Livro GENY completo

Page 1

Uma Garota em Nova York Chris Salles

1


Para Giancarlo e Graciette com todo o meu amor.

2


“Em Nova York, selva de concreto onde os sonhos são construídos Não há nada que você não possa fazer Agora você está em Nova York Estas ruas vão fazer você se sentir novo em folha As grandes luzes vão inspirá-lo Vamos ouvir isto por Nova York, Nova York, Nova York!”

(Empire State of Mind- Alicia keys)

3


Prólogo

======================================================================== E-mails de Melissa Fenner Caixa de entrada (1) Caixa de saída (2) Lixeira (0) ========================================================================= De: Albert Fenner < afenner@themeditteranean.com> Para: Melissa N. Fenner < melfenner@brazilmail.com> Assunto: Chegada Querida filha Sophie e eu aguardamos ansiosos por sua chegada amanhã. Ainda estou tentando compreender sua recusa em vir pra Nova York no nosso jatinho particular. Não acredito que usá-lo só uma vez irá ajudar a destruir a camada de ozônio, mas se você prefere enfrentar um vôo comercial de mais de 8 horas só para ser politicamente correta, por mim tudo bem. Já apresentei sua lista de pratos preferidos (e vegetarianos) ao chefe do restaurante de nosso hotel. Ele disse que ravióli de brócolis e capelleti de espinafre e gengibre são muito consumidos por vegetarianos vegans, mas que nunca ouviu falar em massas de macarrão feitas com inhame no lugar de ovos. Pra ser sincero, ele nunca tinha ouvido falar em “inhame”, mesmo sendo um renomado cozinheiro francês. Deve ser um legume específico do país em que você está, não é? Mudando de assunto. Como lhe disse antes, irei recebê-la no aeroporto e a levarei para nosso hotel na Rua Central Park West, onde estamos hospedados por um tempo devido a reformas na cobertura da Quinta Avenida. Amanhã telefonarei para certificar-me que você está bem e se recebeu este e-mail. Dê lembranças a sua tia Verônica por mim e a agradeça por todos estes meses que ela cuidou de você enquanto providenciávamos sua volta para os Estados Unidos. Saudades Seu pai Albert

4


CAPÍTULO 1

DE VOLTA A BIG APPLE

Parecia

um dia ensolarado de verão. Algumas crianças barulhentas brincavam no

gramado, enquanto outras passeavam de um lado para o outro de bicicleta com os pais pelo parque. Havia muito verde por todo o lugar, e Mel encontrava-se recostada no tronco de uma árvore, aproveitando a sombra fresca que ela oferecia. Inesperadamente a figura de uma mulher surgiu a poucos metros da garota. A luz brilhante que dela emanava ofuscou por alguns minutos os belos olhos azuis de Melissa, até que finalmente cessou. Diante dela, de pés descalços e usando um vestido branco que lhe cobria quase todo o corpo estava Helena, sua mãe. Embora a vontade de Mel fosse abraçála e beijá-la, devido a imensa saudade que sentia, a bela mulher não deixou que sua filha se aproximasse. -Apenas me ouça Melissa, nós temos pouco tempo. – ela afirmou. -Mas mãe... -Não, não fale, por favor. Eu sei sobre tudo o que você está sentindo minha querida. Sei das suas angústias, das suas tristezas, do medo de voltar para Nova York... É normal que você esteja assustada. Todos nós ficamos com medo quando temos de enfrentar coisas novas. Mas é preciso ter força filha, ainda mais agora que você encontrará muitas pessoas. Algumas não são o que parecem, na verdade são falsas, ruins, mas tenha certeza que você também encontrará outras que são justas, verdadeiras e que estão te esperando há muito tempo, só que ainda não se deram conta disso. Sei que o que estou lhe dizendo agora parece não fazer sentido, mas o importante é que você saiba que eu estarei sempre ao seu lado lhe protegendo. Confie em mim querida, tudo dará certo não se preocupe.

5


Por alguns instantes Mel ficou em silêncio, totalmente paralisada. Seu cérebro havia articulado uma série de frases e perguntas para a mãe, mas nenhuma palavra conseguia sair de sua boca. Helena, por sua vez, também nada mais disse, apenas olhou Melissa de forma terna e sorriu. A luz suave de antes começou então a envolver mais uma vez seu corpo, até se tornar tão intensa que Melissa teve de virar o rosto para proteger seus olhos da exasperada claridade. -Senhorita. Senhorita acorde, por favor!- disse uma voz desconhecida, que agora soava cada vez mais perto em meio a toda aquela luz ofuscante. Desnorteada, Mel abriu os olhos de forma abrupta, dando ao mesmo tempo um pequeno solavanco na cadeira graças ao susto. Os óculos que estavam em suas mãos rolaram direto para o chão da aeronave, juntando-se a uma revista que havia caído ali desde que ela pegara no sono. -Perdoe-me o incômodo senhorita, mas já vamos aterrissar. Por favor, afivele seus cintos, ok? Ainda sob o efeito do estranho sonho, Melissa apenas balançou afirmativamente a cabeça. A jovem aeromoça de maquiagem carregada sorriu exibindo seu chamativo batom e continuou a andar rebolativa pelo corredor, acordando as poucas pessoas que ainda dormiam. “Foi um sonho, apenas um sonho”, pensou Mel enquanto tateava o chão a procura dos óculos. “Essas coisas não existem, eu sei que não”. Mas embora ela tentasse se convencer de que tudo havia sido apenas uma grande confusão de seu cérebro, o encontro com a mãe parecia tão real quanto o fato de ela estar ali, naquele avião. Quando afinal encontrou os odiados óculos de lentes grossas, Mel colocou-os de qualquer jeito no rosto e afivelou rápido o cinto como a aeromoça havia mandado. Ao olhar pela pequenina janela à sua esquerda, pode ver um lago brilhando como diamante líquido sob o sol quente da tarde, e seu avião aproximar-se cada vez mais da pista do aeroporto internacional John F. Kennedy. -É, bem vinda de volta a América, Melissa. - disse ela, respirando fundo enquanto ajeitava os óculos, e se olhava no reflexo pouco nítido do vidro. – Você finalmente voltou pra casa...

6


*

*

*

*

*

A alguns quilômetros dali, no coração verde de Manhattan, Aaron Stonewell encontravase distraído. Sentado no gramado vistoso do Central Park sob a sombra de uma árvore, parecia não reparar nas duas ciclistas que passavam pela terceira vez (e de propósito, por sinal) diante dele. Não que elas não fossem bonitas, pelo contrário, eram duas gatas de tirar o fôlego, mas a atenção e os olhos de Aaron agora estavam totalmente vidrados na tela de seu MacBook que exibia em pequenos intervalos as inúmeras fotos tiradas no último show de sua banda de punk rock, a Nonsense. Por mais que já as tivesse visto milhões de vezes só naquela tarde, era impossível para ele não admirar toda a vibração do público que parecia transbordar pela pequena tela do computador. Apesar de aquele ter sido apenas o décimo show de sua inexperiente banda, eles haviam arrasado e isso valia para ele muito mais do que o cachê ínfimo oferecido pelo dono do pequeno clube no Brooklyn onde tocaram. Aproveitando-se da distração de Aaron, uma figura esgueirou-se sorrateiramente pelas costas dele e, com cuidado para não chamar sua atenção, caminhou pé ante pé até chegar bem próximo do garoto. Entretanto, a pessoa não contava com o estalo denunciante de um galho seco de árvore que acabou pisando por mero descuido. - Boa tentativa, Marvin James. - debochou Aaron, virando-se para o amigo. - Como um ladrão eu sou um ótimo baixista, não sou? –perguntou o garoto de olhos negros, depositando seu baixo no chão e sentando-se logo depois ao lado de Aaron. – Mas diz aí, o que é que você está vendo nesse notebook que te deixou tão vidrado? -São as fotos do nosso último show. – Aaron respondeu com um certo orgulho. - Elas ficaram demais, não é? Olha a empolgação da galera! -É. Total! – Marvin concordou, esticando o pescoço para vê-las. - Pena que a Sophie, sua nova musa inspiradora, não foi. -E a Chloe, sua eterna paixãozinha, também não apareceu por lá! - revidou Aaron, em tom ríspido. -Ei, eu sou apenas filho do faxineiro da escola. Não tenho a mínima chance com aquela garota! Já você cara... Ah... Você pode ter qualquer uma e a qualquer hora. Esqueceu que chamam você e o Oliver de “Os irmãos perfeitos”? Todas as garotas da Eugenne Sinclair Academy babam por você, até mesmo as veteranas...

7


-Será mesmo M.J.? Eu não tenho tanta certeza disso. - Aaron suspirou, baixando a cabeça. O fato de que Aaron Stonewell era adorado por boa parte da ala feminina da escola não era novidade para ninguém. O outro “Irmão Perfeito”, como as garotas o começaram a apelidar no final da sexta série, de fato possuía uma beleza fora do comum. Era alto, magro, tinha olhos verdes penetrantes daqueles que não se consegue parar de olhar, cabelo curto de um negro intenso, arrepiado de forma charmosa na frente, além de um rosto lindo e sorriso luminoso que qualquer modelo masculino daria pra ter. O único defeito real dele era ser apaixonado justamente pela agora ex-namorada de seu irmão Oliver. E por mais que Marvin mostrasse ao amigo a infinidade de garotas que se derretiam por ele nos corredores da escola e nos shows, Sophie era de quem Aaron gostava e por quem sofria devido a sua incrível indiferença. -Esquece a “paty” metida cara, você sabe que ela ainda gosta do Oliver. Amanhã mesmo eles já devem reatar o namoro. Fizeram tanto isso... Não é a primeira vez que eles brigam. - afirmou M.J, agora colocando o laptop grafite em seu colo para ver melhor as fotos. -Mas dessa vez foi sério, o idiota do meu irmão estava com outra garota e a Sophie viu. Essa pode ser a minha chance! Vai por mim, não existe nenhuma garota como ela nesta cidade. Marvin que até então parecia não concordar com o amigo começou a sorrir. De fato Sophie deveria ser a única criatura em Manhattan, ou talvez em todo o planeta, capaz de ser tão linda e tão egoísta ao mesmo tempo. Só não se comparava em maldade a Darth Vader, porque este era de outra galáxia muito, muito distante e a disputa se limitava apenas ao espaço terrestre. -Concordo, ela é bem bonita. Mas não sei, acho que falta algo... - retrucou Marvin, apertando as teclas do MacBook para que as fotos passassem numa velocidade mais rápida. -Falta? O quê?- Aaron perguntou. Embora a resposta de M.J. fosse “coração”, algo o fez parar de repente e gargalhar apontando para tela do notebook. Ali, em uma foto que parecia bem antiga, encontravamse duas crianças abraçadas e sorridentes, que não lembravam em nada o último show da banda. -Ei! Quem são a balofa e o dentuço de aparelho? –Marvin perguntou para o amigo, ainda entre gargalhadas.

8


Quando Aaron olhou para o MacBook, não conseguiu entender como aquela foto que devia estar perdida pelos inúmeros arquivos do computador havia parado logo ali, junto aos registros dos shows da Nonsense. -Bem, o dentuço sou eu. – Aaron começou a explicar meio sem graça. - Já a balofa é a Melissa, a tal irmã da Sophie que está vindo pra Nova York. -Sério mesmo? Esse feioso aqui é você?! – Marvin debochou, parecendo não acreditar. Nossa... Tu melhorou muito hein cara! E que coisa absurda, a garota chega hoje e aparece essa foto dela assim, do nada... Ei, mas porque você tem ela no seu computador? Paixão de infância, é? – ele perguntou, dando um sorrisinho malicioso. -Ah, não viaja, Marvin! – Aaron respondeu, revirando os olhos. - A Melissa e eu brincávamos juntos quando éramos crianças e só. Depois que ela foi com a mãe pro Brasil, nós nunca mais nos falamos. - Aaron disse, enquanto fechava o notebook. Havia um certo tom de tristeza em sua voz, mas ele soube disfarçá-lo. A verdade é que Melissa e ele eram grandes amigos. “Os melhores do mundo!” como Aaron mesmo enchia a boca pra dizer quando falava sobre sua amizade com a pequena Mel.

Eles haviam se conhecido no jardim de infância, enquanto brincavam no balanço da

escola, e desde aquele dia em diante grudaram-se de tal maneira que não faziam mais nada sem o outro. Tinham um tipo de amizade bonito de se ver, daquele que ainda era puro demais pra ser abalado pelos hormônios da puberdade, quando a linha divisória entre meninos e meninas se reforça e os faz parecerem seres vindos de planetas totalmente diferentes. Mas o destino resolveu ser implacável com os dois amigos e, quando Melissa menos esperava, ela já estava dentro de um avião partindo em direção a América do Sul com sua mãe, deixando Aaron sozinho e choroso em Nova York. Hoje em dia, mesmo depois de já terem se passado quatro longos anos, o garoto ainda se lembrava com tristeza da separação forçada de sua melhor amiga. Era uma ferida aberta, que vez ou outra doía, parecendo não querer ser esquecida. Felizmente o remédio estava a caminho... - Bem, e por falar na Melissa... – Aaron disse aos suspiros, voltando-se para M.J. -... Acho que já é hora de irmos pro hotel Meditteranean arrumar as coisas pra apresentação. Hoje o cachê vale a pena e ainda vai ser pago com antecedência. -Ô, nem me fale! Depois daquela ninharia que a gente ganhou no último show, eu pensei até em desistir da carreira. - debochou o baixista, levantando-se num pulo.

9


Apesar de estarem um pouco atrasados em relação à hora que havia sido acordada com o dono do hotel, Aaron e Marvin caminharam tranquilos em direção a saída oeste do Central Park, cada um pensando no que mais lhe importava. O baixista no cachê alto e Aaron em rever Sophie, até que seu pensamento resvalou novamente sem querer na lembrança infantil de Mel. Por alguns instantes ele lembrou-se das confusões que os dois aprontaram juntos quando crianças, e isto o fez sorrir, mas logo a imagem da amiga se perdeu e Sophie voltou a dominar sua mente fazendo seu coração doer mais uma vez.

*

*

*

*

*

O saguão do terminal três encontrava-se lotado quando Melissa desembarcou no aeroporto JFK. Parecia que todas as crianças americanas haviam resolvido viajar bem na primeira semana de suas férias escolares, a julgar pela quantidade exorbitante de meninos e meninas que brincavam com os carrinhos de bagagem sob os olhares já impacientes de seus pais. Carregando suas duas pesadas malas, Mel olhou ao redor em meio a todo aquele tumulto quando viu seu pai, distante a poucos passos dela, usando um elegante terno cinza que lhe dava um ar sério, de alto executivo. Albert não havia mudado tanto como ela tinha pensado. Embora seus cabelos agora possuíssem alguns fios brancos espalhados pela cabeça, ele ainda conservava o jeitinho charmoso que fazia a mãe da garota ter tantos ciúmes enquanto ainda eram casados. -Oi pai. – Mel o saudou, após caminhar meio sem jeito até ele. -Melissa?! Meu Deus, não pode ser! Querida como você cresceu!- espantou-se Albert olhando-a dos pés a cabeça. - Está tão alta, tão bonita! Mel esboçou um leve sorriso e corou, baixando a cabeça para encarar o chão. Não estava acostumada a ouvir elogios e, como vivia insatisfeita com sua aparência, possuía uma imagem bem distorcida de si mesma. -Ah, não exagera pai! Alta sim, mas bonita? A míope aqui sou eu lembra?- brincou ela o abraçando de forma tímida, sem encostar muito o corpo. Depois de tanto tempo longe e um sutiã finalmente (e muito bem) preenchido, Mel não sabia como se portar com Albert.

10


Eles não eram como fossem dois estranhos, mas também não tinham aquela típica intimidade de pai e filha. Ela não era mais aquela menininha de dez anos e a falta de convívio havia aberto um pequeno abismo entre os dois. -É bom ter você por perto de novo. Não imagina com sua irmã e eu sentimos sua falta todo esse tempo. –ele disse, com a voz transbordando de emoção. Ao aconchegar a filha naquele abraço acanhado, porém repleto de saudade, Albert fechou os olhos e na mesma hora sua mente o transportou no tempo para quatro anos atrás, onde ele abraçara Melissa pela última vez naquele mesmo aeroporto. Havia sido uma separação dolorosa e os anos que se seguiram foram mais tristes ainda, já que graças à teimosia de Helena, sua ex-mulher, que se recusava a lhe dar o endereço de onde morava, ele nunca as pode visitar no Brasil e muito menos enviar os presentes de aniversário e Natal que comprava todos os anos pra Mel. -Espera, deixa eu te olhar de novo. - disse Albert, se desvencilhando dos braços da filha. - Não consigo acreditar que a minha menininha de antes agora é uma adolescente de quinze anos. -É pai, sou eu sim. –murmurou Mel um tanto desconfortável com toda aquela atenção. -Mas chega que esse papo já está ficando meloso demais. Você sempre dizia estas mesmas coisas pelo telefone depois que eu te mandava fotos minhas por e-mail, lembra? Apesar da alegria que sentia, Albert preferiu não chatear mais Melissa com aqueles comentários sobre crescimento típicos de tias solteironas em reuniões familiares. Queria que ela se sentisse bem em estar de volta e, acima de tudo, esquecesse da morte de sua mãe que tinha ocorrido meses atrás. Virando-se então para o segurança de terno preto que o esperava imóvel como um soldado inglês a alguns metros de distância, Albert fez um leve gesto com a mão para que o empregado se aproximasse. -Tome filha, acho que isto é seu. - disse ele, pegando algo das mãos do segurança e colocando logo em seguida na cabeça de Mel. Na mesma hora ela reconheceu surpresa seu velho boné azul de estimação do New York Yankees, o time de baseball que adorava quando era criança. -Nossa! Eu pensei que tinha perdido ele durante a mudança pro Brasil. Valeu mesmo pai! - agradeceu Melissa, enquanto ajeitava melhor o boné na cabeça. -Não filha, não me agradeça ainda. Tenho outra pequena surpresa para você e acho que lhe agradará muito mais do que esta.

11


Mesmo sem forças devido à viagem e seu corpo “clamando” uma cama com urgência graças ao jet lag, a aparência cansada de Melissa deu lugar a uma animação repentina. Ela havia ficado curiosa para saber o que Albert estava aprontando. -Surpresa? – rebateu Mel, franzindo a testa. - Ah, pai me conta... Por favor. -Não posso. Você vai ter de ser paciente. Por enquanto acho melhor irmos andando para a limusine. Apesar de parte da cidade estar passando as férias de verão em Coney Island ou nos Hamptons, o trânsito de Manhattan ainda assim não deve estar muito bom a essa hora. - afirmou ele, indicando as malas de Melissa para que o segurança as levasse. Ele não era pago para aquela função, no entanto a fez assim mesmo, sem questionar. -Puxa vida! Já faz tempo que eu não ando em uma limusine. Acho que nem lembro mais como é por dentro... – Mel exagerou, relembrando seus tempos de infância, quando ainda ia pra cima e pra baixo em Manhattan, levada aonde quisesse pelo chofer de seu pai. Um carro como aquele estava muito distante da realidade que ela vivia no interior do Brasil. Desde que sua mãe e sua tia Verônica haviam abraçado a causa ambiental, elas sempre preferiam utilizar bicicletas ou o transporte público para ir a algum lugar. Não eram as formas mais cômodas e rápidas de se locomover, obviamente, mas um jeito politicamente

correto

de

se

evitar

que

mais

gás

carbônico

fosse

jogado

desnecessariamente no ar acabando assim com a camada de ozônio. O que as duas diriam se vissem Mel entrando em uma limusine bebedora de óleo como aquela? A garota nem quis imaginar... Mas também, o que ela poderia fazer? Seu pai era um dos homens mais ricos dos Estados Unidos de acordo com a revista Forbes. Só ficava alguns milhões atrás dos bambambãs da tecnologia como Bill Gates e o cara que criou o Facebook. Se ele não andasse de limusine andaria de que? Ônibus? Metrô? Carros populares? Não mesmo... Isso era para pobres mortais, não para o poderoso dono da cadeia de hotéis The Meditterranean. E, como filha do dono, Melissa teria de se acostumar novamente querendo ou não - a essa vida cheia de opulência. Será que ela conseguiria? Albert percorreu todo o saguão com passos rápidos, feliz por ter a filha de volta ao seu lado e, cruzando a porta automática que dava para a rua, foi em direção à magnífica limusine que parou diante deles com uma precisão cronológica absurda. -Então? Pronta para a sua primeira volta? - ele perguntou, enquanto o chofer abria a porta do luxuoso carro para que a garota entrasse.

12


Ao ver a limusine bem diante de seus olhos Mel engoliu em seco, totalmente deslumbrada. Era difícil pensar nas calotas polares degelando a milhares de quilômetros de distância dali graças às emissões de CO2, quando algo tão bonito, reluzente e luxuoso estava parado bem na sua frente. A limusine parecia até uma carruagem e Mel se sentiu a própria Cinderela. -Ela é sua mesmo, pai?! –ela perguntou, ainda não parecendo acreditar no que estava vendo. -Bem, na verdade é oferecida apenas para os clientes Vip's do hotel Meditteranean, mas hoje ordenei que ficasse inteiramente a sua disposição, querida. -Uma limusine? Só pra mim? Fala sério pai, você chama isso de pequena surpresa? admirou-se Mel, enquanto se acomodava no banco macio do carro. Albert sentou-se ao lado dela risonho e depois de fechar a porta da limusine, foi até o frigobar onde pegou uma garrafinha de água mineral Glaceau para matar a sede. -Mas eu não disse que essa era a surpresa. -insinuou ele, lembrando-se do que os aguardava no restaurante do hotel . - Você ainda não viu nada querida e pra ser sincero, as emoções desta noite estão apenas começando.

13


CAPÍTULO 2 PIMENTA E DENTINHO

Depois de tantas retenções típicas de Manhattan, a limusine entrou na Rua Park West, onde ficava o famoso e admirado hotel The Meditteranean. Com os olhos atentos ao movimento contínuo de pessoas que passeavam pelas calçadas naquele início de noite, Mel demorou a reconhecer o verde maravilhoso do Central Park que figurava ao lado direito da rua. -Chegamos? -perguntou ela, ajeitando seus odiados óculos que teimava em escorregar até quase a altura do meio do nariz. -Não acredito que você não esteja reconhecendo o hotel, filha. Ele até sofreu algumas reformas, mas elas não o deixaram tão diferente assim. - disse Albert, descendo do carro. Quando Mel saiu da limusine e olhou para a fachada imponente do Meditteranean, foi impossível para ela não admirar, como se fosse à primeira vez, o majestoso hotel que figurava à sua frente. É verdade que havia crescido por aqueles corredores e conhecia até os mínimos detalhes do lugar, contudo depois de tanto anos fora, voltar e olhar para todas aquelas janelinhas brancas, as bandeiras americanas tremulantes ao sabor do vento e os andares que quase se perdia de vista era algo emocionante para ela. “Nossa, nem acredito que estou aqui de novo", pensou Mel enquanto adentrava na companhia de seu pai o grande hall do The Meditteranean. Ao colocarem os pés no luxuoso tapete que completava a sofisticação do lugar, Melissa foi logo reconhecida pelo gerente do hotel - e também puxa-saco oficial de seu pai- o senhor Pierre Le Blanc. Na mesma hora ele deixou o balcão onde estava supervisionando os funcionários que faziam o check-in dos hóspedes, para ir cheio de sorrisos ao encontro dela e de Albert.

14


-Mademoiselle Fenner, que honrra a terrmes aqui! Mas porr mon Dieu, como você crresceu e ficou magrrra! Quando foi emborra quase nem conseguia olharr porr cima do balcon e agorra está do meu tamanho. Oh! Estou ficando velho. - disse ele dramático, com seu sotaque francês engraçado que se recusava a perder. -É bom vê-lo também senhor. -afirmou a garota ainda meio tímida. Mel sabia que havia mudado bastante, afinal tinha perdido vários quilos e estava muito mais alta, mas ficar ali ouvindo aquele blá-blá-blá sobre o quanto havia crescido era quase um tortura. Mel não gostava muito de relembrar seus tempos de “peso-pesado” como alguns colegas da escola a chamavam na época. Quantas vezes mais ela teria de passar por aquilo? “É, é verdade. Eu era uma bola de banha que tinha a bunda maior do que lua e o tamanho de uma anã. Satisfeito?” era a resposta grosseira que tinha na ponta da língua, mas que não ousaria dizer, já que era muito educada e não gostava de ferir o sentimento dos outros. Por sorte, um dos empregados do hotel deixou as bagagens de uma importante hóspede caírem desastradamente do carrinho de malas e Pierre acabou finalizando a conversa para ir correndo repreendê-lo com toda a autoridade que o cargo de gerente lhe garantia. Só depois de ter se livrado de Le Blanc é que Melissa pode afinal reparar no ambiente estonteante que estava a sua volta. O saguão do hotel parecia muito mais luxuoso agora do que em seus tempos de criança. No centro ficava a grande recepção ladeada a direita e a esquerda por duas gigantescas escadas de mármore, as quais ela sempre descia escorregando pelo corrimão para desespero do gerente Le Blanc. Havia hoje um pequeno lounge depois da entrada, para conveniência dos hóspedes e visitantes, como também muitas plantas, flores e obras de arte que se espalhavam pelas diversas paredes do lugar decoradas minimamente ao estilo europeu. No teto, além de uma pintura inspiradora com anjos e nuvens, figurava o caríssimo lustre de cristal -com design assinado pela Tiffany’sque era difícil não ser notado devido ao seu brilho intenso. Tudo era muito limpo, cheiroso e reluzente ali. Apesar do pouco tempo passado no Hall, Mel ficou impressionada pela alta sofisticação que o Meditteranean agora ostentava. -É maravilhoso, eu sei. -disse Albert no elevador, enquanto olhava a garota pelo reflexo do espelho cheio de arabescos florais. - Hoje nós somos o segundo melhor hotel de

15


Manhattan, só ficamos atrás do Plaza. Mas já estamos providenciando alguns milhões de dólares em melhorias para reverter esse quadro. -Caramba pai, não imaginava que o Meditteranean havia ficado assim. Parece mais um palácio do que um hotel. - exagerou Melissa. -Sim, mas agora é o seu palácio minha querida. -acrescentou ele sorridente, saindo pela porta de metal que havia acabado de se abrir. No corredor bem iluminado e repleto de pequenas estátuas em mármore, Mel e o pai caminharam até a porta de vidro e madeira do Chateau D'ore. Apesar do silêncio pétreo que dominava o lugar e a ausência de pessoas entrando e saindo do restaurante, o que seria normal para aquele horário, a garota não percebeu o clima misterioso que pairava ali. -Você primeiro filha. -ordenou Albert enigmático, empurrando-a de leve pelas costas. Quando adentrou o restaurante, Mel se viu mergulhada em uma sombria escuridão. Não enxergando nada diante de si, pensou em voltar recuando alguns passos na direção da porta, mas repentinamente as luzes se acenderam e uma chuva de bexigas coloridas e muito papel picado caíram sobre ela. Várias pessoas, em sua maioria adolescentes que se encontravam no interior do restaurante, lhe deram em coro uma sonora saudação de boas vindas. -É um prazer tê-la conosco senhorita Fenner. Seja bem vinda. - disse uma mulher de cabelos ruivos, surgindo bem na sua frente. Ela aparentava ter passado há pouco tempo dos trinta anos e tinha olhos amendoados de dar inveja. -Querida esta é Rebeca Pitty, minha secretária pessoal. Foi ela quem me ajudou a planejar toda essa festa pra você. - afirmou Albert. -Ah, é? Então obrigada senhorita Pitty. É muito bom conhecê-la. - cumprimentou Mel retribuindo o sorriso amistoso para a secretária. Sophie, que se encontrava a poucos metros de distância se aproximou dos três, seguida log atrás por Chloe e Vicky, suas inseparáveis amigas que mais pareciam uma dupla de seguranças no encalço dela. Quando as irmãs ficaram frente a frente afinal, Mel teve a ligeira impressão de que Sophie não estava muito animada com a sua volta. Ela a olhou de cima a baixo como se a roupa de Melissa fosse uma ofensa para aquele lugar, e respirou bem fundo, daquele jeito que se faz quando vai se tomar um remédio de gosto horrível. -Seja bem vinda Mel. - a irmã disse entre os dentes, abraçando-a com cuidado para não amarrotar sua blusinha Marc Jacobs. -É bom ver você de novo Sophie. Faz tanto tempo, não é?

16


-Quatro anos pra ser precisa. – ela replicou, com um timbre seco na voz. -Nossa! Eu pensei que vocês fossem gêmeas tipo, Mary Kate e Ashley Olsen, mas olhando pras duas agora dá pra ver que vocês têm pouquíssimas coisas em comum. - comentou Vicky, analisando Mel como se ela fosse um animal exótico em exposição. De fato as irmãs não eram muito parecidas, afinal não eram idênticas e o tempo havia colaborado ainda mais para acentuar estas diferenças. Sophie era linda como uma pintura. Tinha cabelos loiros macios e lisos, uma pele alva que lhe dava um ar de boneca de porcelana, além de olhos azuis tentadores e lábios finos bem rosados. Apesar de Mel ter a mesma cor dos olhos e dos cabelos da irmã, ao olhar para ela sentiu-se feia. Não era na verdade, mas quando se comparou a Sophie, achou que seu cabelo ondulado e opaco não chegava aos pés do dela. -Você tem alguma preferência musical querida?- quis saber Albert. - Não tinha idéia do que gostava, então contratei uma banda e um DJ especialmente pra sua festa de boas vindas. O que quer ouvir? - Bom, eu sou fã daquela cantora, a Pink, sabe? -disse Mel fingindo não notar que Sophie olhava para seu tênis All Star cinza e torcia o nariz. Mesmo não fazendo a mínima idéia de quem era a tal “Pink” que a filha havia mencionado, Albert dirigiu-se de imediato a um canto do salão para atender ao seu pedido. Lá apertados entre o bar e a porta da sacada devido à quantidade de convidados na festa, estavam Aaron, Marvin e Doug já de posse de seus instrumentos esperando apenas que Albert lhes passasse o repertório para começarem mais um show da Nonsense. -Bem, já que a Sophie não nos apresenta, sou Victoria McQueen. - disse Vicky, estendendo a mão para apertar a de Melissa. -Oi, seja bem vinda. Você já me conhece, sou Chloe Von Bondenburg, lembra?cumprimentou a outra garota de cabelos castanhos, franjinha curta e olhos cor de mel. -Chloe "Dumbo"? A que estudou comigo na Sinclair Academy? Não pode ser! você tinha orelhas enormes! Sophie e Vicky entreolharam-se receosas, só esperando que Chloe explodisse. Mel sem querer havia tocado em um assunto delicado para a garota e isso era sinônimo de detonação na certa, mas ao invés de uma resposta mal educada Chloe apenas corou. - Meu pai é cirurgião plástico, lembra? Mel revirou a memória rapidamente e fez com a cabeça que sim.

17


-Bem, minha mãe achou que minha vida social poderia ser prejudicada pela minha imagem e então ela simplesmente obrigou meu pai a me dar a cirurgia de presente de aniversário no ano passado. Não ficou excelente? – ela perguntou orgulhosa, colocando o cabelo atrás da outra orelha para exibir o belo trabalho que o senhor Bondenburg havia feito. Mel concordou. Mesmo sem entender muita coisa sobre cirurgia plástica era óbvio que a operação havia sido bem sucedida. Não havia sequer uma única cicatriz visível, ou sinal de que algum dia aquelas orelhas haviam sido do tamanho de um continente. -Ah, mas poucas pessoas sabem sobre a operação. - alertou Chloe aos sussurros. - Eu sempre escondi as orelhas por baixo do cabelo, por isso nunca ninguém notou a diferença. Então não espalhe, por favor. -OK. -respondeu Melissa atônita, diante do fato de que alguém da mesma idade que ela já havia feito plástica. Operações cirúrgicas desse tipo não eram proibidas em menores? Oh, esquece. No mundo movido a dinheiro da alta sociedade nada era impossível. Ética era só mais uma das muitas palavras em desuso no dicionário dos “bem nascidos”. -Ai meu Deus! -bradou Vicky, enquanto olhava escandalizada para sua esquerda e cutucava Sophie. - Que roupa é aquela que a Ashley Palmer está usando?! Será que ela ainda não percebeu que usar estampa de oncinha é a mesma coisa que escrever vadia na testa? Melissa procurou com o olhar a garota sobre a qual Victória falava. Não foi difícil de descobrir devido ao vestido berrante (e pouco comportado) que ela estava usando. -Querida, o que você esperava de alguém que anda com a Charlotte Brant? Ela e a Ashley compram um monte de porcarias velhas nos brechós no Village e depois tem a cara de pau de dizer que é Vintage! Puf. Só porque são terceiranistas acham que podem cometer todos os pecados da moda e sair ilesas. Ai, como eu odeio emergentes sociais! - grunhiu Sophie, com desprezo. Ao lado daquelas esnobes que agora ignoravam sua presença devido às críticas ao vestuário das outras, Mel parecia não acreditar no que estava ouvindo. Sentiu que quando a festa terminasse, ela seria o próximo alvo das línguas ferinas de Sophie e Vicky. Com certeza a dupla falaria mal de seu cabelo, do jeans desbotado que vestia e principalmente de sua blusa baby look preta com a foto da Pink estampada.

18


Quando olhou em volta e viu que não reconhecia nenhuma das pessoas que estavam na festa, Mel sentiu-se uma estranha no meio delas. Todas as garotas que circulavam ali eram lindas e delicadas. Tinham corpos perfeitos como o das modelos da Victoria's Secret, cabelos lisos e sedosos parecidos com aqueles de propaganda de xampu, além de estarem vestidas com belas roupas com certeza de estilistas super famosos. Decididamente ela não sentia-se confortável naquele lugar, pois nem de longe ele lembrava o mundo simples que estava acostumada a viver no interior do Brasil. De repente acordes melodiosos começaram a ser ouvidos e a atenção de todos na festa voltou-se para o grupo que tocava no canto do restaurante. A voz suave de Aaron Stonewell cantando as primeiras frases da música "Who Knew" da Pink ecoou pelo salão fazendo todas as garotas dali vidrarem nele. Depois que os olhos de Mel encontraram pela primeira vez o vocalista da Nonsense, parecia que ninguém mais existia no restaurante, ou melhor dizendo, no mundo inteiro, além dele. Aaron tinha olhos grandes de um verde intenso e sorriso capaz de derreter o coração mais gelado de todos. O jeito charmoso como tocava compenetrado a guitarra encantou Melissa de tal maneira que ela não conseguia mais tirar os olhos dele. Seu coração agora palpitava como se fosse sair pela boca e saltitar pelo chão. Era uma sensação estranha, diferente, que ela nunca havia sentido antes, mas sabia muito bem o que significava. E algumas pessoas ainda dizem que não existe amor à primeira vista... -Ai, ele é perfeito! -suspirou Vicky, mordendo os lábios enquanto olhava de forma sonhadora para o guitarrista da Nonsense. - Não sei o que todo mundo vê nesse pirralho do Aaron, o Oliver é muito mais bonito que o irmão. E você Chloe, pare de olhar pro Marvin “Marciano”. –ordenou Sophie num tom duro, com o dedo em riste para a amiga. - Eu realmente queria saber onde você estava com a droga da cabeça quando pensou em ir ao último show deles. Devia é me agradecer por eu não ter deixado você ser vista com aquele filhote de faxineiro. -Ei, espera aí Sophie! Você por um acaso falou Aaron?- Mel indagou surpresa, franzindo as sobrancelhas. -É, é. Isso mesmo. Aaron Stonewell. Aquele seu amiguinho babaca que vivia pra cima e pra baixo com você só aprontando. Decididamente não sei o que aconteceu, mas de uns anos pra cá ele ficou muito popular na escola. -Ele ficou é lindo, você quer dizer. -corrigiu Vicky. –Eu não entendo como consegue rejeitar um gato desses, ele tem uma queda por você.

19


-Que seja, mas agora eu vou é atrás de um homem de verdade. - categorizou Sophie, começando a se afastar das amigas para ir em direção a seu ex (pelo visto futuro) namorado Oliver, que bebia champanhe enquanto conversava animadamente com alguns garotos em um canto do salão. -Espera “So”, nós vamos com você! -disseram Vicky e Chloe, quase em coro, seguindo Sophie logo atrás. Mel ainda não conseguia acreditar no que a irmã havia dito. Aquele garoto lindo e charmoso que estava tocando diante dela era Aaron, ou melhor, "Dentinho" seu antigo amigo de infância. Estava muito diferente, é claro, e não lembrava em nada o menino magrelo e dentuço que brincava com ela pelo hotel. Parecia tão grande agora, tão...tão... homem. Mesmo um pouco hipnotizada pela figura de Aaron que se encontrava a alguns passos dela, Mel ainda conseguiu ver seu pai dirigir-se para o terraço do restaurante e, diante da expressão transtornada de Albert, alguma coisa muito séria havia ocorrido. Como ninguém parecia mesmo importa-se com ela naquela droga de festa, Mel foi até o terraço passando tão perto da banda que pode até sentir o perfume cítrico de Aaron se espalhando pelo ambiente. Ela não percebeu a olhadinha de rabo de olho que ele a lançou, talvez porque tenha sido muito rápida pra ser reparada ou quem sabe por que Aaron disfarçava bem, mas definitivamente aquele foi um olhar de curiosidade. Ao chegar na porta que barrava a entrada para o terraço Mel viu Rebeca Pitty sentada bem calma em uma mesa, enquanto Albert andava de um lado ao outro parecendo atordoado. Não era possível ouvir toda a conversa devido à altura do som que rolava no restaurante, mas Melissa pode perceber perfeitamente algumas palavras como "explosão" e "pobre Linda" saírem da boca de Albert. -Aconteceu algo grave pai?- Mel quis saber, aproximando-se dos dois. -Ah querida, me perdoe. Me perdoe mesmo! Eu sei que hoje é a sua festa de boas vindas e que eu não estou lhe dando a atenção que deveria, mas algo terrível aconteceu. O apartamento da minha noiva Linda acabou de explodir. - ele respondeu, tentando disfarçar a aflição. -Meu deus! – disse Mel levando as mãos a boca. - Mas ela está bem? -Está sim, não se preocupe. Só que eu preciso avisar aos filhos dela. -disse Albert. Depois se virou para sua secretária. -Rebeca, por favor, interrompa a apresentação da banda e

20


peça ao Aaron para que venha até aqui. Enquanto isso irei procurar o Oliver. Quero dar essa notícia para os meninos de uma vez só. Novamente abandonada depois que Albert e a secretária voltaram para dentro do restaurante, Mel ficou observando durante alguns segundos a magnífica vista que o terraço oferecia. Debruçada no gradil com os olhos fixos no Central Park, ela nem mesmo percebeu que a melodia agitada da Nonsense havia cessado e agora um ritmo Techno dominava o ambiente. -Nossa, é incrível como tudo pode mudar tanto em apenas quatro anos! E a maior prova disso é que o meu pai vai se casar com a senhora Stonewell, mãe do Aaron! Eu nunca imaginei que isso um dia poderia acontecer. Nunca!- disse Mel pra si mesma, em voz alta, sem se dar conta da presença de uma pessoa que havia acabado de chegar ao terraço. -Er... Oi. Desculpa se eu to incomodando, mas me disseram pra esperar uma pessoa aqui. Quando Mel virou-se para trás, viu os belos olhos verdes de Aaron fitarem os seus intensamente. Ela na mesma hora congelou. Já ele simplesmente sorriu. Ah! Como as curvas daquele sorriso eram familiares! Definitivamente aquele garoto era o “Dentinho”. -Não, o quê isso... Eu só...só... estava olhando o Central Park. Fi-fique à vontade. - ela afirmou gaguejando, meio sem graça. -Você não lembra mesmo de mim, não é “Pimenta”? – indagou o garoto, se aproximando. Mel encostou-se de costas no gradil do terraço e sorriu tímida. -Bem, na verdade eu lembro sim, Aaron. Só não tinha reconhecido sua voz, ela está tão grave. E nossa! Ninguém me chama de “Pimenta” há anos! É estranho ouvir isso de novo. -Eu entendo. Desde que você foi embora o apelido “Dentinho” também morreu. Tudo bem que o fato de eu ter tirado o aparelho ajudou e... Mas Aaron não completou a frase, talvez por achar que fosse desnecessária no momento. Ao invés disso apenas exalou fundo e debruçou-se no gradil ao lado de Mel, pondo-se a olhar o Central Park do mesmo modo que ela havia feito minutos antes. Ele estava tão bonito naquela calça jeans e blusa preta escrito Blink-182! A munhequeira de couro também preta era o acessório que dava o toque final ao estilinho irresistível dele de Rock Star. Um silêncio estranho e constrangedor pairou sobre o terraço, fazendo Mel se sentir um tanto incomodada. Aaron continuou olhando o parque a sua frente, todo concentrado, até

21


que respirou fundo e voltou-se pra ela, colocando seus olhos verdes bem nos de Mel. A garota teve de morder os lábios para não suspirar feito uma boba. -Sabe, você mudou bastante. Quase não te reconheci. –ele disse, dando um sorrisinho de canto de lábio. -É. Agora ninguém pode mais me chamar de tampinha, ou dizer que eu pareço a baleia Shamu do “Sea World”. A única coisa que não mudou foram meus quatro olhos. –ela brincou, retribuindo o sorriso e ajeitando os óculos. O contato visual dos dois, no entanto não se prolongou por muito tempo. Ambos desviram o olhar para lugares diferentes, envergonhados por um motivo que desconheciam. Aaron colou seus olhos no trânsito da Rua Park West, enquanto Melissa ergueu a cabeça para encarar o céu sobre ela. Apesar de estar límpido, não era possível ver as estrelas devido a intensa luminosidade de Manhattan e Mel ficou um pouco decepcionada com aquilo. Na cidade onde vivia no Brasil a Via Láctea se estendia como uma grande mancha leitosa, e seus pequenos pontos de luz brilhavam feito diamantes. Ali o céu era preto. E só. Longos minutos ainda se arrastaram sem que nenhum dos dois ousasse falar. O som do trânsito agitado das ruas ao redor do hotel mais a música Techno que dominava a festa figuravam como trilha sonora daquele estranho momento. Seria só falta de assunto que levava dois grandes amigos a se ignorarem como verdadeiros estranhos? -Melissa. – Aaron a chamou, quebrando a tensão. -Sim? –ela disse, voltando-se finalmente para ele. -Não sei se deveria tocar neste assunto agora, mas... Bem, é que eu sinto muito pela sua mãe. De verdade. Eu gostava muito dela. -Obrigada.Também sinto pelo seu pai. Eu soube agora a pouco, quando estava vindo pro hotel. O meu pai me contou. Fiquei triste porque ninguém me avisou nada na época. Foi há alguns anos, não é? Aaron engoliu em seco. -Uhum, de enfarto. -disse ele respirando bem fundo o ar morno da noite. -Foram tempos bastante difíceis. -É os meus também. Eu nunca lidei muito bem com esse lance de morte. Lembra quando meu hamister “Peludinho” morreu e eu pedi a você para enterrá-lo no Central Park? -Claro que lembro! Eu fiz uma mini-lápide escrita "Descanse em paz Peludinho" e ainda fingi que rezava em latim pela alma dele. Era o mínimo que podia fazer pra te deixar

22


melhor. Você chorou muito naquela tarde e eu detestava ver minha melhor amiga triste. -disse ele, admirando-a com seus olhos que agora pareciam duas esmeraldas de tão verdejantes. Interrompendo a conversa, Albert apareceu de repente na sacada com Oliver a tira-colo. Aaron olhou intrigado para os dois, não fazendo a mínima idéia do que o futuro padrasto queria com aquela pequena "reunião familiar". -Rapazes a notícia que tenho não é nada boa. Antes que vocês se desesperem saibam que Linda está bem e nada, nada mesmo, aconteceu com ela. Só que... infelizmente... o apartamento de vocês explodiu a mais ou menos uma hora. -O quê?! Mas, mas como isso aconteceu?- perguntou Aaron, completamente atordoado. Parecia que havia recebido um murro na cabeça. -Segundo sua mãe, os bombeiros aventaram a possibilidade de um vazamento de gás ter sido o responsável pela explosão. Se vocês quiserem vir comigo e saber o que houve de fato... -Claro! Vamos sim. -disse Oliver, ainda confuso com a notícia. Sem nem ao menos se despedirem, os três saíram da festa o mais rápido possível, deixando Melissa sozinha com Rebeca no terraço. -Necessita de alguma coisa, senhorita?-perguntou Pitty atenciosa, aproximando-se da garota. Ao olhar para as pessoas que ela não conhecia e divertiam-se no restaurante alheias a sua presença, Melissa suspirou revelando um certo desânimo. -Sim. Pra falar a verdade eu queria ir pro meu quarto. A viagem me deixou exausta e, além disso, essa festa já perdeu a graça.

23


CAPITULO 3 BELA, MAS CRUEL

Melissa espreguiçou-se deliciosamente, apesar de seus olhos ainda estarem ofuscados devido à claridade intensa que entrava pela janela de sua magnífica suíte decorada no estilo Provençal. Ela já havia acordado a um certo tempo e trocado de roupa, mas ao invés de ligar para a recepção pedindo um bom café da manhã, preferiu ficar alguns minutos ali, com a cabeça encostada na janela, admirando a rua Central Park West. Por incrível que pareça, ela havia sentido falta da agitação constante de Manhattan, ao contrário de sua mãe que em nenhum momento no Brasil mencionou ter saudades de tudo aquilo. Mel ainda estava cansada devido à viagem, é verdade, mas só de observar o movimento intenso de carros e táxis amarelos que seguiam pelas quatro vias da rua, ela sentiu-se misteriosamente disposta naquela manhã. Então antes mesmo de tomar o café, decidiu desfazer as malas e arrumar suas roupas no closet da suíte. Afinal, não sabia quanto tempo ficariam no hotel até o apartamento da Quinta Avenida ficar pronto o quê, a julgar pelo perfeccionismo de seu pai, poderia levar meses e mais meses. Dirigindo-se para a mesa, onde uma de suas malas repousava aberta em cima, os olhos de Mel encontraram meio que por acaso seu boné de estimação dos Yankees, caído despreocupadamente no chão ao lado de uma poltrona de cor bege que decorava o ambiente acompanhando os tons pastéis da suíte. Apesar de estar velho e um tanto desgastado, aquele boné lhe trazia boas lembranças de quando era criança. Pois o tinha ganhado de seu melhor amigo Aaron, durante a inesquecível vitória em casa dos New York Yankees sobre seu arqui-rival, o Boston Red Sox. Cortando os pensamentos de Mel, alguém a surpreendeu batendo com força na porta. Imaginando que seria Sophie, já que elas estavam hospedadas em uma suíte duplex do hotel e a irmã dormia bem no quarto ao lado, Melissa espantou-se quando ouviu a voz de seu pai soar do outro lado da porta.

24


-Bom dia Missy, espero que não a tenha acordado. -disse ele, entrando sorridente no quarto. Rebeca Pitty o seguia logo atrás segurando duas misteriosas sacolas de compras em cada mão. -Não se preocupe pai, eu levantei há algum tempo. Só não tomei café ainda. -respondeu ela enquanto recebia de Albert um carinhoso beijo na testa. -Bom, é só pedir pelo telefone e eles lhe enviarão o melhor café da manhã de Manhattan. Agora, se quiser fazer a refeição no Chateau D'ore, terá a companhia de sua irmã e as amigas dela que dormiram aqui ontem a noite. Seria um ótimo momento para você se re-enturmar, não? Apesar de achar que seu pai estava querendo empurrá-la para uma socialização relâmpago com as amigas de Sophie, Mel decidiu aceitar a sugestão e tomar o café da manhã no Chateau D'ore. Achava que a irmã poderia estar mais receptiva hoje do que na noite anterior. -Espere! Não tão rápido mocinha! - exclamou Albert, vendo a filha pegar o tênis All Star cinza na intenção de calçá-lo. - Tenho uma coisinha pra você... Voltando-se para Rebeca Pitty que os observava a alguns passos de distância e recebendo dela as duas sacolas onde se podiam ler os nomes Gucci e Balenciaga, Albert entendeu-as para Mel sem dizer do que se tratavam. No momento em que sua filha abriu a primeira sacola, tirou dela uma caixa de sapatos onde encontrava-se uma bela sandália feita de tiras transparentes e um salto altíssimo na cor vinho. Depois, ao verificar curiosa o interior da outra, encontrou um vestido de mesma cor da sandália, feito de seda e rendas brancas, que apesar de não ser lá muito seu estilo de roupas (ela preferiria com certeza um jeans ou saias pregueadas) até cogitou a possibilidade de usá-lo algumas vezes. -Nossa eu nunca vi um código de barras com tanto zeros. - comentou Mel, analisando a etiqueta do vestido Gucci. -Querida, isso é o preço. De certo a vendedora esqueceu-se de retirá-lo. -retrucou Albert balançando a cabeça. - Preço? Com que esse vestido foi feito? Algodão raro que só floresce duas vezes nas margens do Rio Nilo?! -Não, na verdade foi produzido por bichos-da-seda geneticamente modificados criados na Tailândia. Sua bobinha!

25


Sem saber se o pai estava falando sério ou apenas tirando onda com a cara dela, Melissa agradeceu o presente e já ia enfiá-lo no closet de qualquer jeito quando Albert fez um sinal com a mão para que ela parasse. -Não Missy, não enfurne-os já. Eu quero que use o vestido e a sandália hoje. Temos um evento especial para irmos esta noite. - Não é mais uma de suas festinhas surpresas, é? -brincou Mel. - Não minha querida. Jantaremos com um de meus sócios, o senhor Mitsuko, no melhor restaurante japonês da cidade. Tenho certeza que você irá adorar o Masa, o sushi de lá é inebriante. - afirmou Albert, pegando o outro pé do All Star de Mel que estava jogado perto dele. Depois de acomodar o belo vestido em um cabide acolchoado e colocá-lo no armário com todo o cuidado que ele merecia, Melissa já ia em direção ao pai para pegar o pé esquerdo de seu tênis, quando o bolso da calça de Albert começou a vibrar e emitir uma irritante musiquinha. -Pensa rápido. -disse ele de súbito, jogando o All Star cinza para ela e atendendo logo em seguida seu Blackberry. Sentando-se na poltrona para calçar os sapatos, Mel viu o pai circular pelo quarto quase aos berros no celular e com uma expressão tão mal humorada no rosto que nem parecia o mesmo Albert sorridente e brincalhão de minutos atrás. Agora só falava em ações da Apple, investimentos em planos de multimercado, Nasdaq... -Não se assuste senhorita, por incrível que pareça ele está apenas conversando sobre negócios. - amenizou Rebeca Pitty, manifestando-se pela primeira vez desde que entrara no quarto. -É? E esse surto de "senhor Burns dos Simpsons" dura quanto tempo?-retrucou Melissa. A secretária pessoal de Albert sorriu devido à ingenuidade da garota. Ela com certeza não fazia idéia do trabalho que era necessário para manter um império como o que seu pai possuía. -Se quer um conselho senhorita, vá tomar seu café da manhã. Depois da primeira ligação ele só irá parar quando as bolsas de valores fecharem e, acredite em mim, o final do pregão ainda vai demorar bastante.

*

*

*

*

26

*


Devido aos acontecimentos da noite anterior, Aaron não havia conseguido dormir. Enquanto Oliver babava no fofo travesseiro de plumas de ganso do hotel, ele passara a madrugada inteira sentado em uma poltrona olhando para o Central Park. Tinha perdido praticamente tudo, e só o que lhe restava agora era um MacBook, o Iphone, sua velha guitarra Les Paul e as roupas do próprio corpo. Linda, que estava hospedada num andar acima ao dos garotos, surgiu na suíte deles - a Marie Antoniette - com um ar tão eufórico que mais parecia ter ganhado na loteria do que perdido um apartamento inteiro. -Bom dia queridos. -disse ela sorrindo, ainda que suas bochechas rígidas devido ao botox não permitissem uma grande variedade de expressões. -Hoje nós voltaremos aos tempos gloriosos. Albert ficou com pena de nossa situação e liberou um cartão de crédito apenas para nossas despesas pessoais. Quem quer ir às compras e depois almoçar em um restaurante fabuloso? -Opa! Não sei direito do que vocês estão falando, mas já estou dentro! – Oliver exclamou, ainda levantando-se meio sonolento da cama. -Esquece. Eu não vou esbanjar um dinheiro que não é meu. Já basta a gente estar aqui de favor. – Aaron esbravejou, fitando a mãe severamente. -Ah, Aaron, Aaron, Aaron... Eu realmente tenho pena de você. Nasceu com o DNA de fracassado do seu pai e nunca vai chegar a ser nada na vida. -Meu pai era um respeitado professor da Julliard! – ele rebateu furioso. -Seu pai era um ninguém! Isso sim! Um zero à esquerda que se arrependia todas as manhãs por ter largado um emprego promissor no Bank of America para lecionar naquela escolinha de música inútil. E você Aaron, está indo pelo mesmo caminho que ele. Se pelo menos fosse um pouco mais ambicioso como o Oliver e eu, talvez você ainda tivesse alguma chance. Diante daquelas palavras tão cruéis, Aaron levantou-se da poltrona num rompante e ficou face a face com a mãe. Seus olhos verdes agora possuíam um brilho triste. -Chance? Chance de quê? De me tornar um monstro egoísta e interesseiro só pra continuar mantendo o padrão de vida estúpido do Upper East Side? Não mãe, muito obrigado, mas prefiro ser eu mesmo.

27


-Aonde você vai Aaron?! -perguntou Linda exaltada, vendo-o calçar seu tênis e vestir a blusa que estava abandonada em cima da cama. -Em uma loja qualquer comprar algumas coisas com o dinheiro que EU ganhei com os meus shows. Não tenho vergonha de usar roupas baratas ou de marcas comuns. A dignidade das pessoas não se constrói com um terno Armani ou um vestido Valentino mãe, e agora que estamos falidos você deveria pensar nisso.

*

*

*

*

*

Após despedir-se com um tchauzinho de Albert que ainda parecia furioso ao telefone, Mel seguiu para o Chateau D'ore onde afinal poderia tomar seu café da manhã. Ao entrar no restaurante que nem mesmo parecia ter abrigado uma grande festa na noite anterior, ela olhou em volta e, como não viu a irmã ou suas amigas por ali, decidiu ir até o bufê que oferecia um magnífico café da manhã. Sentada na sacada aproveitando o belo dia ensolarado que fazia em Manhattan, Sophie levou a boca um gole de chá e fingiu que não tinha visto Mel entrando no Chateau D'ore. -Ei amiga, não é a sua irmã ali? -perguntou Chloe, tirando seus óculos escuros Chanel para enxergar melhor o interior do restaurante. -Não, você deve estar vendo coisas. -dissimulou Sophie. -Hã?! Não, é ela sim! Ei, Mel! Oi, aqui! -gritou Chloe, tentando chamar a atenção da garota que já se preparava para sentar sozinha em uma das muitas mesas vazias no salão. Sob os olhares pouco agradáveis que Sophie e Vicky lhe lançaram, Melissa aproximou-se do trio e mostrando um sorrisinho típico de quem não tinha muita idéia do que dizer colocou seu prato na mesa e acomodou-se na cadeira ao lado de Chloe, a única que não parecia incomodada com a sua presença. Ao olhar de forma discreta sobre o arranjo de flores que decorava a mesa do restaurante, Sophie quase teve um ataque de nervos quando viu o prato da irmã repleto de cupcakes e fatias de pão com manteiga de amendoim. Ela queria emagrecer dois quilos (embora não precisasse) e aquilo decididamente era uma tentação odiosa que a fazia pensar duas vezes

28


antes de comer os biscoitinhos sem graça de arroz que a dieta lhe obrigava a ingerir todas as manhãs. -E então Mel, como é que era viver na floresta? Eu soube que sua mãe trabalhava em uma ONG para proteger a Amazônia, é verdade?- quis saber Chloe, parecendo realmente interessada. -É. Minha tia Verônica era supervisora da ONG Earth Watch e minha mãe trabalhava como advogada. Ela cuidava das questões legais. Quero dizer, a gente não morava na floresta em si, mas numa cidade perto dela. Só íamos mesmo pra mata nos fins de semana, acompanhando por diversão os biólogos que iam coletar alguns dados para um dossiê sobre o impacto do aquecimento global na Amazônia. -Sei, e aí numa ida dessas você se perdeu na mata, foi criada por macacos e se transformou na versão feminina do Tarzan! Pronto, acabou a grande história. -interrompeu Sophie irônica, enquanto passava um pouco de geléia diet no biscoito de arroz para que ficasse mais agradável ao paladar. Vicky levou o guardanapo de tecido aos lábios tentado disfarçar o sorriso, mas era evidente que havia adorado a alfinetada da amiga. Aborrecida, Mel abocanhou um cupcake quase inteiro, já que com a boca entupida daquele jeito ficaria difícil mandar a irmã para o lugar pouco educado que havia acabado de pensar. -Mas Mel, a sua mãe trabalhava num dos escritórios de advocacia mais respeitados de Nova York. O que fez ela se voltar pra causa ambiental assim tão de repente? – perguntou Chloe. -Bem, apesar de todos os esforços de tia Verônica pra levar a minha mãe pro lado “Verde da força”, tudo começou mesmo, por incrível que pareça, por causa de um perfume Chanel n°5. – disse Mel, ainda mastigando um cupcake. -Hein? – rebateu Chloe, confusa. -É que minha mãe adorava esse perfume e uma vez ela leu na internet que a árvore com que se fabrica a essência do Chanel n°5, o pau-rosa, estava entrando em extinção graças a extração indiscriminada na Amazônia. Só aí então ela percebeu que a destruição do meio ambiente afeta a todos, independente da posição social ou do país em que as pessoas vivem. -Ai-meu-Deus! O Chanel n°5 vai acabar? Isso é horrível! – disse Chloe desolada, levando as mãos ao peito.

29


-E quem se importa? Só velho usa esse perfume hoje em dia. –rebateu Sophie franzindo o nariz como se estivesse com nojo. -Bem, eu me importo! – Mel disse categórica. - E não só com o Chanel, mas com a Amazônia e o futuro das próximas gerações. -Querida só pessoas sem futuro pensam no futuro. Quem tem dinheiro vive o agora. -disparou Sophie balançando sua pulseira charm da Louis Vuitton cheia de pingentes dourados. -Essa foi a coisa mais idiota e alienada que eu já ouvi em toda a minha vida! –Mel contrapôs sentindo a revolta a inundar. -E daí? Você é a coisa mais brega e sem requinte que eu já vi em toda a minha vida e nem por causa disso eu faço cara de horrorizada o tempo todo. -Sophie, eu sinceramente me recuso a acreditar que existe alguma massa cinzenta aí dentro da sua cabeça. – Mel disse para a irmã, entre os dentes. A troca de faíscas foi instantânea entre as duas e o clima estava esquentando bem mais do que deveria. -Ah, mas deve ter sido legal. Quero dizer, você gostou de viver lá na Amazônia, não foi Mel? -perguntou Chloe, tentando contornar a situação. Na mesma hora Vicky franziu a testa de forma descrente para Sophie que revirou os olhos de tédio do outro lado da mesa. Ambas não conseguiam conceber a idéia de que viver no meio da mata, com um bando de insetos repugnantes e mosquitos transmissores de malária, pudesse ser legal. - Bom, acho que minha mãe gostava muito mais do que eu. Dizia que essa aqui era a verdadeira selva, a estressante e louca selva de pedra de Manhattan. Acho que ela só queria um pouco de paz quando pensou em se mudar. - E aí escolheu a filhinha preferida pra viver com ela bem longe da civilização. Que lindo! Só que felizmente eu tenho mais o que fazer. -desdenhou Sophie, levantando-se irritada da cadeira. -Ei, isso não é verdade! Você é que não quis ir com a gente. Não sabe como a nossa mãe sentiu sua falta e sofreu quando você não queria falar com ela pelo telefone. -rebateu Mel levantando-se também. A expressão no rosto de Sophie agora era fria. Ela havia jogado seus cabelos dourados para trás e colocado às mãos na cintura, pose que Mel lembrava-se muito bem, era prenúncio de uma resposta cruel a caminho.

30


-Olha aqui sua renegada ridícula da selva, eu não me importo se você viveu na Amazônia ou no Camboja, porque aqui ou lá você é um nada. Meu pai te trouxe pra Nova York por pena, mas aqui não é o seu lugar, nunca vai ser! É só olhar em volta. -disse Sophie mostrando com a mão o restaurante ao redor delas. -Olhe como as pessoas estão vestidas, olhe a elegância com que elas sentam, o jeito sofisticado como falam. E olhe agora pra você. Olhe as suas roupas, o seu cabelo estúpido cheio de frizz, o seu rosto oleoso e a sua falta de classe a mesa. Não importa o que você faça irmãzinha, se tenta salvar o presidente ou o planeta, aqui no Upper East Side você é tão insignificante quanto os insetos asquerosos da sua querida florestinha. Então não me encha a paciência com essas histórias idiotas sobre a louca da nossa mãe e essa droga de Amazônia, se não quiser que eu esmague você com o meu Scarpin do mesmo jeito que eu faço com uma barata nojenta. -bradou Sophie colocando seus óculos escuros Dolce & Gabbana no rosto super maquiado. Vamos meninas, vamos fazer umas comprinhas básicas na Bergdorf e desfrutar da civilização. Essa conversinha ecológica e politicamente correta já me cansou. Após pegarem suas bolsas que se encontravam repousando em uma cadeira próxima a elas, Sophie e Vicky saíram de imediato da sacada. Chloe ainda lançou um olhar para Mel como se quisesse dizer alguma coisa, mas sem coragem apenas acenou para ela em silêncio e pôs-se a correr atrás das amigas que já haviam passado pelas portas de vidro do Chateau D'ore. Sentando-se novamente a mesa, Mel bufou de raiva enquanto fitava com os olhos cheios de água a vista deslumbrante do Central Park a sua frente. Ela sabia que sua volta à Nova York não seria simples como seu pai dissera, só não pensava que, a julgar pela recepção horrorosa de Sophie, seria tão difícil assim.

31


CAPÍTULO 4 UM JANTAR DESASTROSO

O sol já havia se posto há algumas horas e agora dava lugar a uma enorme lua cheia que despontava no céu de Manhattan. Como Rebeca Pitty havia ligado a cerca de meia hora lhe pedindo que se aprontasse para o esperado jantar com o sócio de seu pai, Mel enfiou-se debaixo do chuveiro começando a tomar logo em seguida um delicioso banho quente sob a música agitada contida no DVD da Pink que a TV de seu quarto havia começado a exibir. Dançando no chuveiro em meio aos vapores quentes que subiam e se espalhavam pelo Box, ela assustou-se quando um estranho silêncio tomou conta de sua suíte. A música da Pink havia misteriosamente parado. - Tem alguém aí?- perguntou Mel receosa, fechando o registro do chuveiro. -Sou eu, não precisa gritar. -respondeu Sophie surgindo na porta entreaberta do banheiro com um lindo mini vestido rosa da Fendi e uma gargantilha de pedras preciosas Lorraine Schwartz. -O que você quer? – Mel perguntou de forma áspera. -Eu só vim falar rápido com você, já vou embora está bem? –Sophie disse logo, percebendo que não era bem vinda. Sem muita animação, Mel deu de ombros e voltou a lavar sua cabeça com xampu ignorando a presença da irmã. Apoiando-se no toucador de mármore branco do banheiro enquanto fitava a reluzente torneira de ouro 24 quilates, Sophie parecia embaraçada pelo que diria a seguir. - Missy, eu queria te pedir desculpas por hoje de manhã. Não sabia o que estava dizendo. - sussurrou ela. De dentro do box, Melissa ouvira tudo atenta, protegida pelo vidro fosco que separava o ambiente do chuveiro. Estava disposta a desculpar Sophie, só não sabia se aquele arrependimento era verdadeiro ou mera encenação da irmã que, por sinal, sempre fora boa nisso. - Sem problemas “So”. Eu já esqueci o que aconteceu se quer saber.

32


- Ótimo. Fico mais aliviada com as suas desculpas. Então... Acho que vou indo, ainda preciso finalizar meu make pra hoje à noite. Tchau maninha. -disse ela saindo bem rápido do banheiro. Não entendendo aquela mudança repentina de Sophie, Mel a ouviu fechar a porta do banheiro e ligar novamente o DVD player que exibia o show da turnê “I’m not dead” da cantora Pink na imensa TV de tela plana. Enquanto isso, do lado de fora do duplex, Albert e Linda já esperavam impacientes pelas duas irmãs, quando Sophie apareceu no corredor balançando a cabeça de forma negativa. - É pai foi o que eu disse, a Mel nem mesmo começou se aprontar. Bem que eu tentei apressá-la, mas você sabe como ela é uma lesma. Pelo menos foi consciente e disse para nós irmos andando. - Não, nada disso! Nós devemos chegar com todos os integrantes da família no restaurante. -protestou Albert, enquanto deixava que Sophie ajeita-se sua gravata azul que se encontrava um pouco torta. - E fazer o senhor Mitsuko esperar? Isso seria o cúmulo da deselegância querido. – Linda alegara, intrometendo-se na conversa. - Aaron chegou a pouco e também ainda está se arrumando, ele pode perfeitamente ir mais tarde com Melissa. Se quiser posso ligar para o celular dele agora mesmo. Pensando no que foi dito por sua noiva e vendo em seu relógio Cartier que já se passavam das oito horas, Albert acabou aceitando a idéia ainda que um pouco relutante. Afinal, não seria nada agradável chegar atrasado ao próprio jantar em que era o anfitrião. Consciente de que uma gafe como aquela poderia arruinar seus futuros negócios com Mitsuko, Albert decidiu partir para o restaurante mesmo sem Melissa. Acompanhado de seu segurança particular que já o esperava no saguão ele dirigiu-se na companhia de Linda, Oliver e Sophie até a luxuosa limusine, onde logo depois puseram-se a caminho do centro comercial Time Warner na Columbus Circle, que abrigava um dos melhores e mais caros restaurantes japoneses de Manhattan. Nenhum dos que estavam dentro daquela limusine, exceto Sophie, sabia o que de fato estava se passando naquele momento com Mel no Meditteranean. E apesar da maldade gigantesca que fizera com a irmã, Sophie não sentia remorso algum por aquilo.

*

*

*

33

*

*


Aaron já se preparava para bater na porta da suíte de Melissa, quando ouviu um grito abafado de socorro misturar-se a melodia quase ensurdecedora de “Trouble” da Pink que saía da suíte duplex. Mesmo sem estar certo de que o pedido de ajuda provinha dali, ele abriu a porta do apartamento que estava misteriosamente destrancada e, para sua surpresa, deparou-se com um ambiente vazio. Havia apenas algumas roupas e um par de tênis largados pelo chão da sala de estar do Duplex, e um barulho altíssimo vindo de alguma TV ou aparelho de som, mas nenhum sinal de alguém que precisasse ser socorrido. Aaron já pensava em deixar o apartamento de Mel envergonhado pela invasão e acreditando que seus ouvidos pela primeira vez o haviam feito se enganar, quando o som forte de algo sendo esmurrado ecoou pela suíte parecendo vir do andar superior. Ele dirigiu-se então curioso para o outro ambiente do apartamento, subindo as escadas sorrateiro como um verdadeiro gato, e ao entrar na suíte de onde vinha toda aquela barulheira, logo avistou uma cadeira colocada de tal forma diante da porta do banheiro, que era impossível abri-la pelo lado de dentro. Sob gritos de socorro e socos que sacudiam a porta, o garoto tirou imediatamente a cadeira e viu Melissa surgir diante dele, quase sem fôlego, na soleira da porta. Apesar do susto, por uma fração de segundos ela o olhou admirada, já que Aaron conseguia estar ainda mais gato do que no dia anterior. Vestia uma camisa social preta de risca de giz, e suas mangas encontravam-se dobradas até os cotovelos. Sem falar no jeans escuro e tênis que usava e completavam seu charmoso visual, ainda que à primeira vista a calça e o sapato parecessem uma combinação um tanto inadequada com aquela blusa. - Bem... er... Acho melhor eu nem perguntar o que aconteceu aqui. – Aaron apressou-se em dizer, virando logo em seguida seus belos olhos verdes para o lado oposto de Mel, já que a amiga estava apenas enrolada em uma toalha de banho. Qualquer outro garoto naquelas circunstâncias diria “Uau” ou assobiaria um “fiu-fiu” sexy de brincadeira, mas Aaron Stonewell não era como os outros garotos. Ainda mais quando a menina em questão que estava de toalha bem na sua frente e sem nada por baixo era sua antiga amiga de infância. Respeito era uma coisa que ele definitivamente havia aprendido bem com o pai.

34


- Ai... Desculpa Aaron, mas não dá pra explicar nada agora. Eu estou mais do que atrasada! - afirmou Mel muito sem graça, pegando o vestido que estava em cima da cama e voltando logo depois para o banheiro. Enquanto saia do quarto, Aaron mal pensara em descer as escadas para esperar Melissa na sala de estar do Duplex - já que havia sido incumbido de acompanhá-la até o restaurante- quando a garota soltou um grito pavoroso no banheiro capaz de ser ouvido até mesmo pelos hóspedes dos apartamentos mais afastados. -Deus o que foi agora?- perguntou ele super preocupado abrindo a porta do banheiro. - Ai ela me paga! Me paga! -vociferou Mel, sacudindo seu vestido novo que agora se encontrava misteriosamente rasgado. - Aquela dublê de palito de dente não perde por esperar! Isso não vai ficar barato assim Sophie! Se você quer guerra, então você vai ter guerra!

*

*

*

*

*

O fantástico Masa não era tão grande como todos imaginavam, na verdade comportava no máximo vinte e seis pessoas, e talvez isso aliado ao delicioso cardápio desenvolvido pelo famoso chefe Masayoshi Takayama o tornasse tão famoso entre os ricaços de Nova York. Distantes do sushi bar, que abrigava atrás uma singela coluna de bambus em uma rasa piscina, a conversa desenrolava-se animada na mesa que Albert havia reservado para o jantar. Ele e seu sócio Mitsuko, um japonês de feições rudes e olhos glaciais, pareciam não querer falar de negócios naquela noite, o que os fez conversarem sobre assuntos mais amenos como suas paixões por golfe e pôquer. Linda Stonewell e a senhora Mitsuko rasgavam-se de elogios uma para a outra, ainda que tivessem se odiado desde o primeiro minuto que se viram, graças à incrível má sorte de terem escolhido o mesmo modelo de um vestido Chanel preto para usarem naquela noite. Enquanto isso, em outro ponto da mesa, Oliver devorava tudo o que estava ao seu alcance e vez ou outra bebericava seu coquetel Mojito sem lançar um mínimo olhar para Sophie, agora oficialmente sua ex-namorada.

35


Absortos em meio aos pequenos focos de conversa que dominavam o jantar, ninguém percebeu quando Melissa surgiu no restaurante ao lado de Aaron e da atenciosa recepcionista japonesa que se prestara a acompanhá-los até a mesa onde deveriam se sentar. -Nos perdoem pela demora, mas é que eu tive alguns imprevistos nada agradáveis a pouco e acabei me atrasando. –desculpou-se Mel fuzilando a irmã com o olhar. Sentada a sua frente, Sophie o retribuía furiosa, parecendo que ia pular por cima da mesa e esganar a irmã com todas as suas forças devido à audácia dela. Melissa estava usando uma de suas calças Calvin Klein, e a blusa frente única cor carmim da Dior que vestira no máximo duas vezes e havia ganhado de Oliver quando completaram seis meses de namoro. É claro que Mel não fazia a mínima idéia disso, só queria irritar a irmã usando uma de suas roupas, o quê acabou conseguindo, já que escolhera ao acaso a que Sophie mais gostava, embora não fosse de longe a mais cara de sua vasta coleção de roupas de grife. -Ah, ainda bem que chegou filha. -disse Albert levantando-se para recebê-la, e ignorando o fato de que ela não estava usando o vestido que havia lhe comprado. – Venha, quero que conheça o senhor Keitaro Mitsuko e sua adorável esposa Michiko. Não sabendo qual o tipo de cumprimento deveria fazer, meio desajeitada Mel inclinou-se para a reverência típica dos japoneses, o que fez o sócio de seu pai sorrir afinal. Depois das demais apresentações de Aaron como futuro enteado de Albert e elogios aduladores da senhora Michiko para ele e Mel, todos se sentaram a mesa continuando as “agradáveis” conversas que haviam sido interrompidas. Oliver até então com a boca entupida por uma dezena de sushis deu mais uma golada em seu coquetel de menta e Rum Baccardi, e realmente encarou Melissa pela primeira vez desde que ela chegara a Manhattan. -Hei Mel, eu estou curioso pra saber, você ainda tem aquele apetite feroz do tempo que era baleia? Se não me engano acho que você tinha até uma música por causa disso... Como era mesmo, hein? Ah, lembrei! “Olha a Mel, rolando apressada, devolvam para o mar ou ela fica encalhada”. – cantarolou ele gargalhando. Sem graça, Melissa baixou os olhos e fingiu sorrir. Sentado ao lado dela na mesa, Aaron olhou o irmão irritado. Aproveitando-se que Albert e a mãe encontravam-se mergulhados em suas conversas, deu um chute tão forte em Oliver por debaixo da mesa que o irmão teve de segurar o urro de dor mordendo os lábios com extrema força.

36


Devido ao fato de não poder revidar como queria, Oliver xingou-o baixinho de “retardado” ao que Aaron retrucou com um “idiota” que pode ser perfeitamente lido em seus lábios. -Obrigada, mas você não precisava fazer isso. – cochichou Mel, inclinando-se no ouvido do amigo. Aaron apenas deu uma piscadela para Melissa e sorriu. Qualquer pretexto para infernizar a vida de Oliver lhe era válido. A conversa que até aquele momento se concentrava em pequenos focos finalmente começou a dominar a mesa. Albert parecia ter esgotado todos os seus assuntos em comum com Mitsuko e, como se recusava a falar sobre negócios, virou-se para o futuro enteado que estava sentado bem ao seu lado. -E então Oliver, daqui a pouco você irá se formar no colegial, já tem alguma faculdade favorita para se candidatar? -Ah, mas é claro! - interrompeu Linda antes mesmo que o filho pudesse abrir a boca. – Sabe Albert, Oliver tirou notas ótimas no SAT e tem se dedicado muito nesse último ano a escola e a atividades extracurriculares. Tenho certeza que ele terá uma vaga garantida em Harvard, que por sinal é uma tradição em nossa família. Aaron é que não deve segui-la devido a esse seu jeito... meio rebelde que repele qualquer tradição. -Bom, mãe, se ser rebelde é continuar fiel aos meus valores e opiniões não me importando com o que digam, então acho que eu talvez seja um. – disse ele sarcástico enfiando logo depois um pedaço de Kani na boca. Sophie que emudecera naquela noite devido à raiva que sentia de Mel e a indiferença mortal de Oliver, sem querer fixou seus olhos azuis nos brincos estonteantes que Linda usava. Tinha certeza que já os vira em outras ocasiões e não poderia perder aquela oportunidade de confrontar a madrasta. -Por falar em tradição Linda, estes não são os brincos de ouro branco e diamantes que estão na sua família por gerações?- perguntou ela desconfiada. -Sim, são eles mesmos. Por quê? -Você disse que não havia sobrado nada na explosão do apartamento, eles por acaso são como a Fênix, ressurgem das cinzas? -Ora. – disse a madrasta dando uma boa golada no saquê. – Eles estavam guardados em um banco minha querida, nunca se sabe até que ponto os empregados são fiéis...

37


Embora Sophie não tivesse se convencido com aquela duvidosa explicação de Linda, Albert resolveu quebrar a promessa que fizera a si mesmo e começou a conversar com seu sócio Mitsuko sobre investimentos e a possível construção de uma filial do Meditteranean em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Sabendo que aquele assunto (chato!) se prolongaria durante todo o jantar, tendo em vista o entusiasmo com o qual seu pai falava, Melissa -apesar de ser vegetariana- abriu uma pequena exceção em sua dieta naquela noite e devorou mais um prato de sushi sem nem mesmo se preocupar do que eram feitos os pedacinhos coloridos cortados em tirinhas que acompanhavam o peixe. De repente, sem que pudesse entender o que estava acontecendo, ela começou a sentir como se seus pulmões tivessem perdido todo o ar que haviam respirado. A garganta agora parecia estar se fechando pouco a pouco e não lhe deixava emitir um mínimo som gutural. Mel tentou abrir mais a boca no auge do desespero, achando que aquilo seria suficiente para amenizar a terrível falta de ar que sentia, mas foi algo em vão. -Filha, você está ficando roxa! Respire! - gritou Albert levantando-se para socorrê-la. Melissa agora se debatia na cadeira enquanto tentava puxar grandes golfadas de ar. -Tome isto, talvez ajude. – sugeriu Linda lhe estendendo um pequenino copo de madeira com caracteres japoneses. Ao beber o que a madrasta lhe dera, a garota sentiu como se uma língua de fogo estivesse consumindo o interior de sua boca. Com um solavanco na cadeira, ela cuspiu acertando em Linda todo o saquê que a madrasta havia lhe dado para beber, e caiu completamente tonta no chão, ainda sem conseguir respirar direito. Prestes a desmaiar e sentindo que um grande buraco negro a engolia, sua última lembrança daquela noite foi a voz de Aaron, muito distante, chamando seu nome. Depois disso, Mel não viu mais nada ao seu redor, apenas mergulhou na escuridão que tomava seus olhos e, dando um último suspiro, ficou inconsciente.

38


CAPÍTULO 5 O PEDIDO DE AARON

-Não fique assim querida, isso poderia ter acontecido com qualquer um. – disse Albert carinhoso, enquanto colocava duas gotas de adoçante em seu café. Sentada diante dele, exibindo uma expressão triste, Melissa remexia com o garfo o último pedaço de waffles que havia sobrado em seu prato. Estava tão envergonhada pela noite anterior que nem mesmo tinha coragem de olhar para Albert. -Ah pai, confessa que foi um vexame aqueles para médicos entrando no Masa. – ressaltou Sophie depois de limpar os lábios com o guardanapo de tecido. – E ela nem teve nada demais, foi só um ataque de alergia resolvido com uma simples injeção! -Sophie, você sabe que sua irmã é alérgica a camarão e siri. Deus sabe o que teria acontecido se a ambulância não tivesse chegado a tempo. Portanto se não tiver nada agradável a dizer fique quieta. – censurou Albert ríspido. Como um importante compromisso a aguardava na casa de Vicky e ela não suportava mais aquele clima de “pobre Mel” que havia impregnado todo o café da manhã, Sophie despediu-se dos dois e saiu irritada do Chateau D’ore pisando firme com seus saltinhos Jimmy Choo. -Acho que ela não gostou muito do que você disse pai. – sussurrou Melissa encarando-o finalmente. -Ah, não se preocupe. Em se tratando de Sophie não há nada que um bom cartão de crédito Platinum sem limites não resolva. O quê importa mesmo é que você esteja bem e feliz. E você está? – perguntou ele. Mel pensou um pouco antes de responder. Desde que havia chegado a Manhattan tudo estava dando errado para ela, e isso incluía o triste fato de estar gostando do mesmo garoto que tinha uma queda por sua irmã. É verdade que a presença do pai e a volta a sua antiga “casa” a deixavam feliz, mas uma parte do seu coração ainda parecia triste. -Eu gosto de estar aqui pai, só que está um pouco difícil de eu me acostumar. Além disso, tudo parece tão diferente sem a mamãe. Ainda sinto falta dela sabe...

39


-Acredite minha filha, eu também. Juro pra você que se eu tivesse sabido da doença de Helena teria largado tudo, como ela queria, e jamais teríamos nos separado. Me sinto culpado até hoje por não ter percebido o porque daquela rejeição a riqueza e ao luxo. Ela só queria viver o tempo que lhe restava fazendo a diferença no mundo e eu agi como um mero materialista. -Não se culpe tanto pai, a mamãe não contou a ninguém que já estava muito doente. Você não tinha como saber. E eu confesso que a idéia repentina dela de mudar pro Brasil foi um pouco assustadora pra mim também, mesmo com a tia Verônica morando lá há alguns anos. Eu de certa forma entendo porque a Sophie quis ficar com você e não com a mamãe, como eu acabei fazendo. – disse Mel afagando carinhosamente a mão do pai. Com os olhos lacrimosos, Albert beijou as mãos dela e pôs-se a observá-la em silêncio. Era incrível como Melissa lembrava sua ex-esposa Helena quando ainda era jovem. Possuía a mesma cor dos olhos, os mesmo cabelos ondulados, o mesmo sorriso vivo e contagiante... Olhar para Mel era como ver um retrato antigo que falava e se mexia diante dele. -Bem filha, eu gostaria muito de ficar aqui conversando com você, mas tenho uma Vídeoconferência nesse exato momento com os engenheiros que estão construindo um Meditteranean em Las Vegas. – disse ele se recompondo e olhando preocupado para o relógio antigo que ficava na parede do restaurante. -Pai, hoje é domingo! -Eu sei, mas negócios não respeitam férias, nem fins de semana querida. Aproveite que hoje está um lindo dia de sol e vá passear por Manhattan, está bem? - sugeriu Albert beijando-a na testa e saindo logo em seguida com um pedaço de torrada na mão. Um pouco mais animada do que estava, pois havia esquecido por alguns instantes do péssimo episódio ocorrido no restaurante japonês, Mel espreguiçou-se e já ia ajeitar os óculos quando se lembrou que ao invés deles havia colocado as lentes de contato que usara poucas vezes na vida. Queria ficar mais bonita para um certo alguém e ela decididamente sabia que seus antigos óculos grossos não causavam uma boa impressão. Sem que ela percebesse, Aaron entrou sorrateiro no restaurante e chegando de mansinho falou ao seu ouvido tentando imitar um sotaque francês. -Bonjour mademoiselle “Pimenta”! -Bonjour messier “Dentinho”, aceita tomar um café? – perguntou ela com polidez ao reconhecer sua voz.

40


- Não, na verdade tenho um convite pra te fazer. Eu, o pessoal da banda e uns amigos vamos jogar futebol no Great Lawn do Central Park. E então, esta a fim de ir? -Ah, Aaron... Você sabe que eu não sei jogar. -E daí? Eu também não. É só pra espairecer um pouco, esquecer dos problemas. Vamos “Pimenta”, por favor! – ele implorou fazendo uma carinha fofa à qual Mel não resistiu. - “Tá” bom, mas você sabe que eu sou um desastre no futebol! – concordou Melissa levantando-se da cadeira. Quando Aaron e Mel apareceram juntos no hall do hotel, Pierre Le Blanc parou de imediato o que fazia para observá-los. Em outros tempos ele esperaria vigilante alguma diabrura daquela dupla. Mas hoje, atrás do balcão, o gerente do Meditteranean apenas sorria, contente por ver aqueles grandes amigos juntos de novo. Na calçada do hotel os dois acabaram encontrando com Chloe que, mancando, praguejava aos céus, irada graças ao salto de sua sandália Miu Miu novinha que havia acabado de quebrar. - Oi gente. Olha, desculpa a pressa, mas é que eu nem ia passar por aqui, só vim pegar uma sandália emprestada com a Sophie. Eu até compraria uma, mas vocês acreditam que eu acabei de estourar o limite do meu terceiro cartão?! -É inacreditável mesmo Chloe. – respondeu Mel rindo da cena engraçada protagonizada pela amiga. - Só que a Sophie saiu agora mesmo, foi pra casa da Vicky. -Da Vicky?! Mas por que será que a “So” não me chamou? A gente sempre faz tudo juntas, igual a gêmeas siamesas... - Bem Chloe, isso eu não sei. Mas se você estiver com tempo livre eu, a Mel, o Marvin e umas outras pessoas vamos jogar futebol ali, no Great Lawn do Central Park. Então, quer ir? – convidou Aaron imaginando o quanto M.J. iria agradecê-lo se ela aparecesse. -Mas gente, eu estou descalça!– lembrou a garota. -Que eu saiba não se joga futebol de salto alto. –Aaron alegou. Um pouco insegura Chloe não aceitou logo o convite. Mel que se lembrava o quanto a amiga era boa em esportes quando criança encorajou-a o máximo possível, mas o fato de Marvin estar lá (o garoto pelo qual Chloe tinha uma queda) foi o que realmente a fez aceitar o convite. -Ah! Não deve ser tão ruim assim, não é?! Eu vou com vocês! – disse ela sentindo um certo frio na barriga só de pensar que encontraria M.J. - Mas antes, será que você poderia

41


me emprestar um tênis Melissa? Ah, e de preferência que tenha detalhes em tons de rosa pra combinar com essa minha blusinha da Lacoste.

