outras porções da bacia hidrográfica estão ameaçadas por projetos hidroelétricos, que podem causar sérios impactos socioambientais e à biodiversidade no território. Já na outra ponta da bacia, no Alto Velhas, o que preocupa e motiva ações de recuperação pelo Comitê é o alto grau de degradação da Bacia do Rio Maracujá, que nasce em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto. O assoreamento causado pelas voçorocas, uma das maiores do Brasil, praticamente inviabiliza um dos poucos e estratégicos barramentos de água na região: a represa da PCH (Pequena Central Hidrelétrica) Rio de Pedras, em Acuruí, Itabirito. Com um balanço das queimadas de 2020, discutiremos quais sequelas os incêndios mais severos em 10 anos deixam no ecossistema e na prestação de serviços ambientais. Da região Norte de Belo Horizonte, na divisa com o município de Santa Luzia, mostraremos como a Ocupação Izidora – formada pelas comunidades Vitória, Rosa Leão, Esperança e Helena Greco – vê nascer um projeto capaz de solucionar o problema de famílias que não têm tratamento de esgoto. Tem também a história de como uma iniciativa une pessoas para olhar, sentir, imaginar e resistir pela bacia do Cercadinho, na capital. O universo pictórico dos naturalistas Jean-Baptiste Debret (Paris, França 1768 - idem 1848) e Johann Moritz Rugendas (Augsburg, Alemanha, 1802 – Weilheim, Alemanha, 1858) – em suas viagens pitorescas pelo Brasil e Minas Gerais – nos ajudarão a contar toda essa história. Através de fusões artísticas do designer e ilustrador Clermont Cintra, unimos a narrativa desses dois importantes artistas viajantes do Brasil oitocentista. Viajemos juntos nessa!


Expediente Revista Velhas Publicação Semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas Nº13 – Abril / 2021

Sumário

CBH Rio das Velhas Diretoria Presidente: Poliana Valgas Vice-presidente: Renato Júnio Constâncio Secretário: Marcus Vinícius Polignano Secretária-Adjunta: Ênio Resende de Souza

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Diretoria Ampliada Sociedade Civil Instituto Guaicuy – Marcus Vinícius Polignano Assoc. de Desenvolvimento de Artes e Ofícios (ADAO) - Procópio de Castro Usuários de Água CEMIG – Renato Júnio Constâncio FAEMG – Carlos Alberto Oliveira

Com a Palavra

Poder Público Estadual EMATER – Ênio Resende de Souza Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de EPAMIG – Fúlvio Rodriguez Simão

Hidrelétricas ameaçam o Velhas p. 08

Poder Público Municipal Prefeitura Municipal de Jequitibá – Poliana Valgas Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – Humberto Marques Agência Peixe Vivo Diretora-Geral: Célia Fróes Gerente de Integração: Rúbia Mansur Gerente de Projetos: Thiago Campos Gerente de Administração e Finanças: Berenice Coutinho Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBH Rio das Velhas. Produzida pela Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social Direção: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis Coordenação de Jornalismo: Luiz Ribeiro Edição: Luiz Ribeiro e Rodrigo de Angelis Redação e Reportagem: Luiza Baggio, Michelle Parron, Ohana Padilha e Luiz Ribeiro

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As sequelas dos incêndios mais severos em 10 anos

Revisão: Isis Pinto Fotografia: Álvaro Gomes, Bianca Aun, Evandro Rodney, Fernando Piancastelli, Léo Boi, Jonatan Lopes, Neto Gonçalves, Projeto Córregos Vivos e Ruy Teixeira e Acervo da Comissão Construtora da Nova Capital de Minas Ilustrações: Clermont Cintra Projeto Gráfico: Márcio Barbalho Finalização: Sérgio Freitas

Grupo de dança cria espetáculo que vai flutuar pelas águas do Rio das Velhas

Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 3.000 unidades. Direitos reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

p. 18


Cuidadores do Riachão p. 24

Artigo Avó Água, por Ricardo Moebus

38

Guaicuí:

o caminho para o sertão sem fim

p. 28 Projeto leva saneamento básico para ocupação da Grande BH p. 44

48

Ailton Krenak: “Os rios têm sabedoria. Vamos aprender com eles!” p. 32

A degradação na bacia do Maracujá Arte, investigação e propostas para a bacia do Cercadinho, em BH p. 52


Com a palavra

2020 foi um ano repleto de desafios e dificuldades. A maior delas, com certeza, foi nos afastarmos de pessoas e das atividades presenciais, tão importantes no processo de mobilização social.

No entanto, mesmo diante desse contexto único, o CBH Rio das Velhas soube se adaptar e dar sequência às articulações em torno da revitalização do território. Se por ora não foi possível estarmos juntos e frente a frente nesse processo, foi no campo virtual que realizamos uma série de reuniões, webinários, seminários e plenárias. Cabe destacar também que os projetos hidroambientais de recuperação executados em cada um dos quatro cantos da bacia hidrográfica continuaram a todo vapor. Para 2021, continuaremos fiéis às características históricas e formadoras do CBH Rio das Velhas, valorizando fundamentalmente a gestão descentralizada, a garantia da participação social e dos segmentos da Plenária. Esse é o DNA do Velhas!

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Falar da saúde do Rio das Velhas é falar dos seus vários territórios, dos seus afluentes, das suas nascentes. É também falar das inúmeras pessoas que estão à frente dos cuidados que esta bacia precisa. Pessoas e territórios que não podem ser invisibilizados. Pensando nisso e em meio a um contexto de perdas e restrições como o que vivemos, em 2021 o Comitê promove a campanha de comunicação e mobilização social O RIO QUE EU CUIDO, com o objetivo de estimular o sentimento de pertencimento pela bacia hidrográfica e cada um dos seus múltiplos territórios, bem como valorizar as pessoas que cuidam do rio. Uma forma de continuar próximo das pessoas e, através delas, do próprio Velhas. Vale reforçar também que, para este ano, a proposta desta Diretoria é de se aproximar ainda mais dos municípios, se fazendo mais presente em cada parte da bacia. Tão logo a pandemia permita, serão feitas visitas ao segmento municipal para apresentar o Plano Diretor de Recursos Hídricos da bacia, as metas nele previstas e discutir sobre como essa parceria com o Comitê pode impulsionar benefícios aos municípios. O objetivo é trazer esses novos gestores à participação. E, nesse processo de interiorização, de “desmetropolização”, promoveremos reuniões itinerantes em cada porção da bacia, de forma a trabalhar mais próximo dos mais diferentes atores, com temas e pautas estratégicos. Não há como negar que os históricos problemas de saneamento que enfrentamos sejam o nosso principal desafio – e, portanto, o que prioritariamente iremos trabalhar em busca de mudanças. Queremos sensibilizar o gestor para que haja uma efetiva compatibilização na gestão territorial municipal com a gestão dos recursos hídricos, considerando sempre o fato de se tratar de uma questão sistêmica, integrada, em que um território afeta o seguinte.


Poliana Valgas Presidente do CBH Rio das Velhas

Bianca Aun

“Para este ano, esperamos também podermos estar todos juntos de novo de forma segura, resilientes e seguindo com o nosso propósito que é lutar por um Rio das Velhas cada vez mais vivo.”

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Saiba mais sobre a campanha

cbhvelhas.org.br/orioqueeucuido


Energia

Hidrelétricas colocam em risco o futuro do Rio das Velhas

Texto: Luiza Baggio Fotos: Leo Boi e Bianca Aun

Ilustração Clermont Cintra

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Construções da UHE Formoso e da PCH Quartéis para a geração de energia ameaçam a biodiversidade e podem causar sérios impactos socioambientais no território A construção de grandes hidrelétricas tem sido apresentada como indispensável para garantir o crescimento do Brasil. No entanto, a instalação dessas usinas não são necessariamente a solução e estão longe de ser sustentáveis. Pelo menos três empreendimentos voltados à geração de energia elétrica ameaçam a biodiversidade do Rio das Velhas e têm causado preocupação entre pesquisadores, ambientalistas e ribeirinhos. Em maio de 2020, o presidente Jair Bolsonaro decidiu que é hora de retomar a construção dessas grandes usinas e incluiu no Plano de Parcerias de Investimentos (PPI) a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Formoso, na região de Pirapora, no norte de Minas Gerais. Além disso, outros dois grandes empreendimentos na Amazônia, a UHE Tabajara, em Rondônia, com 400 MW, e a Bem Querer, em Roraima, que teria 650 MW, foram incluídos no PPI, bem como de a Castanheira, no Mato Grosso, e a Telêmaco Borba, no Paraná, mas essas com capacidades menores, de 140 MW e 118 MW.

Léo Boi

A construção de uma nova hidrelétrica no Velho Chico, próxima à foz do Rio das Velhas, tem gerado um alerta, pois poderá promover graves desequilíbrios ambientais. “O reservatório pode levar a mudanças na composição das espécies de peixes, favorecendo a introdução, disseminação e o estabelecimento de espécies exóticas, como por exemplo tilápias, aumentando a abundância de espécies não-comerciais. Podemos afirmar com toda certeza que a pesca da região será prejudicada”, afirmou o biólogo, mestre em Ecologia e doutor em Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos, Paulo Santos Pompeu, que com outros nove pesquisadores escreveu uma carta científica detalhando os possíveis impactos da construção da UHE Formoso na biodiversidade do Velho Chico.

Bianca Aun

Em conjunto com outros nove pesquisadores, biólogo Paulo Santos Pompeu detalhou em carta científica os possíveis impactos da construção da UHE Formoso na biodiversidade do Rio São Francisco.

Paulo Pompeu esclarece que as consequências vão além do São Francisco. “O impacto da UHE Formoso não ficará restrito ao Velho Chico ou aos afluentes que vão drenar água para o reservatório. A Bacia do Rio das Velhas também será afetada, visto que a região da sua foz ficará muito próxima ao barramento. Toda vez que uma barragem é construída e abaixo dela se tem um longo trecho livre de rio, as próprias máquinas do barramento causam grande mortandade de peixes, o que será significativo na Bacia do Rio das Velhas”, explicou. Existem na bacia do São Francisco, atualmente, 211 espécies de peixes reconhecidas, sendo que 135 são endêmicas (encontradas apenas nessa bacia). “Peixes como o Matrinxã, Dourado, Curimba, Pirá, Hypostomus e Surubim são importantes para a pesca, além de serem nativos da região onde o barramento será construído, mudando a composição das espécies, o que afetará uma série de pescadores que vivem na região”, esclareceu Paulo Pompeu. Além de todo o impacto na biodiversidade, há um tremendo impacto social. É o que explica a antropóloga e professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Andrea Zhouri, que realiza pesquisas sobre hidrelétricas há 21 anos. “A UHE Formoso vai desalojar muitas pessoas e acabar com todo o sistema econômico que gira em torno da pesca na região. Precisamos de um modelo energético centrado na equidade socioambiental. Para isso, precisamos promover um amplo debate para que o cidadão possa, de fato, decidir sobre o destino do seu lugar e evitar processos que produzem ecocídio [extermínio deliberado de um ecossistema regional ou comunidade] e etnocídio [destruição da cultura de um povo, em vez do povo em si mesmo]”. De acordo com Leôncio Vieira, gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia, empresa responsável pela elaboração do projeto da UHE Formoso, a área inundada da UHE Formoso será de 324 quilômetros quadrados – o que equivale a 31,2 mil campos de futebol. “O empreendimento terá três turbinas instaladas e a previsão é de gerar 306 MW de energia. A área inundada vai abranger Buritizeiro, Pirapora, Lassance, Várzea da Palma, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias. A Quebec é a desenvolvedora do projeto, mas não será a responsável por operá-la. Estamos em fase de licenciamento e todos os impactos serão avaliados pelos órgãos responsáveis”, explicou.

Rio Formoso em sua confluência com o São Francisco.

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Léo Boi

PCH Quartéis e Agulhas Negras 10

Outro empreendimento que coloca em risco a biodiversidade na Bacia do Rio das Velhas são as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) Quartéis, na Sub-Bacia do Rio Paraúna. O projeto também é da Quebec Engenharia e prevê a construção de três Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) – Quartel I, Quartel II e Quartel III – com potência total de 90 MW, situadas nos municípios de Gouveia, Santana de Pirapama e Conceição do Mato Dentro.

O Subcomitê Rio Paraúna elaborou um parecer contrário à construção do Complexo Hidrelétrico Quartéis que foi enviado à presidência do CBH Rio das Velhas, com pedido para que sejam tomadas providências perante os órgãos de licenciamento ambiental. De acordo com o parecer, o empreendimento ficará localizado em região de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, em uma área de preservação na Serra do Espinhaço Meridional.

O Rio Paraúna é fundamental para o Velhas com águas em quantidade e qualidade. A preocupação dos moradores da região, pesquisadores e ambientalistas é com os impactos que a construção do complexo de hidrelétricas vai gerar para a bacia.

A Quebec Engenharia já apresentou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e solicitou as Licenças Prévias (LP) das usinas à unidade regional do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam/Semad) no Vale do Jequitinhonha, órgão responsável pelo licenciamento.

O projeto tem enfrentado resistência. O professor do departamento de Geografia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), campus Diamantina, Hernando Baggio, esclareceu que faltam estudos técnicos no processo de licenciamento do empreendimento. “A empresa não apresentou um levantamento espeleológico da região, o que é inadmissível para um processo de licenciamento, faltando um embasamento técnico. As cavidades da região em que serão construídas as PCHs são de rochas cársticas, de extrema importância para a preservação da região”, esclarece. O representante da ONG Caminhos da Serra da cidade de Gouveia, conselheiro do Subcomitê Rio Paraúna e do Copam Jequitinhonha, Alex Mendes, é contrário ao projeto. “Construir três PCHs a montante da PCH CEMIG Paraúna já existente é preocupante, visto que a região possui valiosa relevância ambiental, biológica, cênica e pela necessidade de atenção com situações que possam causar danos ambientais e sociais oriundos da implantação de empreendimentos hidrelétricos”, afirmou.

A PCH Serra das Agulhas, localizada no município de Monjolos, a cerca de 250 quilômetros de Belo Horizonte, na Bacia do Rio Pardo Pequeno, também é um empreendimento projetado pela Quebec Engenharia que preocupa os moradores e ambientalistas. Em operação desde abril de 2017, ela tem capacidade instalada de 30 MW e é operada pela empresa Ômega Geração. Em janeiro de 2020, devido às fortes chuvas que ocorreram em Minas Gerais, a PCH Serra das Agulhas teve de ser desativada temporariamente para reparos após um transbordamento do reservatório e “algumas avarias” na barragem, informou a Ômega Geração. A superintendência de fiscalização dos serviços de geração da Aneel decidiu restabelecer no dia 3 de dezembro de 2020 a operação comercial das turbinas 1 e 2 da PCH Serra das Agulhas, totalizando 30 MW de potência instalada no Rio Pardo Pequeno, que é um afluente da margem esquerda do Rio Pardo Grande, inserido na Bacia do Rio das Velhas.


Gouveia

MUNICÍPIOS ATINGIDOS

Datas

Pirapora Buritizeiro

Várzea da Palma

João Pinheiro

Quartel III

Presidente Juscelino

Quartel II

São Gonçalo do Abaeté

Rio Pa raún a

Quartel I

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oC Ri

Presidente Olegário Localização da Bacia do Rio das Velhas em Minas Gerais

Varjão de Minas

Municípios afetados Limite municípios Barramento Área do estudo Reservatório UHE Formoso Reservatório UHE Três Marias PCH Paraúna Principais rios Estruturas principais

Congonhas do Norte

Conceição do Mato Dentro

Santana de Pirapama

Lassance

Morada Nova de Minas

Patos de Minas

Corinto

Felixlândia Biquinhas

Tiros

Carmo do Paranaiba

Curvelo Pompéu Abaeté

UHE Formoso

PCH Quartéis

Petróleo 8.903 MW 5,1%

Carvão Mineral 3.597 MW 2,0%

Nuclear 1.990 MW 1,1%

Solar Fotovoltáica Centralizada 2.269 MW 1,3%

Gás Natural 13.435 MW 7,6%

Outros Fósseis 166 MW 0,1% Undi-elétrica 0,1 MW 0,00003%

Biomassa 14.873 MW 8,4%

Importação 8.170 MW 4,6%

Eólica 15.560 MW 8,8%

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Hídrica 107.077 MW 60,8%

Ilustração Clermont Cintra

Três Marias

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Na contramão do mundo Enquanto os países mais desenvolvidos têm diminuído nas últimas décadas a construção de grandes hidrelétricas, nações em desenvolvimento começaram a construir no mesmo período barragens ainda maiores. É o caso do Brasil, que está entre as 24 nações que produzem 90% de toda a energia disponível no mundo e é considerado o país com maior potencial hidrelétrico do planeta, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O modelo energético nacional assenta-se na fonte hídrica e, por isso, 79% de toda a energia produzida nacionalmente advém das mais de duas mil barragens construídas. A energia hidroelétrica é gerada pela correnteza dos rios, que faz girar turbinas instaladas em quedas d’água. De modo geral, a tecnologia é considerada limpa, uma vez que praticamente não emite gases de efeito estufa, que fortalecem o aquecimento global. O grande problema ambiental e também social causado pelas hidroelétricas é a necessidade de represar os rios. Vastas regiões são alagadas, o que provoca não só a retirada das populações humanas do local, como alterações no ecossistema. Além disso, no Brasil as hidrelétricas já produziram deslocamentos estimados de, no mínimo, um milhão de pessoas, conforme o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Para Andrea Zhouri, a ideia de que é preciso gerar sempre mais energia é um mito. “Não leva em consideração a necessidade da diversificação da matriz energética, uma vez que a disponibilidade hídrica depende do volume, lembrando que as crises energéticas que já tivemos foram em decorrência da escassez de chuvas. Em 2001, por exemplo, tivemos um período de estiagem longo que deflagrou uma crise com racionamento de energia, em virtude da escassez de água nos reservatórios. A construção de novas barragens agrava esse quadro, pois torna o país cada vez mais dependente da energia hidráulica. Precisamos diversificar a matriz energética com eólica, solar e biomassa, por exemplo, considerando as finalidades não apenas econômicas, mas também as sociais, além das condições ecológicas de cada região”, disse a antropóloga. Andréa Zhouri também destacou que é importante investir em eficiência. “Muitas das barragens construídas no Brasil são antigas. Estudos recentes da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que a repotenciação de 51 usinas com mais de 25 anos de operação e potência acima de 100 MW prolongaria a vida útil das barragens evitando geração de novos danos sociais e ambientais. Haveria um acréscimo de energia na rede equivalente a cinco barragens de Tucuruí [localizada em Tocantins e que possui capacidade de gerar 8.370 M], uma das maiores do Brasil. Outra medida seria o combate ao desperdício de energia, incluindo as perdas do setor, que são quase o triplo (17%) da média internacional (6%). Em vez da geração de energia, uma política moderna, racional e sustentável deveria visar, antes, uma melhor gestão energética”, esclareceu.

Léo Boi

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A antropóloga e professora da UFMG, Andrea Zhouri, esclarece que a produção de energia é um negócio altamente lucrativo. “Com a abertura de mercado na década de 1990, investir no setor de energia elétrica no Brasil se tornou um negócio lucrativo que movimenta mais de R$ 100 bilhões por ano e que é controlado por empresas transnacionais. No entanto, mesmo tendo os custos de produção muito baixos, os brasileiros pagam uma das energias mais caras, sendo a sexta tarifa mais elevada do mundo”, esclarece.


“Com a abertura de mercado na década de 1990, investir no setor de energia elétrica no Brasil se tornou um negócio lucrativo que movimenta mais de R$ 100 bilhões por ano e que é controlado por empresas transnacionais. No entanto, mesmo tendo os custos de produção muito baixos, os brasileiros pagam uma das energias mais caras, sendo a sexta tarifa mais elevada do mundo”. Andrea Zhouri – antropóloga e professora da UFMG

Várzea da Palma terá uma das maiores plantas solares do mundo O município de Várzea da Palma, na região do Baixo Rio das Velhas, terá a terceira maior planta solar do mundo até 2023. O projeto é fruto de uma parceria entre o governo de Minas e a empresa Solario e prevê a construção de duas usinas solares que serão construídas com a capacidade de geração de 650 megawatts-picos (MWp). Com investimentos na ordem de R$ 20 bilhões, 15 novas usinas fotovoltaicas, em nove cidades mineiras, serão construídas até 2023. As cidades mineiras que serão contempladas com a instalação das usinas, além de Várzea da Palma, são: Araxá, Coromandel, Janaúba, Jaíba, Arinos, Francisco Sá, Paracatu e Buritizeiro. A energia solar fotovoltaica é a modalidade que converte a radiação solar em energia elétrica por meio de dispositivos conhecidos como células fotovoltaicas. A categoria está presente em mais de 100 países, incluindo o Brasil. A maior procura pela modalidade se deve, principalmente, ao seu custo-benefício e à facilidade de manutenção. Apesar da necessidade de grande investimento inicial, o sistema gera energia de maneira autônoma depois de instalado. Além disso, o excesso de eletricidade gerado é direcionado para a rede elétrica da distribuidora, convertendo-se em créditos para o proprietário. Do ponto de vista ambiental, a energia fotovoltaica é ainda mais vantajosa, pois não libera, durante sua produção e consumo, resíduos ou gases poluentes. Ademais, é uma fonte renovável.

Plantas solares já foram instaladas no município de Lassance, vizinho a Várzea da Palma.

Segundo a Agência de Desenvolvimento do Norte de Minas (Adenor), estudos apontam o Norte de Minas como o melhor local do país para instalação de empreendimentos fotovoltaicos, devido ao alto índice de insolação, disponibilidade de áreas com desembaraço fundiário e malha de distribuição sendo ampliada, o que reflete a cada ano em geração de negócios e empregos.

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Queimadas

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O fogo que fica Texto: Luiz Ribeiro Fotos: Evandro Rodney e Jonatan Lopes

Evandro Rodney

Quais sequelas os incêndios mais severos em 10 anos deixam no ecossistema e na prestação de serviços ambientais


Na noite do dia 28 de setembro de 2020, com a voz embargada, a gestora do Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato, Honorina Rocha, anunciava em um áudio nas redes sociais o que ninguém queria ouvir: “Hoje está sendo um dia de muita tristeza para nós da gruta. Eu estou desolada, nunca vi nada igual. Um incendiário andou colocando fogo aqui, o fogo alastrou de tal forma que a gente está em combate desde 11h da manhã. Ainda tem gente combatendo lá, está retornando agora para gente reiniciar amanhã 5h30m da manhã. Mas está difícil sabe, queimou onde não poderia queimar. Tem fogo no maciço, tem fogo para todo lado. Muito difícil, vocês não têm noção do que estou sentindo, meu coração está em pedaços. Rezem para que nessa noite as chamas e o fogo se dissipem totalmente “.

Jonatan Lopes

Gestora do Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato e conselheira do Subcomitê Ribeirão Jequitibá, Honorina Rocha viu o fogo tomar toda a unidade de conservação.

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Localizada em Sete Lagoas, região central do estado, a Gruta Rei do Mato possui formações de estalagmite e estalactite raras em todo o mundo e é uma das cavernas mais visitadas do Brasil.

Com toda essa magnitude, o problema das queimadas não se dissipou com a chegada das chuvas de final de ano, mas deixou sequelas nos ecossistemas e afetam a prestação de serviços ambientais, como a produção de água. É o que afirma o pósdoutor em Biologia e diretor-presidente do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (CEPAN), Severino Ribeiro. “Quando estão submetidas a esse regime de fogo criminoso e se perde a cobertura nativa do Cerrado, a capacidade de manutenção dessas zonas de provimento de água é absurdamente comprometida. Ou seja, para se manter recurso hídrico no Cerrado, para se manter esse provimento de serviço ambiental hidrológico, tem que ter cobertura do Cerrado nativa”, afirmou ele, destacando ainda que o bioma é um dos dois hotspots de biodiversidade (áreas de grande riqueza biológica e que podem estar ameaçadas de destruição) que o Brasil possui.

O cenário de destruição visto por lá se repetiu sistematicamente em vários cantos do Brasil, de Minas e da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas em 2020 – ano com o maior número de queimadas no país desde 2010, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Foram 222.798 focos de incêndio registrados, 12% a mais que os 197.632 de 2019. Ainda segundo o instituto, o destaque entre os biomas foi o Pantanal, que contabilizou 22.119 focos, 120% a mais que em 2019 e o maior número desde o início das medições em 1998.

Somente em Minas Gerais foram quase 41 mil hectares (ha) de área queimada no interior das unidades de conservação sob gestão do estado em 2020, e outros 13,7 mil ha atingidos pelo fogo também no entorno, nas chamadas zonas de amortecimento. O total equivale a 54 mil campos de futebol em chamas. Foram 386 ocorrências de incêndios dentro dessas unidades e mais 197 no entorno, de acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).

Infelizmente, o fogo não se dissipou naquela noite, como clamava Honorina. Durou quase 10 intermináveis dias. Descobriu-se por fim que o incêndio que consumiu o entorno da unidade de conservação, na chamada zona de amortecimento, e também o interior do monumento, foi causado por um andarilho com problemas mentais.


Evandro Rodney

Drama na Bacia Do total da área queimada no entorno das unidades de conservação estaduais em 2020, metade foi na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, com 6,9 mil ha. Do que pegou fogo no interior dessas unidades, a área chegou a 6,8 ha e representou 16% do total de Minas. São quase 14 mil campos de futebol. Além das unidades de conservação estaduais, os dois Parques Nacionais inseridos na bacia também sofreram. Na Serra do Cipó, foram dez dias de combates ininterruptos que mobilizaram mais de 100 profissionais, segundo o Corpo de Bombeiros, além de brigadistas do IEF, brigadistas voluntários e de empresas. Já no Parque Nacional da Serra do Gandarela, um incêndio de grandes proporções teve início na região da Cachoeira Chica Dona, se alastrou pela Serra de Ouro Fino e queimou uma área de 12 mil campos de futebol – sendo contida apenas por brigadistas e por aeronaves Air Tractor, que dispersam até 3 mil litros de água nas chamas. “O Gandarela pega fogo todo ano, sempre, é comum. Praticamente 100% desses incêndios são causados pelo homem e estão associados ao turismo – pessoas que fazem fogueira, jogam bituca de cigarro, fazem churrasco – e a pequenos sitiantes que soltam principalmente cavalos para pastar na área do parque, e aí botam fogo nessas áreas para rebrotar o capim”, afirmou o chefe do Parque Nacional da Serra do Gandarela e conselheiro do Subcomitê Águas do Gandarela (vinculado ao CBH Rio das Velhas), Tarcísio Nunes.

Assim como na Serra do Rola Moça (foto), fogo nas áreas do Parque Nacional da Serra do Gandarela só foi contido por aeronaves Air Tractor, que dispersam até 3 mil litros de água nas chamas.

A ausência de dados sobre as causas das queimadas e as dificuldades nas investigações são fatores que mostram como ainda estamos longe de resolver esse problema. Ainda pouco se sabe sobre a origem e a motivação desses incêndios. A estimativa do Corpo de Bombeiros é que 90% ocorram por motivação criminosa – mas não há levantamentos oficiais do governo acerca de ocorrências de delitos dessa natureza. O capitão Warley de Paula Vieira Barbosa, do Batalhão de Emergências Ambientais e Respostas a Desastres, do Corpo de Bombeiros, comenta que as ações antrópicas são verdadeiramente o problema. “Existem vários fatores climáticos, como baixa umidade do ar, aumento da incidência de ventos, longos períodos sem chuva, que fazem com que a vegetação fique mais seca e mais suscetível aos incêndios. Não seriam problemas tão preocupantes se não fosse o fator humano, que faz com que esse número passe a ser mais volumoso a cada ano”.

