8 minute read

AUTISMO ALÉM DA PERCEPÇÃO

Next Article
SABER ANCESTRAL

SABER ANCESTRAL

CAIO NUNES Renaul, 24 anos, foi diagnosticado com Síndrome de Asperger aos 5 anos

A falta de conhecimento sobre a síndrome é realidade no Brasil. Famílias e diagnosticados lutam em busca de educação e saúde

Advertisement

WALDER GALVÃO

Para cerca de dois milhões de brasileiros, é um desafio e tanto viver em um ambiente onde os sons são mais altos, as cores são mais vibrantes e o incômodo está sempre presente. O mundo para os autistas é um lugar desconfortável e lidar com a realidade e com as pessoas é uma luta cotidiana, que pode ser mais leve e bem sucedida se contar com a ajuda da família, compreensão dos amigos, diagnóstico precoce e tratamento correto. Os autistas têm uma percepção diferente do ambiente e dependendo do grau da síndrome, eles não conseguem interagir com a realidade. Em muitos casos podem ter uma rotina produtiva. E há quem consiga fazer do autismo um aliado para ter foco em uma atividade e atingir resultados excepcionais. O exemplo mais notório é o do jogador Messi, da seleção argentina de futebol.

A ignorância sobre o assunto faz com que o diagnóstico, muitas vezes, seja tardio. Para as famílias, conviver com uma pessoa que têm a síndrome requer um novo aprendizado. E cada caso é um caso. Um desafio também para os especialistas. É que o autismo se manifesta de forma única em cada paciente, o que requer um procedimento sempre individualizado.

Os dados sobre a quantidade de autistas no Brasil são do Centro de Controle de Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos. Não há dados nacionais, porque o país não faz um levantamento próprio de diagnosticados. A estimativa do CDC é baseada em estatísticas mundiais, que apontam um caso de autismo para cerca 68 crianças nos EUA, que tem cerca de 320 milhões de habitantes. A falta de conhecimento da realidade nacional também é pauta de instituições que lutam pela temática.

A depender do nível do autismo, uma pessoa pode conseguir desenvolver diversas atividades profissionais na fase adulta. Caio Nunes Renault, 24 anos, foi diagnostico com a Síndrome de Asperger aos 5 anos. A síndrome está enquadrada dentro do espectro do autismo. Caio tinha dificuldade de comunicação e interação com outras pessoas. Os pais decidiram levar o filho ao terapeuta que, após um tempo, conseguiu dar o diagnóstico. Junto ao tratamento, o jovem precisou estudar em uma escola particular especial para pessoas com a síndrome. Aos 13 anos, Caio foi para uma escola pública do Distrito Federal, para cursar o ensino fundamental. Para ele, a experiência foi gratificante.

“Estudar em uma escola inclusiva acabou me freando um pouco. As pessoas conseguiram progredir e eu não. Quando fui para a escola pública, passei a interagir mais e acabei tendo um melhor desenvolvimento”, conta Caio. Em 2014, ele começou a estudar no Instituo Federal de Brasília (IFB) da Asa Norte. O jovem sempre gostou de organização e optou por fazer o curso de técnico em eventos. Em seguida, a rotina dele mudou. Caio mora na quadra 411 da Asa Norte e andava todos os dias para o curso, que fica na 610 Norte. A nova rotina e a possibilidade de uma formação também contribuíram para o desenvolvimento de Caio.

Em 2016, Caio concluiu o curso desenvolvido no IFB e agora passou a procurar uma oportunidade no mercado de trabalho. “Quero trabalhar com todo tipo de festas, principalmente as infantis”, afirma. No tempo livre, ele gosta de jogar vídeo games e mexer no computador. Por decisão própria junto aos pais, Caio interrompeu o tratamento psicológico, afirma não ver mais necessidade. As expectativas para o futuro são muitas. “Quero continuar na minha área e abrir uma empresa de festas”, diz. “Me tratar de forma diferente não ajuda. Quando passei a conviver com outras pessoas melhorei minha socialização” Caio Nunes Renault NO DIA Mundial de Conscientização do Autismo, monumentos ficam iluminados de azul. PRIMEIRO DIAGNÓSTICO A denominação autista surgiu apenas em 1943. O psiquiatra austríaco Leo Kanner descreveu o caso de 11 crianças que tinham em comum aspectos da síndrome. Ele usou o termo autismo infantil precoce, porque os sintomas podiam ser notados na fase da primeira infância.

PESSOAS COM autismo podem apresentar dificuldade de socialização

Desafio

A dificuldade de encontrar uma escola que atenda crianças autistas é uma grande preocupação por partes dos pais. Moradora do Gama, a professora Clessia A m o r i m , 35, precisa levar uma psicóloga e uma psicopedagoga, eventualmente, para a escola particular do filho Henrique Dias Amorim, 5 anos, diagnosticado com a síndrome. As profissionais vão até a unidade de ensino instruir os responsáveis pela educação da criança. "Já tentei colocar ele na rede pública, mas a experiência não foi boa. Agora, estamos fazendo um teste com este novo modelo para saber se vai dar certo", relata. A professora conta que desde que o filho tinha um ano já suspeitava de alguma coisa, comparando com outras crianças da mesma idade. "Só conseguimos o diagnóstico quando ele estava com três anos. Antes disso, ele passou por fonoaudiólogos, psicopedagogas e outras profissionais", conta.