*

*

*

*

*

No gramado do Central Park que mais parecia um tapete verdejante, o jogo já havia começado quando os três amigos apareceram. Marvin corria feito um louco com a bola de futebol nos pés enquanto era perseguido de brincadeira por vários garotos, até que ele parou de repente quando seus olhos castanhos avistaram o rosto delicado de Chloe olhando para ele a alguns metros de distância. - Hei, vamos re-organizar esse time, chegaram mais três pessoas para jogar. – disse Aaron cumprimentando Doug, o baterista da Nonsense, com um leve soquinho no ombro. – Pessoal, pra quem não conhece essa loirinha aqui é a Mel e a outra que lembra a Jeniffer Love Hewitt na verdade é a Chloe, ok? Meninas, esse é o pessoal, com o tempo vocês vão gravar os nomes, não se preocupem. -Cara eu te amo, você trouxe ela! –sussurrou M.J. abraçando tão forte o amigo que Aaron quase não conseguiu respirar. -Não me agradeça, a Mel também ajudou. Agora me larga e vai lá falar com a Chloe antes que ela desista de ficar e resolva ir embora. – disse ele em voz baixa. Enquanto Marvin tentava gaguejar apenas um tímido “Oi” para a garota, Aaron e Douglas se reuniram no meio do “campo” para formarem dois times que ficassem razoavelmente equilibrados. -Que tal eu, você, Chloe, Amy, Ed .... – sugeriu Aaron para Doug. – Contra o Marvin, Harry, Mel, Erick e Jack? -É, acho que assim fica legal, você não sabe jogar mesmo. –Douglas insinuou irônico pegando a bola de futebol que estava no chão. Depois de definir o espaço que seria usado no Great Lawn do Central Park e o tamanho dos gols, os dois times se posicionaram um em cada lado do “campo”. Como a equipe de Aaron possuía mais meninas, ficou decidido que eles começariam com a bola e um gol de

42


vantagem, o que pareceu muito justo, já que Chloe e Amy não aparentavam ser boas jogadoras. Entretanto nos primeiros lances do jogo algo totalmente inesperado aconteceu. Chloe, que havia sido ignorada pelo time devido ao seu jeito delicado, apareceu livre de qualquer marcação no canto direito do campo e Doug, vendo não ter outra opção, acabou cruzando a bola pra ela. Surpreendendo a todos, a garota desviou de um, dois, três marcadores que surgiram do nada em seu caminho e correndo como nunca, armou um chute e acabou fazendo um belíssimo gol. -Fala sério, não é que a patricinha joga bem?! – comentou o tal Harry que fazia parte do time de Marvin. -Eu ouvi isso hein! – gritou Chloe enquanto dançava de forma engraçada para comemorar seu feito incrível. Após o primeiro ponto, os lances que se seguiram no jogo pareciam dignos de um time profissional de futebol. Chloe, que até então diziam ter tido sorte de principiante, continuou a fazer vários gols espetaculares e a deixar Marvin babando de admiração. O jogo parecia caminhar para uma incrível vitória do time dela e Aaron quando Mel, que quase não participava dos lances, se aventurou a fazer como a amiga. Sem a rapidez e a agilidade dela, Melissa ameaçou um chute desengonçado, mas foi impedida de forma brutal pelo gigante do outro time chamado Ed, que a arremessou com força no chão depois de uma "dividida". Aaron após ver o lance de longe e ouvir os gemidos de dor da garota correu o mais rápido que pode ao seu encontro. -“Pimenta” fala comigo, você está legal? - Ai, minha perna dói, mas eu acho que dá pra andar. - afirmou ela franzindo a testa devido ao sol escaldante do verão que lhe queimava o rosto. -Vêm, vamos pra sombra. Eu levo você. - decretou o garoto se aproximando. Mesmo sobre um certo protesto de Mel, ele a pegou com doçura no colo e tirou-a do campo. Ali, tão colada ao corpo de Aaron e com os braços enlaçados em seu pescoço, ela pode sentir a gostosa fragrância que o garoto usava e se confundia com o suave aroma do gel que perfumava seus fios de cabelo arrepiados. Devido à proximidade dos dois, Mel viu bem de perto os olhos verdes dele e constatou que eram mais lindos e brilhantes do que quando se viam de longe. Aaron era mesmo perfeito como as garotas diziam, além de ser a criatura mais fofa do mundo por fazer coisas sempre tão gentis como aquela.

43


-E então, dói aqui? - ele perguntou tocando o tornozelo dela depois de tê-la posto cuidadosamente no chão. -Um pouquinho, mas já ta passando. Foi só um susto mesmo. - amenizou a garota. -É, pelo visto nós não vamos fazer falta nas nossas equipes. - disse Aaron sentando-se ao lado dela enquanto os amigos reiniciavam o jogo. - Não se preocupe, a Chloe dá conta do recado por você! - brincou Melissa. - Ela está muito diferente, mas eu sabia que ainda tinha alguma coisa da antiga Chloe que eu conheci. -Pois é. Todos nós mudamos Mel. Eu, a Chloe, mas você nem parece a “Pimenta” de antes, e eu não estou dizendo isso só pela aparência. Eu lembro que sabia tudo que você gostava e odiava. Às vezes até mesmo no que estava pensando, mas hoje eu sinto que não sei mais nada sobre sua vida. –afirmou ele. Aaron agora havia colocado as mãos por trás da nuca e deitado-se no gramado do Great Lawn para olhar a copa das árvores. -E o que você quer saber? - perguntou Mel fazendo o mesmo que o amigo. -Sei lá, o quê fez esse tempo todo longe, qual o som que você curte, do que gosta. Essas coisas... -Hum, acho que não tem muita coisa pra saber. Eu morei no Brasil, aprendi a falar fluentemente português e um pouquinho de espanhol, participei como voluntária na ONG que minha mãe trabalhava para proteger a floresta Amazônica... - Uau, “tô” impressionado! - disse Aaron virando seu rosto para encarar a amiga. - Mais alguma coisa politicamente correta, tipo, virou ativista do Green Peace e fez passeatas contra a matança de baleias por navios japoneses? -Não, não. - sorriu Mel. - Na verdade o resto é bem normal. Sou fã daquela cantora, a Pink, e viciada em balinhas de gelatina coloridas... Sem falar que eu adoro "A nova Cinderela", embora eu ache a interpretação da Hillary Duff no filme digna de ânsia de vomito. E olha que eu gosto da Hillary hein... Aaron, que agora fitava os grandes olhos azuis de Mel, sorriu. Era incrível como apesar de serem gêmeas, ela e a irmã fossem tão diferentes. Sophie gostava de ver os episódios reprisados de "The Simple Life" por causa do seu ídolo Paris Hilton, tomar Coca Zero, e fazer compras, muitas compras. Coisas que Aaron não gostava, mas respeitava já que estava a fim dela. -Mas e você “Dentinho”? – quis saber Mel.

44


-Eu? -É. Do que gosta? -Ah, eu não sou engajado como você “Pimenta”! Meu grupo favorito é o finado "Blink 182" como dá pra ver pela camisa que eu to usando, não passo uma semana sem comer um bom Big Mac, aprendi a tocar guitarra depois que você foi embora, tenho uma banda de Punk Rock e sou fanático por aquele desenho “South Park”. Ah, e é claro, meu passatempo principal é implicar com o poço de testosterona e músculos que diz ser o meu irmão, embora eu não veja nenhuma semelhança genética entre eu e aquela ameba loira. - disse Aaron sorridente enquanto tirava uma folha que havia acabado de cair no cabelo de Melissa. -Você pode ter mudado na aparência, mas o humor ainda é o mesmo daquele garoto dentuço que fingia para mãe aprender violino enquanto na verdade ia pras aulas de guitarra! -É verdade... E por falar nos velhos tempos vem comigo! Quero te mostrar uma coisa. – disse ele levantando-se e puxando a garota pela mão. Não sentindo mais dor alguma no tornozelo graças à conversa distrativa, Mel seguiu Aaron que se pôs a procurar alguma coisa em meio ao bosque verde do Central Park. Por mais que as árvores dali fossem praticamente iguais, Melissa sentiu uma certa familiaridade naquela paisagem. Aaron que até então parecia não fazer a mínima idéia de que direção seguir parou de repente. -É aqui! Tenho certeza. -afirmou ele levantando o galho do arbusto para que a garota pudesse ver o que estava no chão. -Mas essa é a pedra do túmulo do “Peludinho”! - exclamou Mel se aproximando. - Como você ainda se lembrava que era aqui? Aaron apontou para a árvore que estava à direita dos dois. No tronco, talhado com pequenas letras estavam as inicias de seus apelidos "P" e "D", e abaixo a data de seis anos atrás. -Nossa, eu gostava muito do "Peludinho". Pena que a Sophie o matou depois de dar uns doces malucos cheios de açúcar pro coitado do bicho comer. - disse Mel olhando a "minilápide". -É, a Sophie... -sussurrou Aaron meio que sem jeito para falar com a garota. – Mel, eu queria que você me ajudasse. -Ajudar? Em quê? - ela perguntou intrigada.

45


-É que eu... eu.. Eu tenho uma queda pela Sophie e, como vocês são irmãs, sei lá, talvez você pudesse me ajudar com ela. – gaguejou o garoto enquanto ficava vermelho como um tomate. Vazia por dentro depois daquela confissão de Aaron, Mel quis gritar de raiva, mas resistiu. Embora as palavras ecoassem por seu cérebro e a vontade de dizer um "Não" bem grande na cara dele tomasse todo seu corpo, ela preferiu ficar quieta tentando fazer com que aquele pedido se perdesse no silêncio. Mas ao contrário do que ela pensou que aconteceria, Aaron olhou-a de um jeito tão enternecedor que, em nome da antiga amizade deles, Melissa resolveu passar por cima do amor próprio ferido e ajudá-lo. -Vou ver o que posso fazer. – ela disse friamente dando as costas para o amigo. - Sophie não gosta muito de mim, mas talvez eu consiga um encontro entre vocês dois. -Sério? - perguntou o garoto animado voltando à cor original. – “Pimenta”, se você fizer isso vou ficar te devendo pro resto da vida. Ao som daquelas palavras, Mel adiantou o passo pra voltar ao local do jogo no Great Lawn. Já tinha escutado o suficiente para aquele dia, e com certeza não estava com a menor paciência de ouvir Aaron falando deslumbrado sobre o quanto Sophie era linda e perfeita.

46


CAPÍTULO 6 AMIGOS PARA SEMPRE

Sentados em silêncio sob a sombra das árvores do Central Park, Mel e Aaron observavam o jogo. Desde a conversa sobre Sophie diante do túmulo de “Peludinho” Melissa não havia dito uma palavra sequer. Apenas mantinha os olhos fixos em um ponto no chão, como se nada ao redor fosse tão importante quanto aquele pequeno tufo de grama azul do Kentucky à sua frente. Aaron graças a sua personalidade distraída pareceu não perceber o desânimo que tomava conta de Mel. Além disso, o jogo estava tão animado com Chloe dando uma verdadeira “surra” nos meninos, que era difícil não tirar os olhos do campo. Repentinamente a bolsa de Chloe, que encontrava-se jogada no chão perto dos dois, começou a vibrar e emitir uma musiquinha bem agitada. Mel tentou avisá-la de que seu celular estava tocando, mas a amiga parecia tão compenetrada em fazer outros gols que acabou pedindo a ela para que atendesse. Ao abrir a It-bag azul da Louis Vuitton, Melissa teve de procurar bastante naquela bagunça repleta de maquiagens Lancôme, perfumes e lencinhos de papel até achar o maldito BlackBerry que insistia em tocar. -Alô. – disse a garota afinal pelo celular. -Melissa, é você?!- indagou a voz familiar do outro lado da linha. – O que é que você está fazendo com o telefone da Chloe? -Ah, oi Sophie. É que ela não pode atender no momento. Quer deixar recado? -Recado?! Olha, eu não sei o que está acontecendo aí, mas foi bom você ter atendido. Eu preciso falar com você, é sobre nosso pai e é urgente. -Sophie, aconteceu alguma coisa? - perguntou Mel começando a ficar aflita. - Sim, e é bem grave. Venha pro hotel com a Chloe. Aqui eu vou te explicar tudo direitinho. – disse ela desligando enigmática. -Você está pálida Mel, o quê houve? – Aaron perguntou preocupado devido à fisionomia alterada da garota.

47


Melissa emudeceu. Temendo que alguma coisa ruim tivesse acontecido com seu pai, ela nem mesmo se despediu do pessoal. Arrancou Chloe à força do jogo e saiu correndo feito louca pelas ruas do Central Park.

*

*

*

*

*

Quando Mel entrou ofegante pela porta da luxuosa suíte de Sophie, deparou-se com a irmã sentada em uma mesa de vidro, com a expressão mais plácida possível, tomando Coca Zero em uma tacinha de cristal e folheando uma edição da Teen Vogue. -Meu Deus Melissa, o que você fez com ela?! -perguntou Sophie olhando para Chloe que estava suja, suada e tinha pedaços de folhas e grama da cabeça até os pés. -Fomos jogar futebol com o pessoal da banda do Aaron, mas isso não importa agora. O quê aconteceu afinal? -É claro que importa! – bradou Sophie levantando-se da cadeira. – Então é isso que eu recebo Chloe Von Bondenburg? Eu transformo uma feia e fracassada em uma das garotas mais populares da escola e agora você quês estragar todo esse esforço em um jogo idiota, com gente idiota?! Chloe nem mesmo ousou encarar Sophie nos olhos. Baixou a cabeça e ficou em silêncio, pois sabia que nada poderia parar agora a fúria da amiga. -Hei! Quem você acha que é? Deus?! - berrou Mel esquecendo por uns instantes da preocupação com seu pai Albert. -Tudo que ela é hoje deve exclusivamente a mim. Eu a ensinei a se vestir, se maquiar, coloquei minha reputação em jogo quando a trouxe pro meu círculo de amizades, fiz dela a rainha do baile de outono na sétima série, arranjei um encontro com Jeff Stephens, o jogador mais gato do time Junior de Lacrosse da escola. Eu criei você Chloe e por isso me deve lealdade e um mínimo de consideração! - Sophie, ela é sua amiga e não uma marionete! –Melissa vociferou enfiando o dedo na cara da irmã.

48


-Não, por favor, não briguem por minha causa. Eu vou pra casa tomar um banho e me arrumar direito. Me desculpe Sophie . – sussurrou a garota saindo de cabeça baixa da suíte. Admirada com a atitude covarde que Chloe havia tomado, Mel sentou-se na cama lançando um olhar de repúdio a irmã. Não conseguia entender como Sophie podia fazer aquilo com uma de suas melhores amigas e nem por que Chloe se sujeitava a agir seguindo as estúpidas ordens dela. -Bom, esse ato insano da Chloe fica pra depois. Chamei você aqui irmãzinha por isso. – disse ela pegando o celular e mostrando uma foto que havia tirado com ele. Apesar das poderosas lentes de contato que Melissa estava usando, ela reconheceu apenas o rosto de Linda quase sem definição na pequena tela do celular de Sophie. Escondido pelo cabelo loiro da noiva oxigenada de seu pai havia um homem que a garota não conseguiu ver, mas teve a certeza que não se tratava de Albert. -Putz! Você fez aquele alarde todo e me fez vir correndo feito uma maluca, pra me mostrar uma foto da Linda de péssima qualidade?! -Alôôôu! Eu não menti quando disse que o caso era grave... Não é óbvio que essa vaca está traindo o nosso pai? Eu vi com meus próprios olhos de dentro da limusine quando estava parada no sinal de trânsito. A vadia da Linda e esse tal cara estavam se beijando em um restaurante! Nós não podemos deixar nosso pai se casar com essa vigarista, porque se ela realmente explodiu a cobertura, como eu acho que fez só pra receber o seguro, depois do casamento ela vai ser capaz de tudo pra ficar com o nosso dinheiro. -Hã?! A Linda explodiu o próprio apartamento?! Você não está falando isso só porque odeia ela agora, não é? -Bem, eu não tenho provas. Mas eu “tô” quase certa que ela fez isso sim! É só pensar um pouco e você também vai chegar à mesma conclusão que eu. Mel, ela estava falida, sem dinheiro algum porque o pai do Aaron deixou todos os bens dos Stonewell para a amante, com exceção é claro do apartamento que explodiu ontem. Foi um escândalo na época, você nem imagina... Outra coisa que me fez ter quase certeza de que a Linda premeditou tudo é que aquele colar de diamantes que ela usou no jantar foi o único que ela não vendeu pra pagar as dívidas. O Oliver me disse uma vez que a mãe adorava tanto aquele colar que nunca, em hipótese alguma, o deixou aos cuidados de um banco, por mais que o senhor Stonewell insistisse. Ela o guardava no cofre dela, no apartamento que explodiu! Ou seja, se ela tirou ele dias antes, é porque já estava tramando o suposto acidente de gás no

49


apartamento. Então se ela fez isso mesmo, como eu acho que fez, nosso pai vai estar em sérios apuros se eles se casarem. Imagine o que ela pode fazer com ele, ou melhor, contra a vida dele... Sophie nem precisou continuar as explicações, Mel já havia se arrepiado só com aquele pensamento. Ela conhecia há anos a senhora Stonewell e, apesar dela sempre tê-la tratado muito bem, algo estranho e obscuro parecia circundar aquela ex-emergente social que era obcecada por luxo e dinheiro. Devido a isso, Melissa não achou a acusação de Sophie, sobre a explosão forjada do apartamento de Linda, uma mera invenção da irmã. -Mas o quê a gente pode fazer? Essa foto não prova nada e por mais que o nosso pai nos ame ele não vai acreditar em você. Vai achar que é apenas ciúme de filha mimada. – afirmou Melissa fechando o celular de Sophie. -Eu sei, mas foi por isso que eu chamei você aqui. Apesar de nós duas não suportarmos uma a outra, precisamos agir em dupla pra detonar a Miss Botóx. Você é inteligente, ou pelo menos era quando criança. Acha que consegue bolar algum plano pra desmascará-la? -Talvez. – respondeu Mel hesitante. -Posso pensar em alguma coisa, mas não garanto que dê certo. -Ah vai dar sim. – disse a garota determinada ficando frente a frente com a irmã. - Ou eu não me chamo Sophie Anabeth Fenner!

*

*

*

*

*

A noite ainda não havia caído sobre Manhattan, mas as notas tímidas da guitarra de Aaron já haviam se espalhado pelo terraço do hotel. Embora a intenção dele estar ali fosse terminar a letra de uma de suas músicas com a inspiração proporcionada pela vista do Central Park, o garoto havia passado mais tempo tocando do quê propriamente fazendo a canção. A verdade é que, apesar da explosão de seu apartamento, Aaron estava exultante de felicidade com a volta de Mel e o fato dela ajudá-lo com Sophie. E por isso, ele resolvera externar toda a sua animação através da maneira que mais gostava: a música.

50


Empolgado com os acordes que fluíam de sua velha guitarra Les Paul, ele nem mesmo se deu conta que Mel tinha acabado de surgir no terraço e agora o observava em silêncio, escondida por uma pilha de caixas de papelão. Parada ali, oculta por aquela pequena barreira que os separava, Melissa não quis interrompê-lo, pois assim podia olhá-lo e desejálo, sem ter que disfarçar seus suspiros de admiração como fez a manhã toda durante o jogo. Ainda que estivesse irada com Aaron pelo pedido de ajuda com a irmã, era impossível para ela não sentir as pernas tremerem e o coração disparar ao vê-lo. Por mais que tentasse não se apaixonar pelo garoto, ele era lindo e charmoso demais, o quê o tornava quase irresistível. -Você vai ficar aí parada com vergonha ou vai vir falar comigo? – perguntou Aaron parando repentinamente de tocar a guitarra. -Como você sabia que eu estava aqui? - Mas eu não sabia. Reparei só agora. – respondeu ele virando-se para a garota com um sorriso maravilhoso no rosto. - Vamos dizer que um certo tênis All Star cinza não estava muito bem escondido atrás das caixas. -Olha, eu juro que não estava espionando. É que você estava tocando tão bem que eu não quis atrapalhar. – justificou Mel. - Você nunca me atrapalha “Pimenta”. Além disso, eu não estava fazendo nada demais, não se preocupe. – disse ele encostando a guitarra em uma cadeira quebrada que se encontrava abandonada no terraço. -Bom, eu estava procurando por você pra te pedir desculpas por ter saído daquele jeito do Central Park. Foi o Oliver que me disse que você estava aqui. -Mas aconteceu alguma coisa grave naquela hora? -Não. Na verdade foi só a Sophie com a péssima mania de achar que o mundo gira em torno dela. Me assustou à toa. – disfarçou Melissa lembrando que Aaron infelizmente era filho de Linda. -Hmm, sei... E aí? Quer aprender a tocar guitarra? - perguntou ele pegando de novo o instrumento. -Acha que eu consigo? -Não vai saber se não tentar... Com cuidado, Aaron deu a guitarra e a palheta para Mel e se colocando atrás dela, enlaçou-a com seus longos braços.

51


-O dedo indicador você coloca nessa corda, o médio nessa outra e o resto aqui e aqui. Isso é um DÓ, ok? -Tá. Entendi. -Agora nós vamos fazer um RÉ. – disse ele segurando a mão da amiga com delicadeza. Mel até tentou prestar atenção no que Aaron dizia, mas estava sendo difícil manter a concentração com ele tão perto. O hálito quente que saia de sua boca e tocava de um jeito tão suave o pescoço dela a fazia ficar arrepiada, sem falar na voz doce que parecia sussurrar ao seu ouvido. Naquele momento a vontade da garota era se virar, jogar a guitarra pra longe e beijá-lo por longos minutos, mas embora seu coração esperasse por isso desde a primeira vez que o reviu, aquele pensamento logo saiu de sua cabeça. Mel lembrou-se que Aaron a via apenas como uma grande amiga e com certeza ele iria se assustar com aquela atitude impensada. -Ah, deixa pra lá, isso é muito difícil. – resmungou Melissa devolvendo a guitarra. -Eu achei que você estava indo muito bem. – ele afirmou. – Só esta faltando um pouco de prática. -Ah, “tá” bom. Se existe uma coisa que você nunca soube fazer foi mentir Aaron Stonewell. E eu com certeza não nasci talentosa como você. -Sério?! Acha mesmo que eu sou bom? - perguntou o garoto parecendo meio inseguro. -Eu vi você tocando. Se não for o melhor, é um dos melhores. -Ah, você é demais sabia! – Aaron afirmou sorrindo enquanto a abraçava de um modo fraternal. –É muito bom ter a minha melhor amiga de volta. Por alguns minutos, Melissa quis aproveitar aquele gostoso abraço e não pensar em mais nada além de Aaron. Sabia que em seu coração nunca sairia do “posto” de amiga. E por isso abraçou-o bem forte fingindo que, pelo menos naquele momento, ela era mais do que aquilo.

52


CAPÍTULO 7 A AMEAÇA

Sem nada de interessante para fazer naquela manhã e morrendo de preguiça, Mel nem mesmo trocou de roupa. Preferiu ficar sentada na cama, de pijamas, tomando um suco de maçã e vendo despreocupada o Disney Channel. Às vezes ainda pensava na noite anterior em que estivera com Aaron e isso a alegrava um pouco, mas depois sua memória insistia em lembrar-lhe de que eram apenas grandes amigos e que, se dependesse do garoto, nada nunca iria rolar entre os dois. Com esse triste pensamento na cabeça e o coração doendo, Mel ouviu baterem na porta de seu quarto. Embora estivesse apenas vestida com seu pijama de flanela azul bebê, ela nem mesmo preocupou-se em perguntar quem batia a porta. Colocando o copo de suco na cabeceira da cama, apenas bocejou e literalmente gritou para que entrasse. -Bom dia querida. – disse Albert sorrindo e aproximando-se para beijá-la na testa. -Como vai Melissa? Será que chegamos em má hora? – perguntou Linda com um ar esnobe olhando para o pijama da garota. -Não, eu só estava assistindo TV. -Filha, Linda está aqui por que quer a sua opinião e a de Sophie sobre os vestidos das damas de honra. - E também convidá-la para ser uma delas! - completou a noiva de seu pai fingindo não reparar as roupas jogadas pelo chão do quarto. Albert foi então até a porta que unia a suíte de Mel à da irmã e bateu fortemente nela chamando pela outra filha. Com uma camisola rosa de seda da Victoria’s Secret e o rosto inchado de tanto sono, Sophie apareceu no quarto ainda cambaleante. Sem a costumeira maquiagem que adorava usar, a garota mais parecia uma folha de papel tamanha a palidez de seu rosto.

53


-Bom dia minha princesa. Desculpe-me interromper seu precioso sono, mas é que Linda precisa falar urgente com vocês sobre o casamento. – alegou Albert acompanhando a filha até a cama de Mel. -Pai, são dez horas da manhã e eu preciso de um blush e um corretivo líquido, será que a gente podia deixar essa conversa pra mais tarde?- perguntou ela bocejando. -Ah querida Sophie, infelizmente Margareth Beitzner, a famosa estilista, está esperando lá fora.

Ela veio aqui especialmente para falar conosco, mas não pode se demorar.

Beitzner tem hora marcada com outra cliente as onze no ateliê dela e, além disso, nós temos pouquíssimo tempo para confeccionar os vestidos de dama. Ou seja, não podemos adiar mais. Já tivemos de protelar muito isso devido ao regresso de nossa adorável Melissa a Nova York. – afirmou Linda sorrindo de forma falsa. Atrasado como de costume para alguma reunião importante de negócios, Albert olhou para o relógio e logo depois se despediu das três beijando cada uma na testa. -Meninas, sejam boazinhas com a Linda hein. – disse ele saindo apressado pela porta. Depois de alguns minutos a senhorita Beitzner, que aguardava já impaciente do lado de fora, foi convidada a entrar. Embora fosse uma estilista renomada, se vestia tão mal que mais parecia uma neo-hippie do que um ícone fashion. -E então garotas? Vocês aceitam serem damas de honra no meu casamento? – perguntou Linda eufórica como se estivesse fazendo o melhor convite de suas vidas. Mel e Sophie olharam-se relutantes por alguns segundos, mas acabaram aceitando o pedido, pois haviam pensado na terrível decepção que seu pai teria se elas não aceitassem. -Eu não perderia este circo de horrores por nada. –debochou Sophie cruzando os braços e encarando Linda com um certo ódio no olhar. -É claro querida que não querida, lugar de palhaço é no circo e o horror eu deixo por sua conta, já que você tem essa aparência tão peculiar pela manhã. – alfinetou Linda. Tentando agir como uma lady, Sophie nada respondeu apesar da incrível vontade de mandar Linda para “aquele lugar”. Respirando fundo como o professor de Yoga havia lhe ensinado, ela foi até a mesa onde Beitzner havia se sentado ao lado de Linda e pôs-se a olhar a pasta negra com os vários croquis de roupas exclusivas que a tal estilista havia trago. -Eu achei esse aqui bonito. – sentenciou Mel chegando atrás da irmã e apontando para a folha do catálogo que mostrava um vestido de mangas cumpridas.

54


-Meu bem, se eu quisesse que vocês usassem uma sauna ambulante eu teria comprado qualquer peça na liquidação da Macy’s. Nós estamos no verão e não no inverno. Lembre-se disso se o seu Q.I. permitir. O que eu acho muito difícil. -Prefiro esse com a parte de cima tomara-que-caia. – disse Sophie azeda. -É. Eu também. - concordou Mel de imediato, tentando se livrar logo daquela presença insuportável em seu quarto. -Ok. Então já temos o modelo. Agora definamos a cor, eu adoraria que fosse roxo, é a cor da realeza. – opinou Linda. -O quê? Roxo? – espantou-se Sophie. – Quer que a gente pareça duas berinjelas gigantes no altar? Eu não entro na igreja com essa cor nem morta! -Ah querida, mas por quê? Combina tanto com suas belíssimas olheiras. – ironizou a madrasta. Agora Sophie parecia que ia perder de fato o controle. Estava tão acostumada a sempre pisar nos outros, que receber o golpe de volta era novidade para aquela “patricinha” impetuosa. -Pelo menos as minhas olheiras são causadas pela minha herança caucasiana e não porque passo as noites descarregando energia com meu amante, como você por sinal faz. – revidou a garota mostrando sua face de desprezo para Linda. Mel que apenas ouvia calda a troca de farpas levou as duas mãos a cabeça e suspirou. Sem querer Sophie havia mencionado o trunfo que elas tinham contra Linda e agora, com a madrasta oxigenada sabendo de tudo, ficaria muito mais difícil pegá-la em flagrante com o misterioso homem da foto. -Eu nunca fui tão insultada em toda minha vida! Escute aqui sua pirralha, não adianta inventar mentiras a meu respeito. Eu vou me casar com seu pai sim, quer você queria quer não! E sabe qual a primeira providência que eu tomarei? Enfiar vocês duas em um bom colégio interno na Inglaterra, suas pestes adolescentes! Ah e mais uma coisa, já está decidido, a cor da roupa de vocês será roxa, ouviram bem? Roxa! – bradou ela indo em direção à porta acompanhada pela estilista. – Tenham um bom dia... Se puderem! Dizendo isso, Linda bateu a porta com toda a força e deixou as duas irmãs sentadas na cama, perplexas devido a ameaça que haviam acabado de sofrer. -É inacreditável! – resmungou Melissa. -Eu sei. Quem usa roxo beringela em casamentos?! – perguntou Sophie fazendo a cara esnobe de sempre.

55


-Não sua anta! Eu estou falando do colégio interno! E você nem pra segurar essa língua, não é?! Agora ela sabe que a gente está ciente do amante e com certeza vai tomar muito mais cuidado quando for se encontrar com ele. -É, eu sei. Mas eu não preciso me preocupar com isso. Você e aquele idiota do Aaron viviam inventando planinhos e bancando os detetives quando crianças. Ainda deve ter um pouco daquela genialidade infantil nessa sua cabeça oca. – Sophie alegou batendo com o punho fechado na cabeça da irmã. -Acontece que descobrir onde foi parar um colar de esmeraldas de uma das hóspedes do hotel não se compara com flagrar uma cena de adultério! –retrucou Mel levantando-se da cama e indo olhar pela janela. – Eu preciso pensar em um plano e rápido, porque se essa mulher se casar com nosso pai, nosso destino final vai ser na gélida terra da rainha!

*

*

*

*

*

Espalhados um em cada sofá no gigantesco apartamento de Doug, Aaron e Marvin pareciam concentrados diante das folhas de papel que seguravam. Ao contrário do que eles haviam pensado, a escolha das músicas para o CD Demo estava sendo um pouco difícil, já que a banda possuía uma série de canções e quase todas eram de fato muito boas. -Vocês deveriam ter aceitado o dinheiro que meu pai quis emprestar, pelo menos com aquela grana toda dava pra gravar umas dez faixas em um bom estúdio. Assim a gente não teria que passar por essa tortura de escolher quatro músicas e ainda gravar em um estúdio vagabundo. – disse Doug, o baterista, jogando despreocupado mais uma folha no tapete que estava coberto por quase tantas outras. -Cara! Esse seu “apê” chega a dar eco de tão grande. – afirmou Marvin que encontrava-se esparramado no sofá. – Eu fico até com vergonha de ser o único pobre da banda. -Ah, claro...Tirando o fato de que meu apartamento explodiu, o meu pai morreu deixando toda a herança pra amante e eu não tenho mais nada... É M.J, você é o único desprovido financeiramente da “Nonsense”. – ironizou Aaron pegando outros papéis pra ler.

56


Um pouco arrependido por ter trazido à tona sem querer aquelas terríveis lembranças que magoavam o amigo, Marvin levantou-se do sofá e foi analisar uma belíssima escultura de um casal se beijando que ocupava um lugar de destaque na sala de estar dos Ojemann. -Acho que “Dear Alice”, “Rebel” e “No rules” mereciam entrar na Demo. – sugeriu Aaron. -Concordo, mas você é o líder da banda e, portanto, a decisão final é sua. – Doug afirmou deitando-se no sofá. -Nada disso. A banda é nossa e todas as decisões devem ser tomadas de forma democrática. Então eu proponho uma votação. Que é que você acha M.J? -Por mim essas músicas entram. –afirmou Marvin rodeando a tal escultura. -Aleluia! Até que enfim nós concordamos em alguma coisa. – debochou Doug jogando de brincadeira em Marvin uma almofada que por pouco não atingiu a estátua. Interrompendo a conversa do trio, a bela, jovem, e mais nova senhora Ojemann entrou de forma inesperada na sala de estar apenas vestida com um minúsculo biquíni branco e um roupão de banho aberto que nada escondia. Diante daquela mulher loira, com formas tão bem delineadas e 700 ml de silicone em cada peito, Aaron e M.J. ficaram perplexos. -Douguito! Você sabe onde meu docinho de morango foi? – perguntou ela se referindo ao senhor Ojemann, enquanto ajeitava sedutoramente o biquíni. -Anette por um acaso você já ouviu falar na palavra “trabalho”? Já?! Pois então, é com isso que meu pai paga o seu cartão de crédito. – retorquiu Doug mal humorado. Pouco ligando para o comentário sarcástico do enteado, a bela loira platinada apenas deu de ombros e saiu da sala rebolativa, voltando para mais uma sessão na máquina de bronzeamento artificial que havia comprado a menos de uma semana. Uma aquisição tremendamente brega e desnecessária, já que era verão e ela poderia se bronzear na enorme casa de praia que o senhor Ojemann possuía em Martha’s Vineyard. -Não consigo entender como meu pai teve coragem de trocar minha mãe por essa coisa que parece mais uma stripper. – Doug murmurou fechando a pesada porta do salão para que ninguém mais os interrompesse. -Acho que eu sei por quê. – disse Marvin desenhando no ar com as duas mãos a figura de um corpo voluptuoso. O quê o fez levar logo depois mais uma almofadada do amigo. -Deixa só a Chloe ouvir isso, aí mesmo você perde as poucas chances que tem com ela. – lembrou Aaron. -Hei, já que você tocou nesse assunto das garotas, eu queria saber uma coisa... A Melissa não tem namorado, não é? – perguntou Doug parecendo muito interessado.

57


Aaron que até então gargalhava desfez rapidamente o sorriso e assumiu um ar sério. -Por que é que você quer saber? -Fala sério, ela é bem mais gostosinha que a irmã, você não acha? Tem aquele jeito meio selvagem de quem foi criada longe da civilização. -Ei, pode esquecer Douglas! A Mel não é pra você. – decretou Aaron chamando o amigo pelo nome, coisa que nunca fazia. – Ela não foi criada na floresta e muito menos é selvagem do jeito pervertido que você está pensando. É tímida, meiga, gentil... Muito diferente do tipo de garota atiradinha que você gosta. -Nossa, desculpa se toquei em um ponto delicado! – disse Doug levantando as mãos como quem se exime de ter feito algo errado. -Não sabia que vocês dois tinham alguma coisa. -E não temos! – disparou Aaron. –Somo amigos há anos e, além disso, ela prometeu me ajudar com a Sophie, que vocês estão cansados de saber é a garota que eu sou afim. Só estou dizendo que a Mel não é pra você porque eu a considero como uma irmã e por isso não vou deixar ela cair nas suas garras. Você fala do seu pai, mas acaba agindo do mesmo jeito que ele age com as mulheres e sabe disso. -Ok!Ok! Não se fala mais nesse assunto. – prometeu Doug se conformando. Depois daquela inesperada discussão, a conversa entre os garotos acabou morrendo por alguns minutos. Com a desculpa de escolher mais uma música para o CD Demo, Aaron sentou-se no tapete Indiano longe dos amigos e fingindo estar compenetrado não tirou os olhos do papel que segurava, embora seu pensamento estivesse muito longe dali. Marvin que ouvira calado a discussão recostou-se preguiçosamente no sofá e, colocando os pés na mesinha de vidro que decorava o centro da sala, ficou examinando Aaron de longe meio que tentando entender o verdadeiro motivo daquela súbita mudança de humor dele. -Galera olha só, não queria interromper o momento reflexão que baixou aqui agora, mas eu acho melhor a gente deixar essa escolha pra depois e ensaiar. Até mesmo porque a gente só vai gravar a Demo no final do ano e, além disso, semana que vem nós vamos tocar no aniversário da Vicky. Lembram? – perguntou Doug. -Relaxa cara. A gente só vai cantar quatro músicas. – Marvin afirmou largando-se ainda mais no sofá enquanto colocava as mãos atrás da cabeça e colocava uma perna por cima da outra. -Você sabe muito bem que ela só contratou a banda porque sabia que, se não fosse pra tocar, o Aaron nunca iria aparecer na festa dela. A garota é caidinha por ele.

58


-Só ela? E a Ashley, a Torrance, a Kitty, a Amanda, a Debby, a Mena?- enumerou Doug olhando de forma teatral pra cima como se estivesse repassando uma lista mentalmente. – É só ele estalar os dedos e elas vêm correndo atrás do outro irmão perfeito. Ainda com uma expressão dura no rosto, Aaron levantou-se e jogou o papel que segurava bem em cima da mesa de centro onde Marvin apoiava os pés. Sentia que uma pequena fagulha de raiva havia surgido em seu corpo devido ao interesse de Doug em Mel. Afinal, gostava demais da amiga para aceitar vê-la nas mãos do amigo, que ele sabia muito bem, tinha o hábito de se divertir durante um tempo com as garotas e chutá-las logo depois sem mais nem menos. -Vamos ensaiar. –Aaron ordenou de forma seca indo em direção a porta da sala. – Pelo menos assim vocês não falam tanta besteira!

*

*

*

*

*

A água estava uma delícia quando Melissa mergulhou na piscina coberta do hotel. Apesar do dia quente que fazia em Nova York, só havia duas crianças ali que, graças à pouca idade e aos avisos histéricos das babás, ficavam apenas na parte rasa da piscina, deixando um enorme espaço para Mel nadar a vontade. Ainda que tivesse ficado tantos anos longe, ela lembrava-se com exatidão do ambiente da piscina, já que passara grande parte de seu tempo naquele lugar quando não estava aprontando com Aaron. Por algum motivo, nadar a deixava relaxada e era isso que a garota sempre fazia quando tinha algum problema ou uma angústia qualquer. Mas hoje, ao contrário dos tempos de infância, Melissa não queria fugir de nada. Mergulhava naquela água transparente apenas para brincar e se divertir como as crianças barulhentas que nadavam seguros por suas bóias coloridas a alguns metros dela. -Foi difícil achar você sabia? Procurei por todo hotel, até que lembrei da sua vocação pra “ser peixe” e vim pra cá. – disse Chloe surpreendendo a garota. Depois sentou-se logo em seguida na borda da piscina. -O quê foi? Por um acaso a Sophie brigou de novo com você por causa daquelas regras malucas dela? – perguntou Mel enquanto boiava com os olhos fechados.

59


-Na verdade não. Eu vim agradecer por você ter me defendido ontem e também pra dizer que não vou mais aguentar as coisas estúpidas que ela faz comigo. Você me ajudou a cair na real Mel. Acho que é a única amiga de verdade que eu tenho hoje. –ela disse de forma tímida. Feliz com a decisão corajosa de Chloe, Mel saiu da piscina e enrolando-se em uma toalha felpuda que havia deixado na espreguiçadeira do hotel, foi sentar-se ao lado da garota embora ainda com os cabelos encharcados de tanta água. -Você estava perdendo sua alma Chloe, tirando a franja e o cabelo castanho você mais parecia uma cópia da Sophie. – afirmou Mel enxugando suas mechas loiras com outra toalha. -Eu sei, mas você também se lembra como era ser chamada por aqueles apelidos horríveis na escola, ter uma droga de musiquinha com o seu nome.Todo mundo me achava feia, esquisita e os garotos só queriam saber de mim quando era aula de Educação Física. Aí sim eles queriam ficar perto da “Dumbo” aqui porque ela jogava bem. Mas quando a Sophie começou a falar comigo, as coisas mudaram e da noite pro dia eu passei da “Chloe quem?” pra “Ah, sim! A Chloe Von Bondenburg!”. Eu achava que devia tudo a sua irmã e que sem ela eu iria voltar a ser a esquisita de sempre. Por isso só fazia o que ela mandava. -Até se afastar do Marvin mesmo gostando dele, não é? – perguntou Mel compreensiva. -É. De todas as coisas que eu fiz essa é a de que eu mais me arrependo. Mesmo com o corpo ainda úmido, Melissa abraçou Chloe que graças à decisão de não ser mais igual à Sophie, não reclamou do fato que a amiga estava molhando seu vestido florido Balenciaga. -Então, quando é que você vai contar que está apaixonada por ele? -No mesmo dia que você disser pro Aaron o quê sente. – respondeu Chloe encarando-a. Envergonhada, Mel desviou os olhos e pôs-se a admirar o fundo azulado da piscina que ostentava um gigantesco “M” de Meditteranean no centro. Por mais que não tentasse ficar embaraçada, o fato de Chloe já ter notado seus suspiros por Aaron a havia deixado vermelha, como se todo o sangue de seu corpo tivesse subido a face. -Mas quem disse isso? Eu e o Aaron somos amigos há um tempão, o quê eu sinto por ele é um carinho especial de irmã, entende? – disse Melissa tentando disfarçar o nervosismo. -Mel, eu posso até parecer, mas não sou burra e você mais do que ninguém sabe disso. Eu vi o jeito que olhou pra ele no jogo. Era um olhar ardente de desejo e não de amizade.

60


- É... Estou vendo que você continua esperta como antes hein, senhorita Von Bondenburg! – sorriu a garota voltando seus olhos para Chloe. Sabendo que não conseguiria esconder nada da amiga, Mel resolveu abrir o coração para ela e contar o que sentia de verdade por Aaron, ainda que ficasse envergonhada só de mencionar o nome dele. Durante horas as duas amigas ficaram sentadas na borda da piscina conversando sobre suas respectivas paixões não correspondidas. As crianças que brincavam naquele local já haviam ido embora com suas babás, o quê contribuiu para que a conversa sobre amor fluísse mais facilmente entre elas. Chloe até mesmo ousou se arriscar no campo da psicologia, que conhecia muito pouco por sinal, para expor sua teoria de que Aaron não gostava de verdade de Sophie, apenas insistia naquela paixão proibida pela namorada do irmão porque tinha medo de se dedicar a um amor de verdade e acabar sofrendo. Mel não acreditou muito nas teorias da amiga, mas divertiu-se tanto com elas que nem mesmo viu a hora passar e seus dedos ficarem enrugados devido ao fato de estar todo aquele tempo com os pés enfiados na piscina. Conforme a tarde foi avançando, as duas decidiram ir para a suíte de Melissa e acompanhadas por uma gostosa pizza Marguerita e algumas latinhas de Pepsi, continuaram relembrando histórias engraçadas de quando ainda estudavam juntas. O quê acabou gerando uma série de gargalhadas ininterruptas e acessos de vergonha, sobretudo por parte de Chloe, que havia sido a campeã em “micos” e “bizarrices” na escola. Embora para ela fosse um pouco estranho não falar de roupas, maquiagens e contagem de calorias, o quê seria uma heresia diante daquelas gordurosas fatias de pizza, o dia havia sido tão legal na companhia de Melissa que, por alguns momentos, Chloe esqueceu os anos de futilidade que viveu e voltou a ser a menina esperta e engraçada da quinta série. Quando afinal as duas se separaram já era noite em Nova York e ambas estavam felizes por terem reatado apenas em uma tarde a amizade de quatro anos que havia sido interrompida pela mudança de Mel para o Brasil. Mas que daquele dia em diante, segundo elas, seria eterna e muito mais forte do que nos tempos de criança.

61


CAPÍTULO 8 QUASE SHERLOCK HOLMES

Duas semanas já haviam se passado desde que Linda ameaçara cruelmente as irmãs com a história do colégio interno. Apesar do que Melissa havia prometido a Sophie, a garota tinha gasto a maior parte de seu tempo em passeios por NY com Chloe e Aaron, ao invés de tentar bolar um plano razoável para deter a madrasta mercenária. Mel Sabia que o calendário estava contra ela e que o casamento se aproximava a passos rápidos, mas era difícil ignorar a presença da melhor amiga e do garoto que gostava para pensar em algo maquiavélico. Ela até imaginou, quando estava sozinha em seu quarto prestes a dormir, umas duas ou três formas que poderiam desmascarar a Miss Botox, porém, as idéias que passaram por sua cabeça foram embora tão rápido quanto surgiram, já que eram mirabolantes e um tanto absurdas. Desnorteada por não ter conseguido pensar em algo, e certa de que havia perdido a sua genialidade infantil, Melissa decidiu tomar café sozinha no restaurante do Meditteranean ao invés de pedir à recepção que levassem ao seu apartamento. Entretanto, graças a um lance do destino, ela nem mesmo chegou a entrar no elevador que a levaria ao Chateau D’ore. Parada, prestes a fechar a porta de sua suíte, Mel viu uma arrumadeira entrar na suíte de Linda e a madrasta sair do quarto que ocupava desaparecendo logo em seguida na curva que levava a um outro corredor do hotel. Por alguns instantes a garota ficou naquela mesma posição, com o olhar vago e ar pensativo, até que um milagroso estalo soou em seu cérebro adolescente. Sob gritinhos animados de “É isso, é isso, é isso” que ela repetiu por várias vezes, Mel entrou novamente em seu apartamento e sem demora correu até aporta que unia sua suíte a de Sophie. Fazendo um incrível alarde ao mesmo tempo em que esmurrava sem piedade a madeira da porta, ela acabou acordando a irmã que dormia como um anjo ao lado.

62


-Olha só, acho bom ser algo importante porque eu acordei morrendo de enxaqueca e com pouquíssima paciência pra te aturar hoje. – resmungou Sophie entrando na suíte com o cabelo desgrenhado e o típico rosto pálido que pedia urgente alguma maquiagem. -Você não queria que eu tivesse uma idéia pra detonar a vaca loira? Pois é, acabei de ter uma e já vou colocar em prática, apenas me siga e não faça perguntas. -Mas eu vou assim? De camisola? Espera aí, pra onde vamos afinal? -Eu já disse que depois te explico, nós não podemos é perder mais tempo. Vem logo! – ordenou Mel saindo do quarto. Como era de manhã cedo e a maioria das pessoas ainda dormia, Sophie, que estava apenas de camisola, não teve o desprazer de encontrar algum hóspede perambulando pelo corredor do hotel. Ao entrarem na suíte da madrasta, as garotas encontraram a arrumadeira que viera limpar o quarto reclamando alguma coisa incompreensível em espanhol, e rogando a Nossa Senhora de Guadalupe por outra coisa que até mesmo Mel que conhecia um pouco da língua não conseguiu entender. -Consuelo fora! – decretou Sophie autoritária utilizando-se do fato de que era filha do dono do hotel. – Depois você arruma esse quarto. Sem questionar as ordens da garota, a arrumadeira que nem de longe se chamava Consuelo saiu da suíte sussurrando alguns palavrões em espanhol enquanto olhava furiosa para Sophie. -Ok. Preste atenção “So”! Nós temos de procurar, com cuidado pra não desarrumar nada, alguma coisa que comprometa a Linda. Caderno de telefone, diário, cartas, e-mails impressos, agenda... Qualquer um desses porque, se ela realmente explodiu o apartamento, deve ter guardado essas coisas assim como guardou as jóias. Vamos começar já, antes que ela volte ou o Aaron e o Oliver que estão no quarto ao lado acordem e venham falar com a mãe. – ordenou Melissa. As duas puseram-se então a vasculhar o luxuoso quarto da noiva de Albert, cada uma em um lugar específico, para assim não se cometer o erro de olhar o mesmo local várias vezes. Mel, que examinava as mesinhas de cabeceira ao lado da cama, encontrou apenas vários frascos de remédios para dor de cabeça e até mesmo alguns antidepressivos. Fora isso, as gavetas encontravam-se repletas de papéis insignificantes e envelopes vazios que possuíam o logotipo de um grande banco de Nova York.

63


Sophie também não teve sorte, procurando no armário da madrasta, viu apenas uma coleção enorme de sapatos novos, além de inúmeras roupas de grifes famosas como Chanel, Dior e Valentino que entulhavam o local e quase excediam a capacidade do closet. Quando tudo parecia perdido e Mel já havia sentado na cama, revoltada por não ter encontrado nada que pudesse lhes ajudar, Sophie sem querer achou uma pequena agenda dourada da Prada que encontrava-se escondida no armário do banheiro. -Muito bom mana! Isso deve nos ajudar a encontrar o endereço do amante dela ou pelo menos nos dar a pista do nome dele. Vamos pro nosso quarto agora, precisamos lê-la e devolvê-la antes que a Linda volte. – disse Mel saindo apressado pela porta com um sorriso de satisfação no rosto. Depois de chegarem à suíte de Sophie, que ficava um pouco mais perto do quarto da madrasta, as duas irmãs jogaram-se na cama e folhearam ansiosas a agenda em busca de algum nome estranho ou algum compromisso misterioso. Mas ao contrário do quê pensavam, não havia nada de comprometedor em suas páginas. Apenas registros de reuniões sociais entediantes, endereços de amigos ricaços e duas listas de convidados para a festa do tão aguardado casamento. Desapontadas com o fato de terem feito tudo aquilo pra nada, Sophie socou raivosa seu travesseiro de plumas e jogando as duas listas inúteis na cama, foi até a penteadeira onde começou a desembaraçar sem a menor paciência seus longos cabelos loiros. -Eu não acredito nisso! Ela explode o apartamento, dá o golpe do baú no nosso pai e a gente é que vai pra uma prisão na Inglaterra?! Sim, porque colégio interno inglês é apenas um sinônimo pra palavra prisão. Se for religioso então pior ainda! Vai ser estudar, rezar, estudar, rezar. Um inferno! – resmungou Sophie olhando a irmã pelo espelho da penteadeira. Mel que agora estava calada e com os olhos voltados para agenda nem mesmo prestou atenção nas palavras dela. Embora não tivesse achado nada suspeito, um pequeno detalhe na folha de endereços que ficava no final da agenda acabou chamando sua atenção. Ali, bem no canto da página, misturado entre outros nomes, encontravam-se as iniciais W.B. pouco legíveis e ao seu lado, um borrão rasurado que Melissa supôs se tratar de um número telefônico. Mesmo aquilo não representando nenhum avanço significativo na pequena investigação, Mel sentiu que se descobrisse a quem pertenciam as iniciais, aquilo poderia acabar lhe trazendo mais uma peça para o intrigante quebra-cabeça da madrasta.

64


-Sophie, a Linda fez duas listas para a festa de casamento, não foi? E a primeira tinha mais convidados que a segunda, certo? -É. A da folha rosa parece que foi a primeira que ela fez. Acho que cortou uns vinte nomes dos cento e cinqüenta que ela tinha pensado em convidar e fez essa outra aí da folha amarela. Mas por que você quer saber? – perguntou Sophie virando-se para a irmã não entendendo onde a garota queria chegar com aquilo. Mel não respondeu, apenas pegou as duas listas que encontravam-se em cima da cama e comparando-as, leu em voz alta os único nomes que tinham as iniciais W.B. e que haviam sido riscados por Linda. -Warren Brubaker, William Blos e Wilfrid Bronson. Sophie, você conhece algum desses homens? -Só um. Wilfrid Bronson. É um caipira texano que enriqueceu quando descobriu petróleo nas terras dele. Nosso pai e ele quase não se falam, só quando Bronson se hospeda no hotel. Talvez a Linda o tenha cortado por isso. Já os outros eu nunca ouvi falar. -Hum... Será que posso usar o seu notebook? –solicitou Mel com um ar misterioso depois de ouvir a irmã. -Pode pegar, mas no que essa coisa vai ajudar a gente? -Vamos fazer uma procura na net, se esses homens forem apenas ricaços deve existir alguma notícia sobre eles em sites de revistas, jornais ou até mesmo colunas sociais. Eu estou tendo um pressentimento e ele me diz que nós precisamos saber quem são Warren Brubaker e William Blos. – disse a garota levantando-se para pegar o McAir prata de Sophie. Ao digitar o primeiro nome no pequeno quadrado do site de buscas, Mel viu diante de seus olhos aparecerem dezenas de resultados para o termo “Warren Brubaker”. Após clicar em pelo menos dez links no qual aparecia o nome de Warren, as duas irmãs puderam certificar-se de que o tal homem tratava-se apenas do chefe do departamento de admissões em Harvard e que, a julgar pela já avançada idade, dificilmente seria o amante de Linda. -Bom, agora já sabemos como a Miss Botox pretendia garantir a vaga do Oliver na faculdade. – ironizou Melissa embora a irmã não tivesse achado a menor graça. Depois de apagar a pesquisa sobre Brubaker, Mel digitou o segundo nome desconhecido da lista. Ao contrário do chefe de admissões de Harvard, o nome Willian Blos apareceu pouquíssimas vezes na tela, já que a maioria dos links mostrava apenas outras pessoas que possuíam o mesmo sobrenome que ele.

65


Procurando clicar em um, dos três únicos resultados que eram de fato sobre William Blos, Mel e a irmã não acreditaram quando viram surgir na tela uma pequenina e antiga matéria do New York Times que dizia:

“Socialite volta atrás e inocenta corretor de seguros”

O caso da misteriosa explosão de uma luxuosa cobertura em Manhattan sofreu mais uma reviravolta nesta terça-feira. Louise Richardson a proprietária do apartamento que havia confessado tê-lo explodido com ajuda de William Blos, corretor da empresa de seguros “Blos & Sons”, retificou no último dia doze o depoimento que havia dado a polícia. Dizendo ter sido ameaçada e coagida por alguns policiais que cuidavam do caso para incriminar o corretor, a senhora Richardson deu um novo testemunho ontem negando o envolvimento de Blos na explosão. Procurado pelo New York Times na empresa onde trabalha com o pai Benjamin e o irmão Thomas, William Blos não foi encontrado e a família recusa-se a falar sobre o assunto. O caso continua sob investigação da polícia de Nova York.

Estranhando a incrível coincidência de que o apartamento de Linda havia explodido apenas cinco meses depois do caso noticiado no New York Times e que ela havia convidado o tal corretor para a festa de seu casamento, Melissa clicou no outro link que o site de buscas indicava sobre William Blos. Quando Sophie olhou para a tela do computador e viu a foto de um homem acompanhado da manchete “Corretor é cúmplice em explosão”, a garota não teve a menor dúvida de que William Blos era o homem que ela tinha visto há uma semana atrás aos beijos com Linda. -Eu não acredito! É ele, é ele sim! O tal que estava se agarrando com a vaca loira na rua! Tenho certeza que é ele. – disse Sophie agitada ficando de pé na cama. – Sei que vou me arrepender disso depois, mas você é um gênio Melissa Fenner, um gênio! -Acho melhor você não ir comemorando “So”, a gente ainda precisa saber onde fica essa empresa de seguros, a “Blos & Sons”. Só indo lá é que nós vamos poder descobrir o endereço do William Blos e depois, quem sabe, conseguir umas fotos comprometedoras da Linda com ele. – imaginou Mel.

66


-Então o quê a gente faz agora? – perguntou Sophie com um jeito doce atípico enquanto descia da cama. -Eu vou procurar na internet, com certeza eles devem ter uma homepage com o endereço da seguradora, isso se a empresa não faliu depois do escândalo da explosão. Nesse meio tempo você vai devolver a agenda pro mesmo lugar que a tirou. A Linda não pode nem desconfiar que nós a descobrimos, se não maninha... Nosso plano já era!

*

*

*

*

*

Desde que a limusine havia saído do hotel Melissa encontrava-se pensativa. Com o endereço da seguradora nas mãos e um certo frio na barriga, a garota ficou repassando em sua mente o que diria quando chegassem a “Blos & Sons” enquanto Sophie, que estava ao seu lado e também partilhava da mesma ansiedade, olhava sem parar para a janela do carro esperando o fatídico momento no qual a limusine chegaria ao seu destino no Financial District. -Lionel, será que dá pra você acelerar essa coisa? Até mesmo uma lesma consegue andar mais rápido que a gente! – gritou Sophie voltando ao seu humor irritante. -Nem precisa, olha o prédio ali. – disse Mel apontando para um edifício que parecia espremer-se entre outros dois gigantescos. Temerosas, mas determinadas a levar o plano adiante, Mel e Sophie saíram do carro sabendo que o futuro das duas em Nova York, e não em um internato longínquo, dependia daquela visita bem sucedida à seguradora. O prédio que agora abrigava a “Blos & Sons” era muito diferente dos luxuosos e requintados que se viam por Wall Street. Com apenas dez andares e os dois elevadores quebrados, as garotas tiveram de subir pela escada de serviço que se encontrava muito empoeirada e até mesmo um pouco ensebada, o quê causou por várias vezes ânsia de vômito em Sophie. Ao chegarem afinal no sétimo andar, onde agora deveria funcionar a seguradora, Mel e a irmã depararam-se com uma minúscula sala de espera onde em um canto, uma estranha

67


secretária encontrava-se com os pés apoiados em cima da mesa lixando de forma despreocupada suas unhas. -Boa tarde. Nós queríamos falar com o senhor Willian Blos, ele está? – disse Sophie tentando sem sucesso ser gentil. -Vocês são da imprensa? – quis saber a tal secretária. Ela mascava um chiclete já sem cor que podia ser visto graças ao péssimo costume que possuía de fazer isso com a boca aberta. -Alôôu! Nós temos apenas quinze anos, no máximo faríamos parte do jornal da escola! – replicou Sophie irritando-se com aquela pergunta idiota. -Então o quê querem com o senhor Blos? -Olha... Charllene, não é? – perguntou Mel lendo a placa com o nome dela que estava em cima da mesa. –É um assunto muito importante, acho até que não deveria ser discutido neste escritório. Sabe como é, questões pessoais... Talvez seria melhor se você nos desse o endereço da casa dele... -Questões pessoais? Sei... Eu adoraria ajudar as fofinhas loirinhas, mas o senhor Blos não trabalha aqui a mais de três meses. -E por que você não disse isso antes sua aberração? – bradou Sophie vendo que perdia seu tempo com aquela mulher. -Qual o problema com a bonequinha de luxo, hein? Não conseguiu vomitar a única folha de alface que comeu no almoço? –Charlene ironizou dirigindo a pergunta para Mel. Vendo que a situação tomaria um rumo diferente do que havia pensado graças à secretária louca e aos acessos pedantes de Sophie, Melissa tentou contornar o problema da melhor forma possível. -Charllene, eu sei que deve ser bem chato ficar o dia inteiro nesta sala, ter que agüentar um monte de pessoas idiotas o tempo todo e ainda ser terrivelmente mal paga pra isso, mas será que não teria ninguém aqui que talvez soubesse o endereço do senhor Blos? -Sabe, você deveria ser política garota, leva jeito pra fingir que se importa com o problema dos outros. Olha, o único da família Blos que ainda trabalha na seguradora é o dono, o senhor Benjamin. Devem conseguir alguma informação do filho com ele. Podem entrar por essa porta aqui mesmo. -Hei, você não deveria anunciar antes? – protestou Sophie colocando as mãos na cintura. -Claro benzinho. – disse a secretária sem animação apertando um dos botões do telefone. – Senhor Blos a “Cachinhos Dourados” e a “Barbie Malibu” estão entrando pra falar com o

68


senhor. Ah, e mais uma coisinha, se o meu pagamento não sair até semana que vêm o senhor não verá mais esse telefone, ok? Assustadas com a exótica secretária, Mel e Sophie entraram bem rápido na pequena, porém iluminada sala do Blos pai. O velho e gordo Benjamin não havia entendido o que Charllene quis dizer com “Cachinhos Dourados” e “Barbie Malibú”, mas a pequena interrupção o havia feito se desconcentrar da partida de “Paciência” que jogava no computador. Depois do escândalo envolvendo a seguradora, a Blos & Sons vivia ultimamente as moscas. - Sentem-se, por favor. O que traz tão bonitas jovens aqui? – perguntou ele tentando sorrir embora seus dentes não aparecessem devido ao grotesco bigode grisalho que possuía. -O senhor é pai de William Blos, não é? – indagou Mel mesmo já sabendo a resposta. -Infelizmente sou, mas agora aquele infeliz não trabalha mais aqui. Depois de envergonhar a família daquele jeito e tentar me passar pra trás, despedi-lo foi a decisão mais acertada. – disse o velho sem qualquer remorso. -Antes que o senhor pergunte, nós não somos da imprensa ouviu?! – resmungou Sophie esclarecendo as coisas. -É que nosso pai está envolvido com Blos na explosão do nosso apartamento também e ele fez isso para dar o dinheiro a amante. E agora eu, minha irmã, nosso cachorro Rex de apenas três patas e nossa mãe doente estamos na rua. Quase na miséria. Por isso precisávamos falar com William, porque ele é o único que sabe o paradeiro de nosso pai. O senhor por acaso ainda teria o endereço de seu filho? – perguntou Mel, usando toda a sua veia artística para comover o velho homem. -Aquele safado, vigarista... Nós éramos uma excelente empresa, tínhamos um escritório maravilhoso muito bem localizado no coração financeiro de Manhattan, até que ele inventou essa história de fazer seguros milionários para a elite de NY. Depois começou a agir desonestamente pelas minhas costas explodindo apartamentos pra dividir o seguro com os proprietários e acabou arruinando e jogando na lama o nome dessa empresa que eu construí com tanto afinco. Eu vou lhes dar o endereço daquele miserável. Eu sei que é meu filho, mas William não pode continuar prejudicando pessoas de bem. Tomem, aqui está, este é o mesmo endereço que eu dei para a polícia, só não sei se ele ainda mora nele. Nós rompemos relações há algum tempo. – disse o velho levantando-se para abrir a porta, já que Melissa e Sophie pareciam ansiosas para sair dali.

69


-Obrigada senhor Blos, não faz idéia de como isso pode nos ajudar. – agradeceu Mel saindo por último notando, entretanto, uma estranha foto que decorava a sala do velho Benjamin onde, por incrível que pareça, se encontrava o “Beatle” Paul McCartney posando ao lado de um rapazinho risonho. Como dois relâmpagos, as garotas passaram rápidas pela sala de Charllene, que despediu-se debochada delas, e desceram os andares do edifício em apenas poucos minutos, graças a euforia de terem conseguido finalmente aquela tão desejada informação. Na calçada em frente ao “prédio dos horrores”, Mel e Sophie vibraram de alegria pulando e se abraçando feito loucas, não se importando com os olhares admirados das pessoas que passavam pela rua. -Hoje não vai dar tempo pra verificar se esse é mesmo o endereço do Blos, mas amanhã bem cedinho nós vamos procurar a casa dele. – disse Melissa. -Ok! Você que manda por enquanto “Sherlock”, mas eu ainda tenho uma dúvida que está me incomodando muito... -O quê foi? -Eu é que sou a Barbie Malibu né?- perguntou Sophie retornando a seus acessos de futilidade. -Ai Deus... É sim “So”. - respondeu Mel rindo com aquela pergunta sem cabimento da irmã. – Tão oca quanto...

70


CAPÍTULO 9 AINDA RESTA UMA ESPERANÇA

O fato de estar cada vez mais próximo o dia em que Linda seria desmascarada era uma das poucas coisas que conseguia deixar Sophie de bom humor. Mesmo tendo de admitir que tudo aquilo devia-se a esperteza de Mel, o que decididamente não agradava nem um pouco seu lado narcisista, a garota ainda assim comemorava eufórica imaginando como seria a cara de susto da madrasta mercenária quando revelassem a traição e todo o seu plano sórdido. Cantando baixinho uma música da Beyoncé enquanto passava seu golden gloss Yves Saint Laurent diante do espelho do banheiro, Sophie nem mesmo percebeu quando Linda entrou sorrateira no quarto, aproveitando-se do fato que a porta do duplex havia sido destrancada pela arrumadeira. Após terminar o visual com um blush rosa escuro e dar um beijinho no espelho como costumava fazer para retirar o excesso de gloss, a garota abriu a porta do banheiro e quando viu os olhos ameaçadores de Linda a fuzilarem, sua única reação foi deixar cair a nécessaire onde guardava a maquiagem. -Surpresa em me ver Sophie? – ironizou a madrasta de forma tranqüila, sentada em uma cadeira. -Quem lhe deu permissão para entrar assim no meu quarto? – perguntou a garota voltando a sua personalidade atrevida e inconseqüente. -Incrível como essa também é a resposta que eu quero saber! Quem foi que lhe autorizou a entrar no meu quarto ontem, Sophie? Eu cheguei no exato momento em que você saia dele ainda de camisola. -Querida desculpe dizer isso, mas o botóx deve ter sido absorvido pelo seu cérebro e está te causando uma série de alucinações. – dissimulou a garota pegando a nécessaire Prada no chão.

71


-Escute aqui sua pirralha cretina! – gritou Linda levantando-se da cadeira e aproximandose Sophie. –Você pode ser venenosa, mas eu sou muito mais. Se eu souber que está aprontando alguma coisa contra mim, nem queira imaginar o que pode acontecer com esse seu rostinho de boneca de porcelana. Muito cuidado comigo garota, você e aquela idiota da sua irmã não sabem do que sou capaz. Dizendo isso da forma mais ameaçadora possível e com os olhos cheios de cólera, Linda saiu calmamente do quarto. Desnorteada devido às palavras raivosas da madrasta, Sophie sentou-se na cama ao mesmo tempo em que Mel e Chloe apareceram de forma repentina na suíte passando pela porta que unia os dois quartos. -Nem precisa falar, nós ouvimos tudo. – afirmou Melissa visivelmente preocupada. -Será que a vaca loira sabe o que nós descobrimos? – perguntou Sophie mordendo o lábio, um gesto típico que fazia quando ficava muito nervosa. -Acho que não “So”. Ela falou que viu você saindo, então quer dizer que não te viu com a agenda. Além disso, as únicas coisas sobre William Blos que estavam escritas nela eram as iniciais quase apagadas do nome dele. Linda acha que nós somos duas adolescentes burras e mimadas e que nunca conseguiríamos juntar as peças pra descobrir o nome do cara. -É verdade Missy... Ei, mas espera. O que essa mal agradecida está fazendo aqui? –Sophie indagou olhando desdenhosa para Chloe, já se esquecendo do que havia acabado de ocorrer. -Eu tenho nome caso você não se lembre. – revidou a garota sem medo, como nunca tinha feito antes. -Sophie não começa! Ok? A Chloe veio trazer minha fantasia pra festa de aniversário da Vicky que eu fui convidada e, além disso, ela vai nos ajudar com o Blos. É melhor descermos rápido porque o táxi já está nos esperando. -Ou, ou, ou stop agora mesmo! Por que um táxi e no que a sua agora puxa saco oficial pode nos ajudar? – perguntou a irmã colocando-se na frente das duas para impedir a passagem. -Ô Barbie, raciocine apenas uma vez na vida. Imagine a gente chegando com a limusine, que é algo super chamativo e apertando a campainha do amante de nossa futura madrasta que com certeza conhece o nosso rosto. Ontem a noite eu estive pensando e percebi que nós nos arriscamos muito indo até a seguradora. Não podemos correr o risco de estragar o nosso plano mais uma vez. -É, faz sentido... Só que você deveria ter falado comigo antes de chamar essa daí.

72


-Tudo bem. Mas agora chega de conversa e vamos embora. – ordenou Melissa. –Nós já perdemos tempo demais nesse quarto. Não fazendo a menor idéia se a pista que estavam seguindo as levaria realmente ao tal William Blos e receosas pelo que as esperava no endereço que o senhor Benjamin havia lhes dado, as garotas saíram o mais rápido que puderam do hotel Meditteranean e tomaram um táxi até Chelsea, onde o amante de Linda supostamente moraria. Antes de o carro adentrar a extensa e pouco arborizada rua daquele bairro residencial, Chloe e Melissa procuraram repassar apenas mais uma vez a desculpa que a garota daria para o tal homem se eles ficassem frente a frente. Apesar de Chloe estar muito nervosa e morrendo de medo de estragar tudo o que a amiga havia planejado, sua aparência era a mais calma possível. -Pronto. Chegamos onde à senhorita pediu. – alertou o taxista. – Estamos a cinco prédios do número mil duzentos e quinze como ficou combinado. -Ótimo, assim nós mantemos uma boa distância e o Blos não vai conseguir ver a gente. Chloe, você sabe o que fazer. – disse Mel segurando as mãos da amiga em sinal de boa sorte. Um pouco insegura Chloe desceu devagar do táxi e ao subir à calçada, andou com toda calma até a casa de Blos, embora algumas vezes tivesse se virado para dar umas olhadelas nervosas em direção ao carro no qual as amigas estavam. -Ela vai estragar tudo com certeza. – sentenciou Sophie colocando seus óculos escuros Dolce & Gabbana achando que com eles ninguém a reconheceria. -Não vai não! Eu confio na Chloe. – afirmou Mel enquanto olhava fixo para a amiga que agora subia a pequena escada que levava a porta do número mil duzentos e quinze. Devido a um frondoso arbusto que crescia muito rente a parede do suposto prédio de Blos, ficou impossível para Sophie e Melissa verem a amiga do ângulo que estavam. Por mais que tentassem se esgueirar para a esquerda no banco do táxi com a intenção de vê-la, o máximo que conseguiram foi observar a ponta esvoaçante da saia Miu Miu de Chloe que tremulava ao sabor da leve brisa de Chelsea. Mesmo ansiosas para saberem se o amante de Linda ainda morava naquele apartamento, as gêmeas se conformaram em esperar a volta da amiga bem quietinhas no carro, já que não seria nada prudente ficar se exibindo pelo território inimigo. -A Vicky não me disse que você iria à festa dela. –comentou Sophie iniciando aquela conversa apenas para matar o tempo.

73


-É, ela me convidou ontem à noite por telefone. Mas eu só vou porque o Aaron insistiu. – respondeu Mel. -Ah, é mesmo... O projeto de rock star vai estar lá. Mas me diz uma coisa, com qual fantasia você vai à festa? Não, espera aí, não responde não.... Hmm, deixa eu pensar... Ah já sei, de ativista mal cheirosa e peluda do Green Peace! Não?! Hmm... Então você vai de baleia Orca, pra relembrar os seus velhos tempos de alta concentração de gordura adiposa, acertei? -Sophie, quando é que você vai entender que pensar é uma atividade de risco pro seu cérebro?! – perguntou Melissa sarcástica, sem se dar conta que o taxista marroquino se divertia com a discussão das duas. – Não adianta maninha, você só vai ver a fantasia na hora da festa. Isso se conseguir se agüentar de tanta curiosidade até lá... -Curiosidade? Eu? Alguém aqui está se achando o centro das atenções ultimamente hein! -Melhor eu achar que sou alguma coisa, do que ser uma Barbie anoréxica de cérebro pequeno e ego inflado. -Ei! Quem é você pra falar mal de mim sua caipira gótica mal vestida?! Olha só pra esse tênis nojento que não sai do seu pé. Aposto que se tirar ele agora vai matar a gente com essa arma química de destruição em massa. – revidou Sophie apontando para o All Star cinza de Mel. -Não irmãzinha, ele não tem todo esse poder mortal que você pensa, mas até que se for arremessado com força dá pra fazer um belo estrago no rostinho de uma Patty metida. – disse a garota raivosa ameaçando tirar o tênis. Sabendo muito bem que Melissa seria capaz de cumprir a ameaça, Sophie saiu o mais rápido que pode do carro dando gritinhos agudos que tornavam a cena hilária. -Sua imbecil! Você quer que o Blos veja a gente é? – reclamou Mel colocando a cabeça pra fora da janela do táxi. -Calma meninas, podem relaxar. – disse Chloe aparecendo de repente ao lado do carro. – Ele não mora mais aqui, se mudou há uns cinco meses atrás. -O que? Quer dizer então que nós tivemos todo esse trabalho pra nada? – perguntou Sophie tirando seus óculos escuros. Ainda querendo acreditar que seu plano não tinha ido por água a baixo, Mel saiu angustiada do carro e pediu que Chloe explicasse pausadamente e com todos os detalhes, o que havia acontecido na agora ex-casa de William Blos.

74


- Bem, quando cheguei lá, apertei o interfone e então uma mulher mandou que eu subisse. Ela me atendeu na porta do apartamento e daí eu disse tudo aquilo que nós tínhamos combinado e perguntei sobre o Blos, mas a mulher não sabia de nada. Comprou a residência dele há cinco meses e depois disso nunca mais o viu. Eu até perguntei se ele tinha deixado algum endereço ou telefone, mas o cara sumiu sem deixar rastros. -Tem certeza que ela não era uma comparsa dele, quem sabe uma outra amante? O desespero agora levava Melissa a levantar todas as possibilidades. -Não. Tinha umas três crianças brincando e acabando com o lugar, sem falar no bebê que se esgoelava em algum canto. Era uma típica família americana, em um típico sábado de férias escolares. – argumentou Chloe lançando um olhar de “eu bem que tentei para a amiga”. Pensativa Mel recostou-se no táxi e por alguns minutos fitou o asfalto cinza daquela Rua de Chelsea. Não se conformava em ter chegado tão perto de desmascarar Linda e agora voltar em apenas poucas horas ao mesmo frustrante ponto de partida. -Aquela vaca loira tem uma sorte gigantesca. – resmungou Sophie com um aparente desânimo. -Não, nem tudo está perdido. Aquela mulher do jornal que explodiu o apartamento com o Blos pode nos ajudar. – arriscou Mel sabendo que aquele seria seu último trunfo. -A que foi comparsa dele e que mentiu pra polícia sobre o envolvimento do cara na explosão? Não mesmo, essa tal de Louise Richardson deve estar foragida e bem longe daqui com o dinheiro que ela recebeu do seguro. – afirmou Sophie. - Espera um pouco. Você disse Louise Richardson? – quis saber Chloe com um olhar interrogativo. -É. Por quê? -Gente, eu sei onde ela mora hoje! Minha mãe estudou com ela na universidade Columbia. Sempre foram grandes amigas e meus pais foram visitá-la uma vez depois que o escândalo da explosão foi parar no “Times”. Ela está aguardando o julgamento em liberdade, mas eu acho que pode nos ajudar com alguma informação sobre o Blos. Reanimada com aquela coincidência incrível, Melissa finalmente começou a acreditar que a sorte estava do seu lado. Falar com Louise Richardson seria melhor ainda do que apenas encontrar o endereço do amante de Linda, pois a desconhecida mulher poderia esclarecer uma série de coisas sobre ele e assim, conhecendo intimamente o inimigo, ficaria bem mais fácil pegá-lo.

75


CAPÍTULO 10 VOCÊ É UM ANJO

De férias em um balneário turístico no Pacífico Sul, o senhor e a senhora McQueen não faziam idéia da enorme festa que se realizava a milhares de quilômetros dali, no terraço do badalado bar 230 Fifth. Embora a filha tivesse lhes dito que faria apenas uma reuniãozinha para comemorar seu aniversário, já que segundo ela a maioria de seus amigos estava aproveitando o verão escaldante nos Hamptons ou em Martha’s Vineyard, Vicky na verdade parecia ter convidado Nova York inteira, a julgar pela enorme quantidade de pessoas espremidas por metro quadrado ali. A decoração da festa parecia ter sido preparada para uma superprodução Hollywoodiana ao ar livre. Havia vários holofotes apontando seus fachos de luz para o céu de Manhattan enquanto pisca-picas amarelos entrelaçados nas palmeiras e plantas do lugar iluminavam o ambiente em conjunto com uma grande quantidade de velas vermelhas que se encontravam espalhadas pelas mesas. A maioria dos bancos de madeira do terraço havia sido retirada para que os convidados pudessem circular com facilidade e curtir o verdadeiro Halloween fora de época que Vicky havia planejado para seu aniversário de quinze anos. No deck oeste do jardim que havia sido adaptado para funcionar como um pequeno palco, a Nonsense tocava animada para dezenas de pessoas, em sua maioria garotas, que se aglomeravam enlouquecidas diante da banda. Mesmo M.J. estando fantasiado de Slash, o exótico guitarrista do Guns ‘n Roses -e isso chamasse bastante a atenção pela peruca e cartola que cobriam quase todo seu rosto- ainda assim era para Aaron que as meninas olhavam. Sem querer ele havia arrumado uma fantasia que contribuiu para arrancar mais suspiros daquelas garotas, já que a casaca azul marinho com arabescos o fazia parecer ter acabado de sair de um conto de fadas.

76


-Nossa! Por que esse gato não mia no meu telhado hein?! – perguntou Vicky enquanto ajeitava sua dourada e chamativa roupa de Cleópatra. -Pra mim ele é gato vira-lata. Além disso, eu tenho certeza que já vi aquela fantasia em algum lugar. – afirmou Sophie rodopiando sem parar a cumprida cauda negra de sua fantasia de gatinha. -É, eu também tive esta impressão. Ele deve ter comprado no mesmo lugar que nós. E falando em fantasia, onde está a sua irmã? Estou morrendo de curiosidade pra ver de que tipo de aberração ela vai se vestir. Já que eu a tive de convidar por causa do Aaron espero que a sua maninha pelo menos me divirta aparecendo com uma fantasia beeeem ridícula. -Conhecendo a Missy como eu conheço com certeza ela vai colocar alguma coisa super brega só pra me irritar. Ela adora bancar a coitadinha que odeia o luxo. Ainda bem que nós não somos gêmeas idênticas. Imagine só se ela tivesse o meu belo rosto e essa alma de pobre?! Seria vergonhoso pra minha reputação. – imaginou Sophie enquanto pegava uma taça de cosmopolitan da bandeja de um garçom que passava naquele momento. Alguns metros longe das duas, passando pelas portas de vidro que davam para o terraço, Mel e Chloe haviam acabado de chegar a cobertura do bar 230 Fifth. Embora Melissa não se sentisse muito confortável devido à armação das asas de sua fantasia de anjo, era impossível olhar para ela e não achar que havia de fato caído do céu. Não era a garota mais linda daquela festa, afinal Chloe também estava deslumbrante em seu traje rosa de bailarina, mas o vestido branquíssimo de renda que Mel vestia e as plumas que ostentava em suas asas davam-lhe um ar doce, bem suave. Depois de deixarem os presentes de Vicky em um canto da entrada onde tantos outros se empilhavam, Mel e Chloe andaram com dificuldade até o deck oeste, devido ao grande número de pessoas. Sob as luzes de diversas lâmpadas coloridas e refletores que iluminavam o lugar especialmente para o show da Nonsense, Melissa sentiu o coração bater mais forte ao ver Aaron cantando com muita animação no palco improvisado. -Já reparou quantas garotas estão de olho no seu príncipe encantado? – perguntou Chloe falando no ouvido da amiga devido aos acordes estridentes que soavam muito alto no terraço. -Já, mas o que é que eu posso fazer? Ele é lindo, e ainda vem fantasiado como se estivesse pronto pra dançar a valsa com a Cinderela... Acho que você e a Sophie são as únicas que não querem ser a princesa dele.

77


-É, mas você pode ser. –Chloe insinuou com um olhar desafiador. -Ah, ta bom! Com a Marilyn Monroe e a salva-vidas de S.O.S. Malibu tão coladas ao palco acho difícil que ele possa me ver aqui. – ironizou Mel referindo-se as duas garotas de fantasias nada comportadas que tentavam chamar a atenção de Aaron. Após tocar as últimas notas da música Dirty Little Secrets do All American Rejects e receber uma salva de palmas acompanhada de alguns gritos atrevidos de lindo e gostoso que o deixaram um pouco sem graça, Aaron encostou a guitarra em uma das caixas de som que circundavam o mini palco e olhou em volta como se estivesse à procura de alguém. Sem que ele esperasse, seus olhos verdes conseguiram encontrar Melissa e Chloe distantes apenas alguns metros, escondidas pelas folhas de uma pequena palmeira que ficava bem perto da entrada do terraço. Depois de avisar a Doug que a Nonsense daria um “break” por alguns minutos e chamar M.J. para lhe acompanhar , Aaron e o garoto desceram do palco e se espremeram em meio a infinidade de garotas que suspiravam ao vê-lo passar, indo logo em seguida até o lugar onde as amigas estavam. Quando Aaron parou diante das duas e olhou para Mel seus olhos brilharam de uma forma diferente. Apesar de conhecê-la desde os cinco anos de idade ele teve certeza que nunca a tinha visto tão bonita como naquela noite. Pela primeira vez Aaron havia ficado nervoso com a presença dela. Sentia uma sensação estranha, um certo nó na garganta que ele mesmo não conseguia entender o porquê. Até quis elogiar Melissa de forma poética comparando sua beleza a uma manhã primaveril, mas a única frase que saiu de sua boca foi a mais óbvia, porém verdadeira possível: -Você está linda, sabia? -Obrigada “Dentinho”, você também está. - ela respondeu visivelmente encabulada. - É uma fantasia de príncipe encantado a sua, não é? -Príncipe sim, encantado não! Este quem vos fala é Hamlet, o sombrio e angustiado príncipe do romance de William Shakespeare. – floreou Aaron, fazendo uma pomposa reverência para as garotas. - Hmmm... Não sabia que Hamlet usava tênis All Star e tinha cabelo arrepiado. – ela salientou. -Bem Lady “Pimenta”, vamos dizer que eu tenha dado um toque “teen” ao clássico. -Cara, pra que esse discurso todo? Fala logo que nós não encontramos os sapatos na sala de figurino da escola. – revelou M.J. enquanto tentava tirar algumas mexas da peruca preta que insistia em esconder seus olhos.

78


-Ah, então é por isso que eu estava achando que conhecia essa roupa de algum lugar. É da peça que a companhia de teatro da escola apresentou no fim do ano passado! Mas espere aí, como vocês entraram na Sinclair Academy? A escola não está fechada por causa das férias? – quis saber Chloe. Sem graça devido à pergunta da garota, Marvin baixou a cabeça. Não havia outra maneira de responder a Chloe sem mencionar o fato de que seu pai era o faxineiro da Sinclair Academy, algo que embora fosse uma profissão digna, sempre fez M.J. ser o maior alvo de chacotas da turma. -O senhor Smith, pai do Marvin, tem quase todas as chaves de lá. E como a gente estava meio sem grana fizemos um pequeno empréstimo, mas amanhã mesmo nós vamos devolver. – prometeu Aaron. -Hmm... Sei. Vocês vão tocar mais algumas músicas? -Não Chloe, depois de Dear Alice já vamos encerrar. Nós combinamos uma apresentação pequena com a Vicky e, além disso, ela contratou os caras do Positron para serem os DJ’s da noite. Por mais que o pessoal da escola goste da Nonsense não dá pra concorrer com eles. -Ah, nem vêm ! – interrompeu Marvin tirando a cartola e a peruca de Slash. – No que diz respeito ao gosto feminino a nossa banda dá de dez à zero nesses DJ’s aí. É claro que parte disso é por causa do outro irmão perfeito ser o vocalista, mas o que interessa é que eu tenho certeza que todo mundo prefere a gente. -É... De Dentinho para o outro irmão perfeito foi uma grande evolução. – brincou Mel tentando não demonstrar ciúmes. Sorrindo, Aaron balançou negativamente a cabeça, como se não concordasse com as palavras de M.J. . Apesar das dezenas de garotas que disputavam sua atenção, ele não acreditava que fosse assim perfeito como o apelido dizia. -Cara é só olhar em volta que você vai ver um bando de garotas suspirando por você. – afirmou Marvin apontando para a multidão que os cercava. Mas ao contrário do que M.J. queria lhe mostrar, Aaron não viu um bando de adolescentes histéricas babando por ele. Ao olhar para sua esquerda, ele deparou-se com um antigo inimigo da escola fantasiado de imperador Romano e fitando Melissa com um olhar desejoso a poucos metros de distância. Aaron sabia que Daniel Russo poderia ter a garota que quisesse naquela noite, afinal depois que ele foi transferido para a Trinity School havia ficado muito forte e agora fazia um sucesso enorme com o sexo feminino. Mas

79


na mesma hora Aaron soube também que a julgar pelos olhares de cobiça do garoto para Mel, a antiga inveja que Russo mantinha sobre tudo que ele possuía não havia morrido quando o garoto saiu da Sinclair Academy. Não que Aaron e Mel tivessem alguma coisa. A questão é que era isso que Russo pensava e não pouparia esforços para tirar Mel de Aaron naquela noite. Seduzir era seu jogo preferido, mas seduzir a garota de seu antigo rival teria um gostinho melhor ainda. Por alguns segundos Aaron fitou o “Don Juan” de meia tigela seriamente, com um ar de poucos amigos, mas Daniel ignorou os olhares duros do garoto, pois se encontrava ocupado demais analisando todos os detalhes do corpo de Mel. É, definitivamente aquela conquista não seria nenhum sacrifício para Russo. -Alô, Terra para Aaron, Terra para Aaron, temos uma apresentação para terminar. – brincou M.J. tentando chamar a atenção do garoto que agora encarava Daniel com os punhos cerrados. -Eu já ouvi Marvin, estava pensando nisso agora mesmo! Garotas por que vocês não vêm com a gente e ficam ao lado do palco para dar uma força à banda?! – perguntou ele, logo depois começando a puxar Mel pela mão sem nem ao menos esperar por sua resposta. Ainda que não tivessem entendido a razão de toda aquela pressa repentina, Chloe e Mel acabaram seguindo os dois integrantes da Nonsense até bem perto do palco, onde se espremeram entre a Marilyn Monroe e a salva vidas de S.O.S Malibu. Com Melissa tão perto e Russo bem longe dela, Aaron agora conseguiria concentrar-se e dar o melhor de si na última música que a banda tocaria naquela noite. E foi assim, aliviado por saber que tinha livrado a amiga de um cafajeste, que o garoto começou a tocar com empolgação as cordas de sua velha guitarra Les Paul. Em menos de um minuto o apartamento inteiro começou a pulsar no ritmo do punk rock agitado da Nonsense. Era incrível ver todas aquelas pessoas se divertindo e pulando ao som da voz afinada de Aaron, que interpretava diante do microfone a música Dear Alice com uma paixão incomparável. Seguindo o líder da banda, M.J. e Doug também pareciam muito mais animados do que antes. Marvin, agora sem a peruca, pulava facilmente de um lado pro outro no palco com seu baixo cheio de adesivos de caveiras e vez ou outra chegava perto do microfone de Aaron para fazer sua parte no coro da música, enquanto Doug, fantasiado de Neo do filme Matrix, exibia-se espancando a bateria e lançando sorrisos maliciosos para várias garotas.

80


O verão Nova Yorquino era sempre muito quente, é verdade, mas a Nonsense estava definitivamente conseguindo fazer aquela noite pegar fogo, incendiando tudo com as notas musicais que saiam do baixo de M.J. e da guitarra de Aaron. Mesmo Dear Alice sendo uma canção ainda inédita, não demorou muito para que todos na festa decorassem o refrão e cantassem junto com a banda, fazendo um coro de dar inveja. Era uma música de ritmo agitado e letra fácil, que grudava como chiclete na cabeça e não queria mais sair. Because she is... Falling, falling, falling Oh, baby you’re going down Honey, honey, honey I’m holding my hands out Leaving, leaving, leaving Is easy, do it now Darling, darling, darling I’ll always be around Be arooooound, be around… And your time in wonderland is running out! Até aquele momento tudo parecia caminhar para um encerramento triunfal da Nonsense, quando Aaron viu apenas Chloe dançando espremida em meio à multidão de adolescentes ao redor do palco. Surpreso por Mel não estar ao lado dela, o garoto sentiu que toda a empolgação havia sumido de seu corpo, como se tivesse sido tragada por um buraco negro. Em vez de pular e dançar com a guitarra do jeito que estava fazendo antes, sua única preocupação agora era saber onde Melissa havia se metido. Tentando disfarçar um certo nervosismo que começava a dominá-lo, Aaron andou de um lado ao outro do palco enquanto fazia seu solo de guitarra e olhava algumas vezes para as dezenas de garotas que estavam por ali, na esperança de que veria a amiga a qualquer momento. Mas para sua decepção Mel não estava em lugar algum, o que acabou fazendo com que seu cérebro imaginasse várias cenas em que ela estava nos braços de Russo em algum canto do apartamento de Vicky.

81


Torturado por esses pensamentos sem sentido que estranhamente o deixaram raivoso, Aaron nem mesmo esperou pelos aplausos dos convidados. Assim que os últimos acordes do baixo de Marvin soaram e a multidão de adolescentes explodiu em aplausos e gritos, ele jogou a paleta no chão, encostou sua guitarra na mesma caixa de som de antes e desceu do palco indo como uma flecha ao encontro de Chloe. -Cadê a Mel? – perguntou ele visivelmente apreensivo. -Foi pegar alguma coisa pra beber. Ela já deve estar voltando e... Mas Aaron sequer ouviu a última frase da garota. Preocupado, abriu caminho em meio ao mar de gente diante dele decidido a encontrar Melissa, mesmo que tivesse de vasculhar o prédio inteiro para isso. Após sair da parte oeste do terraço onde recebeu um bando de cumprimentos pelo ótimo show e tapinhas de encorajamento nas costas ao qual não respondeu, o primeiro lugar que Aaron decidiu procurar pela amiga foi num outro mini terraço que existia bem em cima do bar onde vários barman’s faziam malabarismos com garrafas de Absinto e Uísque. Aaron não sabia o porquê, mas em sua mente aquele seria o lugar perfeito para Russo levar Mel, afinal tinha uma vista maravilhosa da cidade, além de ser bem mais reservado que os outros cantos da cobertura. Assim ele poderia jogar seu charme de conquistador barato sobre ela com mais facilidade sem ser incomodado por ninguém. Raivoso só de pensar na cena dos dois juntos, Aaron subiu com pressa a escada que levava ao mini terraço, mas ao invés do que havia imaginado encontrou apenas Sophie sentada no chão, chorando e soluçando feito uma criança. Sem ter idéia do que fazer, o garoto ficou parado alguns segundos na escada, enquanto uma pequena guerra se desenrolava em seu cérebro. De um lado havia a vontade enorme de ficar ali e conversar com sua paixão sobre o que tinha lhe acontecido, já do outro o desejo de salvar Mel da ameaça chamada Daniel Russo que provavelmente estaria rondando a amiga naquele momento. Com lágrimas escorrendo pelo rosto inchado de tanto chorar, Sophie parecia não se importar com a presença de Aaron. Estava tão triste por ter visto Oliver combinar um encontro romântico com uma garota, sábado no restaurante Nobu e depois ficar aos amassos pelos cantos com outra, que nada mais conseguiria piorar seu humor. Nem mesmo se olhar no espelho e constatar que sua maquiagem esfumada havia se transformado num borrão disforme horrível.

82


-Veio apreciar a vista, Aaron? –ela perguntou secando as lágrimas e catando a tiara com orelhinhas de gato que havia atirado furiosa no chão do terraço minutos antes. -Bem, na verdade eu estava procurando a Mel... Mas agora fiquei preocupado com você, aconteceu algo sério? -Eu preferiria não falar sobre isso. Só quero te perguntar uma coisa, mas é pra responder com toda a sinceridade, está bem? -Ok, pode falar. – prometeu Aaron aproximando-se dela. -Honestamente pra você, eu sou uma pessoa ruim? Por favor, diga a verdade, não precisa ter medo de me magoar. -Olha, às vezes você é um pouco esnobe e irritante. – afirmou ele ajoelhando-se diante de Sophie. – Mas eu sei que existe uma garota muito legal por trás dessa fachada de princesinha do Upper East Side. Sophie pareceu um pouco desconcertada com a resposta de Aaron, já que não era isso que ela esperava ouvir, pelo menos não com tanta sinceridade, mas acabou esboçando um leve sorriso para ele. -Sabe Stonewell, você não é tão chato como eu pensava. – disse ela levantando-se. – Agora eu sei por que a Mel gosta tanto de você. -Ei, você já vai? Não quer conversar mesmo sobre o que aconteceu? -Não. Já ouvi o que precisava. Acho melhor eu retocar a maquiagem. Não quero que todos me vejam com esses olhos vermelhos e inchados. Afinal, eu tenho uma reputação a zelar, não é? -É... claro... sua reputação. - concordou Aaron meio que desapontado vendo-a ir sem poder fazer nada. Já descendo a escada, Sophie parou de repente, pensou várias vezes na atitude louca que seu cérebro pedia-lhe para tomar, até que se encheu de coragem e num ímpeto decidiu voltar para o mini terraço. -Aaron, eu queria te perguntar outra coisa. –ela disse num fôlego só. Pego de surpresa, o garoto tirou os olhos da vista magnífica do prédio Empire State a sua frente e virou-se na mesma hora para encarar Sophie. -Será que você gostaria de jantar comigo no restaurante Nobu, sábado, às nove? -Com você? Sábado? – Aaron repetiu meio embasbacado. - Hã...claro, claro eu adoraria! -Então fica combinado assim: a gente se encontra no saguão do hotel oito e meia está bem? Não se atrase!

83


Dizendo isso Sophie deixou o mini terraço sem se dar conta do quanto Aaron havia ficado surpreso com aquele convite. Por mais que fosse estranho o fato de que até ontem ela o ignorava, Aaron não quis pensar nisso e muito menos em como Oliver iria reagir sabendo que os dois teriam um encontro, afinal ele estava tão feliz que sua única vontade era contar para sua melhor amiga o que tinha acontecido. E foi naquele momento, como se tivesse acabado de sair do mundo das maravilhas, como dizia sua música, que Aaron caiu na realidade. Distraído com Sophie ele havia se esquecido por completo de Mel e Russo, e conhecendo o conquistador barato como ele conhecia, era preciso agir logo, antes que aquelas cenas torturantes que tinha imaginado minutos atrás se tornassem reais. Tomado então por uma sensação estranha que nada tinha haver com a felicidade por ter um encontro com Sophie ou mesmo o ódio por Daniel, Aaron começou a descer as escadas do mini terraço e prometendo a si mesmo que encontraria Mel, lançou-se mais uma vez a procura da garota por toda a cobertura do bar 230 Fifth. Ele não queria admitir, mas todo aquele empenho tinha uma simples razão: ciúmes...

*

*

*

*

*

Do outro lado do terraço, Melissa havia acabado de sair do bar que ficava perto do deck leste. Com dois copos de refrigerante nas mãos e as duas asas nada práticas de sua fantasia, passar pela multidão que dançava enlouquecida sob uma agitada música trance havia se tornado um desafio. Mel até tentou se espremer pelos minúsculos espaços que ainda sobravam, mas mesmo com o máximo de cuidado que teve, o destino dos refrigerantes acabou sendo o terno roxo de um garoto fantasiado de Curinga que resmungou de raiva. Depois das milhares de desculpas e ainda com muita sede, ela decidiu voltar para onde Chloe estava, porém antes que pensasse em seguir na direção do deck oeste, uma suave mão segurou seu braço. -Até que enfim eu te encontrei. – disse a voz difícil de ser reconhecida devido à música alta.

84


Ao voltar-se para onde viria o som, Melissa deparou-se com um rosto que nuca tinha visto antes. Segurando seu braço estava Daniel Russo olhando-a sedutoramente com seus olhos castanhos. -Eu conheço você? – perguntou Mel tentando livrar o braço das mãos do garoto. - Não, mas pelos olhares que você me deu acho que nem precisamos, já fomos mais do que apresentados. -Olhares?! Você é louco ou o quê?! Eu nunca te vi na vida garoto! -Ah, que isso gatinha. Eu sei que você me deu umas boas olhadas, é normal que você prefira um cara como eu do que um franguinho metido a Rock Star. Então para com esse jogo de “gato e rato” e vamos logo ao que interessa. – disse Russo puxando Mel para perto de seu corpo. -Ei, que isso?! Me solta garoto! – gritou Mel fazendo força para se afastar dele. -Me dá logo um beijo, vai. Não se faça de difícil, você quer tanto quanto eu gata. –Russo afirmou pressionando Mel contra seu corpo. Mesmo sobre os protestos e gritos dela, Daniel ainda assim não a soltou e acabou por tentar beijá-la à força. Enojada, a garota debateu-se de um lado para o outro tentando evitar que aquele idiota conseguisse o que queria, quando de súbito alguém puxou Russo pelo cabelos com tanta força que quase o fez cair no chão. -Solta ela seu babaca! – bradou Aaron com os olhos cheios de fúria. -Ora, ora, se não é um dos irmãos perfeitos. – Russo disse rindo enquanto se recompunha. - O que foi? Não gosta de um pouco de competição? Ah, já sei. Tem medo de perder pra mim agora que eu não sou mais aquele nerd fracote que morria de medo de você! Está vendo isso aqui? São músculos cara, que vão fazer um estrago nesse seu rostinho de bom moço. –Daniel acrescentou apontando para os músculos gigantescos de seu braço. -Russo eu odeio violência e não vou gastar meu tempo brigando com você, então cai fora e vê se supera essas suas neuras em casa. Vamos Mel. –disse Aaron, enlaçando a mão da amiga e dando as costas para o antigo rival. Irado com a atitude racional do garoto, Daniel que não gostava nem um pouco de sair por baixo, partiu pra cima de Aaron feito um verdadeiro touro. Na mesma hora abriu-se um enorme círculo no meio do terraço, onde as pessoas começaram a se aglomerar em volta para ver a briga. Sob os gritos de “luta, luta, luta” que saiam da boca de quase todos que estavam ao redor dos dois e se deliciavam com aquilo Aaron deu um potente soco de direita em Daniel. Num primeiro momento o canalha pareceu ter ficado desnorteado, até

85


que segundos depois sacudiu a cabeça e revidou o golpe com toda a força que possuía no corpo. Não foi um soco certeiro, porém o suficiente para fazer Aaron se desequilibrar e cair de costas no chão. Aproveitando-se disso Daniel sentou-se em cima do antigo rival, parecendo um daqueles lutadores de vale-tudo, e após erguer seu braço o mais alto que pode, golpeou Aaron fazendo seu supercílio sangrar. Achando que daria uma surra no garoto, Russo não percebeu uma pequena movimentação atrás dele, apenas sentiu o impacto de alguma coisa quebrando em sua cabeça e depois disso, caiu tonto no chão gritando de dor. -Vem comigo, Aaron! – ordenou Mel, ajudando-o a se levantar depois da corajosa “jarrada” que dera na cabeça de Daniel. O garoto apoiou o braço em Melissa e com um pouco de dificuldade ela o levou para a cozinha do bar onde poderia lavar o ferimento dele e ficar bem longe daquele idiota chamado Daniel Russo que Mel havia conhecido a menos de dez minutos, mas já odiava mortalmente por ter feito aquilo com seu melhor amigo. -Senta aí, deixa eu cuidar de você. – disse ela carinhosa, apontando para a bancada que ficava ao lado de um fogão industrial. Os funcionários contratados para fazer o Buffet da festa não se sensibilizaram nem um pouco com a situação de Aaron e continuaram seus afazeres na cozinha ignorando os dois como se Melissa e Aaron não estivessem ali. -Mel, não foi nada. – ele disse tentando amenizar a preocupação da amiga. -Nada?! Aaron você está sangrando! Eu vou limpar um pouco esse machucado, mas depois nós vamos pro hospital! -Hã?! Não mesmo, foi só um corte pequeno e olha só, eu nem preciso levar pontos. – retorquiu o garoto passando levemente a mão sobre o ferimento, na tentativa de demonstrar que não havia sido nada grave. Mas Mel não quis lhe dar ouvido. Ao vasculhar os armários da cozinha em busca de alguma coisa que servisse para limpar todo aquele sangue, a única coisa que ela encontrou foi um rolo de papel toalha esquecido no fundo da prateleira. -Já que não temos muitas opções, isso vai ter que servir. – conformou-se a garota umedecendo um pouco o papel com a água que jorrava da torneira da pia. Aaron mesmo machucado e furioso com Russo ainda assim sentiu-se bem com toda aquela atenção que Mel estava lhe dando. Não sabia por que, mas estar ao lado dela e ver o

86


quanto a garota se preocupava com ele fazia seu coração bater mais rápido do que de costume. Com suavidade para não machucá-lo mais, Melissa limpou todo o sangue que estava ao redor do supercílio dele, o que a fez constatar que de fato não havia sido um corte profundo como ela pensara. Ainda limpando o ferimento do garoto, Mel sentiu um certo arrepio na espinha quando viu os olhos cor verde esmeralda de Aaron fitarem os dela docemente. -Você é um anjo, sabia? – disse ele afagando de forma suave a mão da garota, enquanto ela ainda limpava seu rosto. -E você é um maluco! – rebateu Mel sorrindo. – Não precisava ter feito aquilo por mim, brigar não leva a nada. -Eu sei, mas é que quando eu vi o cafajeste do Russo com aquelas mãos sujas em cima de você eu perdi a cabeça. Não quero que nenhum idiota te magoe. Nunca vou deixar isso acontecer, eu juro! – prometeu o garoto descendo da bancada onde estava sentado. Apesar do pequeno corte no supercílio e a fantasia manchada por algumas gotas de sangue, nada conseguia acabar com o ar charmoso que Aaron possuía. Mel até tentou desviar olhos, mas era difícil ignorar a presença daquele garoto tão perto dela, lançandolhe um olhar que faziam todos os seus pensamentos se confundirem. Calados, ela e Aaron se olharam imóveis durante um bom tempo, até que Chloe e Marvin surgiram na cozinha interrompendo aquele momento tão estranho entre os dois. -Cara que briga foi aquela?! Eu pensei que o Russo ia te matar. – disse M.J. sem se dar conta do comentário idiota que havia feito. -Meu Deus! Você está bem Aaron? – quis saber Chloe franzindo a testa de nervoso enquanto olhava o supercílio aberto do garoto. -Calma gente, eu vou ficar legal. Foi só um corte bem pequeno, não se preocupem. -Cara, você sabe que é como se fosse um irmão pra mim e que eu daria minha vida pra te proteger, mas quando eu vi o tamanho do Russo minhas pernas não conseguiram sair do lugar. Ele está um monstro, dá medo só de ver. Nem parece que tem quinze anos! Como será que ele ficou tão forte daquele jeito? Será que ele está usando anabolizantes? -Marvin, acho que isso não é importante quando se está com uma grande dor de cabeça e um dos supercílios aberto. – repreendeu Mel após ver Aaron levar as mãos à cabeça e fazer uma careta típica de dor.

87


-É, desculpa irmão, foi mal. É melhor você ir por hotel, pode deixar que eu levo a sua guitarra pra minha casa. -Valeu M.J., eu não estou mesmo com cabeça pra pensar nisso. Amanhã de manhã eu passo lá pra pegar. – disse Aaron se despedindo do garoto dando dois tapinhas no ombro dele. Sem Chloe, que deu um tchauzinho ao mesmo tempo que lançava um certo olhar de entendimento para a amiga quando disse que ainda ficaria na festa, Mel e Aaron dirigiramse sozinhos até a saída do terraço sem terem por sorte encontrado com Daniel Russo que, depois de tanto perambular pela cobertura, agora se vangloriava para um grupinho de meninas por ter dado uma lição no famoso Irmão Perfeito. Após pegarem um táxi com destino ao Hotel Meditteranean, Aaron se acomodou na poltrona do carro e como uma criança manhosa encostou a cabeça no ombro de Mel, que começou a fazer um suave cafuné no cabelo dele enquanto conversavam. Quando a noite terminou para a garota e ela já se encontrava sozinha em sua suíte, as surpreendentes confidências que Aaron havia lhe feito no banco do táxi ecoaram duras e avassaladoras pelo seu pensamento. Mel não queria acreditar, mas ele e Sophie teriam um encontro e não havia nada que ela pudesse fazer em relação a isso, a não ser chorar de raiva.

88


CAPÍTULO 11 IDA AO SOHO

-Sinceramente não sei o que eu estou fazendo aqui. –resmungou Aaron de terno e gravata, olhando-se entediado no espelho gigantesco que ficava ao lado dos provadores. Sentado perto dele, em uma poltrona preta super confortável, Marvin recuperava-se boquiaberto do susto que havia levado. Não conseguia acreditar que naquela loja a maioria dos ternos valiam quase o salário anual de seu pai. Afinal, entre o Armani que Aaron estava experimentando para o casamento da senhora Stonewell, e o terno que sua própria mãe havia feito com sua pequena máquina de costura para a formatura da irmã, a única diferença real encontrava-se nos dizeres da etiqueta. -Linda ficaria emocionada se o visse agora Aaron. Nunca vi um terno ficar tão bem em uma pessoa como ficou em você, acho que nem precisará de ajustes. –elogiou Albert aproximando-se do futuro enteado. -Obrigado senhor Fenner, mas eu não gosto muito desse estilo engomadinho. Meu jeito é bem diferente desse cara que eu to vendo no espelho, é como se eu não me reconhecesse vestido desse jeito. -Eu entendo filho. Já fui adolescente um dia e assim como você também não gostava de terno, gravata, sapato lustrado. Só que com o tempo nós amadurecemos e acabamos fazendo quase tudo que tanto odiamos um dia. Assim é a vida rapaz, cheia de mudanças e você ainda vai passar por muitas delas. Bem, se precisar de mim estarei no provador experimentando o fraque. Ah e, por favor, não se preocupe com o preço dos ternos, escolha o que quiser. – disse ele com gentileza para o garoto. Aaron concordou balançando de forma afirmativa a cabeça e voltando a entediante situação que estava, analisou-se mais uma vez diante do espelho. Logo depois disto Albert dirigiu-se até os provadores sendo escoltado por um verdadeiro batalhão de vendedores. Sem paciência para escolher outro terno, Aaron resolveu ficar com aquele mesmo e em um gesto mais de preguiça do que cansaço abandonou-se na poltrona ao lado de Marvin, desafrouxando logo em seguida o odioso nó duplo de Windsor da gravata cinza que o enforcava.

89


-E aí, como você está se sentindo? – quis saber Marvin lançando um olhar interrogativo ao amigo. -Em relação a quê? O casamento? -Não cara, Sophie! Você finalmente conseguiu o que tanto queria não é verdade? -Ah, é... – respondeu Aaron afundando-se ainda mais na poltrona parecendo pouco animado. – Nem acredito que vou sair com ela amanhã à noite. É tão...sei lá...estranho... -Ok, mas não esquece que você prometeu me ajudar com Chloe, hein! Aquela idéia que você falou hoje de manhã quando foi pegar a guitarra lá em casa ainda está de pé, não está? -Pode ficar tranqüilo M.J. . Eu já falei com a Mel, ela vai ligar pra Chloe e combinar tudo. Amanhã você vai poder se declarar pra sua amada quer dizer, isso se não ficar tremendo de medo como ficou na festa da Vicky. – alfinetou o amigo. -Claro que não! Cara, você me inspirou depois que conseguiu esse encontro com a Sophie. Eu aposto que vou me declarar pra Chloe e mais, vou conseguir beijá-la! -É, mas vá devagar “Romeu”. Primeiro converse com ela e depois se pintar um clima você a beija. Se for com essa pressa toda e forçar a situação, a Chloe pode ficar com medo e sair correndo. -Eu sei, não vou estragar essa chance. Pode deixar comigo. – disse Marvin sorrindo. – Agora mudando de assunto, você recebeu alguma notícia daquela prova que a gente fez há pouco tempo? Despertado da preguiça que o dominava, Aaron sentou-se direito na poltrona parecendo agora muito mais interessado do que antes. -Não. Eu passei algumas vezes no meu antigo prédio e não tinha carta alguma do Conservatório Schubert. Talvez eu vá amanhã pra ver se chegou algo. Mas por que a pergunta? Você recebeu alguma carta de lá? - Não, mas eu sonho com isso todo dia. Imagina só fazer um curso na Califórnia durante três meses, naquela escola super prestigiada, estudando harmonia, teoria musical, com uma boa ajuda de custo e ainda ter uma vaga quase que garantida na Juilliard depois disso! Essa é a chance de ouro de quem quer estudar música e eu daria qualquer coisa pra ter. -É, eu também M.J. . –suspirou Aaron pensativo, largando-se mais uma vez na poltrona. Saindo do provador com um belo fraque e o típico ar presunçoso que herdara da mãe, Oliver caminhou devagar até onde os dois garotos estavam e parou diante deles fazendo

90


uma pose tão cômica que Marvin e Aaron tiveram de se segurar para não gargalharem com a cena. -Agora eu sei por que a mamãe me escolheu pra entrar com ela na igreja, eu fico um gato nessa roupa! É uma pena que não dá pra ver meus músculos incríveis com essas mangas cumpridas. – disse ele sem qualquer humildade olhando-se no espelho. -Oliver, por favor, poupe-nos destas cenas auto-amorosas. Nós já sabemos que você é apaixonada por si mesmo. – retrucou Aaron sarcástico. -Isso é verdade! Eu me amo. Me amo mesmo, me amo tanto que eu não entro numa briga com um cara duas vezes maior do que eu, mesmo sabendo que vou levar uma surra, só por causa da minha melhor amiguinha. -Eu não levei uma surra seu idiota! – berrou Aaron levantando-se irado. -Não, claro... Esse esparadrapo de tecido aí no seu supercílio só está cobrindo uma mancha de sol, não é? -Oliver, eu não vou gastar meu tempo discutindo com um cara patético e viciado em anabolizantes como você. -Ah, quer dizer que você briga com o monstro do Russo por uma garota que nem é sua namorada e eu sou o patético? Ah não ser que você tenha alguma coisa com a ex-gorducha e eu não saiba. Aí dá até pra entender. – insinuou Oliver virando-se para o espelho enquanto ajeitava a gravata indiferente aos olhares raivosos do irmão. -A Mel é apenas minha amiga, e pra sua informação, amanhã eu tenho um encontro com uma garota que você nunca vai conseguir adivinhar quem é. - Então pelo visto eu conheço a “sortuda”. - Oliver disse enquanto fazia aspas aéreas com os dedos. -Conhece “Ollie”, mas eu não vou contar nada. – disse Aaron com um sorriso triunfal caminhando na direção dos provadores. –Você mesmo verá com seus próprios olhos se estiver no saguão do hotel amanhã à noite. Eu lhe garanto que será uma grande surpresa.

*

*

*

91

*

*


A muitos quarteirões dali, em um pequenino prédio no Soho, Chloe, Sophie e Mel encontravam-se paradas diante da porta do apartamento de número duzentos e um. Tomando coragem, Mel tocou a velha campainha que berrou ecoando por quase todo o corredor escuro daquele prédio, e pôs-se a esperar ansiosa pela única pessoa que poderia ajudá-la a encontrar o paradeiro de William Blos. Um pouco assustada devido àquela inesperada visita, Louise Richardson não abriu totalmente a porta. Protegida por uma série de correntes e trancas, a magérrima mulher de cabelos pretos examinou as garotas de cima abaixo pela pequena fresta que a porta oferecia, até que ao olhar para Chloe reconheceu a filha de sua antiga amiga de faculdade. -Olá querida Chloe. Achei que você viria me visitar com sua mãe na semana passada. – disse a senhora Richardson sorrindo, ainda que seus olhos parecessem um tanto vazios. -Minha mãe teve uns problemas e não pôde vir, mas hoje eu não vim aqui pra fazer uma visita de cortesia. Na verdade nós três viemos para esclarecer algumas coisas sobre William Blos. Por um momento Louise engoliu seco ao ouvir aquele nome. Não sabia o que aquelas garotas poderiam estar querendo saber sobre ele, mas o que quer que fosse ela lhes diria com o maior prazer, já que o odiava mais do que tudo no mundo. Dentro do apartamento da senhora Richardson, as três sentaram-se no antigo sofá verde musgo que mais parecia ter saído da década de oitenta. Acompanhada por um gato malhado, Louise voltou da cozinha para onde tinha se dirigido enquanto as garotas acomodavam-se na sala e trouxe com ela em uma bandeja três copos de leite e uma fornada quentinha de biscoitos que havia acabado de fazer. -Podem comer, acho que dessa vez ficou bom. – ela disse de forma agradável parecendo mais uma dona de casa comum do que a emergente que era até pouco tempo atrás. Sem rodeios, Chloe apresentou as duas amigas e deixou por conta de Mel a explicação do motivo que as trazia ali. Enquanto ouvia atenta ao relato das garotas, Louise cravava suas unhas no braço da poltrona onde estava sempre que o nome “William Blos” era mencionado. -Então vocês estão procurando por alguma pista desse cafajeste pra botar ele e a safada da Linda na cadeia, não é? – perguntou a senhora Richardson levantando-se e começando andar de um lado para o outro da pequena sala com o insistente gato malhado se enroscando por suas pernas. -Você conhece a Linda?! – admirou-se Sophie.

92


-Claro! Foi ela mesma quem me apresentou ao Blos. Eu havia me separado, estava sem dinheiro porque o incompetente do meu advogado não conseguiu tirar nada do meu exmarido durante o divórcio e até tentei vender minhas jóias pra sobreviver, mas descobri que a maioria era falsa ou valia muito pouco. Tudo parecia estar desmoronando até que esse corretor salafrário surgiu na minha vida através da Linda e deu a idéia de explodir o apartamento. Como eu me apaixonei por ele decidi que dividiríamos o dinheiro, mas ele me aconselhou a colocar o seguro em um dos nomes falsos que tinha mediante uma procuração. Só que a polícia acabou descobrindo a farsa do vazamento de gás e eu ingênua, pensando que o Blos cuidaria do meu dinheiro enquanto o processo caminhasse, o isentei de qualquer culpa. Hoje, como vocês podem ver, estou aqui, aguardando o julgamento em liberdade nesse apartamento minúsculo que herdei de uma tia. -Mas por que você não voltou atrás de novo e denunciou o Blos? – perguntou Mel sentindo uma terrível dor no dente canino graças ao cookie extremamente duro de Louise. -William Blos não existe mais, entende? Ele sumiu do mapa, como se tivesse morrido. Deve estar usando um dos inúmeros nomes falsos que criou como Andrew Carlucci e George Randle. Na verdade ele deve ter muitos outros. -Você falou sobre esses nomes com a polícia? – Chloe indagou. -Citei todos que conhecia no primeiro depoimento, mas parece que eles nunca foram usados. Pensei até que ele tinha passado todo o dinheiro para um cara britânico que estudou com ele na faculdade chamado Paul. O Blos dizia que eram super amigos, que ele era um homem brilhante, músico talentoso e tinham tudo em comum. Inclusive a preferência por aquela música dos Beatles “A Day in the life”. Só que a polícia investigou o passado de William e descobriu que ele nunca estudou na Universidade de Nova York, como também nunca teve nenhum amigo britânico com esse nome, nem mesmo no colegial. -Então quem era esse tal Paul? – quis saber Sophie confusa. -A mãe do Blos, senhora April, achava que era tipo um amigo imaginário. Ela me disse uma vez que, quando criança, ele adorava inventar amigos e até conversava com eles. Algo que é bem normal durante a infância, mas não na idade adulta. Antes de eu retirar a culpa do Blos, a polícia investigou por um tempo a vida dele e pelo pouco que sabia chegou à conclusão de que ele tinha algum problema psíquico, se não me engano esquizofrenia. Mas eu como psicóloga e alguém que conviveu com William durante meses não acredito nisso.

93


Em nenhum momento ele demonstrou sintomas de qualquer tipo de doença mental ou neuroses, era até mais centrado do que eu se vocês querem saber. -Senhora Richardson, você tem alguma idéia do que o Blos fez depois da explosão do seu apartamento? – perguntou Mel intrigada. -Bom, ele estava pensando em comprar uma cobertura na Rua Central Park West. A polícia até checou se ele havia feito algum negócio com os nomes falsos, mas nada foi comprado por George Randle ou Andrew Carlucci. Desculpe por não poder lhes ajudar mais meninas, eu até queria, mas isso é tudo que sei. -Não tem problema Louise. Só de ter nos recebido com esses... hmmm... adoráveis biscoitos, já foi uma gentileza. – agradeceu Chloe levantando para despedir-se da amiga de sua mãe. Pensativa, Mel remoeu durante alguns minutos as poucas informações que havia conseguido naquela tarde. Após sair do minúsculo apartamento e entrar mais uma vez na limusine, seu silêncio agora chegava a ser desconcertante para Chloe e Sophie que não entendiam o porquê de toda aquela reserva da garota. Durante o caminho até o hotel, por mais que as duas tentassem arrancar Melissa do transe que havia mergulhado, ela parecia indiferente aos apelos da irmã e da amiga. Até que, como se um relâmpago tivesse acabado de riscar seu cérebro, Mel sorriu diante da estranha idéia que acabara de ter. Pegando o celular moderníssimo de Sophie sem nem ao menos lhe explicar o motivo, Mel ligou para a única pessoa que poderia ajudá-la no momento. -Alô? Rebeca Pitty? É a Melissa, será que você poderia se encontrar comigo? Ótimo! Porque eu vou precisar de você, está bem? Estarei te esperando no hotel para conversarmos, preciso que você me faça um favor. – disse ela misteriosamente, aguçando ainda mais a curiosidade de Chloe e Sophie.

*

*

*

94

*

*


Rebeca Pitty recostou-se na cadeira da suíte de Melissa ainda um pouco arfante. Seus cabelos lisos e ruivos encontravam-se desgrenhados devido a toda a correria daquela tarde. Sentia-se como se fosse a própria protagonista do filme Corra Lola corra, já que não havia parado de ir apressada de um lado ao outro, na tentativa de atender ao estranho pedido que Mel lhe fizera cerca de algumas horas atrás. Meio que tentando recuperar o fôlego perdido, ela jogou uma série de papéis na mesa diante de Melissa que remexia-se na cadeira como se aqueles segundos silenciosos de Beck fossem uma tortura para ela. -Então, está tudinho aqui? – perguntou a garota ansiosa dando uma olhadela por alto no conteúdo dos papéis. -Sim... é... a lista completa... e mais atual. – afirmou Rebeca respirando fundo. – Não foi fácil conseguir... mas nessas horas é bom saber que você tem amigos com quem pode contar. Se não fosse a Emily, uma grande amiga minha do colegial trabalhando na prefeitura, nós não estaríamos com essa lista nas mãos agora... - Eu sei, agradeça a ela por mim quando vocês se encontrarem de novo. Ela ajudou bastante. É verdade que essa lista é bem maior do que eu imaginava, pra ser sincera é três vezes maior, mas eu já sabia que não seria fácil... Obrigada de novo Rebeca, você é incrível. Nem sei como conseguiu fazer o que eu te pedi e ainda executar as trezentas mil ordens que o meu pai te deu nessa tarde. -Ah, não me agradeça senhorita. Se quer saber, eu nunca simpatizei com a noiva de seu pai e, depois de todas as atrocidades que me contou sobre ela, quero ajudar a desmascarar essa mulher o quanto antes. O Albert... er... Quero dizer, senhor Fenner, não pode se casar com ela. Seria um grande erro. –respondeu Pitty baixando os olhos como se eles estivessem prestes a revelar algo que não queria que viesse a tona. Ao ouvir aquelas palavras firmes de Beck, Mel sentiu uma certa tensão na voz da linda secretária. Não sabia se todo aquele devotamento ao chefe devia-se ao fato de ser muito comprometida com o trabalho ou por outros motivos de ordem, digamos, pessoal. Talvez ela estivesse com medo de perder seu emprego, ou quem sabe alguém... Melissa não tinha certeza disso, não podia afirmar nada, até porque ela jamais vira Rebeca lançar um olhar mais ousado que fosse para seu pai.

95


-É Rebeca, será um grande erro se ele se casar com a Linda. Por isso eu preciso só mais um pouco da sua ajuda. O que é que você sabe sobre os Beatles? –Mel indagou séria, tentando fazer com que aquela sua pergunta não parecesse meramente estapafúrdia. Sem entender no que aquilo poderia ajudar, a secretária cruzou os braços e sorriu, não levando muito a sério o que a garota havia acabado de dizer. No entanto, Mel lhe lançou um olhar tão interrogativo que Beck acabou percebendo que ela não estava ali para brincadeiras. -Ora, não sei muitas coisas. Quando John Lennon morreu eu era muito pequena. Só sei o que meu pai fanático comentava sobre eles... -É? Tipo o quê? – quis saber Mel debruçando na mesa parecendo muito interessada. -Ah, coisas bobas. Uma vez me lembro que ele teve um ataque de riso quando um amigo lhe disse que o Paul McCartney havia morrido e que tinham colocado um sósia no lugar para que o grupo não acabasse. Se não me engano o suposto nome dele seria William Campbell ou Billy Shears. Essa era uma das várias lendas que existiam sobre os Beatles. -E quais eram as outras? -Bem, que muitas músicas eram anagramas ou tinham pistas sobre a tal morte de Paul. “A Day in the life” era uma delas. Diziam que, em vez de uma simples letra, ela falaria na realidade sobre como se tinha dado a morte de Paul, que segundo a lenda ocorreu num acidente de carro e o desfigurou de tal forma que ficou impossível de reconhecê-lo. Os fãs também adoravam fazer combinações com as iniciais e as palavras das músicas, ficavam analisando as capas dos LP’s para ver se achavam alguma coisa escondida, uma pista, alguma mensagem subliminar nas canções. Mas afinal senhorita, não sei como isso pode ajudá-la a boicotar o casamento de seu pai. Não vejo relação alguma do que acabou de me perguntar com a lista que eu lhe trouxe. Mel apenas esboçou um sorrisinho no canto dos lábios. Nem ela mesma acreditava no que estava pensando. Era algo louco demais, imaginativo demais, mas nem por isso ela havia tirado aquela idéia da cabeça. Seu sexto sentido, que nunca falhava por sinal, lhe dizia pra continuar seguindo com o plano e ela, movida mais pela vontade de desmascarar Linda do que pela razão, o obedecia sem questionar. -Olha Beck, em primeiro lugar me chame de Mel, senhorita é uma coisa formal demais. Me sinto uma velha quando você faz isso e, em segundo lugar, eu não tenho certeza ainda do que eu “tô” fazendo, mas se eu estiver indo pelo caminho certo, a Linda vai se ferrar!

96


-Então por enquanto a senhorita... quero dizer, você não vai me contar nada mesmo, não é? -Não se preocupe Beck, prometo que será a primeira a saber. Acho que Sophie e eu ainda vamos precisar muito de sua ajuda. Eu estou sentindo que essa “caçada” ao amante da Linda mal começou...

97


CAPÍTULO 12 SURPRESAS NO PARQUE

Fazia uma belíssima tarde de sol em Nova York, apesar das nuvens negras que podiam ser vistas no horizonte. Tentando esquecer um pouco a incessante procura pelo paradeiro de William Blos e ajudar M.J. a conquistar Chloe de uma vez, Melissa pegou o metrô e seguiu com os dois amigos mais Aaron até um grande parque de diversões que ficava em Coney Island. Ao chegarem no Deno’s Wonder Wheel, com era chamado o lugar, Aaron e Mel começaram a executar o plano que haviam tramado no dia anterior. De posse de uma infinidade de fichas, os dois se perderam intencionalmente no meio de toda a criançada para deixar Chloe e Marvin a sós. -Acha que isso vai dar certo? – perguntou Melissa escondida pela barraquinha de tiro ao alvo, enquanto olhava os dois amigos ao longe, que pareciam à procura deles. -Não sei “Pimenta”. Ontem o Marvin estava decidido a conquistá-la, mas hoje de manhã ele teve até dor de barriga, acredita nisso? -Ah, acredito! Porque a Chloe teve quase a mesma coisa. É engraçado o que a paixão faz com as pessoas, não é? -Uhum. Deixa a gente louco. Capaz de qualquer coisa, mesmo que seja a mais idiota do mundo. –Aaron afirmou lançando-lhe um daqueles sorrisos maravilhosos que fazia as garotas se derreterem. Com a face bem mais rosada do que de costume, Mel se virou para a barraquinha de tiro ao alvo na tentativa de esconder o nervosismo por estar tão perto do amigo. -Ei, já que estamos aqui quer brincar um pouco? – perguntou ela tirando duas fichas muito amassadas que estavam em seu bolso.

98


-Claro. Nós já fizemos a nossa parte na operação cupido. Agora vamos nos divertir. – Aaron decretou puxando-a pela mão. Empolgados com a brincadeira oferecida pela barraquinha de tiro, os dois pegaram as inofensivas armas de chumbinho e atiraram na direção das fileiras de patinhos amarelos que se movimentavam com extrema rapidez. Graças a sua péssima pontaria Melissa gastou quase todas as chances sem conseguir derrubar um único pato, o que a fez receber duas pulseirinhas rosa de plástico como prêmio de consolação. Aaron, por sua vez, concentrouse no jogo e mirando exatamente em cada alvo, derrubou todos os patos da fileira. Devido a essa façanha incrível, ele ganhou o prêmio máximo da barraquinha, uma Hello Kitty enorme que fez os olhos de Mel brilharem de cobiça ao vê-la. -Pois é... Eu pensei em dar isso pra Sophie, mas acho que você vai cuidar melhor dela. – disse Aaron estendendo a boneca de pelúcia para Melissa que pulou como uma criança. -Sério? Ai você é demais sabia! – agradeceu a garota abraçando-o em um rompante de felicidade. Naquele momento, Aaron e Mel ficaram quietos, com os olhos fechados, apenas sentindo o calorzinho gostoso um do corpo do outro. A mente de Aaron havia ficado vazia e seu cérebro não conseguia pensar em mais nada, há não ser o quanto aqueles minutos estavam sendo maravilhosos. O abraço apertado dos dois durou mais do que deveria e só chegou ao fim quando Chloe apareceu de repente atrás deles. -Oops, acho que cheguei em má hora. – ela sussurrou meio sem graça, por atrapalhar aquele momento tão romântico entre os dois. -Ah! Oi, amiga... Eu estava agradecendo ao Aaron pela Hello Kitty que ele ganhou na barraquinha de tiro e me deu. Mas cadê o Marvin, ele não estava com você? Chloe apenas apontou para a direita onde ao longe, com a cabeça enfiada em uma lixeira do parque, M.J. vomitava tudo o quê havia comido no café da manhã. Vendo a cara de nojo das meninas, Aaron foi até o amigo para socorrê-lo como podia, o que acabou resumindo-se a compra de um refrigerante e uma boa bala de menta para tirar o gosto ruim da boca de Marvin. Mesmo diante do vexame de M.J, Mel sabia que Chloe gostava dele e por isso insistiu mais uma vez em deixá-los sozinhos. Aproveitando-se do fato da amiga estar de saia e Marvin ainda um pouco enjoado, Melissa teve a brilhante idéia de ir à cama elástica com Aaron.

99


Entediada vendo os amigos se divertindo no brinquedo e ela não, Chloe resolveu arrastar M.J. até a roda gigante, já que era o único brinquedo do parque que, segundo ele, não o enjoaria tanto. Sozinhos mais uma vez, Aaron e Mel pareciam duas crianças pequenas pulando na redonda cama elástica. Era engraçado vê-los gargalhando a cada tombo e a cada salto no brinquedo. Sem falar nos mergulho hilários de Aaron que sempre acabavam derrubando a amiga e causando mais uma sessão de risadas devido ao jeito desengonçado que Mel caia. Todas as preocupações com o casamento, o colégio interno e o mistério de William Blos foram esquecidos pela garota, que agora só queria se divertir ao lado do melhor amigo. E Aaron, por sua vez, também havia esquecido do nervosismo que o corroia por estar a poucas horas do tão esperado encontro com Sophie. Durante alguns minutos, ele voltou a ser aquele menino magrelo e dentuço, de apenas dez anos, que não tinha qualquer preocupação na vida. Imitando o amigo, Mel começou a mergulhar também como se estivesse em uma grande piscina e acabou gostando tanto da brincadeira que fez isso várias vezes seguidas; até que sem querer derrubou Aaron, que com muito custo tentava ficar de pé na cama elástica. Desequilibrado, ele caiu bem em cima de Melissa, o que fez os dois gargalharem ainda mais devido a cena hilária que protagonizaram. Por alguns instantes ambos riram como meras crianças bobas, até que sem que eles esperassem, ou entendessem o porquê, os sorrisos foram se desfazendo e um clima diferente começou a pairar entre os dois. Devido à queda, os rostos de Mel e Aaron ficaram tão próximos que os lábios delicados dela quase tocaram a boca suave e desejada do garoto. Com os corpos colados, Mel pode sentir o coração de Aaron palpitar bem forte, como se seu peito não fosse suficiente para contê-lo. Os dois olharam-se hipnotizados pelas belas cores que seus olhos possuíam e finalmente Aaron inclinou a cabeça bem devagar, como se fosse beijá-la. Sentindo a respiração do garoto cada vez mais perto, Mel já havia fechado os olhos esperando ansiosa pelos lábios dele, quando Aaron levantou-se de forma abrupta da cama elástica. -É... bem... Não sei se é uma boa idéia deixarmos o Marvin e a Chloe sozinhos. O M.J. pode estragar tudo. – ele gaguejou cambaleante, tentando fingir que nada havia acontecido. Embaraçada com aquela situação, Melissa nem ao menos pensou que talvez pusesse fim às chances de Marvin com Chloe. Pegando a Hello Kitty gigante que havia deixado ao lado

100


da cama elástica, dirigiu-se com Aaron em silêncio até a fila da famosa roda gigante Wonder Wheel, onde os amigos esperavam há algum tempo para andar no brinquedo. -Cansaram da cama elástica? – perguntou Chloe, achando que os dois estivessem ruborizados graças aos pulos no brinquedo. -Um pouco. – respondeu Aaron evasivo. -Cara, essa roda gigante está uma droga. Já emperrou duas vezes. Por que nós não vamos em outro brinquedo? – Marvin questionou. -Porque esse talvez seja o único, além do carrossel, que não vai fazer você vomitar na minha roupa! – Chloe exclamou, fazendo sem querer com que M.J. ficasse mais nervoso ainda. Conformando-se com a longa fila que ainda teriam de enfrentar e os sons estranhos que saíam do estômago de Marvin, os quatro amigos continuaram a espera para irem à roda gigante quase centenária. Enquanto isso, Mel e Aaron nem se olhavam mais. Não sabiam direito o que havia acontecido entre eles, mas também não estavam dispostos a conversar sobre aquele assunto tão embaraçoso. Enquanto ela preferia analisar os pequeninos detalhes da roupa de sua Hello Kitty, Aaron fingia interessar-se pelas nuvens negras de formas engraçadas que começavam a se aglomerar sobre o céu de Coney Island. Apesar da longa espera e da quase desistência de Marvin em ficar na fila, a vez dos quatro amigos irem à roda gigante chegou afinal. Como as “gaiolas” coloridas não comportavam muitas pessoas e algumas delas chacoalhavam e deslizavam, tornando o passeio mais eletrizante (especialmente as de cor vermelha e azul), Chloe e M.J. sentaramse juntos preferindo ir na gaiola branca estacionária (pelo menos assim Marvin não correria o risco de passar mal de novo) enquanto que Aaron e Melissa, apesar de ainda estarem envergonhados um com o outro, preferiram não ficar separados e acabaram escolhendo a gaiola vermelha. Mesmo morrendo de nervosismo por estar ao lado da garota por quem era apaixonado, Marvin tentou segurar a incrível vontade de vomitar que sentia. Em sua mente, ele tinha consciência que esta poderia ser sua última chance, então procurou não desperdiçá-la. -Chloe, eu sei que...que... é meio estranho dizer isso do nada, mas eu... acho você a garota mais gata da escola. -Sério? Então foi por isso que você ficou nervoso a tarde inteira? -É, foi. – disse M.J. corando. – Eu nunca conheci ninguém como você. Esperta, meiga, bonita, perfeita, gent...

