Revista Chico n° 09

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Bordadeiras

Ensaio

Sanfona

Com mãos de ouro, elas confeccionam arte no interior de Alagoas

O premiado fotógrafo Rui Rezende viaja pelo lado oeste do Velho Chico

Instrumento seduz os jovens e conquista novo status na música brasileira

Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 09 | SET 2016 ISSN 2316-7661

ALMA BARROCA DIAMANTINA: UM TESOURO DE MINAS PARA O MUNDO


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I MAG E M


O Cristo Redentor abre os braços sobre o São Francisco, abençoando a cidade de Pão de Açucar, no interior alagoano. Foto: Thiago Sampaio


Revista Chico Publicação semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Nº 09 | SET 2016 ISSN 2316-7661

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Presidente Anivaldo de Miranda Pinto Vice-Presidente Wagner Soares Costa Secretário José Maciel Nunes de Oliveira Coordenador da CCR do Alto Márcio Tadeu Pedrosa CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL BAIXO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL ALTO SÃO FRANCISCO

Coordenador da CCR do Médio Cláudio Pereira da Silva Coordenador da CCR do Submédio Manoel Uilton dos Santos (Tuxá) Coordenador da CCR do Baixo Melchior Carlos do Nascimento

Agencia de Bacia AGB PEIXE VIVO Diretora-geral Célia Maria Brandão Fróes Diretora de Integração Ana Cristina da Silveira Diretor Técnico Alberto Simon Schvartzman Diretora de Administração e Finanças Berenice Coutinho Malheiros dos Santos

Produzido pela Yayá Comunicação Integrada

Ilustração Rogério Reis Elena Landinez

Coordenação geral Malu Follador

Fotografia André Frutuoso João Zinclair Tiago Sampaio Regina Lima

Coordenação editorial e edição de texto José Antônio Moreno Reportagem André Santana Delane Barros Fred Burgos José Antônio Moreno Pedro Muniz Ricardo Follador Artigos Juracy Marques George Olavo

Revisão Rita Canário Projeto gráfico e editoração Jorge Martins Impressão Gráfica Santa Bárbara

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 - Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010 - Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos reservados. Permitido o uso das informações, desde que citando a fonte.

CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL MÉDIO SÃO FRANCISCO

Um plano para o São Francisco CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO

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om o fim da atual gestão, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco fecha um ciclo em sua trajetória. E faz isso com uma imagem fortalecida junto à opinião pública, uma presença política incontestável e um saldo positivo de realizações, entre as quais merece destaque a finalização do Plano Decenal, que, mais do que um amplo dossiê, construído após 18 meses de trabalho exaustivo, configura um instrumento referencial para encarar os desafios da bacia nos próximos dez anos. O tema surge como uma das principais matérias desta edição da revista Chico e se desdobra numa retrospectiva dos acontecimentos mais relevantes do CBHSF nos últimos quatro anos. A revista também aborda outras temáticas. Fala do clima, retratando as esperanças e angústias geradas pela proximidade do fenômeno La Niña, cujos reflexos se estendem à bacia do São Francisco, e faz um diagnóstico sobre o uso pouco racional dos pivôs no produtivo território agrícola do oeste baiano. Navegando pela história e cultura, a Chico traz uma matéria sobre a cidade de Diamantina, uma “joia” encravada nas montanhas de Minas Gerais cujo patrimônio arquitetônico revela uma das maiores heranças deixadas pelo ciclo do ouro e da mineração no País. Em outra direção geográfica, a revista atesta a hegemonia da sanfona na música nordestina – um instrumento que transpõe gerações, renovando-se e seduzindo a juventude, com uma presença cada vez mais forte na cultura brasileira. Outro assunto desta edição é a experiência exitosa das mulheres artesãs da localidade de Ilha de Ferro, no interior alagoano. Unidas em torno de uma cooperativa, elas realizam um trabalho artístico de beleza indiscutível, com base no bordado em linho conhecido como “Boa Noite”. Gente simples, que produz arte de qualidade em busca de alternativas econômicas para um território marcado pela pobreza. Boa leitura!


06 0 7 10 LA NIÑA PROMETE CHUVAS: DÁ PARA ACREDITAR?

ENTREVISTA: CHANG HUNG KIANG

ENSAIO: A ÚLTIMA GOTA

Sumário ARTIGO ANIVALDO MIRANDA

VELHO CHICO NOVO PLANO

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LOCAL E UNIVERSAL: SANFONAS

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ARTIGO: A ÁGUA SECA DO SÃO FRANCISCO E A ECOLOGIA DAS ALMAS SONOLENTAS ALMANAQUE: SÃO ROQUE DE MINAS

DIAMANTINA: PRECIOSA PEDRA COM ALMA BARROCA

MODELO A SER SEGUIDO

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O PIVÔ EM QUESTÃO

MÃOS DE OURO EM ILHA DE FERRO

NA ROTA

SERES DO SÃO FRANCISCO: ARARINHA AZUL

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A RT IG O

OPINIÃO

O que é revitalizar?

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Anivaldo Miranda*

presidente da República, Michel Temer, ainda no período de sua interinidade, atendeu com surpreendente rapidez a uma velha demanda do CBHSF e decidiu recriar em novas bases o agora denominado Comitê Gestor do Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Em sua nova composição o Comitê Gestor da Revitalização contará com a participação do seu homônimo, ou seja, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, além de se apoiar em Câmara Técnica que, integrada por representantes de vários órgãos e instituições parceiras, vai planejar as atividades e definir as prioridades do Programa. Em suas considerações iniciais no âmbito da Câmara Técnica do Comitê Gestor, o CBHSF já pontuou que uma das premissas essenciais para tornar a nova versão da Revitalização, de fato, eficaz, é exatamente definir a essência do conceito de Revitalização, algo que o CBHSF entende como sinônimo estrito de recuperação hidroambiental, ou seja, ações e investimentos voltados precisamente para aumentar a quantidade e qualidade das águas do Velho Chico. Como um dos desdobramentos dessa conceituação, o CBHSF tem insistido que parte dos recursos do Programa da Revitalização seja investida, mediante compromissos rigorosos com os governos estaduais, na universalização da implantação dos instrumentos da gestão de recursos hídricos em toda a bacia, dentre eles a cobrança pelo uso das águas, planos de bacias, empoderamento dos comitês de bacias, integração da gestão das águas subterrâneas com as águas superficiais. O CBHSF também defende que o novo Programa da Revitalização tenha metodologia inteligente, metas e instrumentos de avaliação do cumprimento dessas metas, prioridades cientificamente estabelecidas e critérios amplamente participativos. Finalmente, o CBHSF vai se esforçar para que o novo Plano de Gestão dos Recursos Hídricos da bacia, aprovado por sua Plenária, seja utilizado como plataforma comum de empreendimento tão complexo mas, ao mesmo tempo, tão imprescindível para o futuro do Brasil e sua enorme região semi-árida. *Anivaldo Miranda é jornalista e presidente do CBHSF

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G E ST Ã O

Velho Chico, novo plano Na Plenária que acontecerá nos dias 15 e 16 de setembro, em Belo Horizonte, o CBHSF será protagonista de uma decisão histórica: a aprovação do Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que estará em vigor de 2016 a 2021. O Plano envolve uma série de informações e prognósticos que tornará mais efetiva a gestão da bacia daqui para frente. Trata-se da atualização do Plano que vigorou de 2005 a 2014, mas não só isso. Desta vez, o Plano de Bacia reflete o amadurecimento do próprio CBHSF, responsável por todo o processo de construção do novo documento, a partir de um amplo debate envolvendo os principais atores do São Francisco e da profissionalização do processo de elaboração do documento com

FOTO: JOÃO ZINCLAIR

a contratação de uma empresa especializada, a Nemus Consultoria. Dos levantamentos realizados, emergiu o panorama real das particularidades da bacia hidrográfica do Velho Chico, considerando sua heterogeneidade e as particularidades físicas e humanas das diversas regiões nela contidas. TEXTO: FRED BURGOS

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G E ST Ã O

Regina Greco coordenou o Grupo de Acompanhamento Técnico (GAT), criado para

FOTOS: ANDRÉ FRUTUOSO

dar apoio aos trabalhos de construção do Plano.

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onsidere um cenário em que a utopia é possível. Mais do que isso, que ela é resultado da ação coletiva e solidária dos sujeitos sociais, com o objetivo de garantir o bem-estar das pessoas em um ambiente ecologicamente sadio, incluindo esperança individual e coletiva de desenvolvimento sustentável. Parece muito, mas, na verdade, o roteiro já está no papel, no formato do novo Plano da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, cujos itens preveem ações para o período de dez anos: 2016 a 2021. Finalizado depois de quase dois anos de estudos, elaboração e debates, e de um investimento da ordem de R$ 6,9 milhões, o Plano será analisado e deliberado na Plenária da entidade marcada para o mês de setembro, em Belo Horizonte.

A rigor, trata-se da atualização do plano produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA), previsto para vigorar de 2005 a 2014. Os trabalhos de atualização iniciaram em 2014, com a discussão e elaboração do termo de referência que passaria a orientar a contratação e construção do primeiro Plano da Bacia do CBHSF feito com recursos próprios. Ainda no mesmo ano, foi aberto um processo de licitação internacional, vencido pela Nemus – Gestão e Requalificação Ambiental, empresa sediada em Lisboa, Portugal, com filial em Salvador, Bahia, dona de larga expertise na construção de planos de bacia na Europa e na África. Os trabalhos foram iniciados em novembro de 2014, com previsão de término para maio de 2016.

Dentre as principais características do novo Plano encontra-se o caráter mais participativo, com forte ênfase nas negociações realizadas durante as audiências públicas e reuniões setoriais. Outra evolução está na ampliação do conhecimento sobre os recursos hídricos.

O presidente do Comitê, Anivaldo Miranda, observa que o Plano anterior foi feito um pouco sob a influência da pressa do governo federal em aprovar a transposição das águas do São Francisco, já que essa era uma condição indispensável ao projeto. “Como era natural, o documento apresentou algumas lacunas e indefinições que o novo Plano pretende resolver se aprofundando nos critérios de uso das águas e nas prioridades de uso dos recursos arrecadados com a cobrança da água bruta, além de fornecer com mais propriedade um caderno de investimentos no processo de revitalização da bacia”, avalia.

INOVAÇÕES Dentre as principais características do novo Plano encontra-se o caráter mais participativo, com forte ênfase nas negociações realizadas durante as audiências públicas e reuniões setoriais. Mais de 4 mil pessoas participaram das consultas. Outra evolução está na ampliação do conhecimento sobre os recursos hídricos, a exemplo das águas subterrâneas, dos mapas feitos por geoprocessamento e do aumento de dados secundários, a partir de novos estudos realizados pela Academia e por instituições de pesquisa. O Plano traz à tona problemas ocasionados tanto pela natureza (como a seca), quanto pelo uso humano (a poluição e o desmatamento) e propõe uma ação conjunta e solidária da bacia. “Quando se tem muita água, todos podem consumir mais. Quando

O Plano de Bacia é um instrumento que está previsto na Lei Nacional de Recursos Hídricos. É o documento que estabelece os principais critérios para a gestão das águas na bacia, sobretudo na calha principal. Embora todos os afluentes tenham que ter seus próprios planos. A Bacia Hidrográfica do São Francisco ocupa 8% do território brasileiro, contanto com 69 afluentes. Ao longo do seu trajeto de 2.830 quilômetros de extensão, banha 507 municípios de sete unidades da federação (Minas Gerais, Bahia, Goiás, Distrito Federal, Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Na avaliação do presidente do Comitê, Anivaldo Miranda, o novo Plano detalha com profundidade e amplitude o cenário atual e as perspectivas para a bacia, o que fortalece o seu planejamento, garantindo maior alcance às suas ações. “Há, nele, o prognóstico do crescimento do uso das águas, mas também o estudo sobre a capacidade de oferta, assim como a indicação de metas e objetivos para uma boa gestão dos recursos hídricos”, diz. O trabalho de elaboração do Plano foi desenvolvido em três etapas. Na primeira, foi realizada a coleta de dados e informações, com mobilização da equipe técnica que ficou responsável pela condução das ações. Num segundo momento, foram elaborados o diagnóstico e o prognóstico, com a estimativa de demandas e ofertas de água na bacia em cenários futuros possíveis, dentro dos horizontes otimista, pessimista ou conservador, além de definidas as diretrizes para os demais instrumentos de gestão, construído o arranjo institucional e determinado um conjunto de objetivos, metas e ações propostas. Na terceira e última etapa, foi constituído o Plano propriamente dito: um conjunto de documentos composto por um caderno de investimentos, com foco na melhoria da qualidade e quantidade da água; um resumo executivo do Plano (impresso e em CD) e um sistema de informações disponibilizado em formato digital no website do Comitê, para consulta aberta à população. Pelo sistema, poderão

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FOTOS: WILTON MERCÊS

SUPORTE ESTRATÉGICO PARA A CALHA PRINCIPAL

Alberto Schvartsman: análises consistentes

ser acessadas informações dos diagnósticos técnico, social, ambiental e de percepção dos habitantes da bacia. Tudo estará disponível para consulta aberta, após aprovação do Pano. A riqueza de informações e amplitude dos estudos é um diferencial do novo Plano de Bacia. “O quanto, por exemplo, foi identificado nos estudos que uma determinada região poderá se tornar crítica, do ponto de vista da disponibilidade da água, não é um exercício de futurologia. Os dados levantados pelo estudo estão lá e confirmam esta hipótese”, afirma Alberto Schvartsman, complementando que os cenários apresentados não são baseados em informações dos últimos dois anos, mas em séries históricas, o que garante a consistência das análises. Em qualquer um dos cenários, o Plano parte de dados concretos, como a inexorável, mas nem sempre respeitada, informação de que a demanda só cresce, embora o recurso seja finito.


O Plano traz à tona problemas ocasionados tanto pela natureza, quanto pelo uso humano, a exemplo da poluição e do desmatamento, propondo uma ação conjunta e solidária na bacia. há escassez, precisamos ter a responsabilidade do uso racional. A ação coletiva e solidária com a bacia passa por ações voltadas à melhoria da qualidade e da quantidade da água, com a minimização de problemas como poluição, desmatamento e assoreamento, que no seu conjunto devem convergir para a preservação dos rios e das águas subterrâneas”, aponta o diretor técnico da AGB Peixe Vivo, Alberto Schvartsman, membro do Grupo de Acompanhamento Técnico (GAT), criado para dar apoio aos trabalhos de construção do Plano. Nas consultas públicas e reuniões setoriais, as populações e os usuários de água foram ouvidos em suas críticas e sugestões. Oportunidades em que também foi possível divulgar as intenções do Plano, esclarecer dúvidas e coletar mais informações a respeito das expectativas das pessoas e organizações, particularmente no que diz respeito ao caderno de investimentos. “O Plano está com a cara do povo do São Francisco. Foi feito por uma equipe técnica, mas a participação social ampla, garantida em mais de 40 reuniões públicas, imprimiu um caráter notadamente democrático ao documento final. Acredito que fazer parte da elaboração do Plano de Bacia torna todos os envolvidos ainda mais responsáveis pela sua implementação”, avalia José Maciel Nunes de Oliveira, secretário do Comitê. Anivaldo Miranda acredita que o processo de discussão foi fundamental porque o Plano tem como um dos elementos principais o estudo socioambiental da bacia, o que possibilitou trazer à tona um caráter mais aproximado do sentimento e dos anseios das diversas comunidades localizadas ao longo do rio. “No total, foram realizadas 42 reuniões, entre audiências públicas e setoriais (Indústria, Mineração, Pesca, Navegação, Comunidades tradicionais – quilombolas e indígenas –, Academia, órgãos do Poder Público), que aportaram um material considerado riquíssimo para a definição das grandes metas e dos objetivos que desejamos alcançar”, informa o presidente do CBHSF. Isso significa que o próprio processo de construção do Plano tornou ainda mais forte o arranjo institucional do Comitê, o que amplia, no entendimento de Ana Catarina Lopes, membro do CBHSF pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária, a sua representatividade em outros fóruns. “Inclusive, o Plano apontou para a necessidade de construção de uma métrica que permita avaliar a participação social. Iniciamos uma discussão e definimos um termo de referência para a contratação de uma empresa especializada. Trata-se de um ganho importante, já que a avaliação da participação não será mais na base do sentimento de cada um. Isso não existe em nenhum Comitê”, afirma.

