Terceiro Caderno de
Sistematizações Compartilhando experiências de vida no Semiárido
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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e t n e i d e Exp Articulação Semiárido Brasileiro
ASA Brasil Fórum Cearense pela Vida no Semiárido
FCVSA Rede de Comunicadores/as Populares do
Fórum Cearense pela Vida no Semiárido Sistematizações e Textos: Alexandre Greco - CETRA (Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador) Cristina Viturino - Flor do Piqui Evelyn Ferreira - ESPLAR (Centro de Pesquisa e Assessoria) Fram Paulo - CDDH-AC (Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio Conselheiro) Janes Souza - FETRAECE (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará) João Ernesto - ESPLAR (Centro de Pesquisa e Assessoria) Karol Dias - ESPAF (Escola de Formação Política e Cidadania) Liliane Carvalho - ESPAF (Escola de Formação Política e Cidadania) Marcus Saymon - COMTACTE (Cooperativa Mista de Trabalho Assessoria e Consultoria Técnico Educacional) Mayara Albuquerque - IAC (Instituto Antônio Conselheiro) Ricardo Vieira - ACB (Associação Cristã de Base) Ricardo Wagner - OBAS (Organização Barreira Amigos Solidários) Rutiele Parente - IAC (Instituto Antônio Conselheiro) Lívia Teixeira - Cáritas Diocesana de Itapipoca
Colaboração e Revisão de Conteúdo Alessandro Nunes, Amanda Sampaio, Raquel Dantas e Rosa Nascimento
Revisão de Textos Joana Vidal
Projeto Gráfico e diagramação Sâmila Braga e Giulianne Cidade
Fotografia Comunicadores/as do FCVSA
Ano de Publicação 3
2015 Caderno de Sistematizações - FCVSA
e c i d n Í
periências: x E e d o ã ç a Sistematiz Resistência, a o d n a li p Am cia a Convivên o d n e c le ta For p. 6 ra construir a p ia m o n Auto os novos sonh p. 7 ência luta e resist ica e d ia r tó is lóg Uma h da agroeco na caminha p. 9
viver! lugar para r o lh e m o O campo é p. 12 partilhada m o c a n ti o r : emiárido José e Lúcia e amor ao S p. 14 sertão por o d to n sa ao campo o Semiárido n a n Caminhada ig d a justiça e vid p.17 de como forma o a n e íg d in sileir A tradição miárido Bra e S o m o c convivência p. 21 ria através tó is h a su ntam m o tempo orozinho co o h c C o e ç d la s o a ir Rende fortalecem das linhas e p. 23 Caderno de Sistematizações - FCVSA
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de e a terra on s su e J e d Maria s e sonhos ta r o h s, o d p. 26 planta roça
elas! nçar as estr a lc a a r a p s ho Cultivar son p. 28 ida e renda e v d te n fo é CE) Artesanato em Icapuí ( p. 31 de experiência a : o d n e d pren tônia Vivendo e a cia de João Félix e An resistên p. 35 s cultivando a ir e o r A e sd Agricultora
Arte p. 38
tória de arte is h a m u : o se Ur ucong ariri Cearen C o n a r u lt u ec p. 41 . fez história já T S M o a r ter ira Na luta pela João dos Santos Olive . A Escola essa vitória faz parte d p. 44 ia de econom a ir e n a m a e ov tivo: uma n os modos d Fundo Rota danças significativas n ricultoras g u a m e o s e d r n o e lt z tra ricu e agir de ag r sa n e p r, e viv p. 47
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Sistematização de Experiências:
Ampliando a Resistência, Fortalecendo a Convivência
Por Rosa Nascimento
O Semiárido brasileiro é rico. A diver-
apresentamos nesse Caderno, que
sidade cultural e ambiental encanta pela
está em sua terceira edição, 12 belas
sua beleza. Especificamente aqui no
experiências vivenciadas por homens,
Ceará, expressa na poesia, na dança, na
mulheres, comunidades e grupos que
canção, na culinária, no povo guerreiro,
acreditam, sonham e trabalham por
nas ações alternativas de convivência, e
uma vida cada vez mais feliz!
no modo geral como as coisas acontecem. É um Semiárido prospectivo.
São pessoas que no dia a dia da labuta contam suas histórias de vida, e
A Articulação Semiárido Brasileiro
mesmo que de forma anônima se arti-
(ASA), representada aqui no Estado do
culam em um processo de transferên-
Ceará pelo Fórum Cearense pela Vida
cia de conhecimentos que fazem his-
no Semiárido (FCVSA), tem consolida-
tória e revela o verdadeiro Semiárido.
do, ao longo de seus 15 anos uma polí-
As histórias são construídas de uma
tica de convivência com a região semi-
vivência sensível, em que cada uma/o
árida, a partir de ações agroecológicas
se coloca numa posição de igualdade,
que fortalecem a luta e a conquista de
e como afirma a jornalista Eliane Brum,
homens e mulheres por dignidade.
ouve com a alma, e posteriormente vai
Os processos de articulação, for-
dando formas ao texto.
mação e participação têm fortalecido
O Caderno de Sistematização é uma
gradativamente as incidências nas polí-
construção coletiva da Rede de Comu-
ticas públicas adequadas para a região.
nicadoras e Comunicadores Populares
Na perspectiva de visibilizar essas
do Fórum Cearense pela Vida no Se-
ações, bem como ampliar esse cami-
miárido, das nove microrregiões: Cariri,
nhar rumo à sustentabilidade humana
Centro Sul, Ibiapaba, Inhamuns, Forta-
e ambiental, como propõe o projeto
leza, Sertão Central, Vale do Jaguaribe,
“Comunicação para Mobilização So-
Vales do Curu e Aracatiaçu e Sobral. A
cial: uma estratégia de fortalecimento
ideia é conhecer as distintas ações de-
da rede”, instituído pela ASA por oca-
senvolvidas, para melhor conhecer a re-
sião da comemoração de seus 15 anos,
gião e fortalecer a convivência.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Autonomia para construir
novos sonhos Por Alexandre Greco
Encontramos Ana e Sérgio já des-
de produtos orgânicos do município.
montando as barracas da feira, ajeitan-
O casal de agricultores sempre leva
do as vasilhas vazias na moto e amar-
tomate, alface, abóbora e batata doce,
rando os ferros e hastes que sustentam
além da pamonha quando a produção
a barraquinha, com o sorriso fácil de
do milho está em alta. “Quando voltar
quem volta para casa tendo comercia-
a chuva, vou produzir milho e feijão,
lizado todos os produtos que trouxe.
porque a pamonha é o que mais vende
Nas quartas-feiras, a rotina é a mesma:
na feira,” conta Sérgio.
juntar os produtos, amarrar na moto e
Francisco Sérgio e Ana Marli são
partir em direção a sede do município
nascidos e criados na comunidade
de Apuiarés, a cinco minutos da co-
Riacho do Paulo, em Apuiarés (CE). Foi
munidade Riacho do Paulo. Lá, com
nesse lugar que se conheceram, casa-
agricultores e agricultoras de distritos
ram e hoje vivem com os dois filhos,
e cidades vizinhas, eles fazem a feira
que estudam e ajudam no roçado.
Quintal de Ana e Sérgio
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
O casal não faz rodeios para explicar as mudanças em suas vidas após a chegada das tecnologias sociais: “É bom, porque trouxe água, que é o mais importante”. A comunidade também sentiu os impactos positivos das cisternas de primeira e segunda água; antes, Ana conta, era “tudo seco, e o pior, não dava para plantar como a gente queria. Hoje, a gente consegue plantar”. Ela ainda explica que “a maioria das pessoas aqui tem
Quintal de Ana e Sérgio
cisternas e sempre que conversam comigo estão satisfeitas, acham melhor que antes”. Os agricultores relatam que tudo começou com a chegada do projeto de primeira água através do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apuiarés, garantindo segurança no acesso à água para consumo. Depois, com a chegada da cisterna de enxurrada, voltada para produção, o sonho de comercializar suas próprias merComunidade Riacho do Paulo - Ana e Sérgio
cadorias começava a se tornar realidade e a dependência única e exclusiva das chuvas já não era determinante: as cisternas e a for-
Amanheço o dia e vou direto para a cisterna, cuidar de aguar as plantas e cuidar das ovelhas e do gado.
ma alternativa de irrigação foram suficientes para garantir produção que abastecesse a ida da família a feira semanalmente. “Amanheço o dia e vou direto para a cisterna, cuidar de aguar as plantas e cuidar das ovelhas e do gado,” diz Sérgio. As cisternas já são parte do dia a dia da família e permitem que Ana e Sérgio tenham novos sonhos e busquem outras realizações, tendo a consciência de que através da construção e organização coletiva é possível mudar a realidade e garantir autonomia com a conquista de direitos básicos. “Eu tenho mais de quinze anos de sindicato e sou atuante, vou às reuniões e sinto que é preciso sempre ir mais,” reflete Ana.
