10 minute read

UMA NAÇÃO DE BIPOLARES

Next Article
SABER ANCESTRAL

SABER ANCESTRAL

ALBA LÊ diariamente obras relacionadas ao transtorno bipolar

Seis milhões de brasileiros convivem com a doença que se caracteriza por períodos de episódios maníacos, depressivos e de humor normal

Advertisement

ALESSANDRO COSTA

Otranstorno afetivo bipolar é considerado uma das doenças mais complexas que existem atualmente. De acordo com relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), 60 milhões de pessoas sofrem com esse mal. No Brasil, conforme dados da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, cerca de seis milhões convivem com a doença. O psiquiatra Régis Barros ressalta que os familiares e amigos são fundamentais no diagnóstico e no tratamento. “A família e amigos são de suma importância em qualquer tratamento psiquiátrico, pois, com a participação no tratamento, ajudará na estabilização clínica do paciente. E auxilia também na percepção de sintomas que o paciente não percebe no dia a dia”, afirma. nuição do sono e mais engajamento em atividades que envolvam riscos.

O transtorno bipolar (TAB) é dividido em dois tipos: no tipo 1, pacientes apresentam pelo menos um episódio maníaco e períodos de depressão profunda, e no tipo 2, considerado menos grave, é apresentada a hipomania: a pessoa fica acelerada, dorme mal e tem exaltação de humor, comenta Régis Barros. Quem é diagnosticado com o primeiro também pode apresentar episódios de hipomania, mas, para isso, precisa ter ao menos um registro de mania ao longo da vida. As duas formas trazem algumas dificuldades para o diagnóstico.

A aposentada Alba Fani, de 54 anos, trabalhou 33 anos na Força Aérea Brasileira e foi diagnosticada com o transtorno bipolar em 1998. Ela garante que não alterou a rotina e nem deixou de fazer as atividades que gostava. Voluntária em um traba

“A família e os amigos são de suma importância em qualquer tratamento psiquiátrico, pois com a participação no tratamento, ajudará na estabilização clínica do paciente” Régis Barros, psiquiatra

O transtorno bipolar é uma doença que se caracteriza pela alternância de humor, com episódios de euforia, depressão e de normalidade. Nem sempre é fácil identificar os sintomas no paciente. Existem evidências de que fatores genéticos possam influenciar o aparecimento da doença. Pode ser chamado de transtorno afetivo bipolar ou doença maníaco- -depressiva.

O médico explica que os principais sintomas da depressão bipolar são perda de energia, de apetite, de peso e de interesse por coisas das quais se gostava. A pessoa não sente vontade de dormir, tem pensamentos negativos recorrentes e dificuldades em concentrar-se nas atividades diárias. Já na fase de mania, ou hipomania, são frequentes a euforia, o aumento no número de atividades, a facilidade em se distrair, autoestima elevada, rapidez de pensamentos, tagarelice, dimilho social há 26 anos, auxilia em cursos de corte e costura, alfabetização de adultos e implantação da terapia comunitária. Ainda encontra espaço para doar o tempo no Núcleo de Mútua Ajuda às Pessoas com Transtornos Afetivos (Apta/DF). Além do uso dos medicamentos, faz terapia individual. “Faço a psicoterapia e uso dois medicamentos por dia. Acredito que o trabalho voluntário me ajuda a manter a estabilidade do humor, pois são peças-chaves para o bem-estar e qualidade de vida”, comenta.

O Apta é um grupo de acolhimento que funciona na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) uma vez por semana e é baseado no princípio da solidariedade. Fundado em 2009, tem o modelo de sociedade civil sem fins lucrativos. A sugestão partiu do economista Antônio Carlos Firmino, 64 anos, que trouxe para Brasília um modelo existente em São Paulo, a Associação Brasileira

TIPOS DE TRANSTORNO BIPOLAR

Tipo 1: Definido por episódios maníacos que duram pelo menos sete dias ou por sintomas maníacos que são tão graves que a pessoa precisa de cuidados hospitalares imediatos. Geralmente, episódios depressivos ocorrem também, tipicamente durando pelo menos duas semanas. Episódios de depressão com características mistas (com depressão e sintomas maníacos ao mesmo tempo) também são possíveis.