INFORMAÇÕES QUALIFICADAS Para Regina Grecco, coordenadora do GAT, um dos ganhos do Plano de Bacia é o Sistema de Informação Georreferenciado (SIG). “Não existia, antes, sequer um mapa georreferenciado; só lineares. Não existia nada em três dimensões. Com o SIG, o Comitê passou a ter melhores condições de monitoramento da bacia. Sabe-se, por exemplo, onde estão os pontos de captação e as captações que ainda não estão realizando cobrança pelo uso da água. Agora, consegue-se calcular o volume de vazão e, ao mesmo tempo, saber em quanto tempo essa vazão vai chegar a ”X” lugar. Em outros temos, o sistema vai permitir que o balanço hídrico da bacia passe a ser feito de forma mais precisa, já que se sabe da oferta com mais exatidão, assim como da demanda”, afirma. Ana Catarina Lopes observa que, tendo como ponto de referência o ano de 2005, quando o Plano anterior foi concluído, o trabalho de atualização buscou verificar o que tinha ocorrido no mundo de relevante e que traria eventuais impactos para a bacia. Um tema que emergiu nesse meio tempo foram as mudanças climáticas. Dessa constatação, ela observa outra inovação do novo Plano: a efetiva tomada de consciência de que a bacia não é uma região homogênea. Isso levou à definição do Semiárido, onde estão localizados 58% da bacia hidrográfica do Rio São Francisco e que vivencia com grande regularidade even-

tos críticos com a seca prolongada, como região considerada estratégica para gerenciamento do Comitê. No Semiárido estão o Submédio e partes do Alto e do Médio São Francisco, abarcando suas gentes, a água e o meio ambiente, e abrigando quase 19 milhões de pessoas. A partir dessa decisão, serão delineadas diretrizes e estudos específicos para que a bacia possa viver melhor com essa realidade. “Saímos de um olhar planimétrico. No Semiárido, a maioria dos afluentes é intermitente. Quando tem água, eles correm. Como enquadrá-los? Não se podem aplicar os instrumentos gerais da mesma forma. Mas está claro que algo deve ser feito no intuito de poupar água para quando houver seca”, ressalta. Membro da Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL) do Comitê e do Grupo de Acompanhamento do Contrato de Gestão (GACG), o ambientalista Luiz Dourado destaca, entre os estudos realizados sobre as águas subterrâneas, o conhecimento mais aprofundando sobre o aquífero Urucuia, localizado no oeste baiano, considerado suporte estratégico para a calha principal da bacia em épocas de seca e estiagem prolongadas na região de Minas Gerais. Em 2005, quando foi aprovado o Plano de Bacia em vigor, não existiam estudos suficientes. De lá para cá, no entanto, o volume de informações cresceu e a própria Nemus realizou estudos, permitindo que o Plano avance nessa direção.

USOS MÚLTIPLOS Outro aspecto importante do novo plano, levantado por Dourado e Ana Catarina Lopes, foi a busca de validação e legitimação dos usos múltiplos constantes na Lei no 9.433/97. “Isso porque a definição das prioridades dos usos múltiplos das águas foi, ao longo do processo de construção do plano, muito mais dialogada, o que se apresenta como um ganho, especialmente se considerarmos que, historicamente, apesar da definição no papel de prioridade para o abastecimento humano, a geração de energia tornou-se hegemônica pelos governos. É preciso respeitar os usos múltiplos”, diz Ana Catarina. No entender de Alberto Schvartsman, ao ser aprovado, o Plano vai dar em dois pontos destacados de forma recorrente pelo presidente do Comitê, Anivaldo Miranda: o Pacto das Águas, já que as dominialidades são distintas – União, estados e municípios –, com a proposta de uma só gestão pactuada; e o Pacto da Legalidade, cristalizado na existência dos cinco instrumentos de gestão da bacia, para fazer frente aos desafios impostos ao gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil, a exemplo do aumento do número de reservatórios e das áreas irrigadas. Dourado acredita que a questão crucial do Plano de Bacia será, agora, sua “saída do papel” e efetivação, transformando-se em realidade, o que no seu entender depende das instâncias governamentais.“Os recursos advindos da cobrança no âmbito da bacia são insignificantes para as demandas mais substantivas; são apenas para obras demonstrativas. O grosso dos recursos quem detém são os municípios, os estados e a União. Obras de grande porte, voltadas para a revitalização do rio ou para a inserção dos instrumentos de gestão definidos na Lei 9.433, no âmbito dos afluentes, dependem que órgãos gestores façam o seu dever de casa”, conclui.

Luiz Dourado considera o aquífero Urucuia um suporte estratégico para a calha principal da bacia em épocas de seca e estiagem prolongada. FOTO: ANDRÉ MOREIRA

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LOCAL E UNIVERSAL A sanfona renova a paixão dos jovens pela música nordestina e se posiciona como instrumento versátil e adaptável aos diversos gêneros musicais. Mais do que isso, vira o centro de um festival que reúne músicos do Nordeste, do Brasil e do mundo em Juazeiro, às margens do Velho Chico. Indispensável dizer que o instrumento tem sua história intimamente ligada à cultura das comunidades ribeirinhas, em diversos pontos da bacia. TEXTO: ANDRÉ SANTANA

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FOTOS: REGINA LIMA


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em Wesley Safadão, nem Anitta. Os ídolos de muitos jovens que vivem às margens do Velho Chico ainda são nomes imortalizados na cultura nordestina, como Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca e outras gerações de artistas influenciados por esses mestres, a exemplo de Elba Ramalho e Targino Gondim. Além das músicas que descrevem com rara beleza as alegrias e dificuldades do povo ribeirinho, há algo mais em comum entre esses artistas que justifica a adesão de tantos jovens: a sanfona. O instrumento continua sendo o símbolo mais forte da musicalidade nordestina, a despeito de sua origem estrangeira e incorporação cada vez maior a outros gêneros musicais. Com origens longínquas e diversas, a sanfona remonta ao cheng, instrumento de origem chinesa composto de três partes. A definição pelo formato que hoje conhecemos ocorreu ao longo do tempo, conquistando países ocidentais como Itália, Alemanha e França. Ao Brasil, o instrumento (até então denominado acordeão) chegou na bagagem dos imigrantes, que se fixaram em diferentes regiões do País. No Nordeste, foi rebatizado de sanfona e passou a integrar a gênese do forró, síntese rítmica que embala canções e danças da região. A ligação entre a sanfona e o forró é tão estreita que no imaginário popular nordestino (e até brasileiro) a origem de ambos está associada. E diversos artistas e movimentos culturais contribuem para manter forte esse vínculo. “Posso imaginar a música nordestina sem qualquer outro instrumento, menos sem a sanfona”, declara o apaixonado músico Chico Chagas, que nasceu no Acre, em uma comunidade de migrantes do Ceará. “Sou filho, neto e bisneto de cearenses, por isso, desde cedo, fui apresentado à sanfona e à riqueza dessas músicas”, conta o sanfoneiro, que já acompanhou artistas nacionais como Cássia Eller e Geraldo Azevedo. Aos 45 anos de idade, Chico se lembra da força da sanfona em sua infância e de como, na juventude, o instrumento perdeu o espaço que agora vem sendo reconquistado. “No início da década de 1980, após anos de ditadura, o Brasil viveu a libertação e os jovens queriam experimentar várias influências. Foi nesse período que chegou com força a música estrangeira, especialmente a norte-americana, e a nossa música foi deixada um pouco de lado”, conta. Para Chagas, agora acontece o contrário. “Há todo um movimento de nacionalidade, está na moda ser brasileiro, o que desperta a identificação em jovens e crianças com o melhor da nossa música, tornando figuras como Dominguinhos ídolos dos mais jovens. E a sanfona é um forte atrativo”, garante. O músico destaca que a presença da sanfona em trilhas de fil-

O instrumento continua sendo o símbolo mais forte da musicalidade nordestina, apesar de sua origem estrangeira e da incorporação cada vez maior de outros gêneros musicais. mes e novelas tem feito as pessoas mudarem o entendimento sobre o instrumento. “Estão percebendo que a sanfona não é exclusiva da música folclórica ou regional e pode acompanhar muito bem a música pop brasileira, por isso agrada aos jovens”, aposta. O interesse e a dedicação de jovens músicos como Daniel Itabaiana, 20 anos, natural de Juazeiro, Bahia, confirmam o lugar que a sanfona ocupa na atualidade. Ele conta que a paixão pela sanfona vem da infância. “Com três ou quatro anos eu já ouvia Luiz Gonzaga e gostava, mesmo sem saber que instrumento era aquele”. O encontro entre o som, que já era familiar, e a imagem do instrumento que passaria a ser seu parceiro de muitas horas não lhe sai da memória. “Eu me lembro do meu encantamento quando vi a sanfona pela primeira vez, tocada pela dupla Bruno e Marrone. Logo depois, quando assisti a uma apresentação de Targino Gondim, decidi que também queria muito tocar”, revela. O responsável por apresentar a sanfona a jovens músicos como Daniel Itabaiana tem assumido a missão de divulgador da musicalidade nordestina. Influenciado por Luiz Gonzaga e

discípulo de Dominguinhos, Targino Gondim utiliza sua criatividade e sensibilidade musical para tocar projetos que possibilitam o acesso do público, dos jovens em particular, à sanfona. Além da Orquestra Sanfônica do São Francisco e do Quinteto Sanfônico, que são projetos voltados para jovens e talentosos músicos, Gondim criou com o produtor Celso Carvalho o Festival Internacional da Sanfona, que em 2016 chegou a sua quarta edição, cumprindo o objetivo de reunir sanfoneiros de diferentes países e aproximá-los dos amantes da música. O festival acontece desde 2009, em Juazeiro, cidade baiana às margens do rio São Francisco que acolheu o pernambucano Targino e o presenteou com a criação do Dia Municipal da Sanfona, em 7 de outubro, data do nascimento do músico. “Criamos o Festival justamente com a intenção de envolver os sanfoneiros nordestinos e de outras regiões do País com artistas de fora, que também defendem o instrumento, permitindo que o público, principalmente crianças e jovens, estejam mais próximos desses artistas”, ressalta o sanfoneiro, que faz a curadoria do encontro, selecionando os mais representativos nomes da sanfona mundial. Já se apresentaram

Festival reuniu músicos do Nordeste, do Brasil e do mundo em Juazeiro (BA), às margens do Velho Chico. FOTO: SHUTTERSTOCK.COM

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Oficinas e encontros musicais espontâneos, reunindo estilos diversos, foram a marca do evento.

ROTINA DO PRAZER

Em sua quarta edição, o Festival Internacional da Sanfona se mostrou mais forte e completo, contando com a paixão e a curadoria geral do sanfoneiro Targino Gondim. no festival, por exemplo, músicos do quilate de Dominguinhos, Hermeto Pascoal, Oswaldinho do Acordeão, Cicinho de Assis e Renato Borghetti, os acordeonistas italianos Antonio Spaccarotella, Frank Marocco e Mirco Patarini, os argentinos Hector Del Curto, Gabriel Merlino e Vanina Tagini, assim como o americano Murl Sanders. “Além dos shows e da Jam Sanfona Session, temos a preocupação com o lado educativo, o que torna esse festival ímpar, atraindo o interesse cada

PAIXÃO QUE SE RENOVA Tocando no mesmo espaço de tantos sanfoneiros reconhecidos pelo público, começa a sobressair o talento de Silas França, 19 anos. Foi assistindo às apresentações do I Festival Internacional da Sanfona, em 2009, que Silas, então com apenas 14 anos, conheceu a sanfona. Foi paixão à primeira audição. “Eu fiquei fascinado com a apresentação de Dominguinhos e logo pedi a meu pai uma sanfona”. O instrumento chegou e Silas, sozinho, iniciou o aprendizado. Na terceira edição do festival, aos 17 anos, o jovem músico subiu ao palco do evento para homenagear João Gilberto, juazeirense, criador da Bossa Nova. “O acordeão funciona bem com todos os ritmos”, justifica. A apresentação de Targino Gondim com o Quinteto Sanfônico no festival deste ano confirma o potencial universal do instrumento. Além de clássicos de Gilberto Gil, Dominguinhos, Chico Buarque e João Gilberto, o grupo “atacou” de Índia, ícone da música do Paraguai. “Queremos divulgar as possibilidades da sanfona, que são muitas e universais”, declara Gondim.

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vez maior dos músicos em participar e dividir com o público seus conhecimentos sobre a sanfona”, explica Targino Gondim, destacando as oficinas e workshops gratuitos, com renomados sanfoneiros, na programação do festival. O público atente ao chamado e lota não só as plateias dos concertos, mas também as salas onde as aulas são ministradas. Alunos bem jovens, que estão aprendendo os primeiros acordes da sanfona, mas já demonstram dedicação de veteranos.

“Acordo, tomo café e pego logo a sanfona para estudar das 8h às 10h da manhã, todos os dias. Depois, brinco um pouco, até a hora de almoçar e ir para a escola. Quando volto, já quero tocar novamente”. Essa é a rotina descrita por Lucas Pereira, de 12 anos, que mora em Sobradinho, cidade a 35 quilômetros de Juazeiro e onde está localizado o maior reservatório da bacia do rio São Francisco. Atento à oficina de Chico Chagas na IV edição do Festival Internacional da Sanfona, Lucas absorvia os conselhos do mestre, assim como fazia ao ouvir o avô, “Seu” Plínio, tocar a sanfona pé de bode, instrumento que contém oito baixos, além do teclado e do fole, e que ficou famoso nas mãos de Januário, pai de Gonzagão. Lucas conta que aprendeu sozinho a tocar Asa Branca (composta em 1947 pelo Rei do Baião, em parceria com Humberto Teixeira), encorajado pelo filme sobre a vida de Gonzaga, quando ouviu o “Velho Lua” dizer que esta é sempre a primeira música de todo sanfoneiro. Daí em diante, não parou mais de ouvir e estudar o toque da sanfona. “Hoje, eu uso o celular e o computador para baixar as músicas da Internet, ouvir e aprender os arranjos”, diz. O pequeno Lucas já está até compondo uma música sobre sua a cidade e, claro, o rio São Francisco. “A melodia já está pronta, falta a letra”, orgulha-se o menino, já dedilhando a canção em sua inseparável sanfona. E para continuar alegrando os forrós pé de serra para os quais é convidado, o Menino da Sanfona, como é conhecido em Sobradinho, está ensinando


dois amigos da mesma idade a tocar forró. “Tem um na zabumba e outro no triângulo. Já estamos iniciando nosso trio nordestino”, brinca. Tocada com as duas mãos e agarrada ao corpo do músico, a sanfona parece se adequar bem à anatomia dos que a ela se dedicam. Seja com o pequeno Lucas, em fase de crescimento, seja com o já maduro corpo de Rachel Cohen, de 72 anos, o instrumento nem parece pesar 12 quilos. “Quando toco, nem sinto a idade que tenho. É tanta felicidade! A sensação é de que não vou morrer nunca de tanta alegria e disposição que a sanfona me traz”, fala a animada professora, que toca o instrumento desde a adolescência e ainda dá aulas para crianças. “Quando pegam na sanfona e ouvem o som, eles se encantam. Não tem idade para tocar. Tenho alunos de 2 e 3 anos e uma aluna de 87 anos”, pontua. A professora conta que foi estimulada pela mãe, ex-cantora lírica, pianista e integrante da Orquestra Sinfônica da Bahia. “Sempre existiram mulheres sanfoneiras, mas muitas tinham vergonha. Agora elas estão aparecendo mais”, alegra-se Rachel, que há 20 anos mantém o “Forró da Raqué”, animando festas juninas até na capital da Bahia. A coragem de adentrar numa atividade ainda dominada pelos homens faz de sanfoneiras como Rachel Cohen e Lucy Alves (que tem levado a sanfona para o horário nobre da televisão brasileira, graças às cenas musicais da personagem Luzia, da novela Velho Chico) grandes difusoras do instrumento no País, inspirando seguidoras. É o que acontece no projeto Acordes do Campestre, criado pelo sanfoneiro Sandrinho do Acordeon para trabalhar cidadania e musicalidade com crianças e jovens do município de São Raimundo Nonato, no Piauí. Paloma Nunes, de 16 anos, é uma das participantes. Ela conta que dos 65 alunos de instrumentos musicais, apenas dez são meninas. “As colegas ainda acham estranho quando eu digo que toco sanfona. É um preconceito que está acabando, mas ainda existe. E quem aprende a tocar sanfona, não quer largar mais, seja menino ou menina”, diz a apaixonada sanfoneira. Ela revela que os participantes do projeto são apresentados a diversos instrumentos, como zabumba, violão, baixo e percussão, mas a preferência é pela sanfona. “Era para ser apenas um dia na semana, mas os alunos querem aula todos os dias”. Em consequência, ao contrário de muitos jovens, suas preferências musicais não passam por Wesley Safadão nem por MCs. “Nossas referências são Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Elba Ramalho e Sivuca. São esses que ouvimos todos os dias”, atesta.

Tocada com as duas mãos e agarrada ao corpo do músico, a sanfona adequa-se bem à anatomia dos que a ela se dedicam.

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C L IMA

A crise da seca que assola os reservatórios da bacia do Velho Chico pode estar com seus dias contados. Com a provável chegada do fenômeno meteorológico La Niña, tende a crescer o registro de chuvas no território nordestino, gerando um aumento no volume hídrico das barragens do São Francisco. A tendência é que as chuvas trazidas pelo fenômeno ocorram entre os meses de setembro e outubro já deste ano. No entanto, a probabilidade é que não aconteçam com a mesma intensidade de ocasiões passadas. Enquanto o fenômeno El Niño está relacionado ao aquecimento fora do normal das águas do oceano Pacífico, o La Niña está associado à diminuição de temperatura. Sendo assim, zonas que passam por períodos de seca, resultados do impacto do El Niño, tendem a apresentar precipitações de chuva acima do normal com o La Niña. Neste caso está o Nordeste brasileiro, incluindo o território são-franciscano.