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Uma história de luta e resistência na caminhada agroecológica Experiência coletiva por Cáritas Ceará
A 50 quilômetros de Sobral, junto ao
sua conduta de defensor dos direitos
pé da Serra Verde, existe uma comuni-
humanos na busca por melhores con-
dade em que os moradores usam cada
dições de vida para trabalhadores e tra-
metro de chão com sabedoria e fazem
balhadoras rurais, além da consciência
de seus quintais uma alternativa susten-
e defesa da participação das mulheres
tável para garantir a soberania alimen-
e dos jovens nas organizações comu-
tar e nutricional de suas famílias o ano
nitárias e sindicais.
todo. O lugar é a comunidade Recreio, onde mora seu Selisvaldo Pereira Lima, de 67 anos, companheiro de dona Isaura Maria de Lima. Esse mesmo pedaço de chão, entretanto, também é espaço de disputa: Selisvaldo e Isaura vivem numa terra desmembrada pelo proprietário, assim feito para descaracterizar o latifúndio e impossibilitar a desapropriação para fins de reforma agrária. “Aqui, estamos no meio da luta”, conta o agricultor. A terra foi cedida para a Prefeitura do município de Sobral e as famílias que moram no Recreio têm um termo de concessão de uso que é renovado a cada 10 anos, embora o processo de regularização de posse ainda se encontre em negociação. São 40 anos de luta pela terra e 40 anos que Selisvaldo participa ativamente da Associação e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, sendo um de seus fundadores. Sua militância começou nos movimentos eclesiais de base por incentivo do pai e daí vem a
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A sabedoria e agroecologia cobrem de verde cada metro de chão
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Na militância por vida digna, uma das
Eu não viso o lucro, mas a condição de vida das pessoas. É esse o projeto que eu escolhi.
pimentão e nim. Além disso, Selisvaldo
bandeiras que Selisvaldo hoje levanta
também
cultiva
hortaliças,
alface,
é a da agroecologia. “Aprendi com a
cheiro-verde, coentro, berinjela e pro-
convivência, olhando para os compa-
duz as próprias mudas.
nheiros. Participo do movimento sin-
A variedade de cultivos em casa
dical e do Fórum Microrregional pela
reduz a necessidade de comprar ali-
Vida no Semiárido da Região Norte há
mentos e o excedente da produção é
muito tempo. Foi a partir da ASA (Arti-
comercializado no Programa de Aqui-
culação Semiárido Brasileiro) e da Cári-
sição de Alimentos (PAA) do Ministério
tas que juntamos o conhecimento e
do Desenvolvimento Social e Combate
eu fui avaliando, porque não dá para
à Fome. Vale destacar que somente
sair da noite para o dia do convencio-
no ano de 2013 a família vendeu em
nal para o agroecológico”, explica ele.
torno de R$ 16 mil para o PAA. Ade-
Há cinco anos, a família iniciou a
mais, o cheiro-verde é vendido para
transição agroecológica e atualmente
um restaurante popular da cidade de
podemos ver no quintal uma grande
Sobral. “Tudo que se produz na agri-
diversidade de frutos, grãos e legumes:
cultura, quando chega no mercado
milho, feijão, pimenta, tomate, mara-
tem comprador. Para você ter uma
cujá, mamão, ata, goiaba, leucena,
ideia, o quilo da pimenta eu vendo a
coco, noni, acerola, ciriguela, caju,
três reais”, diz o agricultor. Para dar conta de todo o quintal, o agricultor experimentador desenvolveu um sistema de aproveitamento da água da chuva que cai no telhado. Com
tecnologias
simples,
usando
canos e decantadores, ele aproveita o declive do terreno para captar, armazenar e fazer o uso racional da água com a técnica de irrigação por gotejamento. A água captada em um tanque serve ainda para criação de peixes. Do tanque, a água segue para um cacimbão construído pelo próprio Selisvaldo há 30 anos, quando trabalhava como pedreiro. No verão, ainda existe a possibilidade de usar a água de um pequeno açude que fica no final da propriedade. A água é puxada por uma Confeccionar redes é a terapia de Dona Isaura, artesã de mão cheia
Caderno de Sistematizações - FCVSA
bomba para o sistema de irrigação.
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“Esse
quintalzinho
parece
brinca-
deira de menino. Aproveitamos todos os espaços. Estou pensando em criar um leitãozinho aqui também”, diz ele enquanto mostra a área. A criação de galinhas fica aos cuidados de dona Isaura, que também é artesã e confecciona redes por encomenda. O artesanato, para ela, além de gerar renda, é também uma terapia. “Tenho artrose no joelho e minhas filhas não querem que eu trabalhe no tear, mas meu médico aconselhou a
Seu Selisvaldo avalia tabela com os níveis de chuva da região
não parar a produção das encomendas”, ela explica.
para Selisvaldo, que gostaria que mais
Atrás do quintal da família existe
trabalhadores da comunidade fizes-
uma área coletiva de 10 hectares onde
sem uso dessa terra para fortalecer
os associados podem produzir. Hoje,
a produção coletiva. “Eu não viso o
somente seis agricultores cultivam na
lucro, mas a condição de vida das pes-
área e isso é motivo de preocupação
soas. É esse o projeto que eu escolhi. O que eu quero para mim, eu quero para os meus companheiros”, reflete o agricultor. Hoje, a experiência serve de motivação para outros agricultores familiares que visitam a área em intercâmbios. “Eu me sinto satisfeito, alegre por levar esse conhecimento para outros, porque as pessoas têm começado a compreender, assimilar que a convivência com o semiárido é muito simples, basta querer. Essa imagem que a terra é seca, esturricada, é falsa”, conclui seu Selisvaldo.
As pessoas têm começado a compreender, assimilar que a convivência com o semiárido é muito simples, basta querer.
Na divisão dos trabalhos, a criação das galinhas fica sob os cuidados de Dona Isaura
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
O Campo é o melhor
lugar pra viver! Por Cristina Viturino
Antônio Manoel de Sousa, de 65
lhava como fotógrafo e crediarista, mas
anos, conhecido como “Galego”, é ca-
também cultivava, enfrentando o arren-
sado com dona Lúcia Félix, de 55 anos.
damento sobre o pouco que produzia.
Eles vivem no Assentamento Caldeirão
A realidade mudou quando, em
Bom Sucesso, no Distrito de Ponta da
2008, com a orientação técnica do
Serra, distante 27 quilômetros da cida-
Instituto Flor do Piqui, eles foram be-
de do Crato. É lá que também moram
neficiados pelo Programa Nacional do
14 famílias, um povo que mostra mar-
Crédito Fundiário (PNCF) do Governo
cas de enfrentamento, resistência e
Federal. Em seguida, o assentamento
conquista na sua trajetória.
foi contemplado com seis cisternas
Seu Antônio e dona Lúcia sempre
de enxurrada e três cisternas calçadão
viveram na cidade com os dois filhos.
pela Secretaria de Desenvolvimento
Ela sempre trabalhou no lar e ele traba-
Agrário (SDA).
Antônio Manoel de Sousa
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Antônio Manoel de Sousa
Seu Antônio e dona Lúcia
Em uma área de terra de quase oito
aposentadoria e dos doces caseiros de
hectares por família, seu Antônio faz
gergelim fabricados por dona Lúcia e
parceria com José Wilson, companhei-
vendidos na Exposição dos Produtos
ro de assentamento e também agricul-
da Agricultura Familiar (Expoafro). “So-
tor. Juntos, eles cultivam maracujá, ma-
mos muito mais felizes e confortáveis
mão, banana, macaxeira, feijão-verde,
por aqui. O que vivemos hoje é tudo o
jerimum e fava, além de criarem gali-
que um dia sonhei. Tudo o que procu-
nhas e produzirem mel de abelha. Os
ro de benefícios para a nossa terrinha,
agricultores garantem que tudo o que
(eu) consigo. Não tem do que se recla-
plantam, a terra ali dá. Uma cisterna de
mar”, reflete seu Antônio.
enxurrada é usada para uso doméstico
A Comunidade Bom Sucesso é
e um barreiro e uma cisterna calçadão
sempre uma indicação para encon-
dão a água para os quintais produtivos.
tros, oficinas e intercâmbios. Hoje,
Com a experiência de vida e a lida do dia
tudo é diferente por lá. Os moradores
a dia é possível desenvolver atividades o
tiveram a oportunidade de começar
ano todo e ir avaliando e aprendendo o
uma nova etapa de suas vidas, mais
que pode ou não dar certo.
justa e com mais dignidade, e assim
Fora a venda dos produtos colhidos, a renda da família de Antônio vem da
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Somos muito mais felizes e confortáveis por aqui. O que vivemos hoje é tudo o que um dia sonhei.
registram a certeza que com água a vida prospera.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
José e Lúcia: história compartilhada e
amor ao Semiárido “Com a minha cisterna de enxurrada, eu faço a minha cultura. Tanto mi, tanto a cana, o feijão e a verdura p’a poder alimentar meus comedor de rapadura.” José Ivaldo, agricultor
Por Evelyn Ferreira
José e Lúcia dividem tarefas
A terra rachando em pleno semiárido traz à memória do imaginário
fado, como se a terra estivesse oca:“Tá ouvindo? Tem macaxeira aqui”.
comum um sentimento de tristeza: es-
E a macaxeira cozida combina
cassez de água, vegetação sem o ver-
com o cafezinho comprado em grãos
de vibrante, animais morrendo, gente
na serra de Guaramiranga, torrado e
morrendo. Mas na terra de José Ivaldo,
moído na propriedade da família. O
quando a terra começa a abrir racha-
processo de torrar os grãos demora
duras é sinal de fartura, sinal de que a
cerca de 40 minutos, a depender da
macaxeira já está pronta para ser colhi-
quantidade que se queira fazer. O sa-
da. O agricultor bate no solo rachado
bor e o cheiro do café fresco invadem
próximo ao pé e escuta um som aba-
o paladar de quem prova e a casa
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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onde vive com a esposa, Lúcia Maria, e dois filhos. Lúcia e José Ivaldo sempre viveram da agricultura. Com 23 anos de união, eles garantem a alimentação da família com o que plantam no quintal. A fartura de feijão pode ser vista no quarto do casal: o estoque conta com 37 garrafas cheias. Além disso, a colheita deste ano já garantiu jerimum, milho, goiaba, coco e outras riquezas. A fartura na propriedade é fruto do esforço do casal. Os dois cuidam juntos do roçado, da casa e dos filhos. Não há atividade de homem ou de mulher. O casal faz tudo coletivamente, mas cada um tem suas paixões: a de Lúcia é costurar, “é bom que nem vejo
Café comprado em Guaramiranga
o tempo passar”, ela diz; José, por sua vez, dedica o tempo livre ao conserto
Semiárido Brasileiro (ASA). José com-
de aparelhos de rádio antigos – “tem
plementa em tom de brincadeira: “Essa
uns três lá dentro (aponta para a casa).
aqui Deus não mandou, veio foi deixar”.
Não vendo nenhum”.
O casal lembra as dificuldades en-
José tem também um gravador an-
frentadas em estiagens passadas. Mo-
tigo que funciona com fita; aperta o
radores da comunidade do Nambi de
botão de ligar e sai a voz de Luiz Gon-
Baixo, precisavam ir de madrugada à
zaga em canções que falam do sertão.
região vizinha buscar água para be-
Quando sai para comprar os grãos de
ber. A procura era sempre muito dis-
café, o gravador com a fita do Rei do
putada, com longas filas, então nem
Baião faz companhia num compar-
sempre conseguiam voltar com água
timento da moto que parece ter sido
para casa. O sofrimento passado hoje
feito para o aparelho. “Saudade, meu
é lembrado com o sorriso de quem
remédio é cantar”…
conseguiu superar momentos difíceis.
Nós somos ricos de água.
Agora o casal tem água garantida para
A água
consumo humano ao lado de casa e
“Nós somos ricos de água”, sorri
água para produção no quintal. A cis-
Lúcia ao falar da cisterna recebida no
terna de enxurrada, com capacidade
final de 2013 pelo Programa Uma Ter-
para 52 mil litros de água, já sangrou
ra e Duas Águas (P1+2) da Articulação
três vezes em apenas seis meses.
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Angico, o defensor Para conseguir garantir a produção livre de insetos e doenças, durante os cursos de Gestão de Água para Produção de Alimentos (GAPA) e Sistema Simplificado de Manejo de Água para a Produção (SISMA), do P1+2, José aprendeu a utilizar defensivos naturais. Com esses defensivos não há necesLúcia em sua horta
sidade do uso de veneno nas plantas. Os alimentos que vêm da terra podem ser melhor aproveitados e podem dar mais saúde a quem os consome. José mostra a diferença nos galhos da goiabeira do quintal. “Vê aqui a diferença?”, pergunta enquanto mostra um galho com folhas murchas pelo ataque de insetos e outro bem vivo e limpo. A mudança é notória. Os defensivos fun-
José e Lúcia
cionam e não agridem o meio ambiente. Uma das caldas que José utiliza é a do angico, que combate as lagartas.
Essa aqui Deus não mandou, veio foi deixar.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
Quer anotar a receita? É bem fácil e o próprio José ensina: “O angico, a gente faz no tambor. Bota a casca do angico. Depois de oito dias tira a casca, coa, aí já pode botar na bomba”.
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Caminhada ao campo santo do sertão por justiça e
vida digna no Semiárido Por Fram Paulo
Fiéis caminhando e entoando cânticos rumo ao Cemitério da Barragem
Houve um tempo em que a seca
fazendo uso de programas assistencia-
era um “monstro” temido pelo povo do
listas, bem como a justificativa para a
sertão semiárido. Nesse tempo, não se
construção de grandes obras de açu-
ouvia falar em convivência. Foram di-
dagem e irrigação na região.
versas as ações governamentais volta-
Sendo a seca um fenômeno natural
das para o que se chamou de “comba-
cíclico, um longo período de estiagem
te à seca”, através das quais foi criada a
ocorreu na região no início da década
indústria da seca. Obras de açudagem,
de 30 do século passado, ficando co-
frentes de serviços, distribuição de ali-
nhecida como a seca de 1932. Nesse
mentos e muitas outras ações assisten-
ano, milhares de sertanejos e serta-
cialistas fizeram parte desse processo.
nejas cearenses foram aprisionados/
Foi a indústria da seca que transfor-
as nos campos de concentração em
mou o fenômeno natural recorrente na
pontos estratégicos do Ceará, com o
região semiárida brasileira em “mons-
objetivo de impedir a invasão da capi-
tro”. Nesse contexto, vieram os mode-
tal Fortaleza pelos flagelados da seca,
los de obtenção de vantagens políticas,
como ocorrera em secas anteriores.
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Um dos campos de concentração funcionou no município de Senador Pompeu, no canteiro de obras da paragem do Patu, cuja construção teve início em 1919 e foi paralisada em 1924. Mais de 16 mil pessoas foram confinadas em uma área de pouco mais de 3 quilômetros quadrados. Milhares morreram, vítimas de doenças, maus tratos, higiene precária e fome, tudo planejado e patrocinado pelos governos da época. Com o fim da grande seca, no ano de 1933, os sertanejos voltaram para suas casas, seus lugares de origem. Cada sobrevivente, porém, levou consigo as memórias do campo de dor e sofrimento. No imaginário popular, através dos relatos dos sobreviventes, ficaram as histórias de uma gente que teve seus direitos violados, colocados em situação de total desfiguração do ser humano. Foi através da memória dos sobreviventes e das edificações construídas inicialmente para abrigar os engenheiros e operários para construção da barragem do Patu que o fato histórico não foi esquecido, principalmente na religiosidade popular, onde existe o sentimento de que o sofrimento purifica e eleva a alma ao plano da salvação. Criou-se no imaginário popular da região a ideia que as almas da barragem são milagrosas: as Santas Almas da Barragem, que obram milagres, intercedem pelo povo que sofre e ensi-
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
lhares de pessoas caminham em procissão até o cemitério onde é celebrada uma missa em homenagem aos que sofreram no campo de concentração de 1932. O Cemitério da Barragem é considerado um campo santo para a comunidade e alimenta a fé das pessoas. A Caminhada da Seca é um imporCelebração religiosa em homenagem às vítimas do campo de concentração de 1932, em frente ao Cemitério da Barragem
tante patrimônio cultural de Senador Pompeu e carrega uma forte simbologia: chamar a atenção dos governantes, assim como da própria população, para refletir e buscar alternativas para se viver bem no semiárido. Ela é importante também no sentido de manter viva a memória histórica, para não esquecermos o sofrimento de tantas pessoas, para que possamos garantir que nunca mais um fato semelhante
Tradicional parada para um momento de reflexão com a leitura de depoimentos de pessoas que sobreviveram ao campo de concentração de 1932
venha a acontecer; além disso, é essencial pela fé, pela devoção que a co-
nam o caminho da fé e da esperança,
munidade tem para com as almas da
para que tal fato nunca mais venha a
barragem.
acontecer nos sertões nordestinos. O
Há um ditado que diz que “santo de
martírio coletivo criou um santo cole-
casa não obra milagre”. No caso de Se-
tivo. AS ALMAS DO POVO, O SANTO
nador Pompeu, as Santas Almas da Bar-
DO POVO.
ragem obram milagre sim. É um caso
No ano de 1982, o padre italiano
peculiar em que o santo é coletivo. O
Albino Donatti, recém-chegado a Se-
povo virou santo, o santo milagreiro.
nador Pompeu, chamou os paroquia-
São as almas do povo que intercedem
nos para fazer uma caminhada, saindo
pelo povo que clama por justiça, por
cedo da manhã da Igreja Matriz e indo
vida digna no semiárido, representan-
até o Cemitério da Barragem, para ho-
do a luta por direitos fundamentais, por
menagear os que morreram no cam-
justiça social, por acesso à terra para
po de concentração e refletir sobre a
morar e produzir e denunciando o
história.