Antes de saber que o filho tem autismo, Clessia confessa que não tinha conhecimento sobre o assunto. "Nem eu e nem minha família sequer sabíamos o que era. A gente acaba sofrendo preconceito da sociedade porque muitos não sabem do que se trata e acabam não entendendo. A descriminação dói muito mais do que a criança ser autista", lamenta. A professora também ressalta que falta iniciativa do governo em divulgar o assunto e em criar iniciativas na saúde. "Os procedimentos que o Henrique faz são particulares. Mas existem muitos pais que não tem condições de arcar com isso. Eu o inscrevi na rede pública há dois anos e até hoje não obtive resposta", reclama.

Cada pessoa desenvolve o autismo de uma forma diferente. A síndrome pode ser classificada em três níveis: leve, moderado e severo. A psicóloga especialista em autismo e coordenadora da Organização Não Governamental, Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), Joane Brito, explica que não há um exame específico que identifique o transtorno. "É necessário realizar diversos exames para descartar outros problemas. Com isso, outros profissionais, como psicólogos, “Para os autistas, o incômodo está sempre presente. Eles filtram as informações recebidas de forma diferente” Joane Brito, psicóloga SINTOMAS Para os autistas, cada caso tem um grau de intensidade. Entre os sintomas estãoa falta de contato visual, interação social inadequada, irritabilidade, movimentos repetitivos, repetição de palavras sem sentido. Além disso, no desenvolvimento da fase infantil, elas podem apresentar dificuldade de aprendizagem, falta de atenção ou intenso interesse em assuntos determinados. Em alguns casos, os autistas também desenvolvem falta de empatia, ansiedade e sensibilidade ao som ou tiques. Os pais devem ficar atentos aos sintomas das crianças, quanto mais cedo o diagnóstico, a chance de desenvolvimento é maior.

ORIGEM DO TERMO

O termo autismo foi usado pela primeira vez em 1908 pelo psiquiatra suíço EugenBleuler. Ele se referia a sintomas relacionados à esquizofrenia. A palavra deriva do grego “autos” (eu).

psiquiatras, neurologistas e fonoaudiólogos realizam uma avaliação clínica para identificar o autismo", afirma.

O tratamento deve ser procurado de imediato. Joane esclarece que o tratamento deve começar desde cedo, porque cada tempo perdido pode impactar no desenvolvimento da criança. "Se os pais perceberem algum comportamento fora do comum, como a criança não olhar nos olhos ou falta de interação, deve levar a um psicólogo", afirma. A psicóloga ressalta que o tratamento é realizado pela vida toda. Mesmo que cada caso seja diferente, algumas pessoas conseguem sair do espectro, mas podem manter alguma característica.

O policial federal Fernando Cotta, 49 anos, é pai de um jovem de 19 anos diagnosticado com autismo. A falta de conhecimento sobre o tema fez com que Fernando se tornasse um dos fundadores do Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB). A Organização Não Governamental (ONG) reúne pais, mães, autistas e interessados no tema para promover o debate sobre o assunto. O objetivo da instituição é melhorar a qualidade de vida das pessoas autistas por meio de cursos, palestras, atos públicos e cobranças ao governo. "Lutamos por políticas públicas. Queremos acesso a educação, a um hospital onde as pessoas conheçam como lidar com os autistas", afirma Cotta.

Para Cotta, o acesso a saúde para pessoas autistas no Distrito Federal é precário. "Muitas pessoas ficam em uma lista de espera sem fim. Conheço gente que está aguardando há três anos", lamenta. O policial federal explica que para um autista, o tempo perdido não tem volta. "Essas pessoas poderiam estar adquirindo uma série de habilidades, mas por falta de atendimento acabam começando o atendimento em atraso", diz. A MOAB luta até mesmo para que o Brasil passe a registrar o número de autistas no país.

Apoio do Governo

No âmbito da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, a rede pública de saúde oferece à população, em especial às crianças e adolescentes, atendimento com equipe multidisciplinar em quatro Centros de Atendimento Psicopedagógicos (Caps), em Taguatinga, Recanto das Emas, Asa Norte e Sobradinho. Esses locais oferecem atendimento para todos os tipos de transtorno mental infanto-juvenil, incluindo o autismo. Além desses locais, há tratamento para autistas também nos dois Centros Especializados de Reabilitação (CER), localizados na Unidade Mista de Taguatinga e no Centro Educacional de Audição e Linguagem Ludovico Pavoni; o Centro de Orientação Médico Psicopedagógico (Compp), na Asa Norte; o Hospital da Criança de Brasília (HCB), que atende com protocolo específico para autis

HÁ TRÊS níveis de autismo: leve, moderado e severo

mo vinculado à neuropediatria; além do Hospital de Apoio, que participa com a Unidade de Genética fazendo testes que têm a função de aferir se a pessoa tem autismo.

A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) informa que todas as escolas públicas do Distrito Federal são consideradas escolas inclusivas. Os estudantes com Transtorno Global do Desenvolvimento e com Transtorno do Espectro Autista (TGD/TEA) podem ser encaminhados para classe comum, inclusiva até a Educação de Jovens e Adultos (EJA), IntegraçãoInversa até o 9º ano do Ensino Fundamento - Anos Finais, Classes Especiais até Ensino Médio e Centros de Ensino Especial.

Os professores que atendem os estudantes com TGD e TEA são profissionais especializados, com aptidão para atuar na área. A SEEDF diz que oferece, periodicamente, formação inicial e continuada na área da educação especial.. A Diretoria de Educação Especial promove encontros e palestras por meio de profissionais capacitados, como forma de suporte especializado para melhor encaminhamento e atendimento a esses estudantes.

This article is from: