-Capítulo doisO novo hóspede
Uma garoa fina me aguardava na saída da West 4th, a estação de metrô do bairro Greenwich Village. A tempestade arrasadora já tinha ido embora para o meu alívio, agora eu teria de encarar apenas algumas gotículas esparsas até chegar em casa. Ao invés de Jordan, que pelo visto resolvera não descer naquela estação, dois rapazes muito bonitos –um negro e outro com roupas de punk- saíram do metrô no meu encalço, e depois seguiram pela Rua West 3rd, indo em direção ao McDonald’s que funcionava mais adiante. Pareciam universitários, com certeza estudantes da NYU (New York University). O bairro Village vivia cheio deles, já que muitos estabelecimentos da faculdade ficavam ali, nos arredores da Praça Washington. Então não havia como olhar para os lados e não ver pelo menos uma pessoa na faixa dos vinte e poucos anos cruzando aquelas ruas. Seguindo na direção oposta daqueles dois universitários, caminhei pela Avenida das Américas o mais rápido que pude. Minha cabeça ainda doía, mas tentei ignorá-la. Não demorou muito e eu já estava diante do pequeno prédio onde morava desde que me entendia por gente. Era uma construção antiga, feita com tijolos vermelhos, mas ampla o suficiente para uma família de apenas três pessoas como a minha era.
A concorrida pizzaria de papai funcionava no térreo, mas curiosamente, pela primeira vez em anos, a “Cantina D’ Angelus Pizzeria e Pasta” estava com as portas fechadas. Aquilo era muito estranho, não tanto quanto um mendigo profeta ou um sonho louco envolvendo nevoeiros e espadas assassinas, mas ainda assim era intrigante. Subi correndo os escassos degraus que levavam à varandinha do prédio e, ao chegar diante da porta da pizzaria, a abri bem devagar, com todo o cuidado, para que o sininho pendurado nela não denuncia-se minha chegada. Ao invés de um ambiente totalmente vazio, como eu esperava, encontrei meu pai de pé, admirando distraído uma foto minha ainda criança que figurava ao lado de muitas outras na parede do restaurante. Eu odiava o fato de que todos os clientes podiam ver aquilo e até já tinha tentado convencer papai a tirar de exposição aquelas imagens tão vergonhosas de minha pessoa, mas o senhor Félix Angelus era um italiano muito teimoso. Contornando as mesas recobertas por toalhas quadriculadas de cor vermelha e verde que coloriam o ambiente, me aproximei devagar de onde papai se encontrava. Não havia cheiro de pizza se espalhando pelo restaurante, como eu já estava acostumada a sentir quando chegava da escola, nem um único empregado circulando pelo salão. Alguma coisa me dizia que algo desagradável estava acontecendo e eu, pelo visto, seria a última a saber. -Oi papà. – eu disse tirando a mochila das costas e jogando em cima da primeira mesa que vi.
Meu pai se virou na minha direção não parecendo nem um pouco surpreso com minha chegada. Seu rosto estava sombrio, sem o sorriso alegre que sempre exibia e era seu cartão de visitas. -Ciao Millie - ele respondeu ainda soturno olhando para minhas roupas- A chuva pegou você, não foi? Apenas balancei a cabeça de forma positiva. Havia algo estranho em sua voz, um certo tom de preocupação que eu ouvira poucas vezes sair de sua boca. Agora, mais do que nunca, eu sabia que havia algo muito importante preocupando aquele velho italiano. -Aconteceu alguma coisa diferente hoje papà? – eu sondei querendo parecer um tanto desinteressada. Ele não me respondeu. Veio plácido na minha direção com seu ar de Tony Soprano e enroscando meu braço no dele, me guiou até a cadeira mais próxima para que eu sentasse. Naquele momento eu pensei o pior. -Cadê a mamãe? Ela está lá em cima no nosso apartamento? -Não, não está. - papai respondeu fazendo meu coração dar uma pequena fisgada. - Gail foi visitar sua tia Hillary. Saiu faz horas, mas você sabe como é, elas ficam tanto tempo sem se falar que quando se encontram precisam de no mínimo duas horas para colocar os assuntos em dia. Esbocei um sorriso de alívio quando meu pai disse isso. Eu já tinha me esquecido de que mamãe iria visitar tia Hillary hoje. Era normal que demorasse. Depois de romper relações com meu avô a mais de dez anos, ela quase não visitava nossos parentes que moravam no Upper East Side. Não queria correr o risco de cruzar com ele por aquelas esquinas. Mamãe jamais o havia perdoado por ele ter sido
