Jornal CBHSF nº 43

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Foto: André Moreira

JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO JUNHO 2016 | Nº 43

CARRANCAS EM DEFESA DO RIO

O CBHSF realizou com sucesso mais uma Plenária Ordinária, que discutiu problemas da bacia e deu início à campanha em defesa do Velho Chico. Página 4 e 5

Pesquisadores realizam simpósio sobre o Velho Chico Página 6 Cláudio Pereira analisa encontro de quilombolas Página 8


2 Foto: André Moreira

EDITORIAL SALDO POSITIVO

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XXIX Plenária Ordinária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, realizada em Aracaju (SE), foi concluída com saldo positivo. Durante dois dias (19 e 20 de maio), o encontro colocou em debate temas importantes para a bacia, a exemplo do sistema de vazões reduzidas e seus impactos, além de marcar o lançamento da terceira edição da campanha “Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico”, instituída pelo colegiado para alertar a todos sobre os problemas ambientais que ameaçam o “rio da integração nacional”. A Plenária e a campanha são alguns dos assuntos principais abordados nesta edição do Notícias do São Francisco, que também reserva espaço para o Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. O encontro, marcado para o período de 5 a 10 de junho nas cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), deverá reunir acadêmicos das principais universidades da bacia para um amplo debate sobre os caminhos da pesquisa científica no universo são franciscano. Finalmente, o jornal coloca em pauta os resultados do Seminário Quilombola, que aconteceu na cidade ribeirinha de Penedo, em Alagoas, congregando representantes das diversas comunidades quilombolas existentes na bacia. O tema é abordado em entrevista do coordenador da Câmara Consultiva do Médio São Francisco e principal articulador do encontro, Cláudio Pereira.

Técnicos da ANA apresentaram estudos que atestam a falta de controle sobre o aquífero

ANA MANIFESTA PREOCUPAÇÃO COM O AQUÍFERO URUCUIA

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contribuição do Urucuia para a bacia do rio São Francisco foi um dos temas de debates durante a XXIX Plenária Ordinária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), realizada em Aracaju (SE) no mês de maio. Técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA) apresentaram estudos realizados sobre o aquífero e deixaram clara a preocupação da agência reguladora com a falta de controle sobre esse que é considerado um grande fornecedor de água para o Velho Chico. Fernando Roberto de Oliveira e Leonardo Almeida, técnicos da ANA, relataram que a atual gestão do órgão federal quer saber quantos poços existem perfurados no Urucuia e, principalmente, quanto se retira de água do aquífero. De acordo com Oliveira, a gestão integrada dos recursos hídricos tem sido a preocupação da ANA. “É preciso uma gestão sistêmica dos recursos hídricos com vistas ao desenvolvimento sustentável”, considerou. A avaliação é de que exis-

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF imprensa@cbhsaofrancisco.org.br www.cbhsaofrancisco.org.br

tem, pelo menos, três mil poços perfurados no oeste da Bahia, onde fica localizado o aquífero. A apresentação atraiu grande atenção dos participantes da Plenária, especialmente por se tratar do Urucuia, o segundo maior aquífero do País, com grande potencial de doação de água para o Velho Chico. Membro do CBHSF, Luiz Alberto Rodrigues Dourado considerou que o Urucuia apresenta alto comprometimento devido ao que classificou como “farra” de outorgas concedidas pelo órgão ambiental baiano. “O aquífero é importante porque dá suporte estratégico para alimentar a calha principal do São Francisco, especialmente em períodos de grave e grande escassez”, considerou. Os técnicos da ANA também fizeram uma abordagem sobre o Sistema Aquífero Cárstico Bambuí, em Minas Gerais. Disseram que, neste caso, a situação é ainda mais crítica, pois estão cadastrados cerca de 21 mil poços, mas a exploração real é considerada muito maior. Coordenação geral: Malu Follador Projeto gráfico e diagramação: Yayá Comunicação Integrada Edição: Antônio Moreno Textos: Ricardo Follador, André Santana, Delane Barros, Antônio Moreno e Wilton Mercês Revisão: Rita Canário Este jornal é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 — Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010— Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos Reservados. Permitido o uso das informações, desde que citada a fonte.