“E

m matéria de chuva no Nordeste brasileiro, é recomendável contar com a água só quando ela está no reservatório”. A frase do hidrólogo argentino radicado no Brasil, Pedro Molinas, expressa a preocupação de que, com o anúncio da possível ocorrência do fenômeno La Niña ainda este ano, e da eventual consequência do registro de muitas chuvas no território nordestino, os problemas enfrentados com pouca água nos reservatórios, ao longo da bacia do São Francisco, venha a ser considerado algo do passado. Por enquanto, sobram conjecturas, mas os reservatórios continuam com baixo nível de água armazenada. Segundo Lincoln Muniz Alves, pesquisador do Grupo de Mudanças Climáticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o La Niña representa um fenômeno oceânico-atmosférico com características opostas ao El Niño e se caracteriza por um esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical. Alguns dos impactos provocados por La Niña tendem a ser opostos aos do El Niño, mas nem sempre uma região afetada pelo El Niño apresenta impactos significativos no tempo e no clima devido ao fenômeno La Niña. O El Niño

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teve início em 2015 e se estendeu até o primeiro semestre de 2016, ocasionando seca ao longo da bacia do São Francisco. A observância, nos setores oeste e central do Pacífico Equatorial, do surgimento de anomalias negativas de Temperatura da Superfície do Mar (TSM), segundo Lincoln Alves, é um indicativo da possibilidade do desenvolvimento do La Niña, “que é fortalecido pelas previsões da maioria dos modelos acoplados e oceânicos que indicam condições favoráveis ao desenvolvimento do fenômeno no segundo semestre de 2016, ainda que de fraca intensidade”, diz.

CHUVAS Institutos de meteorologia de todo o mundo vêm reafirmando a possibilidade de ocorrência do La Niña já neste ano. É o caso, por exemplo, do Centro de Previsão do Clima (CPC), uma agência do Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos, do Departamento de Meteorologia do governo australiano, Bureau of Meteorology (BOM), e do serviço meteorológico oficial do Japão. Tais previsões se apoiam ainda em uma tendência histórica: dos últimos 15 fenômenos de El Niño, como o ocorrido até o início de 2016, 11 deles foram seguidos de La Niña.

Segundo o instituto australiano BOM, o La Niña eleva as chances de inundações generalizadas, secas e furacões em diversas regiões do planeta. O fenômeno, causado pelo resfriamento das águas do Pacífico, está associado à seca na América do Norte e ao tempo chuvoso no sudeste asiático, ao contrário do El Niño, que causa tempo seco na Austrália e na Ásia, e chuva nas Américas. Isso pode significar, por exemplo, que os produtores agrícolas brasileiros não terão folga por mais um ano. Após sofrerem com os estragos causados pela forte estiagem, influência do El Niño, eles terão que se preparar para a chegada do La Niña. Mas não é só a agricultura que pode ser afetada.

EFEITOS NA BACIA José Almir Cirilo, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco e secretário estadual de Recursos Hídricos e Energéticos, alerta que a não ocorrência de chuvas que aumentem o volume hídrico da barragem do São Francisco poderá comprometer as obras da transposição. “A transposição precisa de 26,4m3/s da vazão de Sobradinho para que os 12 milhões de nordestinos previstos no projeto tenham acesso à água são-franciscana. Eles se encontram espalhados pelos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. “O equilíbrio entre a oferta e a demanda de água é o que assegura o desenvolvimento econômico dessas regiões”, diz. Dentre os principais efeitos de episódios do La Niña


La Niña promete chuvas, mas dá para acreditar? TEXTO: FRED BURGOS

observados sobre o Brasil está a possibilidade de chuvas acima da média na região semiárida do Nordeste do Brasil. “Essas chuvas só ocorrem no caso de, simultaneamente ao La Niña, as condições atmosféricas e oceânicas sobre o Oceano Atlântico se mostrarem favoráveis, isto é, com TSM acima da média no Atlântico Tropical Sul e abaixo da média no Atlântico Tropical Norte”, afirma Lincoln Alves. Este último impacto pode ser benéfico para a bacia do São Francisco. Mas isso ainda é apenas uma possibilidade. Além de chuvas no Semiárido, o La Niña possibilitaria ainda passagens rápidas de frentes frias sobre a região Sul, com tendência de diminuição da precipitação nos meses de setembro a fevereiro, principalmente no Rio Grande do Sul, além do centro-nordeste da Argentina e do Uruguai. São previsíveis também temperaturas próximas da média climatológica ou ligeiramente abaixo da média sobre a região sudeste, durante o inverno; chegada das frentes frias até a região Nordeste, principalmente no litoral da Bahia, de Sergipe e de Alagoas; e tendência de chuvas abundantes no norte e leste da Amazônia.

HISTÓRICO DO LA NIÑA O termo "La Niña" é espanhol e significa "a menina", em alusão ao contrário de "El Niño" ("o menino"). Outros nomes como "El Viejo" ou "anti-El Niño" também foram usados para se referir ao resfriamento, mas o termo La Niña ganhou mais popularidade. A tabela que vemos a seguir mostra a distribuição temporal de ocorrência dos eventos de La Niña, bem como, a intensidade desses eventos. Ela foi extraída do site do CPTEC/INPE. De acordo com as avaliações das características de tempo e clima, de eventos de La Niña ocorridos no passado, observa-se que o La Niña mostra maior variabilidade, enquanto os eventos de El Niño apresentam um padrão mais consistente.

ILUSTRAÇÃO: ROGÉRIO REIS

O pesquisador do INPE ressalta que apesar de historicamente os fenômenos do La Niña se mostrarem favoráveis às chuvas, no Nordeste esta não é uma regra geral, uma vez que as condições do Oceano Atlântico, quando se aproxima o período chuvoso no semiárido nordestino, são um fator preponderante. “Enfim, penso que se deva manter ainda muita cautela com a gestão dos recursos hídricos e, principalmente, trabalhar com plano de mitigação para um possível período chuvoso normal em 2017, que certamente não será bastante para que os reservatórios recuperem totalmente seus níveis, já que estamos vivenciando quatro anos de seca”, avalia Lincoln Alves. A questão, no entender de Pedro Molinas, é que esse fenômeno de variação entre as temperaturas nos Atlânticos Sul e Norte, também chamado de Polo Atlântico, diferentemente do La Niña e de seus efeitos que podem ser previstos com meses de antecedência, não consegue ser identificado com tanta antecipação. “Previsões confiáveis desta possibilidade somente a partir de dezembro”, conclui Lincoln Alves.

1886

1938-1939

1984-1985

1903-1904

1949-1951

1988-1989

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1983-1984

FORTE

MODERADO

FRACO

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E NT RE VISTA

“Há muita discussão a respeito do comprometimento da qualidade e quantidade do aquífero pelo agronegócio e as interferências provocadas na sustentabilidade do São Francisco. Até o momento, não dispomos de dados suficientes para afirmar se a situação hídrica é crítica ou não”.

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Gestão boa é gestão sustentável O professor Chang Hung Kiang, titular do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Rio Claro (Unesp), foi um dos integrantes do grupo de consultores responsáveis por pesquisar os aquíferos situados em área da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Nesta entrevista, ele reconhece a importância desses aquíferos e lembra que o Urucuia, por exemplo, contribui com 735 metros cúbicos por segundo para o escoamento de base do rio São Francisco, o que representa praticamente quase todo o seu escoamento no período de estiagem. Kiang acha que os estudos hidrogeológicos foram relegados a segundo plano, a despeito de os aquíferos armazenarem mais água do que a disponibilizada pelos cursos superficiais dos rios. E ressalta a importância estratégica dos comitês de bacia, entre os quais inclui especialmente o CBHSF, na busca de soluções para o uso cada vez mais racional da água no Brasil

O senhor integrou recentemente a equipe de consultores que fez uma série de pesquisas sobre os sistemas dos aquíferos Urucuia e Cárstico, que apontou a necessidade de manutenção do equilíbrio ambiental do rio São Francisco e seus afluentes. Como ocorreu essa pesquisa? Na verdade, participamos somente dos estudos hidrogeológicos relacionados ao Sistema Aquífero Urucuia (SAU). O projeto, denominado Estudos Hidrogeológicos e de Vulnerabilidade do Sistema Aquífero Urucuia e Proposição de Modelo de Gestão Integrada e Compartilhada, teve por objetivo obter informações hidrogeológicas relevantes e de qualidade para a eficiente gestão integrada das águas superficiais e subterrâneas nas bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Tocantins e Parnaíba. São informações essenciais para subsidiar as ações de recuperação, conservação e preservação dessas bacias. O consórcio Engecorps/ WALM foi o responsável pela execução dos estudos, e o Laboratório de Estudo de Bacias (Lebac), da Unesp, atuou como consultor. Os estudos compreenderam desde revisão bibliográfica até mapeamento do uso e da ocupação do solo; levantamentos geológico e estrutural de campo; investigação geofísica utilizando os métodos de eletrorresistividade, eletromagnético e gravimétrico; análise de perfis geofísicos; cadastramento de poços; coleta de amostras de água subterrânea e de nascentes para análises físico-químicas; avaliação de riscos de contaminação por uso e ocupação do solo; avaliação de cenários de mudanças climáticas e proposta de gestão compartilhada de aquífero por estados federativos (onde ocorrer), entre outros.

TEXTO: RICARDO FOLLADOR FOTOS: EDUARDO DE CARVALHO

Quais os resultados obtidos? A situação é realmente crítica? O Sistema Aquífero Urucuia comporta uma grande reserva hídrica, da ordem de 1.350 km3, dos quais 22 compõem a reserva reguladora, ou seja, aquela que é renovada anualmente. A disponibilidade hídrica anual ou vazão anual disponível para uso foi calculada em 12 km³/ano. O potencial exploratório é grande, podendo ser extraídos entre 250 m³/h e 500 m³/h de poços tecnicamente bem-construídos. A recarga mé-

dia estimada para o SAU foi de 204 mm anuais, valor que corresponde a 22,37 km³/ano e 17% da precipitação média anual. As águas do SAU são fracamente mineralizadas e de boa qualidade química, não tendo sido constatados problemas de contaminação. O Aquífero Urucuia contribui com 735 m³/s para o escoamento de base do rio São Francisco, o que representa praticamente quase todo seu escoamento no período de estiagem. Há muita discussão a respeito do comprometimento da qualidade e da quantidade do aquífero pelo agronegócio e as interferências provocadas na sustentabilidade do São Francisco. Até o momento, não dispomos de dados suficientes para afirmar se a situação hídrica é critica ou não. O uso atual não parece ter alterado significativamente suas reservas e descargas para as drenagens superficiais, todavia, por representar uma parcela significativa do escoamento de base do São Francisco, é fundamental investir no conhecimento hidrogeológico da bacia, que envolve estudos estratigráficos, sedimentológicos, estruturais e hidrodinâmicos do meio poroso. É preciso também ampliar o monitoramento dos níveis de água subterrânea, das vazões extraídas por poços e das vazões de descarga dos rios. Uma boa e eficaz gestão necessita de conhecimento técnico detalhado, além de todos os outros elementos socioeconômicos que a fazem responsável e sustentável. Para a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, os sistemas Urucuia e Cárstico exercem funções distintas. Em linhas gerais, quais as diferenças entre esses dois importantes reservatórios? A principal função dos aquíferos Urucuia e Cárstico para a bacia do São Francisco é a de armazenar parte das águas pluviais nos interstícios rochosos, de maneira a prover água para manutenção de escoamento perene de corpos d’água superficiais, bem como sua exploração direta via poços e cacimbas. Essa função garante ao homem e a todo o ecossistema acesso à água necessária para sua subsistência e condições de desenvolvimento socioeconômico para a região. A diferença que podemos apontar é que o volume de contribuição do aquífero Urucuia é muito maior, devido a suas características geológicas e hidrodinâmicas.

Uma boa e eficaz gestão necessita de conhecimento técnico detalhado, além de todos os outros elementos socioeconômicos que a fazem responsável e sustentável.”

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E NT R E VISTA

Os estudos hidrogeológicos foram relegados a segundo plano, a despeito dos aquíferos armazenarem mais água do que a disponibilizada pelos cursos superficiais. Não devemos nos esquecer de que a água do escoamento de base dos rios provém dos aquíferos, ou seja, é água subterrânea.” Como o senhor vê a questão dos poços que retiram água dos aquíferos, sem o devido cadastramento? No caso do Urucuia, estima-se que existam mais de 3 mil poços em funcionamento, embora apenas 1.423 cadastrados. Essa é uma questão importante no exercício da gestão de recursos hídricos. O volume de água extraído dos aquíferos é um dos parâmetros do balanço hídrico de uma bacia; um parâmetro indispensável, se a explotação for significativa. O balanço hídrico subterrâneo é uma equação que contabiliza as vazões de entrada (recarga) e saída do aquífero (descarga e bombeamento), cujo resultado indica se este se encontra sob estresse ou não. Sem as informações dos volumes extraídos pelos poços clandestinos, não regularizados ou não cadastrados, o balanço hídrico é falho e o resultado pode induzir a erros de interpretação. Pode levar, por exemplo, o gestor/regulador a superestimar suas reservas.

Em sua opinião, o que falta para que a gestão das águas subterrâneas do País aconteça de modo integrado, considerando especialmente os aquíferos Urucuia e Cárstico, responsáveis por cerca de 90% do escoamento da bacia do Velho Chico? Há um razoável conhecimento da hidrologia dos cursos de água superficiais, decorrente, em grande parte, dos estudos para implantação de grandes reservatórios destinados à produção de energia elétrica e ao abastecimento populacional; tais estudos envolvem também o monitoramento sistemático da precipitação e a vazão dos rios da bacia. Esse mesmo nível de conhecimento não encontra paralelo no que se refere à caracterização hidrogeológica dos aquíferos que alimentam/mantêm o escoamento fluvial. Os estudos hidrogeológicos foram relegados a segundo plano, a despeito dos aquíferos armazenarem mais água do que aquela disponibilizada pelos cursos superficiais. Não devemos nos esquecer de que a água do escoamento de base dos rios provém dos aquíferos, ou seja, é água subterrânea. Respondendo à pergunta que você me fez, o que falta é investir em conhecimento hidrogeológico, para que seja possível realizar uma gestão integrada confiável, eficiente e sustentável.

Tem-se discutido nos últimos anos o que se denominou outorga compartilhada, que é o direito de uso das águas subterrâneas sob responsabilidade de cada estado.

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O modelo ideal de governança é um desafio apontado no estudo desenvolvido por vocês. Como fazer para que os estados e a União dialoguem e cooperem entre si, uma vez que as águas subterrâneas são de dominialidade estadual e os aquíferos integram diferentes unidades federativas? A desconformidade já não começa na própria Lei Federal no 9.433/1997, a chamada Lei das Águas? De fato, trata-se de um grande desafio, que demandará ainda muitas discussões e algum tempo para equacionamento. Tem-se discutido nos últimos anos o que se denominou outorga compartilhada, que é o direito de uso das águas subterrâneas sob responsabilidade de cada estado. A sugestão do estudo realizado pela ANA é que se institua uma comissão interestadual que congregue câmaras técnicas de águas subterrâneas dos comitês de bacias hidrográficas que incidem sobre o SAU, usuários e órgãos gestores estaduais, com vistas ao estabelecimento de critérios e/ou condições básicas, assim como dos índices de outorga passíveis de compartilhamento. Do ponto de vista prático, embora a outorga seja concedida por lei pelo estado onde se localiza a captação ou o poço, a gestão deveria ser feita por unidade aquífera e não por bacia hidrográfica. Evidentemente, os recursos hídricos superficiais devem ser contemplados e integrados nas análises para emissão das outorgas. A compactação do solo e a retirada desproporcional de água são dois dos principais inimigos do Aquífero Urucuia. Diante da crise hídrica e de conflitos cada vez mais acentuados pelo uso da água, os segmentos envolvendo o setor agrícola, usinas de produção de energia hidroelétrica e a própria população ribeirinha não terão que se harmonizar para tornar este uso racional? Como promover esse diálogo? Incluiria a poluição antrópica como mais danosa que a compactação, pois o custo de mitigação de aquíferos contaminados é muito maior do que o das ações necessárias para melhorar a sua recarga. O grande problema é a falta de “equalização” dos conhecimentos hidrológicos e das causas e ações responsáveis pelos conflitos. Acredito que a difusão do conhecimento, associada a uma boa dose de conscientização das partes e ao exercício da cidadania, podem viabilizar o diálogo e promover o uso racional da água. Quando falo em equalização, refiro-me à capacitação compatível com a formação e o grau de instrução dos atores envolvidos. Assim, creio que os comitês de bacia têm um papel de suma importância na solução dessas questões. Daí a importância das ações do CBHSF, que, tenho certeza, contribuirão de forma exitosa para promover a necessária capacitação. Quanto à cidadania, penso que os responsáveis pelos setores mais privilegiados têm a obrigação de se empenhar na procura de soluções mitigadoras para os menos favorecidos, sem, naturalmente, descaracterizar sua missão.


E N SA IO

A ÚLTIMA GOTA

O fotógrafo baiano Rui Rezende é um apaixonado pela natureza. E um irremediável defensor dos recursos naturais do País. Foi com esse espírito que ele percorreu entre os anos de 2011 e 2014 todos os municípios baianos da face oeste do rio São Francisco. De Carinhanha, na divisa da Bahia com Minas Gerais, até Casa Nova, na divisa com Pernambuco, foram mais de 130 mil quilômetros percorridos, 55 horas de voo e dezenas de horas navegando pelos rios Grande, Preto, Corrente, Carinhanha, Ondas, além do próprio São Francisco. A ideia foi registrar incríveis paisagens naturais e também as mais diversas formas de devastação e desrespeito para com a grande riqueza que são o São Francisco e seus afluentes. O resultado foi uma coleção de mais de 50 mil fotos, das quais 216 fazem parte do seu livro mais recente, Oeste da Bahia: O Novo Mundo, fruto e objetivo central dessa vasta pesquisa de campo.