modelo de desenvolvimento imposto
A caminhada virou tradição. Todo
pelos governos e o agronegócio, que
segundo domingo de novembro, mi-
prioriza o lucro em detrimento da vida.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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A tradição indígena como forma de convivência com o Semiárido Brasileiro Indígenas do município de Monsenhor Tabosa, no Sertão de dos Inhamuns, no Ceará, se utilizam de palha de taboa para produção artesanal. Por Janes Sousa
A arte de produzir artesanatos com palhas faz parte da cultura indígena. Primeiros moradores do território que hoje chamamos Brasil, os indígenas passaram o conhecimento de geração em geração, sendo ele adaptado e aperfeiçoado com o passar dos anos. No município de Monsenhor Tabosa, localizado na região do Sertão dos Inhamuns, no Ceará, três mulheres da etnia Potyguara utilizam o artesanato como forma de adquirir renda extra e “se divertir”, conforme destaca a cacique Maria de Fátima Pereira da Silva, de 54 anos. Joelma Barbosa Matos, de 43 anos, ministrou um projeto de artesanato para Maria de Jesus, Joelma Matos e Maria de Fátima fortalecem a tradição indígena na produção de artesanatos
indígenas do município. Com o fim do curso, ela, a cacique Maria de Fátima e Maria de Jesus de Sousa Torres, de 47 anos, resolveram se unir: alugaram um local e passaram a produzir bolsas,
Fico feliz em poder dividir o que sei. Joelma Matos
saias e cestas, dentre outras peças. A renda é utilizada para pagar o aluguel e comprar eventuais materiais que elas precisem. O restante é dividido entre a cacique e Maria de Jesus. Joelma Matos, que trabalha durante a manhã como merendeira em um anexo da
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Escola Indígena Povo Caceteiro, optou por repassar o conhecimento de forma voluntária. “Fico feliz em poder dividir o que sei e possibilitar uma renda extra para elas. Além do que, nos divertimos muito”, relata Joelma. O bem-estar que o trabalho artesanal proporciona pode ser imagina-
Jailson Lima aprende na escola a importância da cultura indígena
do por meio das palavras de Maria de Fátima, que afirma ficar contando o tempo para chegar a tarde e poder ir conversar, trabalhar e aprender cada vez mais; “ainda ganhamos uns troca-
Escola Indígena A união, dedicação e apreço pelo fortalecimento cultural das três mulheres também podem ser vistos na Escola Indígena Povo Caceteiro (Anexo Cultura Viva), no bairro
dinhos”, ela ri. Maria de Jesus acres-
Alto da Boa Vista, na sede do município de Monsenhor
centa que não falta um único dia:
Tabosa. O bairro é o mesmo do prédio onde trabalham
“Aqui é bom demais!”, enfatiza.
as índias de quem já falamos.
Todas as peças produzidas pelas
O anexo Cultura Viva, assim como o projeto de artesana-
mulheres indígenas são feitas com
to que resultou no trio Maria Fátima, Maria de Jesus e Jo-
palha de taboa (Typha domingensis Pers), planta de origem aquática encontrada em terrenos pantanosos. Muitas vezes, ela é tratada como pra-
elma Matos, foram idealizados pela Associação Renascer da Sede Potigatapuia. O Potigatapuia é a junção das iniciais das quatro etnias existentes na região: Potyguara, Gavião, Tabajara e Tupibatapuia. O movimento foi criado para fortalecer a
ga por cobrir grande quantidade de
cultura local.
área do espelho d’água e possibilitar
O anexo é mantido com o salário que os oito professores
a proliferação de insetos. Por essa ra-
recebem do Governo do Estado do Ceará; para ampliar
zão, as mulheres conseguem as pa-
a atuação da escola indígena, que tem sede na Aldeia
lhas praticamente sem custo. Resis-
Mundo Novo, eles alugaram um local que pagam com
tente, a planta permite a criação das
o próprio salário, assim como dividem o ganho com a merendeira e com outras pessoas que lecionam. Todos
mais diversas peças, como cestas e
atuam além do trabalho especificado. Joelma Matos, por
bolsas (fotos).
exemplo, além de preparar a alimentação das crianças,
Os produtos são vendidos no próprio prédio onde são fabricados, no bairro Alto da Boa Vista, em Monse-
trabalha de forma voluntária ensinando os pequenos a confeccionar artesanatos. Uma verdadeira lição de manutenção da identidade.
nhor Tabosa, e também são encon-
Índios caceteiros
trados no museu da história da cida-
Diversas etnias de índios brasileiros são nomeadas de
de, onde a índia Socorro Potyguara,
caceteiros, devido ao fato de utilizarem cacetes de ma-
responsável pelo local, disponibilizou espaço para exposição e venda das
deira, conhecidos também como borduna ou tacape, em momentos culturais como danças; a maior finalidade dos objetos, entretanto, era como arma em caças ou guerras.
peças criadas pelo trio.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Rendeiras de Chorozinho contam sua história através das linhas e
fortalecem o laço com o tempo Por João Ernesto
Francineide
As mãos das mulheres rendeiras das
ção que remonta, no mínimo, ao início
comunidades rurais de Chorozinho
do século passado. Nesse contexto, o
mantêm a tradição da renda em bilro
estalar dos pares de bilro quando ma-
ao longo das gerações na localidade.
nuseados habilmente pelas mãos das
Elas constroem uma história de autoa-
mulheres não é apenas lembrança de
firmação e independência no campo,
um tempo que passou, mas se torna
remontando a outros tempos, quando
um fator único nessas comunidades
era natural reunir as mulheres da casa
rurais que compõem detalhes da so-
em torno do alpendre ou da sala para
noridade do semiárido.
começar a produção das rendas. Des-
O termo “bilro” remete às madeiras
de criança, as então meninas das co-
utilizadas para costurar as rendas ou os
munidades rurais de Choró Tapera e
bicos – como é chamado um tipo de
Patos dos Silva começavam a contar,
renda que tem uma base retilínea e ou-
sem saber, sua própria história, bordan-
tra arredondada ou pontiaguda. Os bil-
do, com uma sutileza única, uma tradi-
ros, que fazem um som agudo quando
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
manuseado aos pares, geralmente são feitos de semente de buriti; o pedaço de madeira por onde passa a linha, por sua vez, é feito de marmeleiro ou pereiro, árvores muito comuns na região. As “formas” utilizadas para montar o formato da renda são chamadas de “papelão” pelas rendeiras, que geralmente reaproveitam caixas de leite ou de sabão em pó, embora também
Dona Helena fazendo suas rendas
possam ser utilizados plásticos, que para as rendeiras duram mais e não precisam ser trocados com muita fre-
Eu mesma já ensinei a outras mulheres aqui da comunidade. Girlene
quência. A almofada, onde se encaixa o molde e as linhas presas aos bilros, é feita com tecido de rede e preenchida com capim ou folha de bananeira. Os espinhos de cardeiro ou de mandacaru ficam nos buracos das formas, guiando os caminhos das linhas.
Repassar o ofício e multiplicar os saberes: as rendeiras aprendendo e repassando a tradição Antes, a “renda” também era financeira para as mulheres. Em Choró Tapera, dona Luzenira, de 64 anos, trabalha há mais de cinco décadas com sua almofada de bilro e criou quatro filhos com seus rendados. Ela aprendeu o ofício escondida da mãe; “não mexa na minha almofada”, dizia a matriarca antes de dormir. Luzenira desobedecia e pela manhã a mãe notava que a “pilica” (nome dado quando a rendeira completa uma “volta” na forma) estava completa, sabendo assim que a filha gostava de fazer o trabalho; o que ela não imaginava é que anos depois a fi-
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Almofada com bilros de Lourdes
lha faria do ofício a forma de sustentar
mulheres aqui da comunidade, mas vai
seus filhos no campo. Já dona Maria,
ficar a critério da minha filha aprender
que reside em Patos dos Silva, conta
a fazer a renda de bilro. Ela vende suas
sobre a primeira renda que fez, aos
rendas e seus bicos em Cascavel, no li-
sete anos de idade: a “peixinha”, lem-
toral do Ceará, cada peça tem em mé-
bra ela, destacando o formato de peixe
dia nove metros e leva cerca de cinco
que o trabalho final tinha. A memória
dias para ser finalizada, porém o preço
das rendeiras faz dona Helena, por sua
não compensa o trabalho manual para
vez, relembrar os trançados mais com-
boa parte das mulheres”.
plexos do tempo que era criança, afir-
O tato das rendeiras, a visualidade
mando que o comércio das peças era
dos traços nas rendas e a sonoridade
mais difícil.
que o movimento das agulhas traz são
Ensinar o ofício para outras pesso-
características marcantes da localidade.
as da comunidade não foi obrigação
O estalar dos bilros destaca um sensí-
para as rendeiras, mas a manutenção
vel trabalho das mulheres rendeiras de
da cultura depende diretamente do re-
Chorozinho na história da localidade.
passe de conhecimentos. Girlene, de 38 anos, teme o desaparecimento da cultura da renda de birro, mas conta que sempre que aparece alguém querendo aprender, ela ensina o passo a passo: “Eu mesma já ensinei a outras
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Maria de Jesus e a terra onde planta
roçados, hortas e sonhos
“Eu já tenho imaginado Que a baixa, o sertão e a serra Devia sê coisa nossa Quem não trabalha na roça Que diabo é que quer com a terra?” Patativa do Assaré
Por Karol Dias
Enquanto um canteiro brota, outro alimenta
Maria de Jesus, de 54 anos, é uma
são que dou o maior valor é essa mes-
agricultora que, a exemplo de muitas
mo... É o melhor que eu faço e é o que
mulheres rurais, cuida com carinho
gosto de fazer”, ela explica.
da terra, dos animais e das plantas. Na
A família chegou no local há 12
comunidade São Bento, que fica a 15
anos e mora em “terra de patrão”,
quilômetros de Ibiapina, ela mora com
onde eles plantam e colhem. A agri-
o marido, Pedro Batista, as filhas, Silva-
cultora, entretanto, se preocupa: “A
nir, Luciane e Lidiane, os filhos, Genil-
gente planta assim, com medo por-
son e Janielson, e os netos, Jadyson
que não mora no que é nosso. A
e Jovino Filho. Maria divide seu tempo
gente é morador, planta nas terras
entre o cuidado com a casa, o roçado,
alheias e tem medo de avançar mais,
os canteiros, as fruteiras e os animais
planta pouquinho só para ir se man-
que cria no quintal e ao redor de casa.
tendo”. Assim, de cada seis ‘leiras’
“Já me criei na agricultura, desde meus
que colhem no roçado, duas é para
pais e meus avós. Para mim, a profis-
a dona da terra.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Água que dá vida e aumenta a produção Maria de Jesus lembra com alegria que, em 2012, recebeu uma cisterna calçadão; foi quando pôde ampliar seus plantios perto de casa e diminuir o gasto com alimentos. “O bom aqui é que a gente vai consumindo sem tá comprando. E tudo isso que a gente faz aqui já vai amaneirando a despesa de casa”, ela diz orgulhosa.