3 Foto: Divulgação

NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO

CARRANCASCONTINUAMSUA LUTA EMDEFESA DORIO A CAMPANHA EU VIRO CARRANCA PARA DEFENDER O VELHO CHICO, QUE MARCA O DIA NACIONAL EM DEFESA DO RIO SÃO FRANCISCO (3 DE JUNHO), VOLTA A CHAMAR A ATENÇÃO DE TODOS – MORADORES, ATIVISTAS, GESTORES PÚBLICOS, AUTORIDADES POLÍTICAS, ARTISTAS E EDUCADORES – PARA OS GRAVES PROBLEMAS AMBIENTAIS ENFRENTADOS PELO “RIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL”. DESTA VEZ, A GRANDE ÊNFASE DA CAMPANHA ESTÁ NA COMUNICAÇÃO, COM DESTAQUE PARA AS MÍDIAS DIGITAIS.

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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) convoca toda a sociedade, pela terceira vez consecutiva, a mostrar sua indignação em relação à situação do rio São Francisco e sua bacia. A campanha Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico, que marca o Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco (3 de junho), chama a atenção de todos – moradores, ativistas, gestores públicos, autoridades políticas, artistas e educadores – para os graves problemas ambientais enfrentados pelo “rio da integração nacional”. O objetivo é contribuir para que o Velho Chico continue alimentando a vida e a esperança dos 15,5 milhões de brasileiros que dependem direta ou indiretamente de suas águas.

Tendo a carranca como ícone, a campanha prevê barqueata no trecho do rio que passa entre as cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) e uma expressiva atuação em comunicação, tanto em mídias sociais digitais como nos meios tradicionais. Um dos diferenciais da campanha está na interação entre a carranca e intervenções artísticas de diversas naturezas. Vídeos exibem obras de artistas plásticos, artesãos, grafiteiros, performancers e tatuadores, todas inspiradas na força do Velho Chico e na atuação de ativistas que lutam pela causa do rio. “A ideia é tornar a carranca, que já é um símbolo de resistência do povo ribeirinho, também um ícone pop, inspirador das artes tradicionais e contemporâneas”, explica Jorge Martins,

A campanha deste ano enfatiza as mídias digitais, tendo a carranca como base

diretor de criação da Yayá Comunicação Integrada, responsável pela criação da campanha Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico.

OPORTUNIDADE Para Malu Follador, coordenadora do Programa de Comunicação do CBHSF, a campanha é uma oportunidade de revelar como o rio impacta a vida das pessoas, mesmo a de quem está nas áreas mais urbanas do País. “Com a interação entre artistas contemporâneos e ativistas que militam em defesa do São Francisco, esperamos que isso se converta em produções artísticas de muita sensibilidade e forte carga de reinvindicação em prol do rio”, afirma. O resultado dos encontros pode ser acompanhado em fotos, vídeos e cards publicados nos veículos digitais da campanha. O maior investimento da campanha deste ano será nas mídias sociais digitais, por meio de vídeos e cards compartilhados nas redes sociais, que têm um papel fundamental por seu caráter democrático, aglutinador e de engajamento social e político. Ferramentas como Facebook, Instagram, Youtube e o portal

institucional do Comitê do São Francisco trazem atualização dinâmica, com um rico material informativo que possibilita a aquisição de conhecimentos sobre a bacia do São Francisco e o envolvimento de todos em sua defesa. Essas novas mídias sociais reforçam o impacto que as mídias tradicionais já causam na sociedade. Para o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, a campanha em defesa do Velho Chico é uma responsabilidade do colegiado, distribuída por toda a sociedade. “Além de, ao longo do ano, contribuir efetivamente para a revitalização do rio com as intervenções ambientais nas diversas cidades da bacia e de provocar discussões fundamentais nas diferentes esferas de poder e decisão, o Comitê quer provocar toda a sociedade para a defesa desse bem comum. O resultado, nos últimos dois anos, tem sido muito positivo, com um engajamento acima das expectativas. Esperamos que este ano não seja diferente, pois ‘virar carranca’ para defender o rio toca na identidade do povo são-franciscano”, destaca Miranda. Acompanhe toda a campanha no site virecarranca.com.br