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E N SA IO E N SA IO


Parte das fotos produzidas deu origem à exposição “A Última Gota”, que ocupou recentemente o Parque de Exposições Engenheiro Geraldo Rocha, na 34ª edição da Expoagro, realizada na cidade de Barreiras (BA), no oeste baiano. A exposição deverá percorrer outras cidades brasileiras, especialmente as localizadas no território documentado por Rezende. Uma das condições para sediar a mostra, contudo, é o comprometimento do município em realizar ações objetivas de proteção aos seus rios e mananciais, estimulando o debate e a reflexão sobre a questão ambiental no espaço geográfico municipal. Parte das fotos produzidas deu origem à exposição “A Última Gota”, que ocupou recentemente o Parque de Exposições Engenheiro Geraldo Rocha, na 34ª edição da Expoagro, realizada na cidade de Barreiras (BA), no oeste baiano. A exposição deverá percorrer outras cidades brasileiras, especialmente as localizadas no território documentado por Rezende. Uma das condições para sediar a mostra, contudo, é o comprometimento do município em realizar ações objetivas de proteção aos seus rios e mananciais, estimulando o debate e a reflexão sobre a questão ambiental no espaço geográfico municipal.


E N SA IO Rezende, que já produziu dezenas de exposições e é também autor dos livros Chapada Diamantina Um Paraíso Desconhecido, Encantos de Tinharé e Cairu Cidade do Sol, ficou particularmente chocado com as cenas de degradação observadas ao longo do seu projeto fotográfico. Ao navegar 30 quilômetros pelo rio de Ondas e pelo rio Grande, ambos afluentes do São Francisco na região de Barreiras, registrou cenas lamentáveis, como desmatamento das matas ciliares, esgotos jogados diretamente na água, construções irregulares e lixo, muito lixo! Cenas que só fizeram confirmar para o artista o inexorável destino do Velho Chico, cada vez mais perto da sua última gota!


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ART IG O

A água seca do São Francisco e a ecologia das almas sonolentas POR JURACY MARQUES*

“Já tiraram o coro do Rio São Francisco, agora só falta espichar.” Seo Manoel, pajé do povo Xocó.

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FOTO: JOÃO ZINCLAIR

A

água é a tinta que desenhou as diferentes formas de vida do planeta. Onde ela apareceu, escorrendo pelos diferentes cantos do mundo em forma de riacho, rio e mar, permitiu a organização de grandes civilizações humanas. É um bem natural, essencial à manutenção de todas as formas de vida. Setenta por cento (70%) da superfície da Terra é coberta por esse precioso líquido. Entretanto, apenas 1% desse grandioso volume de água é potável e adequado ao consumo humano. Estima-se que na Terra exista 1,37 bilhão de quilômetros cúbicos de água. Desse volume, 97% constituem as águas dos oceanos e apenas 3% são de água doce. Desse percentual de água-doce, dois terços estão nas calotas polares e geleiras, restando apenas 1% do volume para consumo humano e animal. O Brasil, onde se concentra a maior rede de bacias hidrográficas do mundo, é detentor de 12% da água-doce que escorre nas superfícies do nosso mundo; 72% desses recursos estão localizados na região amazônica e apenas 3% no Nordeste. A Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que mede aproximadamente 640 mil quilômetros quadrados (cerca de 8% do território do Brasil), tendo uma extensão de 2.814 quilômetros, desde a sua nascente, na Serra da Canastra, representa 70% da disponibilidade hídrica do Nordeste. É a terceira bacia do Brasil, única a cortar todo o território nacional, integrando 504 municípios (9% do total de municípios do País), percorrendo os estados de Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Nesta primeira década do século XXI, o mundo percebeu que a água potável, base para a manutenção da vida, é o maior indicador da riqueza de uma nação. Dos 7 bilhões de habitantes que somos, 2 bilhões são atingidos pela escassez de água potável. Segundo a Organização das Nações Unidas – ONU (MMA, 2005), se não forem adotadas medidas de preservação dos mananciais e de racionalização do consumo, em 2025 esse percentual pode atingir mais de 4 bilhões de habitantes do planeta, mais da metade da população mundial. Segundo a UNESCO, nos últimos 50 anos a disponibilidade de água para cada ser humano diminuiu 60%, ao mesmo tempo em que a população cresceu 50%. Cerca de 1,4 bilhão de pessoas não tem acesso a água

potável, em toda a face da Terra, e mais de 2,4 bilhões não têm acesso aos serviços de saneamento ambiental. Isto porque 70% do consumo da água-doce no mundo vai para a agricultura – responsável por 40% de todos os produtos agrícolas produzidos –, 20% para a indústria e apenas 10% para o consumo humano. A água, hoje, é um bem natural que está no centro das grandes questões da humanidade. A água-doce, adequada ao consumo humano, foi apropriada como uma mercadoria, tornando-se objeto de lucro do capital. É a partir desse cenário que falarei da vida dos moradores da Bacia do São Francisco, gente na casa dos 18 milhões de ribeirinhos, invisibilizados nas políticas de recursos hídricos voltadas para a gestão da Bacia do Rio São Francisco, neste momento da história em que o Velho Chico é o capital mais valioso do Nordeste.

ALMAS SONOLENTAS DE UM POVO FEITO DE ÁGUA Pela primeira vez na história, em 2014, observamos que a nascente do São Francisco, na Serra da Canastra, Minas Gerais, secou. Também pela primeira vez, em novembro de 2015,

o maior lago artificial da América Latina, Sobradinho, construído na década de 1970, com taxas de evaporação de água de 250 metros cúbicos por segundo (m3/s), três vezes mais que a vazão prevista para o projeto de transposição, atingiu o limite morto. Os moradores de seus diferentes cantos amargavam passivamente a desesperadora evidência da morte do Velho Chico. Esses são apenas dois dados dentre outros que o ecologista José Alves analisa em seu importante livro Flora das Caatingas do Rio São Francisco (2012) como a extinção inexorável do São Francisco. O cenário que caracteriza o que se pensa como escassez hídrica no Semiárido serviu de base para justificar uma das intervenções mais violentas no São Francisco: o projeto de transposição. À revelia de todos os protestos e das lutas, como acontece numa relação entre dominantes e dominados, o povo das águas assiste sonolentamente ao triunfo das forças que servem ao poder político e econômico. O que se chama políticas dos usos, na verdade, é a feira das águas privadas! Nesse mercado, as pessoas, particularmente os povos e as comunidades tradicionais, são vergonhosamente usados.


Sobre a transposição, sabemos que o governo federal sustenta o falacioso argumento de que essa obra levará água para 12 milhões de habitantes do Semiárido, contemplando 268 municípios com capacidade para irrigar mais de 300 mil hectares de terra. A transposição Inclui a construção de mais duas barragens hidrelétricas (Pedra Branca e Riacho Seco), nove estações de bombeamento, 27 aquedutos, oito túneis e 35 reservatórios. Seu custo ultrapassa a casa dos 10 bilhões de reais. É um dos maiores investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento, iniciado no governo Lula. Com a efetivação da transposição, desenha-se uma nova arquitetura sobre a Bacia do São Francisco em termos físicos e sociais. Incorporam-se à territorialidade desse rio novos espaços do Nordeste. Apesar do triste cenário, os projetos econômicos em toda a bacia não foram paralisados. A indústria, a mineração e a irrigação, juntas, são responsáveis por mais de 80% das águas retiradas do Velho Chico. Segundo a ANA, de toda a água retirada do São Francisco, a irrigação consome 76%. No Vale, essa área é de 120 mil hectares. O velho rio agoniza com graves problemas socioambientais intensificados nesses dois últimos séculos: hoje, é o rio com a maior cascata de hidrelétricas do Brasil (Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Complexo Paulo Afonso I, II, III, IV e Xingó), que, juntas, impactaram a vida de mais de 250 mil ribeirinhos. Além da salinização dos seus solos e da formação de núcleos de desertificação, quase toda a cobertura vegetal das suas matas ciliares foi destruída, restando apenas 4%, o que aumenta os processos erosivos em suas margens, ocasionando o assoreamento do rio e tornando-o inviável como hidrovia, bem como para outros fins. Em todo o vale são-franciscano, observamos o uso indiscriminado de agrotóxicos na fruticultura irrigada, o que tem trazido um certo nível de vulnerabilidade à saúde do trabalhador e de todos os consumidores. Somos o país que mais usa agrotóxicos no mundo, cabendo a cada brasileiro o consumo de 5,2 litros de venenos agrícolas por ano. Mais de 95% dos municípios situados às margens do São Francisco ainda jogam esgotos urbanos sem tratamento no rio. Podemos falar ainda dos impactos causados pelas mineradoras, pelas carvoarias, enfim... Parte dos graves problemas socioambientais da Bacia do São Francisco corre com suas águas aos nossos olhos. Alguns fazem desse drama novelas! Apesar da perplexidade e da inoperância de todos diante dessa catástrofe ambiental – a morte do São Francisco –, ainda se vive com a ilusão de um morto que parece vivo, como é o estado atual do que dantes fora chamado pelos nativos de Opará, Rio-Mar. Havemos que pensar: Como um rio que agoniza nessa proporção ainda é base para a sustentação direta de um contingente humano de mais de 18 milhões de habitantes? O que será da vida dos ribeirinhos, se a vida do Velho Chico acabar? Essa vida que, observamos, está morta.

FONTES CONSULTADAS: DIEGUES, A. C. SABERES TRADICIONAIS E BIODIVERSIDADE NO BRASIL. BRASÍLIA: MMA, 2001. FILHO, JOSÉ ALVES DE SIQUEIRA (ORG.). FLORA DAS CAATINGAS DO RIO SÃO FRANCISCO: HISTÓRIA NATURAL E CONSERVAÇÃO. RIO DE JANEIRO: ANDREA JAKOBSSON, 2012. MALVEZZI, ROBERTO. MERCADO DE ÁGUAS. IN: ZINCLAR, JOÃO. O RIO SÃO FRANCISCO E AS ÁGUAS NO SERTÃO. SÃO PAULO: SILVAMARTS, 2010. MMA. ÁGUA É VIDA: A IMPORTÂNCIA DA ÁGUA PARA A VIDA NO PLANETA. RIO GRANDE DO SUL: MMA, 2005.

QUEM SÃO OS FRANCISCANOS DE HOJE? Pesquisas no campo da arqueologia e da antropologia apresentam dados bastante consistentes sobre os grupos pré-coloniais na Bacia do São Francisco, a ponto de a arqueóloga Niède Guidon afirmar que o São Francisco, possivelmente, seja a principal rota de ocupação do continente americano, como atesta a cultura material, de datações superiores a 13 mil anos, que escapou da destruição causada pela construção das grandes hidrelétricas em todo o corpo do rio. Em 04 de outubro de 1501, a equipe portuguesa invadiu a foz do Velho Chico. Era dia de São Francisco de Assis e, por isso, batizaram o rio com seu nome. Com os colonizadores, vieram os franciscanos, inicialmente responsáveis pelos aldeamentos dos sobreviventes indígenas que eles não mataram. Hoje resistem mais de 40 povos indígenas, cerca de 50 territórios onde vivem em torno de 70 mil almas, ao longo de toda a bacia, parte deles ainda lutando para ter direito aos seus territórios tradicionais, como é o caso dos Tuxá, Truká, Tumbalalá, Xacriaba, Koiupanká, Truká-Tupan, entre outros. É estranho que os donos de uma casa sejam obrigados a dormir no terreiro! Há uma generalização invisibilizante sobre as pessoas que moram na Bacia do Velho Chico: cerca de 18 milhões de habitantes, a maioria varzeiros, ou seja, descendentes de indígenas e escravos que vivem ao longo do São Francisco e na sua planície de inundação – ilhas e várzeas. Não conhecemos os povos e as comunidades tradicionais da bacia. Há dados mais consistentes sobre os povos indígenas, conforme referido anteriormente. Outro grupo humano bastante estudado são os pescadores artesanais. Embora os dados ainda sejam incompletos, já estão estimados mais de 34.244 pescadores e pescadoras artesanais. Há dados iniciais sobre comunidades negras da bacia, particularmente os quilombos, carecendo de um estudo mais aprofundado para um mapeamento preciso dessas comunidades tradicionais. Sabe-se que o Velho Chico concentra o maior agrupamento negro em uma bacia hidrográfica do Brasil. São quase inexistentes pesquisas sobre agricultores familiares e comunidades de fundo de pasto, estes últimos, restritos ao Semiárido baiano. E contam-se mais de 500 comunidades, 20 mil famílias, 100 mil sertanejos e sertanejas. Os ciganos e os povos de terreiros quase não aparecem como grupos humanos quando nos referimos ao São Francisco. Há alguns trabalhos iniciados sobre os remeiros. Pouquíssimas pesquisas tratam dos rezadores e das rezadeiras, dos judeus e de outros grupos humanos tradicionais do Velho Chico. As comunidades urbanas das cidades da bacia aparecem de forma bastante generalizada, são homogêneas e suas dinâmicas ecológicas são ignoradas. Novos grupos, a exemplo das tribos juvenis, quase nunca aparecem como campo de interesse sobre estudos de grupos humanos no São Francisco. As crianças e os idosos nunca aparecem. Não existem. Gays, lésbicas e transgêneros raramente são apontados. A questão da mulher não aparece nos estudos sobre as comunidades humanas do São Francisco. Da nascente à foz, uma correnteza de machos! Porque não conhecemos esses povos das águas ribeirinhas franciscanas? Esse apagamento não é algo ingênuo e inocente, mas parte de um arquitetado processo enraizado nas estruturas políticas e econômicas da elite do Brasil e do mundo. O São Francisco é uma carta de baralho valiosa, manejada pelas elites, desde os tempos coloniais, para fazer de seus usos uma preciosa fonte de riquezas. Os povos das águas do Velho Chico, ribeirinhos e ribeirinhas, ou mesmo os que moram longe de suas margens, permanecem em estado de silêncio, quietos, sonolentos e estão anestesiados frente à urgência de seu protagonismo. Ou acordam ou beberão a raspa do pote! * JURACY MARQUES É DOUTOR EM CULTURA E SOCIEDADE E PÓS-DOUTOR EM ECOLOGIA HUMANA (UNL-PORTUGAL) E EM ANTROPOLOGIA (UFBA), ALÉM DE TER FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. É PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECOLOGIA

MP. VELHO CHICO: A EXPERIÊNCIA DA FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA INTEGRADA NA BAHIA. SALVADOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DA BAHIA E ÓRGÃOS PARCEIROS DO PROGRAMA FPI, 2014.

HUMANA (SABEH). ATUALMENTE É PROFESSOR TITULAR DA UNEB, ONDE ATUA EM CURSOS DE GRADUAÇÃO E NAS PÓS-GRADUAÇÕES (MESTRADOS) EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO SOCIOAMBIENTAL (PPGECOH) E EM EDUCAÇÃO CULTURA E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS (PPGESA).

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ALMAN AQ U E

Texto: José Antônio Moreno Ilustração: elena landinez

A cidade de São Roque de Minas tem um valor simbólico para Minas Gerais e, mais ainda, para o rio São Francisco. É lá, em meio ao cenário deslumbrante da Serra da Canastra, que o Velho Chico nasce e inicia seu curso em direção à Região Nordeste, levando água, movimentando a economia de centenas de cidades ribeirinhas, nutrindo e desenvolvendo populações. Fincado no centrooeste mineiro, o município desponta como polo nacional de ecoturismo, apoiando-se nas belezas naturais da região e no orgulho de ser o local de nascimento do São Francisco.

Clima

O clima da região é subtropical, com temperaturas médias anuais de 17°C no inverno e 23°C no verão. Um bom período para visitas vai de abril a outubro, quando chove menos e as águas das cachoeiras ficam mais cristalinas. Novembro e dezembro são meses de bastante chuva. Julho é o mês mais frio (a temperatura costuma descer até 5 graus), enquanto janeiro e fevereiro são os mais quentes.

Cachoeiras

Economia

A economia já teve a mineração como sua base principal, mas entrou em decadência e foi substituída pela pecuária leiteira, ainda hoje, a maior atividade econômica do município, seguida da cafeicultura, em constante crescimento. Entre os produtos, o queijo Canastra lidera a lista dos mais comercializados na região.

Apos deixar o Parque Nacional da Canastra para descer a Serra, o rio São Francisco começa a adquirir volume e força, gerando cachoeiras e piscinas naturais. A primeira e mais importante das quedas d’água é a Casca D’Anta, que tem mais de 186 metros de altura e um volume de água que pode chegar a 8 mil litros de vazão por segundo. Também merece destaque a cachoeira dos Rolinhos, um dos lugares mais visitados e mais bonitos da Serra, depois da Casca D’Anta. Outras cachoeiras importantes da região são as do Vento, Quilombo, Fundão e a da Lavra.

Fauna

Os animais são uma das maiores atrações da Serra da Canastra, especialmente na área do Parque Nacional. São mais de 800 espécies de aves e quase 200 espécies de mamíferos, números superiores, por exemplo, aos do Pantanal. A fauna típica da região reúne espécies ameaçadas de extinção, como o tamanduábandeira, o lobo-guará e o veado-campeiro, que podem ser vistos com relativa facilidade. Há também a lontra, o macaco sauá e as três maiores e mais fascinantes raridades: o tatu-canastra, o pato-mergulhão e a onça parda. As áreas de campos e cerrados da Canastra exibem o cachorro-do-mato, a seriema, a ema, o gavião carcará e o magnífico gavião-caboclo. Nas matas ciliares e nas fazendas, o show é do mico-estrela, dos quatis, do urubu-rei, do jacu, do tucanaçu e do canário-da-terra.

