Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 04 | MAI 2014

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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 04 | MAI 2014 ISSN 2316-7661

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I MAG E M


Com trajes quase medievais, cavaleiros de Serra Talhada, no alto sertão pernambucano, preparam-se para mais uma “pega do boi”, espécie de batalha entre vaqueiros para a captura de um boi solto na caatinga e que vale como prêmio para o vencedor.


Revista Chico Publicação semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Nº 04 | MAI 2014 ISSN 2316-7661

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Presidente Anivaldo de Miranda Pinto Vice-Presidente Wagner Soares Costa Secretário José Maciel de Oliveira Coordenador da CCR do Alto Marcio Tadeu Pedrosa CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL BAIXO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL ALTO SÃO FRANCISCO

Coordenador da CCR do Médio Claudio Pereira da Silva Coordenador da CCR do Sub Médio Manoel Uilton dos Santos (Tuxá) Coordenador da CCR do Baixo Melchior Carlos do Nascimento

Agencia de Bacia AGB PEIXE VIVO Diretora-geral Célia Fróes Diretora de Integração Ana Cristina da Silveira Diretor Técnico Alberto Simon Diretora de Administração e Finanças Berenice Coutinho

Produzido pela CDLJ Publicidade Coordenação geral Malu Follador Coordenação editorial e edição de texto José Antônio Moreno Reportagem André Santana Delane Barros Fred Burgos José Antônio Moreno Ricardo Coelho Wilton Mercês Artigos George Olavo Maria Hilda Paraíso

Fotografia Márcio Lima Ricardo Coelho Mariela Guimarães Wilton Mercês Revisão Ana Lúcia Pereira Projeto gráfico Jorge Martins Editoração Jorge Martins Alberto Matos Foto da capa Joao Zinclar Impressão Gráfica Santa Bárbara

Ilustração Chandler Vaz

Para defender o Velho Chico Muito antes de se tornar um souvenir, a carranca já foi um poderoso amuleto. Diziam os navegadores, na época em que o Velho Chico era uma movimentada hidrovia de cargas e passageiros, que ela servia para afugentar os maus espíritos. Posicionada à frente das embarcações, impedia que energias traiçoeiras fisgassem os barcos e navios para o fundo do rio, livrando-os dos ladrões e das tormentas. Hoje, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco propõe um novo significado para a carranca. No Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, arquitetado pelo CBHSF para 3 de junho, com manifestações previstas para toda a bacia, a carranca vira símbolo de uma luta – a luta por dias melhores para o rio São Francisco. O slogan da campanha – Vire carranca para defender o Velho Chico! – é mote para uma tomada de consciência coletiva sobre as dificuldades vividas pelo São Francisco, vítima de problemas ambientais de toda a ordem e cenário de vazões reduzidas que dificultam a navegação e a disponibilidade hídrica. O assunto é tema da reportagem de capa deste novo número da Chico, que não se prende, contudo, aos problemas. A revista traz também os cenários positivos da bacia desenhados por conta do bom desempenho agrícola de municípios como São Desiderio, no oeste baiano, exemplo para o país pelo volume e comercialização de produtos cultivados graças aos canais de irrigação. A revista também viaja ao Vietnã, por conta de um evento internacional que discutiu sobre recursos hídricos, e flagra em imagens a realidade cotidiana de um quilombo histórico da bacia, Ponta da Serra, localizado no sertão pernambucano. Finalmente, entrevista com exclusividade o atual presidente do Conselho Mundial da Água, o brasileiro Benedito Braga, que fala sobre questões que afetam a realidade hídrica de diversos países. CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL MÉDIO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO

Agradecemos à Prefeitura Municipal de Serra Talhada/PE, ao Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar / Sin-

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 - Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010 - Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos reservados. Permitido o uso das informações desde que citando a fonte.

traf de Serra Talhada e à Comunidade de Ponta da Serra.


06 11 14 AFINAL, A TRANSPOSIÇÃO É NECESSÁRIA?

ENSAIO: QUILOMBO PONTA DA SERRA

ENTREVISTA: BENEDITO BRAGA

30 34 36 RIOS DO MUNDO: SENA

NA ROTA

SERES DO SÃO FRANCISCO: MANDACARU

Sumário SÃO DESIDÉRIO, O MAIOR PRODUTOR AGRÍCOLA DO BRASIL

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VIETNÃ MUITO ALÉM DA GUERRA

É HORA DE VIRAR CARRANCA!

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VIGILANTES À BEIRA DO RIO

ARTIGO: ÍNDIOS NO ALÉM SÃO FRANCISCO? UMA INSTIGANTE PROSPECÇÃO INICIAL VIAGEM: UMA BELA E TRISTE SINFONIA PELAS ÁGUAS DO VELHO CHICO

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DE SE MPE N H O

São Desi O maior produtor agrícola do país TEXTO: FRED BURGOS | FOTOS: MÁRCIO LIMA

SITUADO NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, NO PROMISSOR OESTE BAIANO, SÃO DESIDÉRIO DÁ PROVAS DE SUPREMACIA ECONÔMICA BASEADA NUMA PRODUÇÃO AGRÍCOLA QUE GARANTE AO MUNICÍPIO POSIÇÃO DE LIDERANÇA NO PAÍS. NA BASE DESSA ECONOMIA ESTÃO A TOPOGRAFIA PRIVILEGIADA, OS ALTOS ÍNDICES DE INSOLAÇÃO E A ABUNDÂNCIA DE ÁGUA FORNECIDA POR MAIS DE 20 RIOS PERENES AFLUENTES DO SÃO FRANCISCO.

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ncravado no oeste baiano, o município de São Desidério vem ocupando há alguns anos as primeiras posições dentre as principais economias agrícolas do país. Em 2012, superou, na primeira posição, seu grande rival, Sorriso, município mato-grossense, movimentando cerca de R$ 2,3 bilhões em produção agrícola, segundo a pesquisa Produção Agrícola Municipal, divulgada no final de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Localizado a 874 km de Salvador e a 572 km de Brasília, o município produz milho, soja, algodão, café, feijão, cana-de-açúcar, arroz, mandioca e sorgo, além de limão, manga, coco, maracujá, banana, laranja e melancia. Na pecuária, prevalece o gado de corte. As razões naturais desse sucesso estão na topografia privilegiada, com extensas áreas planas que favorecem a mecanização da produção; nos altos índices de insolação e na abundância de água em 24 rios perenes que formam a bacia do rio Grande, um dos principais afluentes do São Francisco. A região é de transição entre o cerrado e o semiárido, com áreas que variam de

um índice pluviométrico de 1.800 mm para zonas com cerca de 800 mm. Foi por conta dessas condições que, a partir da década de 1980, agricultores de várias partes do país e mesmo do exterior se mudaram para lá e para outras cidades do oeste baiano, a exemplo de Barreiras, Luís Eduardo Magalhães e Formosa do Rio Preto, para tornar a região um eldorado da agricultura brasileira. Maior produtor de algodão do país, São Desidério foi responsável, em 2012, por 12,4% da produção brasileira desse cultivo (48,9% da produção baiana) e teve forte participação na produção de soja, que rendeu ao município o 11º lugar no ranking nacional do produto (23,5% da safra baiana). Segundo José Marques Batista de Castro, secretário de Agricultura do município, as razões para essa expansão na área de produção e na produtividade são, associadas às condições naturais da região, o alto investimento em tecnologia, o uso de fertilizantes e a mecanização da colheita. A escala evolutiva da produção do município traz números impressionantes. Em 2001, São Desi-


dério dério registrou uma safra de 62.670 toneladas de algodão por hectare, em uma área plantada de 19.990 hectares. Onze anos depois, esses números cresceram exponencialmente, algo em torno de 1.000%. Em 2012, o município já produzia 614.085 toneladas por hectare, com a ampliação de sua área plantada para 184.460 hectares. O secretário José Marques observa que, também nas culturas de soja e milho, os números são relevantes. No plantio de soja, a evolução de 2001 para 2012 foi de uma área plantada de 198 mil para 262 mil hectares, e de uma produção de 402 mil para 755 mil toneladas por hectare. Com o milho, a produtividade é também destaque. Pode-se observar, tendo como referência esse mesmo período, que apesar da área cultivada ter apenas passado de 59 mil para 62 mil hectares, a produção saltou de 272 mil para 448 mil toneladas por hectare. Os primórdios de São Desidério estão datados da segunda metade do século XIX, quando da aquisição da fazenda que propiciou o surgimento do núcleo habitacional, por Desidério José de Souza. Em 1962, se emancipou do município

de Barreiras. Até a década de 1980, o município sobreviveu da agricultura de subsistência, ganhando impulso a partir de 1985, com a chegada de “colonizadores”, munidos de capital, técnicas avançadas e tecnologia para a mecanização de diversas culturas.

PERFIL DE PRODUÇÃO A grande maioria dos agricultores da região tem origem em outros estados brasileiros. Uma referência é a composição dos membros da Associação dos Agricultores Irrigantes da Bahia (Aiba), com sede em Barreiras, cidade vizinha. Com 1.300 associados, entre agricultores e empresas fornecedoras de equipamentos e insumos, 38% são originários do Rio Grande do Sul e 37% são oriundos do Paraná, seguidos pelos que migraram de São Paulo (8%) e Santa Catarina (7%). Apesar de serem poucos, dentre os estrangeiros se destacam norte-americanos, japoneses, holandeses e neozelandeses. O perfil das unidades produtoras do município é majoritariamente de propriedades de até 2 mil hectares. Mas existem grandes grupos, como a

SLC Agrícola e Xingu Agrícola, com mais de 100 mil hectares de terras. Ou grupos de médio porte, como a Universo Verde, com 10 mil hectares, assim como a Fazenda Busato, de propriedade do atual presidente da Aiba, o gaúcho Júlio César Busato, um dos pioneiros da região. Em 1988, com 27 anos de idade, Júlio Busato chegou do Rio Grande do Sul com o diploma de engenheiro agrônomo na mão e uma larga experiência familiar no trato com as coisas da terra. Natural do município de Casca, a família Busato – Júlio, seu pai e mais quatro irmãos – conseguia extrair do chão o sustento de todos nos 80 hectares de sua fazenda. “Disse ao meu pai que, assim que me formasse, iria ou para Mato Grosso ou para o oeste baiano. Na Faculdade de Agronomia, tinha acesso a comunicados técnicos que apontavam a região como promissora. Escolhi a Bahia porque, na verdade, queria fazer agricultura irrigada”, afirma. Assim que chegou, comprou uma fazenda com 200 hectares, onde plantou soja. Hoje, possui mais 2.200 hectares plantados, entre soja, algodão, milho e feijão.

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D E SPEOML PUEI N Ç Ã H O LOGÍSTICA DE TRANSPORTE Para Busato, o problema principal da região continua sendo o mesmo de quando ele chegou, há 26 anos: logística de transporte, com uma infraestrutura considerada aquém das reais necessidades de escoamento da produção. “A estrutura que temos é praticamente a mesma de quando cheguei aqui. O que há de novo são as estradas vicinais que nós mesmos, os produtores, fizemos. E, hoje, vivemos um problema que tem se agravado, inclusive com a falta de caminhões”. Num setor produtivo em que o valor do transporte pode chegar a 60% do custo final do produto, esse é um ponto sensível da competitividade local. No principal produto do município, o algodão, é possível sentir esse impacto. O frete de caminhão para o Porto de Santos, em São Paulo – responsável por 88% do escoamento da produção das plumas de algodão do oeste baiano – , custa R$ 185 por tonelada. Já para o Porto de Paranaguá, no Paraná, de onde saem outros 10,2%, chega a custar R$ 195. Segundo Júlio Busato, na Argentina o custo de transporte terrestre é em torno de R$ 55. De São Desidério para Santos são mais de dois mil quilômetros de estrada. Como se não bastasse, a demora na entrega do produto ao comprador é outro aspecto que afeta a competitividade. “Para o nosso algodão chegar à China, principal comprador, respondendo pela compra de 37,3% do produto, a demora é de cerca de 40 dias. Já o algodão produzido na Austrália, cuja qualidade da fibra só é comparável à de São Desidério, chega ao seu destino final em apenas oito dias”, avalia Busato. Para ele, as soluções para o escoamento da produção da região estão postas há muito tempo, anunciadas com pompas e circunstâncias, mas ainda não se

efetivaram. Uma delas seria o transporte ferroviário, através da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol) até o Porto Sul, na cidade de Ilhéus, para o caso dos produtos destinados aos mercados externo e do Sul do país. Tanto a ferrovia como o porto estão previstos para serem entregues em 2015 e 2016, respectivamente. Já a produção destinada ao Nordeste, poderá ser transportada por trem para o município de Bom Jesus da Lapa e, de lá, levada por barcaças, pela hidrovia do São Francisco, até Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), de onde seria distribuída para os estados da região. Segundo o presidente da AIba, o grande mercado dos produtos da região é o Nordeste brasileiro, que consome cerca de 70% da produção local destinada ao mercado interno, o equivalente a 5 milhões de toneladas, que viajam por volta de 1.800 quilômetros em caminhões, por estradas em condições ruins. Cerca de 90% do milho, assim como 90% do caroço de algodão que serve de alimento para o gado, produzidos em São Desidério, Barreiras e Luís Eduardo Magalhães vão para o Nordeste. Com um rio com imenso potencial de navegação como o São Francisco e o custo muito mais baixo do modal hidroviário, o transporte rodoviário como única alternativa dói no bolso

SÃO DESIDÉRIO EM NÚMEROS Maior produtor agrícola do país: R$ 2,3* bilhões Principais produtos: ALGODÃO,MILHO, SOJA E FEIJÃO. Extensão territorial: 14.819m2 É o maior município da região oeste da Bahia, atrás apenas de Formosa do Rio Preto.

Limites territoriais: GOIÁS,TOCANTINS As cidades baianas de Barreiras, Baianópolis, Santa Maria da Vitória e Catolândia também fazem limite ao município

População: 30 mil pessoas 60% residem na zona rural, em algum dos seus 125 povoados.

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* Dados de 2012. Fonte: IBGE

dos produtores. Não é diferente para o restante da produção. O equivalente a 55% da soja colhida é escoada para os mercados externo e do Sul do país pelo Porto de Salvador, atravessando cerca de 850 quilômetros de estradas.

IRRIGAÇÃO E OUTORGAS No oeste baiano há 130 mil hectares irrigados, cerca de 6% do total de sua área produtiva, algo em torno do padrão mundial e que se repete em São Desidério. A irrigação permite que sejam feitas duas safras anuais, com produtividade altíssima. Na cultura de milho, chega-se a 14,4 toneladas por hectare, enquanto no plantio de algodão colhe-se por volta de 5,4 toneladas por hectare. No sequeiro (plantações sob sol e chuva), o milho rende cerca de 10 toneladas por hectare. Já o algodão alcança quatro toneladas. Em outros termos, cada hectare irrigado produz por ano o equivalente a três hectares de sequeiro. Isso em área na qual o índice pluviométrico está abaixo de 1.100 mm. “São áreas pobres, em que a irrigação pode melhorar a vida da população”, salienta Busato. Sendo a irrigação uma potente ferramenta de ampliação da produtividade, são duas as razões para a não ampliação da área irrigada em São Desidério


e em todo o oeste baiano, segundo o presidente da Aiba: a demora na emissão de licenças de outorgas e a necessidade de investimentos elevados demandados pela tecnologia. Para o empresário, apesar de o gasto operacional da irrigação ser maior, a produtividade absorve seus custos, além de garantir maior segurança para o produtor, que passa a saber que vai colher o que planta. No entender do secretário de Meio Ambiente e Turismo de São Desidério, Demóstenes Júnior, representante do município no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), para a liberação de outorgas é necessária a existência de um dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos, o Plano de Bacia, onde são definidas as condições gerais do rio, sua capacidade para outorgas e a definição de prioridades de uso (abastecimento humano, agricultura, indústria, ribeirinhos, comunidades tradicionais e setor energético, etc.). “Há a necessidade de desenvolvimento econômico, mas é preciso colocarmos todas as categorias de usuários no

mesmo patamar de igualdade de direitos ao uso da água”, afirma. A outorga de direito de uso da água é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) para a gestão dos recursos hídricos, a partir do qual se concede, por um período preestabelecido, o direito de uso de determinada quantidade de água. A outorga depende da análise da disponibilidade e da necessidade hídrica para a conservação do meio biótico, assim como da garantia das vazões consumidas pelos diversos usuários. Como o rio Grande está localizado totalmente em território do Estado da Bahia, a responsabilidade do plano de bacia é do Inema baiano. Segundo Demóstenes Júnior, os estudos do plano de bacia foram iniciados há um ano e meio e devem ser concluídos até o final do ano. resultado do estudo apresentado pela Embrapa só vem confirmar a necessidade dessa simbiose entre as universidades, através de seus estudos, pesquisas e teses diversas e o comitê. “Aproveito, inclusive, para parabenizar as pesquisadoras pelo trabalho desenvolvido”, conclui ele.

RIO GRANDE, O PRINCIPAL AFLUENTE A bacia hidrográfica do rio Grande, localizada no oeste da Bahia, na altura do Médio São Francisco, é a segunda em importância para as vazões do rio São Francisco. Com área de aproximadamente 78 mil km2, a bacia localiza-se em território baiano, correspondendo a 13,2% da área desse Estado. O Grande é o último afluente à esquerda do São Francisco antes do lago de Sobradinho. O projeto de transposição das águas do Velho Chico, o rápido crescimento do oeste baiano, impulsionado pelo desenvolvimento agrícola, e o poten cial hidroenergético da região deram à bacia do rio Grande o status de grande importância no contexto estadual e nacional. O Grande tem sua nascente próxima à divisa entre Bahia e Goiás e percorre 502 km até desaguar no rio São Francisco, no município de Barra (BA). Os afluentes situados na margem esquerda apresentam maior disponibilidade hídrica que os da direita. São dois os motivos: o primeiro é que a concentração de chuvas desse lado da bacia é maior, e o segundo é devido à alimentação que estes recebem dos aquíferos da área, especialmente o aquífero Urucuia, que mantém os rios perenes durante todo o tempo. Pela margem esquerda, seus principais afluentes são os rios das Fêmeas, de Ondas, Branco e Preto. Pela margem direita, recebe como afluente mais importante o rio São Desidério, além dos rios de menor porte: Boa Sorte e Tamanduá. A derrubada da vegetação nativa, os consequentes problemas de erosão e o manuseio inadequado de agrotóxicos são alguns dos fatores que ameaçam a saúde do rio. Segundo a especialista em recursos hídricos da ANA, Márcia Tereza Pantoja Gaspar, no caso do rio das Fêmeas, com a outorga pelo estado da Bahia de 50% de sua vazão para geração de energia por pequenas centrais hidrelétricas e o esgotamento de outorgas para irrigação, a inexistência

de margem de manobra faz aumentar em muito a procura por águas subterrâneas. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) faz a entrega oficial, em dezembro de 2013, em São Desidério, da obra de recuperação hidroambiental do rio das Fêmeas, também afluente do rio Grande. Orçada em R$ 563 mil, a obra foi financiada com recursos da cobrança pelo uso da água do rio São Francisco. Foram realizados trabalhos de controle de processos erosivos, adequação de estradas rurais, adoção de práticas de conservação do solo e ações educativas para as populações locais com o objetivo de revitalização de nascentes do rio.

O MAIOR AQUÍFERO DO BRASIL Na região do oeste do estado da Bahia, a água subterrânea tem sido progressivamente procurada como fonte de abastecimento. Nela se encontra o maior aquífero brasileiro, o Urucuia, cuja área de armazenamento se estende por cerca de 76 mil km2 do oeste da Bahia ao sudoeste de Tocantins. O número crescente de solicitações de outorga se deve a três razões: alguns rios da região já teriam atingido o limite legal máximo outorgável, não havendo disponibilidade para novas emissões; crescimento das áreas de culturas irrigadas; e adversidades climáticas, como, por exemplo, o período de estiagem de 2010 a 2012. Há dois anos, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), do Serviço Geológico do Brasil, realiza a instalação de poços de estudo no oeste da Bahia para definir a capacidade hídrica do aquífero. A implantação desses poços possibilitará o conhecimento de dados quantitativos de água disponível para os múltiplos usos e para a ampliação da área irrigada. De acordo com o diretor de Águas da Associação de Agricultores e Irrigantes

da Bahia (Aiba), Cisino Lopes, o estudo esclarecerá aos produtores rurais da região sobre o que poderá ou não ser explorado para a irrigação. “A meta é ampliar a oferta de água para irrigação, uma vez que já dispomos de tecnologia adequada para essa atividade, podendo aumentar substancialmente a oferta de alimentos sem causar pressão ou supressão de novas áreas”, explica Cisino, acrescentando que “a Aiba tem uma visão positiva desse trabalho em função de sua política de sustentabilidade do agronegócio regional”. Até dezembro de 2013, tinham sido instalados 72 dos 116 poços previstos. A previsão é que até o final de 2014 as implantações sejam concluídas. O Sistema Aquífero Urucuia representa o principal manancial subterrâneo do oeste baiano. Não só na perspectiva do abastecimento direto dos projetos de irrigação, assim também como fonte reguladora das vazões dos afluentes da margem esquerda do médio São Francisco; e pela alimentação de nascentes de afluentes da margem direita do rio Tocantins. Por isso mesmo, há a preocupação com o seu processo de recarga, que ocorre em áreas de índice pluviométrico importante, por meio de infiltração da água das chuvas nas áreas de chapada, com relevo plano e elevado. Márcia Gaspar observa que, em períodos de seca, o aquífero alimenta em até 90% a vazão de Sobradinho. “Como essa é também uma época em que mais se irriga, a preocupação é pertinente”, diz. No estudo “O Sistema Aquífero Urucuia”, de 2007, feito em parceria com José Eloi Guimarães Campos, ela avalia que, na área do aquífero, está instalada a grande parte das áreas agricultáveis da região, o que compromete o processo de recarga, inclusive em razão da compactação provocada pelo manejo do solo. O Urucuia abrange municípios do oeste da Bahia e os estados do Piauí, Tocantins, Maranhão e Minas Gerais.

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ATRAÇÃO TURÍSTICA PARA QUEM GOSTA DA NATUREZA Uma das grandes atrações turísticas de São Desidério, o Parque Municipal da Lagoa Azul é um dos pontos mais visitados do Oeste da Bahia. Em 2013, cerca de 20 mil pessoas visitaram seus lagos, cavernas e vegetação, em busca principalmente de lazer e educação ambiental. A maioria veio de Brasília e Goiás. São pessoas que viajaram para tratativas do agronegócio. No parque, os visitantes encontram belas paisagens formadas pelos gigantescos paredões que envolvem a Lagoa Azul. Integrado ao Sistema Hídrico Subterrâneo João Rodrigues, o local abriga centenas de espécies de animais silvestres, como bugios, mocós, veados, tamanduá-mirim, gato-do-mato, urubu-rei, entre outros, além de plantas nativas do cerrado. O parque está dentro da APA estadual São Desidério, criada pelo decreto no 10.020, de 2006. Porém, o parque foi instituído antes, pelo decreto municipal no 013, de janeiro de 2005. São 19 hectares de proteção ambiental, em meio ao cerrado baiano, distante 17 quilômetros ao sul da sede do município. O secretário de Meio Ambiente e Turismo do município, Demóstenes Júnior, observa que o objetivo do parque é preservar os ecossistemas cársticos (sistema formado por rochas de calcário) e hidrocárstico (rio subterrâneo – rio João Rodrigues), e também possibilitar a pesquisa científica e atividades de educação ambiental e lazer. Lá se encontra a Gruta do Catão, uma cavidade com cerca de 50 m de largura por 7 m de altura e extensão de aproximadamente 200 m. A gruta, um ótimo exemplar do potencial do espeleotu-

rismo (turismo de cavernas) da cidade, foi formada por rochas calcárias há milhões de anos. Nela destacam-se estalactites, formações minerais que se pendem do teto na forma de cones pontudos, e por suas estalagmites com aspecto parecido, que crescem no sentido contrário, do chão para cima. Também é na entrada da caverna que ocorre o fenômeno de insurgência e ressurgência do Sistema João Rodrigues, um rio subterrâneo afluente do São Desidério, que ressurge e forma a Lagoa Azul. No parque é possível observar uma mostra do Carste de São Desidério, com suas diversas formas típicas de relevo: dolinas (depressões circulares em forma de funil), cavernas, rios com sumidouros e ressurgências, cânions e outras. “Trata-se de um dos mais representativos conjuntos paisagísticos de áreas cársticas no Brasil, um verdadeiro patrimônio natural, preservado para a apreciação e o cuidado das gerações atuais e futuras”, afirma o secretário Demóstenes Júnior. A oeste da cidade de São Desidério está o Sítio Arqueológico das Pedras Brilhantes, com pinturas rupestres e incisões feitas por índios tapuias antes e depois do descobrimento do Brasil. A região de São Desidério tem mais de uma centena de cavernas catalogadas. Em dez delas foi construída estrutura que permite a recepção de visitação turística. O Instituto de Geologia da Ufba, o Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas e demais grupos realizam estudos sobre o carste local, com a catalogação de espécies da fauna e flora.

Demósthenes Júnior: município conta com uma gestão descentralizada

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GESTÃO DESCENTRALIZADA Do ponto de vista da gestão ambiental, o município de São Desidério desfruta de uma posição privilegiada, ao ter se tornando alvo de uma descentralização da gestão dos seus recursos naturais. Hoje, o licenciamento, a fiscalização e o monitoramento ambiental cabem à Prefeitura Municipal. Ao município cabe ainda a definição de condicionantes que permitem a gestão dos eventuais litígios, mitigando os impactos no meio ambiente. De acordo com o Demóstenes Júnior, essa descentralização tem sido possível em razão da boa estrutura técnica e administrativa da secretaria. Em 2010, a partir de convênios assinados entre o Estado e a Prefeitura, passou a ser competência do município a aprovação da reserva legal equivalente a 20% da área de toda a propriedade. Em 2013, a secretaria recebeu a competência para autorizar ou não a supressão de vegetação nativa de imóveis rurais com até um hectare. Com exceção de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, apenas o município de São Desidério possui essa competência.


Muito além da guerra O VIETNÃ MUDOU. O CENÁRIO DE GUERRA FICOU PARA TRÁS, EMBORA O ESTIGMA CONTINUE. MAS O QUE SE VÊ DE FATO É UM PAIS TENTANDO O SEU ESPAÇO NO MUNDO MODERNO E GLOBALIZADO. A PRODUÇÃO AGRÍCOLA, FRUTO DE ANOS DE EXPERIÊNCIA DE TRABALHO NOS CAMPOS, É A PRINCIPAL ATIVIDADE ECONÔMICA E ALAVANCA PARA O DESENVOLVIMENTO. QUE SE CONTRÓI EM CLIMA DE PAZ E COOPERAÇÃO, NUM CENÁRIO BEM DISTANTE DOS CONFLITOS BÉLICOS. E SEM PERDER DE VISTA A NECESSIDADE DE SE FAZER UMA BOA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS – PRINCIPAL INSTRUMENTO PARA OS BONS RESULTADOS AGRÍCOLAS QUE O PAÍS VEM OBTENDO. TEXTO E FOTOS: RICARDO COELHO

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ão esquecemos a destruição causada pela guerra. Apenas viramos a página”, diz o guia turístico local, com timbre calmo, ao ser questionado sobre as mágoas da Guerra do Vietnã. As batalhas daquele pequeno país contra a ocupação do seu território pelos Estados Unidos – presentes em tantos filmes, livros e músicas – ainda continuam frescas na memória de muitos, especialmente ocidentais, causando espanto e questionamentos até nos dias de hoje. “Cuidado com a guerra, hein!”; “O que você perdeu lá?”; “Não é perigoso?” são algumas das indagações feitas a quem está indo visitar a região pela primeira vez. Não tem jeito. O Vietnã ainda sofre desse estigma. O que poucos sabem é que o cenário atual é bem diferente dos tempos da guerra. Os vietnamitas não guardam ódio. Aprenderam a seguir em frente com a dor da perda de quase três milhões de pessoas mortas pelas

bombas, caídas em combates, envenenadas por armas químicas, ceifadas pela fome. E se tornaram, nos dias atuais, referências de sucesso na produção agrícola, que abastece a população local e é exportada para vários países. Até chegar à famosa região do Delta do Mekong, o principal rio do Vietnã, é possível avistar inúmeras plantações de arroz à beira da estrada. É comum encontrá-las compondo as belas paisagens irrigadas do sul do país. Não é à toa que o Vietnã foi o terceiro maior exportador desse cereal no mundo em 2013, ficando atrás apenas da Índia e da Tailândia. Nada disso é por acaso. A riqueza em sedimentos e nutrientes das águas da bacia hidrográfica do rio Mekong – a coloração barrenta é um aspecto que acentua isso – são características que fazem das terras do Delta um celeiro de fertilidade, proporcionando ao país ganhos financeiros antes nunca imagináveis. Com origem na província chinesa de Qinghai, no planalto do Tibet, o rio Mekong percorre, ao longo dos seus 4.350 km de extensão, cidades da China, Myanmar, Laos, Tailândia, Camboja e, por fim, deságua no extremo sul do Vietnã, onde se divide em inúmeros canais, criando o gigante Delta do Mekong. Esses canais desembocam em nove pontos diferentes do mar da

China. Por isso, é também denominado de Delta do Rio dos Nove Dragões. Só na parte vietnamita da bacia residem aproximadamente 20 milhões de habitantes – num total de 60 milhões – a grande maioria formada por camponeses de baixa renda que aprenderam a colher os frutos que o rio tem a oferecer. My Tho é uma das cidades mais importantes entre as 13 províncias que compõem o Delta, parada obrigatória dos turistas. Está apenas a uma hora e meia de carro da velha cidade de Saigon, hoje chamada Ho Chi Minh em homenagem ao líder comunista que lutou contra os Estados Unidos mas morreu antes de presenciar o fim da guerra. A navegabilidade tem sido um aspecto forte nesta parte do rio Mekong, especialmente devido à abundância das suas águas. Financeiramente, tornou-se um ponto positivo para os nativos. Os passeios ao longo do rio são feitos cada vez mais constantemente pelos turistas, em especial europeus, que começaram a chegar pra valer nos últimos dez anos. É comum esticar as viagens turísticas ao Vietnã indo até o Laos, Camboja e Tailândia pelas águas do rio em roteiros que duram entre 4 e 15 dias. Para os que preferem ficar no próprio Vietnã, as opções de lazer giram em torno da possibilidade de conhecer as encantadoras ilhas e vilarejos construídos à base de palafitas que se formam em meio aos estreitos canais e manguezais do Delta, usufruindo da culinária e da música vietnamita. A selva fechada que cobre os canais é conhecida no percurso em pequenas jangadas conduzidas por agricultores locais, remetendo ao passado de conflitos – a região foi palco de sangrentas batalhas das guerras contra os colonialistas franceses e invasores americanos no curso das décadas de 1940 a 1970. O tráfego ali é tão intenso que lembra os engarrafamentos das grandes metrópoles: no caso, em lugar de automóveis, o que se vê são centenas de canoas de madeira. Por conta das enchentes que as agitadas águas do Mekong causam aos moradores em época de cheias, os vilarejos formados ao longo do Delta estão protegidos por bancos de areia. O objetivo é evitar a erosão fluvial e as demais degradações ambientais.

DISCUSSÃO EM PROL DO MEKONG Os impactos positivos e negativos decorrentes do crescimento socioeconômico da bacia do rio Mekong foi tema de discussão evolvendo quatros chefes de Estado. Os líderes do Vietnã, Laos, Camboja e Tailândia comandaram, no último mês de abril, na cidade de Ho Chi Minh, a programação da Segunda Cúpula da Comissão do Rio Mekong (MRC). Entre os itens tratados estão os desafios que serão enfrentados nas próximas décadas por conta das mudanças climáticas, do crescimento populacional e do aumento da demanda pela água, energia e alimentos dentro da bacia. A série de hidrelétricas construídas na parte chinesa do rio – a “caixa d’água” do Mekong – foi

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questionamento dos líderes locais. Isso porque os projetos já afetam a produção de peixes e atingem o sustento das comunidades ribeirinhas do baixo Mekong, local onde se encontram os países inseridos na cúpula. Outras represas e barragens estão previstas para serem erguidas ao longo do rio nos próximos anos. Os quatro primeiros-ministros cobraram dos membros do MRC – Mekong River Comission - um estudo de gestão sustentável para prevenir futuros danos sociais e ambientais. A Comissão do Rio Mekong (MRC) foi criada em 1995 após acordo entre os governos do Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã. A China e Mianmar por enquanto preferem ficar apenas como parceiros de diálogos. O

intuito é promover o desenvolvimento da bacia através da gestão integrada de suas águas, desafio delicado e complexo dado o contexto histórico da região. A pesca, a navegação, a agricultura irrigada, a geração de energia hidroelétrica estão entre os principais objetos de discussão. Apesar de ser um acordo entre países da Ásia, os aportes financeiros na bacia são feitos por países da Europa, Oceania e América do Norte, a exemplo da Dinamarca, Bélgica, Finlândia, Austrália, Estados Unidos, e também pelo Banco Mundial. A intenção é que a partir de 2030 isso mude e os governos asiáticos passem a financiar integralmente os investimentos no Mekong.


CURIOSIDADES VIETNAMITAS A bacia hidrográfica do rio Mekong é a 12a mais longa do mundo e a 10a em volume de água. Além do Mekong, que corta toda a parte sul do Vietnã, outro grande rio cruza a parte norte do país. É o chamado rio Vermelho, localizado na região da capital, Hanói. É tradição no Vietnã enterrar gerações de famílias em campos de arrozais. Alguns túmulos estão por lá desde os tempos da guerra. Alguns estudiosos afirmam que, por ser um peixe que tem a fama de comer tudo que vê pela frente, o panga estaria infestado por bactérias e venenos. O motivo seria por conta da poluição química e industrial que afeta trechos do Mekong, bem como pelos dejetos jogados no leito do rio pela população.

SUSTENTO VEM DAS ÁGUAS O comércio se tornou a base da vida local. As vilas são ponto de parada para os turistas na venda de artesanatos. Roupas típicas, comidas e souvenires são oferecidos insistentemente pelos comerciantes locais. É a lei da sobrevivência. Vende quem for mais persistente. O artefato de maior sucesso são os chapéus em formato cônico característicos do Vietnã, conhecidos como Non Là. Gente de todo o mundo passeia entre os moradores desfilando com esse ícone do país na cabeça. Os Viets, como também são conhecidos, gostam de pechinchar e os turistas têm que entrar na “dança” para conseguir bons preços. O que facilita a conversa é que a moeda local (Dong) é desvalorizada. Quando não aceitam dólar, é claro. Frutas colhidas frescamente por obra das ricas águas do Mekong são oferecidas aos visitantes durante a estadia na ilha. É possível encontrar coco, jaca, mel, melancia, abacaxi, limão, entre outras especiarias. Tudo extraído do entorno dos lugarejos, o que nos reporta diretamente ao Brasil, devido à similaridade dos produtos. Doces feitos à base dessas frutas também são bastante comuns. Na cidade de Can Tho, também no Delta, está localizado o maior mercado flutuante do país. Dele saem alguns dos produtos que abastecem as principais regiões do Vietnã. A pesca é outra atração local. E não é por menos. Três das dez maiores espécies de peixes de água doce do mundo encontram-se na bacia do Mekong. São elas: bagre, arraia gigante, barbo ou carpa siamesa gigante. Típico do Delta, o panga, peixe-gato, muito familiar aos brasileiros, tornou-se o mais comercializado entre os negociantes, dentro de uma variedade de mais de 1.200 espécies existentes no rio. Ele pode medir até três metros de comprimento e pesar cerca de 300 kg. O Vietnã exporta o panga para mais de 240 países.