Fotos: André Moreira

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Anivaldo Miranda: preocupação com a qualidade da água do Velho Chico

PLENÁRIA DISCUTE PROBLEMAS QUE AFETAM O VELHO CHICO MEMBROS DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO PARTICIPARAM NOS DIAS 19 E 20 DE MAIO, EM ARACAJU (SE), DA XXIX PLENÁRIA ORDINÁRIA DA ENTIDADE. ENTRE OS TEMAS PRINCIPAIS, DISCUTIU-SE A CONSTANTE REDUÇÃO DE VAZÃO DO RIO, A SITUAÇÃO DOS AQUÍFEROS DA BACIA E A ATUAÇÃO DO CBHSF NO GRUPO DE TRABALHO DO SÃO FRANCISCO, CRIADO POR PORTARIA DA ANA, EM ATENDIMENTO A UMA DEMANDA DO COMITÊ, PARA APROFUNDAR A DISCUSSÃO SOBRE AS REDUÇÕES DE VAZÃO DO RIO.

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XXIX Plenária Ordinária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) ocorreu em Aracaju, Sergipe, nos dias 19 e 20 de maio, reunindo os membros do colegiado, além de representantes de órgãos de meio ambiente, como a Agência Nacional das Águas (ANA) e a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso). Nos debates, o destaque ficou por conta dos grandes desafios que a bacia tem enfrentado e os avanços conquistados pela ação do Comitê, em articulação com o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada. Entre os principais temas, a constante redu-

ção de vazão do rio, a situação dos aquíferos da bacia e a atuação do CBHSF no Grupo de Trabalho do São Francisco (GTSF), criado por Portaria da ANA, em atendimento a uma demanda do Comitê, para aprofundar a discussão sobre as reduções de vazão do rio. “Nossa participação tem sido permanente junto ao trabalho do Comitê, em diálogo com a ANA e demais instâncias, discutindo alternativas para enfrentar a crise hídrica, especialmente após a criação do Grupo de Trabalho São Francisco, que vem se debruçando nas questões da sustentabilidade hídrica, garantindo o futuro da bacia”, destacou

Ailton Rocha, superintendente de Recursos Hídricos do Governo de Sergipe, que representou o governador do estado, Jackson Barreto de Lima. O secretário do CBHSF, Maciel Oliveira, considerou a Plenária “satisfatória”, sobretudo por ter sido a última convenção da atual gestão. “A próxima Plenária será para dar posse aos novos 124 membros do CBHSF. O encontro

em Aracaju foi marcado pela exposição de ações em prol do rio, realizadas nos últimos três anos pelo colegiado”, disse. Durante o encontro, as Câmaras Consultivas Regionais do Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco apresentaram ao público as ações desenvolvidas nos últimos seis meses, como projetos hidroambientais, entrega de Planos de Sane-

Membros do Comitê discutiram sobre a prática de redução de vazões


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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO

amento, reuniões ordinárias e mobilizações em defesa do Velho Chico.