Parque Nacional da Canastra

O parque foi criado há 40 anos com o objetivo de proteger as nascentes do rio São Francisco, sendo que 80% do seu território – 71.525 hectares – pertencem ao município de São Roque de Minas. Tido como modelo de administração entre os parques nacionais, sua vegetação é formada predominantemente pelo cerrado e a fauna é diversificada, inclusive, com animais ameaçados de extinção. Possui também muitos rios e lagos. Um cenário que um dia serviu de inspiração para o renomado pintor francês Jean-Baptiste Debret, que no século XIX pintou uma de suas telas no local.

Nascente do Velho Chico

A nascente do rio São Francisco fica em um vale a 1.300 metros de altitude, exatamente dentro do Parque Nacional da Canastra. A criação do parque foi uma iniciativa para proteger a fonte, que pode ser vista do alto de uma ponte de madeira. No local há uma estátua de São Francisco. Do alto, avista-se a união de dois pequenos córregos que surgem de um charco e dão origem ao rio que viaja pelo interior do País para desembocar no Oceano Atlântico.

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Queijo Canastra

O queijo Canastra, produzido por nove entre dez produtores de leite locais, é destaque absoluto do município. Sua fama já atravessou os limites de Minas Gerais e conquistou (e conquista) paladares mundo afora, incluindo participação vitoriosa em concursos nacionais e internacionais do gênero, além do titulo de “patrimônio cultural brasileiro”, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Aos turistas, cabe provar a iguaria, levar para casa ou acompanhar o processo artesanal de produção nas fazendas. O queijo é feito de leite cru e as condições especiais de fabricação vêm da própria natureza: o clima, a altitude, os pastos nativos e a água da Canastra dão ao produto um sabor único, forte, meio picante, denso e encorpado.

Gastronomia

Artesanato História

Índios bravos e negros guerreiros estão no passado de São Roque de Minas. Conta a história que foram os índios Cataguases os primeiros habitantes da região, dizimados pelos brancos no século XVII. O povoado surgiu em 1762, com a construção da capela em louvor a São Roque, a mando de Manoel Marques de Carvalho, considerado o fundador da cidade. Em 1938, São Roque, que era distrito de Pimhui, virou cidade independente, mas trocou de nome, Guia Lopes, em homenagem a José Francisco Lopes, o guia das tropas brasileiras no episódio da Guerra do Paraguai conhecido como Retirada da Laguna. Só em 1962, por meio de um plebiscito, a cidade foi legalmente rebatizada com o nome atual.

Algumas lojinhas da cidade comercializam peças do artesanato local, feitas de madeira ou palha. Entre os souvenirs, merecem destaque as imagens de São Francisco, produzidas em diversos tamanhos e tipos de material. Também faz sucesso a carranca de madeira.

A culinária local tem como carro-chefe o “lombozó”, comida preparada com folhas de taioba, abobrinha, jiló, carne e, claro, queijo Canastra. Faz sucesso também entre os turistas a galinha caipira, preparada sob encomenda em alguns restaurantes da cidade. O pão de queijo e os biscoitos de polvilho também integram o cardápio gastronômico local.

Padroeiro

A singela capela de São Roque teve sua construção concluída em 1762, dando origem ao povoado. São Roque (1295 d.C. – 1327 d.C.) é um santo da Igreja Católica Romana, conhecido como protetor dos doentes, inválidos e também dos cirurgiões. Por sua intercessão contra a “peste”, tornou-se muito popular entre os católicos. A festa que o homenageia é celebrada no dia 16 de agosto.

Turismo

O ecoturismo é atualmente uma das principais atividades econômicas do município, atraindo turistas interessados na natureza e nas diversas trilhas ecológicas da região, com maior ou menor nível de dificuldade. Por conta de seus atrativos naturais, a cidade recebe um público eclético, de crianças e idosos a jovens mochileiros e adultos de todas as faixas etárias. O acesso ao parque, todavia, ainda não é dos melhores. Quando chove, por exemplo, fica difícil subir a Serra sem um veículo com tração nas quatro rodas.

Folclore

A Folia de Reis, festividade de origem portuguesa, é a principal manifestação folclórica local, movimentando a cidade no início de cada mês de janeiro em homenagem aos três Reis Magos. Outras festas comemoradas na região são o Carnaval e a Semana Santa. Em agosto, ocorrem as festas de Nossa Senhora de Assumpção e do padroeiro, São Roque, ambas bastante aguardadas por moradores e turistas. A de São Roque conta com novena, barracas de comidas e bebidas, queima de fogos, alvorada, missas, programação infantil, grupos de oração e procissões.

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H IST ÓRIA

Pedra preciosa com alma barroca O nome já diz tudo. Diamantina é uma espécie de pedra preciosa da arte barroca brasileira. Uma cidade cujo patrimônio histórico está entre os mais importantes do Brasil, figurando ao lado de ícones como Ouro Preto, Tiradentes, Olinda e Paraty. O curioso é que poucos sabem que essa preciosidade se encontra em território da bacia do São Francisco. Cidade de personalidades como Chica da Silva e Juscelino Kubitschek, Diamantina se destaca pela preservação de um passado recheado de histórias e por uma beleza arquitetônica que impressiona. TEXTO: JOSÉ ANTONIO MORENO FOTOS: HUGO CORDEIRO

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Cartão postal da cidade, o Passadiço da Glória liga dois dos prédios históricos

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mais visitados de Diamantina.

cidade de Diamantina, no estado de Minas Gerais, é uma joia arquitetônica que a Unesco reconheceu como patrimônio da humanidade. O que pouca gente sabe é que essa preciosidade pertence à bacia do rio São Francisco e figura como um dos seus grandes atrativos culturais. Majestosa em seus casarios conservados, acolhedora em seu clima serrano, apetitosa em suas iguarias típicas, a cidade também encanta pelo colorido barroco e grande agitação jovial. A porção barroca vem das igrejas, dos sobrados e prédios públicos restaurados. O lado jovial vem dos estudantes, que enchem a cidade de repúblicas e fazem das ladeiras e ruas estreitas pontos de encontro e agitação. Passado e presente convivem harmoniosamente e apontam para um futuro que, todos esperam, seja de crescimento sustentável, sem prejuízo de um patrimônio que detém a fama de ser um dos mais belos do País, ao lado de ícones como Ouro Preto, Tiradentes,

Paraty e Olinda. Além disso, Diamantina chama a atenção por ter sido o berço de dois filhos ilustres. O primeiro deles é a ex-escrava Francisca da Silva de Oliveira – a Chica da Silva –, rainha negra que atingiu posição de destaque na elitista sociedade mineira do século XVIII. O segundo, o estadista Juscelino Kubitschek, revolucionário fundador de Brasília, no início dos anos 1960, e um dos presidentes mais lembrados da história recente do Brasil. Tanto Chica como Juscelino tiveram suas casas transformadas em pontos turísticos obrigatórios para quem visita Diamantina.

INÚMERAS ATRAÇÕES A história de Diamantina se entrelaça com a própria história do Brasil colônia e está intimamente ligada à exploração do ouro e do diamante. O povoado nasceu por volta de 1722, crescendo na direção dos rios que eram garimpados por uma população flutuante. A descoberta de diamantes

e de outras pedras preciosas chamou a atenção da Coroa Portuguesa, que logo estabeleceu no local construções simbolizando o poder religioso (a Igreja de Santo Antonio) e o poder fiscal (a Casa da Intendência). Nascia, assim, o Arraial do Tejuco, depois transformado no conjunto urbano de Diamantina. A Diamantina de hoje é bem maior do que seu núcleo histórico, mas este continua sendo o maior atrativo do município, que tem no turismo e nos serviços suas principais fontes de renda. Os turistas sobem e descem as íngremes ladeiras da cidade durante todo o ano e se concentram nos períodos das chamadas “vesperatas”, concertos musicais apresentados das sacadas coloniais para um público que lota as ruas em frente ao casario. Da seresta ao samba, do chorinho à MPB, o repertório agrada a todos os gostos musicais. Quando há “vesperatas”, realizadas normalmente à noite, entre os meses de abril e outu-

O RIO QUE NINGUÉM VÊ Dizer que Diamantina está situada na bacia hidrográfica do rio São Francisco causa admiração e surpresa à maioria dos diamantinenses. De São Francisco eles só conhecem a bela igreja dedicada ao santo, atração do patrimônio histórico local. Para a maioria, o Velho Chico é um rio distante, que atravessa outros territórios mineiros. Poucos sabem que dentro dos limites do município nasce e corre o rio Pardo Pequeno, que deságua no rio das Velhas, por sua vez, afluente do São Francisco. Apelidado carinhosamente pela população de “Rio Pardinho”, o Pardo Pequeno tem 67 quilômetros de extensão e drena uma área de 700 quilômetros quadrados. Sua nascente se localiza a uma altitude de aproximadamente 1.400 metros na Serra do Espinhaço. Alguns de seus trechos servem de limite natural entre municípios da região. O trecho entre a foz do córrego do Capão e a foz do córrego Chapadinha separa os municípios de Diamantina e Gouveia. Em seus últimos 10 quilômetros de extensão, até desembocar no rio Pardo Grande, faz a divisão entre os municípios de Monjolos e Santo Hipólito.

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H IST ÓRIA bro, a cidade é tomada por um público extra e muito animado. Chegam ônibus lotados de Belo Horizonte e outras cidades. Os hotéis atingem sua capacidade máxima. A felicidade alcança indistintamente donos de restaurantes, de bares e de lojinhas de souvernirs. Ao chegar a Diamantina, o calçamento das ruas em pedra polida é a primeira coisa que chama a atenção. O segundo impacto vem da concentração dos muitos imóveis históricos, perfilados um junto ao outro, por toda a área do Centro antigo. São igrejas, pousadas, casas residenciais e edifícios públicos que mantêm um razoável padrão de conservação estética da arquitetura que marcou o barroco dos séculos XVIII e XIX. Entre os inúmeros ícones locais, um dos mais cultuados (talvez o maior símbolo da cidade) é a Casa da Glória. Pintado nas cores branca e azul, o imóvel pertence hoje à Universidade Federal de Minas Gerais, mas já sediou o colégio das rigorosas freiras vicentinas. Foram elas que resolveram unir os dois casarões da mesma rua com um passadiço. De um lado ficavam as salas de aula das internas; do outro, uma capela. O passadiço, conta a lenda local, permitia que as moças internas passassem de um lado a outro, protegidas dos olhares masculinos. Atualmente, a Casa da Glória oferece espaço para aulas e serve de alojamento para os alunos dos cursos de Geologia, Cartologia e Turismo da UFMG. Mas o forte da Casa é mesmo a visitação turística: “Em 2015, cerca de 15 mil pessoas passaram por aqui. E só em julho deste ano recebemos por volta de três mil visitantes”, orgulha-se a encarregada Adalma Fernandes Teixeira. O oratório do século XVIII é uma das atrações da Casa da Glória, unindo história e religiosidade.

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Aos turistas, a Casa da Glória reserva o direito de conhecer o original passadiço e percorrer a maior parte das instalações, que abrigam desde um oratório do século XVIII até um pequeno museu geológico, com pedras extraídas das serras que envolvem a cidade. O lado histórico convive em harmonia com a “vida” trazida por jovens estudantes que fazem estágios e trabalhos de campo na região. Igualmente visitada é a Casa da Chica, um sobrado repleto de janelas apoiadas em dormentes e que foi residência da escrava alforriada Francisca da Silva entre os anos de 1763 e 1771. Hoje, o imóvel é sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e abriga pequenas exposições, entre as quais, uma coleção de quadros que retratam a rainha negra que

No antigo Mercado dos Tropeiros, os moradores se encontram aos sábados para comprar comida, bebida e artesanato.

conquistou sua carta de alforria ao casar com um influente contador de diamantes, o português João Fernandes. Corre a lenda que Chica era dotada de um incontrolável apetite sexual e até promíscua, o que é rebatido por alguns historiadores, sob a alegação de que, com esse comportamento, ela nunca teria sido aceita, como foi, pela rígida sociedade da época. Também diamantinense, o ex-presidente Juscelino Kubitschek passou boa parte de sua vida na casa simples de janelas azuis da Ladeira de São Francisco, região central de Diamantina. O espaço se tornou um museu em regime de visita-


A bela cerâmica é produzida no Vale do Jequitinhonha, mas tem em Diamantina o seu principal entreposto comercial. De lá, ganha o mundo.

ção permanente e guarda documentos antigos, como notas escolares de Juscelino e ata de formatura do curso primário, além de ter reproduzido com exatidão o dormitório de Nonô, como JK era conhecido na cidade. De lá ele saiu para estudar Medicina, ser prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais e presidente do Brasil. Para lá, sempre retornava, a fim de repor energias ou passar o Carnaval. A presença de JK em Diamantina vai muito além de sua casa/museu e da estátua que a prefeitura ergueu em sua homenagem. Apaixonado pela cidade antiga, mas sempre com uma visão urbana e moderna, ele teve a ideia de convidar o amigo Oscar Niemeyer para projetar alguns imóveis na cidade. Foi assim que, no começo da década de 1950, nasceram o Hotel Tejuco, a Escola Estadual Júlia Kubitschek, a Praça dos Esportes e a Faculdade de Odontologia – atual Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri. São prédios que trazem a marca modernista do famoso arquiteto (que anos depois projetaria Brasília), num interessante contraste com o barroco das construções locais. Os interessados em história e arquitetura têm

também outros motivos para visitar Diamantina, como a “Casa do Muxarabi”, imóvel de procedência mourisca, inteiramente fechado em treliças de madeira, que permitia observar a rua sem ser observado. O casarão, que hoje abriga a Biblioteca Pública Antonio Torres, destaca-se pela suntuosa presença de três sacadas em madeira torneada. Possui um rico acervo histórico, com documentos e livros raros. Outro destaque é a Casa da Antiga Intendência, edificada entre 1733 e 1735, como sede da Intendência dos Diamantes, instituição da Coroa Portuguesa que fiscalizava as pedras preciosas achadas na região. A construção possui escadaria de pedra

(no acesso principal), cobertura de quatro águas e 19 janelas. No interior do prédio, chama atenção o forro em gamela do salão do segundo pavimento. Entre as igrejas, a que mais se destaca, por se localizar no “coração” de Diamantina, é a Catedral de Santo Antônio, construída entre 1933 e 1940, em substituição à antiga igreja de Santo Antônio do Tejuco. Em antiguidade, são famosas a Igreja do Rosário (um dos templos católicos mais antigos da cidade), a Igreja Nossa SenhoA casa onde viveu Juscelino Kubitschek, na Ladeira de São Francisco, está no roteiro obrigatório dos que visitam Diamantina.

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H IST ÓRIA

FOTO: T PHOTOGRAPHY / SHUTTERSTOCK.COM

ra do Carmo (com seu altar folheado a ouro), a Igreja de São Francisco (construída em 1775, em estilo rococó) e a Capela de Nosso Senhor do Bonfim (que teria sido construída pelos militares). Diante da importância do patrimônio histórico de Diamantina, é quase natural que a relação da população local com esse legado seja de respeito e admiração. Talvez isso justifique a pequena incidência de atentados ou vandalismo contra os prédios históricos. De qualquer modo, a prefeitura garante fazer sua parte: “Temos investido em educação patrimonial dos estudantes da rede pública, isso acaba criando uma consciência maior da necessidade de preservação por parte da própria população local”, observa Marcia Dayrele, diretora de Patrimônio da Prefeitura Municipal. A Prefeitura também realiza serviços de manutenção predial, sobretudo nos imóveis historicamente mais importantes, com base nos recursos disponibilizados pelo Governo de Minas Gerais, que não são muitos. Em 2015, foram aplicados cerca de R$240 mil em reformas e obras de conservação em alguns bens tombados. Um montante quase insignificante, considerando a importância e o número de exemplares históricos que fazem o patrimônio de Diamantina.

EMBALOS DE SÁBADO NO MERCADO Construído em 1835, o Mercado Municipal tornou-se o principal ponto de venda de mercadorias trazidas pelos tropeiros. O tempo passou e o papel desse galpão de arcadas rústicas quase não mudou. Todos os sábados, os diamantinenses se encontram por lá, para comprar produtos hortifrutigranjeiros, comida e artesanato ou simplesmente para bater papo. Entre as mercadorias, não faltam ovos caipiras, linguiça artesanal, pimenta em conserva, rosquinhas de trigo, café moído em casa e, claro, pão de queijo. O clima é de festa, sim. O mercado é a principal referência cultural da cidade e é nele ou no seu entorno que todas as manifestações populares acontecem: da seresta de sexta-feira à noite até o carnaval. Aos sábados, o ambiente é de muita conversa entre as famílias que se encontram na banca do feijão tropeiro (recheado com muito torresmo) ou da galinha caipira com quiabo. A depender do horário, o prato pode ser acompanhado por uma cachaça artesanal ou cerveja. Além das comidas e bebidas, a feira oferece peças artesanais produzidas na região. Há desde mantas, panos de prato e toalhas bordadas até as famosas bonecas e galinhas de cerâmica com a marca dos artesãos do Vale do Jequitinhonha, situado nas redondezas. Aliás, essas peças, bastante valorizadas no mercado nacional por sua beleza e originalidade, têm em Diamantina o principal entreposto comercial. Além do mercado, diversas lojinhas se espalham pela cidade, algumas exclusivamente representantes da bela produção artesanal do Jequitinhonha.

