UM SISTEMA OPERACIONAL QUE SE DESDOBRA PELA FOTOGRAFIA Vânia Sommermeyer RESUMO Para este Seminário de Arte e Fotografia trago dois grupos de fotografias realizadas em momentos distintos, para analisar o possível alargamento do conceito de membrana, anteriormente estudado em relação ao espaço, na escultura e em colagens. Uma série realizada durante viagem entre Málaga e Rhonda, na Espanha, em 2011 e outra durante a recente Residencia em Berlin1, em 2013. Em ambas séries de fotografias buscava captar o movimento enquanto me deslocava, ou por ônibus ou por trem. Hoje com a pesquisa2 que empreendo poderia pensar que aquela ideia inicial de membrana acontece pela sobreposição de planos? E se a fotografia congela o movimento na simultaneidade de tempos e gestos, estaria na abstração das imagens produzidas, o somatório do que não mais existirá, pois já passado? O que a pesquisa atual transmite e aponta? O que é ativado e o que permanece latente? O que se alterou neste sistema que se desdobrou pela fotografia? PALAVRAS CHAVE Deslocamento; Fotografia; Latência; Membrana; Movimento.
Escopo operacional Como membrana entendia tudo que revestia, encobria, revelava ou ocultava objetos ou espaços. Necessário considerar em meu processo de trabalho o que denomino de resíduos cotidianos. Inicialmente recolhia sobras de tecido (Fig. 1) que guardava no “depósito das latências” para sua posterior ativação na construção de objetos (Fig.2) e no uso de colagens apresentados em galerias (Fig.3) e posteriormente com sua aplicação em fachadas e prédios atuando quase como um grafite; que ao se aderir à parede, reverbera uma escrita indecifrável. (Fig.4). Em decorrência da pesquisa que avançava, percebi não ser mais necessário construir objetos, mas utilizar os próprios móveis (Fig.5) existentes no lugar das intervenções e construir
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Residencia artística berlin- im- focus : Ressonâncias Brasil-Berlin, realizada de 01 de junho a 01 de julho de 2013, na cidade de Berlim, Alemanha.
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Latência e ativação: desdobramentos de um sistema. (título provisório) da pesquisa (em andamento), de Doutorado em Poéticas Visuais/PPGAV, IA, UFRGS, sob orientação da prof. Dra Elida Tessler.
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capas ou membranas que envolvessem cadeiras, bancos, escadas numa relação de revelar e esconder- visível/invisível.3
Instalação s/ título, 2004 madeira e tecido
Fig.01, Fig.02 e Fig.03 - seleção de retalhos; objetos S/ título, 2004; Objetos ativos, 2006. Vânia Sommermeyer
Fig.04, Fig.05 e Fig.06 - Intervenção Pátio São Pedro, Recife, 2009; Móvel da Sala Formas; Capa, 2007. Vânia Sommermeyer
Fig.07, Fig.08, Fig.09 e Fig.10 - Vânia Sommermeyer. Dobras, 2007. Capas para os móveis da sala de Formas, IA, UFRGS
Até 20094, a fotografia ajustava-se aos registros de processo de trabalho, ao criar séries de tipologias com títulos como Capas e Dobras (6,7,8,9,10), que nada mais são que apontamentos das intervenções. Assim, forma-se um arquivo digital de 3
Ver a intervenção FORMAS. IA, UFRGS em http://www6.ufrgs.br/escultura/espaco_montagem/vania.htm
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Em 07/04/2009, dissertação de Mestrado em Poéticas Visuais/PPGAV, IA,UFRGS: Membranas do mundo: agenciamentos, operações e formas de ativação do espaço, sob orientação da prof. Dra Maria Ivone dos Santos, PPGAV,UFRGS.