VAZÃO A mesa-redonda que abordou os impactos ambientais decorrentes da redução de vazão no São Francisco teve destaque na programação da Plenária. Presente à discussão, o diretor-presidente da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), Clécio Falcão, confessou as dificuldades que a empresa vem enfrentando por conta das medidas restritivas. “O problema atingiu o abastecimento de todo o Semiárido alagoano. Dos 102 municípios do estado, metade é abastecida diretamente pelas águas do São Francisco”, disse, lembrando ainda que foi preciso fazer adequações não previstas no sistema de captações, sob pena de a população ribeirinha não ter acesso à água. Falcão alertou que o abastecimento em Alagoas entrará em colapso, caso as vazões continuem sendo reduzidas. “Em Piaçabuçu, município localizado na região da foz do São Francisco, a cunha salina já avançou a ponto de comprometer a qualidade da água”, lamenta. Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF, pontuou que, além da questão da quantidade, a entidade tem se preocupado profundamente com a qualidade da água da bacia. “O novo século trouxe novos desafios. A qualidade da água é mais grave porque implica uma dimensão que perpassa a gestão de recursos hídricos, que é a saúde pública”, destacou. O presidente ressaltou ainda a importância de aprofundar as discussões sobre o impacto da redução da vazão, lembrando que a bacia do São Francisco possui outros desafios de mesma relevância. “É fundamental que esse colegiado possa ampliar as discussões sobre as novas matrizes energéticas, as fontes sustentáveis, as questões relacionadas à qualidade da água, ao saneamento da bacia e à revitalização de todo esse território que sofreu anos e anos de maus-tratos e grave degradação”. O presidente apresentou aos membros do colegiado as proposições feitas ao GTSF, relacionadas às reduções de vazão do rio. A proposta é formada de sete itens elaborados

por consultores do CBHSF. No documento, o Comitê reforça sua posição quanto à adoção de medidas urgentes e imediatas, voltadas para a regulação na operação dos reservatórios, a garantia dos usos múltiplos das águas do São Francisco e o uso prioritário para abastecimento humano. “Trata-se de uma síntese das oficinas de usos múltiplos promovidas pelo Comitê e que gerou um relatório que está à disposição de todos no nosso site”, resumiu Miranda. Durante a Plenária, o pesquisador Sérgio Silva de Araújo entregou ao colegiado sua tese de doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe. Com o tema “Apropriação dos recursos naturais e conflitos socioambientais no Baixo São Francisco”, o estudo mostra o processo de degradação ambiental do rio nos estados de Sergipe e Alagoas, com as sucessivas reduções de vazões e suas consequências graves para a produção de alimentos na região, como a diminuição da cultura do arroz e da pesca de espécies nativas. “Eu gosto de relacionar a vazão com a sístole e a diástole do coração, se não houver um equilíbrio entre os dois movimentos, acontecerá um colapso do sistema”, pontuou o pesquisador, que é membro da Câmara Técnica Institucional e Legal, instância do CBHSF.

CAMPANHA Os participantes da Plenária acompanharam o lançamento da edição 2016 da campanha nacional Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico, que pelo terceiro ano consecutivo alerta a sociedade sobre os problemas enfrentados pelo manancial. O diretor da agência Yayá Comunicação Integrada, Leandro Nascimento, responsável pelo Programa de Comunicação do CBHSF, apresentou o primeiro vídeo da campanha, que será utilizado nas redes sociais. Até o dia 3 de junho, marcado como o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, serão exibidos 15 vídeos, cards e matérias especiais. Todo o conteúdo pode ser acessado no endereço eletrônico: www.virecarranca.com.br

CURTAS BARRAGEM DO ZABUMBÃO Membro da Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL), Luiz Dourado apresentou durante a Plenária em Aracaju o parecer técnico conclusivo do conflito de uso das águas envolvendo o Governo da Bahia e os municípios de Paramirim e Santo Onofre, no sudoeste do estado. O documento, que aponta um não acordo entre as partes, teve seu estudo iniciado após moradores alertarem que o projeto de construção de uma adutora não garantirá a tão sonhada segurança hídrica de 196 mil habitantes, como indicavam os técnicos do governo. As obras, se iniciadas, irão retirar água da barragem do Zabumbão, aumentando a oferta de abastecimento das cidades baianas de Boquira, Macaúbas, Rio do Pires, Ibipitanga, Caturama e Paramirim. Entretanto, a barragem se encontra com menos de 50% de sua disponibilidade hídrica, o que inviabiliza sua utilização em grande quantidade.

REPERCUSSÃO EM SERGIPE Alguns dos temas discutidos durante a Plenária do CBHSF tiveram desdobramentos na imprensa sergipana, que reservou especial atenção ao encontro, com ênfase nos impactos provocados pela vazão reduzida do rio São Francisco. Além da TV Sergipe, também acompanharam as discussões do colegiado a TV Aperipê / TV Brasil, os jornais Correio de Sergipe e Jornal da Cidade, o portal Infonet, a rádio Liberdade AM, entre outros veículos de comunicação.

PROCESSO ELEITORAL O processo eleitoral de renovação dos membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco foi item de pauta da programação da Plenária. O Instituto Gesois, empresa responsável por mobilizar os atores da bacia para ocuparem as 124 vagas do colegiado, entre titulares e suplentes, explicou como vem sendo realizado o processo para a nova composição. As eleições acontecem no mês de agosto.

VISITA À ALDEIA INDÍGENA O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, na condição de entidade apoiadora das atividades da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Ministério Público em Alagoas, acompanhou as atividades desenvolvidas na reserva indígena Xucuru-Kariri, no município de Palmeira dos Índios (AL). O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, acompanhou a reunião com as lideranças locais, recebeu as demandas do cacique Manoel Celestino, colocou o Comitê à disposição da tribo e participou das atividades de plantio de mudas, libertação de pássaros e da apresentação do toré, dança indígena. Miranda ressaltou a importância da presença dos povos tradicionais inseridos na bacia hidrográfica do São Francisco, entre os quais estão os índios, nas discussões do Comitê. “Todas as comunidades tradicionais que vivem no entorno da bacia hidrográfica do Velho Chico podem buscar a ajuda do Comitê e, inclusive, participar das nossas plenárias. É importante que vocês compareçam e nos falem dos seus anseios”, observou.


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Foto: ASCOM Univasf

SIMPÓSIO LANÇA OLHAR CIENTÍFICO SOBRE A BACIA

O CBHSF, EM PARCERIA COM A UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO (UNIVASF), REALIZA DE 5 A 9 DE JUNHO, EM JUAZEIRO (BA) E PETROLINA(PE), A PRIMEIRA EDIÇÃO DO SIMPÓSIO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO. O EVENTO REUNIRÁ PESQUISADORES QUE SE DEDICAM A ESTUDAR TEMAS COMO GOVERNANÇA, QUALIDADE DA ÁGUA, QUANTIDADE DA ÁGUA, RECUPERAÇÃO AMBIENTAL E DIMENSÃO SOCIAL, NA EXPECTATIVA DE ESTABELECER O ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO SOBRE O RIO, QUE VEM SOFRENDO FORTES PROCESSOS DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL.

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elo menos duas instituições estrangeiras estão confirmadas para o ciclo de palestras do I Simpósio Acadêmico da Bacia do Rio São Francisco. A Universidade Técnica de Berlim e a Universidade de Postdam, ambas com sede na Alemanha, farão uma reflexão sobre questões que possibilitem subsidiar a gestão dos recursos hídricos e a tomada de decisão para soluções voltadas à sustentabilidade e à melhoria da qualidade de vida dos produtores rurais e da população em geral. As apresentações integram a programação do evento organizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) em parceria com a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), que acontece de 5 a 9 de junho, em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), às margens do Velho Chico. Nesse período, as duas

As discussões acontecem na sede da Univasf, em Juazeiro (BA)

cidades serão pontos de encontro de pesquisadores que se dedicam a estudar temas como governança, qualidade da água, quantidade da água, recuperação ambiental e dimensão social, na expectativa de estabelecer o estado atual do conhecimento científico sobre o rio, que vem sofrendo fortes processos de degradação ambiental desde o seu descobrimento, em 1501. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo, apresentará o trabalho sobre a atualização do diagnóstico do macrozoneamento da bacia do São Francisco. O estudo, que congrega doze unidades de pesquisa da Embrapa, oito universidades brasileiras e pesquisadores de diversas instituições nacionais e internacionais, é coordenado pelo técnico Lineu Rodrigues, que será também responsável por expor os dados ao público. Atual-

mente, a grande preocupação da comunidade científica é entender como as mudanças no clima já afetam os recursos hídricos de diferentes biomas brasileiros.

CINCO DIAS A realização do Simpósio teve a iniciativa do fórum permanente de oito universidades brasileiras que pesquisam diariamente – sob as mais distintas perspectivas – o chamado Rio da Integração Nacional. Foram convidados para o inédito encontro estudiosos que esmiúçam problemas recorrentes, desde a gestão eficaz dos recursos hídricos até o despertar para a melhoria da educação e da saúde dos 18 milhões de pessoas que vivem na bacia do rio São Francisco. Outro trabalho de destaque a ser apresentado trata dos processos de erosão e transporte de se-

dimentos em regiões semiáridas. O especialista Bruno Siqueira Abe Saber Miguel, da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (SRHU/MMA), fará a explanação do estudo. Também estão previstas outras palestras, a exemplo de “Ecologia das matas secas sazonalmente alagáveis do rio São Francisco”. A reflexão ficará a cargo da doutora Rachel Rocha de Almeida Barros, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Estima-se um público de 500 pessoas nos cinco dias de evento. São esperados, além da classe acadêmica, profissionais ligados à água e ao meio ambiente, universitários, empresários, consultores ambientais, representantes de organismos não governamentais, órgãos de governo e entidades usuárias dos recursos hídricos.


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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO

FLUVIAIS

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s problemas ocasionados ao rio São Francisco pela redução de vazão motivaram debates durante a Plenária Ordinária do Comitê, nos dias 19 e 20 de maio, em Aracaju (SE). O aumento da salinidade, principalmente na foz, em Piaçabuçu (AL), o comprometimento na captação de água para abastecimento humano e a realização de estudos para a tomada de decisões relacionadas ao problema foram alguns dos pontos de discussão. Durante mesa-redonda, o presidente da Companhia de Abastecimento de Alagoas (Casal), Wilde Clécio Falcão, revelou que a companhia precisou promover adequações no seu sistema de captação, a fim de garantir a entrega da água à população. Segundo ele, com recursos próprios, a Casal passou a utilizar bombas flutuantes para suprir a necessidade de aproximadamente 50 municípios, dos 102 que formam o estado de Alagoas. “Se a vazão sofrer nova restrição, não saberemos como operar, pois entraremos em colapso”, adiantou Falcão. Ainda na roda de discussões, a procuradora federal Marta Carvalho recordou que a ação movida pela Federação dos Pescadores de Sergipe, que obrigou o aumento da vazão dos atuais 800 m³/s para 900 m³/s, foi suspensa, mas não impede a cobrança por estudos sobre as restrições de defluência, que, segundo ela, também consta da ação.

Esse levantamento, ainda conforme a procuradora, deve ser elaborado por quem responde pelos reservatórios instalados na bacia do São Francisco, ou seja, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), com a participação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Águas (ANA), como órgão regulador.

PROPOSTAS DO CBHSF O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, reafirmou que o colegiado elaborou uma pauta com sete itens, já apresentada ao grupo de trabalho criado por Portaria da própria ANA. As propostas têm sido discutidas em reuniões quinzenais promovidas pela agência federal e transmitidas por videoconferência para os estados da bacia. Miranda ressaltou que a preocupação do Comitê não se restringe à quantidade, mas principalmente à qualidade da água. O texto sintetiza as propostas surgidas após as oficinas sobre usos múltiplos, promovidas pelo Comitê em 2013. Os sete itens da pauta dizem respeito à regulação na operação dos reservatórios, à garantia dos usos múltiplos das águas do São Francisco e ao uso prioritário do líquido para abastecimento humano. “A qualidade da água é mais grave porque implica uma dimensão que perpassa a gestão de recursos hídricos, que é a saúde pública”, concluiu o presidente do CBHSF.

Foto: Wilton Mercês

PRÁTICADEVAZÕESREDUZIDAS MOTIVAMDEBATES

SURUBIM EM ALTA Surubim é um peixe sem escamas, de carne branca, que atinge até um metro de comprimento e pode pesar 25 quilos; é considerado um peixe de carne nobre. Durante muitos anos, foi encontrado abundantemente nas águas do Velho Chico, mas, em face da degradação, já não é mais achado com a facilidade de antigamente. De acordo com pescadores e ribeirinhos da bacia do São Francisco, o pescado está sumindo. Por isso, desde o ano passado, aquicultores alagoanos passaram a investir no criatório de surubins alimentados de ração forrageira, assim como já acontece com as tilápias.

TOCHA OLÍMPICA A cidade de Pirapora (MG), na bacia do rio São Francisco, foi uma das contempladas com a passagem da Tocha Olímpica no mês de maio. A cerimônia de passagem da chama ocorreu num importante patrimônio histórico-cultural do município, o Vapor Benjamim Guimarães, e foi marcada por apresentações que remetem à cultura ribeirinha e barranqueira. A embarcação chegou ao município na década de 1920 e é a única do gênero – movida a vapor de lenha – em atividade no mundo.

SÃO JOÃO Com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da cultura junina, a Prefeitura de Arapiraca (AL), banhada pelo rio São Francisco, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, abriu novos editais para artistas interessados em compor a programação do São João. As oportunidades foram para bandas, trios e outras formações de grupos musicais. Nos editais, não foram classificados os projetos cujos proponentes têm sua atuação cultural vinculada a práticas de desrespeito às mulheres, às leis ambientais, às crianças, aos idosos, aos jovens, aos afrodescendentes e aos povos indígenas e ciganos.

Foto: Lula Castello Branco

RIBEIRÃO DO ONÇA No mês de maio, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), moradores das redondezas do Ribeirão do Onça, afluente do rio das Velhas que deságua no Velho Chico, participaram de um mutirão com o objetivo de plantar mudas e desenvolver ações de controle de pragas e doenças. Além disso, os moradores realizaram uma roda de conversa seguida de piquenique.

COUTTO ORCHESTRA Composta por quatro pessoas, a banda sergipana Coutto Orchestra, criada em 2010, participou de uma expedição pelo rio São Francisco com o projeto cultural Voga. Foram percorridas 25 localidades de Sergipe, por água e por terra, fazendo contato com pescadores, lavadeiras, comunidades indígenas e quilombolas, com registro de imagens e sons do povo nativo. Como fruto da viagem, será gravado um documentário e o novo CD do grupo. Também será montada uma exposição fotográfica. A redução de vazão trouxe sérios problemas à navegação no Velho Chico


ENTREVISTA

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CLÁUDIO PEREIRA

Foto: André Moreira

QUILOMBOLAS QUEREM COLABORAR MAIS COM O VELHO CHICO

DURANTE A PROGRAMAÇÃO DO II SEMINÁRIO DOS POVOS QUILOMBOLAS DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, REALIZADO EM ABRIL DESTE ANO, NA CIDADE DE PENEDO (AL), ÀS MARGENS DO VELHO CHICO, O COORDENADOR DA CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL DO MÉDIO SÃO FRANCISCO E LÍDER QUILOMBOLA, CLÁUDIO PEREIRA, FALOU SOBRE A LUTA DA COMUNIDADE PARA OBTER A TÃO ESPERADA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS SUAS TERRAS. PEREIRA COMENTOU AINDA SOBRE A RELAÇÃO FRATERNAL ENTRE OS QUILOMBOS E ESSE QUE É CONSIDERADO O MAIOR RIO GENUINAMENTE BRASILEIRO

