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História de Huã Karu
e primeiro, ninguém comia carne, só comia legumes e as frutas, como o Agostinho já f lmou, gravou, como que a lagarta virou gente e virou macaco. Dai pra cá o povo já vivia com dor de cabeça, dor na coluna, dor de dente, dor na barriga... Tinha uma mulher chamada Mukani, seu pai e sua mãe queriam fazer seu casamento com um rapaz e Mukani não queria. Até que um dia, achou uma árvore, um pau bem levinho, bem bonitinho. Ai a mulher disse: — Esse pau é bem bonitinho, se virasse uma pessoa, uma gente, eu ia me casar. Aí se sentou em cima da árvore, acho que ali começou a transar com ela. Foi indo, foi indo, até que um dia essa árvore, que se chamava Huã Karu, mandou ela trazer um pedaço dela, um pedaço bonitinho, e botar dentro da rede. Essa mulher trouxe e botou dentro da rede dela. Na hora em que ela foi deitar, achou um rapaz bem bonitinho:
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— Você é bonitinho. — É, sou Huã Karu mesmo. Aceitou, passou a noite com ele. Até que ele engravidou Mukani. A barriga estava crescendo e a mãe desconf ou de quem foi que engravidou a moça. Perguntou. Mukani não dizia, nem respondia nada. Esse f lho de Huã Karu estava crescendo e até já estava conversando dentro de sua barriga. Aí a mãe levantou: — Quem foi que engravidou minha f lha? Estava na rede dela e caiu aquele pau bonitinho, parece que ele engravidou minha f lha Aí a mãe botou o pau no fogo e queimou. A criança resolveu: — Mãe, queimaram meu pai, estão esculhambando com você. Vamos embora, vamos sair daqui, vamos voltar lá, encontrar lá onde nosso povo está. Esse povo morava longe, morava com bastante povo índio. A mãe resolveu: — Sim, então vamos. Vamos sair de madrugada, para ninguém ver. Amanheceu. — Você ajeita logo para sairmos de manhã, queimaram meu pai e eu não quero viver aqui com eles. Já fazia muito tempo que o Inka tinha vindo roubar Yushã Kuru. Yushã Kuru era cunhada da Mukani. bar Yushã Kuru. Yushã Kuru era cunhada da Mukani. O Inka tinha roubado Yushã Kuru. Esse Inka, se alguém O Inka tinha roubado Yushã Kuru. Esse Inka, se alguém aparecesse lá, não escapava, o Inka comia cru. Esse Inka aparecesse lá, não escapava, o Inka comia cru. Esse Inka já tinha carregado Yushã Kuru. já tinha carregado Yushã Kuru.
Yushã Kuru não tinha f lho. Yushã Kuru não tinha f lho. Resumindo, sairam às cinco horas, com palhinha, Resumindo, sairam às cinco horas, com palhinha, rede nas costas, levando macaxeira cozida, pedaço de rede nas costas, levando macaxeira cozida, pedaço de pamonha e banana madura para irem comendo... pamonha e banana madura para irem comendo... A mulher saiu grávida, quando chegou lá mais A mulher saiu grávida, quando chegou lá mais adiante, tinha dois caminhos. O caminho esquerdo era adiante, tinha dois caminhos. O caminho esquerdo era bem roçadinho, o caminho direito era cerrado. bem roçadinho, o caminho direito era cerrado.