contra meu nascimento e a união dela com meu pai. Vovô queria vêla casada com alguém da mesma posição social que eles tinham, não com um jovem e simplório imigrante italiano que morava em um quartinho minúsculo no Village. -Tem algo lhe incomodando, não tem Millie? – meu pai indagou interrompendo meus pensamentos e olhando bem fundo nos meus olhos. -Não, nada. Só estou com uma pontinha de dor de cabeça. – menti. Minha cabeça estava explodindo naquele momento, sem falar do encontro incômodo com o mendigo e o pesadelo bizarro no metrô que voltavam de hora em hora a minha mente perturbando-a. Mas eu não podia contar a ele sobre essas coisas. A não ser, é claro, que quisesse ganhar uma camisa de força no Natal! -Esqueceu o remédio em casa de novo criança?! -É, esqueci. Ah pai, eu não estava tendo enxaqueca há quase duas semanas, aí não me lembrei de colocá-lo na mochila quando estava saindo pra ir à escola. Além disso, eu sou meio lerda de manhã, você sabe... Meu pai me olhou de forma terna durante alguns segundos parecendo divertir-se com a minha cabeça de vento. Mas eu ainda podia ver naqueles olhos verdes lindos - que por sinal eu não herdara- certa inquietude. -Precisamos conversar uma coisa minha filha. - ele disse com seu sotaque italiano quase imperceptível a audição. Na mesma hora algo me ocorreu. Naquelas últimas semanas papai quase não parou em casa. Ficava o dia inteiro fora,
encontrando-se com os fornecedores da pizzaria e quando voltava parecia muito mais cabisbaixo e preocupado do que havia saído. Cheguei a pensar por um momento que os negócios não iam bem, mas mamãe era a responsável pela parte financeira do restaurante e ela era tão competente nisso, graças aos três anos que passara estudando administração na NYU, que a idéia da falência de nossa pizzaria sumiu de minha cabeça. No entanto, agora diante da Cantina D’Angelus fechada em plena sexta feira, aquela possibilidade não parecia tão absurda assim. -Lembra-se de quando eu lhe contei sobre o tempo que vivi no orfanato?- meu pai perguntou de repente, voltando ao dolorido assunto sobre sua infância. Eu não fazia idéia do que aquilo tinha haver com o contexto, mas ainda assim embarquei nas reminiscências dele. O fato de papai ter morado em um orfanato até os dezessete anos devido à morte de meus avós e depois ter conseguido se tornar um dos melhores pizzariolos do Village o tornava um exemplo de superação. E talvez fosse este o motivo das lembranças estarem sendo trazidas à tona mais uma vez. Mostrar que mesmo em situações de crise sempre há uma luz no fim do túnel. -Uhum. Lembro sim pai. Mas por que isso agora? – perguntei tentando não demonstrar que já suspeitasse de algo. -Bem, quando eu estava no orfanato convivi muitos anos com um garoto chamado Adam. Ele era bem mais alto e forte do que eu e sempre me defendia dos outros meninos. Graças a sua proteção e extremo companheirismo fui me afeiçoando a ele cada vez mais e
então com o passar do tempo Adam foi se tornando uma espécie de irmão mais velho para mim. Ele era a pessoa em eu que mais confiava, o meu verdadeiro porto-seguro naquele lugar infernal. Devido à nossa sólida amizade fazíamos tudo um pelo outro, como se fossemos irmãos unidos pelo mesmo sangue. Só que aos dezessete anos tivemos de sair do orfanato porque essa era a idade limite para os internos. Sem rumo, dinheiro ou família procuramos emprego em vários lugares, mas apenas eu consegui, e então fui trabalhar como ajudante
de
limpeza
em
um
restaurante.
Como
estava
desempregado e relutava em aceitar o dinheiro que eu insistia em lhe emprestar, Adam decidiu partir para Boston e tentar a vida lá, o que acabou nos separando depois de tantos anos de companheirismo e ajuda mútua. Depois disso eu conheci sua mãe aqui no Village, nós tivemos você, mas ainda assim eu nunca perdi o contato com este meu grande amigo. E agora, semanas atrás, ele me ligou pedindo um favor em nome dos velhos tempos de amizade. -Favor?! De que tipo?- eu perguntei ainda tentando processar toda aquela narração. Não me lembrava de ter ouvido meu pai comentar a respeito desse tal Adam. O que era estranho para um amigo que deixou marcas tão profundas na vida dele. No entanto, minha violenta enxaqueca não me permitia ir fundo nas especulações sobre aquele assunto. O fato de eu ainda raciocinar com um pouco de lucidez enquanto minha cabeça parecia rachar-se já era um milagre. Meu pai respirou fundo e então colocou os cotovelos sobre a mesa, cruzando as mãos em forma de prece diante de sua face. Parecia confuso ou talvez aborrecido. Ele não olhava mais em meus
olhos, apenas fitava a toalha quadriculada que cobria a mesa, como se estivesse vasculhando sua mente à procura de uma resposta para mim. -Bom. Adam tem um filho, e ele tem dezesseis anos assim como você. É um bom garoto, muito inteligente e educado. Um verdadeiro primor. Seu sonho é estudar medicina em Harvard, coisa que tenho plena certeza de que ele irá conseguir. Contudo, Adam e sua mulher não tem como pagar a faculdade do garoto e acham que a escola dele não o prepara de fato para que ele possa conseguir uma bolsa em Harvard ou em qualquer outra faculdade da Ivy League, dado ao ensino fraco que oferece. Então meu grande amigo me
ligou
perguntando
se
eu
conhecia
alguma
boa
escola
preparatória em Nova York. Sugeri a Saint Vincent onde você estuda e, depois de se informar a respeito da tradição acadêmica do colégio, Adam decidiu matricular seu filho nela. Só que o garoto não poderia ficar indo e voltando de Nova Jersey então... -Ei, espere aí. - eu interrompi fazendo um gesto com a mão para que meu pai parasse a história. - Esse seu tal amigo Adam não tinha ido pra Boston? -Tinha. - meu pai respondeu parecendo irritado com a interrupção. - Mas depois de um ano se mudou para Irvington, em Nova Jersey, onde logo depois conheceu sua mulher e tiveram o menino. E era neste ponto que eu estava tentando chegar antes da senhorita me interromper. Morando em Nova Jersey seria demasiado exaustivo para o garoto estudar em Manhattan. Por isso, pensando em atender a um pedido de um velho amigo, eu convidei o garoto para morar aqui até ele terminar os estudos.
-Você fez o quê?! – eu perguntei sobressaltada. Papai me lançou um olhar interrogativo parecendo um tanto desconcertado. Acho que ele não esperava uma reação daquele tipo. - Eu – convidei - o garoto - para - morar - conosco. –ele repetiu pausadamente como se eu fosse burra ou tivesse algum dano mental. - Essa parte eu ouvi pai. - retorqui enquanto tentava reordenar meus pensamentos, mas estava difícil. Talvez eu tivesse um dano mental mesmo. - Eu só estou... Sei lá... Surpresa... Afinal, ele é um estranho, filho de um amigo seu que nós não conhecemos e... Antes que eu pudesse levantar qualquer argumento contrário a vinda do misterioso garoto papai atravessou a mesa com seus braços e aconchegou minhas cadavéricas mãos em meio a palma alva e enorme das suas. -Lembra-se de quando nós conhecemos Rosário, nossa empregada? -Uhum. – eu afirmei balançando a cabeça embora não me recordasse muito bem devido a minha pouca idade na época. -Ela havia chegado há duas semanas em Nova York, não falava uma palavra de inglês e ainda por cima estava fugindo da imigração. Não tinha onde morar e nenhum lugar para onde pudesse ir. Então, o que eu fiz Camillie? -A trouxe para morar conosco por um tempo... -Exato! E você se lembra também quando eu encontrei Nikhil Manjali? -Uhum- eu repliquei ainda monossilábica.
Ao contrário de Rosário eu lembrava muito bem do dia em que conhecemos nosso entregador de pizza Nikhil, ou Nik como prefiro chamá-lo. Papai e eu passeávamos pela Praça Union em uma manhã nebulosa de sábado quando o vimos. Ele dormia ao relento, sobre o ar congelante que fazia em Manhattan no outono daquele ano. Papai o acordou, conversou com ele durante alguns minutos tentando decifrar seu inglês carregado de sotaque indiano e sem questionar o levou para nossa casa. Mamãe não reagiu bem no início, mas Nikhil mostrou-se tão prestativo que ela acabou sugerindo sua contratação em nossa pizzaria. Já com um emprego e tendo dinheiro suficiente para alugar um canto para ele, o indiano se mudou meses depois para um quartinho nos arredores do Village. Até hoje ele agradece aos “Angelus” pela chance e confiança nele depositada. -Millie. – papai falou me tirando a força daquelas lembranças. –O filho de Adam é um bom garoto. Eu o conheci, você não precisa se preocupar com a vinda dele para cá. Vai ser como todos os outros que abriguei nesta casa. E mais, aposto que vocês vão se tornar grandes amigos. O rosto de meu pai agora parecia sereno. Era incrível como ele acreditava nas pessoas, em sua bondade. Félix Angelus sempre esperava o melhor delas, o que era nobre de sua parte, mas também um tanto ingênuo. Mamãe tinha ressalvas com relação a abrigar desconhecidos em casa. No entanto papai sempre a convencia apelando para sua solidariedade e lembrando que um dia ele já esteve na mesma situação destes desabrigados. O coração
dele era repleto de uma eterna compaixão pela humanidade, coisa que por sinal eu não tinha... O fato de que um garoto estranho viria morar conosco e ainda por cima filho de um amigo nunca antes mencionado por meu pai me deixou um tanto perturbada. Não que eu estivesse com medo dele ser um Serial killer ou estivesse na lista dos mais procurados da América, mas sim porque eu e garotos nunca nos demos muito bem. Pra ser sincera eu nunca me dei bem com nenhum ser pertencente ao gênero homo sapiens exceto, Nikhil, Rosário e, é claro, meus progenitores. Minha mãe diz que isso se deve ao fato de eu ter herdado a impetuosidade italiana de meu pai, mas acho pouco provável que o fato de eu ser uma pessoa indócil às vezes seja o motivo por eu sempre ter me sentido deslocada. Minha vida toda foi assim, sem amigos. Do jardim de infância até agora. Talvez porque eu nunca tenha me encaixado nos padrões. Sempre fui diferente, estranha... Tenho certeza que o nosso futuro hóspede vai notar isso e tratar de me ignorar após me conhecer. Eu não poderei culpá-lo. As pessoas costumam tornar tudo que é inusitado em algo invisível aos olhos, talvez pelo medo do confronto. Eu sou estranha e já me acostumei a ser assim, uma sombra viva. - Quando o filho de seu amigo chega pai? – indaguei sem muita animação, só para saber. - Amanhã. – ele respondeu soltando minhas mãos e recostando-se na cadeira. - Já?!
-Tinha de ser o quanto antes Millie!- Papai exclamou em um rompante
estranho,
num
tom
solene
de
emergência.
Mas
rapidamente acalmou-se, como se estivesse tentando se controlar ou algo assim. - Estamos em setembro querida. Ele precisa estudar, precisa ter uma boa base e tirar excelentes notas naquele teste de aptidão escolar, o SAT, se quiser entrar em Havard como bolsista. -Mas pai você já conversou com mamãe sobre isso? -Claro. Dessa vez eu precisava do aval dela... Aquele comentário de papai me soou estranho, afinal quando o velho Angelus levava desconhecidos para nosso apartamento ele nunca consultava mamãe previamente, mas eu desisti de questionar qualquer coisa em relação aquele estranho assunto. A vinda do garoto parecia mais do que acertada e, além disso, minha cabeça latejava de forma terrível, eu precisava mesmo tomar meu remédio. Não estava aguentando mais as pontadas, e já havia passado a muito tempo de meu limite suportável de dor. -Bom, já que é assim, então que esse garoto seja bem vindo. – eu decretei me levantando da cadeira. – Vou subir agora para tomar o Topiramato. Meus neurônios parecem estar dançando loucamente numa Rave e eu ainda preciso deles pra passar em trigonometria. O velho Angelus riu e levantou-se também. Vindo na minha direção, prostrou-se diante de mim fazendo seus quase dois metros humilharem minha ínfima altura. Ao segurar meu rosto na altura das têmporas, inclinou-se para beijar minha testa com todo seu carinho paternal. -Nem imaginas o quanto me preocupo com você minha pequena principessa. – ele exprimiu. Sua voz agora revelava um timbre