101


-Marvin. - interrompeu Chloe. -O quê? -Eu sempre te achei uma gracinha... Chloe então se aproximou do garoto, e sem que ele esperasse o beijou com doçura na boca fazendo as pernas dele tremerem de tanta felicidade. Depois do susto, Marvin percebeu que Chloe gostava dele e, sem medo e esquecendo-se de sua dor no estômago, ele a abraçou com toda a paixão que sentia beijando-a logo em seguida como sempre sonhou. Sentados na “gaiola” vermelha que estava um pouco mais à frente dos amigos, depois de terem encarado uma série de giros alucinantes, Melissa e Aaron olhavam de forma disfarçada para Marvin e Chloe, felizes por terem os ajudado a se entenderem. -Hum... Parece que deu tudo certo com o nosso casal de trapalhões. Eles conseguiram se acertar afinal. – disse Mel sorrindo. -É incrível mesmo. Eu sempre achei que o amor platônico do Marvin pela Chloe nunca ia dar em nada por causa da timidez dele, mas olha só agora os dois juntos! E você é a responsável por isso “Pimenta”. -Eu?! – perguntou a garota surpresa virando-se para Aaron. -Você sim! Desde que chegou as coisas parecem estar dando certo pra todo mundo, até pra mim. Há um mês atrás a Sophie nem olhava na minha cara e hoje nós vamos sair juntos. Não foi o destino que fez isso, foi você. - Ah, Aaron... não fale o que você não sabe. – murmurou Melissa olhando friamente para o céu que agora ameaçava uma grande tempestade. -Como assim? Eu não entendi... -Lembra que eu te fiz uma promessa no Central Park ? Aquela que eu disse que ia falar com a Sophie sobre você? Pois é, eu nunca toquei nesse assunto com ela e pra ser sincera eu nunca ia falar. -Mas por quê? Você me prometeu! Receosa em dizer o verdadeiro motivo para Aaron, Melissa preferiu mentir usando a primeira desculpa que lhe veio à mente. -É que... com vocês dois saindo juntos e namorando, você ia se esquecer de mim. Não ia ter mais espaço na sua vida pra “Pimenta”, uma amiga boba dos tempos de criança. Só pra sua bela e maravilhosa Sophie...

102


Aaron fitou os olhos azuis de Melissa por alguns segundos exibindo agora uma expressão indecifrável em seu rosto. -Olha Mel, eu te juro que isso não vai acontecer! A Sophie nunca vai ocupar o seu lugar na minha vida. Você já faz parte de mim e eu não trocaria minha melhor amiga de tantos anos por nenhuma garota, porque as paixões passam, mas a amizade fica pra sempre. – afirmou ele segurando as mãos da garota. Feliz por ter preferência no coração dele, mas triste por não ser da forma como queria, Mel sorriu ao ouvir aquelas palavras. Mesmo com a roda gigante tendo acabado de emperrar com os dois no ponto mais alto, tudo parecia pequeno demais diante do sorriso maravilhoso que Aaron lhe lançava. Durante os dez minutos que eles ficaram no brinquedo, presos e encharcados pela chuva forte que caía e penetrava sem licença dentro da “gaiola”, Mel pela primeira vez sentiu que talvez no fundo do coração de Aaron, perdida entre as imagens de Sophie, ainda havia uma chance bem pequena dela poder conquistá-lo. E, depois de lembrar o que havia ocorrido na cama elástica, ela se agarrou ainda mais nessa frágil possibilidade.

*

*

*

*

*

Ainda que uma forte chuva tivesse caído horas atrás, o céu de Manhattan tinha poucos vestígios das nuvens negras de antes. Um tanto ofuscadas pelas luzes da cidade, mas nem por isso menos majestosas, as estrelas agora brilhavam dando aos “Nova Yorquinos” uma bela noite de verão. No saguão luxuoso do hotel Meditteranean, em meio ao grande movimento de pessoas e carrinhos carregados de malas, Aaron andava de um lado ao outro nervoso com o atraso de Sophie. Afinal, já havia se passado quarenta minutos do horário combinado e ela ainda não havia aparecido e muito menos ligado para explicar a demora. Do outro lado do balcão do hotel, o gerente Le Blanc se divertia com o nervosismo do garoto. Mesmo sem saber do que se tratava, deduziu pelo excesso de perfume de Aaron e suas constantes olhadas no relógio que ele com certeza teria um encontro naquela noite.

103


Como não possuía mais unhas para serem roídas, Aaron já ia começar a morder os sabugos dos dedos, quando Sophie saiu deslumbrante do elevador e parou diante dele exibindo um vestidinho preto Stella McCartney que apresentava um decote enlouquecedor nas costas. -E então? Gostou? – perguntou ela enquanto girava o corpo de forma sedutora. -É... Você está muito bem. -sussurrou ele meio desconcertado. -Eu poderia dizer que demorei esse tempo todo pra me arrumar pra você, mas nós dois sabemos que isso é uma grande mentira. A verdade é que fui visitar a doentinha da minha irmã, mas só porque meu pai insistiu muito, é claro! -Ei, espera aí Sophie. - Aaron disse fazendo um sinal de pare com a mão. - Eu estive com a Mel há horas atrás e ela não tinha nada... -Acontece queridinho, que ela ficou gripada graças aquela chuvinha que vocês pegaram e agora está gripada, só que o mais estranho é que o doutor Brownwaite já a medicou, mas parece que a febre não cede de jeito nenhum. Ele disse que ela provavelmente deve estar sofrendo de febre emocional ou coisa parecida e pra Missy melhorar só depende dela. Bom, mas como nós não estamos doentes é melhor irmos pro nosso encontro. -Não Sophie, nem pensar! – disse Aaron se desvencilhando da mão pela qual ela o puxava. – Eu não posso sair e deixar a Mel assim. -Aaron você não é médico e nem eu, se a gente ficar aqui ela vai continuar doente do mesmo jeito. Além disso, eu não comprei esse vestido de quase cinco mil dólares pra ficar em um sábado à noite ao lado de alguém que só sabe espirrar e suar frio. Aparentando um grande desapontamento, Aaron olhou Sophie de forma dura e repreensiva, como se ela fosse o inseto mais asqueroso que ele já tinha visto na terra. -Você não tem coração garota! Nem sei como pode ser irmã gêmea de alguém tão legal como a Melissa. E quer saber? Não tem mais encontro nenhum! Vá jantar com o seu próprio umbigo, já que você se ama tanto. -Ah, é?! Por mim não tem problema! Eu só queria mesmo fazer ciúmes ao Oliver e aquela vadia da Ashley que ele convidou pra ir ao Nobu. Pra falar a verdade, acho que é até melhor assim, por mais que te chamem de “irmão perfeito” você não está a minha altura Stonewell. Além disso, eu tenho uma série de números de garotos na agenda do meu celular que dariam a própria conta bancária pra ter um encontro comigo. É só discar e pronto, eu não preciso “jantar com meu próprio umbigo”.

104


-Nossa como eu fico feliz por você! Agora que já terminou o discurso, a bruxa do leste vai me desculpar, mas uma pessoa realmente importante está precisando de mim! – ironizou Aaron, dando um tchauzinho mal criado para a garota. Irada com o fora, Sophie ameaçou jogar o celular no chão, mas conteve-se. Tinha de arranjar um par bonito e milionário em menos de meia hora para fazer ciúmes a Oliver, e tudo dependia agora dos tão alardeados números que estavam na agenda de seu telefone. *

*

*

*

Algum tempo depois disso, quatro andares acima do térreo (ou mais precisamente na suíte de Mel) Albert havia acabado de sair do quarto dela na companhia do médico da família. Deitada em sua cama, envolta por uma série de travesseiros e um edredom enorme, Melissa repousava depois de ter uma febre de quase quarenta graus e alguns momentos de delírio, por sorte incompreensíveis para o doutor Brownwaite e Albert, já que todos envolviam Sophie e Aaron. A televisão de plasma havia sido ligada no canal CBS para distraí-la um pouco, mas a garota ignorou por completo a série que passava graças à terrível febre que ainda a consumia. De forma suave alguém bateu na porta ao que Mel, pensando tratar-se de seu pai ou do doutor Brownwaite, mandou na mesma hora que entrasse. Envolta no seu fofo edredom, ela viu Aaron entrar no quarto empurrando um carrinho do hotel e parar diante dela com aquele sorriso lindo que ela admirava tanto. Por uns instantes Mel pensou estar delirando, até que o garoto sentou-se perto dela na cama e ajeitou o vermelho nariz de palhaço que usava. -Para a princesa Melissa melhorar, um bobo da corte como eu você terá de agüentar. – brincou ele fazendo uma pomposa reverência com a mão. -Mas Aaron, você não tinha um encontro com a Sophie hoje? - perguntou Mel, sentandose na cama com certa dificuldade. -Lembra o que eu te disse no parque? Que os amigos vêm em primeiro lugar? Eu não podia deixar você sozinha desse jeito. - ele rebateu, lhe lançando um olhar carinhoso. -Você não existe Aaron Stonewell! Não existe! – Mel disse sorrindo. -Ah, mas a senhorita ainda não viu nada. –falou o garoto levantando-se da cama e indo até o carrinho do hotel que havia trazido. – Vamos ver o que temos aqui.... Hum...

105


cupcakes, pipoca, M&M’s, algumas maçãs carameladas, um pacote de Pringles e ora vejam só, um pote cheio de balinhas de gelatina coloridas! Mas para que tudo isso você deve estar se perguntando, não é?! Ao dizer isso, Aaron tirou do bolso um pequeno papel onde não havia nada escrito. -Deixe-me ver, deixe-me ver... Ah, sim! Aqui diz que você ganhou um ingresso para uma sessão de cinema, mas como a senhorita não pode sair, o cinema veio então até a senhorita. – afirmou ele pegando logo depois o DVD de “A nova Cinderela” que havia escondido na parte de baixo do carrinho. Mel não se conteve de alegria quando se deparou com Aaron segurando seu filme favorito. Estava tão animada por seu melhor amigo estar ali com ela e não com Sophie, que a sensação de mal-estar típica da febre simplesmente sumiu como num passe de mágica. Sentando-se ao lado dela e comendo um pouco de pipoca enquanto assistia ao filme, Aaron também parecia feliz por estar com Mel e, por incrível que pareça, não sentia remorso algum de ter desmarcado o encontro com Sophie. Acalentada pelo amigo e cansada devido ao dia cheio e à gripe, Melissa acabou rendendo-se ao sono – por mais que tivesse lutado contra ele - bem na parte que mais gostava: o momento em que Hillary Duff e Chad Michael dançam no coreto cheio de flores ao som de violinos. Como a amiga havia adormecido em seu colo, Aaron não teve coragem de acordá-la, preferiu ficar no exato lugar onde estava e dormir sentado daquele jeito mesmo se é que isso era possível. Durante a noite enquanto se remexia, Mel teve uma série de sonhos confusos e sem sentido envolvendo o amigo e a irmã, mas o mais incrível de tudo é que ela sentia como se fossem reais as mãos de Aaron percorrendo sua testa e depois descansarem em sua cabeça fazendo um carinho suave em seus cabelos. No meio da madrugada, como a amiga havia rolado para o outro lado da cama, Aaron pode deixar o quarto dela afinal e tentar dormir um pouco, já que passara quase toda a noite em claro, verificando se a febre de Mel havia baixado. Mas apesar de estar todo dolorido devido à péssima posição que ficara e o cansaço que dominava seu corpo, ele não conseguiu fechar os olhos uma única vez. Deitado na cama de sua suíte enquanto olhava fixo para o teto, seus pensamentos vaguearam perto das lembranças de Mel e isso o fez despertar de tal forma, que dormir agora parecia impossível. Ainda sentia o perfume de Melissa em suas roupas, a suavidade de seus cabelos, o seu corpo quente...

106


Aaron não sabia por que andava pensando tanto na amiga nestes últimos dias, mas para não ocupar sua cabeça com tão estranhos pensamentos, resolveu levantar-se e andar um pouco. Talvez uma boa caminhada pelas ruas de Nova York fosse suficiente pra isso.

107


CAPÍTULO 13 DESVENDANDO O MISTÉRIO

-Mel, você ainda não percebeu? – perguntou Chloe sorrindo. -Perceber o quê? – retrucou Melissa inclinando-se sobre a mesa do restaurante. -Aaron está apaixonado por você, é óbvio! -Chloe, não viaja! Ele só foi me ver ontem porque eu estava doente. Foi uma atitude de irmão. -Amiga, se liga! Ele desmarcou um encontro com a Sophie, será que dá pra entender? Sophie! A pseudo-paixão dele! – ressaltou Chloe depois de beber um gole de sua limonada suíça que o garçom trouxera minutos antes. -E por falar na “coração gelado”. –sussurrou Mel. Tirando os enormes óculos Dolce & Gabbana que praticamente escondiam suas bochechas rosadas de blush, Sophie entrou no restaurante Marriot irritada com a temperatura escaldante que fazia em Nova York naquelas últimas semanas. -E então, qual o motivo dessa reuniãozinha fora do hotel? – perguntou ela sentando-se e demonstrando seu típico ar de descaso. Com um olhar enigmático, Melissa ajeitou-se na cadeira e puxando uma série de papéis amassados de sua bolsa preta e rosa choque da Hello Kitty, espalhou tudo em cima da mesa sem dizer qualquer palavra, o que de fato acabou com a pouca paciência que Sophie ainda possuía. -Ei, você vai falar ou não? – perguntou ela. -Vou, mas eu só queria me certificar de que está tudo aqui. Bom, depois daquela visita que nós fizemos a Louise Richardson, eu pensei bastante e tive uma idéia. Só que ela me pareceu tão absurda que eu tive vergonha de explicar pra vocês. Achei que fossem rir de mim, dizer que eu estava vendo filmes demais ou coisas desse tipo. Mas depois que falei com a Beck e ela conseguiu esses papéis, foi só raciocinar mais um pouco e aí o que parecia sem sentido algum acabou sendo o caminho certo. -Missy, menos mistério e mais explicações, por favor! –repreendeu Sophie super curiosa.

108


-Ok. Louise falou em vários nomes falsos do Blos, não foi? Eu pedi a Rebeca que fosse a prefeitura e procurasse o nome de todos os donos de coberturas na Rua Central Park West e como Beck conhecia uma amiga que trabalhava lá, ela conseguiu essa lista enorme que vocês estão vendo. -Ah, não vai me dizer que você achou os tais Andrew Carlucci ou George Randle que a polícia não conseguiu encontrar?! – interrompeu a irmã mais uma vez. -Não! Mas é quase isso... Lembra da nossa ida a Blos & Sons? Pois então, quando eu estava saindo da sala do Benjamin vi na parede dele uma foto emoldurada daquele Beatle, o Paul McCartney, ao lado de alguém que parecia muito com o William Blos. Depois quando nós falamos com a Louise e ela nos disse que o Blos tinha uma espécie de amigo imaginário tudo foi se encaixando... -Ai, desculpa Mel, mas eu não to conseguindo entender aonde você quer chegar. – Chloe disparou confusa. -Gente, esse tal amigo Paul na verdade é um terceiro nome falso do Blos que ele inventou pra fazer as suas falcatruas. -Ah não, espere aí! Você só pode ter cheirado o meu gel fixador pro cabelo e agora está doidona... Quer dizer então que um Paul McCartney comprou uma cobertura na Rua Central Park West? – Sophie indagou cruzando os braços com um ar descrente. -Não, eu também achei isso óbvio demais, por isso comecei a fazer vários anagramas e associações entre os nomes dos Beatles e o do Blos. Só que, ainda assim, nenhum desses nomes formados batia com os inúmeros proprietários da lista. Eu já estava desistindo porque eram altas horas da madrugada e me achando uma perfeita idiota, quando lembrei que a música preferida do Blos e do “amigo” dele era “A day in the life”, justamente a música do Beatles que, segundo diz a lenda, falaria sobre a morte de Paul McCartney e sua substituição por um sósia ! Depois disso, foi só associar o nome dos supostos sósias ao do Paul o que gerava algumas possibilidades: Paul Shears, Billy Paul Campbell ou... William Paul Campbell! E voi-lá! Atenta ao raciocínio de Mel, Chloe olhou espantada para uma das listas que encontravase em cima da mesa e para a qual amiga agora apontava. -É verdade Mel, tem um William P. Campbell aqui na lista de proprietários!- Chloe disse observando o tal papel onde havia um nome grifado com marca texto fluorescente. - Mas será que é ele mesmo?

109


-Só pode ser! Esse tal Campbell comprou a cobertura cinco meses atrás, ou seja, o mesmo período de tempo que Blos se mudou de Chelsea. Sendo que o tal apartamento fica no edifício Dakota, justamente onde morou o “Beatle” John Lennon. E o mais incrível, sabe quem era o antigo proprietário que teve de vendê-lo antes que ele fosse a leilão devido à sonegação de impostos? Linda Stonewell! Diante daquela notícia bombástica, Chloe que agora bebia sua limonada suíça quase se engasgou de tanta surpresa. Ao lado dela, Sophie não parecia perplexa, mas seu rosto exibia ao mesmo tempo raiva e indignação. -A vaca loira é mesmo muito esperta. Ela disse que o senhor Stonewell havia deixado tudo pra amante, mas na verdade ela ainda tinha uma cobertura milionária na Central Park West. Depois foi só explodir o apartamento que ela morava, receber o seguro e se fingir de pobre viúva carente pra casar com o otário do nosso pai. Nós temos que impedir a Miss Botox o quanto antes! -É maninha, só que pra isso a gente deve convencer a polícia e o nosso pai de que a Linda é uma golpista. E de tudo que nós já fizemos essa, por incrível que pareça, é a parte mais difícil. Porque não temos provas reais da traição. Tirar umas fotos dela junto com Blos seria excelente, mas nós não somos fotógrafas e nem poderíamos ficar o dia inteiro plantadas na frente da cobertura do cara pra conseguir um flagrante. Além disso, a Linda sabe que nós estamos cientes sobre o amante dela e por isso deve estar tendo mil vezes mais cuidado pra se encontrar com ele. -E que tal armar pro senhor Fenner ir ao apartamento do Blos na hora em que a Linda estiver lá? – sugeriu Chloe. -Não vai funcionar. –Sophie afirmou suspirando. –Ele é um workaholic. Está sempre falando com os engenheiros do Meditteranean que está sendo construído em Las Vegas, com os gerentes dos outros hotéis pelo mundo ou investindo em outros tipos de negócio. E a polícia nem adianta tentar, vão dizer que nós somos um bando de adolescentes com imaginação fértil. -Então o que a gente faz? – quis saber Mel. -Hum... Acho que eu estou tendo uma idéia... -Sophie tendo uma idéia?! É o fim dos tempos. – brincou a irmã. -Pois é Missy, você não é a única esperta na família. E só pra dar o troco eu não vou dizer o que eu pensei. Depois vocês vão saber, confiem em mim e não se arrependerão.

110


Depois de soltar esse discurso enigmático, Sophie colocou novamente seus grandes óculos no rosto e, com sua bolsinha Prada a tira-colo saiu do restaurante apressada sem nem mesmo se despedir. Receosas, Chloe e Mel se entreolharam tentando imaginar o que poderia estar passando na cabeça da garota, mas acabaram desistindo porque se havia alguém com um pensamento louco e imprevisível, essa pessoa com certeza se chamava Sophie Fenner.

111


CAPÍTULO 14 ARTHUR MCVEIGH

Sentados a mesa do Chateau D’ore, Albert e Linda conversavam eufóricos sobre o casamento. Levando uma xícara de chá a boca, Mel fitou a futura madrasta com dureza, pois já conseguia ver uma série de cifrõezinhos brilhando em seus olhos com a proximidade da cerimônia. Ao seu lado, alheia ao o que ocorria na mesa, Sophie nunca havia desejado tanto que seu celular tocasse. -Aconteceu alguma coisa filha? – Albert indagou. –Você não tira os olhos desse telefone. -Ah querido, Sophie deve estar esperando a ligação de algum namoradinho. Não vê a ansiedade em seus olhos? Só acho uma pena que ela tenha terminado com o Oliver. Eu já estava me acostumando como o fato de ter uma “nora-enteada” – disse Linda lançando um sorriso falso para a garota. Pouco animada em retribuir, Sophie virou o rosto e pôs-se a olhar a linda vista do Central Park, demonstrando de forma notória que aquilo era muito mais interessante do que a conversa chata que se desenrolava a mesa. -Estou tão feliz Linda! Tudo está correndo como previsto e até mesmo as obras de nossa cobertura na Quinta Avenida já estão quase prontas. Quando chegarmos da lua-de-mel em Saint Tropez, poderemos ir diretamente para nosso apartamento. -Que maravilha amor! Mas eu estive pensando... Quando voltarmos as crianças já estarão tendo aula, você por um acaso matriculou nossa querida Melissa na Eugenne Sinclair Academy? -Hmm... Não. Estou um pouco atarefado nestes últimos dias, nem sei como consegui essa brecha na agenda para estar aqui com vocês. Mas antes mesmo de nosso casamento eu farei isso! – afirmou ele virando-se para Mel enquanto apertava a mão da filha de forma paternal. Com uma vibração forte e cada vez maior, o moderno celular de Sophie começou a rastejar sobre a mesa chamando a atenção de todos. Ansiosa, a garota olhou seu visor e

112


quando se certificou de quem a aguardava do outro lado da linha, levantou-se da mesa como um furacão sem nem ao menos explicar o motivo de tanto nervosismo. Mel que já sabia quem estaria ligando, mas não o porquê daquilo, seguiu a irmã logo atrás despedindo-se tão rápido de Albert e Linda, que nem chegou a ouvir os apelos do pai para que ficasse mais um pouco. No corredor que levava a suíte da irmã, Mel tentou interrogá-la, no entanto Sophie estava irredutível e só esclareceu o mistério quando abriu a porta do quarto e viu que seu convidado tinha acabado de chegar. De pé, a alguns passos de Beck, que havia a pouco lhe telefonado e também estava na suíte, encontrava-se um homem alto, moreno, de feições rudes, barba mal feita e um ar arrepiante que fez o corpo inteiro de Melissa gelar. Ao vê-las entrando, o tal homem ajeitou o paletó fora de moda que usava sobre uma camisa xadrez horrenda e foi na direção de ambas para cumprimentá-las. -Este Mel é a nossa salvação, senhor Arthur Mcveigh. Fotógrafo nas horas vagas e detetive particular com mais de mil casos solucionados. – disse Sophie. -É um prazer conhecê-la senhorita Melissa Fenner. – cumprimentou ele apertando a mão da garota com força. Embora já tivesse entendido o porquê da presença de McVeigh ali, Mel pareceu não confiar nele. Sentira um certo ar de charlatanice no detetive, e por isso preferiu que Sophie explicasse toda a história que as afligia, assim como quem seria o principal alvo na investigação. Tomando pela primeira vez as rédeas do plano pra desmascarar Linda, Sophie pegou uma pasta preta que continha todas as informações conseguidas sobre a madrasta e seu amante criminoso, William Blos. -Detetive McVeigh nossa vida depende disso entendeu? Já fizemos a metade do seu trabalho. Temos o endereço do amante dela e até os nomes falsos que ele usa. Agora eu quero fotos, gravações ou qualquer coisa que prove o quanto Linda Stonewell é golpista. Mas eu preciso dessas provas o quanto antes, o tempo não está ao nosso favor. Entendeu? – frisou Sophie entregando a pasta preta nas mãos do detetive. -Não se preocupe senhorita, pegar os pombinhos no ninho vai ser a coisa mais fácil que eu já fiz na vida. Em menos de uma semana eu terei as provas de que precisa.

113


-Ótimo. O resto do pagamento virá depois como nós combinamos no seu escritório. Agora acho melhor o senhor ir. Ninguém pode vê-lo aqui no hotel. Vá de escada e tente ser discreto, ok? Após ouvir as recomendações de Sophie, McVeigh despediu-se de Mel e enfiando a pasta preta na mala executiva que trazia, saiu do aposento acompanhado por Rebeca Pitty que ia mostrar-lhe o caminho mais reservado para que pudesse sair do Meditteranean incógnito. Sentando-se preocupada na cama, Melissa parecia não estar muito certa de que aquela seria a melhor atitude a ser tomada, mas na falta de uma idéia melhor, McVeigh infelizmente parecia ser a única solução. -Então, o quê você acha? – perguntou Sophie sentando-se ao lado da irmã. -Sei lá, ele me pareceu meio...vigarista. – confessou Mel receosa. -Ah, pelo anúncio dele no Google acho que é um excelente detetive. -Hã? Google? Você contratou esse cara por um anúncio na Internet?! Sophie nós precisamos de um dos melhores detetives de Manhattan, e não de uma criatura que parece ter saído de um episódio dos Sopranos! -Pra sua informação, ele já resolveu mil casos dificílimos. E eu tenho certeza que vai conseguir as provas que a gente precisa contra a vaca loira. Agora, se você está fazendo tudo isso só porque não foi o gênio que teve a idéia primeiro, aprenda a perder irmãzinha.... Como eu aprendi quando vi que a mamãe gostava mais de você do que de mim. -Você não entende, não é?! – afirmou Melissa levantando-se irada. – Isso não é uma disputa pra saber quem é melhor, é a nossa vida e eu quero tanto quanto você desmascarar a Miss Botox. Só que eu não confio nesse McVeigh. -Pois passe a confiar Missy, querendo ou não ele é a nossa única saída. – disse Sophie apresentando uma estranha calma. Sentindo que se ficasse ali acabaria discutindo sério com a irmã, Mel saiu bufando do quarto, irritada com a idéia idiota e as insinuações mentirosas que ela havia feito. Agora mais do que nunca, sabia que precisava se acalmar e pensar um pouco para arranjar uma solução e assim não deixar seu destino apenas nas mãos de McVeigh. Mas ainda assim era difícil ignorar as palavras revoltantes de Sophie. Como facas afiadas, elas a feriram de tal maneira, que só existia um lugar onde Melissa poderia esfriar a cabeça e esquecer-se de todas as angústias que a afligiam naquele momento: o tranqüilo e deserto ambiente da piscina.

114


*

*

*

*

*

Não muito longe do Meditteranean, na residência suntuosa dos Ojemann, Marvin nem mesmo teve tempo de parar e conversar um pouco com Anette, a jovem madrasta de Doug. Estava tão atrasado para o ensaio, graças a uma ligação inesperada que recebera de Chloe quando estava prestes a sair de casa, que ao entrar no apartamento do amigo seguiu direto pelo longo corredor decorado por belos quadros Renascentistas, só parando para respirar quando abriu a porta do salão onde sempre aconteciam os ensaios da Nonsense. -Ah, não! Me diz que eu não corri por Manhattan feito um louco pra chegar aqui e não ter ensaio. – bradou M.J. olhando para a reluzente bateria de Doug que estava vazia. No canto do salão, rodeado por dezenas de revistas de cifras musicais e jogado no escandaloso pufe de couro de vaca comprado por Anette, Aaron não mexeu sequer um músculo ao ver Marvin entrar pela porta de madeira que ostentava um grande pôster do grupo Sum 41. Seu rosto estava lívido e além do cansaço que exibia, era evidente que algo importante preocupava o garoto naquele momento. -Ei cara! Eu to falando com você. Será que eu to invisível?! – questionou-se M.J. abrindo os braços. – Hmm... pela sua cara o encontro com a Sophie não foi muito bom, acertei? -Não teve encontro nenhum. Eu preferi ficar cuidando da Mel que estava ardendo em febre na noite retrasada e não me arrependo, porque eu vi afinal que a Sophie é apenas um poço fundo de maldade e egoísmo. Mas o que está me deixando nervoso mesmo é isso aqui. – disse Aaron tirando um envelope amassado do bolso e jogando no colo de M.J. que agora encontrava-se sentado ao seu lado. Boquiaberto com as primeiras frases do pequeno texto contido na carta, Marvin urrou de felicidade e em um rompante cômico, abraçou Aaron que quase caiu no chão devido à força descomunal que o amigo havia empregado. -Cara você passou em segundo lugar! Você vai estudar no Conservatório Schubert, na Califórnia. Isso é demais! -vibrou M.J. dando um soquinho leve no braço do amigo.

115


Mas ao contrário da reação de Marvin, Aaron não parecia tão entusiasmado com o curso e a viagem. Sua vida havia tomado um rumo estranho depois da explosão de seu apartamento e tudo o que sempre desejou, agora parecia não ter tanta importância como antes. -Marvin, pra ser sincero eu não sei mais se quero ir pra Califórnia. – revelou Aaron. -O quê?! Depois de meses estudando pra prova você vai perder essa oportunidade? O curso é quase um passaporte pra estudar na Juilliard! -Eu sei... Mas eu não quero ficar longe de Nova York tanto tempo. Não quero me afastar agora. Com uma expressão de entendimento no rosto, Marvin captou em poucos segundos a causadora da enorme dúvida que pairava na mente de Aaron. -Sei. Você quis dizer que não quer ficar longe da Mel, não é? – corrigiu o amigo. -Do que você está falando cara? A Mel é apenas minha amiga, esqueceu? -Aaron será que só você ainda não se ligou que o que está sentindo por ela é mais que amizade? Você discutiu com o Doug por causa dela, desmarcou o encontro com a Sophie, brigou feio com o monstro do Russo mesmo sabendo que poderia parar no hospital... Cara, tudo isso só quer dizer uma coisa: você se apaixonou pela Melissa. – concluiu M.J. olhando fundo nos olhos do amigo. Por alguns instantes Aaron emudeceu. Em sua mente passaram-se todas as cenas que Marvin havia descrito, assim como o beijo que, por impulso, ele quase dera em Mel quando brincavam na cama elástica do parque de diversões. -Droga M.J, eu não sei o que esta acontecendo comigo! Não consigo mais ver a Mel como antes. Sei lá, é uma sensação tão estranha que eu sinto quando ela está por perto. Me dá uns calafrios, meu coração fica a mil como se eu tivesse corrido uma maratona. E se eu não estou com ela, eu sonho com ela, se eu não to dormindo eu penso nela. Cara é muito estranho mesmo... -Aaron, você não está apaixonado. Está é terrivelmente apaixonado! – frisou Marvin sorrindo. -Tá, tá bom... E se eu estiver? - perguntou ele finalmente admitindo e ficando com a face avermelhada. – Ela me vê apenas como um amigo, um irmão. -Isso é o que você acha. Por que é que não vai lá no hotel agora e fala o que está sentindo, ou sei lá, rouba um beijo pra ver a reação dela? -Você só pode estar louco! Ela com certeza vai dizer que eu estou confundindo as coisas, que estou me aproveitando do fato de sermos amigos! É lógico que ela vai me rejeitar...

116


-Não, ela não vai! – afirmou Marvin pegando a guitarra do garoto que estava encostada em uma mesinha e devolvendo a ele. – Você é um dos “irmãos perfeitos” lembra? O cara que arranca suspiros das garotas! E além do mais, eu vi o climão que estava rolando entre você e a Mel quando ela estava limpando seu supercílio machucado depois da briga com o Russo. Eu acho que ela gosta de você sim, vai por mim cara. Um pouco mais confiante com o apoio que M.J. havia lhe dado, Aaron se encheu de coragem, pegou sua velha guitarra e saiu correndo da cobertura dos Ojemann com o coração quase explodindo. Não sabia ainda o que diria a Melissa quando chegasse a hora, mas só de estar a caminho do Meditteranean decidido a se declarar, já era um importante começo para ele.

117


CAPÍTULO 15 CONFISSÕES

Não havia ninguém no ambiente da piscina, com exceção de Mel que se encontrava deitada pensativa na espreguiçadeira. A discussão com Sophie e o encontro com McVeigh a haviam deixado angustiada, e por mais que tivesse pensado em uma forma de não deixar seu futuro nas mãos do detetive charlatão, nenhuma idéia boa ou ruim tinha passado por sua mente. Triste devido a este fato, Mel resolveu tirar o roupão branco do hotel e mergulhar na piscina, tentando esquecer um pouco através daquela água refrescante os problemas enormes que a esperavam fora dela. Nadando de um lado ao outro, praticamente colada ao fundo graças ao incrível fôlego que tinha desde criança, ela deu duas voltas sem levantarse para respirar, até que ao retornar para a superfície, ela viu Aaron de pé, a menos de um passo da borda, olhando-a com aqueles seus sedutores olhos cor de esmeralda. -Ei! Você não deveria estar no ensaio? – Melissa perguntou vendo a guitarra do amigo largada na espreguiçadeira, onde até minutos antes ela estava deitada. -Deveria, mas o Doug não encara a banda como eu e o Marvin. Pra ele é apenas uma forma de ser popular na escola e “ganhar” muitas garotas. Deve ter saído com alguma delas e se esqueceu da gente. Não é a primeira vez que faz isso, já estamos acostumados. – disse Aaron dando de ombros. -Hmm...entendi... Bom, já que você não tem mais ensaio por que não vem dar um mergulho comigo? A água está ótima. -Eu até queria, mas estou com muita preguiça de ir na minha suíte trocar de roupa. Prefiro ficar aqui vendo você nadar como uma sereia, sempre foi tão boa nisso. -Não, tudo bem, eu já ia sair mesmo. Meus dedos estão todos enrugados iguais aos de uma velhinha. – mentiu Melissa com um sorrisinho duvidoso no canto dos lábios. – Vêm me ajuda a sair.

118


Estendendo a mão para Aaron, a garota ficou a espera de que o amigo se aproximasse um pouco mais da piscina e, quando ele finalmente agachou-se para segurar sua mão, Mel puxou a dele com toda a força. Isso o fez perder o equilíbrio e cair logo depois como um bloco de chumbo, esparramando assim uma grande quantidade de água pelas bordas da piscina. Entre borbulhas e leves ondas que se formaram, Aaron voltou à superfície onde Melissa agora emitia uma sonora gargalhada e não aparentava o menor remorso pela brincadeira infantil que fizera. -Quatro anos se passaram e eu ainda caio no mesmo truque idiota. Quando será que eu vou aprender? – questionou-se ele sorrindo, apesar de sua roupa encharcada parecer pesar uns dez quilos agora. -Certas coisas nunca mudam Dentinho. -É mesmo... ainda bem... -Hã? Não entendi a ironia. – resmungou Melissa aproximando-se mais do amigo. -Não foi ironia. É que alguns dias antes de você voltar pra NY, eu me lembrei das nossas brincadeiras, da várias broncas que a gente levava e pra falar a verdade, fiquei com medo de que você me tratasse como um estranho. Achei que ia passar por mim na rua e virar o rosto. Sei lá, eu pensava que ia ignorar a nossa amizade de tantos anos. Mas aí você falou comigo na sua festa de boas vindas e parecia a mesma Melissa de sempre. Era como se esses quatro anos tivessem sido apenas mais um daqueles fins de semana que você passava com seus pais na casa de praia em South Hamptons. Nada havia mudado. -Quer dizer então que eu ainda sou aquela balofa tampinha que não aguentava apostar corrida com você, é? -perguntou Mel brincando. -Não foi isso que eu quis dizer, garota complicada! – exclamou Aaron ficando frente a frente da amiga. – E se quer saber, esses anos todos fizeram você ficar linda. -Ah, opinião de melhor amigo não vale... -É, mas antes de ser seu amigo eu sou um cara como outro qualquer, e na minha opinião sincera de garoto eu te acho muito bonita, mais do que a Sophie ou qualquer outra garota da escola. Naquele momento Mel que fugia dos olhares diretos de Aaron encarou-o afinal. A proximidade entre os dois era tamanha que ele agora apenas sussurrava, como se as palavras que dizia fizessem parte de um segredo.

119


-Sabe, você tem os olhos mais lindos que eu já vi. É incrível como em todos esses anos eu nunca reparei neles, como nunca reparei no seu rosto, na sua boca... O coração de Aaron palpitava de tanto nervosismo. O mesmo clima estranho que tinha rolado entre eles no parque de diversões e na festa de Vicky havia voltado, e por mais que Mel tivesse percebido, ela preferiu ficar quieta olhando profundamente nos olhos do amigo enquanto esperava sua reação. Durante alguns segundos Aaron permaneceu imóvel, hesitante, até que tomado pela vontade irresistível que o consumia, foi aproximando-se cada vez mais e mais do rosto de Melissa e enlaçando-a de forma suave com seus longos braços dentro d’água finalmente a beijou. No começo os lábios dos dois tocaram-se como se fossem dois cristais finos prestes a quebrarem, mas depois arrebatado pela sensação inexplicável que percorria todo seu corpo, Aaron abraçou Mel de um jeito ainda mais forte fazendo com que o corpo dos dois ficassem colados como nunca. Ali, sentindo o coração acelerado um do outro, o beijo que até então era suave tornou-se ardente, agarrado, apaixonado como nos filmes. A diferença de altura entre eles parecia não ser problema. Apesar de Aaron ser bem mais alto, os dois encaixavam-se como se tivessem sido feitos um para o outro. Mel cabia direitinho nos braços dele. Longos minutos se passaram durante o beijo, mas ambos mergulhados na incrível sensação que sentiam perderam por completo a noção de tempo e espaço. Nem mesmo o leve cheiro de cloro da piscina os incomodava. De repente, acordando para aquela estranha realidade, Melissa empurrou Aaron, que sem nada entender ficou paralisado a olhando. -Eu tenho que ir. – disse Mel assustada. -Não! Espera! Eu preciso falar com você! – protestou Aaron. Mas ela não quis ouvir o que o garoto tinha a lhe dizer, apenas saiu agitada da piscina e pegando o roupão do hotel que estava na espreguiçadeira colocou-o de qualquer forma sobre o corpo molhado. Aaron ainda pediu várias vezes para que ela esperasse, só que antes mesmo dele sair da piscina, Mel já havia sumido após passar pela pequena porta de madeira que dava para o corredor. Ensopado e muito chateado com a reação da amiga, ele sentou-se na espreguiçadeira onde encontrava-se sua guitarra e tirou a camisa com uma expressão confusa no rosto. Enquanto torcia sua encharcada blusa preta com o símbolo dos Rolling Stones, a cena do

120


beijo voltou a sua cabeça e, ainda que se sentisse feliz por ter acontecido o que tanto queria, uma pontinha de tristeza e medo tomou seu coração. Afinal, não agüentaria se no dia seguinte Mel começasse a ignorá-lo por causa daquilo. Seria duro demais pra ele perder de uma só vez sua melhor amiga e agora a garota por quem estava perdidamente apaixonado.

*

*

*

*

*

-Você sabe que eu gostaria de ficar e conversar mais sobre o lance do Aaron, mas os meus pais vão jantar no Allain Ducassi hoje. Sabe como é, meu pai esqueceu o aniversário da mamãe e agora vai ver se conserta as coisas com uma jóia cara da Tiffany’s e um bom restaurante. Então eu vou ter que ajudá-lo a escolher o tal presente de desculpas. – disse Chloe debruçada no parapeito do terraço enquanto observava as luzes da cidade. -Não tem problema. Você já fez muito vindo aqui me ver mesmo estando no meio de um encontro com o Marvin. Desculpa por estragar tudo. Acho que nestas últimas semanas eu só tenho feito isso. – suspirou Melissa sentada no chão do terraço ao lado de onde a amiga estava. -Isso não é verdade Mel! Está certo que fugir do garoto que é apaixonada e se esconder no terraço não é um atitude lá muito normal, mas pelo menos é compreensível. -Chloe ele me beijou! Eu gostei sim, gostei muito, na verdade era o que mais queria desde que eu o vi na festa de boas vindas, só que talvez ele tenha feito isso porque o lance com a Sophie não deu certo e ele agora está carente. -Duvido amiga. O Aaron não faz esse tipo de coisa. Quando ele se apaixona por alguém de verdade, não olha pra mais ninguém apesar de quase todas as garotas da escola se jogarem em cima dele. Se quer um conselho, tome um banho, tire esse cloro do cabelo, essa roupa que você vestiu de qualquer jeito sobre o biquíni e vá falar com ele. Só assim vai saber o que o Aaron sente de verdade. – afirmou Chloe, agora agachada, abraçando a amiga e encostando sua cabeça de forma terna na dela. Surpreendendo as duas garotas, um barulho estranho de porta rangendo ecoou pelo terraço. Após passar pelas inúmeras pilhas de caixas de papelão que se amontoavam cada

121


vez mais no local, Aaron apareceu diante delas que em um impulso levantaram-se rápido devido a sua presença. Ele estava lindo, com as mãos no bolso de uma calça jeans clara e uma blusa vermelha, onde se encontrava escrita a frase “I’m your guitar hero”. Cheirava a uma mistura de gel e perfume Polo Blue que, apesar de serem um pouco diferentes, causavam uma sensação deliciosa e irresistível ao olfato. -Oi Aaron. Ih, caramba! Olha a hora! Meu pai já deve estar arrancando os cabelos de raiva. – disse Chloe olhando teatralmente para o relógio. –Sério, eu tenho que ir, amanhã a gente conversa amiga. Apressada, Chloe deu um tchauzinho para Aaron e quase que correndo, mesmo não estando tão atrasada assim como havia afirmado, atravessou a porta de metal do terraço que rangeu devido à falta de óleo. Sozinhos de novo, Melissa preferiu fugir dos olhos sedutores de Aaron e encostando-se no parapeito do terraço ficou de costas para ele, olhando o movimento agitado da cidade que nunca dorme. Um pouco sem jeito, Aaron aproximou-se dela e mesmo com a amiga o ignorando, tomou fôlego para dizer tudo que havia ensaiado enquanto tomava banho. -Mel, olha pra mim, por favor. – pediu ele. –Eu não sei se você se arrependeu do que rolou na piscina, mas eu só queria dizer que eu não me arrependi de ter te beijado. Surpresa por aquelas palavras Melissa virou-se para o garoto. Todo o seu corpo vibrava naquele momento. -É, não me arrependi. – continuou Aaron. -E se pudesse beijaria você de novo e de novo, porque acho que eu estou... apaixonado... E se você estiver sentindo o mesmo, eu não vou pro curso de música que me ofereceram na Califórnia. Por que nós já passamos quatro anos longe um do outro e eu não quero passar mais três meses. Mas se você disser que não sente nada por mim, embora eu ache que sinta, amanhã mesmo eu começo a preparar tudo para a viagem. -É? E a Sophie? Você não era a fim dela? – Mel perguntou com firmeza. -Ah, eu estava vidrado em uma ilusão e demorei pra descobrir isso. Não senti pela Sophie em um ano o que eu senti por você em um mês. Mas agora que eu descobri porque que meu coração parece dar cambalhotas quando te vejo, não quero perder mais tempo, não quero perder você...