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O menino disse, de dentro do bucho: — Mãe, não vai do lado esquerdo, não, que essa aqui é família do Awá Bainu. Se tu chegar na aldeia do Awá Bainu, ele te come. — Sim, vamos entrar pelo lado direito. Mais adiante achou um fruto: — Mãe, tira esse fruto para mim que eu quero andar brincando. A mulher tirou o fruto. — Mãe, eu vou brincando. A mãe, levando o fruto e o neném dentro do bucho, brincando, achando graça. Chegaram mais adiante, apareceu mais outra fruta. — Mãe, tira essa outra fruta de novo? Tirou mais essa outra fruta. O neném foi brincando e chegaram lá mais adiante, encontraram com mais dois caminhos. — Mãe, tu não vai entrar no esquerdo, não, que do lado esquerdo tem o povo de Kana Baibu. Se tu chegar na aldeia de Kana Baibu, ele vai te comer. Aí entraram para o lado direito. Chegaram mais adiante, tinha mais dois caminhos. — Mãe, tu não vai entrar pelo lado esquerdo, não, que no lado esquerdo tem família do Dunu Baibu, que é família da cobra. Se tu chegar na aldeia do Dunu Baibu, o Dunu vai te engolir. Chegaram mais adiante, tinha outra fruta. — Mãe, tira essa fruta pra mim? Tinham já três frutas. Mais adiante, tinha duas varações. Do lado esquerdo, tinha uma varação do Inka, do lado direito era um pique de terra, que ia encontrar uma comunidade indígena. — Você vai olhando o caminho do nosso povo, vai rodeando uma sacopema, uma árvore bem grande. A mãe ia tirar essa fruta, tinha uma casa de marimbondo. Nesse tempo era só Tanka. Na hora que foi tirar, pisou na casa da caba e a caba ferroou a mulher. A mulher virou para correr e tinha um cipó assim, pegou o cipó e caiu.
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36 Ora, no que a mulher caiu: — Você gosta de fruta. Você me fez acabar ferrada, seu danado! Ela bateu no bucho e o menino se calou. Ficou com raiva. Aí foram, encontraram com dois caminhos. A mãe perguntou: — Meu flho, qual é o caminho em que nós vamos? Ele não falou nada. A mãe resolveu: — Eu vou aqui assim mesmo. O Inka pode até me comer. Aí entrou para o lado direito. Esse caminho era bem roçadinho, bem bonitinho. No meio do caminho, era cheio de penas de todos os pássaros: tinha pena de papagaio, de arara, de mutum, daquele passarinho verde... Até que chegou lá perto do Inka. O Inka já estava ouvindo eles falarem. O menino disse: — Mãe, este aqui não é o caminho de nossos parentes, não, este aqui é o caminho do Inka, que você acertou.
A mãe f cou com raiva também: — Ao invés de explicar logo cedo, vem dizer aqui já perto, mas eu vou assim mesmo. Vou me entregar para o Inka me comer. — Ai, mãe, não faz isso não, se você quiser encontrar minha tia, vamos entrar por aqui, vamos entrar por aqui dentro da mata, beirando o roçado, até sair lá mesmo certo na minha tia Yushã Kuru.
Assim que ela foi chegando, bateu. Yushã Kuru estava torrando milho e amendoim para fazer caiçuma. Estava fazendo a pisada e virou-se: —Rapaz, por que você está vindo aqui, minha cunhada? Se vem alguém aqui, não escapa. Se o Inka vê, ele come. No dia em que chega uma pessoa, vem um monte de Inka mandar tirar piolho. Se tirar piolho, encontra com aquele besouro que chama Rola-bosta, piolho do Inka. — Bom, aí como é que eu vou fazer, minha cunhada? — Espera aí. Para você enganar Inka, eu vou encher aqui uma cestinha de carvão. Pegou carvão, encheu cestinha — Você guarda aqui. Na hora que virem você, vêm de monte, aí vão te mandar catar piolho. Na hora que você for catar piolho, você esquarteja o besouro e joga. Diz que quando é para tirar piolho, é para mastigar. Se não mastigar, vão pegar para matar para comer. Com um pouco mais, os Inka avistaram: — Ah, lá está, nossa cunhada chegou. Vamos lá. Veio um monte de Inka. Um tanto de mulheres e homens. Vieram de banda. — Minha cunhada chegou pra me tirar piolho! Aí se sentou perto dela. Viu que era besouro. Ela pegava e jogava besouro, ia embora. Pegava pedaço de carvão, mastigava. Um Inka saía, outro chegava. Até que terminou aquele carvão. Ora, chegou mais outro. — Minha cunhada, me tira piolho? — Sim, senta aí. Quando ele sentou, não tinha mais carvão. Ela pegou besouro.