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diversas ocorrências de membranas; como as películas protetoras, geralmente azuis, presas a prédios em reforma ou as capas das intervenções, que ao serem dobradas e guardadas indicam a série Dobras 2007, 5 onde o meio e o local passam a ter mais importância no espaço da imagem, ultrapassando o mero registro. Com as repetições e incursões em locais variados, fazia aproximações com as fotografias das “Esculturas Anônimas” do final dos anos 60, de Bernhard e Hilla Becher, como dos empacotamentos de Christo e Jean Claude. Mais tarde, intervenho com outra aderência: a entretela branca e preta que é colada a quente nos Cadernos do Memorial do RS (Figs. 11,12). Atitude esta que desencadeia, na sequencia, o Livro A, artigos definidos (Figs. 13, 14,15); onde estipulo a regra de cobrir todas as letras A e todos os nomes próprios contidos em determinados textos. Assim, “muitos dos procedimentos e materiais que se revelam, em minha poética, ao serem sistematizados, abrem e deflagram as etapas seguintes” 6
Fig.11 e Fig.12 - Vânia Sommermeyer. Cadernos Quentes, 2008. Entretela branca e preta. Interferência em publicação pré-existente: Cadernos do Memorial do RS
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Esta operação pelo que nos revelou de extraordinário desencadeou o tópico Resíduos de Instalações: o arquivo das formas dobradas, presente em minha dissertação de mestrado, já citada. 6 Ponto analisado em “A potência de uma ação: o que sobra se desdobra”, comunicação apresentada no II Seminário de pesquisadores do PPG Artes/ UERJ. Rio de Janeiro, 2008.
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Fig.13, Fig.14 e Fig.15 - Vânia Sommermeyer, A, Artigos Definidos, 2009. [Cópia impressa com realce preto. 27,0 x 14,8 cm. Detalhe: capa, p. 6 e 26]
De fora para dentro/ de dentro para fora. Com os procedimentos operacionais semelhantes, eu poderia pensar que com as fotografias que realizo o status operacional é o mesmo ou teríamos uma articulação latente secundária? A diferença estaria numa latência como finalidade e não mais como principio de uma operação artística? As fotografias ao serem transportadas para os computadores ou visíveis nos álbuns nas redes sociais não indicariam um mesmo depósito da latência do qual eu falava anteriormente, para os retalhos? Ao analisar as fotografias realizadas entre 2003/2007 7 , em deslocamentos cotidianos, percebe que a origem daquele conceito já estava presente nos reflexos dos vidros das vitrines das lojas de Porto Alegre (Fig. 16,17). Ali o dentro e o fora se misturavam.
Fig.16 e Fig.17 - Vânia Sommermeyer. Série Percursos, 2003 e 2007. Porto Alegre .
Por cotidianamente observar e registrar, de dentro do ônibus, a paisagem árida da BR 116 no trajeto entre Novo Hamburgo e Porto Alegre, entusiasmou-me seguir com este procedimento, toda vez que utilizasse um transporte coletivo, ferroviário ou rodoviário. Sempre com um celular na mão a paisagem de cada cidade ou trecho percorrido é esquadrinhada, rastreada, enquanto me desloco e enquanto o movimento se dá. Pela praticidade e rapidez na captação de imagens, 7
Veja mais no artigo “Deslocamentos e suas vibrações” publicado na revista on line Panorama Critico Nº01 – Jun,Jul 2009 http://www.panoramacritico.com/001/ed01/ed01_artigo2.pdf
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principalmente ao buscar uma paisagem que muda incessantemente, o dispositivo móvel passa a ter importância capital, apesar das dificuldades existentes na captação em movimento, como a ausência de um tripé. Após esta introdução, analisarei as séries de fotografias Saída de emergência, 2011 e ...enquanto a vida passa, 2013, e as possíveis aproximações com fotógrafos, pensadores e artistas que poderão me auxiliar na busca por respostas, como no alargamento do conceito de membrana, hoje na fotografia. Saída de emergência Com pouco tempo livre, na rápida estada na cidade de Málaga, na Espanha, em 2011, decido passear de ônibus pela redondeza, saindo do terminal da cidade, sem saber muito bem onde chegaria: Rhonda era meu destino final. A estrada é muito bem sinalizada e asfaltada, mas sinuosa. O ônibus é confortável, com poucos passageiros e com isso, a possibilidade de uma vista privilegiada onde vejo uma paisagem peculiar e bem diferente da nossa região. Pelas janelas, visualizo uma paisagem com o predomínio de cores ocres e verdes em vales montanhosos, quase sem vegetação, com uma relva rasteira amarela em meio à cultura de oliveiras. Neste ambiente surge a série de fotografias, que passei a chamar, Saída de emergência. (Fig.18, Fig.19 e Fig.20). A frase Salida de Emergência, presa ao vidro inesperadamente aderiu-se às imagens da paisagem que fazia, tanto na ida como na volta da viagem. Para registrar e criar encaixes da frase na paisagem que se movia, lá fora, eu me esgueirava entre as poltronas, caminhava de um lado para o outro, sempre tentando não cair. Na presença daquela frase de advertência, entendíamos que algo acontecia entre o corpo, o ônibus, o celular e a operação de tentar encaixar na paisagem aquela película. Nestes registros o que era visível, além da frase e, até que ponto a transparência do vidro não revelaria outras presenças. Tal como nas vitrines de Porto Alegre, as janelas do ônibus se comportam como uma fina e transparente película utilizada para ver ora para dentro, ora para fora, numa superposição da paisagem que invade a superfície reflexiva do vidro, esta que não é mais totalmente transparente.