Tipo II: Marcado por um padrão de episódios depressivos e episódios hipomaníacos, mas não os episódios maníacos verificados no Tipo I.

Desordem ciclotím ica (tam bém chama da ciclotim ia): Caracterizada por numerosos períodos de sintomas hipomaníacos, bem como inúmeros períodos de sintomas depressivos de pelo menos dois anos (1 ano em crianças e adolescentes). No entanto, os sintomas não atendem aos requisitos diagnósticos para um episódio hipomaníaco e um episódio depressivo.

Foto: Bárbara Bastos

A PSICÓLOGA Juliana realiza atividades de autoconhecimento

de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata). As reuniões acontecem todos os sábados das 15h às 16h30. A ideia é reunir pessoas que vivenciam as mesmas dificuldades decorrentes dos transtornos afetivos, tais como depressão e transtorno bipolar, e assim proporcionar um espaço de compartilhamento, compreensão e apoio.

O estudante John Barbosa, de 27 anos, teve sua primeira crise em 2010, quando tinha 20 anos. Procurou um psiquiatra ao se perceber irritado e intolerante com as pessoas em casa e no trabalho. A mania de gastos excessivos com calçados, as gigantescas dívidas com o cartão de crédito, a dificuldade em dormir direito e a falta de concentração nas atividades mais corriqueiras atrapalhavam o cotidiano. Sem conseguir suportar as crises, decidiu procurar ajuda. “Hoje participo do grupo de acolhimento em uma unidade do Caps, e, todos os dias, tomo os medicamentos lítio e o quetiapina, que são estabilizadores de humor. E não deixo de usar os remédios prescritos pelo psiquiatra”, afirma.

O DF tem 17 Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Eles são divididos por demanda atendida: transtorno mental (Caps), álcool e drogas (Caps ad) e infância e adolescência (Caps i). Também são divididos por tipo. O daqui é o III, destinado a localidades com populações de 200 mil habitantes, com funcionamento 24h e leitos para internações breves. Lá, é proposto um plano terapêutico para que o paciente frequente o tratamento, possa recuperar a autonomia e os vínculos sócio-familiares, além de estabilizar o quadro psíquico.

O ESTUDANTE John se dedica à preparação para concursos

O paciente poderá dispor de grupos terapêuticos, avaliações em psicologia, psiquiatria, enfermagem, terapia ocupacional e serviço social. O gestor da unidade do Caps II do Paranoá, Ricardo Alves, destaca que o acolhimento é para todos que têm algum tipo de transtorno mental. “O paciente será avaliado em psiquiatria e psicologia, mas pensando em um plano terapêutico singular, onde estas avaliações têm motivação e significado específico neste plano”, ressalta.

A autônoma Elba Pinheiro, de 24 anos, descobriu que tinha o transtorno bipolar no ano passado, mas já sentia os sintomas há mais de cinco anos. Era um grande vazio, oscilação de humor e várias tentativas de tirar a própria vida. Hoje, faz acompanhamento com psiquiatra e participa dos grupos de acolhimento do Caps de Sobradinho e do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Elba ressalta que não consegue fazer nada na vida por muito tempo. “Ao mesmo tempo em que quero fazer as coisas e começo a fazer algo, tomo raiva do local e das pessoas e não apareço mais”, comenta.

A aposentada Maria Zaneide, de 53 anos, também tentou o suicídio. Por três vezes. Ficou internada em outras quatro. Ela trabalhava como gerente comercial em uma imobiliária quando, em 2009, descobriu o transtorno afetivo bipolar após uma consulta com um psiquiatra. Sentia-se triste e, quan-

ONDE PROCURAR AJUDA?

APTA DF - Núcleo de Mútua Ajuda às Pessoas com Transtornos Afetivos do Distrito Federal. Telefone: 3107-1978. Email: apta.apta@gmail.com. Blog: http://apta-df.blogspot.com.br. Unidades dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em Brasília. Link para verificar os endereços: http://www.saude.df.gov.br. Hospital São Vicente de Paulo. Endereço: Área Especial nº 01 Taguatinga Sul Telefone: 3451-9700 Atendimento psicológico comunitário. IESB: 3962- 4748 (Campus Oeste) e 3445-4502 (Campus Sul) Centro de Formação de Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília (CEFPA): 3356- 9328 UNIP: 2192-7092

do conseguia dormir, ouvia vozes. Hoje, faz uso diário de dois medicamentos e teve que entregar os cartões de crédito dela para a irmã, pois tem a mania de comprar roupas. Já chegou a comprar 15 blusas e nenhuma era do tamanho dela. “Tem crises que são horríveis. A pior é quando tento tirar a minha vida. Não faço terapias: a em grupo, por não aguentar ficar em locais aonde muitas pessoas falam ao mesmo tempo, e a individual, por ter passado por vários psicólogos e ter ficado sem paciência, cada dia, estou de um jeito”.

Controle

O transtorno afetivo bipolar não tem cura, mas pode ser controlado. O tratamento inclui o uso de medicamentos, psicoterapia e mudanças no estilo de vida, tais como o fim do consumo de substâncias psicoativas (cafeína, anfetaminas, álcool e cocaína, por exemplo), além do desenvolvimento de hábitos saudáveis de alimentação e de sono e dedução dos níveis de estresse.

A psicoterapia é outro recurso importante no tratamento da bipolaridade, uma vez que oferece suporte para o paciente superar as dificuldades impostas pelas características da doença, ajuda a prevenir a recorrência das crises e, especialmente, promove a adesão ao tratamento medicamentoso que, como ocorre na maioria das doenças crônicas, deve ser mantido por toda a vida.

A psicóloga Juliana Benevides indica para os pacientes a prática de atividades físicas e a execução de atividades de reflexão. “A atividade física proporciona bem- -estar, liberação de serotonina e adrenalina. São passadas também atividades de autoconhecimento e reflexão sobre os sentimentos vivenciados no dia a dia”, ressalta.

Cada tratamento é individualizado e conduzido em conjunto pelo paciente e psicólogo. As pessoas são atendidas de forma a cuidarem de suas questões emocionais e, assim, é identificado algo de incômodo no comportamento, comenta Juliana Benevides. Ela explica que não há uma linha específica de terapia. O tratamento indicado é sempre o que a pessoa mais se sente confortável. “O vínculo terapêutico é extremamente necessário para a obtenção de sucesso e resultados no tratamento”, observa.

Nas sessões, o psicoterapeuta ajuda o paciente na identificação das emoções e no reconhecimento de fatores desencadeadores de possíveis mudanças de comportamento repentinas. Na rede pública, o trabalho é feito por uma equipe multidisciplinar. “O paciente pode ser medicado e suas manias e depressões diminuírem a intensidade, quiçá cessarem. É através do tratamento que conseguimos que o paciente tenha consciência da sua doença e se estimule a realizar essas atividades de reflexões e auto-avaliações”, conclui.

DESTINAÇÕES E TIPOS DOS CAPS

Os CAPS possuem caráter aberto e comunitário, dotados de equipes multiprofissionais, realizando atendimento a usuários com transtornos mentais graves e persistentes, a pessoas com sofrimento e/ou transtornos mentais, em geral sem excluir aqueles decorrentes do uso de crack, álcool ou outras drogas. São organizados nas seguintes modalidades: CAPS I - atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 20 mil habitantes. Existem 788 unidades no país. CAPS II - Com atendimento similar ao do Caps I, é indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 70 mil habitantes. Existem 424 unidades no país. CAPS III - atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS AD. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 200 mil habitantes. Existem 56 unidades no país. CAPS AD - atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas. Indicado para municípios ou regiões de saúde com população acima de 70 mil habitantes. Existem 268 unidades no país. CAPS i- atende crianças, adolescentes e jovens (até 25 anos) que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões com população acima de 200 mil habitantes. Existem 134 unidades no país.

Fonte: Ministério da Saúde

This article is from: