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SABER ANCESTRAL
Mulheres buscam autoconhecimento em relação ao próprio corpo e usam a ginecologia natural para garantir saúde com práticas como uso de vaporizadores, coletores menstruais, chás e absorventes ecológicos
ANA GABRIELLE RAMOS
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Abusca por um olhar diferente em relação ao próprio corpo vem fazendo com que as mulheres optem por uma nova visão e estilo de vida. A fim de mudar essa concepção e garantir a saúde com autonomia e liberdade, surgiu a ginecologia natural. A prática não é uma especialidade da medicina, mas um processo de autoconhecimento, de cuidado com o corpo, de reconhecer o processo de adoecimento e o ciclo menstrual. “A prática é forte aliada no empoderamento feminino e tende a devolver a autonomia à mulher”, afirma a terapeuta holística Jéssica Portes, que também atua como facilitadora de oficinas de ginecologia natural.
Por meio de oficinas e workshops, as mulheres podem ter acesso a informações e receitas milenares. Originária da América Latina, em países como Chile, Uruguai e Argentina, a prática resgata saberes ancestrais que tratam dos cuidados da saúde íntima. São receitas tidas como da avó, bisavó, e que ganham cada dia mais visibilidade e novas adeptas. Após conhecer a técnica, a bióloga Christielle Rezende, 33 anos, passou a usar vaporização do útero para limpeza; óleos essenciais para controle de cólica e TPM; e absorvente interno feito com alho, para eventuais infecções com fungos, como no caso de cândida. “A ginecologia natural foi um chamado que me reconectou comigo mesma, e com quem sou na essência”, relata.
Já a microempreendedora Leticia Dittberner, 29, passou a usar absorventes feitos com tecidos e coletor menstrual. “Acho importante despertarmos para nosso poder interior, para o que acontece conosco e assumir novamente o protagonismo da nossa cura e cuidado”, conta ela, que passou recentemente por uma oficina de ginecologia natural.
Aprender a cuidar do eu feminino de forma integral inclui não só o acompanhamento do ciclo menstrual como também métodos de contracepção não hormonal, estudo de ervas e a utilização delas na saúde, além da compreensão das prováveis causas emocionais de enfermidades, como a menstruação irregular, cólicas, TPM “A ginecologia natural foi um chamado que me reconectou comigo mesma, e com quem sou na essência” Christielle Rezende, bióloga
ERVAS NA GINECOLOGIA NATURAL
TPM: Chá de tansagem, casca de limão e manjericão. CICLO IRREGULAR: Chá de Artemísia, cravo, canela e alfavaca HEMORRAGIA UTERINA: Chá da folha de algodão, cavalinha, milem-rama, sálvia, erva-de-Macaé e vitex. CORRIMENTO: Chá de calêndula, tanchagem, cana-de-macaco, folhas de algodão e algodãozinho. Uso local: calêndula, barbatimão, manjericão, cana-de-macaco, hortelã graúdo e algodão. CANDIDÍASE: Chá de ervacidreira-verdadeira, calêndula e manjericão. Uso local: ervacidreira-verdadeira, calêndula, manjericão, alecrim, alho e açafrão. Modo de preparo dos chás: Ferver com água durante dois minutos.
e candidíase. Durante o workshop de ginecologia natural, Jessica ainda ensina o acompanhamento do ciclo menstrual por meio da Mandala Lunar e a ligação dos ciclos femininos com os da natureza. Ela observa que tanto a ginecologia natural quanto a tradicional tem como foco a cura dos transtornos ginecológicos que as mulheres apresentam. “A diferença é que a ginecologia natural tem como fundamento para esse processo de cura física a compreensão das causas emocionais, mentais e espirituais da doença.”
Na avaliação do fisioterapeuta Túlio Americano, também especializado em medicina tradicional chinesa e fitoterapia, não existe uma medicina melhor que a outra. “O que existe é que cada uma intervém melhor em partes diferentes do processo de cura. Nisto vemos que enquanto os métodos tradicionais são excelentes para curar, são os modernos que salvam a vida das pessoas nos momentos de crise aguda”, aponta. A psicóloga Raissa Mendes salienta que as duas práticas devem caminhas juntas, tendo em vista que a proposta da ginecologia natural não é a de substituir a medicina convencional por tratamentos naturais. A proposta é “desmedicalizar” o corpo feminino, promover conexão dela com o próprio corpo e apresentar às mulheres outras opções de cuidado, a partir do resgate de saberes ancestrais.