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— Como que vou fazer agora? Então vou mastigar assim mesmo. Mastigou com nojo. Quando ela mastigou, era o mesmo que um pedaço de bosta. Aí a mulher disse logo: — Eu vou vomitar. Vou provocar. E estava provocando. O Inka: — Não quer tirar meu piolho, você está provocando, eu vou te comer. Quando, na hora que o Inka pegou na cabeça dela, o menino saiu logo, foi parar lá onde estava a tia dele, Yushã Kuru. Yushã Kuru, quando viu que era homem: — Rapaz, eu não tenho nenhum f lho, nem f lha, vou pegar esse menino e vou criar. Pegou e guardou na saia, enrolou assim, escondeu. Quando, na hora que repartiram tudinho, e procuravam esse menino, onde tinha ido parar: — Eu estou com ele aqui. Eu vou criar. Aí deixaram para ela criar. A criança estava crescendo de repente. Toda noite crescia. Quando ela pegou esse menino, se deitou. Estava olhando, o menino botando dedo na boca, balançando o pé... — Esse menino é sabido. Passou a noite inteira. Quando amanheceu o dia, Passou a noite inteira. Quando amanheceu o dia, o menino já se sentou. A cada noite, crescia. Já estava rapaz, aí mandou a tia dele fazer um arco e f echa para f echar grilo, calango, borboleta. Ela fez. O rapaz estava f echando, f echando, até que num O rapaz estava f echando, f echando, até que num dia mandou Yushã Kuru mandar o Inka fazer mais f echa forte, para poder f echar animais, f echar anta, porquiforte, para poder f echar animais, f echar anta, porquinho, para fazer caçada para a tia dele. Mandou Inka para fazer arco e f echa. Estava matando muita caça. Na hora quando ele fazia cocô, ele não chegava tão cedo. Aquele Huã Karu estava matando formiga, dizendo: — Você que matou minha mãe. Custava até que chegava.
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Um dia perguntou para tia dele, que era Yushã Kuru: — Minha tia, para onde minha mãe foi? Kuru: — Minha tia, para onde minha mãe foi? — Ah, meu sobrinho, tua mãe chegou aqui, grávida, — Ah, meu sobrinho, tua mãe chegou aqui, grávida, tu era dentro do bucho. Aí, quando o Inka pegou sua mãe tu era dentro do bucho. Aí, quando o Inka pegou sua mãe para comer, você pulou aqui, debaixo de mim. Aí, eu te peguei e estou criando. Huã Karu aprendeu. Era muito Inka, que ninguém não dava conta. Esse Inka não morria. Não tinha medo de mordida de cobra, nem de onça, nem de qualquer bicho. Só se caísse uma árvore bem grande na cabeça dele... Pois bem, o menino resolveu: — Vou matar esse Inka, vou vingar minha mãe. O Inka, quando ia para caçar, o menino ia atrás. Até achar um monte de terra e fazer uma armadilha de patiobinha bem alta. Esperou o Inka, que chegava com caça, com um porquinho nas costas e o menino estava com a armadilha feita, só esperando. O Inka chegava: — Menino, o que é que tu tá fazendo? — Rapaz, eu estou tirando palmito.
— Que menino coitado! Espera aí, menino, eu vou tirar palmito para vocẽ. — Sim, então tira aqui sentado. O Inka sentava em cima da patiobinha. E o menino detonava. Pá! Jogava bem longe, tudo esbagaçado. Jogava osso, sangue e carne por todo canto, para ninguém não achar. Aí, primeiro que ele fez, o resto dos Inka desconf aram: — Para onde foi? Eu sei que onça não pega, picada de cobra não morre, nem afogado não morre, só se cair árvore bem grande em cima dele. Eles procuraram e não acharam. Eles foram diminuindo, esses Inka. Até que num dia, tinha dois Inka caçando, no mesmo caminho. Um Inka tinha matado porquinho e já vinha trazendo. O outro Inka vinha mais adiante, matou outro porco e já vinha perto. Ai chegou lá no menino, onde tinha feito armadilha.
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O Inka disse: — Oh, menino, coitado...O que vocẽ está fazendo? — Eu estou tirando palmito. E na hora que um estava conversando com Huã Karu, o outro Inka vinha escutando. Veio mais para perto, olhou que o Inka tirou um porquinho das costas dele, arriou, e pegou a faquinha do Huã Karu, sentou-se em cima da patiobinha. Aí, o menino detonou. O outro Inka estava vendo. Viu só, mas não sabia para onde foi. — Ah, é esse aí que está matando a gente. O menino pegou o porquinho nas costas e foi embora. O Inka voltou devagar. Quando chegou em casa: — Agora eu peguei. Nosso parente, esse menino é quem está matando a gente. Foi na minha presença que ele detonou a armadilha, numa patiobinha bem alta. E não sei para onde nosso parente foi. Aí esse parente resolveu: — Vamos matar esse Huã Karu. A tia do Huã Karu soube, escutou.
Yushã Kuru disse para Huã Karu: — Olha, meu sobrinho, você senta aqui perto de mim, que eu vou te sovinar. Quando o Inka vier, eu vou pedir a ele, gritando, para não mexer com vocẽ. Huã Karu disse: — Tia, eu não tenho medo. Não vão me matar não. Eu não tenho medo não. Huã Karu pegou sebo, pegou borduna, sentou no meio da casa, na Kupixawa. O Inka resolveu pegar f echa, borduna, arpão, faca de pupunha. Aí veio um monte de Inka para matar Huã Karu. Quando eles vinham
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entrando na casa, Huã Karu gritou, pulou e foi bater na travessa da casa. Os Inka cairam tudinhos já esbagaçados na testa. Huã Karu matou eles tudinho. Bateram aqui na travessia da casa e os Inka vinham dacolá para matar. Caíram tudinho, Huã Karu matou tudo. — Bom, eu matei todo Inka. Minha tia, quero que você me diga onde foi que botaram os ossos de minha mãe. — Sim, meu sobrinho, essa sua mãe eu não sei para onde foi que botaram. Esses Inka guardam ossos dos animais lá naquela Sacopema, árvore bem grande. Lá, eles fazem pêra, ajuntam osso e botam lá. Huã Karu foi e tirou espécie de medicina: — Eu vou fazer retornar a minha mãe. Chegou lá e pegou um osso, passou o remédio. Pulou uma anta. — Ah, esta aqui é Anta. Anta foi embora. Pegou mais outro osso, passou remédio, pulou um veado. Pegou mais outro osso, passou remédio, pulou um porquinho. Aí foi indo, até que retornaram os animais que o Inka comeu, ajuntou os ossos e guardou lá. O Huã Karu foi pegando os ossos e passando remédio e fazendo tornar aqueles bichos. — Esses aqui são os bichos. Até que arrodeou a outra Sacopema e achou osso da mãe: — Está aqui o osso da minha mãe. Passou remédio e a mãe saiu. — Agora estou satisfeito, vamos embora. Vamos encontrar nossos parentes. Ai chegou lá para Yushã Kuru: — Minha tia, se arruma, nós vamos sair daqui. Vamos encontrar com nosso povo. — Vamos embora. Nesse tempo ninguém não conhecia medicina. Huã Karu disse: — Olha, tia Yushã Kuru, daqui por diante vai ter dor na cabeça, dor na coluna, dor de dente, dor no estômago e tudo. Então, portanto, eu vou te
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ensinar medicina. Quando algo acontecer, você tira essa medicina e faz tratamento, que f ca bom.
Yushã Kuru era mesmo que um gravador, pegava de repente e conhecia. Huã Karu foi ensinando, ensinando, ensinando, até que ensinou 297 espécies. Ensinou para fazer tratamento de dor na cabeça, dor na coluna, dor na barriga, tontura, pereba, tumor e tudo. Até que chegou lá mais adiante, já estava tarde. Huã Karu disse: — Minha tia, vamos fazer um tapiri aqui para nós dormir? Fizeram tapiri, caçaram, jantaram, se deitaram e Huã Karu começou de novo: — Minha tia, medicina é isto. Como eu venho te explicando, te ensinando, é tudo isto. Você aprendeu? — Aprendi, aprendi. Tudinho. Conheci tudinho. Agora, e para retornar quem morreu? Ele já estava dormindo: — Eu já estou dormindo, vamos parar para eu te indicar amanhã. Huã Karu parou logo. Não disse mais aquele remédio para retornar quem morreu. Esse aí per-
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deu. Disse mesmo só daquele que era para tratar doença. Picada de inseto também. Nesse tempo, Yushã Kuru se casou com outro índio. Ela teve uma f lha mulher, que deu um neto para ela, que era Shanitê Ashkã. Yushã Kuru não dizia para ninguém, não mostrava, nem explicava como é medicina. Bom, a f lha cresceu, fez ela casar com outro rapaz. Fez casamento com outro rapaz, teve um bebê, que era neto da Yushã Kuru, que era o Ika Shanitê Ashkã. Ele cresceu. — Ah, meu netinho, eu vou te ensinar uma espécie do remédio e vocẽ não vai dizer pra ninguém, não. Nós não vamos ensinar não. Yushã Kuru ensinou para o neto. Até que um dia, estava faltando um calmante e um antibiótico, analgésico, tudo. Outros pajeres estavam na maloca, resolveram. Yushã Kuru ouvindo e vendo: — Olha, nós vamos virar espécies. Eu sou Duá, eu vou virar Matsi. Como disse que era, Ikamatsi, eu vou virar. Todos meus parentes vão virar Matsi. Banu disse: — Eu vou virar Bata, para fazer tratamento de sapinho, conjuntivite, essas coisas. Outro homem disse que era Inu: — Eu vou virar Utsi. O Inani disse: — Vamos virar Mukapabu.
Yushã Kuru ouvindo e vendo também. Até que, num dia, esses nossos parentes faleceram. De repente, num dia, faleceram. Aí Yushã Kuru pensou: — Será que viraram mesmo espécies? Eu vou lá. Quando Yushã Kuru foi conhecer lá o mato, tinha uns matos diferentes. Tem tanto do Matsi, tanto do Bata, do Inena Utsi e do Mukapabu. Esse Matsi foi o Duá que virou. Ikamatsi virou Matsi. Inu virou Inena Utsi. As mulheres que eram Banu viraram Bata. Outras mulheres, que eram Inani, viraram Muka. — Ah, tá bom.
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46 Ela conheceu tudinho. E foi ensinando para o neto. Do outro lado da outra grota, só tinham aqueles matos venenosos, que era Ika Shane Bururu, o nome do mato venenoso. Tinha uma espécie venenosa, que não dava para encostar no meio dos índios, tinha outra maloca que era só família do Ika Shane Bururu. Aí Dua Busã resolveu: — Olha, meu f lho, meu genro, nós já temos essas espécies, vamos atrás desse nosso parente, que é Ika Shane Bururu? Resolveu sair para encontrar com ele. Ai Ika Shane Bururu estava com muito desejo também para encontrar com esses índios. Eles viam e escutavam Ika Shane Bururu fazendo Mariri com o pessoal dele. Dua Busã fazia outro Mariri com os indios também. Eles dançavam Festa de Gavião, Mariri, Cipó, tudo. Ele f cava com inveja, Ika Shane Bururu, esse veneno. Debaixo da árvore ninguém podia encontrar com ele, com esse Ika Shane Bururu. Debaixo da árvore tinha um tanto de cobra pastorando para ninguém não passar: Jararaca, Jararacaçu, essas cobras. E veneno também. Umas folhas veneno. Bastava encostar lá e cair no chão. E tinha muita onça pastorando para, se alguém fosse lá, ela pegar. Bom, esse Dua Busã levou a turma dele. Encontrou lá com um pé de árvore, que era rins, nós chamamos aqui rins, que é Apui. Tinha muito pássaro comendo seus frutos. — Olha, meu f lho, meu genro, vamos fazer uma tocaia lá na moita para matar esses passarinhos, para