estranho. – Vá, vá tomar seu remédio e depois tente relaxar um pouco. Se não se sentir muito bem não precisa fazer o dever de casa hoje. Apenas relaxe e durma. Ah, e não se esqueça de fechar a janela de seu quarto. Nova York anda muito perigosa ultimamente! Animada com a possibilidade de não precisar resolver os deveres chatos
de
trigonometria,
praticamente
ignorei
a
última
recomendação de meu pai. Peguei minha mochila que se encontrava jogada algumas mesas antes de nós e como uma flecha me dirigi à escada interna que ligava a pizzaria ao nosso apartamento. A gravata do uniforme ridículo da Saint Vincent me enlaçava como uma forca, então eu a desafrouxei o mais rápido que pude com as duas mãos. Ao subir de forma bem veloz os primeiros degraus da escada que me levariam ao andar superior senti uma leve tontura na cabeça. Continuei seguindo pela velha e barulhenta escada de madeira indiferente aquele pequeno mal estar, até que tudo ao meu redor começou a girar de forma frenética, inclusive os degraus. Fechei meus olhos por um momento enquanto me apoiava na parede com a mão direita a procura de algo firme. No início achei que iria desmaiar e acabar rolando escada a baixo, mas conforme fui normalizando a respiração o mundo foi voltando pouco a pouco ao seu lugar e a vertigem repentina passou afinal. Tudo estava imóvel mais uma vez, apenas as forças é que me faltavam naquele momento. Meu pai surgiu então ao pé da escada, talvez alarmado com o fato de não ter mais escutado meus passos. Ele me encarou durante alguns segundos analisando preocupado a expressão de minha face.
Eu deveria estar pálida como uma folha de papel, o que de certa forma não era novidade. -Tudo bem com você Millie?- papai indagou colocando os pés no primeiro degrau parecendo pronto a me pegar caso eu caísse. -Por que não estaria? –retorqui de forma teatral. É claro que eu não estava bem, mas tinha de fingir. Não queria preocupar o velho Angelus à toa, só por causa de uma droga de enxaqueca que me deixava a nocaute. Seria injusto com papai. Afinal, se ele já ficava desesperado apenas com um espirro meu, imagine como reagiria a um desmaio... Ataque de coração na certa! - Você está bem mesmo, Camillie?- ele insistiu zeloso. -Ah, pai deixa de ser super protetor, eu estou bem. Só parei aqui por que pensei em voltar pra te perguntar uma coisa. – eu dissimulei enquanto me escorava na parede, ainda tentando reunir minhas forças. -O quê você quer saber filha? -Bom... er... Eu gaguejei como uma boba. Nada conseguia surgir em minha mente graças à enxaqueca crônica que fritava meu cérebro. Além disso, eu não era boa para contar mentiras. - Ah... Sabe... Tipo... Esse filho do seu amigo... Você não me disse como ele se chamava. - Você iria voltar só para me perguntar o nome do ragazzo?- meu pai questionou descrente enquanto subia mais um degrau. -É. Por quê?
Vamos confessar, se eu fosse atriz nunca ganharia um Oscar na vida. A não ser, é claro, se os jurados da Academia estivessem bêbados na hora da votação. -Bom, ele se chama Evan. Evan Harper. - papai afirmou eloquente. -Hum... Nome legal. – disfarcei. Ao menos minha tontura já havia passado e eu poderia continuar subindo as escadas de forma normal, sem me preocupar em não sair rolando por ela como um saco de batatas. Depois de me encarar por um tempo para se certificar que eu estava bem, papai me mandou descansar. Eu subi as escadas correndo de novo e entrei no meu quarto antes que sentisse uma nova vertigem ou meu nariz de Pinóquio começasse a crescer. Após jogar minha mochila de qualquer jeito sobre a escrivaninha, me dirigi até a cozinha onde tomei o Topiramato para domar minha terrível enxaqueca. Voltando ao quarto, tirei minhas roupas molhadas, apaguei as luzes e me atirei preguiçosamente sobre a cama apenas de calcinha e sutiã. Eu não queria pensar em pseudo profetas sem teto e muito menos em pesadelos loucos e sem sentido envolvendo nevoeiros e maníacos assassinos. Deveria descansar como meu pai havia mandado, curtir a folga do dever de casa e tentar me preparar espiritualmente para a chegada de nosso novo hóspede. É claro que eu já sabia que não seriamos amigos, mas ao menos eu tinha de me acostumar com a idéia de um estranho vivendo em minha casa, e pensar em algo agradável para lhe dizer quando chegasse. Até porque tenho certeza
que essas serão às únicas palavras que iremos trocar até o final de sua estadia aqui.