Cuidados mais naturais, integrais e holísticos não abandonam a medicina convencional. Segundo a ginecologista Bel Saide, as pessoas costumam associar o método natural com o simples tratamento de doenças com plantas e até mesmo a substitui-
“Acho importante despertarmos para nosso poder interior, para o que acontece conosco e assumir” Leticia Dittberner, adepta da ginecologia natural
JÉSSICA PORTES ministra o workshop de ginecologia natural
ção de remédios por ervas. "O principal ponto é uma visão integral em relação à saúde da mulher, buscando compreender o que ela está vivendo ou que já viveu, e a partir daí iniciar um tratamento adequado”, ressalta. Bel reconhece que a técnica vai além dessa concepção. As medicinas ayuveda, chinesa e até mesmo a tradicional são complementares à técnica.
Para a psicóloga Patrícia Miranda, muitas vezes o sistema ginecológico traz sérias consequências psicológicas. “Em relação às situações obstétricas durante o parto, elas são vividas como experiências de violência sexual”, aponta. Essa vivência para Patrícia interfere não somente na saúde psicológica como também na saúde intima, podendo causar medo de procurar um profissional e a necessidade de buscar atenção e cuidados extras.
De acordo com Túlio, a autonomia do próprio corpo é um direito inalienável e intransferível. “Isto significa que a mulher, mesmo sendo uma pessoa moderna, tem que conhecer seu próprio corpo a ponto de se proteger dos enganos promovidos pelas indústrias da medicina dos cosméticos e da mídia.” Para ele, há realidades pontuais que devem ser preservadas, tais como a gestação, a amamentação, a menopausa e a sexualidade sensual e social. “Esses assuntos tratados com preconceitos impedem que as mulheres estejam confortáveis com suas necessidades e realidades”, acrescenta.
Após passar por frustações frente à realidade cotidiana do sistema público, a ginecologista Tarlisa Ostega deixou de atuar em hospitais e busca novos métodos e práticas naturais na profissão. “Pretendo equilibrar tal problema com medicamentos com a ajuda da medicina natural, que tem se mostrado favorável e eficiente em relação à mulher”, enfatiza.
Hormônios
Sem menstruar há quatro anos e há um sem tomar hormônios, Christielle teve o primeiro contato com a prática após buscar a correção do ciclo. Hoje é adepta da ginecologia natural, passou a usar um termômetro basal para acompanhar o ciclo e até uma mandala lunar.
GINECOLOGIA SEM HORMÔNIOS
O livro escrito pela ginecologista Bel Saide visa questionar e debater sobre o modelo atual de cuidados ginecológicos e mostrar para as mulheres que existem outras formas mais saudáveis para lidar com o corpo. O E-book é vendido por R$ 39 no site: http:// ginecologianatural.com.br/.
O anticoncepcional é um dos métodos contraceptivos mais populares.
O uso abusivo de hormônios vem sendo questionado por pacientes e especialistas. “Cabe dizer que, no caso dos anticoncepcionais hormonais há riscos que devem ser pontuados pelo profissional que prescreve, para que a mulher tome uma decisão consciente”, alerta o ginecologista Bruno Ramalho, que não pratica a ginecologia natural, mas esclarece o risco do uso de hormônios sem indicação adequada. A trombose, observa, é o efeito colateral mais temido. “Esse risco é alto para algumas mulheres, que preferem não utilizar ou abandonar o método. Para outras, o benefício do uso supera o risco. É uma questão de ponto de vista”, pontua Bruno.
O importante é que, qualquer que seja o método, em qualquer consulta, a mulher deve escolher de forma soberana o que vai adotar. “Estou nessa jornada desde que decidi abandonar o uso da pílula anticoncepcional e me dei conta de todos os malefícios que ela fazia ao meu corpo. Percebi a quão desconectada eu estava de mim mesma, e como eu desconhecia sobre a minha própria fisiologia”, conta Raissa, que se viu insatisfeita com a padronização e medicalização excessiva do corpo feminino. Ela ainda reclama da falta de escuta e de atenção dos profissionais de ginecologia. Para Túlio, é preciso conhecer o significado ancestral do que significa ser mulher. “Os tempos são de questionamento e reinvenção”.
A busca por tratamentos alternativos extrapola barreiras físicas. Moradora de Brasília, a jornalista Emília Bizzotto, 33, recorre à ginecologia natural por meio de consulta via Skype. A naturóloga Divya Prem, que mora em São Paulo, realiza atendimentos à distância. Ambas se conectam de 15 em 15 dias, para novas orientações. As conversas, segundo Emília, são longas e detalhadas. Ela relata o que está passando, descreve as queixas, a rotina e os sentimentos. Dyvia ouve, analisa e, a partir daí, indica o melhor procedimento. “Mesmo não tendo uma consulta física, com toque, ela procura entender o que pode estar acontecendo com o meu corpo”, afirma a jornalista.
Em 2016, Dyvia participou da formação de facilitadoras em ginecologia natural. Hoje, atende grupos de mulheres ou individualmente, com valores que variam entre R$ 160 e R$ 300. “Sinto que elas buscam atendimentos mais humanizados e que as emponderem no autocuidado com a saúde intima”, observa Dyvia. Aos poucos, as mulheres vão ganhando mais consciência do corpo, do ciclo, da sexualidade e da intimidade, acrescenta.
Mandala Lunar
Por muito tempo, as mulheres de diversas culturas costumavam sintonizar-se com o ciclo da lua e com o que cada fase representa arquetipicamente e, partir disso, conseguiam compreender melhor os seus próprios ciclos - especialmente o menstrual. Dessa forma, a Mandala Lunar, uma das diversas ferramentas utilizadas pela ginecologia natural, tem a proposta de resgatar esse contato milenar, facilitando o exercício da auto-observação.
Na mandala é sugerido que a mulher registre seus sonhos, intenções, projetos, além de percepções acerca de sua natureza cíclica, de modo a se reconectar cada vez mais consigo e com os ciclos naturais. De acordo com Raissa, há diversos modelos prontos no mercado, mas a mulher pode criar a própria mandala, anotando basicamente os dias de seu ciclo menstrual, caso ainda menstrue, dia do mês, fase lunar correspondente, seus estados físico, emocional e sexual em cada dia,
A MANDALA lunar é usada para o acompanhamento do ciclo menstrual
Os absorventes ecológicos possuem abas com botão de pressão para fixação na calcinha. A parte atoalhada, que fica em contato com o corpo, possui duas fitas para encaixe das toalhas íntimas. O produto pode ser usado com uma ou duas toalhas íntimas sobre a base, conforme o fluxo. As toalhas podem ser trocadas durante o dia e são reutilizáveis após higienização. Para limpá-las, basta colocar o absorvente e as toalhas íntimas de molho na água pura por pelo menos meia hora. Em seguida, basta lavar normalmente com água e sabão.
indicadores de fertilidade, relato de sonhos, pensamentos, entre outras informações que ela julgar relevantes. “Fazendo isso diariamente, a mulher conseguirá comparar suas anotações umas com as outras, observar a existência ou não de um padrão em cada ciclo e, assim, conhecer melhor os seus movimentos internos.”
Coletor menstrual
Após ganhar o coletor menstrual da mãe, a estudante Luisa Goppa, 24, ficou encantada ao saber sobre os benefícios. Nas primeiras tentativas, sentiu dificuldades em usá-lo. Após três meses, sentiu-se confortável com a diferença em relação ao absorvente descartável. “Meu ciclo dura três dias a menos, meu fluxo menstrual diminuiu, o odor do sangue não existe e a economia financeira fez toda diferença”, desabafa. O coletor menstrual, também conhecido como copo menstrual, substitui o absorvente descartável e é considerado mais ecológico. Para Bruno, a opção é totalmente recomendável. “Tenho várias pacientes que utilizam o coletor e costumo encorajar quem me pergunta. Não há uma literatura científica vasta, mas a própria prática demonstra que é seguro, eficiente e higiênico”, afirma.
A psicóloga Beatriz Bandeira não só é adepta do produto como também começou a revende-lo. “No começo pode ser desafiador, mas logo a mulher pega o jeito e não larga mais”, ressalta. O coletor é feito de material hipoalérgico e 100% cruelty free, o que significa que não foi testado em animais. O tamanho A é recomendado para quem tem mais de 30 anos ou que já possui filhos, e o B para mulheres mais jovens e sem filhos. O coletor só precisa ser trocado após 12 horas, tendo duração de cinco a dez anos.
Absorvente ecológico
O absorvente de pano ou ecológico, como é conhecido, é reutilizável, feito com tecido 100% algodão, antialérgico e foi retomado como alternativa responsável, ecologicamente correta e econômica. A estudante Bruna Lobato, 25, é revendedora do produto. Após comprar para testar em si, o entusiasmo foi tamanho que começou a revender. “Eu vejo muito como estilo de vida, pois a mulher começa a se observar, a observar o fluxo menstrual. No absorvente descartável, o sangue se espalha. Já no de pano, se concentra e fica com uma cor mais escura. Ou seja, a pessoa começa a se questionar se o sangue que ele esta sendo coletado é diferente”, conta. O absorvente comprado pronto é oferecido em três tamanhos, que incluem o para uso noturno e para fluxo intenso.