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NOTA EDITORIAL
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Em 2009, o pajé Agostinho Manduca, Ika Muru Huni kuĩ, f nalizava um registro de sua pesquisa sobre as ervas medicinais Huni kuĩ, em uma of cina de vídeo na aldeia São Joaquim Centro de Memória. Tomadas pelo projeto de publicar o resultado dessa pesquisa, as coordenadoras da of cina deixaram a aldeia com o compromisso de levar adiante o sonho do pajé de fazer um livro, mas que tivesse várias dimensões.
Um ano depois, convidei Agostinho para vir a Belo Horizonte passar um pouco de sua sabedoria aos estudantes e professores indígenas e não indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais. Naquele momento, Isaias Sales, ou Ibã Huni kuĩ, por sua vez, desenvolvia uma pesquisa sobre “as ervas perfumosas da f oresta” com o Núcleo Literaterras, junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras. Sabendo disso, Agostinho quis
kuĩ conhecer nosso núcleo de pesquisas e se entusiasconhecer nosso núcleo de pesquisas e se entusiasmou com as pesquisas e publicações ali desenvolvidas com os povos indígenas. Acreditou então que, reunindo num só projeto os Huni kuĩ do Jordão, o Literaterras e a Associação Filmes de Quintal, seu sonho de pajé pudesse se transformar também em forma impressa. O Livro Vivo renasceu no papel, porque ele já estava bem crescido na f oresta. As pesquisas de Ibã, as de Agostinho e as que chegaram das outras aldeias do
Rio Jordão, no Acre, se juntaram nas monta nhas, para fortalecerem a f oresta no seu desenvolvi mento, para este ser benéf co e não destruidor. Talvez esse sonho que sonhamos juntos seja o que nos juntamos para contar: os huni kuin são guardiões das fronteiras. No livro, as plantas mostram suas medicinas para proteger os limites entre os homens, as antas, os veados, os tatus, as araras, os muitos outros animais.
Assim o Livro Vivo foi chegando. Agostinho propôs e aprovamos um projeto pelo Iphan, em que f quei responsável pela coordenação editorial do livro impresso. Ana Carvalho e Carolina Canguçu f caram com a coordenação do f lme. O projeto, com o objetivo de contribuir para a preservação da memória do povo kaxinawá, teve como meta a produção e publicação de um livro e um f lme.
Firmamos uma parceria com os huni kuĩ do Jordão e a produção foi dividida entre nossas respectivas instituições: Associação Filmes de Quintal, proponente do projeto, Ponto de Cultura Beya Xinã Bena e Núcleo Transdiciplinar de Pesquisas Literaterras. Realizamos of cinas de escrita, de f lmagens, de digitação, de tradução, de desenho e pintura, de revisão, de edição. Das of cinas participaram os autores huni kuĩ – na verdade 36 pesquisadores de medicinas, vindos de todas as aldeias do alto a baixo rio Jordão – e as duas equipes de “técnicos universitários”, como Agostinho às vezes nos chamava.
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Na aldeia São Joaquim, o projeto do pajé foi se clareando, à medida que íamos trabalhando. A força dos espíritos da f oresta nos ajudou muito. Af nal, em todos esses anos de docência universitária, eu nunca tinha me deparado com tanta disciplina, disposição e alegria para o trabalho. Foi, em todos os sentidos, uma troca verdadeira. Nossos mestres nos guiavam mostrando os parques de ervas medicinais bem sinalizados e signif cados na f oresta, em torno da aldeia. O livro já estava escrito lá.
Agora, o livro no papel e o f lme no vídeo podem mostrar essa experiência, que é o homem se tornar pajé, aprendendo a conviver com outras espécies. Alguns pesquisadores entre os participantes das of cinas, incentivados por antigos assessores de Agostinho, trouxeram textos escritos de suas aldeias, que foram editados para compor o livro. Outros trouxeram desenhos, que foram aperfeiçoados em of cinas diárias. Esses autores iniciais, como a maioria dos Kaxinawá, são conhecidos por dois nomes, por exemplo: Dua Busẽ/Manoel Vandique, Ika Muru/Agostinho, Ibã/Isaias, Nixiwaka/Francisco, Ibã Dua Bake/Tiago.