Evandro Rodney

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B

Ocorrência de incêndios florestais

I

A

O R

I

O

Várzea da Palma

D

A S

Joaquim Felício

V E

Lassance

L

Buenópolis

9

H A

S

Unidade de Conservação

C

D

em Unidades de Conservação Estaduais da Bacia do Velhas em 2020 Área interna queimada (ha)

A

Augusto de Lima

Área entorno Ocorrência Ocorrência queimada interna entorno (ha)

1

1

2

Parque Florestal Estadual da Baleia

58,85

71,25

2

4

3

APA Cachoeira das Andorinhas

1,05

--

3

--

4

Estação Ecológica de Cercadinho*

4

2

5

Estação Ecológica de Fechos

0,07

0,03

0

1

6

Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato

79,54

132,89

1

4

7

Refúgio de Vida Silvestre Macaúbas*

2

6

8

Monumento Natural Estadual Serra da Moeda

1.379,09

4.190,99

2

6

9

Parque Estadual da Serra do Cabral

2.166,53

2.062,61

22

22

10

Parque Estadual da Serra do Intendente

332,45

290,98

7

5

11

Parque Estadual da Serra do Ouro Branco

301,61

32,75

7

0

12

Parque Estadual da Serra do Rola Moça

14,69

38,52

34

31

13

Parque Estadual da Serra do Sobrado

2,59

3,24

8

7

14

Parque Estadual Serra Verde

32,31

3,70

16

3

15

APA Sul RMBH

2.362,19

1,10

24

0

16

Parque Estadual do Sumidouro

3,15

51,20

5

11

17

Floresta Estadual do Uaimií

86,50

26,40

13

10

Total *

6.843,66

6.905,70

151

113

Diamantina Monjolos

Corinto

Gouveia Morro da Garça

Curvelo

as

0,04

el h

23,04

as V

Estação Ecológica de Arêdes

Rio d

1

Santana de Pirapama

10

Cordisburgo

Santana do Riacho

Paraopeba

Sete Lagoas

6

Funilândia

Matozinhos

16

Jaboticatubas

Cofins

13

O IMPACTO DAS QUEIMADAS NO AMBIENTE Alterações no equilíbrio dos ecossistemas

Mudança da temperatura e umidade do solo

17

Jequitibá

Ribeirão das Neves

Belo Horizonte Contagem

Manutenção e controle de fauna e flora

Piora da qualidade do ar

Circulação de águas superficiais e subterrânea

Diminuição da biodiverside

Intensificação do efeito estufa e do aquecimento global

2

Sabará

Caeté

4

12

Desertificação ambiental

Nova União

Santa Luzia

14

Esmeraldas

Emissão de gases poluentes

7

Vespasiano

5

Nova Lima

15 Rio Acima

8

1

Itabirito

3

Ouro Preto

11

* Dados ainda parciais de área queimada (o número de ocorrências está atualizado). As demais UCs da Bacia do Rio das Velhas que não constam na listagem não foram atingidas por incêndios florestais em 2020. Dados somente de UCs estaduais. Fonte: Semad

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Olhares

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Dançarino do Grupo Camaleão em figurino próprio do espetáculo Veias Abertas de Minas Gerais.


Dançar feito água Grupo de dança cria espetáculo que vai flutuar pelo Rio das Velhas Texto: Michelle Parron Fotos: Léo Boi

O corpo é como um rio, feito de água. Quando dança, o corpo faz muita água se movimentar. Pensar na relação entre o corpo humano e a água, na importância desse elemento para manter a vida e traduzir isso usando os movimentos da dança é conectar arte e natureza. Quando se pensa em um rio importante e fundamental para a sobrevivência de um número grande de pessoas em Minas Gerais, é inevitável lembrar do Rio das Velhas. Sua água, primordial para abastecer boa parte da capital mineira e de tantos moradores ao longo de sua bacia hidrográfica,, se transformou em inspiração e entrará literalmente em cena no projeto Veias Abertas de Minas Gerais, uma criação do Camaleão Grupo de Dança.

Tudo começou em 2017 com a visita de Inês, acompanhada de outros bailarinos do grupo, à sede do CBH Rio das Velhas. Nesse dia foi dado início a algo único e surpreendente: uma parceria que une a dança ao Rio das Velhas. Entre muitas visitas e reuniões, o grupo de dança, a equipe de mobilização do Comitê e o Projeto Manuelzão realizaram várias trocas de ideias para tirar do papel o sonho de colocar um espetáculo desenhado para acontecer dentro do Rio das Velhas. Foi então que nasceu o projeto “Veias Abertas de Minas Gerais”. A parceria envolveu aulas sobre a situação da região, a geografia, um estudo de quais seriam os principais pontos para realizar o projeto e a importância da própria água e da Bacia do Rio das Velhas. Em novembro de 2017, o Camaleão fez a sua 1ª Expedição ao Baixo Rio das Velhas, trabalho de campo que integrou parte da pesquisa que resultou na criação de um espetáculo para ser apresentado para as populações ribeirinhas dentro de uma balsa no rio. E por que no Baixo Rio das Velhas? Porque, além da riqueza cultural e social da região, é a única parte do rio que ainda é navegável.

O espetáculo Veias Abertas de Minas Gerais pretende fazer sua estreia em 2021. A apresentação dentro do Rio das Velhas, em um palco flutuante, deverá acontecer em Barra do Guaicuí, próximo à foz.

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20 Ruínas da Igreja de Pedras de Barra do Guaicuí são palco e inspiração para o processo criativo do Grupo Camaleão.

A pesquisa levou diretores e bailarinos até as comunidades de Barra do Guaicuí, Porteiras, Buriti das Mulatas e às sedes dos municípios de Várzea da Palma e Lassance para conhecerem os moradores e artistas locais. “Todo o processo nos influenciou muito. Conhecer as pessoas que moram nesses locais, cada uma com a sua história, com a sua música, com as suas vivências, as tradições passadas de geração em geração. Nós fomos muito bem recebidos por todos”, conta Marjorie Ann Quast, diretora geral do grupo. Com olhar de quem tem intimidade e experiência de anos com a região, o geógrafo e ex-mobilizador social do CBH Rio das Velhas, Élio Domingos, está na produção do espetáculo e acompanhou o trabalho de campo do Camaleão no território. “Essas visitas foram importantes para estar no rio, sentir o local e averiguar tecnicamente as possibilidades para a realização do espetáculo. Do ponto de vista artístico e humano, sobretudo, o contato com as folias do Bolô (Lassance), folia de Guaicuí e com a Dança de São Gonçalo (Barra do Guaicuí) foi aparentemente fundamental para a inspiração do grupo”, diz Élio.

O contato com os ribeirinhos tem sido marcante para o grupo que, mesmo com a pandemia e o distanciamento físico, continua se comunicando com as comunidades, como conta Luciana Lanza, uma das bailarinas do grupo. “A relação com as comunidades ribeirinhas tem sido inesquecível para mim. Um presente, um aprendizado constante. Aprendo muito. Essa pandemia nos dificultou a ter a presença física, mas já faz um ano que a gente tem pesquisado e se relacionado com as comunidades de lá. Me chama muito a atenção as mulheres fortes de Barra do Guaicuí, a colônia dos pescadores”. Luciana criou um carinho especial pela folia do mestre Bolô e conta que fez amigas e amigos com os quais se comunica frequentemente. “Eu espero poder voltar mais vezes e que esse projeto dê muitos outros frutos para que a gente continue fortalecendo essa rede de comunicação e de criação artística e de afeto”. Não há dúvidas de que os aspectos sociais e culturais são parte importante desse trabalho, para não dizer a principal. A realidade das comunidades, o cotidiano, as experiências narradas por seus moradores, tudo isso não foram apenas informações absorvidas pelo grupo, mas inspirações fundamentais para criação do espetáculo. “O processo do Veias Abertas de Minas Gerais está sendo muito forte, profundo e está nos deixando cada vez mais envolvidos e encantados”, explica Inês.


Folias do Bolô (Lassance), folia de Guaicuí e Dança de São Gonçalo (Barra do Guaicuí) inspiraram a estética do espetáculo.

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Mais do que ser inspirado pelo contato com as comunidades do Baixo Rio das Velhas, o Camaleão Grupo de Dança pretende retribuir tudo que foi absorvido dando visibilidade e mostrando a beleza, as possibilidades e a realidade da região. “Nossa dança traz uma linguagem mais contemporânea, portanto as referências e os elementos coreográficos não são tão literais. Mas na visita técnica a Barra do Guaicuí, Várzea da Palma e Lassance, em 2019, observamos a vegetação, entramos no rio de barco, participamos de uma reunião de pescadores, conhecemos várias pessoas que atuam ativamente na comunidade e convidamos para trazer um pouco da cultura local para a gente se relacionar com ela. Essa vivência trouxe algumas nuances para a construção de dois trabalhos: o vídeo e o espetáculo na balsa”, explica o bailarino e coreógrafo do grupo, Pedro Jorge Garcia da Silva, que dirigiu o videodança gravado em novembro de 2020, na famosa Igreja de Pedras de Barra do Guaicuí.

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Em novembro de 2020, um videodança do espetáculo foi gravado no Baixo Velhas. O resultado poderá ser visto nas mídias sociais, festivais e também junto às comunidades ribeirinhas – tão logo a pandemia o permita.


Acesse o vídeo e veja como foram as gravações na Igreja de Pedras de Barra do Guaicuí: bit.ly/VeiasAbertas

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O videodança e o espetáculo são instrumentos que vão fazer perpetuar a história do Velhas, a história das comunidades locais e por que não ressignificar a relação dos moradores com o próprio rio? O Velhas vai virar palco, papel talvez jamais visto pela população ribeirinha. “A arte que propomos tem motivado e movimentado estas comunidades. Nosso espetáculo será numa balsa na beira do rio e as pessoas vão assistir na terra. Acho que de alguma forma isso faz com que o rio ganhe outras camadas de atuação não só artística, mas de reflexão sobre suas possibilidades”, acredita o coreógrafo. O encontro da arte com o Velhas, mais do que valorizar a história e a cultura de um povo, pode ir além. “A arte sensibiliza. Através dela podemos chamar a atenção para a necessidade de preservarmos o que temos, como nossas águas, florestas, plantas, animais, nossa cultura e história. Fica difícil ver vida sem o meio ambiente preservado. Queremos que a nossa arte sensibilize, chame a atenção para o rio, para as comunidades e todas as suas riquezas e para a necessidade de preservação e proteção”, diz Marjorie. O espetáculo Veias Abertas de Minas Gerais pretende fazer sua estreia em 2021. A apresentação dentro do Rio das Velhas, em um palco flutuante, deverá acontecer em Barra do Guaicuí, próximo à Igreja de Pedra, em Várzea da Palma, próximo à Ponte do Velhas, e em Lassance, próximo às corredeiras da Escaramuça.


Pertencimento

Riachão de coração Cuidadores estão transformando a paisagem às margens do rio de uma pequena cidade no Baixo Velhas Texto: Michelle Parron Fotos: Léo Boi

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Há gerações, lavadeiras utilizam-se do Riachão para gerar renda.

Das veredas da majestosa Serra do Cabral, maciço rochoso de onde brotam as sempre-vivas, ele desce, percorre e abastece com água limpa Buenópolis, município que fica na chamada área dos grandes sertões, conhecida pelos escritos de Guimarães Rosa. Seu nome é Riachão. Com lugar garantido no coração e na história dos moradores da cidade e indispensável na vida das resistentes lavadeiras, o rio vem ganhando olhares amorosos e atentos da população, em especial de um grupo chamado “Cuidadores do Riachão”. Essa história começa com a licitação de um bar às margens do rio pelo casal seu Gilberto e Verinha. Na época a área não estava nada atrativa aos olhos do pessoal da cidade. Montar um comércio por ali era um ato de coragem. Mas para Marina Pimenta, uma das cuidadoras, essa foi uma atitude visionária dos dois. “O Gilberto é um senhor muito sonhador, cheio de força de vontade e apaixonado pelo Riachão, o que fez toda diferença”, conta. Ao ficar sabendo que o casal tinha começado a cuidar da área no entorno do Riachão, Marina ofereceu ajuda. Em abril de 2020, ganhava força e uma nova aliada a proposta de criar o espaço de lazer público Balneário do Riachão. O grupo decidiu focar primeiro na revitalização da área natural. A campanha foi abraçada por alguns moradores da cidade e logo o trio conseguiu as árvores necessárias e no tamanho ideal para o plantio. “Fizemos um caminho com concreto que parece feito de pedra, ladeado de Palmeiras que não crescem demais”, conta Marina. A preocupação era realizar as intervenções sem perder de vista a beleza que a própria natureza oferece, ou seja, sem deixar o lugar com uma atmosfera artificial. Para isso, foram pensados materiais mais naturais e formas orgânicas de revitalizar o Riachão. As plantas e flores foram doadas pela comunidade e têm como característica serem de fácil manutenção e gostarem de sol pleno. Esse ímpeto da Marina em se tornar uma voluntária na revitalização do rio é explicado pela ligação do curso d’água com a sua própria história. O Riachão e as pessoas daquela parte do Baixo Rio das Velhas têm suas vidas entrelaçadas. Seja pelos tantos banhos de rio tomados desde a infância, pelos momentos que passaram com amigos e familiares ou pela importância cultural e econômica que o Riachão tem para as lavadeiras que estão por ali, todos os dias, há gerações. Isso pode explicar o motivo dessa iniciativa, genuinamente popular, estar ganhando cada dia mais força na cidade.

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“Cuidadores do Riachão” promoveram uma série de melhorias ambientais e paisagísticas no espaço.

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O quarto voluntário que se juntou aos “Cuidadores do Riachão” foi Edinho Salomé. O pedreiro, que é um apaixonado pelo rio, foi ao local para uma espécie de “consultoria” para um serviço que estava sendo feito e não deixou mais o lugar. Seu abraço no Riachão foi tão forte que boa parte do trabalho feito até então aconteceu graças à dedicação do Edinho. Os resultados foram aparecendo aos olhos de toda cidade. A partir daí não foi muito difícil que surgissem novos apoiadores. As pessoas começaram a doar o que podiam, como sacos de cimento, areia, esterco, plaquinhas decorativas, plantas e mão de obra. Um movimento espontâneo que uniu a comunidade, com apoio do poder público e do CBH Rio das Velhas. O encontro do Comitê com a ação de revitalização aconteceu por Tamires Nunes, atual coordenadora pela sociedade civil do Subcomitê Rio Curimataí. Tamires decidiu procurar Marina para oferecer o apoio do CBH Rio das Velhas. Assim, articulou-se a doação de mudas de Ingá vindas do Viveiro Langsdorff – uma iniciativa do Comitê, Subcomitê Rio Taquaraçu, Agência Peixe Vivo e ArcelorMittal Brasil voltada à produção e doação de espécies nativas para toda a bacia. “Pensamos em mudas que fossem recuperadoras de mata ciliar e que conseguissem fazer reflorestamento e optamos pelo Ingá. As 40 mudas doadas pelo viveiro chegaram em outubro [2020]”, explica Tamires. Com as mudas em mãos, o jeito foi organizar um mutirão de plantio. De lá para cá, alguns já foram feitos com ajuda da comunidade, inclusive com a ajuda dos jovens.

Veja o vídeo sobre os cuidadores do riachão, em Buenópolis bit.ly/VidCuidadoresRiachao

Mas a colaboração entre o CBH Rio das Velhas e os “Cuidadores do Riachão” não parou por aí. Além das mudas, uma outra ação que está recebendo apoio do Comitê, através do Subcomitê, é a reativação do banheiro público do local. “Eu recebo todos os meses o informativo do Comitê. Recebo também os materiais da Bacia Hidrográfica do Rio Curimataí e Rio São Francisco. Em um encontro com Marina, entreguei alguns exemplares. Nos informativos ela encontrou uma matéria sobre fossas sépticas, sobre biodigestor, e se interessou em procurar uma forma de viabilizar isso para o Riachão. Ela me perguntou: ‘com quem que eu posso conversar para fazer isso acontecer no Riachão?’. Eu falei: ‘comigo’”. No mesmo dia da entrega das mudas do Viveiro Langsdorff, o engenheiro ambiental Alvânio Junior visitou o local a convite do CBH Rio da Velhas para fazer um diagnóstico e avaliar as possibilidades. “Com ajuda do Alvânio, foi feita a análise e chegamos à conclusão de que um biodigestor seria uma opção melhor para o lugar. A ideia é que essa ação aconteça da melhor forma possível para que o banheiro e o espaço do bar voltem a funcionar de uma forma ecologicamente consciente”, conta Tamires. Outras ações também foram feitas às margens e dentro do próprio Riachão. Os poços de água que estavam tomados pela erosão e pelo mato foram recuperados. Bancos de madeira reaproveitada e pedras foram espalhados pela área. A preservação das nascentes do Riachão também está sendo pensada. Ele nasce no alto da Serra do Cabral e grande parte das suas nascentes ficam dentro do Parque Estadual de mesmo nome. O rio é responsável por abastecer as casas das famílias com a água que é retirada pela Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) do alto da serra, o que mostra que a importância do Riachão vai além de um espaço de lazer e turismo dentro da cidade.


Para proteger essas nascentes, ameaçadas pelo fogo e pelo pisoteio do gado que compacta o solo, Irene Rodrigues, que é conselheira do Subcomitê Rio Curimataí e atuante no setor de turismo, agricultura e meio ambiente na região, está desenvolvendo um projeto com a Associação Regional de Preservação Ambiental (ARPA). “Vamos focar prioritariamente nas nascentes do Riachão, esse rio que é de grande importância enquanto curso d’água, que contribui com o Rio Curimataí, que deságua no Rio das Velhas, importantíssimo para nossa comunidade”, conta. A ideia da conselheira é somar esforços com entidades públicas e outros parceiros para realizar um estudo de mapeamento das nascentes, levantando o número e as condições em que elas se apresentam atualmente. A prefeitura de Buenópolis também apoiou a revitalização. Disponibilizou materiais para algumas obras e funcionários que fizeram o trabalho de limpeza da área, roçando e livrando as árvores de ervas daninhas. Nesse trabalho, nenhuma árvore foi retirada. “O turismo em Buenópolis acontece principalmente por água. As cachoeiras e os rios são os atrativos mais procurados. O Riachão é uma área pública e completa de lazer não só para os buenopolenses, como também para os turistas”, conta Ana Luíza Pereira Arcanjo, secretária municipal de Cultura, Turismo, Lazer, Esporte e Meio Ambiente. O mesmo rio que abastece a cidade e que proporciona lazer para as famílias também é o rio que ajuda a economia e mantém a cultura ancestral de Buenópolis. As lavadeiras são presenças cotidiana com seus baldes, lençóis e sabão às margens do Riachão. Prática que é passada de geração para geração, costume mantido pelas mulheres da cidade. É com a água limpa do rio que elas ajudam no sustento da família.

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Filha de lavadeira que ficou viúva com três filhos pequenos para criar, a professora Simone de Fátima Primo sabe da importância da profissão para o município. “São muitas as gerações de mulheres guerreiras que criaram famílias inteiras com essa sofrida função. As lavadeiras são um bem imaterial de Buenópolis e é fundamental resgatar e valorizar essa história que envolve saberes”, conta Simone. Aos poucos, as obras do Riachão vão ficando prontas e, a cada dia, novos colaboradores chegam para ajudar. Fazer parte da revitalização desse espaço de Buenópolis e ver ele se transformando é motivo de orgulho para Tamires. “Somos privilegiados em ter dentro da cidade águas para nos refrescar. O Riachão é pano de fundo das infâncias de Buenópolis, atravessando as gerações. A matriarca de minha família já tem 90 anos e coleciona histórias que aconteceram lá, o mesmo acontece com minha mãe, comigo e com minha irmã. A cada dia que a beleza de lá aumenta, seja nas placas afixadas, nas águas aumentando, nas flores florindo e colorindo, nas pontes de madeiras ficando prontas, no caminho de pedras, nas árvores nascendo, mais o sentimento de pertencimento tem sido travado em nossos peitos. É a prova de que o amor por uma causa provoca mudança rápidas, em seis meses já era possível uma surpresa do antes e depois. Os cuidadores do Riachão são pessoas necessárias para a cidade. E o desejo é de que eles jamais desistam desse sonho”, completa. De lugar abandonado, o Riachão agora é motivo de disputa aos domingos. Disputa amigável de uma população que está transformando não só um espaço público, mas sua relação de pertencimento com a cidade onde vivem.

Uma das coordenadoras do Subcomitê Rio Curimataí, Tamires Nunes articulou doação de mudas de viveiro próprio do CBH Rio das Velhas para o espaço.


Artigo

Avó Água Artigo de Ricardo Moebus, professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e médico do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Juventude de Ouro Preto (CAPSij – OP). O artigo originalmente foi publicado na coluna “Re-Existir na Diferença” no Portal de Notícias Semana On em 30/10/2020 – bit.ly/SemanaonAvoAgua

Montagem gráfica de Clermont Cintra produzida a partir das seguintes obras artísticas e cartográficas de época: Carta Geral do Brasil – Albernaz (1666); Sauvages civilisés, soldats indiens de Mugi das Cruzas (Province de St. Paul) combattant des Botocoudos – Jean-Baptiste Debret (1834); Carta Geográfica do Termo de Vila Rica (1766) – Cartografia das Minas Gerais, da Capitania à Província - Editora UFMG; Sabará – Johann Moritz Rugendas (1835); Têtes de differéntes castes sauvages – Jean-Baptiste Debret (1834); Coiffures, et suite de têtes de différentes castes sauvages – Jean-Baptiste Debret (1834); Sauvages civilisés soldats indiens de la province de la Coritiba, ramenant des sauvages prisionnières – Jean-Baptiste Debret (1834); Carta Topographica das Terras entremeias do sertão e distrito do Serro do Frio (1731) – Cartografia das Minas Gerais, da Capitania à Província – Editora UFMG.

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Começamos com um desabafo sincero e pessoal. Um dos clichês que mais me provocam e instigam é o incômodo aforismo “traduttore traditore”. (...) Acrescentaria: também a “tradução” se realiza por um efeito de memória. Traduzo para não esquecer ou traduzo para, sim, esquecer que existiram traduções (literárias e não) que não me representam. Traduzo, porque existo. Biagio D’Angelo

Ao longo de todo o século XVII partiram de São Paulo expedições fortemente armadas, que contavam por vezes com mais de dois mil homens, entre portugueses, negros, mestiços e centenas de índios escravizados, em busca de riquezas, que poderiam ser indígenas a serem presos e escravizados, negros fugidos e refugiados em quilombos, metais preciosos, como o ouro – eram as Bandeiras ou Entradas. Os chamados bandeirantes ou paulistas avançavam sobre os sertões do Brasil expandindo as fronteiras de exploração, avançando sobre os territórios indígenas e destruindo quilombos e aldeias. Os bandeirantes, com seus conhecidos nomes como Fernão Dias, Raposo Tavares, Domingos Jorge Velho e tantos outros eram, portanto – assim descritos por vários historiadores que desmistificaram as leituras ufanistas e apologéticas das primeiras décadas do século XX – equivalentes a piratas do sertão, capitães do mato, traficantes de escravos indígenas, gente rude, extremamente violenta e ambiciosa, disposta a matar ou morrer em busca das riquezas que saqueavam nos sertões.

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As chacinas e a brutalidade de bandeirantes como Raposo Tavares foram ricamente descritas pelos Jesuítas que sofreram com os ataques dos bandeirantes às suas missões, aprisionando, matando e torturando os indígenas de algumas reduções jesuíticas. Na última década do século XVII chegaram tais milícias armadas em busca de metais preciosos, informados por lendas como a de Sabarabussu ou Sabarabuçu, que significava na língua tupi algo como “grandes olhos brilhantes”, indicando a presença dos metais que brilham como o sol, chegaram à calha do rio conhecido pelos indígenas como Waim-ig ou Uaimií ou ainda Waimi’y ou Gwaimi-y. O bandeirante que mais se notificou e se estabeleceu no que passaria mais tarde a ser a Vila de Sabará, às margens deste Rio Gwaimi-y, na Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, foi Borba Gato, genro de Fernão Dias. Eram mais de cem os grupos ou povos indígenas que viviam neste território hoje conhecido como Minas Gerais, sendo que na região central predominavam os Cataguás ou Cataguases, que assim denominavam-se pelas raízes do tupi Ca+tu+auá, significando “gente boa”. Foram fortemente atacados, escravizados e dizimados pelos bandeirantes, desde a expedição de Felix Jacques. 30

No vale do Rio Gwaimi-y, segundo Oiliam José, no livro “Indígenas de Minas Gerais”, viviam os Goianás. Já nas cabeceiras deste mesmo rio, na região onde hoje é a cidade de Ouro Preto, viviam os Guarachués, também dizimados pelos bandeirantes em busca do ouro.


Foi no encontro com esses ou um desses povos indígenas, sejam os Goianás, os Guarachués ou os Cataguás, que os bandeirantes receberam a missão de traduzir o nome do Rio Gwaimi-y. Gwaimi, era equivalente a “velho”, “velha”, e o –í/-y final significava “rio, água”. Para os bandeirantes toda o cosmologia dos povos indígenas era algo inexistente ou desprezível, a visão sagrada do mundo, o animismo e o perspectivismo indígena que reconhece a vida e a familiaridade que unifica todos os seres, que os levam a reconhecerem a Mãe Terra, que levam, por exemplo, os Krenak a reconhecerem o avô Rio Watu, conhecido por nós como Rio Doce, hoje em coma como legado e herança da mineração que nunca cessou desde o século XVII, tudo isso era algo inalcançável para o materialismo bruto bandeirante. Desse modo, seria inatingível para um bandeirante imaginar que Gwaimi-y, o reconhecimento maior e fundamental da sabedoria dos povos indígenas, poderia ser traduzido como “Avó Água”, constatando o profundo entendimento imaterial da natureza e do mundo pelos povos originários, Mãe Terra, Avó Água. A mãe antes da mãe, fonte e berço primeiro de toda vida neste planeta. Mas Gwaimi-y foi de fato traduzido na lógica do materialismo rude bandeirante: Rio das Velhas. Em 1714 seria instituída a Comarca do Rio das Velhas, com sede na Vila de Sabará.

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Entrevista

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Um dos pensadores mais influentes da atualidade, Ailton Krenak fala à Revista Velhas sobre pandemia, Rios Watu e Uaimií, ancestralidade e as ameaças que sofremos enquanto espécie Por Luiz Ribeiro Fotos: Neto Gonçalves e Ruy Teixeira


Líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor. Este é Ailton Alves Lacerda Krenak, nascido no vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Escritor e ganhador do prêmio Juca Pato 2020, que distingue o intelectual do ano segundo a União Brasileira de Escritores, é autor de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e do recente “A Vida Não É Útil”, editados pela Companhia das Letras. Nesta entrevista exclusiva, Ailton Krenak fala dos efeitos da pandemia na espécie humana, na sociedade brasileira e na Reserva Indígena onde vive, da sua relação ancestral com o Rio Watu (Doce) e como o Uaimií (Rio das Velhas) compartilha dessa perspectiva que reconhece a familiaridade entre os seres e elementos. Tido como um dos pensadores mais influentes na contemporaneidade, Krenak também analisa temas como humanidade, preconceito, mudanças climáticas e o processo de recuperação da Bacia do Rio Doce, em curso desde o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, em Mariana, em 2015. E diz: “Qualquer bacia hidrográfica só consegue se recuperar se tiver engajamento de todo mundo”.

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Neto Gonçalves

Ailton Krenak concedeu essa entrevista à Revista Velhas por videoconferência, em janeiro deste ano.


A Covid causou esse arraso no meio das nossas comunidades, principalmente nas mais carentes. Nós viramos 2020/2021 com uma espécie de cansaço de um ano tão duro quanto foi 2020. Então eu continuo aqui, observando daqui. Eu acho que não sobrou nenhuma comunidade aqui na nossa região que não perdeu algum parente. E isso põe a gente diante de uma pergunta: quando nós vamos ser capazes como sociedade, não grupo isolado, de nos organizar para enfrentar o contágio e o fato real de que a gente precisa vacinar a população brasileira? O negacionismo ainda está pairando sobre as nossas cabeças como uma ameaça. Se a gente continuar com um governo que nega que tem uma pandemia e que é preciso confrontar essa grave crise sanitária, nós vamos estender essa doença até o resto do ano. Em várias regiões do mundo essa questão está sendo tratada como uma questão nacional. No seu último livro ‘A Vida Não É Útil’, você destaca o fato de o coronavírus adoecer apenas seres humanos. O que isso nos indica?

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Isso nos aponta que nós estamos diante de um paradigma ético, ecológico e, em último caso, a gente poderia dizer que é também político. Mas ele é principalmente ético. Nós, como vasta humanidade, atravessamos o farol vermelho e não estamos entendendo. E, nesse caso, é o sinal das mudanças climáticas. Esse calor é planetário, não é mais uma febre localizada. Você não está com uma febre que você põe a mão na testa e está com febre; você está com febre no corpo inteiro! A próxima convenção que talvez a gente tenha da biodiversidade, o assunto não deve ser mais o ecossistema planetário, ele deve ser o organismo humano inadequado para habitar esse ecossistema planetário. E o que a gente faz com esse organismo humano? A gente cura ele? A gente dá um tratamento homeopático para ele? Ou a gente vai junto para um fim onde a gente não tem mais nenhuma previsibilidade de quando vai acontecer? Além da pandemia do novo coronavírus, 2020 ficou marcado pelas manifestações antirracistas impulsionadas pelo movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Como é ser indígena no Brasil? O preconceito em relação aos indígenas é tão forte quanto o racismo que atinge os negros? É difícil a gente dimensionar o que é pior, o que é maior, quando a gente trata de uma questão que é tão subjetiva. O racismo não é uma coisa objetiva. Aquilo que eu chamei de perda da ética global, que a gente perdeu a ética humana, vai emergir como distúrbios, conflitos étnicos, raciais, e vai se expressar na forma de violência. Se essa violência vai ser de gênero, de raça ou de classe, não importa. O que eu quero te dizer é que nós vamos enfrentar crises muito piores do que essas manifestações racistas ou antirracistas que estão eclodindo por aí. A coisa vai piorar muito. O ser humano, esse Homo Sapiens, virou uma peste aqui na terra. E as manifestações de inadequação – racismo, preconceito, xenofobia, burrice – são só erupções cutâneas. Isso vai sair na pele da gente, vai dar pereba pra todo lado enquanto a gente não curar o núcleo. E o núcleo doente dos humanos é essa fúria de dominar a terra. A gente come rios, come montanhas, come outros animais. A lista de espécies em extinção não para [de crescer]. Quer dizer: nós vamos entrar na lista de espécies em extinção uma hora. Ou a gente vai achar que está fora do ecossistema terrestre?

Ruy Teixeira

Chegamos a um ano de pandemia e quarentena no mundo. Como você tem passado esse período?


“Uma catástrofe no sentido cultural-ecológico. Foi como se a gente tivesse perdido o chão”, sobre o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, que deixou o Watu (Rio Doce) “em coma”. O que o Rio das Velhas remete a você? Qual a sua relação com ele? Ele me remete, em primeiro sentido, a um nome, ou etnome, que é na língua tupi: Uaimií. Uaimií é um rio, assim como é o Watu, para o povo que vivia na sua bacia, sagrado. Mas ele foi devastado pela industrialização. Esse negócio de jogar todo o esgoto de Belo Horizonte no Rio das Velhas é uma infâmia. Olha o tipo de comunidade urbana que a gente constitui! São Paulo transformou o Tietê num esgoto. Belo Horizonte transformou o Rio das Velhas em outro esgoto. O [Ribeirão] Arrudas é aquela coisa doente e entubada. Olha ao seu redor, olha o Rio Doce! Talvez o [rio] Jequitinhonha, que tenha ficado na região menos industrializada do nosso estado, na área que sempre foi considerada como uma região abandonada, que eles chamam inclusive de “com maior índice de pobreza”, na verdade, do ponto de vista ambiental, tem mais qualidade do que nós, que fomos industrializados. As bacias industrializadas do nosso estado viraram esgoto. Então viva a região de Minas que ficou esquecida pelo tal do progresso! Tomara que o Jequitinhonha consiga dar vitalidade e inspirar a restauração dessas outras bacias coirmãs, porque nós estamos em maus lençóis – por falar em água. Eu sei que o Projeto Manuelzão, coirmão do Comitê do Rio das Velhas, trabalhou muito junto às comunidades locais, conscientizando sobre a importância das nascentes e a importância de proteção das sub-bacias. E o que aconteceu? Deu uma conscientizada, melhorou um pouco o perfil do tipo de sitiante que está na beira mesmo do Rio das Velhas, teve um pouco mais de controle sobre a mata ciliar, sobre as beiras de rio, mas foi insuficiente para mudar a consciência de que a Bacia Hidrográfica tem que ser protegida. Os Goianás, Guarachués e os Cataguás habitavam essa região do Vale do Rio das Velhas e, como você mesmo citou, o chamavam de Uaimií [ou Gwaimi-y, Waim-ig, Waimi’y].... Sim, esses povos todos são de língua tupi. É diferente da língua dos Krenak, que é Jê. Você pode ver que o nome que demos para o nosso rio é Watu. Ele é o nosso avô. E que tem o mesmo sentido em Uaimií...

Exato! E a tradução bandeirante [Gwaimi, era equivalente a “velho”, “velha”, e o –í/-y final significava “rio, água”] cunhou literalmente Rio das Velhas, em detrimento de algo como “Avó Água”, desconsiderando essa perspectiva indígena que reconhece a vida e a familiaridade que unifica os seres. O que uma sociedade perde sem, cada vez mais, essa relação ancestral ou minimamente mais próxima e familiar com o rio e os elementos naturais? A primeira perda óbvia é aquela que, quando a gente está se debatendo para criar uma unidade de conservação, uma APA [Área de Proteção Ambiental], uma reserva biológica, enfrenta os primeiros sinais dessa resistência quando as pessoas dizem: “Pra que criar um lugar que a gente não pode ir, porque a gente não pode entrar lá?”. Ora, porque aquele lugar precisa ser protegido, é o sentido de sagrado. Pra você explicar cientificamente para um sitiante que ele não pode ocupar a cabeceira de um de rio, de um córrego, de uma nascente, você tem que levar os fiscais lá, multar o cara, você usa um conjunto de argumentos – que chegam a ser até intimidação – para ele entender. Mas se esse cara tivesse cultura, se ele tivesse ideia de quem eram os antepassados dele, se ele guardasse uma memória cultural daquele lugar, você não ia ter que intimidar ele, porque ele ia falar: “eu não posso mexer na cabeceira daquele rio porque aquele rio é sagrado”. Não precisa ser uma religião católica, umbandista, espírita; basta você ter cultura. A cultura torna determinados estágios e ambientes da nossa vida sagrados. Não porque você imprime um sentido religioso, mas porque você imprime um sentido de memória. Nessa perspectiva, o que significou para você e o povo Krenak tudo o que aconteceu com o Rio Watu (Doce) em 2015, em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco? Foi uma catástrofe no sentido cultural-ecológico. É como se a gente tivesse perdido o chão. Não foi muito diferente do que aconteceu com o pessoal de Bento Rodrigues [primeira localidade devastada com a lama da barragem]. Aquelas famílias, aquelas pessoas, tiveram a vida deles destruída. Talvez a gente só tenha conseguido alguma resiliência porque nós somos um coletivo muito instituído, a gente tem uma história muito profunda e esse grupo de pessoas que hoje constitui mais de 130 famílias tem razões de permanecer aqui, que do ponto de vista do dano não desistiram daqui. Era para todo mundo desistir, ir embora, aceitar uma outra compensação, construir um bairro, uma vila em algum lugar – porque é a prática das empresas, e do próprio governo. Se a gente fosse pensar o fato real, essas famílias teriam que ter sumido daqui, porque não ficaram condições ecológicas, não ficaram condições materiais de produzir comida, de produzir vida. Aqui é uma reserva de 4 mil hectares, vamos considerar que um terço das famílias vivia na margem mesmo do rio, tinha um cotidiano ribeirinho. Todos eles perderam a sua fonte de subsistência. Todos. E começaram a viver de cesta básica. Tem quase 6 anos que todo mundo aqui vive de cesta básica.

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Ruy Teixeira

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Você crê na revitalização do rio, um dia? Eu creio, claro. Porque pra nós o que aconteceu é que a vida do rio mergulhou, ela está submersa. Então, nesse entendimento, ele está esperando que aqui na superfície as coisas mudem para ele poder voltar a ser um rio. Só que isso não é no tempo dos humanos, não é 10 anos não, num é 20 anos. De repente vão ser os nossos netos, talvez tataranetos, que vão poder ter uma convivência com o rio – isso se parar a violência contra a superfície da bacia. Porque se essa superfície da bacia continuar sendo agredida com lançamento de esgoto, pressão sobre a mata ciliar – se não houver restauração da mata ciliar não tem rio! –, ele vai continuar sendo esse corpo d’água doente. A gente costuma dizer que o Watu está em coma. Quem está em coma não está morto. Pelo menos para os familiares, [quando] uma pessoa está em coma, fica todo mundo rezando, todo mundo na fé que ele vá sair um dia do coma. Mas ele [rio Watu] é um estágio avançado de perda da vida, um estado dramático. Eu também tenho esperança de que o Rio das Velhas volte a ter abundância de peixe, que possa de verdade ser um rio onde as pessoas possam nadar e beber água. Como já disse um falsificador de promessas da política do nosso estado, que “em 10 anos vou mergulhar no Rio das Velhas, nós vamos beber água do Rio das Velhas”. Esse tipo de promessa vã a gente não pode mais acreditar, isso é conversa fiada. Ninguém vai beber água do Rio Doce em 10 anos. Se beber vai parar no hospital. Como você, um atingido, avalia os esforços de recuperação empreendidos por empresa (Fundação Renova/Vale/BHP Billiton) e Estado? Incipientes. Inconsistentes do ponto de vista de um projeto tecnológico. Incapazes de levar em conta a realidade socioambiental – eles não integraram as comunidades que vivem na bacia do rio em nenhum projeto. São projetos autocráticos, feitos em gabinete. Eles mandam biólogos e engenheiros andar na Bacia do Rio Doce e fazer consultas, e depois produzem relatórios totalmente ao gosto de quem precisa de um relatório, mas que não têm engajamento. Se não tiver engajamento, não tem trabalho. Qualquer bacia hidrográfica só consegue se recuperar se tiver engajamento de todo mundo que vive na bacia em algum nível. Agora eu escutei um sabiá aí, mas há pouco eu havia escutado o barulho de sirenes. Tem a ver com a ação das empresas aí na Reserva? A sirene que você escutou é uma daquelas máquinas imensas, aquelas retroescavadeiras, e patrola. Aqui tem retroescavadeira, patrola, guindaste, caminhão-pipa e tem aquele rolo compressor que você só usa em obras de infraestrutura, tipo asfalto. Eu nem sei pra que eles botam o rolo compressor aqui, se aqui não tem nenhuma compactação. Outro dia eu dei uma entrevista e falei que aqui tinha virado o “Rally das Empreiteiras”. Nessa prosa fundamentalmente sobre rio, o que mais gostaria de destacar? Que esses rios, que são muito mais antigos do que nós, possam nos dar sabedoria e nos instruir [sobre] como melhorar a nossa existência sem continuar danando a vida ao nosso redor. Os rios têm sabedoria, eles podem ensinar a gente. Vamos aprender com eles!

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Unidades Territoriais

O caminho para o sertão sem fim Guaicuí, um lugar marcado pela confluência de dois grandes rios e fonte de cultura para o país Texto: Ohana Padilha

Álvaro Gomes

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Árvores de troncos tortuosos, veredas mais aparentes e um rio mais exuberante marcam o caminho que vai para a região do Baixo Rio das Velhas. Caminho que foi inspiração para o escritor João Guimarães Rosa, que descreveu o sertão com toda a sua riqueza paisagística, cultural e da alma humana. A região se destaca de várias outras da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas graças à relação das pessoas com o rio. Lá os moradores se sentem mais conectados com a água, com o lugar e com toda a tradição, como relatado por Álvaro Gomes, geógrafo, professor e morador da região.

“Minha experiência com o rio é cotidiana, tendo nascido e crescido em Várzea da Palma, muito próximo da margem do Velhas. O rio faz parte do dia a dia dos moradores da cidade, é ponto de encontro casual para conversar, caminhar, é passagem para produção agrícola que vem da zona rural, é de onde sai o sustento de pescadores e de trabalhadores que retiram areia do rio nas canoas todos os dias. Além do convívio cotidiano por viver aqui próximo a ele, o Rio das Velhas é meu objeto de estudo em minha dissertação de mestrado, então costumo dizer que vim do rio e que vivo dele hoje em dia”, conta.

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Pôr do sol em Várzea da Palma, um dos municípios ribeirinhos da Unidade Territorial Estratégica (UTE) Guaicuí.


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Mapa de localização

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o Corint

Quem parte para o Baixo Velhas se depara com a região conhecida como Guaicuí, ou Guaicuy, que compreende os municípios de Corinto, Lassance, Pirapora e Várzea da Palma, além de abrigar o encontro do Rio das Velhas com o frondoso Rio São Francisco.