122


Aquela declaração de Aaron havia derretido Mel. Uma alegria e euforia incríveis tomaram seu coração e apesar da timidez, ela sentiu que era hora de dizer a verdade ou então poderia perdê-lo pra sempre. -Eu... me apaixonei por você quando te vi na festa de boas vindas. Não sabia que era o meu melhor amigo de tantos anos, só sabia que era o garoto mais charmoso que eu já tinha visto. -Então você... E Aaron chegou bem pertinho do rosto de Mel. -É eu gosto sim. – completou a garota, inclinando sua boca na direção da dele. Como se fosse um sonho, Mel fechou os olhos e sentiu os lábios suaves de Aaron tocarem os seus mais uma vez. O beijo dele era quente, macio, gostoso e a fez sentir que levitava enquanto seus braços enlaçavam sua cintura com paixão. Melissa não ouviu fogos, nem sinos como alguns dizem que acontece, mas a sensação de estar com Aaron havia sido indescritível. Ele era um sonho, o garoto perfeito que todas as meninas desejavam e agora para sua felicidade era seu, só seu...

123


CAPÍTULO 16 DIAMANTES E CHAMPANHE

Ao abrir a porta de seu ex-apartamento no edifício Dakota em plena Central Park West, Linda nem mesmo perdeu tempo com o funcionário da empresa telefônica que viera solucionar um problema na rede. Ignorando o homem como se fosse uma coisa qualquer, atravessou metade da cobertura que conhecia muito bem e chegando ao aposento de Blos, seguiu direto para o banheiro onde seu amante de certo estaria. Na jacuzzi gigantesca com detalhes dourados, William Blos tomava um delicioso banho de espuma ao som de “A Day in the life” enquanto ostentava uma taça de champanhe cristal na mão esquerda e fazia círculos de fumaça com o charuto Cubano que havia ganho de presente de Linda. Sentia-se rico, poderoso, e agora mais do que nunca, tinha certeza de que todo o esforço para se tornar milionário estava valendo à pena. -Bom dia amorzinho! Senti tanta saudade de você. Não aguentava mais olhar para o rosto daquele idiota do Albert. Nunca vi um homem tão insuportável quanto ele, quero dizer, até vi, mas pra minha sorte ele morreu providencialmente de enfarto e está bem quietinho, descansando em paz a sete palmos de terra. -Eu sei querida, só que você vai ter que aguentar mais um pouco, o Fenner não me parece ter a saúde tão fraca como a do seu falecido marido. Nós precisamos é nos concentrar para que a primeira parte do plano dê certo, aí então vamos partir para a segunda parte: a eliminação. – afirmou Blos com a maior frieza enquanto tragava mais uma vez seu charuto. -Quanto a isso não se preocupe. –Linda disse pegando um pouco de espuma e assoprando na direção do amante. – O casamento vai acontecer daqui a quatro dias e ninguém vai nos atrapalhar, nem mesmo as idiotinhas das filhas do Fenner. Elas não têm provas sobre o nosso envolvimento, e a que mais me preocupa justamente por ser a esperta da dupla está

124


apaixonada pelo Aaron. Já faz quase uma semana que os dois não se desgrudam e duvido que a Melissa faça alguma coisa logo contra mãe do namoradinho. Ela sabe que se aprontar algo pode perdê-lo. -Então as adolescentes mimadas não ameaçam mais os nossos planos? -Graças a essa virada do destino não. – sorriu Linda com cinismo enquanto tomava a taça de champanhe da mão de Blos. – Essa paixão adolescente nos veio a calhar, e a Sophie sem a irmã é apenas mais uma patricinha de nariz empinado que só sabe soletrar a palavra Prada. Podemos ficar tranqüilos. Aproximando-se da amante, Blos pegou de volta a taça de champanhe e a ergueu no ar brindando sozinho pelos futuros milhões que ganhariam. Depois bebeu o pouco champanhe restante e saboreou-o sentindo em meio ao álcool da bebida um certo gostinho de vitória, ainda que antecipado. -Que tal um almoço em um bom restaurante hoje para comemorarmos? Boas notícias me dão uma fome... -Só boas notícias? – perguntou Linda irônica. – Mas até que não é má idéia. Nós nunca mais saímos juntos desde que aquelas pestes descobriram o nosso caso. -Então se apronte querida. – disse Blos levantando-se cheio de espuma enquanto fazia um círculo de fumaça com o charuto. –Hoje nós vamos usar o Porsche! Eufórica com a idéia, Linda encheu de novo a taça de champanhe que quase transbordou e colocando a aliança de diamantes que ganhara de Albert dentro dela, bebeu calmamente olhando-se no espelho. Em um futuro próximo ela seria a senhora Fenner e, se tudo corresse como ela e Blos planejaram, a mais nova viúva milionária de Manhattan.

*

*

*

*

125

*


Desde que havia chegado em Nova York, Mel pela primeira vez sentia-se feliz de verdade. E o responsável por toda essa alegria, óbvio, era Aaron que não saia um só segundo de perto dela. Naquelas últimas semanas os dois estavam mais grudados do que nunca, e mesmo que não tivessem contado a ninguém que andavam saindo (exceto Chloe e M.J.), não era difícil para Beck ou mesmo Sophie perceberem o que estava rolando entre eles. Afinal, todos aqueles programas típicos de namorados como ir ao cinema e andar de carruagem nos entornos do Central Park eram mais do que denunciadores. Mas enquanto Mel encontrava-se “nas nuvens” por ter conseguido conquistar Aaron, o dia do casamento se aproximava sem que o detetive McVeigh desse “algum sinal de vida”. Melissa até tentou pressionar Sophie uma vez para que ela ligasse e exigi-se alguma ação concreta do detetive, mas agora estava distraindo-se tanto com os beijos e abraços de Aaron, que apesar de saber o quanto uma prova contra Linda seria importante, ela passava mais tempo pensando no “quase-namorado” do que na traição da madrasta. Além disso, havia um impasse bem maior naquele momento. Linda era mãe de Aaron e mesmo que fosse uma golpista maquiavélica sem escrúpulos, ainda assim ela era uma, das poucas pessoas com quem ele ainda podia contar na vida, já que o senhor Stonewell havia morrido há algum tempo atrás. Sabendo dessa triste realidade e envolvida pela paixão que sentia pelo garoto, Melissa resolveu esquecer um pouco de Linda e decidiu então que só agiria contra a madrasta se a situação viesse até ela por mera obra do destino, o que a julgar pelo cuidado que a Miss Botox tinha em relação ao seu plano, isso dificilmente aconteceria. Pelo menos, era isso que Melissa achava.

126


CAPÍTULO 17 A PERSEGUIÇÃO

Mesmo com o vapor quente que circulava por Manhattan naquela tarde ensolarada, Mel e Aaron preferiram sentar nas mesinhas brancas que ficavam na calçada do restaurante NY 300. Sob a sombra de um enorme guarda-sol amarelo Melissa recostou-se na cadeira, satisfeita por ter tomado sozinha um delicioso milk-shake de morango. Sentado a sua frente depois de comer uma porção de fritas com muito ketchup, Aaron agora sorria daquela forma luminosa que ela tanto admirava. Havia um certo ar de mistério em seu semblante, no entanto, Mel preferiu não interrogá-lo mais sobre a estranha sacola que o garoto havia trago sem lhe dizer o que havia em seu conteúdo. Naquelas últimas semanas tudo estava sendo tão perfeito que seria uma bobagem ficar enchendo-o de perguntas por um mero segredo que mais cedo ou mais tarde ele lhe contaria. -E então, o que vamos fazer depois daqui? Cineminha com Chloe e M.J. ? – perguntou Mel tentando esquecer-se da curiosidade que a consumia. Fingindo estar cansado Aaron espreguiçou-se na cadeira. -Que tal passar mais alguns minutos fazendo nada com o Aaron? – sugeriu ele rindo. -Eu tenho uma proposta melhor, que tal a Mel passar o tempo beijando o Aaron? -Hmm... Acho que essa proposta soou melhor que a minha. – disse ele debruçando-se na mesa para beijá-la. -Eu sabia que você ia concordar. – afirmou Melissa dando uns leves beijinhos nele. Até que, de forma inesperada, Aaron recuou e sentou-se novamente na cadeira com aquele olhar que tanto intrigava Melissa. -Mas antes de todo esse tempo da Mel beijando o Aaron, o “Dentinho” tem uma surpresa para a senhorita “Pimenta”.

127


-Surpresa pra mim?! É sério?! Aaron então pegou a sacola que repousava na calçada e colocou-a em cima da mesa diante dos olhos repletos de curiosidade de Mel. Por uma fração de segundos, ela ficou inquieta, esperando pela revelação daquele segredo guardado por horas, até que Aaron fez um pequeno gesto com a mão indicando para que ela pudesse ver afinal a coisa digna de tanto mistério. Ao enfiar a mão na sacola, Mel sentiu algo muito fofo e quando puxou o tal objeto de seu interior, um lindo urso de pelúcia branco surgiu diante dela. -Reparou alguma coisa familiar na ursinha? –Aaron perguntou. De fato a pelúcia parecia uma cópia reduzida de Mel, tinha tênis All Star cinza, calça clara e uma blusa preta escrito Pink, parecidíssima com a mesma camisa que ela tinha de sua cantora favorita. -Sou eu?! -É, e esse aqui... – disse ele tirando o outro ursinho da sacola. -...sou eu, como você pode ver pela blusa estilo Punk e a guitarrinha colada na pata. -Ai, Aaron, eles são lindos! Onde você comprou? -Eu fiz especialmente na loja “Build a Bear” pra nós. Quero dizer, eu não fiz com as minhas próprias mãos, só escolhi os acessórios que iriam ser colocados nos ursinhos. -Nossa eles são tão fofos e macios. – disse Mel enquanto abraçava as duas pelúcias parecendo uma criança. -É. E o mai legal de tudo é que eles vêm com certidão de nascimento e a gente é que escolhe o nome. A ursinha se chama Lily Fenner e o ursinho Woodstock Stonewell. Eu vou ficar com ela e você com ele, porque assim, à noite, quando estivermos longe um do outro, a gente vai poder abraçar os ursinhos e não sentir tanta saudade. Emocionada com aquele presente tão lindo e carinhoso de Aaron, Mel levantou-se para beijá-lo de novo quando de repente, desfilando pela rua, um magnífico Porsche Carrera vermelho passou bem devagar em frente ao restaurante NY 300. Apesar do carro possuir vidros escuros, a pessoa que o conduzia baixou-o para jogar alguma coisa na rua que Melissa não reparou o que era. Estava chocada demais, pois, a poucos metros dela, encontrava-se William Blos sorridente, dirigindo um Porsche caríssimo que de certo havia sido comprado com o dinheiro da explosão do apartamento de Louise.

128


Mel sabia que tinha prometido a si mesma deixar tudo por conta do detetive McVeigh, mas a vontade de desmascarar sua futura madrasta era tão grande que sem pensar nas conseqüências, ela tomou uma incrível decisão. -Ai meu Deus! Aaron desculpa , mas eu me esqueci, tenho uma prova de vestido de dama agora mesmo. Depois a gente se fala. – disse ela apressada, pegando a sacola com Woodstock e depois saindo correndo feito louca pela rua. Não entendendo nada, Aaron viu Mel desaparecer ao entrar em um táxi, deixando-o sozinho no restaurante sem uma explicação convincente. Porque aquela ele com certeza não havia “engolido”, já que todas as vezes que Melissa ia provar o vestido de dama de honra parecia mais que iria fazer uma cirurgia de canal sem anestesia do que experimentar uma simples roupa. Enquanto isso no trânsito odioso de Manhattan, o taxista tentava seguir o Porsche vermelho a pedido da garota, embora a perseguição fosse um tanto lenta, devido a pequena retenção que se estendia em um ponto da Rua Lexington. Mesmo assim, Melissa não tirava os olhos do carro vermelho distante poucos metros de onde ela estava. Dessa vez, sentia que o tão esperado flagrante aconteceria, e que para isso era preciso avisar a Sophie e, é claro, McVeigh. -Alô, Sophie? É a Mel. Eu “tô” seguindo o Blos e a Linda, eles estão num Porsche vermelho, ligue pro detetive e mande ele ficar de sobre aviso. Assim que eu souber pra onde eles vão, eu te ligo. Hã? Aaron? Não, não, eu “tô” sozinha, depois te explico... Tchau. E desligando o telefone celular que ganhara do pai no dia anterior, Mel pôs-se a olhar para o carro onde a madrasta estava, atenta para não perdê-lo de vista, o que a julgar pela marca e pelo engarrafamento, seria bem improvável. O tráfego que até então era lento começou a ganhar um pouco mais de velocidade, até que a retenção finalmente acabou e o Porsche Carrera de William Blos pôde exibir-se pela rua. “Colado” a ele, o táxi em que Mel estava pôs-se a segui-lo a pedido da garota. A perseguição continuou sobre algumas ruas de Manhattan, sem que o amante de Linda percebesse o que estava acontecendo. Para ele tratava-se apenas de mais um taxista novato em Nova York que ainda não tinha aprendido as regras da cidade. Só que ao contrário de Blos, Linda havia começado a desconfiar do táxi, devido ao fato dele estar “grudado” atrás do Porsche a mais de vinte minutos. -Querido, pise fundo. –ela ordenou olhando pelo retrovisor do carro para o táxi. -Mas porque ? Já vamos chegar no restaurante.

129


-Esqueça o restaurante. Acho que uma das nojentinhas adolescentes está nos seguindo. -O que? As filhas do Fenner?! Mas você mesmo disse que... -Eu sei o que eu disse. - gritou Linda exasperada. - Agora faça o que estou mandando! O carro de Blos então demonstrou toda sua potência e ultrapassando com grande perigo outros automóveis, furou o sinal vermelho que havia acabado de se fechar. Um pouco atrás deles o táxi freou repentinamente diante do semáforo, fazendo Mel bater seu ombro com toda força na tela à prova de balas que dividia o carro. -Ei, por que parou? – perguntou ela irada para o motorista, ainda sob o efeito da freada brusca. -Desculpa minha jovem, mas o sinal fechou e eu não posso ganhar mais uma multa não. -O quê? Olha, eu te pago o dobro, até o triplo da corrida se o senhor for atrás deles, está bem? Mas o taxista continuou irredutível e Melissa sem escolha afundou-se no banco do carro xingando baixinho alguns palavrões em português, para que desta forma, o motorista não pudesse entender o que ela dizia. O Porsche de Blos já havia sumido a muito tempo do seu campo de visão e, além de ter falhado no flagrante da madrasta, seu ombro ainda por cima começava a doer de uma forma lancinante.

130


CAPÍTULO 18 UMA MANCADA DE SOPHIE

Já passavam das dez da manhã quando Melissa acordou. Mesmo cheia de preguiça e o ombro ainda um pouco dolorido, decidiu levantar-se e pedir ao menos um bom café da manhã para compensar o péssimo dia anterior. Havia mentido para Aaron, ficado com uma dor odiosa e talvez perdido sua última chance de desmascarar a madrasta... “Bom, pior não pode ficar” pensou ela jogada na cama enquanto esperava o café da manhã, até que batidas secas ecoaram pela silenciosa suíte fazendo-a despertar de seus pensamentos. -Quem é? – perguntou Mel ajeitando o cabelo da melhor forma possível, embora já imaginasse do que se tratava. -Serviço de quarto. – respondeu a voz do lado de fora da suíte. Levantando-se da cama um pouco mais animada, Mel foi até a porta e abriu-a para que o jovem empregado do hotel entrasse com o carrinho repleto de guloseimas que ela havia pedido. Faminta e esquecendo todas as boas maneiras que Sophie insistia em lhe ensinar, Melissa pegou um delicioso pudim e começou a saboreá-lo, como se o açúcar presente naquela sobremesa fosse aliviar todas as sensações ruins que haviam restado do terrível dia anterior. Repentinamente batidas soaram de novo na porta e Mel, meio que por impulso, acabou ordenando para que a pessoa desconhecida entrasse.

131


Aaron surgiu na suíte e caminhou até ela bem devagar. Não parecia triste, mas também não demonstrava o sorriso luminoso que sempre possuía. -Nós precisamos conversar. – afirmou ele sentando-se na cama ao lado dela depois de beijar-lhe a bochecha com doçura. - Hum. Ok – respondeu Melissa um pouco nervosa enquanto levava mais uma colherada de pudim a boca. -Mel... -Pode falar Aaron. -Você gosta mesmo de mim? Por alguns instantes, ela sorriu aliviada. Pelo visto, a visita repentina de Aaron tinha mais haver com insegurança amorosa do que com a atitude inesperada dela no restaurante. -É claro que gosto! Você ainda duvida disso?! -Então você vai me dizer o que aconteceu de verdade ontem, não vai? Surpresa com aquela pergunta tão direta de Aaron, Mel sentiu o corpo todo tremer e suas mãos, que até então seguravam firmes a colher e o prato de pudim, ficarem moles, quase sem vida, o que acabou por deixar que a calda e praticamente toda a sobremesa que comia caíssem do prato bem na blusa listrada do garoto. -Ai meu Deus... Eu sou um desastre mesmo, olha só isso! Desculpa Aaron, eu não tive intenção de... -Eu sei, eu sei. Não se preocupe. – interrompeu ele levantando-se da cama. – É só dar uma lavadinha que sai. -Mas e se não sair? – perguntou Mel cheia de remorso. -Não tem problema, eu não gosto mesmo desse estilinho “bom Moço” de roupas. – respondeu ele referindo-se à blusa pólo com listras verdes e azuis que usava. Tentando não espalhar mais ainda a calda grudenta que encontrava-se em sua blusa, Aaron foi até o banheiro e pôs-se a lavá-la na pia, um tanto desengonçado já que nunca havia feito aquilo sequer uma vez na vida. Ainda sentada na cama, Mel olhava triste para um pequenino pedaço de pudim que agora repousava no chão depois de ter feito um estrago na camisa de Aaron, quando Sophie entrou praguejante no quarto falando alto e rápido feito louca. -Aquele McVeigh é um idiota! Fez fotos da Linda sozinha, sem aquela escória do amante dela. Isso não serve pra provar que ela é golpista! –berrou Sophie com as faces rosadas de raiva enquanto jogava uma dezena de fotos da futura madrasta em cima da mesa.

132


Com gestos Mel tentou impedir a irmã de dizer mais coisas comprometedoras sobre a mãe de Aaron, mas Sophie estava tão irada com a situação, que nem mesmo prestou atenção nos movimentos negativos que Melissa fazia com suas mãos e cabeça. -Aquela vaca loira tem muita sorte desse detetive ser um idiota. Mas ela vai ver só, esse casamento não sai. Eu vou provar todas as armações de Linda Stonewell! –bradou ela dando um soco na mesa onde havia jogado as fotos. No mesmo instante Aaron saiu estupefato do banheiro com a blusa meio úmida nas mãos e olhou boquiaberto para Mel, que se encontrava em silêncio, totalmente estática. Ao ver o garoto, Sophie também sentiu seu corpo congelar, e a única palavra que conseguiu sair de sua boca foi um “Oops” meio sem graça, típico de alguém que havia feito uma grande burrada e não sabia como sair daquela situação. -Espera! Eu “to” ficando louco ou ouvi certo, vocês estão seguindo a minha mãe?! –Aaron perguntou com os olhos repletos de raiva ao ver as fotos de Linda jogadas na mesa. -Olha, desculpa Aaron, mas estamos sim! A gente acha que ela quer dar o golpe no nosso pai e que ela tem um amante, que por sinal é sócio dela nesse e em outros planos sórdidos. – respondeu Sophie sem meias palavras. -Mas pelo o quê eu ouvi vocês não podem provar nada, não é? E sabe por quê? Porque a minha mãe pode ser tudo, menos esse monstro horrível que vocês estão dizendo. E você sabe muito bem disso Mel. Ela sempre te tratou com carinho e quando você ia dormir lá em casa, pois dizia que você era a filha que ela nunca teve. Ou você já se esqueceu daquela época e vai ter coragem de dizer que a minha mãe não presta?! Melissa preferiu não responder de imediato as perguntas raivosas de Aaron. Primeiro pediu que Sophie saísse e só então depois que viu a irmã sumir pela porta começou sua defesa contra as acusações de ingratidão e leviandade que o garoto havia feito. -Olha, eu sei que é difícil pra você entender como filho dela, mas se coloque na minha posição de filha também... -Mel, você esteve o tempo todo fazendo isso pelas minhas costas, acusando a minha própria mãe de coisas horríveis sendo que ela nunca te fez nada! -Aaron eu sinto muito, muito mesmo, mas eu já vi o amante da Linda, e eu tenho certeza que os dois tramaram a explosão do seu apartamento. -O quê? Explosão?! Você deve estar delirando. – Aaron bradou parecendo desnorteado. Quer saber, eu não preciso ouvir mais nada. Agora eu percebi que a Mel, a que era minha amiga de verdade, morreu quando foi pro Brasil e nunca mais voltou. Eu não conheço essa

133


garota que está na minha frente. E quer saber outra coisa? Me esquece, está bem? Me esquece! Irado com acusações de Mel, Aaron pegou a camiseta molhada que em um momento de fúria havia jogado na cama, e saiu da suíte batendo a porta de tal forma que um dos quadros que decorava a parede do quarto quase caiu devido ao excesso de força usada pelo garoto. Vendo-o sair daquela forma e lembrando-se de tudo que ele havia dito, Mel se jogou na cama agarrando seu travesseiro fofo de plumas e começou a chorar de raiva e tristeza. Sentia-se oca, vazia mesmo por dentro, como se algo lhe tivesse sido arrancado do peito à força. No corredor do hotel, os olhos verdes de Aaron marejaram-se de lágrimas, mas ele as conteve. Por uma fração de segundos o garoto olhou para trás, para a porta de onde havia acabado de sair e magoado alguém que tanto gostava. Até pensou em voltar, tentar conversar com Mel, mas o orgulho e decepção dominaram sua cabeça de tal forma, que o fizeram virar-se para frente e continuar andando firme até seu quarto. Ignorando assim o desejo imenso de seu coração que pedia para ele seguir o caminho inverso e voltar para o lugar de onde nunca deveria ter saído.

134


CAPÍTULO 19 EUGENNE SINCLAIR ACADEMY

-Para quem conseguiu uma vaga no disputadíssimo curso de música do Conservatório Schubert, você não me parece muito animado. – comentou Linda com um certo timbre de ironia na voz. De braços cruzados e encostado no espelho que decorava o elevador do Meditteranean, Aaron lançou um olhar do tipo “Me deixe em paz” para a mãe, logo depois voltando a fitar mau humorado a luzinha amarela que sinalizava o andar onde o elevador se encontrava. -É uma pena que seu vôo parta no mesmo horário do casamento. Será um evento que Manhattan se lembrará durante meses. -Animado ou não, o que importa mãe é que eu vou ficar livre do meu irmãozinho revoltado por cento e dois dias, e isso é mil vezes melhor do que qualquer casamento super badalado. –disse Oliver sorrindo satisfeito e jogando pra trás alguns fios dourados de seu cabelo. -Três meses não são cento e dois dias, seu idiota. E pra sua informação ficar bem longe de você, do outro lado do país é tudo que eu mais desejei na vida. -Ok! Ok! Agora chega! – interviu Linda. – Daqui a alguns segundos a porta deste elevador vai se abrir e o Albert estará nos esperando. Eu quero sorrisos brancos e largos para o futuro padrasto de vocês, entenderam? Quando o elevador chegou ao térreo afinal, Oliver foi o primeiro a lançar o sorriso bajulador que a mãe lhes suplicara. Completando a cena, Linda aproximou-se de Albert e lhe beijou o rosto de forma carinhosa, enquanto Aaron, ainda deprimido, continuou com o ar sério e triste que não fazia a menor força para esconder. -Então querido, vamos?- Linda perguntou enquanto enlaçava seu braço no de Albert. -Mel e Sophie ainda não desceram e antes do ensaio para o casamento eu pensei em matricular Melissa na Sinclair Academy de uma vez. Você se importa minha querida?

135


-Ah, mas é claro que não amorzinho. Enquanto vocês resolvem as questões escolares Oliver, Sophie, Aaron e eu podemos ficar em um bom restaurante para passar o tempo, não é queridos? -Na verdade... eu acho que vou com o senhor Fenner a escola. Preciso falar com o tio Harold sobre o curso na Califórnia e ver como eu farei para não perder o ano. – disse Aaron sem perceber que Mel e Sophie haviam acabado de chegar ao luxuoso hall. Diante da expressão de Melissa era óbvio que ela tinha ouvido tudo sobre o curso e a decisão dele de partir. Um certo tom sombrio logo tomou os olhos azuis e o coração da garota por causa disso. Aaron até fitou Mel por alguns instantes, meio sem graça, mas logo desviou o olhar para o chão reluzente do Meditteranean; não queria encará-la e muito menos ver tristeza ou decepção naqueles olhos. Com um pedido de desculpas “preso à garganta”, ele foi andando sozinho até onde a limusine encontrava-se estacionada e, sendo o primeiro a entrar, acomodou-se na janela estrategicamente para distrair-se como o movimento da rua e assim não olhar para Mel.

*

*

*

*

*

Depois de deixar Linda e os outros no Le Bernardin, a Limusine de Albert parou em frente ao portão de ferro da cara e tradicional Eugenne Sinclair Academy. Melissa tinha até boas recordações do lugar, mas agora elas a causavam uma certa dor porque todas eram ou pelo menos tinham alguma coisa haver com Aaron. -O jardim continua esplendido. – afirmou Albert olhando para os pequenos arbustos que se encontravam podados simetricamente. Sentada perto do pai, Mel ainda estava mergulhada em suas lembranças infantis. Era como se estivesse vendo naquele momento, ela e Aaron ainda crianças correndo e sorrindo por ali. Graças a esta volta no tempo, ela não pode notar os olhares rápidos que o garoto lhe lançava a todo instante, e que procurava disfarçar fingindo estar muito interessado no que Albert dizia.

136


Após a limusine ter sido estacionada diante do lugar onde há mais de meio século funcionava a Sinclair Academy, Albert, Aaron e Mel seguiram até o gabinete do diretor Harold Sinclair onde, enclausurado entre belas estátuas e livros centenários, ele parecia isolar-se do mundo. -Podemos entrar ou será que estamos atrapalhando a leitura de algum grande clássico? – brincou Albert aproximando-se da grande mesa de madeira talhada onde o diretor folheava um livro pacientemente. -Como já dizia Victor Hugo em “Os miseráveis”, os livros são “amigos desapaixonados e fiéis”. Por isso acho que eles podem esperar mais um pouco pela minha companhia. Então o que desejas meu velho amigo e futuro cunhado?- indagou Harold, erguendo sua cabeça para encarar Albert. -Lembra-se de minha filha Melissa? Felizmente ela voltou a morar conosco e esperamos fazer hoje mesmo sua matrícula para o próximo semestre. Ao voltar seus olhos para Mel, o rosto do velho Harold iluminou-se. Lembrava-se perfeitamente que de todos os alunos da Sinclair Academy, Melissa era a mais brilhante em Inglês, a matéria que até então ele lecionava antes de se tornar o diretor interino. -Como vai querida? – perguntou o velho tirando os óculos de leitura e colocando outro de lentes grossas para vê-la melhor. -Ah, muito bem senhor Sinclair. -Que bom. E você meu sobrinho, o que o traz aqui? – perguntou ele virando-se para Aaron. – As aulas só começam daqui a duas semanas. -Na verdade eu vim fazer um pedido tio. Eu consegui ser selecionado para um curso no Conservatório Schubert, mas ele deve durar três meses e... -Já sei, já sei. Você não quer perder o ano não é? Pois bem, façamos o seguinte: você deverá providenciar uma declaração do conservatório que confirme sua presença no curso. Essa declaração pode até mesmo ser enviada pra nós por fax ou e-mail. Como você continuará estudando, nós enviaremos o conteúdo das matérias pela Internet e quando entrarmos no período de provas as enviaremos para Schubert, onde você as fará, supervisionado é claro por um professor da própria escola de música. Filho, você não é o primeiro aluno da Sinclair Academy a conseguir participar deste curso e espero que não seja o último. Nós sempre produzimos grandes talentos em todas as áreas; é algo que já faz parte de nossa tradição acadêmica.

137


-É, eu sei tio. Mas mesmo assim muito obrigado, esse curso vai ser muito importante pra mim. -Bom, já que está tudo combinado por que você não reapresenta a nossa doce Melissa a escola enquanto eu e Albert discutimos os tramites da matrícula dela? A Sinclair Academy mudou bastante. – afirmou o velho Harold sentando-se em sua mesa enquanto trocava mais uma vez seus óculos. Mesmo hesitante, Aaron pediu a Mel que o seguisse e saindo da sala impregnada de um cheiro muito parecido com o de mofo, graças aos milhares de livros antigos de seu tio, percorreu os corredores da escola ao lado da ex-amiga como um mero guia de excursão. Mostrou-lhe mecanicamente as salas de aula, o café, o pequeno teatro, o ginásio com seu novo anexo, o minúsculo campo multiuso e por último, um pátio extremamente florido o qual reviveu ainda mais as lembranças de Mel. -A gente corria muito por aqui, lembra? – ela perguntou sentindo o delicioso perfume das rosas amarelas que exalavam por todo o jardim. Quieto e de costas para Mel, Aaron fixou seus olhos na imponente estátua de seu avô, o fundador da Sinclair Academy, que situava-se no centro do pátio, e ignorou a garota como se ela não estivesse ali. -Aaron, você está indo pra Califórnia por minha causa, não é? – perguntou Mel colocandose na frente do garoto. -É uma chance única. – Aaron afirmou enquanto cruzava os braços sem ainda encará-la. -Não é não. Olha pra mim, por favor! Há dias atrás você não queria perder três meses, pois disse que já tinha perdido quatro anos... -Mas isso foi antes de eu saber o que você estava fazendo pelas minhas costas Melissa. -Então é isso? Você não gosta mais de mim? Responde Aaron, você não gosta mais de mim? Mesmo estando muito decepcionado com Mel, vê-la tão perto e tão linda diante dele fez o coração de Aaron estremecer. Seu cérebro dizia para sair dali, ignorá-la, mas algo o prendia naquele lugar. A vontade de beijá-la agora parecia mais forte do que nunca. Os dois se olharam por um momento, como se soubessem o que ambos queriam, mas antes que Mel pudesse vencer os poucos metros que os separavam, Aaron baixou a cabeça desconcertado e respirou fundo. Depois em um rompante inexplicável afastou-se dela ainda mais e, voltando para o interior da escola, deixou-a sozinha e arrasada no extenso pátio florido.

138


CAPÍTULO 20 O CONSELHO DA SENHORA SMITH

Em seu pequeno apartamento no Bronx, M.J. não conseguia entender como um armário “de bagunça” tão minúsculo como o dele podia caber tantas coisas. Estava há quase dez minutos tentando achar a mala Sansonite que havia prometido emprestar para Aaron, mas até aquele momento só tinha encontrado muita tranqueira velha e um troféu antigo de futebol, que por azar, havia caído na sua cabeça fazendo na mesma hora um grande galo. Enquanto isso, Aaron distraía-se jogando Guitar Hero no XBOX de M.J. Apesar de já ter zerado aquele jogo umas mil vezes em seu “finado” Playstation que fora destruído na explosão do apartamento, ele sabia que ocupando a mente o máximo possível não daria chance de seu cérebro pensar em Mel e muito menos em desistir da viagem. -Pronto, “tá” aqui! – disse M.J. entrando no quarto com a mala na mão direita e uma certa vermelhidão no lado esquerdo da testa. -Pensei que você tinha se perdido dentro do armário. – debochou Aaron colocando o controle-guitarra do XBOX em cima da escrivaninha do amigo. Marvin sorriu apesar da dor de cabeça que sentia e jogou a mala em cima da cama. Aproximando-se dela, Aaron examinou-a um pouco e constatou que estava mesmo em bom estado como o amigo dissera. -Cara você tem certeza de que quer isso? – perguntou M.J. sentando-se na cadeira diante de sua escrivaninha. -Claro. Ela é pequena, mas eu também não tenho tantas roupas assim pra levar. Vai servir. -Não finja que não me entendeu, eu “tô” falando da viagem. Você quer mesmo se afastar da Mel?

139


Surpreso pela pergunta, Aaron desviou os olhos de onde M.J. estava e sentando-se na cama dele, pôs-se a olhar fixamente para o pôster do Millencolin que decorava como tantos outros a parede daquele pequeno quarto. -Não, não quero. –respondeu ele com o olhar vago. – Mas é melhor assim. O tom de voz com que Aaron havia dito aquelas palavras fez M.J. ter certeza pela primeira vez que o amigo não desistiria da viagem. A expressão no rosto de Aaron tinha agora uma mistura de melancolia e determinação. -Bem, você já sabe a minha opinião sobre isso. – respondeu Marvin. -Que eu sou um idiota? É, eu sei. Mas agora não dá mais pra voltar atrás. Já está tudo formalizado com o Conservatório Schubert e o meu voo sai manhã. Do lado de fora do quarto, passos rápidos repercutiram pelo corredor apertado do apartamento. A cabeça rosada e oval da senhora Smith então surgiu de forma repentina pela pequena fresta da porta entreaberta. -Olá crianças, quem quer um lanchinho? – perguntou ela trazendo nas mãos uma bandeja com dois deliciosos pedaços de torta de maçã enquanto empurrava a porta com o quadril. -Mãe, eu já disse pra você sempre bater antes! Que saco! – reclamou M.J. levantando-se da cadeira e cruzando os braços. Mas a senhora Smith pareceu não dar ouvidos ao filho. -Torta Aaron? -Acho que nem preciso dizer a resposta. – sorriu o garoto pegando um dos pratos e enfiando logo uma boa garfada da sobremesa na boca. Marvin, que ainda exibia uma cara “amarrada” para a mãe sentiu seu estômago ronronar e, vencido pela fome, acabou avançando sobre a torta do mesmo modo que o amigo fizera. -E então meninos, do que falavam? – perguntou a senhora Smith colocando as mãos no bolso de seu avental berrante de girassóis que destacava ainda mais seu corpo roliço. -Mãe! – protestou M.J. com a boca cheia de torta. -Na verdade senhora Smith, só de algumas coisas que talvez eu perca quando for pra Califórnia... -Ah, mas se está falando delas de certo não está querendo perdê-las, não é? Aaron concordou fazendo um “sim” quase que imperceptível com a cabeça. Por alguns instantes achou que ambos estavam falando sobre a mesma coisa, ou seja, Mel, mas logo aquele pensamento sumiu de sua mente. Era muito improvável que M.J. tivesse contado alguma conversa deles para a mãe.

140


-Então vou lhe dar um conselho filho. – disse ela pegando a bandeja e posicionando-se perto da porta como se estivesse prestes a sair. – Como o sábio John Lennon disse uma vez “é preciso deixar livre as coisas que se ama, se elas voltarem é porque você a conquistou, se não voltarem é porque você nunca as possuiu de fato”. Após dizer isso, a senhora Smith lançou um sorriso para Aaron e saiu do quarto devagar, voltando para a cozinha onde a irmã mais nova de M.J. devorava o resto da torta de maçã. Sem querer a mãe do amigo havia lhe dado um fluxo novo de esperança com aquelas palavras e Aaron silenciosamente a agradeceu por isso.

141


CAPÍTULO 21 BRIGANDO POR LILY

O dia do temido casamento havia chegado e Mel parecia muito mais triste do que na noite anterior. Estava sentada em sua cama ao lado de Woodstock, o ursinho dado por Aaron, e do mini buquê de rosas lilás e astromélias que ela como dama de honra seria obrigada a carregar. Vestida como o chamativo vestido roxo feito por Margareth Beitzner e os cabelos presos em um lindo penteado com uma tiara muito brilhante, digna de princesas, ela não dava a mínima para o fato de estar amarrotando a roupa que usaria no casamento. Queria apenas comer as trufas de chocolate que roubara do salão de baile do hotel onde se realizaria a festa, e não pensar que em questão de horas, o garoto que gostava estaria do outro lado do país e seu pai casado com a própria Cruella Devil. -Ah, você está ai! – disse Chloe aparecendo na suíte com seu maravilhoso vestido Lacroix bege. – Te procurei por todo o hotel. -Chocolate? – ofereceu Mel com a voz arrastada. -Não, obrigada. Já me basta essa espinha gigantesca que nasceu na minha testa hoje de manhã. -Chocolate não dá espinha e se você quer saber nem dá pra notar que tem alguma coisa aí. – respondeu Melissa um pouco antipática. -Nossa, amiga. Você está com uma cara péssima hein? Naquele momento Mel nem mesmo esperou que Chloe se sentasse direito ao seu lado. Com os olhos cheios de lágrimas ela desabou sua cabeça no colo da amiga e soluçou. -É que eu não quero que o Aaron vá pra Califórnia, droga! Eu gosto tanto dele... -E ele também gosta de você. – consolou Chloe. – Só que o Aaron está um pouco confuso, afinal ninguém gosta de ouvir que a sua própria mãe é uma vadia adúltera e aproveitadora... -Mas é o que ela é!

142


-Eu sei disso, só que o Aaron não sabe. -É, e pra piorar a situação a vaca loira vai conseguir se casar com o idiota do meu pai. Aquele detetive McVeigh que a Sophie contratou não passa de um charlatão. – resmungou Melissa limpando as lágrimas do rosto de forma raivosa. Sem ao menos ter a atitude educada de bater na porta, Linda entrou de surpresa na suíte da garota com um ar eufórico. Encontrava-se belamente maquiada, já ostentando sua magnífica coroa de brilhantes na cabeça, mas ainda vestia o hobbie branco e felpudo do hotel no lugar do vestido de noiva. -Será que você poderia nos deixar a sós, senhorita Bondenburg? – perguntou ela sem tirar os olhos de Mel. Mesmo receosa, Chloe acabou dirigindo-se a porta ainda que sibilando para Melissa algo que ela entendeu como “qualquer coisa grite”. Sozinhas na suíte, a golpista loira perguntou por Sophie antes de dizer a que se devia aquela ilustre visita, Mel que não fazia a mínima idéia do paradeiro da irmã apenas deu de ombros em silêncio e sem muita animação. -Então conversemos nós duas. – decretou Linda lhe lançando um olhar fulminante. – Hoje é o meu grande dia e como sabe, nada, nem ninguém vai impedir isso. Portanto, como daqui a poucas horas serei sua madrasta, espero que sejamos amigas se não... -Se não o quê? – perguntou Melissa de forma desafiadora levantando-se da cama. Linda gargalhou vendo que a garota agora a encarava como se quisesse lhe dar um soco. -Só estou dizendo isso para o seu bem queridinha. Não se esqueça que antes de eu lhe mandar para o colégio interno nós moraremos no mesmo apartamento e que acidentes às vezes acontecem. -Você não seria capaz de fazer nada contra mim, sua bruxa! -Ah, não?! – disse a madrasta erguendo de forma medonha suas sobrancelhas finas. – Então mecha comigo ou com meu dinheiro e eu lhe mostrarei do que Linda Stonewell é realmente capaz. A aparência de Linda agora era fantasmagórica. Nem mesmo a pesada maquiagem que fizera era capaz de atenuar a dureza que sua face exibia. Diante dela, Mel a observava em um profundo silêncio. Sentia suas entranhas serem consumidas por sentimentos nada agradáveis que esperavam apenas mais uma provocação da madrasta para vir à tona.

143


Linda pareceu pressentir que a futura enteada estava prestes a “explodir de raiva” e, não querendo criar mais transtornos pensando no seu próprio bem, decidiu retirar-se da suíte, não sem antes dar uma última “alfinetada” na garota. -Isso, assim que eu gosto. Quieta e ordeira como uma ovelhinha. É desse jeito que nos daremos bem Melissa. – disse ela fechando a porta da suíte devagar. – Caso contrário, uma de nós pode se dar muito mal!

*

*

*

*

*

Oliver parecia mais estúpido do que o normal naquela tarde. De braços dados com o nada e já vestindo seu fraque com detalhes roxos, ele ia de um lado ao outro da suíte dando passos pausados, na tentativa de ensaiar pela milésima vez a forma à qual entraria com a mãe na igreja. Enquanto isso, afundado na cadeira e com os pés descansando de forma desleixada na mesa, Aaron observava as idiotices do irmão com um sorriso irônico no canto dos lábios. Estava muito triste é verdade, mas ver Oliver naquela cena cômica que já beirava o ridículo conseguia incrivelmente melhorar seu humor. -Não adianta Ollie, se você não aprendeu a andar quando tinha dois anos, não é agora que vai conseguir. – zombou Aaron. -Nossa, o comediante da família ataca mais uma vez. – revidou Oliver sarcástico. – Por que você não volta pra musiquinha babaca que estava fazendo, hein? -Porque eu preciso de inspiração, coisa que você me fez perder quando começou a zanzar pelo quarto com esse uniforme patético de pinguim! -Ah, fala a verdade Aaron, isso não tem nada haver como o fato de eu estar ensaiando para o casamento, não é? Você está é com inveja porque eu sou loiro, malhado e popular enquanto você tem apenas uma banda medíocre e meia dúzia de fãs malucas. – disse Oliver ignorando o fato de que o irmão era tão desejado quanto ele, se não mais até, pelas garotas do colégio.

144


Irritado com o comentário referente à sua banda, Aaron lançou ao irmão um olhar de desprezo e antes de ajeitar-se na cadeira para voltar à folha de papel onde havia pouco mais de cinco versos de sua nova música, fez um gesto obsceno com a mão para Oliver que fingiu chocar-se com aquilo. -Mamãe deveria estar aqui pra ver como o dinheiro que ela gastou com a sua educação foi bem aplicado. Quase um lorde inglês... Aaron ouvira a gracinha, mas decidiu ignorá-la. Preferia concentrar-se na letra da música do que ficar discutindo com o irmão, o que seria uma pura perda de tempo com certeza. Ao lado de sua cama, Oliver parecia não ter se dado por vencido ainda. De forma sorrateira ele abriu a gaveta da cômoda e procurando algo em meio a um bando de folhas rabiscadas com letras e partituras, achou afinal o que queria. Virou-se então para a cama de Aaron onde a mala dele encontrava-se aberta em cima, e pegou Lily, a ursinha de pelúcia que o irmão havia encomendado na loja “Build a Bear” para se lembrar de Mel. Sob a luz poderosa do dia que entrava pela janela, a lâmina da tesoura que Oliver segurava refletiu durante alguns segundos um pouco daquela luminosidade, o que acabou por chamar a atenção de Aaron que se levantou irado quando viu o irmão ameaçando decepar a orelhinha de Lily. -Me dá esse urso agora! – berrou ele estendendo a mão. -Ah, não mesmo! Encare isso como um favor. É, isso aí, um favor maninho. Imagine só o que os seus colegas de quarto do Conservatório Schubert vão pensar quando virem essa ursinha estúpida na sua mala. Digamos que não é algo lá muito macho sabe. Pode gerar certas dúvidas a respeito da sua sexualidade... -Oliver, me dá a merda do urso antes que eu me irrite ainda mais com você! - Ai minha nossa! Estou morrendo de medo. – zombou o irmão tremendo as pernas teatralmente. – O que o grande Aaron “frangote” Stonewell vai fazer? Me bater como fez com o Russo? Eu acho que não. Devido a mais aquela gracinha o sangue de Aaron fervilhou e seus punhos serraram-se com uma ferocidade incrível. Por mais que tivesse se contido para não brigar com o irmão (que era um pouco mais alto e forte que ele), ver Oliver ameaçando esquartejar a única lembrança concreta que levaria de Mel acabou tirando-o do sério. Quando Aaron já se preparava para avançar em cima do irmão com toda a raiva reunida em seu corpo, alguém bateu como que por um milagre na porta, interrompendo o clima super tenso que pairava no quarto.