Maria de Jesus e seu canteiro a produzir
Trabalhando na agricultura desde a infância, Maria de Jesus sempre produziu de forma orgânica pensando no bem-estar de sua família; preferia ter prejuízo na colheita do que ter que usar fertilizantes e defensivos químicos. Desde que participou dos cursos de formação em Gerenciamento de Água Para Produção de Alimentos (GAPA), Sistema Simplificado de Manejo de Água (SISMA) e de um intercâmbio de formação, entretanto, ela aprendeu algumas estratégias que melhoraram o
Desenho da paisagem que começa a se diversificar com o acesso a água
resultado de sua produção. “Eu aprendi como pulverizar as plantas, que eu não
Terra que é sonho e direito
sabia, com manipueira, com nim, pul-
Sobre sentimentos e esperança ela
verizar quando o gado cria carrapato...
diz: “Eu tenho o maior sonho no mun-
Tudo isso a gente aprendeu com esses
do de um dia eu alcançar de morar
cursos”, cita a agricultora.
num pedacim, embora que seja só o
Em relação ao consumo e à comer-
pontim da casa, mas, que eu diga as-
cialização, da produção do roçado ela
sim: aqui ninguém mexe comigo...”. As-
só vende se sobrar da alimentação da
sim é Maria de Jesus, uma agricultora
família; o que vem da horta, por sua
que, com trabalho, simplicidade e sor-
vez, além de suprir as necessidades de
riso no rosto, leva consigo a esperança
casa, é compartilhado com as/os vizi-
de um dia conquistar o que há de mais
nhas/os. “Muitos deles que vêm atrás, a
fundamental para quem trabalha na
gente divide também”, comenta.
agricultura: a terra.
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Cultivar sonhos para alcançar as estrelas “Ser radical é agarrar as coisas pela raiz e a raiz do homem é o próprio homem” Paulo Freire
Por Liliane Carvalho
Estudantes da EFA construindo Canteiro Econômico na Oficina de SISMA.
Sonho que se sonha junto é reali-
A escola que tantos trabalhadores
dade! Está sendo assim com a Escola
e trabalhadoras rurais desejaram ter e
Família Agrícola Chico Antonio Bié, a
não puderam frequentar antigamente
EFA Ibiapaba. Desde 2009, agriculto-
existe, mas não corresponde às neces-
ras e agricultores envolvidos no Projeto
sidades de quem mora no campo: não
Agroecologia em Rede, desenvolvido
respeita a cultura e a história de cada
pelos Sindicatos de Viçosa do Ceará
região, não valoriza nem reafirma a
e de Tianguá, estão “tecendo fios” e
identidade campesina, estimula o êxo-
construindo uma educação diferencia-
do rural e não contribui com o desen-
da no semiárido ibiapabano.
volvimento agrário.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Insatisfeitos com essa educação,
dias intensivos na escola e o restante do
agricultores e agricultoras programa-
mês em casa, realizando uma diversida-
ram uma visita à Escola Família Agrícola
de de tarefas que envolvem as famílias
Dom Fragoso, situada em Independên-
e as comunidades. Direção, monito-
cia. Foi aí que o sonho de ter uma ver-
ria e educadores realizam um trabalho
dadeira educação do campo começou
voluntário, cheio de dedicação e es-
a mudar a vida dessas pessoas. Com
peranças. Para suprir tantas outras ne-
muito esforço, determinação, trabalho
cessidades, inclusive a de alimentação,
e compromisso, criaram a Associação
muitos apoiadores estão contribuindo
da Escola Família Agrícola da Ibiapaba.
com trabalho e doações. Por enquan-
Depois de “bater em muitas portas”, a
to, a escola funciona na Casa de Reuni-
Associação do Assentamento Morada
ões, cedida pela Associação do Assen-
Nova–Tianguá fez a doação de 22 hec-
tamento Nova Esperança–Tianguá. Os
tares de terra para a construção da EFA.
Sindicatos de Viçosa, Tianguá, Ubajara,
Acreditando na capacidade criativa e
Ibiapina e Frecheirinha, além de outras
no compromisso das famílias envolvidas
entidades e pessoas, dedicam tempo,
nessa construção, em 2013 foi realizado
cuidado e trabalho na realização das
o processo de seleção da primeira turma
atividades escolares, garantindo o bom
de estudantes e, dos mais de 100 jovens
funcionamento da escola.
interessados, 26 foram matriculados. A
Mudar mentalidades e comporta-
EFA está funcionando! Pela pedagogia
mentos nunca foi tarefa fácil nem para
da alternância, os jovens passam doze
a família, nem para a escola, mas isso
Primeira Turma da Escola Família Agrícola da Ibiapaba - EFARI
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
está acontecendo na EFA. Agora, jovens que passaram por lá estão cuidando melhor das suas coisas e do ambiente onde vivem, compartilhando o trabalho doméstico, dialogando mais com suas famílias, assumindo maiores responsabilidades em casa e na escola e administrando as dificuldades de relacionamento para estabelecerem uma melhor convivência em grupo. “Nas outras escolas, os filhos estudam para abandonar o campo; na EFA, eles buscam as raízes históricas da família e resgatam essa memória. É muito bom!”, conta João Jovem, pai de Eduardo, educando da EFA. O registro oficial da EFA, a construção da escola com base na permacultura, a infraestrutura e a alimentação Participação de estudantes da EFA na Oficina de GAPA pela ESPAF
durante as seções escolares são desafios que precisam ser vencidos para se “alcançar as estrelas”. A Campanha
Nas outras escolas, os filhos estudam para abandonar o campo; na EFA, eles buscam as raízes históricas da família e resgatam essa memória.
“Amigos da EFA” está mobilizando novas entidades e pessoas, aumentando a teia de solidariedade e o compromisso de todos com a transformação da educação e, consequentemente, da vida no campo, tornando realidade o sonho de muitos que querem um semiárido onde a vida que pulsa se expresse de forma plena e radical.
João Jovem
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Artesanato é fonte de renda e vida em Icapuí (CE) Por Marcus Saymon
O sorriso largo de dona Maria Nasirene traduz a vida que ela mesma define como “FELIZ”. A agricultora mora no município de Icapuí, na comunidade Vila União, já próximo à divisa com o Rio Grande do Norte. Para a agricultura familiar, os bens TERRA e ÁGUA são indivisíveis. Nessa luta seguem milhares de camponeses que buscam em suas terras produzir e garantir o sustento de suas famílias. A primeira das lutas enfrentada por dona Nasirene foi a conquista da terra. Inicialmente, era apenas ela, o marido – seu Milton – e um dos seus filhos. “Quando a gente chegou aqui, só era mato alto, meçamos a lutar pelos nossos direitos”,
Sua historia se confunde com a história da comunidade, e entre sorrisos ela trança com agilidade os fios e enquanto fala um pouco da sua vida
conta a agricultora. Assim, a família
não existe, em seu coração, aquele ve-
buscou os documentos e meios legais
lho pensamento de que já sabe tudo,
até conseguir definitivamente a docu-
que não precisa aprender mais, ou
mentação que garantia a posse legal.
qualquer outro sentimento que torna
e daí roçamos tudo com facão e co-
A segunda parte de sua luta foi a
as pessoas pessimistas e sem esperan-
busca pelo acesso à água. De forma
ça. “Sempre que a gente solicita alguma
organizada, a agricultora mobilizou a
coisa para cá, eles nunca querem no
comunidade e levou essa demanda até
começo, mas quando veem que está
a COMTACTE (Cooperativa Mista de
dando certo aí se interessam,” explica a
Trabalho Assessoria e Consultoria Téc-
agricultora. Dona Nasirene foi uma das
nico Educacional), que
executou as
primeiras a apoiar a chegada das imple-
primeiras construções e capacitações.
mentações do Programa Uma Terra e
O sentimento que move dona Nasi-
Duas Águas (P1+2) na sua comunida-
rene é de que tudo pode ser diferente;
de, já que ainda hoje existem muitas
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
comunidades que não acreditam que as políticas de convivência com o semiárido possam ser uma realidade, que não creem que esse tipo de tecnologia social pode chegar até elas, mas percebem que, quando todos se envolvem, renova-se o sentimento de esperança. Dona Nasirene é um exemplo de força e encorajamento. Atualmente, ela tem no artesanato o seu sustento e mantém firme e unida toda sua família que vive em volta do seu quintal produtivo. “O cisternão veio para complementar meu quintal produtivo”, conta a agricultora. Em seu quintal, ela tem galinhas caipiras, marrecos, patos, porcos, bezerros e uma vaquinha, dentre outras criações; além disso, tem como forragem a hortênsia, a leucina e a algaroba, que servem de alimento para a vaca e bezerros. A adaptação da alimentação animal para espécies que são cotidianas do semiárido facilita a conservação das mesmas durante o período em que não há chuva. Essas forragens são bastante comuns entre agricultores familiares. Já no que se refere à comercialização direta dos produtos, a família ainda não conseguiu se organizar, pois prefere assegurar sua alimentação, mas tem como objetivo se unir aos demais moradores para se organizar e levar seus produtos a alguma feira local. Dona Nasirene costuma participar, junto das mulheres da comunidade, de eventos e feiras onde cada uma leva seu produto, seja artesanato, frutas, verduras, etc.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Orgulhosa do seu pedaço de chão, dona Nasirene conta todas as suas conquistas pessoais e em prol de sua comunidade
Quando a gente chegou aqui, só era mato alto, e daí roçamos tudo com facão e começamos a lutar pelos nossos direitos Nasirene
Cores e tranças da renda
O artesanato da agricultora é de
com pedaços de madeira e Dona Nasi-
encher os olhos. Ela conta que nem
rene nos mostra um que lhe acompa-
lembra como aprendeu, mas que na
nha desde a primeira renda. A função
primeira comunidade onde morava
dos bilros é facilitar o rendado e cada
com sua mãe em Canaã, no Ceará, as
um tem um fio de coloração diferente;
mulheres costumavam se reunir à tar-
quanto maior a renda, maior o núme-
de para “rendar”. Hoje, ela conta com
ro de bilros. Os alfinetes usados por ela
ajuda da mãe para vender suas peças
são espinhos de mandacaru, já que os
em Natal, no Rio Grande do Norte;
convencionais enferrujam devido à re-
dessa forma, se livra do atravessador e
gião ser a beira-mar.
recebe justo pela sua arte.
Primeira moradora da comunidade,
O material utilizado para a renda
fundadora e presidente da associação,
de bilro é bastante simples: o trança-
artesã, agricultora familiar, mãe. Essas
do se dá apoiado em uma almofada,
são apenas algumas das atribuições
confeccionada com retalho de rede e
que podem ser dadas a Dona Nasirene
recheada com folhas de bananeira; o
que, com sua hospitalidade e exemplo
papel picado é apoiado em cima com
de vida, segue motivando e encorajan-
o desenho que dá forma aos fios. Os
do todos no Semiárido.
bilros que dão nome à renda são feitos
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Vivendo e aprendendo: a experiência de resistência de João Félix e Antônia Vivendo e aprendendo a jogar Vivendo e aprendendo a jogar Nem sempre ganhando Nem sempre perdendo Mas, aprendendo a jogar Guilherme Arantes
Por Mayara Albuquerque
João Félix recebe agricultores e agricultoras do Sertão Central em intercâmbio
Casados há 26 anos, João Fe-
ró Limão, município localizado a 21
lix chama Antônia para participar da
quilômetros de Quixadá e da micror-
prosa porque sem ela, a conversa e a
região do Sertão de Quixeramobim,
vida ficariam incompletas. Com uma
ele vivenciou o alto índice de veneno
trajetória inteira dedicada à agricultu-
da região. “A gente colocava veneno,
ra familiar, João só ficou sabendo da
tinha vontade de largar, mas achava
existência da agroecologia em 2003
que não ia conseguir produzir sem o
através do Centro de Pesquisa e As-
veneno. Tinha vontade, mas não ti-
sessoria – ESPLAR. Vivendo na co-
nha o parecer, o conhecimento”, re-
munidade Riacho do Meio, em Cho-
lembra o agricultor.
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
João Félix e a família, reunidos em frente ao trabalho do artista pernambuco Derlon
A gente nunca diz assim: ‘eu sei tudo’. A gente sempre tem o que aprender. É na convivência que a gente vai aprendendo. Antônia
Com o Algodão em Consórcios
Há dez anos sem produzir com ve-
Agroecológicos e os Quintais Produti-
neno, João Felix acredita que experi-
vos, projetos implantados pelo ESPLAR,
mentar é a melhor maneira. Não existe
o casal começou a construir uma nova
fórmula, é fazer do seu quintal o seu
visão de mundo. Para João, a agroeco-
laboratório e o seu espaço para criar
logia engloba todas as coisas, desde o
e proteger a terra. É vivendo que se
convívio em sociedade até a divisão de
aprende e na convivência com o pró-
tarefas em casa: não se trata só de se-
ximo, como bem diz Antônia: “A gente
gurança alimentar, trata-se de construir
nunca diz assim: ‘eu sei tudo’. A gente
politicamente um novo modo de viver
sempre tem o que aprender. É na con-
e, acima de tudo, defendê-lo. “E de lá
vivência que a gente vai aprendendo”.
para cá, a gente ingressou na questão
João é um dos multiplicadores do
da agroecologia, tanto em fazer como
Algodão em Consórcios Agroecológi-
em defender. Eu acho que o ideal não
cos, um dos fundadores da Casa de
é só você querer para si, mas mostrar
Sementes do Riacho do Meio e tam-
para outras pessoas que aquilo dá cer-
bém faz parte da Associação Comuni-
to, que é importante, que é uma forma
tária dos/as Agricultores/as Familiares
de ter mais saúde. Faz com que a terra
do Riacho do Meio. Assim, está sem-
tenha mais vida”, ressalta o agricultor
pre envolvido em reuniões. Já partici-
agroecológico ao falar sobre a sua tra-
pou duas vezes do Encontro Nacional
jetória na agricultura familiar.
de Agroecologia (ENA) e outros tantos
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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encontros, pois considera da maior importância compartilhar experiências e ficar por dentro dos debates. Antes de sair de casa, ele pede que o filho leve o café para a mãe na cama, um mimo que faz à companheira há anos antes dela sair de casa para trabalhar. Antônia, além de cuidar da horta e das abelhas, também é agente de saúde e conta com a ajuda dos três filhos e do companheiro nas tarefas da casa. A cisterna calçadão da família não vê água da chuva há três anos e, com a seca, até os cacimbões da região secaram, daí é preciso pagar o carro-pipa para ter acesso
João Félix e Neto, na feira da agricultura familiar e solidária de Quixadá
à água. No entanto, como a “força nunca seca para a água que é tão pouca”, o casal ainda cultiva cheiro-verde, cebolinha, alface, pimentão, tomate, limão, carambola, mamão, goiaba, noni, graviola, laranja, acerola, amora, cajueiro e coqueiro. Na parte de plantas medicinais, eles têm capim-santo, corama, malvarisco e cidreira. Além disso, criam galinhas e ovelhas. “No primeiro ano que nós recebemos a cisterna, o João fazia o dinheiro da semana só nos finalzinho de semana. Não precisava nem botar para vender para fora não. O pessoal sabia que tinha e já vinha comprar aqui. Era pimentão, pimentinha,
João Félix mostra a criação de abelhas
cheiro-verde...”, recorda Antônia. Apesar da falta de água, o casal já recebeu agricultores e agricultoras de Madalena em intercâmbio esse ano. Resistir é com eles mesmo. Mas não resistir para sobreviver, e sim para mostrar que a luta vale a pena, que a vida pode ser digna e que os sonhos podem pulsar em qualquer lugar.
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Agricultoras de Aroeira
cultivando arte
“Os olhos são os primeiros que anunciam o amor” Por Ricardo Wagner
Grupo de dramistas de Aroeiras - Aracati (CE)
Em Aroeiras, a receptividade e o bom humor sopram pelos troncos das carnaúbas e cajueiros como os famosos ventos do Aracati, onde a comunidade está localizada a 27 quilômetros da sede do município. Cerca de cem famílias povoam a localidade, sendo a maioria composta por agricultoras e agricultores familiares que plantam macaxeira, feijão, milho, mandioca e beneficiam produtos do caju.
Mulheres que lideram
Dos tempos em que lecionava aos tempos atuais, dona Eufrásia, agora com 86 anos, traz muita história para contar. Ela nasceu na comunidade Lagoa Escondida, vizinha à comunidade Aroeiras. Por trinta anos, a professora aposentada lecionou em escolas municipais; hoje, ela não deixa de exercer duas atividades que tanto gosta: a agricultura e o drama. Sua casa é bem arejada, resultado dos enormes cajueiros, ateiras e mangueiras que nos convidam a armar
É nesse local que vivem as dramis-
uma rede e contemplar o canto dos
tas. Dona Eufrásia é a líder do grupo.
passarinhos misturado ao ranger do
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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antigo armador fincado no tronco da carnaúba. O coentro, o pimentão e a cebolinha estão no canteiro; a manga, a ata, o mamão, o abacaxi e a acerola ficam nos arredores da casa; e o feijão, a melancia e o milho no roçado, por sua vez, se encontram ao redor da cisterna de enxurrada. Sentada à mesa que seu pai fabricou para que ela pudesse ensinar as crianças, jovens e adultos da comunidade, dona Eufrásia nos relata: “Mas não foi fácil, não. Todo o pessoal mais velho daqui foi meu aluno. Eu ensinei o meu marido a ler e a escrever depois de adulto”. Junto com seu Zé Maria, de 72 anos, seu marido e companheiro de luta, ela fala da sua trajetória: “A gente sabia plantar porque nossos pais levavam a gente pro roçado para aprender
Dona Eufrásia, fundadora do grupo
outras coisas e eu ainda participo do grupo de dramistas”, ela arremata.
É muito Drama
vendo. Ninguém nos ensinava a não colocar fogo no roçado, a não usar vemeios de não estragar a terra”. O que o
“Eu sou a vida força monitora Espalho a luz pelo mundo afora Quem me criou foi a mãe Aurora
casal relembra são as dificuldades com
Que lá no céu nos dirige agora...”
neno. Hoje está diferente. Tem muitos
a água. “Hoje está mais fácil conseguir um bom plantio. Com essas cisternas,
O Grupo de Dramistas de Aroeiras
a gente tem mais tempo para aprender
conta hoje com 11 mulheres e 2 ho-
formas de cuidar da terra, diferente do
mens. Dona Eufrásia está no grupo
que a gente fazia naquele tempo”, ob-
desde a década de 1940, quando ain-
servou dona Eufrásia.
da era menina, e rememora aqueles
“Quando as famílias aqui não tinham
tempos: “A gente estudava em Aracati
cisterna, dava era confusão quando
e quando era nas férias, a gente vinha
o carro-pipa vinha colocar água no
a pé para cá. Cada dramista fazia sua
tanque ali do lado da casa de farinha”,
roupa e a gente ensaiava para se apre-
conta a agricultora, que lava suas rou-
sentar aqui nas redondezas”
pas à sombra de um cajueiro do lado
Dona Fátima Lima, de 60 anos, nos
da casa. “A água já está garantida na
conta a história: “O Drama é uma espé-
cisterna. Eu tenho tempo para fazer
cie de teatro, só que é todo dançante,
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
como um musical. É um tipo de arte que veio dos portugueses e está aqui desde os meus avós”. O Drama do grupo é dividido em 32 atos, e tem vários personagens, como as floristas, a cigana chique, a baianinha e os matutos. O Drama pode ser apresentado em qualquer época, diferente do Pastoril, que só é apresentado na época do Natal. Sem contar com nenhum apoio e sem acessar nenhuma política pública, o grupo ainda não tem sede própria. Gerações fazendo cultura no Semiárido Cearense
As roupas, cenários e adereços são guardados na casa de dona Fátima. Ela também é responsável por guardar os cadernos com as composições musi-
Com essas cisternas, a gente tem mais tempo para aprender formas de cuidar da terra, diferente do que a gente fazia naquele tempo.
cais do grupo debaixo de sete chaves.
Eufrásia
a juventude não está querendo partici-
“É que a gente participa de competições de Dramistas, aí a gente não quer que os outros grupos peguem as nossas músicas, né? A gente não é nem besta!”, diz sorridente a artista. Dona Maria, que também faz parte do grupo, dispara alegre: “As músicas eram gravadas só no chip da cabeça”. As Dramistas demonstram preocupação com o futuro do grupo. “É que par. A gente tem medo que ninguém bote o grupo para frente”, diz dona Fátima com o olhar perdido. Contando com apenas um pandeiro, tocado por seu Francisco Ciriato, de 74 anos, o grupo não desanima. “A gente vai continuar tentando trazer os jovens para cá. A gente não pode desistir”, completa dona Fátima, com um largo sorriso.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
40
Urucongo: uma história de arte e cultura
no Cariri Cearense Por Ricardo Vieira passaram a se encontrar nos períodos que antecediam as festas juninas para planejar os festejos, incluindo as temáticas a serem trabalhadas. Nesses momentos surgiam, além dos assuntos relativos à quadrilha, outros de interesse da comunidade, como acesso à terra e à água, segurança alimentar, revitalização da cultura local e regional, trabalho escravo e articulação com outras organizações, dentre outros. Como os encontros se encerravam com a realização da quadrilha, os temas não eram aprofundados. Apresentação cenopoética do Grupo Urucongo de Artes
Nascia então a necessidade de algo mais concreto, dando origem, em 2006, ao Grupo Urucongo de Artes.
Na comunidade Chico Gomes, dis-
“Não tínhamos noção da ação políti-
tante oito quilômetros da sede do mu-
ca do grupo dentro da nossa realida-
nicípio de Crato, um grupo de jovens dá
de. Trabalhávamos na quadrilha temas
o exemplo que, através da mobilização
como o Caldeirão1, que fazia refletir
social, é possível construir mudanças
sobre diversas questões, como o aces-
positivas. A comunidade é composta
so à terra, embora de forma superficial.
por 47 famílias que se distribuem numa
Quando passou a Urucongo, percebe-
área na encosta da Chapada do Arari-
mos o tanto que podíamos aprofun-
pe voltada para atividades agropastoris,
dar”, conta Ana Cristina, de 25 anos,
tendo, portanto, o acesso à terra como
relembrando aquele período; à época,
o maior desafio.
ela tinha apenas 13 anos.
Nesse ambiente, em meados de
Manoel Leandro, que hoje tem 35
2001, um grupo de jovens se reuniu
anos e é participante do grupo desde a
para organizar uma quadrilha junina, a
sua fundação, quando ainda era jovem,
primeira de muitas. A partir de então,
acrescenta: “Tudo começou a partir de
41
Caderno de Sistematizações - FCVSA
Meizinheiras com a mão na “massa” (no sabão)
uma brincadeira que foi ficando séria e
correram ao Prêmio Odair Firmino de
despertou a necessidade de aprofun-
Solidariedade com o tema “Juventude,
dar todas essas questões”. Os jovens se
Desenvolvimento e Solidariedade: Se-
dedicaram a pesquisar a história local e
meando Direitos, Colhendo Vidas” (é
a buscar parcerias para capacitações e
o tema geral do prêmio ou o tema do
formações políticas para se reconhece-
grupo? A pontuação muda de acordo
rem como sujeitos dessa história. Logo
com a resposta)., pela Cáritas Brasileira,
em seguida, e com o mesmo intuito,
alcançando a primeira colocação e a
foi realizada uma oficina de confecção
premiação de R$ 10.000,00.
de instrumentos musicais em parceria
O recurso veio através de bolsas para
com a Rede Mulher. Essas iniciativas
jovens da comunidade destinados (os
trouxeram reconhecimento ao Uru-
jovens ou as bolsas que são destinados?
congo pela própria comunidade, na
A pontuação muda de acordo com a
região do Cariri e até nacionalmente.
resposta) aos cuidados com a mandala
Em 2009, o grupo foi contempla-
(projeto de agricultura familiar autossus-
do com o prêmio “Culturas Populares”
tentável para fins de produzir a própria
do Ministério da Cultura, viabilizando a
alimentação com qualidade, produtivi-
compra de um terreno nos arredores
dade, responsabilidade social e exercí-
da comunidade. No local, foram agre-
cio da cidadania) e para formações para
gados uma rádio difusora, uma casa
o turismo de base comunitária.
de sementes e um viveiro de mudas
Ainda em 2012, o Urucongo realizou
do P1+2 (Programa Uma Terra e Duas
a primeira Balada Coco, evento cultural
Águas da Articulação Semiárido Brasi-
que passou a fazer parte do calendário
leiro (ASA)). No ano de 2012, eles con-
do grupo, como também a revitaliza-
Caderno de Sistematizações - FCVSA
42
ção do trabalho das meizinheiras (também passou a fazer parte do calendário?), em reconhecimento ao apoio dado pelas mães destes jovens. Em parceria com a Cáritas, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e associados a outras duas comunidades, Batateiras e Jenipapo, (os jovens ou as mães?) enriqueceram o projeto das Meizinheiras com a produção e a comercialização de chás,
Mandala na comunidade Chico Gomes
banhos, lambedores, sabonetes e po-
comunidade, fazendo-os enxergar a
madas. Este ano (2015?), eles tiveram
realidade”, pois “o não empoderamen-
a primeira experiência de turismo de
to da terra, nos impossibilita de aces-
base comunitária como mais uma pos-
sar várias políticas públicas”, acrescenta
sibilidade de geração de renda.
Manoel Leandro.
Ivonildo, que participa do Urucon-
Manoel destaca ainda o apoio das
go desde a adolescência e hoje é um
instituições parceiras, em especial da
jovem universitário, profetiza: “O futuro
Associação Cristã de Base (ACB), no
do Urucongo é fazer da Chico Gomes
início da mobilização, e também da
– a nossa comunidade – o nosso local
Cáritas Diocesana do Crato, da Rede
de trabalho e fonte de renda, pois os
de Educação Cidadã (RECID), da Rede
jovens veem o grupo como uma fase
Mulher, do ICMBio, do IFCE, do Grupo
momentânea, não conseguem ver ain-
de Valorização Negra do Cariri (Gru-
da a continuidade para o futuro, mes-
nec), da Universidade Federal do Ca-
mo com todas as vitórias”.
riri (UFCA) e do Fórum Araripense de
Como nem tudo são flores, os jo-
Manoel Leandro
Combate a Desertificação.
vens estão conscientes que seu prin-
Para Rosely, fundadora e integrante
cipal desafio é trazer de forma mais
do grupo desde a adolescência e mãe
ampla o debate do direito de acesso à
de Heitor, de apenas um mês, a institu-
terra, já que as gerações anteriores têm
cionalização do grupo é um passo fun-
características pacíficas, resultado de
damental para os sonhos que querem
marcas na memória de pressões sofri-
realizar, contribuindo para a constru-
das no passado. “Historicamente a co-
ção da realidade de que no semiárido
munidade está submissa às questões
brasileiro é possível promover a melho-
agropastoris através dos anos e pre-
ria da qualidade de vida dos agriculto-
tendemos tirar a venda dos olhos da
res e agricultoras familiares.
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Pretendemos tirar a venda dos olhos da comunidade, fazendo-os enxergar a realidade.
Caderno de Sistematizações - FCVSA
Na luta pela terra o MST já fez história. A Escola João dos Santos Oliveira faz parte dessa vitória
Por Rutiele Parente
Aniversário de 25 anos do Assentamento 25 de maio (Arquivo Escola João Sem Terra)
Da terra onde nasceu o MST no Ce-
na, como parte do esforço da luta pela
ará, brotou a Escola Estadual de Ensi-
terra, por reforma agrária e pela afirma-
no Médio João dos Santos de Oliveira
ção da agricultura camponesa familiar.
(João Sem Terra), um centro de edu-
O nome da escola foi definido
cação em agroecologia e desenvol-
através da participação popular, que
vimento sustentável dos movimentos
escolheu o nome de João Sem Ter-
sociais populares do campo. Situada
ra (1939-2008) para ser homenagea-
no Assentamento 25 de maio, na co-
do. Sua trajetória é uma presença viva
munidade de Quieto, e marco históri-
na luta pela reforma agrária, por isso
co na luta dos trabalhadores e traba-
a justa homenagem a sua memória,
lhadoras rurais sem terra no estado do
nomeando a Escola Estadual de Ensi-
Ceará, a escola foi inaugurada em 6 de
no Médio João dos Santos de Oliveira
Abril de 2010, no município de Madale-
(João Sem Terra).
Caderno de Sistematizações - FCVSA
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Estamos esperando a reforma que não sai, mas é preciso achar um jeito, juntar braço com mais braço conquistar melhor espaço, no que temos de direito. Trecho da música que João sempre gostava de tocar e cantar
Por estar inserida no contexto de luta pela reforma agrária, a escola se apresenta como um espaço de reflexão e discussão com o intuito de promover um projeto socioeconômico que pre-
Alunos da Escola do Campo apresentando seus projetos/ações na I Feira da Reforma Agrária em Quixeramobim (Arquivo Escola João Sem Terra)
tende contribuir com a formação de
vens do campo, que teve como nome
um novo homem e uma nova mulher,
“Raízes da Terra”. O curso foi uma par-
sujeitos de uma nova sociedade, supe-
ceria entre a Escola Politécnica de Saú-
rando os valores do individualismo, do
de Joaquim
egoísmo e do consumismo, raízes da
Venâncio da Fundação Oswaldo
exploração dos seres humanos, que
Cruz (EPSJV/Fiocruz), o Núcleo Tra-
produzem miséria e violência, além
mas da Universidade Federal do Ceará
da destruição ambiental que ameaça
(UFC) e o Movimento dos Trabalhado-
a vida de todo planeta.“Nós temos lu-
res Rurais Sem Terra, contando com o
tado por um projeto político-pedagó-
financiamento da Secretaria de Gestão
gico das Escolas do Campo que leve
do Trabalho e Educação na Saúde (SG-
em conta essa realidade, do projeto
TES) do Ministério da Saúde. A iniciativa
da agricultura camponesa, que é esse
tinha como objetivo principal formar
projeto baseado na agroecologia, nas
trabalhadores e trabalhadoras rurais
novas relações de gênero, nas tecnolo-
para a identificação e o enfrentamen-
gias de convivência com o semiárido,
to dos principais determinantes sociais
considerando a matriz da agroecologia,
da saúde das populações do campo,
preocupada com a formação humana
fortalecendo a luta dos movimentos
nas suas várias dimensões,”ressalta Ma-
sociais camponeses na construção
ria de Jesus, coordenadora do Setor de
de ambientes saudáveis e sustentáveis
Educação do MST.
com ênfase nos problemas de saúde
Baseando-se na Política Nacional
ambiental de seus territórios.“O MST
de Saúde Integral das Populações do
luta pela educação na reforma agrária
Campo e da Floresta, no ano de 2012 a
como uma estratégia de fortalecer a
escola sediou a primeira turma do Cur-
reprodução camponesa e o projeto de
so Técnico em Meio Ambiente para jo-
sociedade que defendemos, que é um
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
meio ambiente”, os alunos Guilherme e Sara apresentam receitas de biodefensivos contra diversos insetos que atingem as plantações e apontam a importância da preservação ambiental e o mal causado pelos insumos químicos. Para o aluno Thalyson, “depois que eu entrei na escola do campo, eu mudei bastante, porque aqui agente discute e constrói a educação. Eu era tímido e, com os projetos, o teatro, eu Aniversário de 25 anos do Assentamento 25 de maio (Arquivo Escola João Sem Terra)
me sinto mais capaz, eu nem imaginava que tinha essa capacidade.”
campo com mais dignidade, que pro-
Além de contribuir na divulgação da
duz alimentos saudáveis, que tenha so-
agroecologia, no apoio social e na efe-
berania alimentar, uma transformação
tivação da reforma agrária no Ceará,
social,” reforça Maria de Jesus.
a prática pedagógica da Escola João
A Escola João Sem Terra tem uma
Sem Terra está se construindo local
área importante de produção agroe-
e regionalmente como uma referên-
cológica, que é também espaço para
cia para a educação do campo. Anu-
capacitação e pesquisas; ela contam
almente, muitas pessoas passam pela
com uma horta Mandala, que produz,
Escola em cursos, encontros do MST e
além de hortaliças e legumes, frutas e
outros eventos.
peixes cuja produção é destinada ao
Nesse contexto, e em meio a tan-
consumo interno. É na Mandala onde
tos desafios que ainda persistem,
são cultivadas as plantas medicinais
pode-se afirmar que o fato de os su-
que compõem o projeto “Farmácia
jeitos contribuírem na construção da
Viva”, no qual os alunos discutem a im-
experiência e da prática pedagógica
portância das ervas medicinais na cura
da Escola João dos Santos Oliveira fez
de doenças.
nascer um novo jeito de fazer escola e
Além disso, são desenvolvidas di-
de fazer-se humano.
versas atividades educativas e culturais com a comunidade de seu entorno, destacando-se os projetos elaborados, pesquisados e apresentados pelos próprios alunos que constroem sua consciência crítica em relação ao meio em que vivem. No projeto “O uso de Agrotóxicos e os impactos na saúde e no
Caderno de Sistematizações - FCVSA
Mas, apesar de tudo isso O latifúndio é feito um inço Que precisa acabar Romper as cercas da ignorância Que produz a intolerância Terra é de quem plantar Canção da Terra - Pedro Munhoz
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Fundo Rotativo: uma nova maneira de economia trazendo mudanças significativas nos modos de viver, pensar e agir de agricultores e agricultoras
Por Lívia Teixeira
A comunidade Seridó discute o Fundo Rotativo como alternativa de desenvolvimento comunitário
A Cáritas Diocesana de Itapipoca
cípio de Trairi. Lá, reside um povo sim-
vem trabalhando na organização do
ples, alegre e acolhedor que faz parte
Projeto Fundo Rotativo, que, atualmen-
do Projeto Fundo Rotativo, acompa-
te, já conta com oito comunidades de
nhado pela Cáritas de Itapipoca há cin-
Itapipoca e outros municípios. Essa
co anos. As famílias de lá enfrentam vá-
nova maneira de trabalhar trouxe no-
rias dificuldades, mas a falta de acesso
vas vivências e expectativas para agri-
à água, principalmente nos períodos
cultores e agricultoras, favorecendo o
de estiagem prolongada, era até então
crescimento das famílias, desenvolven-
um dos fatores mais críticos presentes
do ações conjuntas e possibilitando a
na localidade.
vivência de uma economia solidária.
Tendo em vista as dificuldades vivi-
A comunidade de Seridó está situa-
das, as famílias apontaram o fundo ro-
da a 25 quilômetros da sede do muni-
tativo como um fator determinante na
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Caderno de Sistematizações - FCVSA
Desse modo, todos se organizaram para juntos contribuírem e iniciarem o processo de construção de cisternas. Cada pessoa do grupo dava a contribuição de vinte reais mensais. O controle do fundo era feito pela associação da comunidade em reuniões mensais. Após conseguirem a quantia total para a construção da cisterna, os/as participantes, em meio a reuniões, discutiam Dona Valdilene de Sousa fala da Experiência com o Fundo Rotativo
sobre, visando quem estava com mais necessidade. Feita a definição, a construção daquela cisterna era iniciada. Nesse projeto existem dois tipos de acesso: os acessos planejados e os emergenciais. Nas reuniões de controle do projeto existe uma comissão, escolhida em assembleia pela associação comunitária, encarregada de fazer avaliações para os “empréstimos” de ajuda do fundo solidário, pois foi adotada uma política de acesso para avaliar os empréstimos e dar prioridade às pessoas mais necessitadas. Nessa
Reunião da Associação Comunitária de Seridó
vivência, os moradores colocam em prática a honestidade e a solidariedade
viabilização de empreendimentos eco-
nas escolhas.
nômicos solidários e, a partir daí, viram a
Segundo dona Valdilene, o projeto
possibilidade da implementação de cis-
contribuiu muito para o fortalecimento
ternas na comunidade de acordo com
das famílias. “As pessoas ficaram mais
as mobilizações das famílias através do
unidas”, ela afirma. O fundo solidário
fundo para suprir as suas necessidades.
não ajuda somente o crescimento da
Aos poucos, foram organizando um
economia da comunidade, mas tam-
sistema de captação de “recursos”, que
bém o entrosamento dos moradores, a
podem ser financeiros ou não e que
solidariedade, a compreensão de con-
circulam entre os membros do grupo,
vivência, o compromisso com os ou-
propondo-se a ser uma alternativa de
tros e a busca coletiva por uma melhor
vivência diferente da capitalista.
qualidade de vida.
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Rede de Comunicadores/as do Ceará
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Entidades do FCVSA que contribuíram com essa publicação:
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Realização
Apoio
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