Fernando Piancastelli

Um grande patrimônio natural da região é a Serra do Cabral, que faz parte da Cordilheira do Espinhaço e é um divisor de águas entre os Rios das Velhas e Jequitaí, ambos afluentes do Velho Chico. O local também se destaca pelo grande número de sítios arqueológicos pré-existentes, já que no local viveram povos indígenas nômades até aproximadamente 350 anos atrás.

Sempre-vivas embelezam a Serra do Cabral, patrimônio natural da região.

Além disso, a Serra do Cabral é considerada um reservatório para a produção de água dos mananciais da região, em razão da presença de nascentes. É válido ressaltar que as nascentes são responsáveis por abastecer os riachos, córregos e ribeirões e a sua proteção reflete na melhoria da qualidade e quantidade das águas. Para contribuir com a preservação da Serra do Cabral, o CBH Rio das Velhas segue investindo em estudos e ações que garantam o patrimônio natural. Realizado na localidade de Bananal de Cima, em Várzea da Palma, o Comitê executou o projeto de construção de mais de 370 bacias de captação de água pluvial (barraginhas), cercamento de 4 mil metros de veredas e desenvolvimento de ações de Educação Ambiental e Mobilização Social nas comunidades da região. Atualmente, o CBH Rio das Velhas está elaborando o Plano de Manejo da APA (Área de Proteção Ambiental) Serra do Cabral. Principal instrumento de planejamento e gestão das unidades de conservação, o Plano de Manejo estabelece normas que devem nortear o uso da área e o manejo dos recursos naturais. Nele se estabelece o zoneamento que define quais áreas dentro da unidade podem ser utilizadas e para quais usos. É uma forma de garantir o uso sustentável do lugar, atendendo a diversos interesses.

Ilustração Clermont Cintra

Rios e Córregos Limites Bacia do Velhas Corinto Lassance Pirapora Várzea da Palma

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Legenda


Um desbravador. Um encontro. Uma igreja inacabada. “Era impossível contemplar sem entusiasmo o encontro dos dois poderosos cursos de água. O Rio das Velhas faz uma curva graciosa de nordeste quase que para oeste e, descendo por um trecho reto, com cerca de 183 metros de largura, mistura-se com o São Francisco, que vem de leste para recebê-lo (...) Se algum lugar merece o selo de grandeza conferido pela mão da Natureza é essa confluência”, trecho registrado no diário do desbravador inglês, Richard Burton, quando presenciou o encontro dos Rios das Velhas e São Francisco, em 1867.

Um atrativo da vila é a Igreja de Pedras Senhor Bom Jesus de Matozinhos que foi erguida com enormes blocos de pedra às margens do Velhas e que nunca fora acabada. Em ruínas, possui uma sólida construção de pedras com paredes pela metade e sem um teto. Uma imponente gameleira cresceu no alto da parede do fundo e suas raízes dão textura às paredes de pedras. Ninguém sabe ao certo por quem e por qual motivo a construção fora erguida, alguns dizem que a igreja teve sua construção iniciada pelos jesuítas que navegavam da Bahia pelo Rio São Francisco, portanto, várias décadas antes da bandeira do paulista Fernão Dias Paes Leme, que comandou várias missões pelo interior do Brasil colônia em busca de ouro e pedras preciosas no século XVII. Outra lenda diz que os operários morreram de malária. Mais outra destaca que a construção foi interrompida ao se constatar que o leito do Rio das Velhas inundaria o templo em época de enchentes. Atualmente, o local em ruínas foi reconhecido com o tombamento do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

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Léo Boi

Estudioso e aventureiro inglês Richard Francis Burton percorreu os Rios das Velhas e São Francisco até o mar, em 1867, cruzando o interior de um Brasil que profetizava como país do futuro.

A confluência narrada por Burton localiza-se nas proximidades do distrito de Barra do Guaicuí, no município de Várzea da Palma, sendo então um dos principais pontos turísticos da região e do norte de Minas Gerais. A localidade também é fonte de inspiração para histórias, lendas e contos que dão um clima de curiosidade e encantamento aos moradores e visitantes.

Rio das Velhas em seu encontro com o São Francisco. “Se algum lugar merece o selo de grandeza conferido pela mão da Natureza é essa confluência”, definiu o desbravador inglês Richard Burton.


Ilustração: Theodor Reinhardt

Água para beber, peixe para pescar De acordo com o Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) do CBH Rio das Velhas, os principais agentes de degradação das águas da região associam-se ao lançamento de esgotos domésticos. Para exemplificar esse cenário, um fator que reflete diretamente sobre a qualidade da água é a quantidade de peixes no rio. De acordo com a presidente da Colônia de Pescadores Artesanais e Aquicultores Z34 da Barra do Guaicuí, Vilma Martins Veloso, um dos grandes problemas que prejudicam a pesca no local são os lançamentos de esgoto. “O nosso esgoto é jogado no rio diretamente e quando chove jorra para todo lado”. Para Vilma, o agronegócio também coloca em risco a atividade da pesca. Segundo ela, a produção “joga veneno” nos cursos d’água, o que vai prejudicando ano após ano a quantidade de peixes no rio. A colônia de pescadores da qual Vilma faz parte conta com cerca de 120 profissionais que vivem diretamente do rio. É de lá que essas pessoas tiram o seu sustento e o da sua família, são centenas que precisam de água boa para ter a sua renda. “Temos que ter água limpa, água saudável para podermos criar os nossos peixes para nossa renda, dependemos disso”.

MIguel Aun

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Indagada sobre como é viver entre os dois imponentes Rios das Velhas e São Francisco, Vilma diz que se sente privilegiada por presenciar a confluência tão perto de casa. “A gente fica encantada por morar ao lado de dois rios tão importantes. Para mim, isso é um privilégio porque esses rios são a nossa vida”.

Vilma Martins Veloso é presidente da Colônia de Pescadores que reúne cerca de 120 profissionais que vivem diretamente do rio.

Para contribuir com o cenário de melhora da qualidade das águas, o CBH Rio das Velhas elaborou os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) dos municípios de Várzea da Palma e Lassance. Instrumento fundamental para a política pública de saneamento e exigência do governo federal para o recebimento de recursos da União, o PMSB permite entender o contexto atual dos serviços de saneamento de cada município, como a distribuição de água, o esgoto, a coleta de resíduos e a drenagem. Outro fator que prejudica as águas da região, segundo o Plano Diretor de Recursos Hídricos, são as cargas difusas que contribuem para a deterioração e o seu aporte está relacionado, principalmente, às atividades agropecuárias que favorecem os processos erosivos, devido à remoção da cobertura vegetal. Diante disso, o CBH Rio das Velhas já viabilizou a construção de 450 bacias de contenção nas margens de estradas rurais dos municípios de Lassance e Várzea da Palma, além da recomposição florestal com o plantio de 500 mudas e o cercamento de três nascentes.


No ano de 1907, o médico Carlos Chagas chegou em São Gonçalo das Tabocas, atual Lassance, com a missão de conter um surto de malária que acontecia na localidade. Ao observar muitos pacientes com problemas cardíacos e ouvir relatos de um inseto que picava o rosto das pessoas enquanto dormiam, Chagas resolveu investigar o fenômeno.

Fernando Piancastelli

Sertão também é ciência

Foi em Lassance que Carlos Chagas recebeu a missão de Oswaldo Cruz de combater o surto de malária que impedia a construção do ramal ferroviário entre Corinto e Pirapora.

Em homenagem ao médico e à sua descoberta, Lassance inaugurou o Memorial Carlos Chagas, onde é possível ter acesso às informações sobre o médico, às ferramentas que ele utilizava e aos documentos da época.

Fernando Piancastelli

Com coletas de amostras e exames do intestino do barbeiro, descobriu a enfermidade que assolava as pessoas da região. A data da descoberta foi 14 de abril de 1909.

A união faz a força O Subcomitê Guaicuí, vinculado ao CBH Rio das Velhas, conta com diversos atores sociais que têm o objetivo de ver a vida prosperar. Assim, de forma coletiva e participativa, o Subcomitê discute maneiras de compatibilizar o equilíbrio ecológico com o desenvolvimento econômico e socioambiental do território. Um grande exemplo disso é o Projeto Resgatando Jovens que teve o objetivo de capacitar a comunidade de Porteiras, em Barra do Guaicuí, para a construção de um viveiro de mudas, manutenção, desenvolvimento e coleta de sementes. A idealizadora do projeto e conselheira do Subcomitê Guaicuí, Zita Ruas Rodrigues, conta com orgulho a proposta do projeto. “O objetivo é de segurar os jovens na comunidade. Porque aqui os jovens que se formam no ensino médio ficam sem trabalho e não têm a opção de continuar os estudos e acabam saindo para as cidades para conseguirem emprego. Alguns conseguem serviço, outros encontram caminhos errados que acabam trazendo consequências para a família e a comunidade. Então, foi esse meu pensamento de segurar eles na comunidade porque, tendo emprego, seria mais fácil para eles”. Com a vontade de ver a comunidade prosperar e o sonho de ver o projeto ser um exemplo para outras comunidades, o Subcomitê foi atrás de outras parcerias para o Projeto Resgatando Jovens. O terreno onde fica o viveiro é uma área de 16 hectares, localizado na margem direita do Rio das Velhas, que foi cedido para a comunidade pela prefeitura de Várzea da Palma. O Grupo Mantiqueira, importante usuário de água da região, disponibilizou maquinário para manutenção do terreno, roçadeira, trator e caminhão, além de insumos para o início do viveiro. Já a empresa Vallourec doou toda a madeira para montar a estrutura do lugar.

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Projeto do CBH Rio das Velhas e Subcomitê Guaicuí capacitou a comunidade para a construção e manutenção de um viveiro de mudas.

“Através do Subcomitê Guaicuí conseguimos um curso de viveiristas, muitos participaram. Depois disso, o IEF [Instituto Estadual de Florestas] nos indicou para um promotor do Ministério Público. Assim, já aconteceu uma visita na área e o MP nos fez a proposta de continuar o projeto por meio da coordenação do Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], onde já começaram os trabalhos com mais visitas ao local e entrevistas com a comunidade. Porém, com a pandemia, o Sebrae precisou dar um tempo nas atividades”, explicou Dona Zita. Além disso, o Sebrae propôs junto ao viveiro a produção de uma horta, o que deverá permitir um retorno financeiro mais rápido para a comunidade. “Por aqui, temos fazendas e cantinas de escolas que já se propuseram a comprar as nossas hortaliças”. Enquanto a comunidade aguarda a pandemia da Covid-19 passar para o projeto seguir, o Subcomitê Guaicuí continua firme no propósito de preservar as águas do Rio das Velhas que por ali passam, com o intuito de entregá-las melhores para o Velho Chico que chega logo adiante.


Saneamento

Com graves problemas de saneamento, Ocupação Izidora é formada formada por quatro comunidades: Vitória, Rosa Leão, Esperança e Helena Greco.

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Saneamento básico feito pelas mãos de quem precisa Projeto criado por professor e estudantes pode mudar a vida das famílias da Ocupação Izidora, em Belo Horizonte Texto: Michelle Parron Fotos: Bianca Aun


“Eu sou Paulinha e cheguei aqui há sete anos. Me deparei com uma situação muito difícil e não tinha mais como pagar aluguel. Foi quando decidi colocar quatro paus aqui e morar.” Essa é a história da Paula Cristina Fonseca da Silva, que conta como foi sua chegada na comunidade Vitória, na qual hoje é reconhecida pelos moradores como uma liderança. No dia em que ela se mudou para o barraco, coberto pela metade com uma lona, a chuva caiu e molhou as suas coisas. “Eu falo que foi para limpar tudo que ficou para trás, sabe? Apesar de ter molhado tudo e a gente ter ficado em pé, foi maravilhoso ter caído essa chuva.” O que Paula quer dizer quando conta sobre o primeiro dia em que chegou na ocupação foi ter deixado para traz a angústia das noites sem dormir com medo de não ter dinheiro para pagar aluguel. A vida da Paula pode servir para explicar a situação enfrentada por milhares de famílias brasileiras. Desemprego, falta de dinheiro para pagar o aluguel, falta de uma política habitacional e a oportunidade de ter uma casa são alguns dos motivos que levam pessoas a se juntarem e ocuparem espaços em busca de moradia. Famílias como essas que formaram a Izidora, uma das maiores ocupações urbanas da América Latina, onde moram cerca de 30 mil pessoas. Localizada na região norte de Belo Horizonte, há cerca de 18 km do centro da capital e na divisa com o município de Santa Luzia, a ocupação começou em 2013 e hoje é formada por quatro comunidades: Vitória, Rosa Leão, Esperança e Helena Greco. Ameaças de despejo, lutas judiciais e o sentimento de insegurança constante é a realidade de quem se arrisca na conquista de um novo lar para morar. Insegurança sentida por Josymar das Dores Coelho, que já viveu cenas de violência na comunidade Helena Greco. Liderança local, Josy relembra uma das ações de despejo que derrubou 27 barracos: “Meu filho sofreu muito. Ele recebeu spray de pimenta no olho que a polícia jogou pra eu sair de dentro do barraco pra eles derrubarem.”

Liderança na comunidade Helena Greco, Josy queixa-se das condições sanitárias da região e do abandono da prefeitura de Belo Horizonte.