De onde veio a necessidade de fazer um seminário quilombola? A bacia do São Francisco tem uma representatividade muito grande junto às comunidades tradicionais, especialmente a dos quilombolas. Por isso, não podemos discutir a problemática da bacia sem considerar a dimensão dos problemas que cercam esse povo. É preciso levar em conta as contribuições que os quilombos têm a oferecer, até porque a relação dessas comunidades com o São Francisco é bastante sustentável, levando em consideração o equilíbrio de todo o ecossistema do rio. A ideia do seminário foi abordar isso.

se preocupar com a relação homem x meio ambiente. Até hoje, somos vistos com discriminação. Se nós garantirmos, por direito, os territórios, teremos suporte para produzir e preservar elementos da nossa cultura, da pesca, da caça, da moradia, do vestuário, enfim, não daremos a chance de nos aproveitarem apenas para trabalhos escravistas. Queremos ser reconhecidos como um povo que lutou pela construção deste país e que luta ainda hoje por melhorias

Quais foram os temas mais discutidos no encontro? O principal assunto foi a regularização fundiária dos quilombolas da bacia. Entendemos que, com essas áreas regularizadas, garantiremos a preservação das matas de recarga hídrica do rio São Francisco, ou seja, estaremos dando um grande passo para sua recuperação. Nas áreas que abrangem os quilombos ainda há grande consenso em relação à preservação ambiental, diferentemente de outros locais onde o capitalismo tomou conta. Tratamos ainda de temas relacionados à saúde, à educação e às políticas afirmativas voltadas para os quilombolas. A cultura dos quilombos foi outro tema discutido, até porque entendemos que nossos costumes e tradições estão diretamente ligados ao fato de enxergarmos o rio como um elemento vivo.

QUEREMOS QUE SEJAM RESPEITADAS AS DIVERSIDADES ENCONTRADAS NO TERRITÓRIO SÃO FRANCISCANO. QUEREMOS QUE ATENDAM ÀS NOSSAS DEMANDAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. QUEREMOS QUE OLHEM TAMBÉM PARA A NOSSA CONDIÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA.

Como se dá, hoje, o reconhecimento dos povos quilombolas? Em mais de 400 anos, as comunidades quilombolas vêm sendo degradadas, juntamente com o rio, por conta do avanço de grandes empreendimentos, que nos expulsam dos nossos territórios sem a mínima questão de nos ouvir e sem

sociais, econômicas e ambientais. Qual foi a resolução final do seminário? Alguma proposta encaminhada? Sim. O documento está sendo finalizado e será acrescentado ao processo de atualização do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – norteador das ações em prol não apenas do Velho Chico, mas também das populações que dele dependem –, em fase final de elaboração pelo Comitê do São Francisco. Queremos que sejam respeitadas as diversidades encontradas no território são-franciscano. Queremos que atendam as nossas demandas de regularização fundiária. Queremos que olhem também para a nossa condição socioeconômica. Nós, quilombolas, queremos que nossas sugestões sejam ouvidas pelo Comitê e por órgãos responsáveis pela revitalização do São Francisco. Temos muito a ajudar. Há previsão para um novo seminário? Já foi confirmado para 2017. Estamos fechando local e data. A efetivação continuada desse seminário é necessária, pois traz, a cada ano, debates novos, que aproximam o povo da bacia com a realidade quilombola, fazendo um intercâmbio de ideias colaborativas. O CBHSF recentemente instaurou uma câmara técnica voltada para as comunidades tradicionais. Como está se dando seu funcionamento? A câmara, apesar de ainda não ter feito nenhuma reunião, já foi nomeada. Temos representatividade tanto dos povos indígenas quanto dos quilombolas da bacia. Ela servirá para discutir as questões relacionadas não só com essas comunidades, mas com todas as que vivem ao longo do rio, como fundo de pasto, extrativistas, ciganos, geraizeiros, pescadores e outras tantas que se fazem presentes nesta rica bacia.


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