Entre a fala e a escrita em duas línguas nós transitamos com muita dif culdade. Houve muita polêmica em torno da ortograf a. Isaias Ibã e José Itsairu, responsáveis pela revisão do texto, discutiram muito sobre as diferentes formas de escrever as palavras, mas resolveram deixar em aberto, sem padronização rigorosa. Tanto assim que os leitores do livro vão encontrar muitas discordâncias na graf a das palavras, na sintaxe das frases. Mas isto não nos preocupa muito porque sentimos, a cada vez que editamos um livro, que a língua é mais viva antes de estar padronizada ou canonizada.
No processo de edição, sempre coordenado por Ika Muru, Dua Busẽ
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trabalhou na transmissão de sua sabedoria de mestre. Ditou em hatxa kuĩ seu manual de medicina, por horas e dias a fo, para os estudantes de saúde, os futuros pajeres huni kuĩ. Não é à toa que, na história, Dua Busẽ é o nome do primeiro pajé, o que nasceu para ensinar os humanos a se curarem das doenças causadas pela relação inadequada com outros animais.
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O Livro Vivo pode então se confgurar na página, como na miração da for do Cipó Arara, que mostra um grande jardim feito de jardins diferentes, que se ramifcam em kene, com a força da natureza representada pelas cores e formas variadas. Um jardim selvagem, por isso o homem deve buscar conhecimento, não para entender, catalogar ou manipular as espécies, mas para aprender a se relacionar com elas.
O flme segue junto, editado pela equipe liderada por Isaka Huni kuĩ, Tadeu Huni kuĩ, Ana e Carolina, representando a história contada no livro: a história
de Huã karu, o surgimento dos primeiros huni kuĩ, das doenças e do conhecimento humano das plantas.
Cada espécie vem de outra inf nitamente. Por isso, f ca para contar a história quem escuta o canto e a comunicação do pássaro: Shuku Shukwê!
Maria Inês de Almeida/Inani Ibatsai Pajé Agostinho Manduca Mateus Ika Muru
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C842 Mateus, Agostinho Manduca Huna Hiwea, O Livro Vivo/Agostinho Manduca Mateus, organizador. - Belo Horizonte: Literaterras/Faculdade de Letras UFMG, 2012. 284 p. : il. 1. Literatura indígena. 2. Medicina Kaxinawá. 3. Plantas medicinais. 4. Amazônia. I. Pesquisadores Huni Kuin. II. Mateus, Agostinho Manduca. CDD: 980.41
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Secretaria Executiva Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Diretoria de Políticas para Educação do Campo e Diversidade Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena MINISTÉRIO DA CULTURA Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional | Iphan Programa Nacional do Patrimônio Imaterial | PNPI Diretoria de Patrimônio Imaterial
Esta publicação contou com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional | Iphan O vídeo foi produzido em parceiria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional | Iphan UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor Clélio Campolina Diniz Vice-Reitora Rocksane de Carvalho Norton
FACULDADE DE LETRAS Diretor Luiz Francisco Dias Vice-Diretora Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet NÚCLEO TRANSDISCIPLINAR DE PESQUISAS LITERATERRAS Coordenadora Maria Inês de Almeida
ASSOCIAÇÃO FILMES DE QUINTAL
PROJETO LIVRO VIVO: Medicina Tradicional Huni kuĩ
Realização Aldeia São Joaquim Centro de Memória Associação Filmes de Quintal Núcleo Transdisciplinar de Pesquisas Literaterras | Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Concepção e coordenação geral do projeto Ika Muru Huni kuĩ | Pajé Agostinho Manduca Mateus Kaxinawá Coordenação e organização Ana Carvalho Ziller Carolina Canguçu José Mateus Itsairu Kaxinawá | Itsairu Huni kuĩ Maria Inês de Almeida Osvaldo Manduca Mateus Kaxinawá | Isaka Huni kuĩ Tadeu Mateus Kaxinawá | Siã Huni kuĩ Relatório antropológico Júnia Torres Produção executiva e assessoria jurídico-fnanceira Diana Gebrim Diversidade Consultoria e Desenvolvimento de Projetos Culturais Produção Flávia Camisasca Assistente de produção Carla Italiano