Para se ter uma ideia do que os moradores da Ocupação Izidora já enfrentaram, em 2016 o Tribunal Internacional dos Despejos, órgão que produz e envia recomendações sobre conflitos por moradia para a Organização das Nações Unidas (ONU) e a governos, elegeu o caso como um dos sete mais graves do mundo. Hoje, a Josy é mãe de cinco filhos e cuida deles sozinha. Para sustentar a Nicole, com 18 anos, o Pedro, com 13 anos, o Natan, com 8 anos, a Sofia, com 7 anos e o Joaquim, com 3 anos, ela trabalha como faxineira do Centro Cultural Zilah Spósito. Lá ela também mapeia os artistas da comunidade e leva para o espaço cultural as demandas dos moradores. Com um salário que, como ela mesma diz, “não dá para fazer muita coisa”, Josy consegue, pelo menos, colocar comida na mesa dos filhos. É certo que lutar pelo direito à moradia é um ato de coragem por necessidade, já a conquista do saneamento básico em uma ocupação pede um pouco de esperança. Quem vive na Izidora convive com o esgoto sem tratamento adequado, a falta d’água e de coleta de lixo. Os moradores se viram como podem. Fossas são furadas no quintal e a água da pia e do tanque escorre ali mesmo, pelo terreno das casas. O lixo é queimado no quintal e a água, quando falta, precisa da colaboração dos vizinhos que formam um grande cordão de mangueiras unidas para puxar água de quem ainda tem para compartilhar. “A gente vive com fossas dentro do terreno onde tem famílias que nem tem lugar mais para furar o chão. Sem contar que prejudica muito o solo. O que eu mais queria é que acabassem as fossas do nosso território e que a prefeitura desse uma olhada diferente pra gente aqui dentro, sabendo que somos humanos e que dependemos de saneamento básico. Pelo menos o básico que é o esgoto, a água tratada, a luz legal pra gente. Não queremos viver da forma que estamos vivendo”, conta Josy.

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Professor do IFMG, Daniel Miranda coordenou a iniciativa sustentável premiada pelo BID.

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Mas assim como as mangueiras, que são emendadas, uma a uma, para fazer chegar a água aos moradores, o tratamento de esgoto poderá ser conquistado pela empreitada na própria ocupação. Isso porque o professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Daniel Miranda, com os estudantes Katy Marilym de Matos Neves e Nelson Xavier Ribeiro Neto, do curso de Engenharia Civil, e o engenheiro e ex-aluno do IFMG, Lorenzo Perpetuo Pinto, desenvolveram um projeto que é capaz de solucionar o problema dessas famílias que não têm tratamento de esgoto. “A ideia é usar formas de tratamento de esgoto alternativos, utilizando tecnologias sociais muito baratas que podem ser construídas com a mão de obra dos moradores dessas ocupações. Essa proposta envolve não só a construção das tecnologias em si, como cursos de capacitação que vão ser oferecidos pelo IFMG campus Santa Luzia”, explica o professor Daniel.

O projeto prevê colocar em prática dois tipos de tecnologias já conhecidas. Uma é o círculo de bananeiras, que trata das águas usadas dentro das casas, como em pias, tanques e chuveiros, as chamadas águas cinzas, e envolve o custo médio de R$ 100 reais por círculo. A outra é o tanque de evapotranspiração (TEvap), com custo médio de R$ 1 mil, o sistema que pode ser construído utilizando materiais de construção civil e pneus para tratar a água dos sanitários. Cada uma das tecnologias pode atender uma família de até 5 pessoas.

CÍRCULO DE BANANEIRAS

Bananeiras Palhada Taiobas

Altura de 0,5 a 0,8 m

Terra Galhos secos

Diâmetro 2.0 mm

Águas cinzas (pia e chuveiro)

Água do sanitário (entrada de esgoto)


Em um ano, projeto deverá beneficiar em torno de 220 pessoas das comunidades.

porém de uma forma muito facilitada e compatível com as condições que eles conseguem pagar. Como tudo envolve um investimento financeiro, a gente não conseguiria ter uma fonte inesgotável de recursos por conta própria para bancar a instalação para todas as famílias.”

Mas o que levou Daniel e seus alunos a conquistarem o prêmio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) não foram exatamente as tecnologias que fazem parte do projeto, mas a forma como serão executadas na ocupação Izidora. No modelo de negócios proposto, que conta com a criação de uma empresa social que vai coordenar o processo e buscar parcerias, a ideia é que os moradores, organizados em cooperativas, sejam capacitados pelo IFMG para poderem construir e instalar os dispositivos sustentáveis e que sejam capazes de adquirir o próprio sistema de tratamento. “Essas tecnologias serão financiadas pelas famílias. Nós vamos executá-las com apoio dos moradores, devidamente capacitados pelo IFMG, e esses moradores beneficiados por essas tecnologias vão retornar esse investimento em prestações. É como se fosse um empréstimo,

O projeto segue em andamento. De setembro de 2020 até agora foram feitas diversas reuniões e apresentações, inclusive em dois encontros do Subcomitê Ribeirão Onça, do CBH Rio das Velhas. Foram realizadas reuniões com a prefeitura de Belo Horizonte, secretaria de Meio Ambiente, de Planejamento, de Segurança Alimentar, tudo no intuito de buscar parceiros para fortalecer a execução do tratamento alternativo para o esgoto na Izidora. Ainda no primeiro semestre de 2021 será colocada em prática a fase pré-piloto, que contará com apoio do IFMG no valor de quase R$ 30 mil. A segunda fase será realizada no segundo semestre de 2021 com a execução do projeto-piloto. Neste momento entra em cena a empresa social, que contará com recursos próprios, como o prêmio de cinco mil dólares garantido pelo BID e outras parcerias para dar continuidade nas ações. “Nossa ideia é, a cada mês, construir um círculo de bananeiras e um tanque de evapotranspiração a uma família de cinco pessoas de cada ocupação. No total, vamos construir 36 TEvaps e 36 círculos de bananeira em um período de nove meses, beneficiando as quatro comunidades do Izidora. Em um período de um ano, vamos conseguir beneficiar em torno de 220 pessoas”, explica o professor.

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Da mesma forma que se constroem casas, se resolve a falta de água, abrem ruas, colocam-se placas nessas ruas, a construção de sistemas de tratamento de esgoto também deverá ser apropriada por quem mora na Izidora. Uma necessidade unida à vontade de fazer acontecer dentro em uma rede cooperativa dos moradores, apoiados pelo IFMG, pode começar a transformar a vida da Paula, da Josy, das 8 mil famílias que têm um direito que será, mais uma vez, conquistado, literalmente, com as próprias mãos.

Taiobas Tampas de inspeção

Bananeiras

Terra Tubulação perfurada para extravasamento

Areia grossa Brita Entulho Impermeabilização Câmara central

Ilustração: Clermont Cintra

TEVAP (Tanque de evapotranspiração)


Degradação

Quando falta solo também falta água Com um passado de glória, a Bacia do Rio Maracujá vive em alerta contra a degradação ambiental provocada pelas voçorocas e pela poluição Texto: Luiza Baggio Fotos: Léo Boi e Bianca Aun

Léo Boi

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Um rio em alto grau de degradação. Essa foi a constatação que diversos estudiosos, pesquisadores e moradores da Bacia do Rio Maracujá, que nasce em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, fizeram sobre ele. O assoreamento causado pelas voçorocas, uma das maiores do Brasil, em conjunto com o esgoto são os principais fatores de degradação do rio. Muitos afirmam que o início dessa degradação ambiental na bacia se deu pela mineração de topázio imperial. As mineradoras que operavam em Cachoeira do Campo transformaram a montanha em que nascia o Rio Maracujá em um buraco de argila roxa para arrancar os cristais raros de topázio imperial. O olho d’água ficou exposto a deslizamentos, mas ainda é capaz de ganhar corpo adiante, ao encontrar outros córregos, até desaguar no Rio das Velhas. “A extração de topázio imperial ocorre há séculos no Ribeirão Maracujá. A devastação que quase matou a nascente ocorreu mais recentemente, porque as mineradoras em vez de recomporem esses passivos ambientais, mudaram de nome e encerraram as atividades, sem qualquer compensação”, afirma Ronald Guerra, conselheiro dos Subcomitês Nascentes e Rio Itabirito e presidente da CTPC (Câmara Técnica de Planejamento, Projetos e Controle) do CBH Rio das Velhas. O Maracujá é um importante afluente do Rio das Velhas na região de sua cabeceira. Sua bacia está situada na borda sul do Complexo Bação, uma área de aproximadamente 140 km2. Esse pequeno rio foi suporte, até o ano de 2004, para o abastecimento da população de Cachoeira do Campo, com mais de 6 mil habitantes. Entre 1707 e 1709, o curso d’água foi palco de conflitos da Guerra dos Emboabas, o embate de paulistas e portugueses pelas minas da região. Foi também às margens do Maracujá, onde ficava o Palácio de Campo dos Governadores, que Joaquim Silvério dos Reis denunciou os Inconfidentes, em 1789.

Bianca Aun

O passado célebre, porém, não rendeu reconhecimento ao Maracujá. Suas nascentes vêm sendo enterradas por garimpos e mineradoras clandestinas. O curso d’água que atravessa pastos, fazendas e matas está tão assoreado que pontes que já tiveram cinco metros de altura hoje têm vãos com 30 centímetros. E isso não é tudo: o Maracujá é também receptor de grande parte da carga de esgoto dos distritos ouro-pretanos de Santo Antônio do Leite, Cachoeira do Campo e Amarantina, transformando o que era um rio em um esgoto a céu aberto.

Mina de topázio imperial na nascente do Ribeirão Maracujá, em Cachoeira do Campo. Já em sua nascente, nos limites com a bacia do Rio Doce, o ribeirão é impactado pela extração do mineral, muito comum na região.

Membro do CBH Rio das Velhas e dos Subcomitês locais, Ronald Guerra denuncia devastação na área da nascente.

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As voçorocas

A perda de solo acarreta também na perda de sua principal função que é o armazenamento de água, sem a qual não há como falar de boa produção. “Cabe aos rios sustentar gerações seguidas de gerações. E isso é geologicamente incompatível com a falta ou com a irregularidade do abastecimento de água. Por isso, fica evidente que o que de fato não pode faltar é o solo, sem o qual não se controla a água”, esclarece. Edézio finaliza esclarecendo que existe solução. “Enquanto o dever de tratar o corpo humano é cumprido, ainda que com falhas lamentáveis, por médicos, o solo deixa quase sempre de ser tratado por quem possa curá-lo. A solução não é apenas desassorear os rios, porque quem desassoreia não deixará de combater o assoreamento novo, podendo começar pela reabilitação das imensas voçorocas, que, de mãos atadas, todos conhecemos, e porque esse desassoreamento tem pelo menos três benefícios a serem aproveitados: 1) o material é matéria prima a ser lavrada a partir de uma balsa como areia de construção; 2) como matéria prima de tijolos sem cura e queima; e 3) como solo mesmo a ser usado na reabilitação de extensas áreas degradadas marginais. Essas possibilidades serão capazes de concorrer com outros métodos que físicos, químicos e biólogos, engenheiros ajudarão a desenvolver nas transformações ‘in situ’ de rochas alteradas em solos férteis”. Assista ao vídeo e saiba mais sobre a degradação na Bacia do Rio Maracujá: bit.ly/RibMaracuja

Na sede do distrito de Cachoeira do Campo, lançamento de esgoto é outro fator de degradação do Rio Maracujá.

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Geólogo Edézio de Carvalho chama a atenção para os danos que as voçorocas podem trazer, não só ao solo, como também às reservas de água pluvial.

Bianca Aun

Para o geólogo, as voçorocas não são um problema apenas local. “Digo não apenas porque as terras movimentadas pelo fenômeno erosivo de Cachoeira do Campo assoreiam completamente o reservatório de Rio de Pedras, em Itabirito. E têm de seguir além por não caberem mais no leito do Maracujá, e muito menos no pequeno reservatório. E têm de seguir para Rio Acima, Raposos, Sabará, Santa Luzia. Ganham o São Francisco e, finalmente, as grandes represas da Bahia e Nordeste”, acrescenta.

Léo Boi

O distrito de Cachoeira do Campo se destaca pela presença de um número significativo de voçorocas que se distribuem ao redor do núcleo urbano, chamando atenção pelas graves consequências ambientais e sociais que esse tipo de evento propicia. O geólogo e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Edézio Teixeira de Carvalho, chama atenção para os danos que as voçorocas podem trazer, não só ao solo, quanto às reservas de água pluvial. “O que temos visto no distrito e à sua volta são campos de voçorocas excepcionais, alguns ocupando nada menos que 55% do território. Imagino que num desses campos de voçorocas, com 50% da área voçorocada, tenham sido perdidos um milhão de metros cúbicos de solo residual do Complexo Bação, de razoável qualidade agronômica. O solo é o primeiro reservatório das águas da chuva. Uma humanidade geologicamente não alfabetizada não percebe que o solo faz falta às alturas, por ser o primeiro reservatório das águas pluviais. Além disso, é amplamente um recurso ambiental não renovável, de modo que deve ser buscado de volta”, afirma.


Léo Boi

Barramento estratégico na região do Alto Velhas, represa de Rio de Pedras encontra-se assoreada em função dos sedimentos que chegam do Rio Maracujá.

Assoreamento entope Rio de Pedras A represa de Rio de Pedras, em Itabirito, abrange a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) de Rio de Pedras, pertencente à Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). O reservatório possui um volume total de 604 mil m3, mas a totalidade do volume encontra-se ocupado por lama e sedimentos. É justamente a grande quantidade de sedimentos que impede a usina inaugurada em 1907 de produzir mais energia. A atual capacidade de produção é de 9,28 megawatts. A represa da PCH Rio de Pedras é um dos poucos barramentos de água no chamado Alto Rio das Velhas. O lago, que poderia servir para armazenar água e contribuir para a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), especialmente em períodos de estiagem, hoje se encontra em estado avançado de assoreamento e seu espelho d’água não passa de 3 metros de profundidade em alguns pontos.

Francisco Áureo criou em 2019 o coletivo SOS Maracujá.

Revitalização do Maracujá O Ribeirão Maracujá é formado pela junção de quatro córregos: Cipó, Ranchador, Caxambu e Cascalho. Buscando a revitalização da bacia, o filósofo Francisco Áureo criou, no ano de 2019, o coletivo SOS Maracujá, que reúne mais de 50 pessoas. Para Francisco, o trabalho é de formiguinha. “Infelizmente, o que observamos é que o Maracujá ainda é invisível para a população local. Além do problema do assoreamento o rio se transforma em um esgoto a céu aberto. Iniciamos o coletivo com o objetivo de despertar a conscientização das pessoas de como o rio está sendo maltratado”, diz. Atento às questões ambientais da Bacia do Ribeirão Maracujá, o CBH Rio das Velhas contratou uma empresa especializada, por meio de licitação com os recursos da cobrança pelo uso da água, para elaborar um diagnóstico ambiental e um plano de ações na Sub-Bacia do alto curso do Rio Maracujá, em busca de promover a melhoria ambiental da área. A contratação ocorreu em dezembro de 2020.

Léo Boi

Sendo assim, serão realizadas a caracterização geral e o mapeamento de uso e cobertura do solo; cadastramento e caracterização de propriedades com as nascentes, os focos erosivos e as áreas degradadas ali identificadas; análise de qualidade das águas; bem como o plano de ações. “Precisamos ampliar o leque de ações para resolver o problema das inúmeras voçorocas que temos no território do Subcomitê Nascentes. O CBH Rio das Velhas tem cumprido o seu papel de mobilizar e tem investido em projetos na região. No entanto, precisamos de investimentos maiores, tanto públicos do governo de estado e prefeituras, como também de investimentos que ultrapassem os limites dos recursos da cobrança pelo uso da água”, afirma Ronald Guerra.

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Arte

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Bairro de Buritis, em Belo Horizonte, visto da Estação Ecológica Estadual do Cercadinho.


Olha lá! Os córregos e os peixes ainda estão vivos! Iniciativa une pessoas para olhar, sentir, imaginar e resistir pela bacia do Cercadinho, em BH

Léo Boi

Texto: Michelle Parron Fotos: Léo Boi e divulgação projeto Córregos Vivos

Ela ficou surpreendida quando viu, pela primeira vez, uma briga de peixes e tratou logo de comentar: “Achei bem engraçado que não dá pra saber se eles tão beijando ou brigando!”. Mas a reação dela diante daquele evento da natureza e a curiosidade em saber se ele já tinha visto a mesma cena, não foi o único motivo da conversa render. Entre áudios e textos, os dois falaram sobre os peixes da lagoa da Pampulha, córregos que estão de baixo do concreto e o clima de Belo Horizonte naqueles dias. O esgoto perto da casa dele também foi assunto. Pelo visto será arrumado pela Copasa: “Não sei te informar quando vai ser, mas parece que está caminhando. A gente precisa da água, não é verdade?”. Essa conversa aconteceu entre dois moradores da bacia do córrego Cercadinho em outubro de 2020 pelo WhatsApp. Ela é Aline Furtado Franceschini, uma arquiteta e urbanista que se interessa por plataformas e interfaces que possibilitem diálogos entre os modos de vida e a coexistência entre humanos e não-humanos. Ele é Ormy Junio de Lima, um piscicultor que cria peixes na nascente do quintal da sua casa. Na conversa que vai e que vem, eles puderam aprender um com o outro. Entender o cotidiano um do outro, mesmo que à distância. Afinal, o Brasil e o mundo já estavam – ou deveriam estar – trancados por causa de uma pandemia. Bom, agora a Aline sabe que a tilápia, peixe que ela viu brigando e achou graça, pode sobreviver mesmo com baixa quantidade de oxigênio na água. Mas a espécie, como qualquer outro peixe, não consegue viver em água intensamente contaminada com esgoto. Manter os córregos vivos e os peixes respirando, as nascentes protegidas e brotando, o esgoto bem longe dos rios e mostrar como a ocupação desordenada e os grandes empreendimentos imobiliários podem causar a matança de árvores, sufocar rios e impermeabilizar a cidade, fez um grupo se unir. Além da Aline e do Ormy, outras pessoas querem proteger a bacia do Cercadinho. Para entender melhor essa história, primeiro é preciso conhecer bem o Cercadinho. Afluente do Ribeirão Arrudas, este que deságua no Rio das Velhas, o manancial já foi o principal da capital mineira. A Copasa, responsável pela captação de água, até hoje usa o Cercadinho para abastecer a população. Mas a vazão já não é mais a mesma nos últimos anos. Na área da bacia estão os bairros Buritis, Estoril, Estrela Dalva, Havaí, Palmeiras e Marajó. Seus córregos principais são o Cercadinho e o Ponte Queimada. Em alguns trechos da calha o curso d’água está coberto, mas grande parte permanece aberto, porém ameaçado por ocupações irregulares e desordenadas. Em 1990 foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) do Cercadinho. Por meio do Decreto Estadual nº 32017, a proposta era manter a área protegida, entretanto, as nascentes e as áreas de proteção ambiental sofrem constante pressão do mercado imobiliário.

Nascente do Córrego Cercadinho, na Estação Ecológica Estadual de mesmo nome, próximo à BR-040. Copasa usa este manancial para abastecimento de parte de BH.

Agora, voltamos àquele grupo de pessoas que se juntaram. Foi por meio de um edital que artistas, arquitetos, antropólogas, ambientalistas, professores, historiadores, biólogos e moradores da região foram selecionados para pensarem formas de proteger, valorizar e resistir pelo Cercadinho. Isso com a liberdade de usar diferentes linguagens.

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Cercadinho ainda limpo, há poucos metros do seu tamponamento, na entrada do bairro Buritis.


Projeto Córregos Vivos

A Rádio Cercadinho foi criada para narrar acontecimentos históricos a partir do cotidiano que é contado pelos moradores locais.

A Louise Ganz, que é artista e arquiteta, foi quem encabeçou a proposta. “Na história do nosso país, os córregos e os rios urbanos sempre foram canalizados, enterrados, associados aos esgotos e as margens usadas para vias de trânsito rápido. Enfim, completamente desconsiderados. O projeto foi criado para desenvolver propostas para as margens e para a região do córrego Cercadinho”, conta Louise. A iniciativa une memória, experiências e imaginários, produção audiovisual, exposição de pinturas, Rádio Cercadinho e um banco comunitário. Pensado para ser implantado presencialmente, com a pandemia o projeto foi transformado em uma plataforma virtual e assim nasceu a 1ª Mostra Córregos Vivos. “A ideia é que as propostas pudessem trazer um outro imaginário, um outro modo de uso para esse território”, conta a idealizadora. Parece que deu certo! Para o Tande Campos o acerto já começou pelo nome “Córregos Vivos”. Morador da bacia e integrante da iniciativa, o arquiteto se debruçou sobre a região onde vive, só que de outra forma. Para além de “terra arrasada”, como ele mesmo diz, quanto mais tempo passava imerso na bacia, mais complexidade e pérolas Tande conseguia ver. “O Cercadinho e o Ponte Queimada estão vivos e oferecem cotidianamente maravilhas e maravilhamentos. A beleza não está só nas áreas de nascente no Parque Aggeo Pio Sobrinho e na reserva da Copasa, onde nasce o córrego do Cercadinho, mas em toda extensão dos córregos, em diversos pequenos bosques que aparecem quando as margens não estão totalmente ocupadas”, conta

Histórias, não de pescadores, mas do Hermenegildo, da Dona Diva, Dona Aparecida e Dona Glória, foram amplificadas na Rádio Cercadinho, criada para a Mostra. Nos podcasts, moradores nos levam a um passeio pela atmosfera do passado e do presente do lugar. “Contar a história do córrego Cercadinho começa por quem viveu ou vive próximo a ele. O processo nos levou a ficar ali, conhecendo a realidade bem particular do bairro Marajó, às margens do córrego. Nos demos conta ali que o córrego é parte não só de uma bacia hidrográfica, que une todas as águas, mas que sua história também faz parte de uma rede de outras histórias. E que se seguirmos esse emaranhado, se revelará, por fim, uma história bem particular de Belo Horizonte”, conta Guto Borges, historiador e um dos criadores da rádio. A rádio é uma tentativa de recuperação de uma história que não é, exclusivamente, aquela do final dos anos 1970 para cá, de quando data a ocupação do Buritis. É a história dos outros bairros que ficam no entorno. “A gente está trabalhando no nível da imaginação. Da imaginação política, da imaginação sobre cidade, então é importante que a gente exerça essa capacidade de imaginar futuros, cidades e horizontes melhores do que o que a gente anda tendo. Uma das ferramentas para se imaginar o futuro é a história e a memória”, diz o historiador.

Passarela cruza o bairro Marajó, região em que o Córrego Ponte Queimada se encontra com o Cercadinho.

Léo Boi

Tande, que fez uma espécie de orientação em tecnologias com todos os grupos da Mostra, descobriu moradores que criam peixes com águas da bacia e um grupo de amigos fez dessa criação uma associação, onde cada um tem seus peixes, mas todos são criados juntos.

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E quem iria pensar que um professor de química fosse parar dentro de um vídeo, ou melhor, fosse se transformar em personagem de curta-metragem? Foi assim que André Siqueira, Gabriela Luíza e Luciano Faria – o professor de química – resolveram criar a obra “O Escafandrista do Cercadinho”. Luciano é morador da bacia e trabalha com análise mensal da água no córrego Cercadinho e no Ponte Queimada. “Observamos que muitas vezes as pessoas não sabiam do que se tratava aquele trabalho que ele fazia. A partir disso resolvemos criar uma ficção da lenda do Escafandrista, que é esse personagem que aparece uma vez no mês nas margens do Cercadinho com uma roupa que o torna irreconhecível e ninguém sabe ao certo o que ele está fazendo ali.”, explica André Siqueira. A estratégia foi uma brincadeira para abordar a questão das águas de uma forma mais lúdica, buscando a aproximação deles com os moradores e com o território. Da sétima arte, para a arte local. Três artistas que vivem ou têm relação com a bacia foram convidados para produzirem obras para a Mostra. Cleber, pintor e escultor, Fábio, violonista e pintor “aventureiro”, como se apresenta, e Agnaldo, pintor, retrataram o território explorando suas próprias memórias. “Desde as primeiras conversas, o córrego já era presente na arte deles. O Fábio costumava tocar violino às margens do Cercadinho. O Agnaldo contou das memórias que tem da infância e adolescência, quando ele frequentava a região com a família. O Cleber já tinha homenageado em uma escultura a garça que está sempre presente no córrego do Cercadinho em um trecho que fica bem perto da casa dele”, conta Ciça Rocha, arquiteta e urbanista que integrou a equipe do projeto Pinturas de Território.

Coletivo reúne artistas, arquitetos, antropólogas, ambientalistas, professores, historiadores, biólogos e moradores da região a pensarem formas de proteger, valorizar e resistir pelo Cercadinho. Projeto Córregos Vivos

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Por falar em imaginar, outro projeto da Mostra é o Jardins Viventes. Nele, cinco mulheres trazem abordagens etnobotânicas sobre a bacia do Cercadinho. “Fizemos encontros virtuais e começamos a falar sobre vida cotidiana, sobre o cuidado, seja com os filhos, com os jardins públicos, privados, relações e a trocar bibliografias”, conta Núria Manresa, mãe, arquiteta, jardineira, que trabalha em projetos que envolvem educação, jardinagem e produção do espaço. Dos encontros surgiu uma série de quatro vídeos e uma publicação. Um dos vídeos conta a história da Musa do Cercadinho, uma expedição virtual que percorre a história da espécie de bananeira “Musa paradisíaca”, trazida da Ásia e que se adaptou muito bem à mata ciliar da bacia.

Curta-metragem “O Escafandrista do Cercadinho” é outra iniciativa lúdica vinculada à mostra que discute a relação entre as águas, os moradores e o território.


Acervo da Comissão Construtora da Nova Capital de Minas

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Mapa de 1894 mostra limites e hidrografia da Fazenda do Cercadinho.


Com a pandemia, o trabalho de mobilização para criação do banco foi prejudicado. Mas o desejo é forte e as mentes inventivas dos moradores fazem continuar a elaboração das possibilidades para além das telas.

Projeto Córregos Vivos

Ter um novo olhar para onde se mora, repensar a relação de cuidado com a natureza e criar alternativas para alimentar as relações comerciais locais é pensar na economia do afeto. Para ajudar Ormy, aquele criador de peixes que apareceu por aqui lá no início e que está procurando um emprego, mas também para colaborar com a prosperidade dos outros moradores, um dos grupos decidiu criar um banco comunitário chamado de Banco do Cercadinho. “Desde setembro tivemos conversas para apresentar ideias de moeda social, banco comunitário, regras de uso de uma moeda social e como ela seria vinculada ao córrego. Conversamos com comerciantes e aplicamos um questionário sobre consumo e produção dentro do território”, explica Lila Gaudêncio, que desde 2015 pesquisa dinheiro como narrativa, lugar de memória e espaço público a ser ocupado. Para colaborar na prosperidade dos moradores, um dos grupos decidiu criar um banco comunitário chamado de Banco do Cercadinho.

Acreditar em um futuro melhor para o Cercadinho, visitando suas memórias, valorizando sua história e preservando suas margens é possível. Talvez seja esse o legado criativo, afetivo e inquietante provocado pela 1º Mostra Córregos Vivos. Cercadinho em sua última curva antes do encontro com o Ribeirão Arrudas, na região do bairro Betânia.

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Léo Boi

Encontro do Córrego Cercadinho com


Teríamos a possibilidade de pensar e fazer o território habitado a partir de outro princípio? Podemos inverter a lógica de ocupação do território e partir da bacia hidrográfica, ou mesmo, partir do aquífero? Que transformações ocorreriam no território se mudássemos nosso ponto de partida? Conheça a mostra Córregos Vivos, que adotou a bacia do Córrego Cercadinho como objeto de experimentação artística: www.corregosvivos.com.br


A Revista Velhas semestralmente homenageia um artista em suas contracapas. Nesta edição: Louise Ganz, participante do projeto Pinturas de Território, da 1ª Mostra Córregos Vivos. (Tinta acrílica sobre papel de algodão, 2020)

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