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Ikã Muru

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APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

182 cho que o início deste livro que a gente quer produzir, a gente começou de lá, da origem das ervas, para depois apresentar de onde foi que surgiram as doenças e por que as ervas medicinas são do nosso interesse, e por que estou interessado em escrever isso e deixar essa documentação registrada para meus f lhos e netos e netas. No meu documento, vou completar 67 anos no dia 28 de agosto de 2011, e nasci no Seringal Seretama, no rio Tarauacá, ali onde agora é a terra dos índios arredios. Quando eu era pequeno, meu pai e minha mãe faleceram com diarréia. E eu f quei como na história do Teixeirinha, sem pai e sem mãe, sem parente e aderente. Eu só tinha o meu tio. Ele era viajante. Ele não podia me cuidar. Ele fazia o transporte de mercadoria dos patrões. Transportava de varejão. Neste tempo não existia motor. Levava a balsa de borracha para a cidade.

Então eu fui obrigado a ir para as mãos dos seringueiros brancos. Lá, a primeira aula que recebi foi como cortar seringa. Cortar seringa, defumar, roçar estrada. Foi a primeira aula que eu tive. Trabalhei com os seringueiros até a idade de 18 anos. Em 1962, fui varando até onde tinha a aldeia grande, que tinha toda a cultura viva, onde se faziam todos os festivais. Eu não conhecia nenhum tipo de festa nessa época. Tinha Katxa, tinha o Batismo, Nixi Pae Pima, tinha a Festa da Banana, tinha a Festa do Gavião, três tipos de festas do Gavião, e outras brincadeiras. E também rolavam muitas histórias dos nossos antepassados. Quando chegavam as noites de lua clara, nos festivais, os velhos e as velhas se reuniam e começavam a contar histórias dos antepassados. Eu gostava muito das histórias também, porque eu queria aprender o que eu não sabia. Eu participava muito dessas histórias, me interessava. Então, chegamos na conquista da terra. Em 1976, comecei a lutar pela conquista da terra, até 1985, quando foi demarcada a nossa terra e fundada a educação indígena. Aí o Txai Terri [o antropólogo Terri Vale de Aquino] me convidou pra gente visitar os Ashaninka do rio Amônea. Quando nós chegamos na aldeia onde morava o Pancho Lopes, um grande pajé dos Ashaninka, eles prepararam o Daime para que a gente tomasse com eles. Nós tomamos. Às três horas da madrugada, chegou uma voz tomamos. Às três horas da madrugada, chegou uma voz para mim, dizendo: “Olhe, você já lutou muito pela conquista da sua terra”. Eu já tinha andado em 15 áreas indígenas. “Então você, agora, vai fazer o que mais no mundo? Você não apresentou nada de sua cultura, a sua sabedoria, a sua diversidade, a identidade do seu povo Huni Kuĩ. Você só poderá andar mais no mundo se você estudar mais a sua cultura, a cultura do seu povo, que é um documento muito forte para o povo Huni Kuĩ. Então ele me deu essa aula, e isso f cou gravado na minha mente. Até hoje eu me lembro e trabalho com essa aula que tive, que eu peguei através dessa miração de Nixi Pae. É o livro da experiência de Dua Busã, que é a força de proteção

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da natureza, que é Huã Karu Yuxibu. Por isso comecei a fazer a pesquisa. Primeiro das músicas, do Mariri e da parte do Nixi Pae. E depois, também, tive interesse em pesquisar... porque meu irmão passou dez anos no Purus. Quando ele chegou, me contou que tinha estudado muito as ervas medicinas. Ele tinha descoberto 516 espécies de medicina, mas eu não sabia nenhuma espécie. “Ah, meu irmão, eu tenho que estudar. Você tem que me dar aula. Mas quero estudar sua aula trazendo cada pé para plantar meu jardim de plantio de ervas”. Pensei e fz. Pesquisei com ele e trouxe todas essas espécies, 516 espécies diferentes, e plantei ao redor de minha casa. Fiz um parquezinho, um jardinzinho só de ervas. E logo comecei a pensar profundo que eu queria fazer uma escola de ervas medicinas para os jovens. Mas, quando resolvi vir para a aldeia são Joaquim, o meu flho destruiu meu jardim. Ele morava do outro lado do rio. Um dia ele atravessou, queimou, brocou e construiu sua casa onde eu havia plantado as ervas. Comecei a plantar também aqui e não deu certo. As pessoas, os amigos, os parentes, destruíram o parque, o meu plantio. Aí resolvi fazer este parque o Ikã Nai Bai. O primeiro parque era Ikamuru e parque Siriany. Tinha já o parque Fundo Segredo e o parque Samaúma. Quero organizar tudo, colocar as placas para identifcar todos os tipos de ervas e o Livro Vivo. Por isso eu comecei a pensar em escrever... Porque, o que eu vou fazer na minha vida? Na luta da minha vida eu fz duas coisas importantes para o meu povo: a conquista da terra, demarcar e fundar a educação. Essas duas coisas servem para a nossa comunidade. A outra coisa, já no fnal de minha vida, o que vou deixar de herança para o meu povo. Eu tenho que deixar alguma coisa que é de segurança. Então eu vim pensando. Foi há muito tempo atrás que tive este sonho de escrever este tal de Livro Vivo. Então comecei a pensar... O meu primeiro personagem foi no flme Xinã Bena, Novo Tempo. O segundo foi em Já me transformei em imagem. Então, para acompanhar eu pensei em botar o nome do livro de Livro Vivo, porque enquanto eu estiver

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vivo, o cara lê o livro, vê as plantas e me vê, que sou toda essa experiência. É este o meu pensar. Aí eu já estava começando a escrever estes textos, e chegaram dois amigos e me disseram: “Rapaz, esse livro vivo, as medicinas, é muito sagrado, você não pode mexer de qualquer jeito com isso, você tem que fazer o primeiro livro diferente do Livro Vivo”. Aí eu perguntei: “Como eu posso escrever? Qual o nome do livro que eu posso escrever?” Medicina vegetal. E eu tenho também que pesquisar. Medicina vegetal é a melhor medicina que eu conheço, não só para o povo Huni Kuĩ, mas para todo o povo do Brasil e do estrangeiro, que é o Nixi Pae. Essa é a medicina vegetal, daí eu continuo. Mas eu também tenho em vista de onde foi que nasceu este poder, quem é que trouxe e porque nasceu aqui na terra. Aí eu comecei a pesquisar. Já estou aprofundando minha pesquisa, mas tenho o início dessa história escrito em Hatxa Kuĩ, mesmo este livro veio dessa história.

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