O LIVRO
Organização Ikã Nai Bai Ika Muru Huni kuĩ | Pajé Agostinho Manduca Mateus Kaxinawá Coordenação editorial Maria Inês de Almeida Projeto gráfco e direção de arte Glória Campos e Clô Paoliello Mangá Ilustração e Design Gráfco (a partir das diretrizes dadas pelos pesquisadores Huni kuĩ) Capa Mangá, com ilustração de: Ibâ Dua Bake/Tiago Paulino Sales Kaxinawá Digitação Amanda Machado Lima Ângelo Mateus Kaxinawá | Ikamuru Huni kuĩ Isaias Sales/Ibã Huni kuĩ Marina Leite Lima Diagramação Amanda Machado Lima Ana Carvalho Ziller Mangá Sophia Felipe OFICINA DE EDIÇÃO Coordenadora Maria Inês de Almeida Pesquisadores / escritores Carlos Mateus Kaxinawá / Ika Muru Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Francisco das Chagas Maia / Nixiwaka Francisco Roseni Sabino | Txanu Huni kuĩ (Aldeia Nova Cachoeira) Pajé Manoel Vandique | Dua Busẽ Huni kuĩ (Aldeia Novo Segredo) Raimundo Estevão Kaxinawá / Yube Huni kuĩ (Aldeia São José) Vivilino Manduca Mateus Kaxinauá / Inu Busẽ Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) O Jardim de Dua Busẽ foi ditado por Manoel Vandique Kaxinawá / Dua Busẽ Huni kuĩ Revisores Ibã Kaxinawá (Aldeia Chico Curumi); José Mateus Itsairu Kaxinawá (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) ILUSTRAÇÃO Orientadora Sophia Felipe Supervisores Pedro Pinheiro Kaxinawá | Bixku Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Valmar Costa da Silva Kaxinawá | Siã Inu Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Ilustradores Adailton Mateus Kaxinawá | Kupî Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Aldo Sena da Silva Kaxinawá | Metû Huni kuĩ (Aldeia Coração da Floresta) Antônio Moisés Kaxinawá | Ikamuru Inu Huni kuĩ (Aldeia Nova Cachoeira) Francisco Joaquim Kaxinawá | Ibã Dua Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Gustavo Mateus Kaxinawá | Shane Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Jesuíto Sereno Kaxinawá | Maná Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) José Mateus Itsairu Kaxinawá | Itsairu Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) José Paixão Sales Macário | Bixku Dua Bakê Huni kuĩ (Aldeia Novo Natal)
José Sabino Maia | Ibã Dua Huni kuĩ (Aldeia Nova Cachoeira) José Sales Paulino Kaxinawá / Txana ĩka Kuru Huni kuĩ (Aldeia Boa Vista Manoel Sales Kaxinawá | Dua Busẽ Huni kuĩ (Aldeia Novo Segredo) Marcelo Sabino Kaxinawá | Îkamatsi Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Noé Mateus Kaxinawá | Shenabu Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Tiago Paulino Sales | Ibã Dua Bakê Huni kuĩ (Aldeia Novo Natal) O VÍDEO
SHUKU SHUKUWE – A VIDA É PARA SEMPRE Concepção Ikã Nai Bai Ika Muru Huni kuĩ | Pajé Agostinho Manduca Mateus Kaxinawá Realização Adelson Paula Paulino/Siã Huni kuĩ (Aldeia São Vicente Rio Humaitá) Ana Carvalho Ziller Carolina Canguçu Francisco Nivaldo Joaquim Sereno Kaxinawá / Tenê Nixuaka (Aldeia Novo Segredo) Maria Dalva Mateus Kaxinawá | Ayani Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Osvaldo Manduca Mateus Kaxinawá | Isaka Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória ) Tadeu Mateus Kaxinawá / Siã Huni kuĩ (Aldeia São Joaquim Centro de Memória) Edição Agostinho Manduca Ika Muru Ana Carvalho Ziller Carolina Canguçu Júnia Torres Tadeu Mateus Kaxinawá | Siã Huni kuĩ Montagem Carolina Canguçu Tradução Agostinho Manduca Mateus Kaxinawá | Ika Muru Huni kuĩ Ana Carvalho Ziller Carolina Canguçu José Mateus Itsairu Kaxinawá | Itsairu Huni kuĩ Tadeu Mateus Kaxinawá | Siã Huni kuĩ Finalização de imagem e correção de cor Fábio Menezes Finalização de som e mixagem Hugo Silveira
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Maria Luiza Pinedo Ochoa (CPI/AC) Marcos de Almeida Matos (UFAC) Juan Felipe Negret Scalia (FUNAI) Dani Huni Kuin (Aldeia São Joaquim Centro de Memória)