48 atirar o resto para o Ika Shane Bururu. Dua Busã mandando para os f lhos, para os genros, para os netos, para os parentes. Tiraram folha de Jarina em baixo. E iam carregando nas costas para fazer uma guarita no galho. Cada qual fez uma guarita para esperar. Quando foi de manhã, foram esperar, chegaram uns pássaros. Um matou Japinin, outro matou uns passarinhos verdes, que são Tsashinã. Outro matou Arara e tudo. Dua Busã disse: — Meu f lho, meu genro, vocês já mataram, vamos encontrar com nosso parente. Na hora que eles vinham descendo, Dua Busã perguntou para os parentes:
— O que vocẽ matou, meu genro? — Eu matei Tshaná. — Que bonito! Tshaná é bonito, eu vou tirar o resto do Tshaná para amansar. Outro disse: — Eu matei TShane Tsashinã. — Que bonito! A música vai começar do TShane Tsashinã. Até que vinha descendo, avistou uma pessoa, que estava em pé. — O que é aquilo? — Aquilo é uma pessoa. É o Ika Shane Bururu que está vindo. Aí desceu. De repente, Dua Busã não sabia nem do nome e nem conhecia assim de perto. O Ika Shane Bururu já vinha para encontrá-lo. Dua Busã adivinhou todos os nomes. O que vinha na frente era Maka Ãbikrã Atê, outro era Huxini Shitamaduyu. Ai foi adivinhando todos os nomes dessas espécies venenosas. — Aquilo é Shinubakê Kuhitamu. Tudo adivinhou. Aí se encostaram. — Oh, Shinubakê, como é que está? — Estou vindo para fazer visita. — Eu estou indo também. Então vamos embora lá para casa, vamos voltar. Duã Busã levou para aldeia dele, para o Kupixawa. Chegando lá: — Esse toma do Ika Shane Bururu, são venenosos, são comedores de carne. Ninguém não aguentava. Comia muito. Até que um dia, resolveu, esse Ika Shane Bururu: — Eu vou te levar lá para minha aldeia. Levou Duã Busã com a turma dele. Ika Shane Bururu pediu para Dua Busã: — Venha atrás devagar com sua turma, eu vou na frente pedindo esses venenos, cobra, onça... Até que esse Ika Shane Bururu foi na frente pedindo aquelas espécies venenosas para não mexer com eles, pedindo para cobra não picar, pedindo para onça não pegar
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também. Subiu até que achou um caminho aberto com roçado cheio de banana, macaxeira, milho, tudo. Lá existia só Shane mesmo. Legume, nome de legume, tudo Shane. E Dua Busã veio para cá, com Huã Karu e Yushã Kuru. Até que amansaram, fzeram cantoria lá e Mariri. O Dua Busã cantando para o Ika Shane Bururu e Ika Shane Bururu cantando para Dua Busã. Aí trocaram música. Vieram embora. Ika Shane Bururu veio também ensinar as espécies venenosas para Yushã Kuru, que foi conhecendo esse remédio, veneno. Foi ensinando o neto, até que um dia a mulher tinham passado jenipapo nas costas do genro, no corpo todinho. Ninguém não passou, foi só ele que pintou, estava bem pintadinho.
Yushã Kuru resolveu: — Eu vou tirar barro amanhã de manhãzinha sozinha. Vou fazer uma panela de barro, prato de barro, fazer tudo.
Yushã Kuru saiu cinco horas, com escuro. Aí o genro foi caçar. De manhãzinha, pegou fecha. Ele foi atravessando um paraná. Paraná não, igarapé. Até que voou um tucano, pousou assim num galho de pau e o homem fechou, mas errou. E a fecha foi cair lá perto onde Yushã Kuru estava tirando barro. Tinha uma grota assim, já funda, onde Yushã Kuru tirava barro para fazer panela. E Yushã Kuru fcava bem ali tirando daquele barro. Aí homem desceu, viu. Na hora que ele foi tirar fecha, viu a sogra nua tirando barro, já mergulhando no fundo do buraco. — Rapaz, essa velha, vou traçar ela, está bonita.
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Botou f echa dele assim, tirou negócio, foi pegar com a força. Pegou com a força, empurrou mais para com a força. Pegou com a força, empurrou mais para dentro. Mandou. — Quem é você que está me traçando? Vamos con— Quem é você que está me traçando? Vamos conversar de perto, quero ver sua cara, não faça isso, está me maltratando! Até que pegou mais com a força e foi pegar f echa. Na hora que Yushã Kuru levantou, viu: — Ah, meu genro é que me fez mal. Mas vai morrer hoje.
Yushã Kuru veio embora logo, chorando. Até que chegou num igarapé, arriou a carga dela. Foi mariscar de mão. Foi pegando Bigode, pegando Piaba, até que pegou Piaba maior e tirou veneno, misturou e fez moquecazinha. Para quando ela chegar, comer com a f lha, o neto e os parentes, fez outra moqueca. Aí trouxe, tomou banho, lavou cabeça com barro. Bem limpinha, tirou medicina para botar no nariz. Veio devagar, meio desconf ada.
Aí a f lha: — Mamãe, vocẽ saiu de manhã e está chegando uma hora desta? — É porque eu estava mariscando, minha f lha. Eu estou trazendo isso aqui e vamos cozinhar para comer.
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Essa aqui eu trouxe para meu genro, para na hora que chegar com fome, eu cozinhar. Ela mesma cozinhou. Aí, assim, negócio de cinco e meia, o homem chegou com veado, cheio de bicho, jabuti, tatu, jacaré, mutum, macaco preto, chegou com um monte de embiá. Quando ele chegou: — Oh, meu genro você saiu de manhã sem comer, chegou com fome e eu marisquei e guardei isto aqui para tu, come. Ele não sabia nada, não sabia do veneno, ele comeu. Comeu, bebeu caiçuma de banana... — Eu estou muito enfadado, já estou com frio e vou me deitar. Esse homem deitou, pegou sezão, provocou, pegou diarréia e quando foi duas horas, morreu. O neto de Yushã Kuru, que era Ika Shane Tashkã, pensou: — Foi minha avó que envenenou meu pai. Eu vou ver amanhã de manhã. Até que amanheceu o dia, o neto foi no pé de veneno. Quando foi olhar, Yushã Kuru tinha tirado uma folha. — Eu não disse? Foi ela. Agora que minha avó matou meu pai, eu vou matar ela. Na hora que ele queria matar, Yushã Kuru fugiu, fugiu e foi esbarrar lá longe. Chegou num kupixawa, pediu os parentes para fazer esteira para cobrir ela. E fzeram assim. O neto estava procurando: — Para onde foi? Não tem nem noticia... — Como é que nós vamos achar essa Yushã Kuru? Tinha outro parente morando lá, chamado Tawaxini Bushká, que era igual computador, achava tudo, achava até mucuim de longe. Embora fosse cego, ele era bom.
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Foram chamar ele, Tawaxini Bushká chegou, fechou os olhos, foi apontando com o dedo. Saiu daqui, foi prali, entrou no roçado, saiu acolá: — Está naquele canto, naquele kupixawa. Está escondida lá. — Sim, eu vou buscar ela. Ai, eles foram buscar, trouxeram. — Eu vou batizar meu flho e você vem cantar para mim, rezar. Estava tarde. — Eu vou deixar para matar ela amanhã de manhã. Deixaram. Quando foi à noite, ela fugiu de novo. Foi mais longe ainda. Aí foram chamar de novo o Tawaxini. Ele disse: — Foi na mesma distância que vocẽs foram buscar, dai é a mesma distância, ela está lá. Foram lá, buscaram ela, trouxeram. Assim que chegaram, era quase dez horas, mataram Yushã Kuru. Quando mataram Yushã Kuru, queimaram. Eles queriam
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comer cozido, cozinhando ela, mas ninguém podia comer, porque a carne era amargosa, dura. — Ah, não presta para comer, não, vamos queimar. Queimaram Yushã Kuru. Ai nesse tempo, Ika Shane Tashkã resolveu, disse para os parentes: — Olhem, parentes, se ajuntem aqui que eu vou explicar melhor para vocẽs. Meu pai morreu, Yushã Kuru que envenenou. Tem mato venenoso, vou mostrar para vocês e tem mato bom para fazer tratamento, que minha avó me ensinou, que Huã Karu ensinou para ela e Yushã Kuru me ensinou. Ika ShaneTashka foi espalhando para os parentes, ensinando nome de doença, nome de ervas, jeito de tratamento, até que aprenderam tudinho e viveram. E daí pra cá esses nossos índios aprenderam também e eu até estou contando essa história que eu aprendi também, das espécies de medicina. É tudo isso. Haux!
[História narrada em julho de 2011, na aldeia São Joaquim Centro de Memória, por Dua Busẽ, o Pajé Manoel Vandique.]
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