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CONGONHAS (MG) A HISTÓRIA QUE HABITA O CHICO Diamantina não é a única cidade histórica da bacia do São Francisco. Só em Minas Gerais, mais três municípios estão associados ao Velho Chico: Ouro Preto, Sabará e Congonhas. As três cidades viveram o ciclo da mineração, floresceram no século XVIII e têm em comum um patrimônio arquitetônico invejável, grande atrativo para turistas brasileiros e estrangeiros. Congonhas se destaca pela herança artística de Manuel Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Seus profetas, esculpidos em pedra, são a grande referência da cidade, assim como o conjunto artístico da Basílica de Bom Jesus de Matosinhos, eleita pela Unesco, em 1985, Patrimônio Cultural da Humanidade. A cidade de Sabará oferece o Teatro Municipal, o Museu do Ouro e a Matriz de Nossa Senhora da Conceição como principais atrativos históricos. Já o município de Ouro Preto é considerado o maior conjunto barroco do mundo, ostentando prédios, pontes, chafarizes e uma série de outros elementos arquitetônicos que expressam o requinte de uma época marcante no ciclo econômico de Minas Gerais e do Brasil. Também integrante da bacia do São Francisco, a baiana Rio de Contas, primeira cidade fundada na Chapada Diamantina, em 1723, revela um rico patrimônio de monumentos e casarios de grande importância histórica, figurando entre seus cartões-postais a Igreja de Santana, construída por escravos no século XIX. O estado de Alagoas, por sua vez, está representado pelos municípios de Penedo e Piranhas. Erguida à beira do Velho Chico, Penedo exibe uma paisagem edificada com importantes bens da arquitetura religiosa do Nordeste – como o Convento Santa Maria dos Anjos e as igrejas de Nossa Senhora da Corrente e de São Gonçalo Garcia. Localizada no sertão alagoano, Piranhas foi tombada pelo Iphan por seus valores históricos, arquitetônicos e culturais, que datam do início do século XVIII. A cidade mantém bem conservado seu colorido casario colonial, disposto irregularmente em morros e baixadas. Na área tombada, vale destacar os prédios da Estação Ferroviária, Torre do Relógio, Igreja Nossa Senhora da Saúde e Palácio Dom Pedro II.

PIRANHAS (AL) FOTO: JOÃO ZINCLAIR

OURO PRETO (MG) FOTO: SHUTTERSTOCK.COM

PENEDO (AL) FOTO: JOÃO ZINCLAIR


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Modelo a ser seguido

S

e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco tivesse que apontar a receita do sucesso adotada pela atual gestão do colegiado (2012-2016) para o aperfeiçoamento do modelo participativo e descentralizado das águas do País, sem dúvida, o destaque seria para dois importantes ingredientes: atitude pioneira e esforço coletivo. A exitosa combinação expressa o amadurecimento da entidade no enfrentamento da problemática ambiental que castiga boa parte do território da bacia, desde o seu nascedouro, em Minas Gerais, passando pelo Semiárido, na Bahia e em Pernambuco, até a região da foz, entre os estados de Alagoas e Sergipe. O alinhamento das Câmaras Consultivas Regionais do Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco às atividades das Câmaras Técnicas tornou o CBHSF um articulador permanente de debates políticos e técnico-institucionais sobre temas relacionados com o dia a dia e o futuro da bacia. A eficácia na aplicação dos recursos oriundos da cobrança pelo uso da água é outro grande feito que garantiu à instituição uma posição privilegiada na elaboração de planos de saneamento básico de municípios ribeirinhos e na execução de projetos de recuperação da recarga hídrica de relevantes rios tributários do Velho Chico. Sem dúvida, a preocupação incessante do Comitê do São Francisco com a importância da agenda da água neste século se reflete nas atividades desenvolvidas diariamente por todo o colegiado, que agora vive um novo e necessário momento de renovação. Nas páginas seguintes, a revista Chico registra as principais ações realizadas pela entidade nesses quatros anos dedicados à construção de um panorama cada vez mais democrático da gestão hídrica da bacia – já considerado por muitos um dos mais bem-sucedidos desde a instalação do Comitê, em 2001.

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FOTO: MARIELA GUIMARÃES

FOTO: RICARDO FOLLADOR

C B H SF

CBHSF elege o alagoano Anivaldo Miranda para o cargo de presidente da entidade.

Instituído oficialmente pelo CBHSF, o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico – 3 de junho, com o mote “Eu Viro Carranca Pra Defender o Velho Chico”. Entregue a primeira obra hidroambiental financiada com recursos da cobrança.

O Comitê começa a investir recursos na elaboração de Planos de Saneamento Básico de municípios ribeirinhos.

O Comitê passa a colaborar com o programa de Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), sob a coordenação geral do Ministério Público Estadual da Bahia.

2014

2013 FOTO: ANDRÉ CARVALHO

2012

Iniciada a atualização do Plano de Recursos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

CBHSF promove I Encontro de Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Afluentes do São Francisco, em Belo Horizonte (MG).

Contratada consultoria e assessoria especializada para estudar as vazões reduzidas no São Francisco. Um dos objetivos é propor alternativas que garantam o uso múltiplo das águas.

FOTO: MARIELA GUIMARÃES

Início das primeiras obras hidroambientais com recursos da cobrança pelo uso da água do São Francisco.

A realização de oficinas sobre os usos múltiplos das águas assegura discussões propositivas entre o CBHSF e os usuários do Velho Chico.

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FOTO: RICARDO FOLLADOR

Seminário dos Povos Indígenas da Bacia do Rio São Francisco, realizado em Petrolândia (PE), marca a continuidade do diálogo entre o Comitê e a comunidade indígena.

O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, participa da II Conferência Internacional sobre Cooperação pela Água, Energia e Segurança Alimentar em Bacias Transfronteiriças, na cidade de Ho Chi Minh, no Vietnã.


O CBHSF promove o I Seminário sobre Uso de Água na Irrigação para Produção de Alimentos, na cidade de Paracatu (MG), visando estreitar o relacionamento com o segmento da agricultura irrigada, um dos setores que mais consome a água da bacia.

FOTO: NATY TORRES

O Comitê é convidado para participar do grupo para elaborar regras operativas nos reservatórios da bacia do São Francisco, com participação da Agência Nacional de Águas (ANA) e de representantes estaduais.

Realizado em Juazeiro, na Bahia, o I Simpósio da Bacia do Rio São Francisco, encontro inédito reunindo professores e pesquisadores das diversas universidades sediadas na bacia.

Curso capacita membros da Câmara Técnica Institucional e Legal do Comitê (CTIL) para conflitos de uso eventualmente ocorridos na bacia.

Comitê do São Francisco participa do lançamento do Programa de Revitalização do Governo Federal, e passa a compor o seu Conselho Gestor.

2015 2016

FOTO: REGINA LIMA

O CBHSF reúne instituições que atuam na bacia para solucionar o problema de abastecimento decorrente do aparecimento de uma mancha povoada por cianobactéricas no leito do rio, em Alagoas.

Acontece em Bom Jesus da Lapa (BA) o I Seminário das Comunidades Quilombolas da bacia do São Francisco, reunindo mais de 30 comunidades.

FOTO: DIVULGAÇÃO/IMA (AL)

O Comitê do São Francisco passa a compor o Conselho Gestor do Sistema de Gestão do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (CGSGIB).

CBHSF aprecia a proposta apresentada pela Nemus Consultoria, referente ao Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, a vigorar de 2016 a 2025. Posse do novo colegiado e eleição da diretoria do CBHSF para a gestão 2016-2020.

Contratada empresa para realizar estudos de aprimoramento da cobrança pelo uso da água na bacia do Velho Chico.

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C B H SF

ENTREVISTA/ ANIVALDO MIRANDA

Um comitê transparente

Qual a sua avaliação da gestão que chega ao fim no CBHSF? Avalio como o começo do amadurecimento e a consolidação do CBHSF enquanto espaço reconhecido e legitimado para a construção da gestão descentralizada, compartilhada e participativa das águas. Esse modelo inovador e avançado da gestão hídrica responsável e sustentável, embora tenha sido inspirado nos princípios da Constituição Brasileira de 1988 e explicitado na Lei das Águas (9.433/97), ainda tem muitos obstáculos a enfrentar para sair definitivamente do papel. A velha cultura da gestão estatal burocrática, centralizada, focada exclusivamente na cultura da demanda hídrica resiste ferrenhamente a abrir caminho para o novo, aqui representado pela cultura do planejamento sólido, do incentivo ao uso racional da água, da incorporação da variante ambiental na prática da gestão e outros elementos da modernidade. O CBHSF, durante a gestão que finda, conseguiu se tornar pioneiro e porta-voz dessa nova maneira de pensar o uso da água respeitando as premissas de garantia de oferta em termos de quantidade e qualidade, preservando a ideia central de que um rio é um rio e não um canal de cimento. Como o senhor avalia a percepção da sociedade em relação ao Comitê, hoje? Tornar o Comitê conhecido e entendido pela população de uma área territorial com as enormes dimensões da bacia do São Francisco é tarefa monumental. No entanto, a ação colegiada do CBHSF, aliada a sua forma bastante eficaz de fazer as coisas com transparência, sobretudo com intenso exercício democrático nos processos interno e externo das decisões, tem feito avançar em ritmo absolutamente satisfatório a crescente legitimidade do Comitê como “parlamento das águas”, ou seja, como o locus ideal para a construção dos grandes consensos sociais, econômicos e institucionais capazes de prevenir conflitos, garantir água de boa qualidade no decorrer deste século e implantar, de fato, o modelo sustentável de gestão hídrica que nós tanto queremos e precisamos. Qual o maior avanço do Comitê neste momento, quando completa 15 anos?

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Avanços foram muitos, mas o maior deA ação colegiada do CBHSF, aliada les, a meu ver, é conseguir demonstrar a sua forma bastante eficaz de cada vez mais que o fortalecimento, o fazer as coisas com transparência empoderamento e a legitimação dos tem feito avançar a crescente comitês de bacias hidrográficas conslegitimidade do Comitê como tituem o único caminho possível para “parlamento das águas” consolidar as grandes conquistas representadas pela Lei 9.433, ou seja, o único caminho efetivo para consolidar na base econômi- tica e participativa eficiente para uma bacia hidroca, social, política e cultural da sociedade o respeito gráfica que enfrenta grandes adversidades, desde pelos princípios do uso racional da água e de sua a escassez hídrica de um vasto território semiárido, gestão democrática, uma vez que o poder público passando por uma grande diversidade geográfivai precisar cada vez mais dos usuários da água e ca de populações, solos, biomas e territórios, até da sociedade civil para enfrentar, com chances re- desembocar no contexto de uma realidade social ais de sucesso, os grandes desafios da oferta hídri- extremamente desigual. É crescente o interesse ca de qualidade no século do aquecimento global e das comunidades da gestão hídrica de outros países porque o desafio da água neste século é cada da explosão demográfica fora de controle. vez maior. Tão grande que há enorme procura por Daqui por diante, o que falta ser alcançado em ter- experiências capazes de dar respostas locais, mas que também possam conter ensinamentos comuns mos de atividades e ações do Comitê? São inúmeras as frentes de luta e construção do para diferentes lugares do planeta, uma vez que CBHSF daqui por diante. Mas a principal delas, sem troca de conhecimento e experiência são de intedúvida, é a batalha para tornar o novo Plano Dece- resse universal. nal de Gestão dos Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco aquilo que ele realmente é: a gran- Qual a sua percepção do rio São Francisco, frente de plataforma de ação planejada para uso de todos a tantas ameaças ambientais e ausência de uma os atores do cenário são-franciscano - estados da política efetiva de revitalização? bacia, municípios, usuários e sociedade civil - por A situação do Velho Chico e de seus afluentes, na meio dos seus inúmeros segmentos, da academia qualidade de ecossistemas, é grave porque já se aos povos ribeirinhos. No novo Plano estão deta- caracteriza como igualmente grave para o papel lhadas todas as metas e diretrizes, os objetivos, as que esses ecossistemas desempenham enquanto prioridades e ações necessárias à celebração dos mananciais hídricos essenciais para a economia e a três pactos que a bacia do São Francisco precisa sociedade. Não se trata de uma situação irreversípara salvar da morte esse grande ecossistema, ou vel, mas urge que a insanidade que caracteriza hoje seja, o Pacto das Águas, que leve os estados da ba- a devastação de biomas essenciais à bacia do São cia a definirem as vazões de entrega dos grandes Francisco, como é o caso dos biomas do Cerrado afluentes do São Francisco; o Pacto da Legalidade, e da Caatinga, cesse imediatamente, bem como é que obrigue os estados da bacia a universalizarem inadiável que o uso irracional das águas, fruto do os instrumentos da gestão hídrica neste cenário e, total descontrole, e a ausência da implantação dos instrumentos da gestão hídrica sejam solucionados finalmente, o Pacto da Revitalização. com o máximo de brevidade. Sem cobrança pela O Comitê ocupou espaço no cenário internacional. água, sem planos de bacia, sem sistemas de outorga confiáveis, sem estrutura tecnológica de monitoA que se deve isso? O CBHSF vem adquirindo notoriedade no cenário ramento hidrometeorológico e sem fortes comitês internacional dos recursos hídricos porque está de- de bacia, posso afirmar que é ficção falar em gestão senvolvendo uma experiência de gestão democrá- de recursos hídricos.

FOTO: ANDRÉ FRUTUOSO

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, faz uma avaliação positiva da atual gestão do colegiado. Ele ressalta os avanços obtidos nos três últimos anos em que esteve na presidência e destaca o caráter transparente e participativo adotado pelo Comitê nas mais diversas ações desenvolvidas no âmbito da bacia hidrográfica. Quanto ao principal desafio a ser enfrentado, Miranda não tem dúvida ao apontar a implementação do Plano de Recursos Hídricos em sua totalidade.


É hora de unir forças Com o fim da atual gestão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), chegou o momento de avaliações. Secretário do colegiado nos últimos seis anos, Maciel Oliveira contabiliza ganhos e avanços, mas também aponta para novos objetivos a serem alcançados. Ribeirinho de Penedo, em Alagoas, o secretário defende com veemência a implementação de ações efetivas para a revitalização do rio e considera fundamentais as ações fiscalizatórias no âmbito da bacia, bem como a integração de prefeitos e demais gestores com as atividades executadas pelo CBHSF.

Encerra-se um ciclo, no qual o senhor respondeu pela Secretaria do Comitê do São Francisco. Qual a sua avaliação? Não é fácil ser secretário de um colegiado como o do rio São Francisco, por ser o maior Comitê de Bacia Hidrográfica do Brasil. Mas conseguimos implementar a cobrança e transformar nossos sonhos antigos em realidade, como no caso da execução de projetos de recuperação hidroambiental, da atualização do Plano Decenal de Recursos Hídricos, do estreitamento das relações com os diversos segmentos da bacia, a exemplo dos povos e das comunidades tradicionais, sem falar do reconhecimento nacional e internacional pelo trabalho realizado, é claro. Tudo isso me deixa orgulhoso desses seis anos como secretário do CBHSF. Sua atuação foi feita de articulações. O que faltou ser realizado? Fizemos muitas articulações. Com segmentos e setores, com as representações estaduais do Ministério Público no âmbito da bacia do São Francisco e com o Ministério Público Federal, com o poder público federal e dos estados, mas faltou apoiarmos mais os municípios. A ideia de trazer os prefeitos para estarem mais próximos do Comitê e orientá-los foi iniciada, com a elaboração de 65 planos municipais de saneamento, mas precisamos estreitar mais esses laços com as prefeituras e também com os usuários da bacia. O fato de ser ribeirinho o torna mais conhecedor da necessidade de revitalização do rio? Considero que sim. Meu amor pelo Velho Chico e pelo seu povo me faz cobrar ainda mais de mim mesmo, no sentido de dar respostas mais imediatas. A luta pela revitalização sempre foi minha bandeira principal, por acreditar que podemos, sim, recuperar o rio que mata a fome e a sede de milhões de brasileiros. Os meus amigos pescadores artesanais me relatam suas dificuldades ao saírem para seu ofício diário e voltarem sem peixe. São relatos que nos trazem uma maior responsabilidade para reivindicar e brigar por eles. Você sempre apostou no trabalho da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), realizada pelo Ministério Público Estadual de Alagoas, Bahia e, mais recentemente, Sergipe. Qual o saldo desse trabalho? A FPI é um dos programas mais exitosos executados no âmbito da bacia. É o único instrumento que consegue, de fato, fazer a integração entre as políticas de recursos hídricos, meio ambiente, saneamento, resíduos sólidos e outras, e que além do caráter educativo vem transformando e mudando culturas por onde passa, com técnicos, órgãos abnegados e responsáveis. O apoio do CBHSF é essencial para o Programa. Antecipo meu desejo de que a próxima gestão do Comitê continue apoiando e fortalecendo essa iniciativa absolutamente bem-sucedida. Como é gerir as ações do Comitê no quesito organizacional, já que as diversas realizações (plenárias, reuniões de câmaras técnicas, entre outras) passam por sua avaliação?

A luta pela revitalização sempre foi minha bandeira principal, por acreditar que podemos, sim, recuperar o rio que mata a fome e a sede de milhões de brasileiros. Definir calendário e pauta de reuniões das diversas instâncias do Comitê do São Francisco não é tarefa fácil, a começar pela definição da logística de cada evento. O CBHSF trabalha todos os dias. Sempre tem algum membro trabalhando por esse colegiado e que precisa de suporte técnico ou operacional. Nesse aspecto, contei muito com o apoio da nossa entidade delegatária, a AGB Peixe Vivo. É trabalho de domingo a domingo, mas nos reconforta constatar que no deu tudo certo. Há um desejo seu de que as universidades se integrem cada vez mais nas questões do São Francisco. O que ainda falta ser feito nessa área? Já avançamos muito e cremos que para apresentar dados técnicos eficazes é preciso contar com os pesquisadores das universidades. Auxiliamos a criação do Fórum das Instituições de Ensino Superior e Pesquisa da Bacia do Rio São Francisco, o que resultou na realização do I Simpósio da Bacia do São Francisco, algo de que nos orgulhamos muito. Precisamos aproveitar mais o conhecimento técnico e cientifico para dar respostas à sociedade. Como o senhor vê hoje a situação do rio São Francisco, frente a tantas ameaças ambientais e ausência de uma política efetiva de revitalização? Estamos em péssima situação, mas ainda acredito que podemos reverter os muitos problemas ambientais na bacia, pois temos feito um trabalho exitoso, tanto com o CBHSF, como com órgãos que têm ações igualmente positivas, a exemplo da FPI, que vem melhorando e mudando conceitos equivocados. Vamos estar mais próximos do governo federal nesse momento, para cobrar que as ações efetivas de revitalização iniciem imediatamente. Temos a obrigação de buscar reverter a situação do Velho Chico, mas só conseguiremos isso unindo esforços.

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FOTO: LEONARDO ARIEL

ENTREVISTA/ JOSÉ MACIEL OLIVEIRA


AG R I C U LT U R A

O pivô em questão A presença de pivôs centrais para irrigação tem sido cada vez mais frequente na agricultura, especialmente na região oeste da Bahia. A técnica demanda grande quantidade de água e é questionada por especialistas quanto a sua eficácia e respeito aos recursos hídricos. O agronegócio diz que reconhece as dificuldades provocadas pela escassez hídrica, mas não busca outra alternativa para irrigar as plantações. O caso na região baiana preocupa até mesmo o Ministério Público Estadual. Foram identificados quase 1.500 pivôs para irrigar cerca de 150 mil hectares de terra. Permanecendo esse cenário, o aumento dos casos de conflito pelo uso da água é apenas questão de tempo. Tal situação somada à preocupação com a disponibilidade hídrica e com a qualidade da água do rio da integração e seus afluentes são preocupações do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. TEXTO: DELANE BARROS FOTOS: MÁRCIO LIMA

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A

s opiniões são divergentes, mas os especialistas garantem: a utilização de pivôs centrais na agricultura irrigada representa um enorme desperdício de água. A mesma água cujo principal uso, conforme definido na legislação brasileira, deveria ser o abastecimento humano. Entretanto, ao tempo que o setor produtivo argumenta que precisa manter a oferta de alimentos de forma constante, a sociedade pressiona por oferta cada vez maior do líquido. O uso de pivôs é considerado mais eficiente e econômico pelos agricultores, mas não consegue direcionar os jatos de água de maneira racional, motivo pelo qual crescem as críticas e preocupações. No oeste da Bahia, região localizada na bacia do rio São Francisco e um dos territórios agrícolas mais importantes do País, esse é o cenário que preocupa. A retirada de água bruta para a agricultura e pecuária tem a defesa de produtores, mas envolve ações contrárias por parte do Ministério Público Estadual. Pesquisas confirmam o aumento assustador do número desses equipamentos na região, integrada por municípios como Bom Jesus da Lapa, Cocos e São Desidério, o que não deixa dúvidas quanto à falta de critérios em relação à retirada de água dos mananciais. Estudo realizado recentemente pela Embrapa Milho e Sorgo, entidade ligada ao Ministério da Agricultura, aponta que existem no oeste baiano um total de 1.430 pivôs centrais para uma área irrigada de 151 mil hectares. O resultado dessa concentração é o possível aumento do impacto sobre os recursos hídricos.

GERENCIAR É PRECISO Mesmo diante do cenário de crise hídrica, que resultou, inclusive, na redução da vazão do Velho Chico, os pivôs continuam em pleno funcionamento, sob a justificativa de que a alta dos preços, especialmente do feijão, precisa ser trabalhada de maneira mais intensa, a fim de reduzir o valor do produto para o consumidor. “Fica evidente

a necessidade de gerenciamento dos recursos hídricos, para garantir a expansão da agricultura irrigada e a sustentabilidade do uso da água em nosso país”, explica o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Daniel Pereira Guimarães. Para piorar a situação, o pesquisador estima que o conflito pelo uso da água só deve aumentar nos próximos anos, sendo a agricultura o principal motivo. “Estima-se que em 2050 metade da população mundial viverá em áreas de forte competição pelos recursos hídricos, quando a demanda pelo uso da água deverá crescer cerca de 50%”, considera Guimarães. Ele acrescenta que, atualmente, 40% dos alimentos são produzidos pela agricultura irrigada, que ocupa apenas 20% da área cultivada no mundo. Profundo conhecedor da realidade do oeste da Bahia, o pesquisador afirma que a região apresenta excelentes índices pluviométricos e boa rede hidrográfica. Apesar disso, são fatores negativos a alta taxa de evapotranspiração, isto é, a perda de água do solo para a atmosfera, a partir da evaporação do solo e transpiração das plantas, e a presença dominante de solos com textura arenosa com baixa capacidade de retenção de água. “A tendência, portanto, é que a concentração das áreas irrigadas aumente o impacto sobre os recursos hídricos regionais”, vaticina o especialista.

PERDAS CONTÍNUAS O engenheiro em Recursos Hídricos Pedro Antônio Molinas ressalta que o uso de pivôs centrais recebe muitas críticas pelo excessivo uso de água para a irrigação. “Mas não são danosos”, afirma ele. Molinas, que já atuou como consultor do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), esclarece que o sistema faz com que boa parcela da água irrigada evapore antes de chegar a ser absorvida pelas raízes, por ficar retida na folhagem. “Isto faz com que o método funcione como um grande refrigerador de folhas por aspersão e só uma parcela seja utiliza-


da para irrigar efetivamente a planta”, pondera. Devido à escassez hídrica, ele defende o uso mais racional do líquido. “O que se deve discutir é se a pouca água que temos deve ser investida nesse tipo de irrigação, em vez de ter um uso mais nobre”, questiona. Diante das discussões, a entidade que representa o setor na região já se posicionou. A Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) anunciou que os agricultores do oeste da Bahia decidiram reduzir em mais da metade a área irrigada na região. De acordo com a entidade, dos 120 mil hectares que a Aiba reconhece como irrigados na região, cerca de 72 mil hectares terão seus equipamentos desligados entre os meses de julho e outubro deste ano. O diretor de Águas da entidade e membro do CBHSF, José Cisino Menezes Lopes, diz que a iniciativa é louvável por parte do segmento que representa, mas aproveita para cobrar que os demais setores também se integrem à causa referente à economia dos recursos hídricos e consequente preservação do São Francisco. “É importante ressaltar que esta é uma iniciativa racional da categoria, não uma decisão imposta por autoridades, mesmo porque todos os irrigantes da região estão legalizados, pois possuem outorgas concedidas pelos órgãos ambientais competentes. O que queremos com isso é contribuir para minimizar os efeitos da estiagem. Contudo, outros segmentos da sociedade que contribuem para a baixa vazão dos rios, fazendo uso indiscriminado da água, precisam fazer sua parte”, defende. Cisino Lopes rebate a opinião de que a culpa pela redução da vazão do Velho Chico seja da agricultura. “É claro que a água retirada dos rios para a irrigação contribui, mas não em níveis assustadores como se propagam. Tanto que nos rios Preto e Correntina há um número bastante reduzido de pivôs, mas o nível de suas águas também está muito abaixo da média. Temos que levar em consideração dois fatores importantes: o ciclo natural de baixa vazão dos rios e o aumento da população e de sua consequente demanda por água”, considera. Lopes também aproveita para alertar que a medida irá causar desemprego na região e o desabastecimento de alguns produtos. Apesar do protesto, a própria Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela emissão das outorgas para retirada de água, admite que a agricultura é uma das maiores usuárias do líquido. Estudo recente, também realizado pela Embrapa Milho e Sorgo, em parceria com a agência federal, apontou para a existência de aproximadamente 18 mil pivôs em funcionamento no Brasil, responsáveis pela irrigação de 1,2 milhão de hectares. A agricultura irrigada utiliza cerca de 70% das águas derivadas dos recursos hídricos. “Queremos dar continuidade aos levantamentos, até que se estabeleçam com segurança os principais polos de expansão da irrigação por pivôs centrais, que podem, então, ser monitorados mais de perto”, anuncia o especialista em Recursos Hídricos da ANA, Thiago Henriques Fontenelle, estimando que nos últimos cinco anos o incremento da área de pivôs tenha sido da ordem de 50 a 80 mil hectares por ano. Ainda de acordo com informações da ANA, atualmente, 55% da vazão de retirada de água são de responsabilidade da agricultura, 22% ficam por conta das cidades e 15% da indústria. Representante da Associação dos Fruticultores da Adutora da Fonte (AFAF), Ednaldo de Castro Campos pondera sobre o assunto. “Quem define o volume de água para a plantação é a cultura, não o sistema de irrigação”, alega. “Com os pivôs, o plantador programa o tempo de trabalho. Não há aspersão o dia inteiro com desperdício de água, ao contrário do que se possa pensar”, afirma, descartando que haja grande impacto nos recursos hídricos, pois os pivôs facilitam a mão de obra, considerando as grandes áreas de plantação. Castro Campos opina que nas pequenas lavouras o gotejamento se torna viável. No meio das discussões, há quem entenda diferente. O ambientalista João Carlos Figueiredo, por exemplo, realizou uma expedição à região e lembra que o São Francisco não é formado apenas pela calha principal, mas, principalmente, pelos afluentes, e que estes estão sofrendo com a presença dos pivôs no oeste baiano. No blog que mantém na Internet, considera que “as vazões dos afluentes do Velho Chico estão diminuindo devido aos pivôs centrais, que causam grande desperdício, mas continuam operando na região. Em 1989, eram apenas 35 desses equipamentos”, garante.

AÇÕES DO MP A coordenadora do Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco (Nusf), promotora de Justiça Luciana Khoury, que também coordena o Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, confirma a situação preocupante na região agrícola baiana e aponta que a situação se torna ainda mais grave devido à falta de m ecanismos voltados para a preservação e conservação dos recursos naturais. “É preocupante a situação do uso da água no oeste da Bahia. A inexistência de grande parte dos instrumentos de gestão nas bacias dos rios Corrente e Grande é significativa para agravar os problemas de redução de vazões e desaparecimento de nascentes”, alerta, indicando a realidade de alguns afluentes do São Francisco. Nesse aspecto, Luciana Khoury afirma que em uma expedição da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), ação conjunta do MPE com diversos órgãos ligados à questão ambiental, em novembro de 2015, foram detectados empreendimentos que captavam grandes volumes de água, com visível redução da lâmina de água do rio Corrente. Para a promotora, um desses instrumentos de gestão citados é o Plano de Bacia “É a partir do plano que são definidas de maneira participativa as prioridades de uso das águas e levadas em consideração as demandas e a disponibilidade hídrica, de acordo com a realidade local”, afirma. “Com a falta desses documentos, as outorgas concedidas não levam em conta a decisão democratizada de prioridades de uso”, acrescenta Luciana Khoury. Ela revela, ainda, que muitos empreendimentos na região do agronegócio não possuem outorga ou a possuem em detrimento de outros pequenos produtores que estão a montante, isto é, na direção de sua nascente, sofrendo as consequências da falta de água e os sérios prejuízos causados aos ecossistemas dos rios. Luciana Khoury vai além quando discorre sobre os problemas da região baiana. Em sua opinião, um grave problema é a falta de monitoramento do aquífero Urucuia, um dos mantenedores do nível de água do São Francisco, devido às captações não controladas. Apesar das constatações, a promotora informa que o Instituto de Meio Ambiente da Bahia (Inema) concedeu outorga para captação de água de grande empreendimento na região e que uma ação civil pública foi ajuizada.

Estudo recente aponta que existe no oeste baiano um total de 1.430 pivôs centrais para uma área irrigada de 151 mil hectares.

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A R CT A EM SA NN AT PA HO A

Mãos de ouro em ilha de ferro Elas vivem da pesca e das atividades agrícolas, mas são as habilidades manuais que fazem o diferencial no dia a dia das mulheres da pequena localidade de Ilha do Ferro, no município de Pão de Açúcar, interior de Alagoas. Trabalhando em cooperativa, elas contribuem para a fama da pequena ilha como único lugar no País a produzir bordados do tipo “Boa Noite”- técnica que se mantém ao longo das gerações e cuja marca é o uso do linho puro ou cambraia de linho como base para as criações. Já os homens locais apostam cada vez mais no jeito singular de produzir esculturas e peças decorativas em madeira. TEXTO: ANDRÉ SANTANA FOTOS: THIAGO SAMPAIO

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D

epois de Niterói, chega-se de barco a Pão de Açúcar e, seguindo em direção ao Cristo Redentor, é possível encontrar as águas do São Francisco que banham a Ilha do Ferro, pequeno território de cerca de 400 moradores que vivem da pesca, de atividades agrícolas e habilidades manuais – do artesanato com madeira à rica tradição do bordado. Antes que o leitor pense que há uma confusão geográfica na abertura desta matéria, é preciso esclarecer: a Ilha do Ferro pertence ao município alagoano de Pão de Açúcar, que é unido, pelo Velho Chico, à vizinha cidade de Niterói, em Sergipe. Essa é a região do Baixo São Francisco, onde o rio caminha para sua foz, na fronteira entre os dois estados nordestinos. Com importantes registros na história do Brasil, seja pela visita do imperador Dom Pedro II, na segunda metade do século XIX, seja pela resistência ao ataque do bando de Lampião, em 1927, Pão de Açúcar se consolida na atualidade como terreno fértil para a criação artística baseada nos elementos culturais populares da Bacia do Rio São Francisco. E a Ilha do Ferro, a cerca de 15 quilômetros da sede do município, é o polo irradiador dessa produção. Na ilha, foi criada a cooperativa Art-Ilha, fortalecendo uma atividade co-

nhecida por quase todas as mulheres da localidade. É o bordado feito no linho, chamado “Boa Noite”, nome que se refere a uma flor muito encontrada na região. A técnica, que se mantém por gerações, é única no País e tem atraído olhares diversos para esse território de rico patrimônio cultural e ambiental. “Não tem uma mulher nesta ilha que não saiba bordar. Pode até não fazer, mas que sabe, sabe”, afirma a tesoureira da Art-Ilha, Iraci Nunes Dias Lima, 50 anos, uma das fundadoras da cooperativa, há 18 anos. “Antes, cada uma bordava em sua própria casa. O valor era baixo e a procura, também. Com a cooperativa, passamos a trabalhar em grupo, a organizar a venda e chegar a mais pessoas”. Iraci informa que depois da cooperativa não faltaram mais encomendas de visitantes e moradores de outras cidades. Além de adquirirem alguns aprendizados. “O ponto `Boa Noite` ninguém precisou nos ensinar, pois, esse, todo mundo aqui já sabe. Mas aprendemos outras técnicas, como o colorido, já que sempre bordamos o branco no branco”, pontua a responsável pelas compras do material compartilhado pelas 20 mulheres que atualmente integram a Art-Ilha. As matérias-primas, o linho puro e a cambraia de linho, são encomendados no Rio de Janeiro, assim como os

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Formada basicamente por mulheres, a cooperativa Art-Ilha fortalece a produção e viabiliza a comercialização do bordado “Boa Noite”, feito de linho.

novelos de linha. Uma variação da técnica do “rendendê” trazido pelos portugueses, o bordado ”Boa Noite” consiste em desfiar o linho com uma agulha, depois de esticá-lo bastante no bastidor e recompô-lo em faixas com as formas da flor que originou seu nome. Sempre rigorosamente geométrico e seguindo a trama dos tecidos. Andrea dos Santos, de 34 anos, aprendeu o ofício com a avó. “Desde os nove, dez anos, eu via minha avó bordando e ainda saía com minha mãe para vender as peças. Cresci bordando”, afirma a cooperada, que tira do ofício o complemento para a renda familiar. Sua atividade principal continua sendo a de lavadeira, que trabalha sempre à beira do rio São Francisco. É pelo rio que vêm as trouxas sujas, retornando limpas após o duro serviço feito por Andrea nas manhãs de sol. As mesmas mãos, depois, são envolvidas no trabalho do bordado, que ocupa as tardes da artesã em meio à conversa com as outras cooperadas. “Aqui na cooperativa eu apreendi a desfiar o linho e a fazer a bainha, valorizando mi-

nhas peças”, observa. A casa da cooperativa, bem em frente ao rio, serve também de local para comercialização do que se produz. Entre as peças estão guardanapos de pano, porta-guardanapos, jogo americano, pano de bandeja, toalha de lavabo, capa de almofadas e

outros artigos de cama, mesa e banho. “O trabalho da cooperativa vem trazendo muitos visitantes para a Ilha do Ferro. São pessoas que chegam pelo nosso trabalho, mas que vão circular pela cidade, comer nos estabelecimentos locais e comprar outras peças até nas casas das renderias que não integram a cooperativa”, ressalta Iraci Nunes. A presidente da cooperativa é Rejânia Souza Rodrigues, 50 anos. Ela explica que o bordado tem sido uma salvação para as famílias da Ilha do Ferro, em um momento de escassez de água e de peixe no rio São Francisco. “Esse rio é a nossa vida, dependemos dele para tudo, para beber, para pescar... Somos pescadores, o artesanato é um complemento, pois a pesca está fraca”. Ela se lembra do tempo em que a pescaria era farta naquele trecho do Velho Chico. “Já pegamos piabas apenas encostando uma panela com farinha, vinham todas para dentro. Agora, achar peixe está difícil. Tem de ir lá para cima”, lamenta, in-

A Ilha do Ferro, em Alagoas, é um pequeno território de cerca de 400 moradores que vivem da pesca, de atividades agrícolas e habilidades manuais – do artesanato com madeira à rica tradição do bordado.