O SÃO FRANCISCO VAI AO VIETNÃ A convite da Comissão do Rio Mekong e do das águas e a sociedade civil. Para que isso governo vietnamita, o presidente do Comitê venha acontecer –sublinhou – é preciso criar da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco em cada país e em cada bacia hidrográfica (CBHSF), Anivaldo Miranda, esteve presente os espaços institucionais onde essa gestão na velha Saigon, na II Conferência Internacio- integrada e participativa dos recursos hídrinal sobre Cooperação para Água, Energia e cos possa acontecer”. Segurança Alimentar em Bacias Transfron- Já durante o painel de encerramento da conteiriças sob Mudanças Climáticas, evento que ferência Internacional, onde relatos de experiantecedeu a Cúpula do MRC. Essa foi a segun- ências em bacias transfronteiriças complexas, da vez que o CBHSF participou de um encontro como as bacias dos rios Ganges, Nilo, Jordão e internacional, a primeira vez no ano passado Congo foram ouvidos, o presidente do CBHSF durante reunião da Rede Internacional de Or- pontuou que, além das dimensões econômica e social da problemática ganismos de Bacia – RIOB, OS GOVERNOS NO dos recursos hídricos, é em Fortaleza, no Ceará. O necessário incluir com MUNDO INTEIRO foco da apresentação feita mais força as dimensões NÃO TÊM MAIS pelo presidente do CBHSF da ecologia e da cultura CONDIÇÕES DE, em Ho Chi Minh City foi o moporque, afinal de contas ISOLADAMENTE, delo de gestão participativa “um rio é um rio e não da bacia do Velho Chico TRABALHAR A Falando para representantes SUSTENTABILIDADE um simples canal para transporte de águas.” de mais de 20 países com DAS ÁGUAS. Além disso, fez quesbacias hidrográficas transfronteiriças, onde conflitos são frequentes ou tão de elogiar a iniciativa da Comissão do potenciais, Miranda abordou, em uma das três Rio Mekong (MRC) e dos governos do Baixo sessões paralelas do evento, as característi- Mekong pela realização da Conferência e da cas e os desafios da bacia do rio São Francisco reunião governamental de cúpula. Afinal – frente ao desenvolvimento sustentável. “O po- disse em conclusão à sua intervenção, não der público, isto é, os governos no mundo intei- é todos os dias que presenciamos quatro ro, não têm mais condições de, isoladamente, primeiros ministros reunidos em torno de trabalhar a sustentabilidade das águas. Esta- uma mesa com agências de desenvolvimenmos no limiar de uma época em que a gestão to e embaixadores de vários países exclusidos recursos hídricos só fará sentido se for vamente para debater os rumos da gestão executada de forma compartilhada entre integrada e sustentável de uma única bacia países e, nesse contexto nacional e inter- hidrográfica. Esse exemplo –encerrou ele – nacional, entre o poder público, os usuários vou divulgar em meu país, o Brasil.”

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TRÊS DE JUNHO JÁ É UMA DATA SIMBÓLICA PARA O RIO SÃO FRANCISCO. NESTE DIA, AÇÕES EM TODA A BACIA VÃO SE TRANSFORMAR EM FOCOS DE UM MOVIMENTO NUMA SÓ DIREÇÃO: A DEFESA DO VELHO CHICO. IDEALIZADA PELO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, A CAMPANHA “EU VIRO CARRANCA PARA DEFENDER O VELHO CHICO” MOSTRA, ANTES DE TUDO, INDIGNAÇÃO. OU UMA GRANDE PERPLEXIDADE DIANTE DO ALTO GRAU DE DESGASTE E SOFRIMENTO DESSE RIO TÃO IMPORTANTE PARA O POVO BRASILEIRO.

TEXTO: RICARDO COELHO, DELANE BARROS E ANDRÉ SANTANA

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campanha não é contra ninguém. É simplesmente a favor do Velho Chico, daí que a ideia não é protestar. A ideia é alertar a nossa população para os problemas enfrentados pela bacia do rio São Francisco e dar a todos os segmentos da sociedade civil, do poder público e da iniciativa privada a possibilidade de anunciar alguma boa ação em favor do rio e de seus afluentes”, justifica o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda. Os problemas a que Miranda se refere são aqueles que impedem o Velho Chico de cumprir funções históricas básicas, como abastecimento público de água, pesca e navegação, por exemplo. O rio de hoje enfrenta degradação ambiental sem precedentes, fruto das mais diversas causas. Desde a ausência de uma política governamental efetiva voltada para a sua revitalização até a imposição de vazões mínimas continuadas para atendimento a interesses do setor elétrico, culminando, inclusive por conta disso, na desarmonia entre os chamados usos múltiplos das águas são-franciscanas. A campanha, também denominada Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, tem o intuito de chamar a atenção da opinião pública brasileira para a necessidade urgente de um novo olhar para o São Francisco. Não um olhar de pena! Mas olhar de atenção, respeito e interesse. Na base desse foco, três grandes vértices se impõem na condição de justificativas para a campanha: revitalização, vazão ecológica e usos múltiplos.

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REVITALIZAÇÃO Revitalizar o rio São Francisco é garantir a restauração da qualidade e quantidade de suas águas superficiais e subterrâneas, influindo assim na melhoria da condição hidroambiental e das populações do seu entorno. Revitalizar é trazer de volta a fundamental importância do rio para a integração nacional e para o equilíbrio e diversidade dos ecossistemas situados em sua vasta área de influência. Em diversos países, são inúmeros os exemplos de iniciativas políticas que culminaram na revitalização de rios e bacias hidrográficas essenciais para o equilíbrio ambiental das populações mundiais. São ações que fizeram ressurgir a vida nos rios a partir do tratamento de suas águas, atenção às espécies e comunidades bióticas, impedimento dos processos de contaminação, replantio de matas ciliares, recuperação de nascentes, elaboração de políticas de usos múltiplos e de vazão ecológica, entre outras ações de natureza ambiental. As populações que vivem no entorno do rio São Francisco, além de pesquisadores, ativistas e movimentos sociais, muitos deles representados no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, têm denunciado a atual situação de fragilidade do rio, o que indica a urgente necessidade de um projeto real de revitalização do Velho Chico. É a única forma de barrar o seu processo de degradação e possibilitar projetos futuros mais arrojados, em sintonia com grandes avanços na área ambiental vistos no mundo. Os desafios para a revitalização estão colocados para as quatro regiões fisiográficas que formam a bacia do São Francisco. Cada região, em seus aspectos geográficos, hidroambientais e humanos específicos, revela o drama vivido pelo rio, que preocupa seus moradores e aqueles que acompanham de perto a agonia das suas águas, que teimam em fluir, enfrentando as mais diversas barreiras e ameaças. Muitos têm sido os debates e discursos, criando expectativas de ações concretas que saiam do papel e do mero planejamento. O projeto de revitalização do rio São Francisco deve integrar uma série de ações pensadas no âmbito da bacia hidrográfica, com o objetivo de adequar a gestão dos recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais da bacia, mediante a despoluição da água, de esgotos e agrotóxicos, a conservação de solos, a convivência com a diversidade climática, o reflorestamento e a recomposição de matas ciliares, o direcionamento integrado dos resíduos sólidos, a educação ambiental e a criação e o manejo de unidades de conservação e preservação da biodiversidade. O alcance da revitalização poderá ser indicado pelo aumento da quantidade e da melhoria da qualidade da água da bacia são-franciscana. Um benefício para o povo brasileiro e as populações mundiais.

VAZÃO ECOLÓGICA O rio São Francisco tem sofrido constantemente, e cada vez mais, com os recorrentes pedidos do setor elétrico brasileiro para reduzir em 200m³/s (duzentos metros cúbicos por segundo) a sua vazão mínima (de 1.300m³/s para 1.100m³/s) acordada em documentos oficiais. Os efeitos dessa medida recorrente são sentidos por todos aqueles ligados à sobrevivência do rio, a exemplo de pescadores, setores ligados à navegação e a própria população ribeirinha. Cada vez mais comuns são os bancos de areia no leito do rio, as marcas da erosão de suas margens e o aumento do teor de poluição de suas águas. Pescadores relatam, por exemplo, que já têm crescente dificuldade em encontrar as espécies típicas do Velho Chico e, no trecho correspondente ao Baixo São Francisco, se queixam do avanço da intrusão salina vinda do oceano e facilmente observável pela captura de espécies marinhas. A realidade demonstra o nível baixo das águas do São Francisco. O abastecimento humano, uma das prioridades inseridas na Lei Federal 9.433/97, a chamada Lei das Águas, muitas vezes é desrespeitado. Em Alagoas, no ano passado, a baixa defluência provocou o desabastecimento de aproximadamente 150 carros-pipa diariamente, deixando sem atendimento uma população superior a 200 mil pessoas, somente no sertão alagoano, impondo a esta população um racionamento forçado. Proprietários de embarcações comprovam o sofrimento do transporte de pessoas. Trajetos feitos anteriormente em linha reta, devido à baixa vazão do rio, atualmente precisam de longos deslocamentos para desvio dos

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diversos bancos de areia. No município alagoano de Penedo, a empresa Estrela Guia, que realiza o serviço de transporte por balsa entre os estados de Alagoas e Sergipe, registrou reclamação formal junto ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), dando conta da impossibilidade de trânsito pelo curso normal do rio. Com isso, o percurso que antes era feito em apenas 20 minutos agora chega a até 50. A Agência Nacional de Águas (ANA), órgão do governo federal que autoriza os pedidos de redução da vazão do rio São Francisco, tem colocado condicionantes aos pedidos apresentados pelo setor elétrico para redução de vazões abaixo da vazão mínima legalmente instituída, além de vir demonstrando insatisfação, porque esses pedidos chegam sempre de última hora. Mas, juntamente com o Ibama, que é o outro órgão licenciador, não tem adotado as medidas necessárias para exigir ressarcimento do setor elétrico aos usuários das águas prejudicados pelas reduções das vazões e financiamento de ações para recuperação hidroambiental do ecossistema. Face a essa nova conjuntura e diante do agravamento das mudanças climáticas, o CBHSF tem postulado a necessidade de amplo apoio aos estudos que pesquisadores universitários já vêm fazendo para definição do conceito de “vazão ecológica”, com vistas a determinar de fato uma vazão mínima capaz de não somente garantir o princípio dos usos múltiplos da água como também a biodiversidade do ecossistema, já comprometida com os processos de extinção de muitas espécies. Além disso, o CBHSF está pleiteando do governo federal um tratamento diferenciado para a Bacia do São Francisco, tendo em vista que, das grandes bacias brasileiras, é a mais vulnerável e, por consequência, exige um estratégia de mais longo prazo para mudança de sua matriz energética e ampla recuperação de suas condições ambientais. Tal tratamento diferenciado se justifica porque a falta de saneamento básico, o assoreamento causado pelo desmatamento das matas ciliares, a pesca intensiva, a perda violenta de biodiversidade e os impactos ambientais decorrentes das reduções drásticas de vazões avançam em todo o rio e também em seus afluentes.

USOS MÚLTIPLOS A Lei Federal nº 9433/97, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos do país, possui entre suas principais diretrizes a harmonização dos usos múltiplos das águas de uma bacia hidrográfica. O documento prevê igualdade para todos os usuários na utilização dos recursos hídricos, envolvendo os setores elétrico e hidroviário, saneamento e turismo, irrigação, pesca e lazer, indústrias, etc. Todos têm legitimidade de uso na bacia. A única exceção, já estabelecida na própria lei, é que em situações de escassez a prioridade de uso da água no Brasil seja para o abastecimento público e para a dessedentação animal. Os comitês de bacias, incluindo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, se tornaram interlocutores essenciais na mediação de conflitos gerados em decorrência do aumento da demanda desse recurso natural estratégico. A busca por um equilíbrio satisfatório para os usos múltiplos das águas do São Francisco tem sido ponto de pauta obrigatória nas discussões dos CBHs, que tentam a cada dia encontrar uma melhor forma de ordenamento deles, principalmente com um olhar voltado para o melhoramento da situação econômica, social e ambiental das populações do rio e de seus afluentes. No ano de 2013, o CBHSF realizou as chamadas Oficinas de Usos Múltiplos nas quatro regiões fisiográficas que compõem a bacia do São Francisco – o Alto, Médio, Submédio e Baixo. A iniciativa, inédita por parte da entidade, objetivou extrair dos diversos segmentos atuantes diferentes visões e entendimentos sobre a questão, para que, assim, pudessem dar início ao tão esperado Pacto das Águas do Velho Chico. O Pacto das Águas vai compor um grande esforço de entendimento para revisão do atual sistema de outorgas pelo direito de uso das águas na bacia hidrográfica, harmonização dos interesses de todos os segmentos de usuários e construção de um planejamento estratégico que garanta o equilíbrio futuro dos usos múltiplos das águas do rio São Francisco e seus afluentes. Trata-se, também, de um conjunto de ações interligadas entre todos os atores da bacia – poder público (federal, estadual e municipal), sociedade civil e usuários da água – voltadas para o desenvolvimento sustentável, econômico e social no contexto da bacia. A ampla revisão do Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PDRH), que o CBHSF fará já a partir do ano em curso será um importante norteador para a confecção desse tão esperado instrumento de compatibilização dos diferentes usos presentes na bacia do São Francisco.

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Eu viro carranca para defender o Velho Chico As ameaças que pairam sobre o rio São Francisco e sua bacia hidrográfica nunca foram tão explícitas como agora. A soma dos impactos causados pelo uso irracional de suas águas, aliada aos efeitos crescentes das mudanças climáticas produziram um cenário de adversidades, sejam elas de ordem econômica, social ou ambiental, que já não pode ser tratado com as análises e atitudes convencionais. No foco principal desse cenário preocupante o prolongamento da prática de vazões mínimas reduzidas a jusante das barragens de Três Marias e Sobradinho, torna as coisas ainda mais difíceis, principalmente porque afeta o princípio legal dos usos múltiplos da água, causando prejuízos para o abastecimento público, a navegação, a pesca, a agricultura irrigada e o turismo, sem falar nos danos irreversíveis ao meio ambiente, o que traz à ordem do dia a necessidade de mudanças profundas na matriz energética a partir das águas da bacia. Infelizmente, esse conjunto de fatores negativos que já configuram um contexto inquestionável de crise ambiental e um potencial não desprezível de conflitos pelo uso das águas são-franciscanas, continua sendo, em diversas gradações, despercebido, mal compreendido ou deliberadamente ignorado pelo poder público, usuários das águas, gestores de recursos hídricos e boa parte das populações interessadas. Essa é a razão pela qual, fiel aos seus propósitos e deveres, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) escolheu o dia 3 de junho como o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico com o objetivo de chamar a atenção da opinião pública nacional para a gravidade da situação e conclamar a todos e todas que, de alguma forma, tenham relação com essa problemática, a se manifestar, mobilizar, debater, sugerir caminhos ou reivindicar soluções. O Dia Nacional em Defesa do Velho Chico é campanha que não se volta contra ninguém. É apenas uma jornada a favor do Velho Chico. A partir dessa definição de conteúdo acolhe, portanto, todas as iniciativas e ações ou anúncio de ações de recuperação hidroambiental em favor do rio e de seus afluentes, sejam elas da sociedade civil (colônias de pescadores, povos tradicionais, ONGs, universidades, sindicatos e outros), do poder público (governos, secretarias, ministérios, autarquias, institutos) ou dos usuários (fábricas, hidrelétricas, mineradoras, empresas de navegação, agricultura irrigada e familiar, empresas de turismo). No centro da campanha estarão as grandes bandeiras da longa batalha em favor da saúde do “Rio da Integração Nacional” e de seus afluentes: melhoria da qualidade e quantidade de suas águas, proteção à biodiversidade, recuperação das matas ciliares, uso racional das águas, revisão e controle das outorgas, estímulo ao desenvolvimento das fontes alternativas de geração de energia eólica e solar, tecnologias sustentáveis para irrigação, proteção aos aquíferos, reformulação do Conselho Gestor do Programa da Revitalização com participação do CBHSF, dos municípios e dos povos tradicionais e o Pacto das Águas a ser celebrado entre todos os usuários das águas da bacia. Mãos à obra! Ou melhor dizendo, “Mãos às águas” que não podem e não devem faltar! Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF


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Afinal, a transposição é

necessária? TEXTO: FRED BURGOS | FOTOS: WILTON MERCÊS

ARRASTANDO-SE POR ANOS, AS OBRAS DA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO CONTINUAM SENDO UM TEMA POLÊMICO. HÁ QUEM DEFENDA A INIATIVA, ASSOCIANDO À SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DE MILHÕES DE NORDESTINOS. VOZES DISCORDANTES ALEGAM QUE O NÚMERO DE PESSOAS A SER BENEFICIADO NÃO BATE COM AS ESTRUTURAS DE DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA EXISTENTES NAS BACIAS QUE RECEBERÃO OS FLUXOS DA TRANSPOSIÇÃO. AFINAL, ELA É MESMO NECESSÁRIA?

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inguém sabe quando começa ou termina uma seca. Sabe-se apenas da sua capacidade de devastar a paisagem humana. Neste momento, a estiagem no Nordeste entra no terceiro ano consecutivo. Nessas condições, a água é um bem raro e precioso. E o anúncio da transposição das águas do rio São Francisco pode soar como música, com a possibilidade de perenizar rios, riachos e açudes, além de alimentar grandes adutoras para garantir o abastecimento das cidades, o acesso desse bem a milhões de pessoas e liberar água para a agropecuária e agricultura, trazendo a emancipação econômica de uma das áreas mais carentes do país. Mas há acordes dissonantes nessa música. Pelo menos é o que avaliam especialistas da área de recursos hídricos, receosos de que o que embala o discurso mais otimista não se confirme na realidade. Em um projeto que se estende por anos a fio, já tendo sua data de entrada em operação adiada algumas vezes, e cujo or-

çamento foi alterado dos R$ 4 bilhões iniciais para os atuais R$ 8,2 bilhões, a polêmica tem dividido aqueles que acreditam que a água mais cara é aquela que o cidadão não tem e os que avaliam que a ideia de água a qualquer preço não pode ser bem recebida. O discurso do governo federal a favor da transposição tem se estabelecido, fundamentalmente, em torno de quatro argumentos: (1) o seu custo seria praticamente zero, já que os recursos volumosos que o governo emprega no combate a seca não seriam mais necessários; (2) a população beneficiada seria de 12 milhões de pessoas, um contingente, portanto, de quase 8% da população nacional; (3) o impacto ambiental seria mínimo, já que a vazão outorgada é de 26,4 m3/s, o equivalente a 7,2% dos 360 m3/s outorgados para todos os usos distintos da geração de energia (1.500 m3/s é a vazão garantida para a geração hidroelétrica); (4) a água a ser utilizada seria aquela que deságua no mar, que, portanto, não teria uso humano.

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ABASTECIMENTO HUMANO Mas esses argumentos não têm conseguido convencer especialistas da área. A afirmação de que a transposição levará água para 12 milhões de nordestinos é entendida como irreal, pelo professor da área de recursos hídricos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner Guimarães Júnior. Para ele, o número de pessoas a ser beneficiado não bate com as estruturas de distribuição de água existentes nas bacias que receberão os fluxos da transposição. “No máximo, podemos pensar em cerca de 3,5 milhões de pessoas”, avalia o professor, apontando que “não há conhecimento público sobre a previsão de investimento para a ampliação dessa infraestrutura de distribuição. E os sistemas de adutoras abastecem cidades, não as zonas rurais. Portanto, a realidade dos carros-pipas não será alterada”, conclui. O engenheiro José Luiz de Souza, do Ministério da Integração, pasta responsável pela condução das obras de transposição, informa que tais sistemas de distribuição serão alvo de projetos futuros, e construídos na sequência. Mas o atual desconhecimento de projetos complementares que garantam o efetivo acesso da água à população, anunciada como mote do projeto, estimula projeções que tiram da prioridade o ser humano. Segundo o presidente do CBHSF, Anivaldo de Miranda Pinto, o Comitê aprovou resolução restringindo as possibilidades de transposição das águas do Velho Chico exclusivamente para atender demandas atinentes ao abastecimento público e à desseden-

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“O CBHSF TEM DEFENDIDO O MAIS AMPLO BALANÇO E REVISÃO DAS OUTORGAS JÁ CONCEDIDAS PELA UNIÃO E PELOS ESTADOS, SEJA NA CALHA DO SÃO FRANCISCO, SEJA NA CALHA DOS SEUS GRANDES AFLUENTES” tação animal. “Infelizmente, essa posição foi contraditada pelo governo federal e pelo Conselho Nacional dos Recursos Hídricos, quando da outorga de vazões para os canais do projeto da transposição”, afirma Miranda. Além disso, observa João Suassuna, pesquisador titular da Fundação Joaquim Nabuco (Pernambuco), o próprio sistema de outorgas prevê que, quando não houver infraestrutura para levar água à população, o uso será principalmente econômico.

VAZÃO OUTORGADA Falar de vazão e transposição do São Francisco é um assunto que dá, como se diz no Nordeste, “panos para manga”. Sobre o que está outorgado para a transposição, João Abner alerta que, apesar dos 26,4 m3/s concedidos pela Agência Nacional das Águas (ANA), em caráter provisório, toda a infraestrutura que está sendo construída – canais, sistema de bombeamento e obras complementares – é para uma vazão de 127 m3/s. Ou seja, para cerca de 35% da vazão garantida para usos múltiplos, que é, como já dito, de 360 m3/s. Ele acredita que, como a vazão máxima da transposição só ocorrerá quando Sobradinho estiver com 94% do nível máximo, e essa tem sido uma condição cada vez mais rara, segun-

do a própria Chesf – Companhia Hidrelétrica do São Francisco –, a estrutura será subutilizada. Por outro lado, como há no horizonte a inexistência de obras de infraestrutura para distribuição efetiva das águas da transposição às populações rurais, o seu uso será, principalmente, para grandes projetos, conforme prevê o sistema de outorgas. O professor Abner observa, portanto, uma contradição latente no projeto. Se a vazão de 26,4 m3/s for respeitada, a obra está superdimensionada, o que já apresenta, por si só, no seu entender, o caráter de improbidade administrativa. Se não, o que está sendo projetado, por criar a expectativa de uma vazão maior, traz na raiz um conflito previsível em razão de demandas que surgirão para ampliação da outorga para grandes projetos, algo que vai “estourar” lá na frente. “Ao final, o que veremos é que o projeto apresentado como sendo para acabar com a seca não cumprirá esse propósito. Para mim, o maior escândalo é essa obra não ser um escândalo”, afirma.

REDUÇÃO NA VAZÃO Apesar de haver o condicionante da vazão de 127 m3/s ficar na dependência das situações em que o reservatório de Sobradinho esteja em sua


FOTO: LEONARDO ARIEL

capacidade total, a preocupação é crescente. Como observa João Suassuna, Sobradinho, ao longo dos últimos anos, só tem chegado aos 94% de sua capacidade em 40% dos anos hidrológicos. Ou seja, a cada dez anos hidrológicos, em apenas quatro tem se verificado esse nível. “Estamos falando de dados da Chesf, disponibilizados no seu site”, lembra. Parte disso se justifica pelas secas sucessivas na bacia do São Francisco, o que tem prejudicado a vazão até mesmo para o uso hegemônico de suas águas eplo setor elétrico. “Outra parte encontra explicação nos usos inadequados e não controlados das vazões de base, aquelas que saem, por exemplo, de rios e aquíferos, como o Urucuia, no oeste baiano, e entram nos afluentes do rio São Francisco”, avalia Suassuna. Em abril deste ano, completou um ano que a Chesf vem mantendo a vazão do São Francisco em 1.100 m3/s, abaixo do mínimo de 1.300 m3/s. José Luiz de Souza, do Ministério da Integração, por sua vez, observa que a vazão histórica de Sobradinho seria de 1.815 m3/s, de acordo com a ANA, e calculada a partir de uma série de dados hidrológicos (1931–2001). Além disso, não será acionada a vazão de 127 m3/s enquanto o reservatório não atingir a sua carga máxima. Para Abner e Suassuna, quando se leva em conta uma série histórica num horizonte temporal tão longo, deixa-se de considerar enquadramentos atuais e futuros, num ambiente de mudanças climáticas efetivas e de aumento contínuo de demanda. “Não está se levando em conta, por exemplo, outras demandas que estão surgindo, como o Canal do Piauí, e as mudanças climáticas”, diz João Abner. No entender de Anivaldo Miranda, o projeto da transposição antecipou-se ao Pacto das Águas, que já deveria ter sido celebrado no contexto da bacia hidrográfica do rio São Francisco. “Mas como a prática do poder público e do poder econômico é sempre a de ‘colocar o carro à frente dos bois’, o projeto está posto como um salto no escuro. A redução dramática das vazões do São Francisco, hoje abaixo da vazão mínima legalmente admitida, já produziu um cenário de conflito real entre o uso hegemônico da água para geração de energia e o princípio dos usos múltiplos contido na legislação vigente. A futura entrada em operação dos canais da transposição se converterá em mais um ingrediente desse conflito”, avalia. Sabe-se que não há como se prever com exatidão demandas futuras relativas ao uso de águas da bacia. Mas é certo que elas existem potencialmente, e a tendência é que se ampliem. A grande questão que se coloca é a dos limites às demandas que podem e devem ser colocados para que o rio não se esgote por força de uma gestão hídrica pouco comprometida com a sua sustentabilidade. “Exatamente para que isso ocorra, o CBHSF”, afirma seu presidente, “tem defendido o mais amplo balanço e revisão das outorgas já concedidas pela União e pelos Estados, seja na calha do São Francisco, seja na calha dos seus grandes afluentes, exatamente para dar uma resposta segura a essa questão e, assim, assentar em bases sólidas o Pacto das Águas, capaz de assegurar a sustentabilidade da futura gestão hídrica na bacia”.

FOZ DO SÃO FRANCISCO Em uma região onde a água é um bem escasso, todo cuidado com a natureza é pouco. Essa ideia tem sido reivindicada pelo professor João Abner, crítico incansável do projeto de transposição. Para ele, é incompreensível que os estudos de impacto ambiental da transposição tenham tirado a bacia do São Francisco do seu foco de atenção. “Envolveram apenas as bacias receptoras. Trata-se de uma área de influência direta. Onde já se viu isso? A premissa é que estavam tirando apenas 2% da água. Mas esses estudos deveriam considerar o cenário de 127 m3/s, que é a expectativa disseminada a partir da infraestrutura que está sendo construída. Por outro lado, a questão da foz do rio não aparece nos estudos”, afirma. Suassuna lembra que determinação do Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – define que a vazão a chegar na foz deve ser de 1.300 m3/s de água do São Francisco. “Mas, como não tem chegado, pescadores reclamam da falta de peixes e dos

“AO FINAL, O QUE VEREMOS É QUE O PROJETO APRESENTADO COMO SENDO PARA ACABAR COM A SECA NÃO CUMPRIRÁ ESSE PROPÓSITO. PARA MIM, O MAIOR ESCÂNDALO É ESSA OBRA NÃO SER UM ESCÂNDALO” bancos de areia que têm se tornando cada vez mais visíveis”, observa. Segundo José Luiz de Souza, do Ministério da Integração, o Programa Básico Ambiental (PBA) do projeto de transposição demonstra que não existirá impacto na cunha salina. “E convencido disso, o Ibama recomendou a conclusão do processo do PBA”, afirma. Membro desde abril último do conselho gestor do Sistema de Gestão do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), instância responsável pelo acompanhamento das obras da transposição e proposição de regras para o uso das águas, o CBHSF irá acompanhar “com rigor”, segundo enfatiza Anivaldo Miranda, o estrito cumprimento dos termos em que foi concedida a outorga para uso das águas do São Francisco nos canais do projeto da transposição. “Sentimos falta apenas da inclusão de representantes dos Estados das bacias doadoras. Além disso, esperamos que a presidente da República assine também o decreto de reformulação do Conselho Gestor da Revitalização do São Francisco, incluindo igualmente o CBHSF em sua composição”, afirma. Enquanto as obras do projeto de transposição avançam a passos lentos mas firmes e de forma irreversível, os trabalhos de recuperação do Velho Chico, sob a sombra da escalada de degradação do seu ecossistema e no contexto das pressões decorrentes das demandas crescentes pelo uso das águas, apenas engatinha. “O Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco está sendo executado com timidez, lentidão e metodologia que precisa ser urgentemente modificada no sentido de incorporar às decisões e ações desse programa maior participação do Comitê, das prefeituras, dos governos estaduais, da academia e dos povos tradicionais”, conclui o presidente do CBHSF.

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POL Ê MIC A

UMA OBRA INACABADA Iniciada em 2007, as obras de transposição do rio São Francisco devem ficar prontas somente em dezembro de 2015. Pelo menos é o que espera o Ministério da Integração Nacional, responsável pela coordenação de todo o projeto. Pelo cronograma original, o primeiro canal, o Eixo Leste, deveria estar pronto em 2010. O Eixo Norte viria em 2012. Mas a obra empacou. Somente três anos depois, em 2013, ela seria retomada a todo vapor. Hoje, as informações do governo dão conta da conclusão de mais de 56% dos trabalhos. O projeto é formado por dois canais que percorrem 477 quilômetros lineares. A transposição das águas do Velho Chico também envolve a construção de 14 aquedutos, nove estações de bombeamento, 27 reservatórios, e túneis para transporte de água que deverá chegar a 390 cidades do agreste e sertão de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Do investimento inicial previsto de R$ 4 bilhões, o projeto está orçado, hoje, em R$ 8,2 bilhões. Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner, são vários os problemas da transposição, a começar por um projeto básico “muito ruim”, o que gerou, dentre outros constrangimentos, impasses orçamentários a partir de concorrências apressadas. “Fizeram o fracionamento da obra em grandes trechos, o que eliminou a concorrência. Todas as grandes empreiteiras foram contempladas. E acabaram por paralisar as obras por deficiência no orçamento. Com o tempo, a transposição deixou de ser uma obra técnica para ser uma obra política, com o seu cronograma submisso ao calendário eleitoral”, afirma Abner.

Segundo o professor, os primeiros canais foram entregues em 2008. Isso se deu antes das bombas serem instaladas e os túneis construídos, sem os quais as águas não chegariam aos seus destinos. “Passados quase seis anos, em muitos trechos essas placas apresentam danos e a vegetação cresce entre suas rachaduras. As placas não foram feitas para ficar expostas ao sol durante tanto tempo, sem água. São placas de concreto com espessura de cinco centímetros, e uma manta geotêxtil”, informa Abner. O representante do Ministério da Integração, José Luiz de Souza, não vê problema na construção dos canais antes dos túneis e acredita que não há nexo entre a falta de água e a rachadura nas paredes dos canais. “Não é só um agente climático ambiental que afetaria o concreto”, diz.

CONTRADIÇÕES DO CANAL DO PIAUÍ Em junho do ano passado, o governo federal autorizou o Estado do Piauí a realizar estudos de viabilidade e um projeto inicial para construção de um canal de irrigação para levar água do São Francisco aos rios Piauí e Canindé. A nova ampliação no projeto de transposição surgiu em torno da proposta de beneficiar uma população adicional de 600 mil habitantes em 26 municípios piauienses, além da cidade de Remanso, na Bahia. Até o momento o estudo ainda não foi iniciado, mas, segundo os termos de referência do edital, a água será captada em Sobradinho e seguirá por dois canais até o Piauí, com vazão de 30 m3/s, portanto, maior do que os 26,4 m3/s outorgados inicialmente pela ANA – Agência Nacional das Águas –, para toda a transposição. De acordo com o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, o Estado do Piauí é o mais rico do Nordeste brasileiro em águas subterrâneas. “Existe uma infinidade de poços artesianos na região sul, no Vale do Rio Gurguéia, que jorram água sem necessidade de bombeamento”, observa. Perfurado na década de 1960, o Poço Violeto é exemplo dessa riqueza hídrica apontada pelo pesquisador como contradição do projeto do Canal do Piauí. Dele jorravam mais 800 mil litros de água por dia, sem nunca ter parado, como se a água fosse um recurso infinito. A água jorrada chegava a 30 metros de altura. Foi necessário que a ANA colocasse, há alguns anos, uma válvula de contenção, resolvendo o problema do desperdício ininterrupto. “Quando um estado como o Ceará – que detém 50% dos 35 bilhões de m3 de água represada no Nordeste – julga que precisa de água do São Francisco, e consegue, por influência política, ser atendido pelo governo federal, os estados vizinhos também se sentem no mesmo direito. A transposição se tornou uma moeda política. E o Piauí é um exemplo concreto de um estado que não precisa das águas do São Francisco”, avalia Suassuna. Para ele, há, acima de tudo, uma questão de boa gestão dos recursos hídricos a ser almejada. E outro exemplo contrário vem da Paraíba. Depois de três anos de seca, o açude Presidente Epitácio Pessoa, mais conhecido como Boqueirão – que abastece o município de Campina Grande, com seus 400 mil habitantes, além de mais 15 cidades vizinhas – está hoje com 30% da sua capacidade. As águas da transposição chegarão a ele por meio de adutoras. Além do abastecimento humano, as suas águas servem a projetos de irrigação de culturas que consomem muita água, como tomate e cebola. “Se o consumo de água for maior do que a capacidade de recomposição das represas, é evidente quevai faltar água. E continuará faltando mesmo com a transposição”, observa João Abner.

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O CANAL ACAUÃ-ARAÇAGI Para o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, a divisão dos eixos norte e leste da transposição dão a entender que o eixo norte abastecerá o agronegócio. Enquanto o eixo leste seria, em princípio, voltado ao abastecimento humano. E é nele que residem algumas das preocupações atuais. Exatamente no eixo leste surge um projeto que está chamando a atenção do pesquisador pernambucano e também do professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Nessa área correrá água da transposição até o açude Presidente Epitácio Pessoa, mais conhecido como Boqueirão. E de lá será transposta para a represa de Acauã, na bacia do rio Paraíba. Em 2013, na Paraíba, foram iniciadas as obras do canal Acauã-Araçagi, que custará quase R$ 1 bilhão, com recursos provenientes do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e de uma contrapartida de mais de R$ 100 milhões de recursos próprios do Estado. O canal terá 112 quilômetros de extensão quando estiver concluído. A ideia é que ele garanta abastecimento para 600 mil habitantes de 35 cidades, além de gerar uma área irrigada de 126 mil hectares, especialmente para a produção de cana-de-açúcar. O excedente será para o provimento das cidades litorâneas da Paraíba. No seu discurso, o próprio governo paraibano tem enfatizado a sua importância para a revitalização econômica das regiões do Vale do Paraíba e do Vale do Mamanguape. Para João Suassuna, isso é “conta de chegada para se exaurir o rio São Francisco”.


E N SA IO

Vidas

severinas N

o lado pernambucano da bacia do rio São Francisco, a comunidade quilombola de Ponta da Serra, no município de Serra Talhada, parece perdida no meio do sertão. Mas a sua história é conhecida e já foi contada inclusive pelo cinema brasileiro, mais exatamente no filme Aruanda, de 1960, de Linduarte Noronha, uma referência para o Cinema Novo que constou no Manifesto da Fome, de Glauber Rocha. Popularizada como “Capital do Xaxado”, Serra Talhada é a terra natal de Lampião. É banhada pelo rio Pajeú, um dos afluentes do São Francisco. Foi a primeira cidade de Pernambuco a implantar uma Secretaria de Igualda-

de Racial. Atualmente, possui 15 povoados considerados como descendentes de escravizados. A vila Ponta da Serra foi o primeiro a ser reconhecido como quilombo e deve começar a receber, em breve, políticas públicas de amparo e incentivo social. Neste ensaio realizado pelo fotógrafo pernambucano Márcio Lima, o quilombo tem sua história contada pela lente da beleza e da sensibilidade. Flagrantes da dura e bela paisagem sertaneja se misturam à ternura da convivência dos quilombolas com seus animais de criação e estimação. Mesclam a secura da estiagem com a beleza de pessoas que ainda acreditam e lutam pela família.

TEXTO E FOTOS: MÁRCIO LIMA

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E N SA IO Chegar ao nosso destino é aventura dentro da caatinga do sertão pernambucano. São várias estradinhas de barro sem sinalização, cercadas de xique-xiques, mandacarus e floridas catingueiras por todos os lados, ao som de pássaros da região. Vira e mexe encontramos vaqueiros indo para a “pega do boi”, vestidos com suas roupas de couro, eles e os seus cavalos, lembrando os cavaleiros medievais. Mais algumas horas dentro da catinga e avistamos o nosso destino, o Quilombo Ponta da Serra, com suas casas de taipas espalhadas a granel pelo vasto catingal.

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Na chegada dá para observar a presença dos bodes – eles estão por toda parte. O silêncio é quebrado pelo latido de cachorros que parecem feras, que ficam mansas, e assim permanecem durante toda a nossa estadia, tão logo somos recebidos pela nossa anfitriã, Dona Enedina Maria das Silva, 77 anos, mãe de sete filhos (um deles adotado), avó de 34 netos, cordial como todos os habitantes do quilombo, que fica a cerca de 32 km de distância da sede do município de Serra Talhada.

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O ar do sertão faz a gente se sentir forte, alegre, sorridente... e isso está presente nos quilombolas, todos parentes da Nega Sebastiana, a fundadora do Ponta da Serra, que surgiu por volta de 1889, logo após a Abolição da Escravatura. Por causa desse parentesco, se tornaram conhecidos como “bastianos”. Fisicamente, não correspondem aos quilombolas mais tradicionais: a maioria tem os cabelos lisos e a pele morena, mulatos sertanejos – uma união de sangue entre negros e índios. Mas o quilombo é, de fato, quilombo. Tanto que em 2013 a comunidade recebeu sua certificação pela Fundação Cultural Palmares/MinC.

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Seu José Mané é o rezador do quilombo. Se alguém adoece, ninguém procura o médico sem antes passar por sua reza de cura. Até porque médico não tem por ali. E a cura não é incomum. Também não há escola, as crianças frequentam as aulas no distrito de São João, não tão perto. A vida dos bastianos não é nada fácil! É de muito trabalho para sobreviver. No inverno, eles plantam basicamente feijão e milho e rezam para a chuva vir. No verão, trabalham na extração e na queima do cal.

A família é a base da harmonia entre os membros da comunidade. É notória essa união familiar, e ela teve e tem função determinante para a sobrevivência desse grupo ao longo do tempo. Algo muito simbólico revela isso: fotos dos familiares surgem nas paredes de praticamente todas as cerca de 60 casas do quilombo, intercalando gravuras de santos católicos. Em Ponta da Serra, a fraternidade não se restringe aos humanos. Sobressai na comunidade a paixão pelos animais, unindo adultos e crianças, homens e mulheres.

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FOTO: ARQUIVO ANA

E NT R E VISTA

Presença do Comitê é uma vantagem para a bacia do São Francisco TEXTO: RICARDO COELHO

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E NT R E VISTA

ATUAL PRESIDENTE DO CONSELHO MUNDIAL DA ÁGUA (WWC), PROFESSOR DE ENGENHARIA CIVIL E AMBIENTAL DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), COM MESTRADO EM ENGENHARIA HIDRÁULICA PELA MESMA INSTITUIÇÃO, ALÉM DE M.SC. EM HIDROLOGIA E PH.D. EM RECURSOS HÍDRICOS PELA UNIVERSIDADE DE STANFORD, NOS EUA, O BRASILEIRO BENEDITO BRAGA DEDICOU BOA PARTE DE SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL EM PROL DE MELHORIAS AO DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS DO PAÍS. AUTOR DE MAIS DE 25 LIVROS E DE DEZENAS DE ARTIGOS CIENTÍFICOS PUBLICADOS SOBRE O ASSUNTO, ELE JÁ SE TORNOU REFERÊNCIA NO CENÁRIO NACIONAL SOBRE O TEMA. NESTA ENTREVISTA, BRAGA FALA SOBRE OS DESAFIOS DA EFICÁCIA NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS PARA SANAR PROBLEMAS COMO A ESCASSEZ HÍDRICA, DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO MUNDO, E SOBRE A IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL DA BACIA DO VELHO CHICO. O Brasil possui uma disponibilidade de água doce muito grande, no entanto, a má distribuição é um desafio a ser enfrentado. A eficácia na gestão de recursos hídricos brasileiros é o caminho para sanar problemas como a escassez hídrica que afeta diversas regiões do país? BB – O problema para sanar a escassez hídrica que afeta regiões do país, obviamente passa por uma gestão de recursos hídricos eficaz. Entretanto, é uma condição necessária, mas não é uma condição suficiente, porque o país ainda carece de infraestrutura hídrica que precisa ser gerenciada. Entendo que não se trata ainda de conflitos entre usuários de uma forma generalizada, apesar de que em algumas bacias específicas isso acontece. De uma forma geral, ainda existe lugar para aumentar a disponibilidade de água no país. Isso significa mais reservatórios, mais adutoras para que a água chegue até as populações. Então, existe o componente de gestão e o componente de estrutura. A combinação desses dois é que fará com que o desafio da escassez hídrica possa ser enfrentado no nosso país. Como o senhor avalia a discussão do tema em outros países? Temos exemplos de sucesso a seguir? BB – Sem dúvida nenhuma, a questão da gestão de recursos hídricos está presente em muitos países, a exemplo do México, EUA, Alemanha, Japão, Coréia e sudeste da Ásia. E essa mesma situação brasileira se aplica a todos os outros países. No caso, por exemplo, dos EUA, Alemanha e Japão, onde 90% da infraestrutura quase que já foi desenvolvida, a questão é, sem dúvida, a eficácia da gestão para minimizar conflitos. Fazer, em geral, uso eficiente da água. Existe ainda nesses outros países uma questão que nós ainda não estamos experimentando de forma importante, que é a reabilitação de infraestrutura que já não está mais operando da forma como originalmente foram dadas, a exemplo de redes de água, redes de esgoto. Que já têm mais de cem anos de existência e precisam ser reabilitadas. Comportas, barragens e vertedores que precisam ter reabilitação. Mas, em geral, existe uma similaridade do tema em muitos países do mundo. O Conselho Mundial da Água (WWC) vem trabalhando essa questão da segurança hídrica global. Este é um assunto ainda pouco debatido na pauta política dos países, sejam eles desenvolvidos ou não? BB – Segurança hídrica global é um conceito que o Conselho Mundial da Água está advogando no sentido de que as populações tenham acesso a água segura, saneamento, saúde e que, também, as populações possam

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ter água para crescer economicamente e socialmente, no intuito de ser suficiente na manutenção dos ecossistemas aquáticos essenciais. Isso é segurança hídrica, ou seja, a água vista sob o ângulo humano, socioeconômico e ambiental. Sem dúvida nenhuma, é uma tema de grande relevância. Nós observamos a importância de se cuidar bem da água em nosso país, principalmente em regiões onde nunca se viu problemas de escassez e que hoje já se vê, bem como nas áreas onde a escassez é tradicional, observamos uma preocupação maior das autoridades com o tema. A nível mundial, essa questão cada vez se intensifica mais, e países começam a se preocupar com o tema. O Fórum Mundial da Água é um evento onde esse tema irá cada vez mais se solidificar e interagir com a classe política mundial. A nossa expectativa é que mais e mais o tema estará na agenda de todos os países de nosso planeta. Recentemente, o CBHSF participou de uma conferência internacional no Vietnã para discutir melhorias dos problemas advindos das mudanças climáticas em bacias transfronteiriças, em especial a falta de água, energia e segurança alimentar. As alterações climáticas são encaradas hoje como a grande preocupação global das autoridades ambientais? BB – Sem dúvida nenhuma, as alterações climáticas são muito importantes e estão na agenda política internacional. Infelizmente o que nós observamos é que há muita dificuldade de se chegar a um consenso sobre a questão como este desafio das mudanças climáticas deve ser encarado. Nós entendemos que as alterações climáticas se manifestam principalmente e, essencialmente, no setor dos recursos hídricos, com as secas, as cheias, a necessidade de um bom gerenciamento, boa infraestrutura hídrica, e assim por diante. Hoje, a preocupação das autoridades ambientais têm focado na mitigação das causas da mudança climática, ou seja, a produção de CO₂. Enquanto a posição do Conselho Mundial da Água é focar o debate nos mecanismos de adaptações no setor de recursos hídricos para que possa fazer frente às mudanças climáticas. Neste mesmo evento, o presidente do CBHSF explanou sobre a importância e características da bacia do Velho Chico. Apesar de não ser transfronteiriça, pode-se dizer que a bacia do São Francisco tem o seu reconhecimento mundial por sua dimensão e importância para o Brasil? BB – Não é de hoje que a bacia do São Francisco já tem essa notoriedade internacional. Isso vem bem antes da formação do comitê. Nos anos 2000, a Agência Nacional de Águas (ANA) teve um investimento do Global Environment Facility (GEF) no capítulo de rios internacionais, e a bacia do São Francisco foi assim caracterizada e entendida por aquele organismo das Nações Unidas. De maneira que o rio São Francisco tem esse reconhecimento mundial. É uma bacia hidrográfica que tem características transfronteiriças, uma vez que a dominialidade das águas no Brasil é dupla, entre Estado e União, caracterizando uma situação transfronteiriça. Portanto, apesar de estarmos dentro de um único país, os problemas de gerenciamento da bacia do São Francisco são muitos semelhantes aos problemas de bacias transfronteiriças internacionais. Eu acho que a existência de um comitê de bacia para trabalhar gestão integrada é uma vantagem comparativa, no caso brasileiro em relação às questões trans-

EU DIRIA QUE PARA QUE O COMITÊ DO SÃO FRANCISCO TENHA SUCESSO ELE PRECISA DO APOIO TANTO DOS GOVERNOS ESTADUAIS QUANTO DO FEDERAL. ELE TEM QUE TRABALHAR ARTICULADAMENTE COM OS GOVERNOS E, OBVIAMENTE, COM A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA, COM OS USUÁRIOS DA ÁGUA E COM O SETOR PRIVADO


FOTO: ARQUIVO WWC

fronteiriças internacionais, onde a questão da soberania do território desempenha um papel extremamente importante, que não é o caso aqui do Brasil. Já é quase consenso que o poder público não tem mais condições de resolver os grandes desafios da crise ambiental no mundo. Na sua opinião, essa responsabilidade caberia então ao desenvolvimento sustentável, mediante cooperação e diálogo de todos os usos da bacia? BB – Eu discordo da sua afirmativa. Nós não podemos menosprezar a importância dos governos. O comitê de bacia é um organismo importantíssimo no sentido de trazer os usuários da água para discutir a melhor alocação no âmbito da bacia hidrográfica. Agora, o comitê de bacia não substitui o governo em modo algum. O governo é essencial. Primeiro, porque em uma democracia o governo é eleito pelo povo e, portanto, ele tem legitimidade, não podendo ser desprezada. Dizer que o poder público não tem mais condições de resolver os grandes desafios da crise ambiental. Eu voltaria com outra pergunta. Por quê? Claro que o governo tem condições de resolver, sim, e ele deve se envolver cada vez mais. Eu diria, para que o Comitê do São Francisco pudesse ter sucesso, ele precisa do apoio tanto dos governos estaduais quanto do federal. Ele tem que trabalhar articuladamente com os governos e, obviamente, com a sociedade civil organizada, com os usuários da água e com o setor privado. Um dos grandes embates atuais do CBHSF é a luta contra as reduções da vazões mínimas, uma vez que a medida do governo federal vem acarretando conflitos internos pelo uso da água e problemas ambientais à população e ao rio São Francisco. O senhor acredita que há um favorecimento ao setor elétrico por conta das condições climáticas desfavoráveis que hoje afetam a geração de energia do país? BB – A chave da solução do problema do uso da água é achar uma solução que nós chamamos de ótima no sentido de Pareto. O que quer dizer isso? Você procurar as alternativas em um espaço bidimensional, tridimensional, qualquer que seja, onde você só pode melhorar o resultado diminuindo o outro uso, ou seja, nós temos que procurar uma solução do tipo ganha-ganha. Não dá para você resolver todos os problemas ao

APESAR DE ESTARMOS DENTRO DE UM ÚNICO PAÍS, OS PROBLEMAS DE GERENCIAMENTO DA BACIA DO SÃO FRANCISCO SÃO MUITOS SEMELHANTES AOS PROBLEMAS DE BACIAS TRANSFRONTEIRIÇAS INTERNACIONAIS. EU ACHO QUE A EXISTÊNCIA DE UM COMITÊ DE BACIA PARA TRABALHAR GESTÃO INTEGRADA É UMA VANTAGEM COMPARATIVA, NO CASO BRASILEIRO, EM RELAÇÃO AS QUESTÕES TRANFRONTEIRIÇAS INTERNACIONAIS, ONDE A QUESTÃO DA SOBERANIA DO TERRITÓRIO DESEMPENHA UM PAPEL EXTREMAMENTE IMPORTANTE, QUE NÃO É O CASO AQUI DO BRASIL

NÃO DÁ PARA VOCÊ RESOLVER TODOS OS PROBLEMAS AO MESMO TEMPO. POR EXEMPLO, GERAR ENERGIA ELÉTRICA NO SENTIDO ÓTIMO, IRRIGAR NO SENTIDO ÓTIMO, TER VAZÕES AMBIENTAIS NO SENTIDO ÓTIMO. SE VOCÊ QUER CONTEMPLAR TODOS OS USOS NO ÂMBITO DA BACIA, VOCÊ VAI TER UMA SOLUÇÃO EM QUE VAI ESTÁ UM POUQUINHO MELHOR PARA UM, UM POUQUINHO PIOR PARA OUTRO mesmo tempo. Por exemplo, gerar energia elétrica no sentido ótimo, irrigar no sentido ótimo, ter vazões ambientais no sentido ótimo. Se você quer contemplar todos os usos no âmbito da bacia, você vai ter uma solução em que vai estar um pouquinho melhor para um, um pouquinho pior para outro. E como é que nós chegamos na melhor solução? Para chegarmos nela, nós precisamos ver quais são as melhores alternativas. Por exemplo, que alternativas nós temos hoje no caso do setor elétrico? Gerar hidroelétrica a um custo X ou gerar térmica a um custo 5 vezes X. Bem. Quem está disposto a pagar? Se os consumidores da energia elétrica estiverem dispostos a pagar mais por esta energia para que o rio São Francisco tenha mais vazões ambientais para a biota, etc. Então, é algo que tem que ficar explicitado e ser decidido, e isso vai, obviamente, além do comitê de bacia, porque os usuários de energia elétrica estão fora da bacia do rio São Francisco, apesar da energia ser gerada lá. Então, não é um problema simples. Eu não acredito que haja um favorecimento premeditado do governo federal ao setor de energia elétrica. Eu imagino que essa é uma situação circunstancial e que quando essas questões das anomalias climáticas tiverem arrefecido e, vamos dizer, a situação do setor elétrico estiver um pouco melhor, essas decisões certamente serão revisadas. O governo federal, em parceria com o Banco Mundial, está desenvolvendo um ousado projeto denominado Corredor Multimodal, uma iniciativa que prevê transporte integrado (hidroviário, ferroviário, rodoviário) no rio São Francisco. Qual sua opinião sobre essa alternativa? BB – Não conheço este projeto, então não posso dar uma opinião específica sobre esse Corredor Multimodal. Obviamente, o que posso dizer é que a hidrovia é um sistema de transporte muito mais conveniente do que a ferrovia e rodovia para o transporte de cargas, de grãos e assim por diante. O sistema integrado depende de análise de benefício-custo para ver se é mais conveniente usar esse sistema multimodal do que construir eclusas e ter um sistema puramente hidroviário. Obviamente, puramente hidroviário é impossível, porque você precisa fazer a carga chegar até o rio, então, você vai depender ou de ferrovia ou de rodovia. De maneira então que esse sistema multimodal é desejável do ponto de vista teórico. Mas, como disse no início, eu não tenho conhecimento mais detalhado desse projeto, então não posso ter uma opinião específica sobre ele.

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PROJ E TO

Vigilantes à beira do rio TEXTO: RICARDO COELHO | FOTOS: ASCOM VOTORANTIM

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omo associar a parceria entre uma empresa que está no ‘hall’ das dez maiores produtoras mundiais de zinco, é a maior produtora de níquel eletrolítico da América Latina e ainda detém a posição de maior produtora de alumínio primário do país com uma simplória comunidade pesqueira do rio São Francisco? E se dessa junção saísse um projeto de sucesso? Foi exatamente isso o que aconteceu. “Existe uma palavra de ordem que simboliza todo esse sucesso: conhecimento”, credita, orgulhosamente, o secretário de Meio Ambiente do município mineiro de São Gonçalo do Abaeté, Ailton Oliveira, aos ótimos resultados técnicos obtidos pelo Centro de Monitoramento de Peixes Mortos do São Francisco, projeto idealizado e conduzido pela Votorantim Metais desde meados de 2005 na bacia do rio São Francisco, precisamente na região do entorno da barragem da Usina Hidrelétrica de Três Marias, a 255 km de Belo Horizonte (MG).

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“Essa ação envolve todos que estão em volta da bacia. Empresa, prefeitura e, claro, os pescadores locais. Sem eles não funcionaria”, diz o gerente-geral da unidade de Três Marias da Votorantim Metais, Antônio Carlos dos Santos. O objetivo do centro é coletar e sistematizar informações sobre as mortes de peixes, tendo como base a identificação das espécies, o total de exemplares encontrados e o local onde eles aparecem mortos. “Tudo para se obter um sistema de dados que nos permita avaliar os eventos relatados no passado que, ainda no dias atuais, encontram-se sem elucidação”, observa. A iniciativa da companhia surgiu após uma série de discussões envolvendo instituições públicas e privadas, organizações nacionais e estrangeiras quando foram levantadas hipóteses sobre as causas para a morte dos peixes encontrados na região do Alto São Francisco, entre 2004 e 2005. “Os metais pesados, agrotóxicos e esgoto sanitário

foram apontados como as principais causas de poluição e morte dos peixes”. No entanto, após estudos comparativos das vísceras e do filé dos peixes com metais como zinco, chumbo, arsênio, cobre, entre outros, ficaram excluídos dessa relação de causas, ate o presente momento, metais pesados. As outras duas causas tiveram estudos preliminares feitos por entidades, porém não houve um diagnóstico aprofundado e preciso. Após os estudos, a Votorantim abraçou a ideia e deu inicio ao projeto na região”, revela o gestor, que avalia em média um investimento de R$ 250 mil ao ano pela empresa no financiamento dessa ação. “O valor é repassado à prefeitura da cidade de Três Marias, que realiza a gestão do recurso”, complementa. Essa análise comparativa é feita duas vezes, por ano, pela Votorantim Metais, que executa, simultaneamente com o programa de monitoramento, um projeto nessa linha na região.


EMPRESA VOTORANTIM CRIA PROJETO INÉDITO DE MONITORAMENTO DE PEIXES NO ALTO SÃO FRANCISCO, COM O AUXILIO PERMANENTES DOS PRÓPRIOS PESCADORES DA REGIÃO.

Inicialmente limitada a 50 km de rio, a área de monitoramento logo foi estendida por cerca 1.000 km do Velho Chico, sendo 400 km a montante e 600 km a jusante da Barragem de Três Marias, envolvendo, além dos municípios de Três Marias e São Gonçalo do Abaeté, as cidades de Moema, Luz, Pompéu, Abaeté, Buritizeiro, Pirapora, Lassance, Ibiaí e São Francisco, todas em Minas Gerais.

tes”, observa ele, que, a convite de uma instituição estrangeira, foi recentemente ao Canadá explicar sobre as técnicas desse monitoramento na região. Os dados coletados pelos pescadores são computados e avaliados mensalmente por especialistas do Centro de Monitoramento, resultando, ao final do ano, em um relatório técnico do projeto, depois encaminhado aos órgãos ambientais.

ENVOLVIMENTO NOS TRABALHOS

PEIXES MARCADOS

Em conjunto com a Secretaria de Meio Ambiente de Três Marias, a empresa capacita os monitores e a Prefeitura Municipal contrata as pessoas – a maioria pescadores – para realizarem o trabalho de “patrulhamento” dos peixes. Cada um recebe, em média, R$ 1.500 por mês. O trabalho consiste em coletar informações, por observação direta, quanto à espécie, tamanho, peso, características morfológicas e local onde o animal foi encontrado. “As pessoas ficam espalhadas por 11 diferentes pontos da área definida no programa, durante oito horas por dia. Precisávamos de gente que conhecesse a região e a nomenclatura dos peixes e chegamos aos pescadores. É uma relação positiva, porque além de realizarem o acompanhamento das mortes, eles continuam exercendo o ofício diário deles”, comenta Antônio Carlos Santos.

Em paralelo ao projeto do Centro de Monitoramento do São Francisco, a Votorantim Metais realizou outra iniciativa ambiental na região de Três Marias. O projeto de marcação de peixes migratórios, promovido entre os anos de 2010 e 2012, buscou responder a questões relativas à sobrevivência e dispersão de peixes em ambiente natural, principalmente com relação às áreas do Alto São Francisco. “Um dos objetivos foi comparar as condições no momento da captura e soltura dos peixes, bem como depois, na sua recaptura. Avaliar o comprimento, peso e toda sua estrutura, entre outros aspectos. Qual a evolução deles? Até onde podem chegar em seu percurso aquático? Eram algumas das questões”, explica o gerente-geral da Votorantim. Ao todo, quatro campanhas de capturas e solturas das espécies, envolvendo um total de oito pescadores locais, foram realizadas pela empresa na foz do rio Abaeté, afluente do Velho Chico, além dos municípios de Pirapora (MG) e Ibiaí (MG). “As áreas foram selecionadas em função de aumentar as possibilidades de capturas e, com isso, se obter um número representativo de peixes marcados. Houve peixes que percorreram 800 km da área de soltura e foram recapturados no oeste do estado da Bahia”, revela. O resultado, de acordo com o gestor da Votorantim, “é que todas as etapas do trabalho – captura, marcação, soltura e recaptura – demonstraram uma ampla dispersão dos peixes, evidenciando que, para a conservação dos peixes migradores do Alto São Francisco, é necessária a manutenção da integridade do sistema como um todo e não somente de áreas específicas. Cabe, portanto, às instituições públicas e privadas e à comunidade assegurar a conservação do rio”, diz ele.

ESPÉCIES MORTAS Desde o início do programa já foram encontrados mortos mais de 3 mil peixes, envolvendo pelo menos 21 espécimes, entre eles o Lambari, Matrinxã, Tucunaré, Pirá, Traíra, Cascudo, Piau, Pacamã, Pacu, Corvina, Surubim, Bagre, Dourado, Pacu-caranha, Mandi-amarelo, Mandi-branco, Curimatã-pacu, Mussum, Pirambeba e Piranha. Para Santos, as mortes podem estar relacionadas a causas naturais. “A verdade é que nunca houve uma mortandade exorbitante de peixes na região. Apareciam, no máximo, três juntos em uma mesma localidade. O que ocorre são mortes isoladas, desde o início do processo. Às vezes, o peixe acaba morrendo de forma natural. Ou porque ingeriu algum resto de alimento deixado no rio pela população. Isso é comum. Peixes morrem todos os dias”, explica. O consultor ainda revela que na época da piracema – período de reprodução dos peixes – é mais frequente o aparecimento de peixes mortos. “Como é proibida a pesca nesse período – que dura até cinco meses – muitos pescadores escondem ilegalmente os peixes em sacos de lixo às margens do rio, com receio de serem presos pela Polícia Ambiental. Quando o rio enche, esse saco se perde pelo leito”, conta. Segundo ele, para evitar a duplicidade de registros, todos os animais encontrados são identificados com uma numeração e iniciais da região onde foi encontrado. “O lado bom é que este projeto está nos proporcionando um banco de informações técnicas muito rico. Isso nos ajuda muito na continuação e busca pelo desvendamento dessas mortes”, comenta. Um dos pescadores mais antigos da região, Norberto Antônio dos Santos diz que o projeto é válido porque municia a população ribeirinha, que depende do sustento dos peixes, com informações técnicas sobre as mortes. “Antes ficávamos sem saber por que os peixes morriam. A gente buscava culpados. Agora, os estudos nos dão segurança para identificar as razões dessas mor-

MARCAÇÕES Nesses três anos de projeto, foram marcados 3.996 exemplares de 18 diferentes espécies, em especial o Piau, Dourado, Matrinxã e Surubim. Até o momento, foram recapturados 126 peixes, de dez espécies diferentes. Todas elas são levadas para análise no Centro de Transposição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), instituição parceira. “Os pescadores capturam os peixes e entram em contato com a Votorantim por meio de um número de telefone impresso na própria identificação dos animais. Vamos até onde ele estiver e compramos a espécie por um valor acima do mercado”, conta um dos consultores do projeto. Ao todo, a Votorantim Metais realizou um investimento de aproximadamente R$ 200 mil nesta primeira iniciativa, que segue em busca dos peixes soltos durante as campanhas. “No início, a divulgação do projeto foi mais intensa, e o número de peixes recapturados foi muito maior. Hoje, esse número não é tão expressivo, mas sempre estão nos ligando”, revela o consultor. “Aonde o peixe for encontrado, eu vou atrás para buscá-lo”, diz.

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DE NÚ N C IA

Preocupação na Lagoa das Piranhas

TEXTO E FOTOS: WILTON MERCÊS

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quilombo de Lagoa das Piranhas, zona rural do município de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, passa por clima de tensão. A comunidade, formada por cerca de 150 famílias, denuncia a poluição da lagoa, onde a população exerce diversas atividades como pesca e lazer, e que também serve para o abastecimento humano. Os moradores reclamam da poluição por parte de banhistas e turistas que, ao visitarem o local, deixam lixo jogado pela área. Contudo, acusam como motivo principal da situação de contaminação a drenagem da água que vem do Perímetro de Irrigação Formoso A/H da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba – Codevasf. Há a suposição de que o dreno da plantação de frutas seja responsável por mau cheiro, alteração na cor e no gosto da água, assim como por ter causado diminuição significativa dos pescados e trazido doenças para a região. Conforme relatos, há dois drenos que vêm dos projetos de irrigação, conhecidos unificadamente como Formoso AH. Os remanescentes de quilombolas acreditam que, além de outros fatores, haja o uso excessivo de agrotóxicos na plantação de frutas (banana em evidência), e com a drenagem, todo o material tóxico é jogado no rio. “O que mais preocupa é que haja outra grande mortandade de peixes como houve

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em 2011 e 2012. Todo mundo sabe que o dreno que vem dos projetos da Codevasf é o principal causador dessa tristeza que vez ou outra ainda leva alguns peixes”, afirma o líder comunitário e pescador Miguel Antônio de Souza. Ele afirma ainda que o quilombo está perdendo cada vez mais a presença de sua população. “Como não há mais peixes suficientes para a sobrevivência, o povo sente-se obrigado a abandonar a lagoa e buscar o sustento para suas famílias em outras localidades margeadas pelo São Francisco”. Situação confirmada pelo pescador Valter Soares dos Santos (59). “Moro aqui desde que nasci e nunca passei por uma situação parecida. Não está mais dando para viver da pesca”. A preocupação dos pescadores é redobrada quando os consumidores se recusam a comprar pescados que venham de Lagoa das Piranhas. “A gente tem dificuldade em vender porque as pessoas percebem o mau cheiro. Os poucos que compram sentem o gosto do peixe também ruim”. O pescador também atribui essas características dos peixes ao dreno. Valter dos Santos afirma ainda que nos períodos de estiagem a situação é agravada. Ele calcula que, antes de 2011, faturava cerca de R$ 500 mensalmente para sustentar seus filhos, mas hoje “se fizer R$ 200, coloca a mão para o céu”.


Pescador Miguel Antônio: população busca sustento em outros lugares

UMA QUESTÃO DE SAÚDE Para a dona de casa Érica Gonçalves de Souza, fazer o café para seus cinco filhos não é mais um momento tão prazeroso. Ela afirma que quando faz a bebida “sobe um cheiro muito ruim”, por conta da situação da água do rio. A comunidade quilombola usa a água da lagoa em suas atividades diárias como lavar, cozinhar, tomar banho e, inclusive, para beber. Ainda não há comprovações, mas os moradores acreditam também que essa rotina está causando incidências de diarreia, vômito, coceira e descamação da pele, principalmente nas crianças. “Depois de um tempo que aquela água passou a cair aqui na lagoa apareceu tanta coisa que não tem como a gente não falar que é por causa disso”, acredita Érica de Souza. Também de acordo com os relatos na comunidade, a Codevasf está em processo de finalização da construção de estação de tratamento de água na Lagoa das Piranhas, mas já leva água em carro-pipa os moradores. “Talvez seja uma tentativa de minimização dos impactos causados pelo projeto de irrigação, mas a gente também se preocupa com o dreno, porque não sabemos a fundo a real gravidade dos produtos usados na irrigação. Não posso confirmar isso, mas se estiver ocorrendo a contaminação com produtos de alto risco futuramente a gente vai ter problemas irreversíveis”, receia o líder comunitário Miguel Souza

Bahia, indexado ao processo 2012-018245 /DEJ /MPBA-0345, concluiu-se que “ainda é prematuro para afirmar que a Codevasf seja responsável pela mortandade dos peixes, porém, com grande possibilidade da causa de tal fato ter sido provocado pela emissão de efluentes do esgoto agrícola oriundo do perímetro Formoso A/H despejado na Lagoa através da drenagem superficial que deságua no Riacho das Cacimbas que, por sua vez, alimenta a Lagoa ou até mesmo por via do lençol freático”.

DENÚNCIA

COM A PALAVRA A CODEVASF

De acordo com informações de Cláudio Pereira, coordenador da Câmara Consultiva Regional do Médio São Francisco, instância do CBHSF, a Codevasf já teve conhecimento da situação e o Ministério Público da Bahia já foi envolvido no caso. “Mas a situação não mudou. Nosso medo é que, no período de estiagem e do verão, o mau cheiro se intensifique, os peixes voltem a morrer e o povo sofra com os diversos problemas de saúde”, teme o coordenador, que reside no quilombo de Lagoa das Piranhas. Pereira confirma que a poluição da água e a mortandade de peixes tem ligação direta com o Formoso A/H. “Antigamente o cenário aqui na região era outro. Se analisarmos outras lagoas próximas à nossa localidade, não vamos ter um cenário tão preocupante e desastroso quanto esse. É preciso impedir que essa situação continue”, cobra o coordenador, que analisa ainda o que pode estar acontecendo em Lagoa das Piranhas. “A água, que é drenada e que cai na lagoa, chega cheia de veneno e resíduos de adubo, o que pode ocasionar, além de outros fatores, o aumento de algas que liberam toxinas e a concorrência de oxigênio com os peixes”, supõe. Entre fevereiro e março de 2013, houve inspeção no Perímetro Irrigado Formoso A/H e na Lagoa das Piranhas. No relatório de fiscalização Ambiental nº 0241/2013-15488, do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da

A Codevasf, que tem representante no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, reconhece que o Ministério Público da Bahia já instaurou vários inquéritos administrativos para apurar os fatos denunciados pelos moradores de Lagoa das Piranhas e afirma já ter respondido a todos. A chefe da Unidade de Meio Ambiente da Codevasf, Isis Alves, informa que, em 2011, a companhia realizou análises de água e sedimentos em pontos de área de afluência do Projeto de Irrigação, incluindo a Lagoa das Piranhas e no dreno questionado pela comunidade. Também foram realizadas análises de peixes existentes na Lagoa. De acordo com a gestora, com base no resultado da análise, não consta contaminação por agrotóxico e metais pesados na água. Ao mesmo tempo evidencia que “as análises demonstraram ainda a presença de cromo, acima do limite estabelecido, em apenas um dos pontos da Lagoa – as análises não acusaram ocorrência deste elemento em pontos do PI Formoso –, o que indica uma poluição pontual, bem como de mercúrio em todos os pontos amostrados (incluindo o São Francisco e o rio Corrente, que não recebem contribuição do dreno do Formoso)”, informou. Conforme relatório de monitoramento da qualidade de águas da Codevasf (2011), a presença de mercúrio na água pode causar danos significativos, inclusive no processo de autodepuração hídrica, a partir da concentração de 18 g/L e pode provocar sintomas como dor de cabeça e vômitos, dentre outros. Em 2012, foram realizadas novas análises em parceria com instituições da região, mas a Codevasf não deixa claro o resultado do último estudo. “Por ter sido realizado mediante contrato com o Serviço Autônomo de Água e Esgoto / SAAE de Bom Jesus da Lapa, os parâmetros analisados foram bastante restritos, logo, este monitoramento não foi tão conclusivo como o de 2011”, confirma Alves. A Codevasf aguarda relatório final de nova solicitação de análise realizado em Lagoa das Piranhas entre 2013 e 2014. A companhia demonstra-se aberta a colaborar no que for possível para diagnosticar as situações que preocupam os quilombolas. Contudo, deixa claro que “no que tange ao monitoramento constante do rio São Francisco e de suas lagoas marginais, tal ação não é competência da Codevasf, e sim dos órgãos ambientais”, ressalva Ísis Alves. Pensando em melhorias para a Lagoa das Piranhas e a população que depende das suas águas, a Companhia afirma estar desenvolvendo algumas ações como a construção de passagem molhada em estrada vicinal que dá acesso à comunidade de Piranhas, no trecho de escoamento das águas de drenagem do Perímetro Irrigado Formoso e o sistema de abastecimento de água. Além disso, a Codevasf diz ter mantido um canal aberto de comunicação com os moradores da localidade.

Os moradores da comunidade utilizam a água da Lagoa das Piranhas para atender suas necessidades diárias

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ART IG O

Índios no Além São Francisco? Uma instigante prospecção inicial MARIA HILDA PARAÍSO *

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tema proposto reúne dois grandes enigmas da historiografia: o Além São Francisco no seu trecho baiano e a presença indígena nessa região. A tradicional historiografia brasileira produzida até recentemente centrou-se na zona do Recôncavo açucareiro e nos sertões de cima. As demais regiões foram ignoradas por pesquisadores nacionais e internacionais. Com o surgimento das universidades nas zonas interioranas, as demais áreas passaram a ser reveladas historicamente, apesar de sua riqueza em diversidades e trajetórias que contribuíram em muito para enriquecer a compreensão das várias Bahias existentes nesse Estado. A mesma questão se apresenta com relação às populações indígenas que habitavam o Além São Francisco. Só após a década de 90 do século passado, a História Indígena passou a ser considerada como um tema relevante e a considerar esses povos como sujeitos históricos e de grande relevância para repensarmos as trajetórias de construção da nossa sociedade. A região compreendida entre os rios São Francisco e Araguaia, segundo os estudos etnolinguísticos de autores como Greg Urban1, é da maior relevância para compreender a realidade histórica indígena. Os falantes de línguas Jê se concentravam na parte oriental e central do Planalto brasileiro que se dispersou, há 5 ou 6 mil anos, a partir de algum ponto entre as nascentes do rio São Francisco e Araguaia. Os falantes de línguas Macro Jê, um ramo do Jê, (Kamakã, Maxakali, Botocudo, Pataxó, Puri, Kariri, Ofeaié, Jeikó, Riknaktsá, Guató, Bororo e Fulniô) ali viviam e se dispersaram há aproximadamente 3 mil anos. Também os chamados Jês Centrais – os Akwên (Xakriabá, Xavante e Xerente) – se deslocaram no espaço compreendido entre os dois rios citados. A dispersão desses vários povos não deve ser entendida como resultado da presença e ação dos conquistadores e colonizadores dessa região. A própria data da dispersão e deslocamentos dos Jês comprova que esse movimento decorreu de decisões dos grupos indígenas em função de suas realidades sociopolíticas e das condições de sobrevivência nesses espaços. As informações sobre esses grupos são bastante restritas no período anterior ao contato com os povos chegados da Europa. Os trabalhos arqueológicos no Brasil ainda são incipientes, inclusive devido à desvalorização da história pré-cabraliana, falta de investimentos – quase sempre se restringem a ações de salvamento quando da realização de grandes obras –, ao tipo de clima predominante – quente e úmido –, à predominância do uso de materiais orgânicos para a confecção dos objetos usados pelos indígenas, aos saques e ao vandalismo. Assim, são os registros feitos pelos europeus que nos dão as primeiras notícias sobre esses povos. Porém, esses dados também devem ser tratados com o devido cuidado. Além do seu caráter etnocêntrico – os índios são sempre descritos como selvagens incapazes de reagir ao domínio dos colonos e preguiçosos –, há grande imprecisão quanto à identificação, nominação e localização dos grupos, e são vagas as informações acerca de sua organização

FOTO: ALEXANDRE PANKARARU

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econômica, social, política e cultural. A conquista do Além São Francisco nos atuais Estados cortados pelo rio teve uma característica comum: devido ao clima pouco favorável à agricultura – a desenvolvida era incipiente e atendia às necessidades da subsistência de seus moradores – e ao zoneamento pela Metrópole das áreas nas quais se deveria criar gado, essa região tornou-se um centro de pecuária e de rotas de deslocamento do gado em busca dos seus mercados no Recôncavo açucareiro e, a partir do início do século XVIII, nas zonas de mineração na Capitania de Minas Gerais, para onde também por esses caminhos eram levados escravos e manufaturados. Também o foi de bandeirantes paulistas e baianos nos seus deslocamentos em busca de pedras e metais preciosos já a partir do século XVI. Os enfrentamentos com os índios eram constantes, acentuando, assim, a tendência aos deslocamentos desses povos em busca de refúgio ante a agressividade dos embates. Essa afirmativa comprova-se na descrição do Padre Aspilcueta Navarro, que acompanhou, em 1553, o bandeirante residente na Capitania dos Ilhéus, Bastião Álvares, e que assim descreve os habitantes daquelas plagas: “unos indios que llaman tapuyas que es un género de indios bestial y fiero, [...] andan por los bosques como manadas de venados, desnudos con cabellos muy largos como de mujeres. Su habla es muy bárbara, y ellos muy carniceros, y traen flechas herboladas, y despedazan um hombre en nada.” Dizia que para andar por ali “juntamos muchos indios de los nuestros, que están de paz [...] y com harto peligro.” 2


Já a partir dos fins do século XVII, a região do São Francisco também foi usada como caminho para o deslocamento de tropas paulistas contratadas pelo Governo Geral, sediado na cidade de Salvador, para combater os vários povos indígenas rebelados ante a expansão da pecuária sobre seus territórios. Esse avanço deveu-se, particularmente, à concessão de sesmarias às famílias Guedes de Brito e Ávila, que colonizaram a região com grandes currais. Essa revolta se acentuou após a expulsão dos holandeses de Pernambuco, quando foram liberados os caminhos em direção ao Piauí, permitindo o aumento dos pastos e dos mercados consumidores para o gado. A resistência indígena durou aproximadamente um século, ainda que com interrupções intermitentes, e ficou conhecida na historiografia brasileira como a Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Kiriris. É relevante chamar a atenção para o fato de os deslocamentos dessas tropas pressuporem paradas para descanso, recomposição das tropas com novos indígenas, incorporados entre os que viviam nas aldeias em torno das quais se estabeleciam os acampamentos, e reposição dos alimentos, implicando em períodos destinados ao plantio e colheita de mandioca e abate de gado e outros animais. Os embates entre índios, denominados Tapuias e Ua Nay (talvez Anaiós), e os “paulistas” foram ferozes, porém a ação dos índios foi insuficiente para fazer frente à tropa e aos projetos de ocupação e colonização das sesmarias concedidas aos homens de Matias Cardoso na região. A escravização dos indígenas compunha o lote de prêmios recebidos pelos conquistadores. O termo Tapuia apenas nos indica serem povos de língua Macro Jê. Documentação posterior aponta para também terem sido atingidos os grupos que hoje conhecemos como Bororo, transferidos para a zona de Goiás, e os Xakriabá, localizados hoje entre os municípios de Manga e São João das Missões, no norte de Minas Gerais, e na Bahia. No trecho baiano, no século XVIII houve um arrefecimento dos conflitos. A razão foi a proibição, com o envio de Carta Régia de 1701, do uso da rota do gado e de comércio para Minas Gerais a partir da Bahia. No entanto, os conflitos persistiram entre os índios e os Guedes de Brito e os Ávila, particularmente, nas ilhas do São Francisco. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (DICAS PARA LEITURA) 1 URBAN, G. A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas In CARNEIRO DA CUNHA, M.Manuela. História dos Índios no Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, Pp. 87–102.

Os tamanhos das sesmarias atribuídas às duas famílias excediam, em muito, o tamanho permitido pelo Regimento que regulava as concessões de terras a particulares. Elas não deviam ultrapassar uma área que pudesse ser explorada pelo próprio beneficiado. A ocupação e expansão das sesmarias dessas duas famílias acompanhavam o deslocamento do gado em busca de pasto, sendo criados currais e pequenas choupanas para os vaqueiros onde paravam. De acordo com o modelo adotado a partir de 1549, a conquista de terras, riquezas e homens deveria ser acompanhada pela conquista das almas dos indígenas. Associava-se dessa forma consorciada a expansão ultramarina pelos Estados europeus e a Igreja Católica. No caso do São Francisco, a conquista das almas foi entregue, inicialmente, a frades capuchinhos franceses, a partir de 1641. Os embates entre índios e colonizadores passaram a incorporar um novo personagem: os missionários. Estes encaminharam inúmeras denúncias contra a ação dos senhores do gado e seus vaqueiros, particularmente por interromperem seus trabalhos e invadirem as ilhas habitadas pelos índios, predominantemente da etnia Kiriri, e desejadas por serem as áreas mais férteis para pasto e plantio e abundantes em caça. As ilhas das missões e que foram sendo, paulatinamente, conquistadas foram as de Pambu, Sorobobel, Acará, Vargem, Aracapá, Cavalo, Iarpuá, Inhamum, Coirpós, Viúva e Pontal. Acuados, muitos indígenas optaram por se dispersar pelas caatingas em busca de refúgio e paz. O resultado desses conflitos foi a expulsão dos capuchinhos e a entrega da missão aos jesuítas, que se mostravam mais dispostos a negociar com os sesmeiros. Registra-se, ainda, a presença de outras ordens religiosas que atuaram na região posteriormente. O fato é que, apesar da presença missionária e de sua atuação mais ou menos ativa, os conflitos entre índios e não índios permanecem, podemos dizer, até os dias atuais. Dispersos pelos arredores de seus antigos aldeamentos, com seu território tradicional reduzido na medida em que ocorria o avanço dos colonizadores ou buscando refúgios nas franjas de ocupação, seus descendentes sentiram o peso da ação do Estado, particularmente após a Independência. A legislação que se seguiu reduziu suas possibilidades de manterem seus direitos. Destacaremos aqui apenas duas decisões fundamentais para a compreensão dessa assertiva. No fim do século XIX, duas leis – a de Terras, de 1850, e a que decretava a extinção dos aldeamentos e a venda em hasta pública das terras que compunham os patrimônios indígenas – são responsáveis pela desterritorialização desses povos. Para sobreviver e ter acesso ao mercado de tra-

balho, os indígenas foram obrigados a ocultar sua identidade e se ajustarem ao “modo de ser brasileiro”. Esse argumento foi usado, a partir de então, para fortalecer o avanço dos não índios sobre suas terras e o não reconhecimento de sua identidade diferenciada e seus direitos. A mesma atitude foi adotada pela República, mesmo após a fundação do Serviço de Proteção ao Índio, em 1910, que voltou sua atenção e investimentos para os índios recém-contatados, ainda vistos como obstáculos à expansão da fronteira agrícola. A história dessas populações indígenas do Nordeste calca-se em atitudes de resistência e aceitação de algumas determinações de incorporação como uma estratégia de sobrevivência. Esse processo histórico implicou, necessariamente, na convivência e na troca de conhecimentos e de parceiros sexuais entre eles e não índios, resultando em populações mestiças, porém com particularidades econômicas, sociais, políticas e culturais que as distinguem de outros segmentos demográficos com os quais compartilham espaços físicos e sociais. A partir da década de 70 do século passado, esses grupos passaram a estabelecer uma rede de relações intensas de trocas e alianças com outros povos indígenas que apresentavam as mesmas caraterísticas e haviam sofrido processos históricos semelhantes de desrespeito a seus direitos e negação de suas identidades. O resultado foi o fortalecimento das posturas de afirmação de suas especificidades e reivindicação de demarcação de parcela de seus antigos territórios, além da garantia de seus direitos à assistência pelo Estado. Portanto, a nova territorialização, construída em torno de parcelas de seus antigos territórios, é um dos elementos fundantes dessa postura de afirmação de suas identidades e da organização política de luta, articulada por ações conjuntas entre várias etnias pelo seu reconhecimento como grupos com identidades próprias. Essas alianças são claras entre os Truká, Atikum, Tuxá, Tumbalalá, Kariri-Xocó, Xakriabá, Xocó, Xukuru Kariri, Kimbiuá, Fulniô, Kaxagó, Aconã e Pankaru, todos eles com seus destinos vinculados à história de conquista do rio São Francisco. Da mesma forma, a predominância de casamentos entre membros de uma mesma etnia tem garantido a reprodução social e cultural dessas comunidades e reforçado seus sentimentos de pertença étnica. Neste momento, com o avanço do agronegócio e de intervenções na calha do rio, mais uma vez essas populações enfrentam sérias disputas com os novos colonos e empreendedores do Além São Francisco. Boa parte das terras reivindicadas não está demarcada e a pressão política para que seja regularizada a questão fundiária ainda se mostra como uma luta incessante e cotidiana desses povos.

2 Carta del Padre Juan de Azpilcueta; Porto Seguro, 24 de junho de 1555. In: ÁLVARES, Francisco. Historia de las cosas de Etiopia. Saragossa: Agostin Millán, 1561, fols.7980. Apud Carrara, Ângelo Alves, Antes das Minas Gerais: conquista e ocupação dos sertões mineiros. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752007000200019. Acessado em 27/04/2014.

(*) MARIA HILDA BAQUEIRO PARAISO, MESTRE EM CIÊNCIAS SOCIAIS PELA UFBA, DOUTORA EM HISTÓRIA SOCIAL PELA USP, ESPECIALISTA EM HISTÓRIA INDÍGENA E DO INDIGENISMO. PROFESSORA DO DEPARTAMENTO E DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, DA UFBA.

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VIAG E M

Uma bela e triste sinfonia pelas águas do

velho chico NAVEGANDO NO HISTÓRICO NAVIO A VAPOR BENJAMIM GUIMARÃES, A BELA PAISAGEM VEM ACOMPANHADA DE TRISTEZA PELO CENÁRIO DE SECA QUE ASSOLA O SÃO FRANCISCO NA REGIÃO CENTRAL DE MINAS GERAIS TEXTO: RICARDO COELHO FOTOS: MARIELA GUIMARÃES

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comunicado já indicava o que era possível ser visto a olho nu. “O nível das águas do rio São Francisco está muito baixo. Por está razão, teremos que reduzir o nosso passeio para apenas uma hora e meia de percurso”, anuncia aos passageiros, com o semblante entristecido, Manoel Mariano, comandante-chefe do lendário barco a vapor Benjamim Guimarães, propriedade da cidade mineira de Pirapora, localizada a 347 km de Belo Horizonte (MG). “É difícil dizer isso, mas infelizmente o Velho Chico está morrendo. No entanto, desejo a todos uma excelente jornada pelas águas desse amado rio”, diz, antes do início da navegação. Neste momento, alguns viajantes se levantam para registar uma foto com o comandante. As três horas previstas de viagem não aconteceriam, devido aos inúmeros bancos de areia que o rio apresenta em seu curso, fazendo com que a Capitania dos Portos da Marinha não autorizasse o itinerário completo. “É motivo de segurança. O Benjamim pode encalhar e algum problema maior acontecer. Em seis anos de comando e mais de 60

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de náutica, nunca vi uma situação como essa. Semana passada o passeio foi reduzido em 30 minutos. Não sabemos o dia de amanhã. Se iremos ou não continuar com este passeio turístico”, comenta o comandante Mariano, que credita o leito raso em alguns trechos do rio aos problemas recentes de redução da vazão na Usina Hidrelétrica de Três Marias, também em Minas Gerais. “O abastecimento de Pirapora é completamente prejudicado com esta medida”, revela. Apesar dos cochichos dos passageiros serem um só – a falta de água no rio – nada impede o centenário Benjamim Guimarães, com seus 101 anos de idade, de navegar todos os domingos, saindo a partir das 10h do cais da cidade. O clima é de final semana em família. Pais e filhos; amigos; casais; idosos... Todos querem conhecer um pouco da história desse que se tornou o único barco em atividade no mundo movido a vapor de lenha, e que foi tombado em 1985 como Patrimônio Histórico e Cultural do Brasil. “É o maior legado que Pirapora possui. É a essência do rio São Francisco. Turistas do mundo inteiro vêm conhecê-lo”, orgulha-se o diretor-presidente da Empresa Municipal de Turismo de Pirapora (Emutur), Anselmo Luiz Rocha, responsável pela embarcação. O som intenso das chaminés convoca os passageiros e indica que o Benjamim está pronto para iniciar viagem. Antes disso, toda a arrumação é feita pelos 12 tripulantes da embarcação – que envolve chefe de máquina, marinheiros, músico, enfermeira, garçons, entre outros. No dia anterior ao passeio, eles avaliam tecnicamente a situação do rio e do navio para ver se é possível ou não navegar. Quinze minutos depois vem a segunda chamada. Turistas se aproximam para tirar fotos de dentro

e de fora do Guimarães. “Achamos tão bonito, que resolvemos comprar o ticket de última hora”, justifica o empresário da cidade de Francisco Dumont (MG), Valdeci Pereira Costa, que, juntamente com a esposa, realiza a viagem pela primeira vez. Soa o terceiro apito. Nesse momento, o Benjamim Guimarães já se encontra em águas são-franciscanas. O ambiente é animado pelo som mecânico comandado pelo cancioneiro fluvial: sucessos de Geraldo Azevedo, Alcymar Monteiro e Luiz Gonzaga lideram o repertório. Bebidas e comidas regionais completam a atmosfera do passeio. O roteiro completo da viagem é de 18 km, saindo do cais de Pirapora até a localidade de Paneladas. “Queremos que os visitantes conheçam a história e a importância do Benjamim para o rio São Francisco”, conta o comandante, ao relembrar as incontáveis vezes que realizou a travessia entre Pirapora (MG), Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), dentro do vapor. “É um tempo que não volta... A situação do rio não é mais favorável”, lamenta. Construído em 1913 nos Estados Unidos, o vapor iniciou sua trajetória pelo antológico rio Mississipi. No Brasil, conheceu as águas do Amazonas antes de ser comprado, na década de 1920, por uma firma de Pirapora. No auge da navegação no Velho Chico, em meados dos anos 1950, 1960 e 1970, o Benjamim Guimarães realizou constantes viagens entre os estados de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, transportando cargas e passageiros. Nos dias atuais, o local mais distante a que chega é a cidade de São Francisco, na direção da Serra da Canastra, também em território mineiro. “Mas essas viagens mais longas, que duram até uma semana, estão suspensas pela Emutur por conta da degradação do rio”, explica Mariano.


Com seus 44 metros de comprimento, oito de largura, oito de altura, além de três conveses, o navio proporciona uma vista privilegiada do São Francisco e cidades ribeirinhas. Mas nem todos os passeios saem lotados. Há dias em que somente 25 pessoas se interessam pela navegação, apesar dos 204 lugares oferecidos pela embarcação, que possui ainda 12 cabines com beliches, dois refeitórios e oito banheiros. “É interessante ver como está bem conservado. Toda

essa grandeza é movida apenas a lenha. Isso é algo único”, enaltece a dona de casa Edy Machado Magalhães Bueno, natural de Pirapora. Aproximadamente, quatro metros cúbicos de madeira são gastos para tocar as três horas de percurso. Combustível fornecido gratuitamente por madeireiras da região. Toca o quarto e último sinal. É hora do velho Benjamim retornar a seu ponto de origem. Os passageiros ainda mantêm a empolgação. “Po-

demos ficar depois do barco atracar?”, pergunta um dos mais animados. “Infelizmente não é permitido pela Marinha”, responde, delicadamente, um dos tripulantes. Sem completar uma hora e meia como prometido inicialmente pelo comandante, o Benjamim ancora no porto. O slogan do barco, espalhado em diversos pontos da cidade, diz: “O passado navegando no presente rumo ao futuro”. Resta saber qual futuro está escrito para o querido Benjamim Guimarães.

SINFONIA PARA O VELHO CHICO Duas vezes por mês a Banda Jovem da Sociedade São Vicente de Paula de Pirapora se apresenta a bordo do Benjamim Guimarães, em um projeto de iniciativa da prefeitura intitulado “Sinfonia do Velho Chico”. Cerca de 70 músicos realizam o espetáculo, que reúne clássicos internacionais, música popular brasileira e tradicionais cantos de ópera. A regência fica por conta do maestro Alex Domingues. “Já virou programação do calendário cultural de Pirapora e do Estado de Minas Gerais. O turista chega à cidade para ver a apresentação, que ocorre todos os sábados. E, no domingo, ele faz o passeio turístico no navio a vapor”, conta o diretor da Emutur. Apresentações em 2014: 07 e 21 de junho; 16 e 26 de julho; 09 e 23 de agosto; 06 e 20 de setembro; 04 e 18 de outubro; 27 de dezembro (Especial de Natal). Informações: www.emutur.com.br ou pelo telefone (38) 3741-2717.

SERVIÇO Como chegar: De Belo Horizonte (MG), pegue a BR-040 sentido Sete Lagoas (MG). Na rodovia, vá até a BR-135, passe pela MG-220 e a BR- 496. Finalmente, siga até pegar a BR-365. Pirapora possui aeroporto, mas não há voos comerciais para a cidade. Quem quiser ir de avião, precisa pousar em Montes Claros (MG), a 160 km de Pirapora.

Distâncias: Belo Horizonte 347 km São Paulo 911 km Rio de Janeiro 770 km Brasília 473 km

Viagem no Benjamim Guimarães Valor: R$ 40 (Inteira); gratuito para crianças de 0 a 6 anos; meia passagem para crianças de 7 a 11 anos, estudantes e idosos acima de 65 anos. Horário: 10h (aos domingos) Informações: www.emutur.com.br ou pelo telefone (38) 3741-2366.

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MU N D O DO RIOS

Sena UM RIO QUE É ATRAÇÃO TURÍSTICA TEXTO: ANDRÉ SANTANA* | FOTO: DEPOSITPHOTOS.COM

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uem passeia de barco pelo Sena, principal rio da capital francesa, ou caminha pelas suas margens no centro do primeiro destino turístico mundial, não imagina que o rio foi quase declarado morto há quase 50 anos, após séculos de degradação. Paris, a bela e romântica “Cidade Luz”, já viveu momentos de precários serviços de saneamento. No início do século XVIII, tudo era despejado nas ruas da cidade e corria para o rio. Dejetos domésticos se uniam aos resíduos da emergente indústria e contribuíam para a poluição do Sena. Neste período mais de um milhão de pessoas morreram de doenças de veiculação hídrica (verminoses, gastroenterites, cólera, etc.). O rio Sena flui no distrito da Normandia do Sul até desaguar no oceano Atlântico, no chamado Canal da Mancha. No trajeto, recebe muitos tributários, principalmente na região do baixo Sena. São eles: Oise, Marne, Yonne, Andelle, entre outros. A bacia representa 1/5 do terri-

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tório francês, atingindo 100 mil km² e 700 km de linha costeira. São mais de oito mil cidades e cerca de 70 mil km de cursos d’água na bacia. É o segundo maior rio da Europa, logo após o Reno (Itália). A população na bacia atinge 7,6 milhões de habitantes, sendo 80% concentrada em Paris. Além disso, 30% da indústria nacional está concentrada na bacia, representando quase cinco mil indústrias ou fábricas dos mais diversos segmentos, desde refino de petróleo a moinho de cana. A revitalização precisou ser desenvolvida em toda a bacia para alcançar a melhoria da qualidade da água no Sena e levou em consideração um dado relevante: 60% da terra é dedicada à agricultura. O programa de revitalização começou na década de 1960 com a criação dos comitês nos seis territórios de drenagem que formam a bacia do rio Sena. A Agência das Águas foi criada em 1964, junto com as primeiras leis, para implementar as decisões dos comitês. Integrado


pelos diversos setores interessados na revitalização do rio (governo, moradores, indústrias, fazendeiros, ativistas, etc.), os comitês têm a missão de desenvolver a gestão em cada território, confrontando e aprimorando as políticas nacionais. Funcionam como parlamentos, onde se discute e se decide as políticas para o rio. A função do governo é assegurar a execução das regulamentações e das licenças. Já a função da agência é recolher os impostos e as taxas referentes ao pagamento pelo uso da água e devolver todo o dinheiro aos consumidores, por meio de apoios financeiros. O principal fundamento do programa de revitalização do rio Sena é o tratamento de esgoto. Nos anos de 1950, havia somente onze estações de tratamento na bacia e, em 2008, eram quase dois mil em funcionamento. Isto quer dizer que cada cidade com cerca de 10 mil habitantes dispõe de tratamento de esgoto. Foi necessário um considerável investimento financeiro no programa de revitalização, que foi dividido em duas etapas. O primeiro programa custou quase 2,1 bilhões de euros, e durou de 1997 até 2007. A segundo etapa, desde 2008, tem orçamento previsto de 1,5 bilhão de euros a ser gasto em seis anos. Apesar de ainda não apresentar uma rica diversidade de peixes, a leitura dos registros de quantidades do pescado desde 1989 indica um aumento nos últimos oito anos, ao mesmo tempo em que a balneabilidade ilustra o resultado da revitalização nos rios e nas cidades. A qualidade da água na região costeira está boa e as atividades de recreação nos rios e nos lagos são crescentes, assim como atividades com barco a remo, canoa e navegação à vela. Todas essas possibilidades de uso das águas do Sena apontam para uma evolução na convivência com o meio ambiente e têm contribuído fortemente para o turismo na França, especialmente em Paris, principal destino turístico mundial. Além dos franceses, que adoram organizar programações que envolvam o contato com o rio, os visitantes fazem questão de desfrutar da beleza das suas águas, seja admirando sua paisagem do alto dos mais de 300 metros da Torre Eiffel, ou percorrendo seu trajeto, em agradáveis passeios de barcos, quando se pode confirmar a razão do histórico fascínio que a França exerce no mundo. O rio Sena, agora revitalizado, é parte dessa admiração. Com informações extraídas do livro “Revitalização de rios do mundo: América, Europa e Ásia”, editado pelo Instituto Guaicuy, Belo Horizonte, em 2010

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FOTO: DIVULGAÇÃO/TV GLOBO

SECOS & MOLHADOS O documentário Secos & Molhados, realizado em 2000, com patrocínio do Ministério da Cultura, relata uma viagem pelo Rio São Francisco no último barco-mercado, o Piraminas, importante polo de comércio da população ribeirinha. O curta, que vez por outra entra na programação das tevês brasileiras, retrata o declínio dessa atividade econômica, de um modo de vida e de um rio cheio de histórias. O filme tem a direção de Armando Mendz e acompanha a viagem de um barco mercante em uma região rural que margeia o rio São Francisco. Através da embarcação e das relações ali estabelecidas, mostram-se hábitos, crenças e parte da cultura da população ribeirinha. O diretor do documentário afirma que vinha cultivando o projeto três anos antes de concretizá-lo. “Eu já conhecia a região e senti que valia a pena fazer um trabalho legal sobre essa relação do baco com a população ribeirinha”, afirmou Mendz. O Piraminas, barco-mercado que serve de referência para a produção, servia como uma espécie de delivery flutuante, que oferecia farinha, feijão, pilha, papel higiênico, cachaça, entre outros produtos, cumprindo, assim, a nobre missão de abastecer a população ribeirinha. O barco trafegou durante cerca de dez anos, até o ano de 2000. O vídeo mostra, também, a relação daqueles que convivem diariamente com a companhia do rio São Francisco. Em 2001, o documentário recebeu duas premiações. Foi escolhido o melhor vídeo pelo júri popular na 4ª Mostra de Cinema de Tiradentes; e também premiado no 6º Festival Internacional de Documentários - É Tudo Verdade, Mostra O Estado das Coisas. Informações: http://www.camisalistrada.com.br/ br/producao/secos-molhados/

FOTO: DIVULGAÇÃO

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CINEMA

FOTO: DIVULGAÇÃO AGÊNCIA ALAGOAS

TELEVISÃO

VELHO CHICO NA TELA Os municípios alagoanos de Piranhas, Piaçabuçu e Penedo servirão de cenário para a produção do filme-documentário Cinco vezes Chico – o velho e sua gente. O objetivo será mostrar como o Velho Chico influencia a vida de milhares de brasileiros ao longo dos cinco estados que banha. Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Sergipe também serão retratados na produção, mas as tratativas para o início das gravações começaram por Alagoas, de acordo com informações da Secretaria Estadual de Turismo (Setur). A produtora 3 Tabelas, responsável pelas gravações, justifica a temática abordada: “O Rio São Francisco, que banha cinco estados brasileiros, propicia e define a vida de cerca de 13 milhões de pessoas e tem importância econômica, social e, sobretudo, cultural para o país merece não apenas um, mas vários olhares dedicados a ele. “Cinco Vezes Chico nasce do desejo de preservar a memória sobre este importante rio e sua gente através de diferentes, e por que não dizer, complementares, olhares sobre este verdadeiro fato cultural que é o Velho Chico. Para a realização do filme-documentário, foram convidados cinco cineastas. Cada um deles deverá percorrer o rio em busca de um olhar próprio. Assim, o material terá como foco as pessoas que tem suas vidas marcadas pelo São Francisco, a influência do rio nos costumes, crenças, comidas, sotaques, nas faces, cantigas, lendas e no ritmo das embarcações.

ARQUEOLOGIA GRAFITES DA ANTIGUIDADE Em Oliveira dos Brejinhos, município que integra a Bacia Hidrográfica do Médio São Francisco, a 610 km de Salvador, chamam a atenção as pinturas rupestres, descobertas em cerca de 34 sítios arqueológicos, que despertam a curiosidade de moradores e visitantes. “São figuras humanas e de animais que datam de 2 a 8 mil anos e são verdadeiras escritas, como a escrita do homem do Egito. Isso aqui é o grafite do homem da antiguidade”, compara Carlon Dourado, fotógrafo e pesquisador de Pedra Furada, na região de Oliveira dos Brejinhos. Apesar de serem reconhecidas como patrimônio arqueológico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ainda não foi possível determinar o significado das pinturas. Estudos sobre esse sítios foram desenvolvidos pelo projeto “Desenhadores Rupestres da Chapada: Sítios Arqueológicos de Oliveira dos Brejinhos”, uma parceria entre o Núcleo de Desenho e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e a ONG Grupo Jatobá. Descobertas como essa contribuem para os estudos sobre a migração de povos pré-históricos no continente Sul Americano, e a ampliação dos registros sobre o patrimônio pré-colonial brasileiro. Informações: www.bahiadetodososcantos.com.br


FOTOGRAFIA O RIO COMO PERSONAGEM Autor de contos, romances e poesia, o baiano de Ibotirama Carlos Barbosa é um dos mais premiados escritores da literatura baiana. Entre suas obras: Água de cacimba, livro de poemas, de 1998; o romance “A Dama do Velho Chico”, de 2002; Matalotagem e outros poemas da viagem, de 2006; “A segunda Sombra (contos)”, de 2010, “Beira de Rio Correnteza: ventura e danação de um salta-muros no tempo da ditadura”, de 2010. Muitos deles apresentam as lendas e mitos em torno do rio São Francisco, personagem principal da literatura de Carlos Barbosa. Em 2009, o romance A dama do Velho Chico foi selecionado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para o PNBE (Programa Nacional Biblioteca Escola). Tendo como cenário as margens do São Francisco, o livro trata de paixão e incesto, ao narrar a história de Daura uma jovem de 15 anos, que desperta o interesse de três homens: o próprio irmão Missinho, o tio Vilino e um vaqueiro chamado Agenor. Já Beira de rio, correnteza foi o vencedor do Prêmio Hera de Publicação, da Fundação Pedro Calmon/ Secult-BA, em 2011. No livro, o autor trata com lirismo o rio e sua correnteza, ao mesmo tempo, recupera ficcionalmente um fato importante e trágico da nossa história recente, com a liberdade que o romance permite, além de narrar uma história de amor. Mais informações sobre a literatura de Carlos Barbosa no Blog do autor: http://beiraderiocorrenteza.blogspot.com.br/

FOTO: DIVULGAÇÃO

A cidade de São Paulo recebeu no último mês de abril a exposição Velho Chico: Olhares sobre o Rio, Idealizada pelo fotógrafo e professor de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Lineu Kohatsu. A mostra apresentou as várias facetas do RRo São Francisco, com foco nas transformações ocorridas na bacia ao longo de 20 anos, que vão além da polêmica transposição e, sobretudo, de discussões sobre os projetos de desenvolvimento e a preservação ambiental. Ao todo, 58 imagens produzidas por 19 fotógrafos entre os anos de 1983 e 2013 mostram a diversidade existente ao longo dos 2.800 quilômetros de extensão do conhecido rio da integração nacional, a exemplo das comunidades quilombolas, irrigação na agricultura e os ribeirinhos, fazendo um paralelo entre os aspectos naturais, culturais, históricos e econômicos da bacia. A exposição apresenta fotografias de Adriano Gambarini, Alberto Viana, Alexandro Auler, Alf Riberio, Eduardo Lima, Flávio Bacelar, Humberto Pimentel, Ilana Lansky, João Machado, João Roberto Ripper, Odair Oliveira, Olício Pelosi, Rogério Reis, Thaís Falcão, Ubirajara Machado e de Zig Koch, além de Juca Martins, Marcia Minillo e de Lineu Kohatsu.

MEMÓRIA

MUSEU HUMAITÁ A rua Humaitá, na cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, às margens do rio Grande, importante afluente do São Francisco, guarda relíquias sobre a história barreirense. Resultado de um projeto do psicólogo e empresário Naldomar Campos, que buscava um local para guardar pertences familiares, o acervo contém livros, revistas, jornais e fotografias sobre o passado e presente da cidade. Popularmente, ficou conhecido como Museu Humaitá. De acordo com Campos, a iniciativa nasceu despretensiosa, mas agregando várias pessoas, que colaboram com doações e com a limpeza e preservação do espaço. É o caso do casal de pescadores Fernanda Cristina Henn de Oliveira e Tonys Mario de Oliveira, que residem ao lado do museu e ajudam Campos cuidando do espaço. “Esse espaço é culturalmente muito rico e nos faz aprender muito sobre a cidade. Sempre que encontramos algum objeto no rio e / ou na rua e que a gente percebe que tem a ver com a história da cidade nos lembramos logo daqui”, observa Fernanda Oliveira. Naldomar Campos revela que o museu serve como ambiente de pesquisa para estudantes, contando com a colaboração da historiadora e professora Ignes Pitta,. Segundo ela, os alunos ficam encantados com a história de Barreiras e com os materiais antigos exibidos pelo “ museu”.

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FOTO: WILTON MERCÊS

LITERATURA

IMAGENS QUE FALAM


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Mandacaru TEXTO: GEORGE OLAVO | ILUSTRAÇÃO: CHANDLER VAZ

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mandacaru (Cereus jamacaru), espécie de planta da família das cactáceas, endêmica do Brasil, típica dos biomas da caatinga e do cerrado, é símbolo de resistência e esperança no semiárido brasileiro. O nome mandacaru é indígena, vem do tupi: “Árvore ou fruta de espinheiro que se come”. Conhecido no Nordeste também pelos nomes vernáculos de mandacaru-de-boi, mandacaru-facheiro, mandacaru-de-faixo, cardeiro, jamacaru, jamaracuru, jumucuru, jumarucu, cumbeba, urumbeba. É um cacto arbóreo de grande porte, que pode atingir até 5 ou 6 metros de altura. Totem espinhento, sagrado na solidão árida das caatingas, resiste às secas, mesmo às estiagens mais longas, como um oásis em si mesmo, devido à sua grande capacidade de captação e retenção de água. Mata a sede de muitos e é usado na alimentação do gado, quando seus espinhos são queimados ou cortados para uma ingestão facilitada. Existe uma variedade de mandacaru sem espinhos, usada na pecuária. Flores, caule e polpa dos frutos são utilizados como alimento humano e para fins medicinais. São ricos em ácidos nucléicos, lipídios, proteínas e resinas, com propriedades diuréticas e cardiotônicas. As flores e a polpa dos frutos podem ser consumidas in natura ou desidratadas. As flores também contêm aromatizantes que começam a ser aproveitados pela indústria de cosméticos. O mandacaru é importante para a restauração de solos degradados, serve como cerca natural e possui grande potencial como planta ornamental. A sua beleza agreste se destaca em grandes flores brancas, muito bonitas, que medem aproximadamente 30 cm de comprimento. Os botões aparecem na primavera e cada flor dura apenas uma noite, se abre após o pôr do sol e na alvorada já começam a murchar. Essa flor tão efêmera, quando desabrocha (“fulora”) na sequidão do semiárido, anuncia água e vida renovada aos que agonizam na estiagem: “...é o sinal que a chuva chega no sertão...”. O mandacaru frutifica no verão, de janeiro a março. O fruto tem casca cor violeta forte, com polpa branca, saborosa e refrescante, cheia de sementes pretas pequeninas, servindo de alimento para diversas aves da caatinga. As sementes são espalhadas pelas aves e pelo vento, ajudando na dispersão da espécie. Apesar de sua resistência a condições climáticas extremas, o desmatamento e a degradação de habitats constituem ameaça crescente à sobrevivência da planta no semiárido brasileiro.

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