145


-Entra! – ordenou Oliver virando-se para a entrada da suíte depois de ter jogado a ursinha e a tesoura de qualquer maneira na cama. Rebeca Pitty, que a pouco se encontrava na suíte ao lado da deles acompanhando a preparação de Linda, esgueirou-se pela fresta da porta, mas não entrou totalmente no quarto. Estava tão diferente usando um belo vestido prata, que os garotos só a reconheceram quando ela lhes disse o motivo que a levara ali. -Senhor Oliver, sua mãe descerá em poucos minutos e pediu que eu lhe avisasse para que a aguarde já na limusine. -Ah, tudo bem. - disse ele ajeitando a gravata e o fraque. - Eu já estou pronto mesmo, só fiquei pra me despedir do meu querido irmãozinho e desejar a ele uma boa viagem. Sem lamentar sua saída de cena, Oliver deu um tchauzinho para Aaron e acompanhou Rebeca com um sorriso triunfante, típico de quem havia sido vencedor de uma grande batalha sem ter precisado lutar para isso. Aaron respirou aliviado ao ver o irmão sair pela porta. A raiva que sentia foi passando aos poucos e, no lugar dela, uma sensação de perda tomou conta de seu pensamento quando ele olhou para o relógio e viu que faltavam poucas horas para sua partida rumo à Califórnia. Com o coração doendo o garoto foi até a cama onde Oliver havia jogado Lily, pegou a ursinha e levou-a a mesa onde minutos atrás estivera sentado. Depois de se ajeitar na cadeira e arrancar a folha onde havia escrito alguns versos desconexos graças ao alarde que Oliver tinha feito no quarto “ensaiando”, Aaron colocou Lily diante dele e pegou a caneta decidido a escrever uma carta de despedida para Melissa. Tentou uma, duas, três vezes, mas não conseguiu escrever nada além de “Querida Mel” no alto da folha. Não havia inspiração, nem conseguia pensar em qualquer frase que pudesse tornar aquela despedida menos dolorosa. Até quis confessar na carta para Melissa que ainda gostava dela e que sentiria muito sua falta, mas imaginou que isso poderia piorar tudo ainda mais. Então, amassando a folha onde mal havia começado a escrever, Aaron jogou-a no lixo e pegando Lily, a enfiou novamente na mala de onde Oliver a havia retirado. Dando uma última olhadela para o relógio, convenceu-se de que era tarde demais para fazer qualquer coisa em relação a Mel, e por isso entrou no banheiro de sua suíte com a intenção de tomar uma boa ducha fria antes da viagem.

146


CAPÍTULO 22 UMA CERIMÔNIA DIFERENTE

Melissa e Chloe foram as primeiras a sair do hotel e entrar na limusine que as aguardava na Rua Central Park West. Devido à temperatura que beirava os trinta e cinco graus e a desculpa esfarrapada de que sofria de claustrofobia, Oliver não quis se juntar a elas e pôsse a esperar a mãe no hall do Meditteranean, onde aproveitou para exibir-se em meio a algumas adolescentes que circulavam pelo lugar. Apesar de o tê-lo chamado de anti-social, Mel até preferiu que Oliver ficasse bem longe, pelo menos por alguns minutos, assim ela poderia conversar com Chloe sobre o estranho sumiço da irmã e agora o de Rebeca Pitty, que havia recebido um telefonema misterioso ao chegar ao hall com Oliver e desaparecera logo em seguida sem dar explicações. -Mas você não faz nenhuma idéia de onde ela está? –Chloe perguntou curiosa. -Sophie? Não, não sei mesmo. Ela estava pronta quando fui tomar banho, mas depois que eu saí do chuveiro já tinha desaparecido. Pensei em procurar por ela, mas as cabeleireiras me aprisionaram na suíte pra fazer esse obelisco horrendo no cabelo. – disse Mel apontando para a cabeça e franzindo a testa. -Ah, deixa disso Mel! Seu penteado está maravilhoso. Até mesmo esse vestido de cor, digamos nada comum, ficou lindo em você. Vai chamar a atenção de toda a ala masculina no casamento. Ao ouvir aquilo, os olhos de Mel desviaram-se para a janela da limusine revelando um brilho triste. Ela não se importava que dezenas de garotos olhassem pra ela naquela tarde, pois seu coração já tinha dono; ainda que este daqui a algumas horas estivesse a milhares de quilômetros dali, mais precisamente na Costa Oeste. -Ah, foi mal amiga. Eu não quis fazer você se lembrar dele. – desculpou-se Chloe. -Não, tudo bem. É sério. Eu tenho que me acostumar com essa viagem do Aaron e tirá-lo da minha cabeça de uma vez. Vai ser pior se eu continuar apaixonada por ele. O Aaron é lindo e com certeza vai arranjar alguma namorada na Califórnia logo, logo.

147


-Será? Eu não tenho certeza disso. – duvidou Chloe aconchegando as mãos da amiga nas suas. Depois da incrível demora em sua suíte, Linda apareceu finalmente na escadaria do hotel com Oliver ao seu lado. Protegida por uma série de seguranças, ela entrou na limusine com seu belo vestido branco repleto de pedrarias feito pelo estilista John Galliano e empurrou Melissa sem a menor gentileza para que ela e Chloe sentassem em outro banco do luxuoso carro. -Ei, onde está Sophie? – perguntou Linda enquanto recebia o buquê de um dos maquiadores. -Bom... er... não sei. – Melissa respondeu. -Como assim não sabe? Ela deveria estar aqui, pronta apenas a minha espera! – exasperou-se Linda dando um tapa na mão da cabeleireira que agora ajeitava seu véu. Parecendo um anjo enviado para conter a fúria daquela mulher, Rebeca Pitty apareceu de repente com a respiração ofegante, típica de alguém que havia corrido muito. -Eu sinto muito senhora, mas Sophie não poderá acompanhá-las, ela teve de refazer o penteado e mandou lhe avisar que estará na igreja daqui a pouco – explicou a secretária. -Onde você estava Pitty? – quis saber Mel baixando o vidro do carro para vê-la melhor. -Tive de resolver alguns problemas com a empresa que está organizando a festa no salão de baile, mas não foi nada grave. O que importa agora é que as senhoras vão para a igreja, afinal a cerimônia já deveria ter começado há meia hora. – desconversou ela lançando um sorriso malicioso para Mel que não o entendeu. Mesmo tendo ficado insatisfeita com a falta de uma de suas damas de honra, Linda sorriu, ajeitou a cauda do vestido e empertigando-se no banco da limusine, empinou o nariz de uma forma extremamente esnobe. Por uns instantes, ela até tentou disfarçar o quanto estava radiante com o fato de que em menos de algumas horas seria a nova senhora Fenner, mas quando a limusine pôs-se a caminho da igreja e ela lembrou-se dos milhões de dólares que Albert representava, soltou uma gargalhada tenebrosa que fez Melissa e Chloe se arrepiarem.

*

*

*

*

148

*


Um esquadrão de fotógrafos já se aglomerava em frente à Catedral de Saint Patrick para registrar todas as cenas daquele que prometia ser o casamento do ano em Manhattan. Assim que Linda Stonewell saiu da limusine, uma série de flash’s foi disparada na sua direção. Logo atrás da madrasta e de Oliver, que fez uma série de poses para os fotógrafos como se fosse algum ator Hollywoodiano, Mel saiu sem muita animação da limusine e, ainda que seus olhos tivessem sido ofuscados pela claridade dos flash’s, ela pode ver Sophie parada bem nos últimos degraus da escadaria da igreja. -Espera aí, como você chegou antes da gente? E o papai cadê ele?! –Melissa perguntou confusa depois de correr até onde a irmã se encontrava. Com os olhos “pregados” em Linda, Sophie inclinou-se na direção de Mel e sussurrou em seu ouvido. -Eu mandei o motorista do carro do papai ficar dando voltas com ele pela cidade, porque teria havido um certo “imprevisto” com o vestido da Linda e ela iria se atrasar bastante. Fiz isso para que desse tempo de Beck e eu armarmos uma coisa. Só não me pergunte o que é. Você vai saber logo, logo durante o casamento. -Ah, não! Me diz agora o que você e a Rebeca estão aprontando! – exigiu Mel. – E por falar na Beck, ela não vem pra cerimônia? -Calma, vêm sim. Só que antes ela vai consertar um enorme estrago que eu fiz no hotel. E não, não adianta insistir Missy, não vou revelar nada. Mas posso dizer que a surpresa vai ser ótima. – afirmou Sophie com um sorrisinho misterioso nos lábios. Estacionando logo atrás da limusine em que Linda viera, o carro de Albert finalmente chegou à Catedral depois de rodar quase uma hora pelas ruas de Manhattan. Após sair de seu Landaulet branco em meio a uma nova saraivada de flash’s, o pai de Melissa ficou estarrecido quando viu Linda a poucos passos dele. Ainda que tentasse imaginar uma série de possibilidades, não encontrou nenhuma que fosse supostamente satisfatória para explicar a chegada de sua noiva antes dele. Afinal de contas, Rebeca Pitty havia lhe ligado e dito que Linda tinha saído a pouco do Meditteranean e não que estaria na porta da igreja o esperando. Apesar de ter ficado chocada ao depara-se com Albert, Linda tentou disfarçar a aparente surpresa com aquele estranho imprevisto. Sorrindo, fez uma ligeira indicação com o dedo

149


para que seu noivo entrasse na igreja e depois, distribuindo olhares angelicais para os fotógrafos vorazes por mais fotos, enlaçou o braço de Oliver devagar. Mel e Sophie posicionaram-se então uma atrás da outra, com seus mini buquês em punho, enquanto Chloe tomava seu lugar na igreja ao lado dos pais. Finalmente a marcha nupcial estava começando.

*

*

*

*

*

Era a última vez que Aaron veria o hotel naquela noite. Com sua mala a rastro, ele desceu até o hall do Meditteranean sem muito entusiasmo e dirigiu-se até a recepção para despedir-se de seu antigo conhecido, o gerente Pierre Le Blanc. -Oh, é uma pena que esteja inde viajarrr senhor Stonewell. Todos nós sentirrremos muito sua falta. – disse Le Blanc com seu típico sotaque francês saindo de trás do balcão. -É. Eu também vou sentir saudades, principalmente das pessoas daqui. O senhor, as arrumadeiras, os carregadores... Todos vocês fizeram eu me sentir em casa depois da explosão do meu apartamento e eu lhes agradeço muito por isso. – afirmou o garoto apertando a mão do gerente. Por alguns instantes Le Blanc observou Aaron com admiração, afinal, do menino travesso e dentuço de anos atrás não havia sobrado quase nada, a não ser o brilho em seu olhar. Agora Aaron era bem maior do que ele, dono de uma beleza intensa e o mais importante de tudo: havia se transformado em um rapaz simples, mas íntegro. -Bom, então é isso. Está na hora de eu ir. -Oh, porr mon Dieu, eu já ia me esquecende de uma coisa muito imporrrtante. – disse ele voltando com um envelope gorducho e amarelo nas mãos. – Isto é parra o senhor. Aaron pegou o envelope e olhou-o intrigado. Não havia nenhuma identificação do remetente, e a única coisa que encontrava-se escrita nele era seu nome em letras bem grandes com caneta preta. -Você sabe quem deixou isso pra mim Le Blanc? – quis saber o garoto.

150


-Infelizmente non. Estava no salão de baile acompanhando os preparrativos parra a festa de casamento e quando voltei o envelope já estava no balcão. - mentiu Le Blanc. Pensando se tratar de alguma carta de Melissa, Aaron decidiu não abrir o envelope no hotel. Sentia que sua viagem dependeria do conteúdo daquela carta e, como estava decidido a partir, preferiu lê-la apenas no aeroporto. Assim não vacilaria no último momento e seu coração não doeria tanto, se é que isso era possível.

*

*

*

*

*

A catedral de Saint Patrick estava maravilhosamente decorada por uma infinidade de rosas brancas, laços da mesma cor e minúsculas flores lilás. Apesar de todos os fotógrafos e curiosos terem sido barrados pelo esquadrão de seguranças que cercavam a igreja, ainda assim, boa parte dos bancos da imensa Catedral encontravam-se ocupados por pessoas da alta sociedade, inclusive muitas que não haviam sido convidadas. Emocionadas com a cena romântica de Albert e Linda juntos e de mãos dadas no altar, várias mulheres, entre elas Anette Ojemann e Hillary Von Bondenburg tentavam conter as lágrimas para não terem de retocar a maquiagem. Parecendo se divertir com tudo aquilo, Sophie sorria ao lado de Mel, até que de repente, ao olhar para o fundo da igreja quase cheia, seus olhos azuis identificaram William Blos sentado no último banco ocupado pelos convidados. Quase que escondido por um dos grandes arranjos de rosas brancas que decoravam o lugar. A vontade de Sophie naquele momento era de gritar e revelar o quão íntimo da noiva era aquele suposto convidado, mas a garota deteve-se esperando a hora exata que havia marcado com Beck para a realização de seu ardiloso plano. -É estamos quase lá. – disse ela sussurrando para Mel enquanto enfiava discretamente em uma bolsinha roxa seu celular que havia vibrado a pouco. – Infelizmente você tem que ir agora para o aeroporto mana. Eu tentei abrir os olhos de Aaron antes que ele saísse do hotel, mas Le Blanc acabou de me mandar uma mensagem de texto dizendo que ele já partiu em direção ao JFK.

151


-Hã? Do quê você está falando? – murmurou Melissa sem entender nada. Sophie então se virou para encarar a irmã e, olhando firme para ela, tirou de dentro da mesma bolsinha roxa um estranho envelope branco. -Tome isto e vá para o aeroporto. É o plano B. Você precisa fazer com que o Aaron abra o envelope que ele recebeu no hotel, entendeu? Não me pergunte agora o que tem dentro dele nem dentro desse daqui, nós não temos tempo para maiores explicações. O caminho até o aeroporto é longo. Ah, e não se preocupe com o casamento. Todo mundo vai saber quem é realmente Linda Stonewell. Confie em mim, pode ir pro aeroporto, esta cerimônia não vai acontecer! No exato momento em que Sophie conversava com a irmã, o padre McDowell falou a frase tão esperada por ela e Beck. -Se há alguém aqui que é contra este casamento, que fale agora ou cale-se para sempre... Um silêncio angustiante tomou conta da Catedral gótica quando de repente, a voz de Sophie ecoou avassaladora pelos arcos e pilastras do lugar. -Eu tenho! – gritou ela enquanto fazia um gesto positivo com a cabeça para a irmã. Quase que em coro um suspiro de incredulidade saiu da boca de todos os convidados. As pessoas entreolhavam-se abismadas, devido àquela situação inédita e então uma série de sussurros e conversas paralelas irrompeu pela Catedral abarrotada de gente. Aproveitando a “deixa” da irmã, Mel saiu correndo pelo tapete vermelho com o misterioso envelope branco nas mãos, sem nem ao menos olhar para o pai ou Linda, que boquiabertos, não faziam a mínima idéia de como contornar o estrago que as garotas haviam feito. -Desculpe pai. – disse Sophie vendo a indignação no rosto de Albert. – Mas eu tenho que fazer isso!

*

*

*

*

152

*


Sentado enquanto tomava um café no Starbucks do Aeroporto JFK, Aaron encarava pensativo o gorducho envelope amarelo que recebera de Le Blanc ainda no hotel. Nem mesmo umas criançinhas barulhentas que choravam na mesa ao lado porque queriam mais alguns muffins de chocolate conseguiram desviar sua atenção. A vontade de abrir o envelope parecia dominar seu cérebro com uma força descomunal. Apesar de dizer a si mesmo que nada mudaria sua decisão de viajar, no fundo ele desejava encontrar naquela carta a letra redonda e bem desenhada de Mel pedindo para que ele não partisse rumo à Califórnia. Tenso e com o coração aos pulos, Aaron rasgou esperançoso o envelope e deu uma olhadela curiosa no seu interior. Ali, estranhamente junto a um Ipod, que exibia um singelo adesivo brilhante da letra “S”, encontrava-se um pedaço de papel de carta amarelo onde ele pode ler a seguinte mensagem escrita:

Aaron Já cometi erros demais com a Mel... Não faça o mesmo! Aperte o “play” e descubra a verdade! Ass: Sophie Fenner

Não entendendo o que aquela frase enigmática queria dizer, Aaron ainda assim fez o que a carta lhe indicava e colocando os fones de ouvido brancos, apertou o pequenino botão para que o aparelho ligasse. Com os olhos fixos na pequena tela do Ipod e os ouvidos atentos, a expressão em seu rosto mudou de repente. Ao invés da insegurança de antes, seus olhos verdes começaram a

153


transparecer raiva e decepção. Por mais que se recusasse a acreditar nas cenas horríveis contidas naquele Ipod, a voz de sua mãe apresentava-se clara e límpida, como se ela estivesse ao lado dele no saguão do aeroporto. Balançando de forma negativa a cabeça, já farto com o pouco que vira e ouvira, Aaron arrancou os fones de ouvido transtornado e após amassar a folha de papel com o recado de Sophie, tentou reordenar seu pensamento que agora estava mais confuso do que nunca. -Não pode ser. – disse ele afundando-se atônito na cadeira do Starbucks. –Minha própria mãe...

*

*

*

*

*

Melissa já havia partido em direção ao aeroporto quando Sophie desceu do altar fazendo um sinal positivo com a mão para Rebeca Pitty que se encontrava escondida atrás de uma das pilastras da igreja. Ao apontar com um controle remoto para uma das paredes da Catedral onde até então não havia nada, Beck fez um enorme telão branco desenrolar-se sob o burburinho agitado dos convidados que especulavam qual seria a próxima surpresa daquela noite. Desesperada com o que ainda estaria por vir, Linda virou-se para Albert dando gritinhos histéricos e cada vez mais estridentes. Seu penteado, que havia sido feito por uma das melhores cabeleireiras de Manhattan já havia quase que desmoronado, apesar de todo o laquê colocado nele para que isso não ocorresse. -Não fique aí parado sendo condescendente com essa mal criada! Tome alguma providência já, ela está acabando com o nosso casamento! – berrou ela com as maçãs do rosto extremamente vermelhas devido à imensa fúria que sentia. Com a aparência lívida, Albert ainda parecia tonto devido a todos aqueles acontecimentos. Sabia que errara seriamente na educação de Sophie, o que acabou tornando-a uma garota egoísta e muito mimada. Mas apesar de tudo, nunca havia passado por sua cabeça que sua própria filha pudesse ser capaz de um escândalo daquela magnitude, ainda mais em uma igreja e diante de toda a alta sociedade de Nova York.

154


-Sophie Anabeth Fenner, pare com isso imediatamente antes que você se complique ainda mais mocinha! – disse ele revoltado descendo do altar. -Não pai! –Sophie fez com a mão para que Albert parasse, enquanto dava umas olhadelas nervosas para Rebeca Pitty. – Eu sei que você deve estar me odiando agora, mas tenho certeza que ainda vai me agradecer por isso. Beck pode passar o nosso grande filme! As luzes da Catedral de Saint Patrick apagaram-se de repente e uma faixa luminosa cruzou o lugar de um canto ao outro, passando por cima da cabeça dos convidados e indo de encontro ao grande telão branco que cobria parte de uma pilastra do local. Sem reação, Albert parou a alguns passos de distância de onde estava Sophie e assim como os outros convidados, pôs-se a observar curioso o vídeo que começara a ser projetado, para desespero total de Linda. -Albert! Faça aquela sua secretária parar agora mesmo! Você não vê que isso é um complô contra mim, contra o nosso casamento?! – protestou ela raivosa, jogando seu buquê no chão. Mas dessa vez, o próprio Albert levou o dedo indicador à boca pedindo que sua noiva se calasse. Seus olhos agora estavam fixos na tela, onde Linda aparecia deitada, ainda de sapatos, na cama de um quarto que ele logo percebeu não se tratar de nenhuma suíte do Meditteranean. -Você tem certeza que não é perigoso vir aqui hoje? – perguntou um homem surgindo no vídeo com duas taças de champanhe na mão. -É claro que tenho. Albert pode ser um empreendedor de sucesso, mas nas relações amorosas é como uma criança tola. Foi só dizer que eu iria passar o dia todo no spa, me preparando para a cerimônia de amanhã, que ele acreditou no ato. É mesmo um palerma. – disse Linda após receber a taça de champanhe que o homem lhe oferecera. -Então querida, a que vamos brindar primeiro? A explosão bem sucedida de seu apartamento, a polícia estúpida de Manhattan que não descobriu nada sobre o falso vazamento de gás, ou a futura viúva que você será assim que o Albert morrer daquele jeito que nós planejamos? -Acho que seria melhor brindarmos aos milhões de nosso querido Albert que em breve, muito em breve, serão meus... er... quero dizer, nossos. E é claro, a você William Blos, o amante mais charmoso e inteligente de todos. -Ah, então você já teve outros? –ele retrucou sorrindo. Linda deu uma boa golada no champanhe e depois encarou Blos sedutoramente.

155


-Isso não importa, agora eu sou sua, apenas sua meu amor... Após dizer isso, ela o beijou com intensidade jogando de forma despreocupada a já vazia taça de champanhe no chão do quarto. O vídeo então parou e no lugar da imagem de Linda e Blos, o telão encheu-se de chuviscos e chiados, típicos daqueles momentos em que as TV’s ficam com algum tipo de interferência. A Catedral agora estava totalmente silenciosa. Todos se entreolhavam escandalizados sem saber o que dizer, afinal, ninguém por mais que odiasse Linda pensaria que ela seria capaz de planejar a explosão de seu próprio apartamento e ainda por cima a morte de alguém. Sophie que estava a poucos passos do pai olhou-o aflita. Albert não exprimia qualquer reação, ainda estava em choque, paralisado. Apenas fitando sério o telão que nada mais exibia. Vendo os olhares de repreensão do irmão Harold, de Oliver e de todos em volta que lhe fuzilavam, Linda engoliu seco e tentou em uma atitude desesperada enganar Albert mais uma vez. -Querido, olhe pra mim. Isso é uma montagem. Eu juro pelos meus filhos que nunca vi aquele homem em toda a minha vida! Foi a Sophie junto com a sua secretária “songamonga” que armaram isso pra nos desestabilizar. Não acredite em nada que ouviu, por favor. – suplicou ela dissimulando como nunca. Albert virou-se devagar e então a encarou afinal. Em seu coração, na maioria das vezes benevolente, havia surgido um ódio mortal que ele pensou nunca ser capaz de sentir por algum ser humano. - Linda, era o seu rosto naquele vídeo! – disse ele em um rompante aos berros. – Não insulte mais uma vez minha inteligência sua farsante. Linda então se utilizou do último recurso que lhe restava. Ajoelhou-se no chão sem se importar com o vestido de noiva caríssimo que vestia e, caminhando daquela forma patética até os pés de seu noivo, implorou por um perdão que mesmo o homem mais compreensivo do mundo dificilmente daria. -Te perdoar? Você só pode estar louca! Ou então já sei, é mais um de seus truques baratos, não é? Mas pode esquecer vigarista, eu não caio mais nas suas mentiras. E me largue antes que eu chame a polícia pra te botar na cadeia que é o seu lugar! – ordenou ele sacudindo a perna para que ela soltasse, embora parecesse grudada como uma sanguessuga nela.

156


-Não, eu não vou te deixar enquanto você não me perdoar. Eu fui falha, mas estou arrependida. Por favor, Albert. Me perdoe. Você é o homem da minha vida, a luz do meu viver... Ela agora chorava compulsivamente como um bebê, sem se importar que todos os convidados haviam se levantado para verem melhor a cena tétrica e humilhante que protagonizava. -Você não merece pisar o chão sagrado dessa igreja, sua víbora. Eu só tenho pena do seu filho ter presenciado a tudo isto. Não deve ser fácil descobrir que a sua própria mãe é um ser tão desprezível e asqueroso, se é que estas palavras são suficientes pra te descrever. Com um solavanco mais forte, Albert afinal conseguiu desvencilhar-se de Linda, que ficou estatelada no tapete vermelho com os olhos inchados devido às lágrimas que escorriam por seu rosto. Decidido a deixá-la ali no chão, onde era seu lugar, ele virou-se na direção da porta da Catedral e passou furioso por Sophie, que observara tudo sem dizer uma sequer palavra, já que seu pai havia dito tudo o que era necessário naquele momento. No entanto, antes que Albert chegasse ao fim do tapete vermelho e ganhasse finalmente a Quinta avenida onde seu chofer estaria lhe esperando com o carro estacionado, ele viu um homem levantar-se com rapidez do último banco ocupado pelos convidados e procurar sair da igreja. Albert sabia que era péssimo fisionomista, contudo, teve certeza que seus olhos naquele instante não estavam lhe pregando uma peça. Era realmente William Blos, o próprio amante de Linda revelado pelo vídeo, que saia às pressas da Catedral. Sem pensar no que fazia, ou planejar nada, Albert sentiu o corpo quase entrar em ebulição de tanta raiva e isso o fez correr em disparado atrás de Blos, sem se importar que do lado de fora dezenas de fotógrafos os estariam esperando. -Volte aqui seu verme! – esbravejou ele vendo William receber uma saraivada de flash’s ao abrir as portas da igreja. A agitação agora era tamanha dentro da Saint Patrick que todos, até mesmo o padre McDowell correram para fora curiosos, na tentativa de ver como tudo aquilo terminaria. Totalmente desgrenhada e com seu vestido de noiva um pouco sujo devido a cena teatral, digna de um Oscar, Linda abriu caminho em meio a multidão que se aglomerava na porta e pode ver Albert pular em cima de Blos naquele exato instante, fazendo-o assim cair como uma pedra no chão. Os ávidos fotógrafos sensacionalistas deliciaram-se com aquilo e

157


suas câmeras não pararam de trabalhar um segundo, já que não se deveria perder nenhum detalhe daquele que seria o assunto do mês, quiçá do ano. -Por que esse bando de seguranças não faz nada? – berrou Beck desviando-se das pessoas que estavam na porta da igreja, tentando a todo custo chegar ao lado de fora onde se desenrolava a briga. Albert e Blos engalfinhavam-se rolando pelo chão sob flash’s e mais flash’s, até que o barulho de sirenes soou ao longe. -Está ouvindo isso Linda? É a polícia. Como você já deve ter imaginado não foi só o pessoal da igreja que viu o seu vídeo. - disse Sophie sorrindo triunfalmente ao aproximar-se dela. - Ah, e mais uma coisa. Da próxima vez que um funcionário da empresa telefônica estiver fazendo algum reparo na sua casa, seja mais cuidadosa com o que diz, porque ele pode estar trabalhando pra mim. Tenha uma boa noite na cadeia... querida! Linda congelou quando ouviu aquelas palavras. Jamais havia pensado que poderia ser presa pela explosão do apartamento, pois em sua mente criminosa, seu plano era perfeito demais para haver esta possibilidade. Tomada então por um impulso, ela correu até o Landelaut de Albert, que encontrava-se estacionada bem perto do encontro da Rua 51 com a Quinta Avenida e, dando uma joelhada em Maurice, o motorista particular dos Fenner, pegou as chaves ligando o carro num piscar de olhos. Blos, que também ouvira as sirenes da polícia, conseguiu desvencilhar-se de Albert, passou pelo cordão de curiosos e jornalistas que se amontoavam ao redor da Saint Patrick e correu até ao Landelaut em movimento que Linda dirigia, conseguindo entrar no carro logo em seguida de forma cinematográfica. Arrasado vendo os dois fugirem no seu carro em alta velocidade, Albert respirou fundo e levou a mão a boca do estômago que doía graças a um soco certeiro que Blos lhe dera. -Paizinho, você está bem? – quis saber Sophie parecendo muito preocupada. -Estaria melhor se você tivesse revelado tudo antes de chegar a este ponto... -Eu queria, juro, mas as provas contra a Linda só chegaram hoje. Quase achei que tinha jogado dinheiro fora contratando um detetive particular. -Bom, acho que você tem muita coisa pra me contar nesta noite, não é mocinha? – perguntou ele enquanto abraçava a filha. – Mas é melhor que essa conversa seja no Meditteranean. Esses abutres da imprensa não vão nos deixar em paz se ficarmos aqui. -E a Linda, pai? Será que ela vai escapar impune dessa?

158


Albert olhou para a rua e finalmente viu as viaturas policiais se aproximando. O caos agora parecia completo naquela altura da Quinta Avenida. -Acho que não. Ela virou a mais nova procurada de Manhattan e, além disso, está vestida de noiva e em um Landaulet de um milhão de dólares monitorado por satélite. Não deve ir a lugar algum. -Então é melhor chamarmos um táxi pra ir pro hotel, porque a Mel está usando a limusine. -E para onde ela foi afinal? – perguntou Albert preocupando-se. -Ah, pai... Isso é uma outra longa história. Vamos pro Meditteranean primeiro. – disse ela tirando a tiara de dama de honra e soltando seus longos fios loiros. Ao olhar por cima da cabeça da filha, Albert viu sua secretária Rebeca Pitty parada bem diante da aglomeração de convidados que comentavam ainda surpresos tudo o que ocorrera. Ela estava linda, com seu vestido prata e os cabelos presos em um penteado no alto da cabeça que lhe desnudava o colo e os ombros. Era óbvio que Albert nunca havia reparado em sua beleza antes visto que agora, ao deparar-se com aquela imagem deslumbrante, ele parecia encantado ao olhar para ela, como se nunca a tivesse visto antes. -Bem, por que você não vem conosco senhorita Pitty? Acho que também lhe devo muito por hoje. – sugeriu ele tentando disfarçar sua cara de admiração. -Na verdade senhor, devido à falta do Landaulet e da limusine, eu iria lhe oferecer uma carona. – disse ela sorridente balançando as chaves de seu carro popular. -Obrigado, mas eu só aceitarei com uma condição... -Qual? – perguntou ela. -Se você parar de me chamar de senhor. Depois do que fez por mim e pela minha família, acho que somos mais do que patrão e empregado. Você não acha? Minha mais nova amiga... Sorrindo, os três caminharam até o carro de Beck sob mais uma incansável saraivada de flash’s. A polícia já havia parado ali e partido mais uma vez atrás de Linda, que ainda deveria estar pelas redondezas da Quinta Avenida. Enquanto isso, os convidados finalmente começaram a se dispersar ainda abismados devido à confusão por eles presenciada e que, a julgar pelo alvoroço da mídia, com certeza seria muito comentada nas próximas festas da alta sociedade de Nova York.

159


Oliver, por sua vez, acabou tendo de acompanhar seu velho tio Harold até o apartamento que ele possuía no Upper West Side, onde tentaria descansar um pouco e dormir, ainda que estivesse apreensivo por notícias da mãe fugitiva. Afinal de contas, mesmo tendo descoberto o monstro que Linda havia se tornado, ainda assim ele se preocupava com a mãe. Algo que por sinal ela não merecia.

*

*

*

*

*

Assim que a limusine parou em frente ao aeroporto John F. Kennedy, Mel abriu a porta apressada e pôs-se a correr na tentativa de encontrar Aaron antes que ele embarcasse. Pouco ligando para o que as pessoas pensariam, ela cruzou a porta automática do Terminal 7 como um verdadeiro furacão. Segurando a saia de seu longo e esvoaçante vestido roxo e tentando equilibrar-se na droga do salto que havia sido obrigada a usar, Melissa dirigiu-se imediatamente até o balcão da companhia United Airlines munida com o envelope branco que a irmã lhe dera. Dentro dele havia uma passagem para Washington, mas a verdade é que o destino era o que menos importava naquele momento. Sophie a havia comprado apenas para que Missy pudesse passar pelo controle de segurança do aeroporto caso ela precisasse procurar por Aaron. Afinal, não havia como entrar na área restrita do Terminal 7, onde o garoto estaria esperando pelo voo, sem aquele papelzinho timbrado. Por isso Mel correu o mais rápido que pode para fazer o check-in, passando assim na frente de todos que aguardavam na enorme fila, sob a desculpa de que era uma emergência. Depois de passar por toda a enervante burocracia do aeroporto e gastar alguns preciosos minutos no controle de segurança, ela seguiu pela escada rolante que a levaria até o outro andar do JFK. Chegando ao amplo salão do terminal sete, Mel começou a entrar em desespero quando olhou ao seu redor. Muitas pessoas circulavam por ali naquele início de noite, sendo grande parte delas turistas e crianças que voltavam de suas férias, além de executivos engravatados que falavam sem parar em seus celulares.

160


O aeroporto estava lotado, um verdadeiro tumulto, mas mesmo assim Mel decidiu vasculhá-lo à procura de Aaron. Imaginando que ele pudesse estar em algum restaurante ou lanchonete dali aguardando o horário de seu voo, ela correu para o McDonald’s, depois passou por mais outras lanchonetes e restaurantes ainda tentando achá-lo, até que se dirigiu a cafeteria preferida dele, a Starbucks. Mas para decepção de Melissa, o garoto também não estava lá. Vendo que não o encontrava de jeito algum, ela decidiu então ir até as lojas do terminal, na esperança de que Aaron estivesse em alguma delas olhando as mercadorias apenas para passar o tempo. No entanto, depois de procurar em quase todas elas feito uma verdadeira alucinada, Mel não encontrou sinal algum do garoto. De repente a voz suave de uma mulher ressoou pelo aeroporto através dos alto-falantes. Era o anúncio da última chamada para o voo 280, o que significava que o avião de Aaron ainda não havia partido e que ele ainda deveria estar em algum lugar do terminal se preparando para o embarque. Reanimada por aquela notícia, Melissa percorreu todo o salão mais uma vez, indiferente aos olhares curiosos que as pessoas lhe lançavam devido ao seu traje tão incomum para aquele lugar. Com o coração quase explodindo de tanta ansiedade, ela não conseguia pensar em mais nada, a não ser em encontrar o garoto pelo qual estava perdidamente apaixonada desde que chegara a Nova York. Olhava para todos os lados, erguia um pouco mais a cabeça na tentativa de ter uma visão melhor, desviava-se da infinidade de pessoas que passavam por ela, até que em um suspiro de desânimo, depois de procurá-lo por quase dez minutos, Melissa sentiu-se finalmente vencida pelo óbvio. Havia olhado em quase todos os lugares e vasculhado aquele saguão inteiro, mas para sua tristeza, não havia nenhum sinal algum de Aaron. “Talvez Sophie tenha se enganado com relação aos horários dos voos ou quem sabe com a Companhia... Oh Deus, com certeza Aaron já dever estar dentro de um avião rumando para a Costa Oeste”, pensou Mel suspirando amargurada. Uma dor profunda acabou rasgando seu peito naquele momento por ter deixado o garoto que sempre sonhou escapar por entre seus dedos com tanta facilidade. Ela sabia que não existiam garotos como ele no Upper East Side, ou quem sabe no mundo todo e isso fez sua tristeza aumentar ainda mais. Devia ter lutado por ele, explicado tudo, mostrado a verdade mesmo que ele não quisesse ouvir. Era o mínimo que deveria ter feito...

161


Parada no saguão, com os olhos já marejados de lágrimas, Melissa viu um bando de turistas japoneses se aproximarem, mas não saiu do caminho para que eles pudessem passar. Caminhando sorridentes com seus olhos puxados e câmeras Sony em punho, o grupo dividiu-se em dois ao desviar-se dela, que agora fitava o chão seriamente, como se quisesse ser engolida por ele. Naquele instante Mel começou a pensar em todos os momentos bons que havia passado com Aaron. A tarde no parque de diversões, a noite em que ele foi cuidar dela por estar doente, o primeiro beijo gostoso dos dois na piscina, a repetição do beijo horas depois no terraço do Meditteranean... Tudo havia sido tão mágico e perfeito durante aquelas últimas semanas, que parecia não passar de um sonho lindo, onde ela estaria prestes a acordar. Então sem que Melissa esperasse, uma voz melodiosa soou em meio à multidão, tirando-a de súbito daquelas recordações de horas mais do que perfeitas. -Mel! – chamou Aaron ofegante, parando logo depois a alguns passos de distância dela. Ele agora lhe lançava aquele olhar profundo, maravilhoso, que fazia todos os seus pensamentos sumirem. Estava mais lindo do que nunca, o que em se tratando dele, parecia algo difícil de imaginar... Ao vê-lo ali, tão perto, encarando-a com seus belos olhos verdes, Melissa sentiu todo o corpo tremer em uma mistura de nervosismo e alegria. Aaron não havia partido ainda, e seu rosto não aparentava mais a raiva que ela vira quando ele descobriu sobre a investigação que estavam fazendo sobre sua mãe. Mesmo sem imaginar qual seria a reação do garoto, ela caminhou devagar até Aaron, segurando com cuidado a saia de seu vestido de festa para que não tropeçasse. Ao parar bem perto dele, sentiu um certo frio na espinha por aquele reencontro tão delicado. -Achei que tinha ido embora. - disse ela quase sem voz. - Eu sei que você voltaria daqui a alguns meses, só que era como se eu estivesse te perdendo pra sempre. Aaron pareceu querer esboçar um sorriso no canto dos lábios enquanto dava mais um passo na direção de Melissa. Seus olhos enigmáticos agora brilhavam mais do que o normal. -Mel, uma pessoa me disse uma coisa há pouco tempo e hoje eu vi que ela estava certa. Quando algo é verdadeiramente nosso, nada, nem ninguém pode mudar isso. Seja uma briga por uma mãe que não vale à pena ou uma viagem pro outro lado do país. -Então... Você já sabe da Linda... -É, digamos que uma certa garota esnobe voltou a ter coração. - disse ele mostrando o Ipod de Sophie que acabara de tirar do bolso.

162


Pela segunda vez naquele dia Melissa havia ficado extremamente grata a irmã. Ela sabia que Sophie não era de todo mal, apesar de seu comportamento antipático, mas mesmo assim não imaginava que fosse capaz de atitudes tão legais como aquelas. De cabeça baixa, Aaron enfiou o Ipod outra vez no bolso, respirou fundo e como se tivesse recebido um novo fluxo de coragem, ergueu o rosto para encarar a amiga mais uma vez. -Por favor, diga que me perdoa Mel. -Aaron, você não precisa se desculpar! Eu mesma fiquei chocada com toda essa história da Linda. Nunca pensei que sua mãe pudesse... Bem, você sabe... -Não, eu preciso Mel. Lembra quando eu disse pra você na festa da Vicky que não iria deixar nenhum idiota te magoar? Pois é, eu não só não cumpri a promessa, como fui o próprio idiota que fez isso. Mas mesmo se você não me perdoar, eu só queria que soubesse que a cada vez que eu te olhava e via tristeza nesse rosto lindo eu morria um pouco por dentro. Porque você já faz parte de mim e te magoar é a mesma coisa que me ferir bem aqui. - disse ele apontando com o dedo indicador para o lado do peito onde ficava seu coração. Ao ouvir aquelas palavras tão doces que lhe soaram como música, Mel deu um sorriso tímido para Aaron. Embora estivesse toda arrepiada e a vontade de beijá-lo fosse enorme, ela continuou imóvel, a dois passos de distância dele. -Você sabe dizer as coisas certas, nas horas certas, não é mesmo Stonewell? - perguntou ela em tom de brincadeira. Aaron sorriu daquela forma luminosa que ela adorava e aproximando-se de Mel, rompeu então a insignificante distância que os separava. -E quem disse que agora eu quero falar mais alguma coisa?! Sem se preocupar com as dezenas de pessoas no saguão ou com pequeno número de curiosos que observavam a conversa dos dois, Aaron inclinou devagar sua cabeça e sentindo o hálito perfumado de Mel, beijou-a docemente como se fosse a primeira vez. Entregue naqueles braços tão sonhados, Melissa sentiu-se flutuar conforme sua boca tocava os lábios macios de Aaron. Não havia sensação que se comparasse aquilo, nem havia ninguém que beijasse daquele jeito, tão doce e ao mesmo tempo tão ardente. Aaron por sua vez, parecia estar no céu, ele nunca havia se apaixonado daquele jeito e por isso, ter a garota que balançava seu coração bem em seus braços feito uma gatinha era mais do que um sonho. Assemelhava-se a estar no paraíso.

163


Depois de vários minutos decorridos com o longo beijo, os dois continuaram bem juntinhos, de olhos fechados, com suas testas coladas e os narizes encostando-se suavemente. Embora fosse bom com as palavras devido a sua sensibilidade de músico, Aaron não sabia direito o que dizer, ao contrário de Melissa, que criou coragem para falar o que gritava em seu pensamento. -É melhor você ir ou vai perder o avião. Já fizeram a última chamada a algum tempo. – ela disse sem qualquer oscilação na voz. Aaron abriu os olhos de súbito e encarou-a surpreso, não entendendo o motivo daquelas palavras. Estava decidido a ficar em Manhattan e pelo beijo delicioso que dera em Melissa, o qual a amiga havia retribuído, achou que ela o quisesse ali e não a quilômetros de distância como agora parecia. -Mas Mel... -Não Aaron, agora é a minha vez de falar. -interrompeu a garota com uma expressão decidida no rosto. - Olha, eu gosto demais de você pra exigir que fique aqui por minha causa. Eu até gostaria, mas não seria justo te fazer perder uma chance incrível como essa. Seu futuro é brilhante, você é super talentoso e eu seria uma egoísta te prendendo aqui em Nova York. Antes eu estava com medo, sei lá, achava que como a gente não estava mais junto você iria se apaixonar por alguma garota linda e bronzeada da Califórnia e aí eu te perderia pra sempre. Mas agora eu sei que você vai voltar pra mim, e eu te prometo que quando esse dia chegar vou estar ansiosa nesse mesmo aeroporto te esperando. -Então você quer mesmo que eu vá? Não vai ficar chateada? - perguntou ele ainda inseguro, engolindo seco. -É claro que não. Quero dizer, eu só vou me chatear se você não me ligar todos os dias ou não conversar comigo pelo Messenger. Agora se prometer que vai fazer isso sempre... -Eu juro Mel, na verdade eu nem precisava prometer. Porque eu já estou morrendo de saudade desses seus olhos, dessa sua boca... E... bem, já que eu vou ter que ficar três meses longe, eu queria uma coisinha pra poder me lembrar de você quando eu estiver deitado, sonhando, lá na minha cama na Califórnia. -Ah é? O quê? –Melissa perguntou vendo-o se aproximar. -Isso... E enlaçando a cintura de Melissa, Aaron beijou-a de novo, com toda a paixão que guardava em seu peito. Nada mais importava naquele momento, a não ser o beijo agarrado, mágico, de tirar o fôlego que ele lhe dava.

164


Foram poucos os minutos em que estiveram entregues uma ao outro, mas que pareceram durar deliciosos séculos. Depois disso, ele e Mel se afastaram, já que não havia mais tempo para despedidas e, indo para o portão pelo qual se dava o embarque, Aaron lhe lançou um último e intenso olhar. Não havia tristeza naqueles olhos verdes e Mel sabia perfeitamente o que eles queriam dizer. -Eu vou ter esperar. – sussurrou ela vendo-o desaparecer em meio a outros retardatários que também adentravam o portão de embarque. – Eu vou te esperar...

165


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.