ENCANTANDO CELEBRIDADES A rica produção artística da Ilha do Ferro tem conquistado famosos e endinheirados. Uma das responsáveis por divulgar a arte local, principalmente o bordado “Boa Noite”, é a conhecida estilista alagoana Martha Medeiros, que já esteve na localidade e conheceu de perto o trabalho das artesãs e a iniciativa da cooperativa. Foi por meio dela que as rendas do São Francisco estiveram presentes nas vestimentas utilizadas pelo Papa Francisco, quando esteve no Rio de Janeiro, durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, bem como nos figurinos produzidos para estrelas da música e da televisão, entre elas a cantora Daniela Mercury.

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Depois de Niterói, chega-se de barco à cidade alagoana de Pão de Açúcar e, seguindo em direção ao Cristo Redentor, é possível encontrar as águas do São Francisco que banham a Ilha do Ferro.

dicando as regiões mais distantes, mesmo sabendo que as queixas pela ausência do pescado são generalizadas por toda a bacia do São Francisco. Com uma população de quase 25 mil habitantes (IBGE, 2014), Pão de Açúcar fica a 239 quilômetros da capital do estado, Maceió, mas próxima de outras cidades são-franciscanas de referência, como Piranhas, Delmiro Gouveia e Canindé do São Francisco. A presença de uma réplica da estátua do Cristo Redentor, que chama atenção de quem chega à cidade, é uma referência óbvia ao estado do Rio de Janeiro. Erguido em 1950, o monumento foi obra do artista local João Lisboa. Mas o nome do município tem origens mais remotas. Refere-se ao morro Cavalete, ali localizado, e que se assemelha às formas utilizadas nos engenhos de cana para purgar e clarear o produto, formando o chamado “pão de açúcar”, forma cristalizada do alimento. O morro Cavalete também já havia sido o responsável pelo nome original da cidade, batizada pelos índios Urumari de “Jaciobá”, palavra de origem tupi que significa espelho da lua, numa alusão ao reflexo visto nas águas do São Francisco do alto do morro.

MULHERES NA RENDA, HOMENS NA MADEIRA Já faz algum tempo que a Ilha do Ferro vem se destacando como celeiro de artesãos, além de roteiro privilegiado para amantes das artes e criadores que buscam inspiração para suas próprias produções, em um local bucólico, às margens do Velho Chico. Um dos primeiros nomes a se destacar foi o de Fernando Rodrigues, conhecido como “Seu” Fernando da Ilha do Ferro. Filho de fabricante de tamancos, seu início nas artes foi produzindo pequenos objetos na oficina do pai. Aos 40 anos, construiu sua primeira peça de mobiliário: uma espreguiçadeira. Anos depois, retoma a profissão do pai, redesenhando os tamancos originais. A partir da década de 1980, Fernando Rodrigues se projeta em carreira nacional de escultor e designer de móveis, tendo como marca a inscrição de versos poéticos na madeira. Além de peças em museus e galerias de arte do Brasil, seus bancos integram o acervo de alguns dos maiores colecionadores do Brasil. A arte e a projeção de Fernando Rodrigues, falecido em 2010, inspiraram gerações de artistas da Ilha do Ferro e de outras localidades à beira do rio. “Fernando Rodrigues é um grande ícone. Pai de todas as ideias que hoje alavancam o artesanato em madeira”, destaca Antônio

Jackson Borges, fundador do Museu Ambiental Casa do Velho Chico, na vizinha Traipu, também às margens alagoanas do Velho Chico. Além do trabalho das bordadeiras de “Boa Noite”, há outros ofícios manuais com valor cultural e artístico na Ilha do Ferro, como a fabricação de barcos, confecção de redes de pesca e artesanato em madeira. Este último é desenvolvido pelos homens da Ilha, a exemplo de Aberaldo Sandes, 54 anos, um dos mais destacados artesãos locais. “Ninguém aprende com ninguém. A pessoa nasce com o dom para lidar com a madeira. Se não tiver, não adianta, vai tentar e vai torar o dedo, perder a peça”, diz taxativo, lembrando-se dos seus mestres no ofício. “Meu avô fazia canoas de tolda. Ele tinha duas de cedro, bem rápidas e bonitas. Minha infância foi toda no rio São Francisco, fazendo canoinha de miniatura pra brincar, depois pássaros, bonecos...” Na oficina que mantém em casa, Aberaldo Sandes divide o espaço com as criações da esposa, Gilvânia Teixeira Dias Lima, 54 anos, também bordadeira de Boa Noite e famosa na Ilha por servir pratos típicos locais aos visitantes. Ou seja: a casa do casal funciona como galeria, oficina, restaurante e hotel. “Aqui não tem um hotel, sempre que chega alguém para conhecer a Ilha, acaba se apaixonando pelo lugar e querendo ficar mais. Já hospedei vários no quarto dos meus filhos, que não moram mais aqui”, diz Gilvânia Lima. O desejo dela é justamente a finalização de uma pousada nos fundos da casa, em meio a arvores frutíferas e muitas obras de arte. Dos quatro filhos do casal, permaneceu em casa a única mulher, Mariana, que ajuda o pai e a mãe divulgando nas redes sociais as peças produzidas. Função, aliás, que divide com os irmãos, mesmo a distância. “Tem seis meses que não paro. Termino uma encomenda e já tem outra aguardando”, conta o artesão, mostrando três caixas cheias de obras que irão para Maceió. O artesão também faz objetos utilitários como bancos, prateleiras, cabideiros, porta-toalhas e uma infinidade de outras peças

Aberaldo Sandes é um dos mais destacados artesãos locais: “Ninguém aprende com ninguém. A pessoa nasce com o dom”.

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MUSEU PATRIMÔNIO

FOTO: DIVULGAÇÃO

DA PAMPULHA PARA O MUNDO O Conjunto Arquitetônico da Pampulha, localizado na cidade de Belo Horizonte, se tornou em meados de julho passado Patrimônio Mundial da Humanidade, em decisão tomada pela Unesco. O Complexo está situado no entorno da Lagoa da Pampulha, que compõe a bacia do rio das Velhas, maior afluente do São Francisco. Vale lembrar que Belo Horizonte é a única capital brasileira banhada pelo Velho Chico. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, com a colaboração de personalidades como o artista plástico Cândido Portinari e o paisagista Roberto Burle Marx, o Complexo da Pampulha foi construído na década de 1940, a pedido do então prefeito Juscelino Kubitschek. A ideia era promover o local como ponto de lazer e turismo para a cidade. A construção tornou-se referência para a arquitetura moderna brasileira e mundial. Fazem parte do projeto a Igreja de São Francisco de Assis (ilustrada com painéis de Portinari), o Museu de Arte da Pampulha, a Casa do Baile, o Iate Tênis Clube e a Praça Dalva Simão, além dos jardins projetados por Burle Marx. Como patrimônio reconhecido pela Unesco, o Conjunto da Pampulha entra na lista onde já estão a Muralha da China, o Taj Mahal e as pirâmides do Egito, entre outras preciosidades. No Brasil, já são 20 patrimônios mundiais tombados.

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O RIO QUE CORRE EM RECIFE O rio São Francisco passou a correr também dentro do espaço interativo e múltiplo do Museu Cais do Sertão, localizado em Recife, no bairro do Recife Antigo, e que representa hoje uma importante referência da cultura nordestina na capital pernambucana. O museu foi inaugurado em abril de 2014 e segue fazendo sucesso entre conterrâneos e turistas. A réplica do Velho Chico tem direito a água corrente e peixes. A cultura ribeirinha é representada por roupas típicas dos sertanejos, com uma reverência especial a duas figuras emblemáticas: os cangaceiros Lampião e Maria Bonita. O acervo inclui ainda uma típica casa sertaneja, feita de barro, com utensílios do cotidiano do povo interiorano. O primeiro andar do Cais do Sertão é ainda mais interativo. É nele que existe um espaço para crianças (que se divertem e aprendem), documentários para ser vistos de forma individual (com fones de ouvidos) e um espaço onde se ensina a tocar os instrumentos típicos da cultura sertaneja, como zabumba, triângulo, sanfona, rabeca, entre outros.

LITERATURA SEIS DÉCADAS DE UM MARCO Escrito por João Guimarães Rosa, o livro Grande Sertão: Veredas completa 60 anos em 2016. O romance, que tem o rio São Francisco como cenário, é considerado uma das obras mais importantes da literatura em língua portuguesa. A obra conta a história de Riobaldo, um fazendeiro e ex-jagunço, e é ambientada nas regiões do sertão mineiro, sul da Bahia e Goiás. Um dos momentos de maior evidência do Velho Chico na obra ocorre durante a travessia que Riobaldo faz pelo rio, ainda adolescente. Por conta dessa experiência, o narrador e protagonista revela em um trecho do livro que “o São Francisco partiu a minha vida em duas partes”. O próprio Guimarães Rosa não escondia sua admiração e seu respeito pelo Velho Chico, admitindo que “gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem”. A obra, que recebeu adaptações para o teatro, cinema e televisão, chamou atenção na época de seu lançamento por ter mais de 600 páginas e não ser dividida em capítulos, com uma linguagem rebuscada que evidenciava a vida sertaneja.


CINEMA LUZ, CÂMERA, PENEDO!

O Santuário do Bom Jesus da Lapa (BA), localizado às margens do rio São Francisco, recebeu um novo projeto de iluminação cênica. Situado no morro do Bom Jesus, o santuário é composto por grutas decoradas com imagens sacras do calvário de Jesus Cristo e todo ano, no mês de agosto, recebe milhares de romeiros para a famosa romaria. A nova iluminação é composta por lâmpadas de LED, que, além de iluminarem melhor o ambiente, diminuem o consumo de energia elétrica e ajudam na conservação das esculturas contra a umidade. Conhecida como “capital baiana da fé”, Bom Jesus da Lapa concentra a terceira maior romaria do País. Situada na região do Médio São Francisco, a cidade tem em suas grutas o grande atrativo turístico do estado fora do período de carnaval. Além da romaria de agosto, os meses de julho e setembro também são marcados pela peregrinação dos fiéis religiosos. A história das grutas teve início ainda no século XVII, com a chegada do português Francisco Mendonça Mar, fundador do santuário. Após uma peregrinação pelo sertão baiano, carregando uma imagem do Senhor Bom Jesus, Francisco descobriu as grutas localizadas às margens do Velho Chico e se instalou em uma delas. De lá, passou a tratar e dar abrigo a doentes e necessitados. Sua fama se espalhou e isso foi atraindo peregrinos e romeiros de todos os cantos do Brasil.

MÚSICA

COMUNIDADES EM VOGA O dia a dia das comunidades ribeirinhas do Baixo São Francisco inspirou a banda sergipana Coutto Orchestra para a concepção de seu segundo disco, intitulado Voga. Para chegar ao resultado final, o grupo viajou por duas semanas a bordo de uma embarcação pelo Velho Chico, percorrendo mais de 20 municípios da bacia localizados entre os estados de Alagoas e Sergipe. Durante a viagem, a banda pode conviver com pescadores, ciganos, lavadeiras e aboiadores, além de comunidades indígenas e quilombolas. A ideia era absorver a cultura e sonoridades características de cada comunidade e incorporar essas informações ao trabalho. A própria palavra “voga”, que dá nome ao disco, também tem como significado o movimento ritmado das remadas das embarcações. Além do álbum, a viagem rendeu uma exposição fotográfica e um minidocumentário com os registros da experiência.

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FOTO: DIVULGAÇÃO

FÉ ILUMINADA

FOTO: LIZANDRA MARTINS / DIVULGAÇÃO

RELIGIÃO

Vem aí mais uma edição do Festival de Cinema Brasileiro, em Penedo (AL), e com ele, a Mostra Velho Chico de Cinema Ambiental, que foi realizada com sucesso nos anos de 2014 e 2015, sempre em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Desta vez, a Mostra, que objetiva discutir e dar visibilidade às questões ambientais da bacia, terá caráter competitivo. Reunirá filmes e vídeos, de qualquer gênero, produzidos em tamanho de curta-metragem, que tenham sido ambientados em qualquer região, tratando de temáticas relacionadas às questões hídricas, à vida das comunidades ribeirinhas ou aos demais temas socioculturais e socioambientais dos municípios são-franciscanos. O festival acontecerá no período de 29 de novembro a 3 de dezembro. Além das obras de temática ambiental, o evento incluirá novamente o Festival de Cinema Universitário de Alagoas, que chega ao sexto ano. Trata-se de um projeto de extensão da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) que será retomado na programação do festival. “Acreditamos que Penedo pode voltar a ser um grande polo do cinema nacional”, pontua Sérgio Onofre, coordenador geral do evento, que tem apoio da Secretaria de Estado da Cultura (Secult/AL).


FRANC ISCO SÃO DO SE RE S

Ararinha-azul

A

ararinha-azul (Cyanopsitta spixii, Wagler 1832) é uma ave rara, endêmica da Caatinga brasileira, atualmente considerada extinta na natureza e um símbolo da necessidade de proteção da vida selvagem e da biodiversidade do nosso planeta. Essas ararinhas apresentavam uma distribuição muito restrita, refugiadas nas matas de galeria dos pequenos afluentes temporários do rio São Francisco, localizados ao norte da Bahia, na divisa com Pernambuco. O município baiano de Curaçá se destacava como área de concentração dos remanescentes da espécie. A ararinha-azul foi descoberta no início do século XIX, na região de Juazeiro, pelos naturalistas Spix e Martius. Foi descrita formalmente em 1832 pelo alemão Johann Wagler como espécie de pequeno porte, quando comparada com as outras araras conhecidas, medindo entre 55 e 60 centímetros de comprimento. A cauda é longa em relação ao corpo e as asas também são longas e estreitas. Seu voo é caracterizado por batidas lentas das asas. A coloração geral da plumagem é azul, mais escura na cauda e nas asas, que podem apresentar penas de voo pretas. A plumagem da cabeça é mais clara, azul-acinzentado, sendo mais esbranquiçada por baixo dos olhos. A íris dos olhos é de cor amarela. O bico é preto e delgado, porém forte o suficiente para quebrar sementes e abrir frutos duros de plantas da Caatinga. As ararinhas-azuis faziam seus ninhos em cavidades existentes nos troncos das grandes caraibeiras (Tabebuia

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caraiba), árvores imponentes das matas de galeria. Como as demais espécies da família, as ararinhas-azuis costumam ter um só parceiro durante toda a vida. Produzem dois ou três filhotes por ninhada. A ararinha-azul é uma ave classificada na família Pscitacidae, que reúne seis espécies de araras de maior porte (inclusive três espécies de araras-azuis do gênero Anodorhynchus, além da arara-amarela e de duas espécies de araras-vermelhas), assim como papagaios e periquitos. Essas aves encantadoras e de fácil domesticação sempre fascinaram a todos, nativos e estrangeiros, pela simpatia, elegância exótica e pelo colorido tropical. Digno de nota é o fato de os colonizadores europeus ornamentarem os primeiros mapas do Novo Mundo com desenhos de araras e papagaios. O Brasil, aliás, chegou a ser indicado nesses mapas como Terra Papagalis, antes de ser “batizado” com nomes mais cristãos, a exemplo de Terra de Santa Cruz ou Terra de Vera Cruz, ainda no século XVI. Devido a sua raridade, a ararinha-azul sempre foi disputada por colecionadores. O desaparecimento da espécie na natureza é atribuído ao histórico de intensa captura dessas aves para o comércio ilegal e à perda de seus habitat naturais em face do desmatamento e processo de desertificação da Caatinga, mas também devido a impactos de outra ordem, causados por obras de grande porte, como a construção da barragem de Sobradinho, que pode ter inundado área considerável de habitat potenciais, essenciais para a sobrevivência dessas aves

TEXTO: GEORGE OLAVO ILUSTRAÇÃO: ROGÉRIO REIS

e de outras espécies ameaçadas da Caatinga. Apesar de a ararinha-azul Cyanopsitta spixii ter entrado no século XXI declarada como espécie extinta na natureza, ainda restam esperanças. Cerca de 130 indivíduos da espécie vivem em centros de recuperação especializados na reprodução em cativeiro, localizados no Brasil e em outros países, como o centro de Al Wabra, no Qatar. O governo brasileiro vem trabalhando com várias instituições parceiras do Projeto Ararinha na Natureza (www.facebook.com/ararinhananatureza), visando não apenas reintroduzir as aves no seu ambiente natural, mas, também, criar as condições necessárias à proteção da Caatinga brasileira, a fim de que as espécies ameaçadas possam se recuperar na natureza. Trata-se de um esforço coletivo de conservação, com o objetivo de implementar ações do Plano de Ação Nacional para conservação das ararinhas, coordenado pelo ICMBio, em linhas temáticas como Políticas Públicas, Pesquisa Científica e Educação Ambiental. Outro sinal que reanima a esperança foi a reavistagem de uma ararinha-azul voando livremente na região de Curaçá, após mais de 15 anos de sumiço. O registro foi feito no dia 18 de junho de 2016, por moradores locais, que imediatamente se mobilizaram para localizar e proteger a ave, articulando apoio do ICMBio e da SAVE Brasil, reafirmando, assim, a importância do envolvimento e da participação qualificada das comunidades locais como protagonistas dos esforços de conservação da biodiversidade na bacia do rio São Francisco.




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