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Fig.18, Fig.19 e Fig.20 - Vânia Sommermeyer. Saída de emergência, 2011 – percurso entre Málaga e Rhonda, Espanha.
Neste ponto tomo a liberdade de aproximar as fotografias de Eugène Atget em Vitrines, Paris – 1926, às fotografias de Saída de Emergência. Encontramos uma relação palavra-imagem, transparência-opacidade, interior-exterior; principalmente quando vemos nas Vitrines de Atget a intromissão da paisagem, da sua sombra corporal projetada, dos corpos dos passantes, ou ainda de palavras dos letreiros e anúncios. (Fig.21 e Fig.22)
Fig.21 e Fig.22 - Eugène Atget. Vitrines, Paris – 1926. George Eastman House/Getty Images.
Porém, entendemos que nas vitrines de Atget importavam as alterações que a sociedade e a cultura expunham em seus modos de vida entre 1895 e 1927, onde vemos seu interior repleto de mercadorias para o consumo. Fontcuberta refere-se a esta era como uma marca de uma tradição (...) inicialmente teorizada pelos surrealistas e recuperada na obra de Eugène Atget: “não é que a fotografia tivesse
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uma dupla natureza -arte e documento-, e sim que o documento era necessariamente artístico”. 8
Fig.23 e Fig. 24 - Josef Sudëk The window of my studio, 1948. Last Roses, 1956.
Também aproximamos as fotografias de janelas de Josef Sudëk, (Fig.23 e Fig.24) com a opacidade provocada pelo embaçamento do vidro, como forma de alterar o que se vê lá fora, velando a paisagem. Decorrido um tempo, entendo que talvez naquela série Saída de emergência, um ciclo tenha se fechado, ao ver numa das imagens a frase Salida de emergência fixada sobre um prédio ao fundo (Fig.25), onde as letras assumem a mesma estrutura gráfica presente no Livro A, (Fig.26), quando as letras se colam à portas e janelas e que funcionam como buracos ou manchas, exatamente o que encontramos sobre um texto naquele livro de 2009.
Fig.25 - Vânia Sommermeyer. Saída de emergência, 2011; Fig.26 (detalhe ) VS Livro A, 2009.
Este modus-operandi de captar a paisagem em movimento durante os deslocamentos pelos meios de transporte disponíveis passou a ser o foco principal de minha pesquisa no doutorado ao analisar se o conceito de membrana ainda se 8
FONTCUBERTA, Joan. O Beijo de Judas. Fotografia e Verdade. São Paulo: GG, 2010. p.66
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sustenta e o que vem a ser este gesto no registro do fluxo do tempo. O que há de presente e o que há de passado quando a imagem aprisiona o tempo que passa dentro e fora do veículo, simultaneamente. As janelas de vidro como finas superfícies que isolam, revestem, mas acabam por não encobrir totalmente a visão. Controlar o corpo e o dispositivo fotográfico dentro deste espaço inadequado para esta função permite registrar, em segundos, o que vemos. Mas na verdade, o que vemos já é passado como nos ensina Roland Barthes, pois a condição e fundamentação maior da fotografia seria de que, qualquer foto carrega em si, o fato de já ser passado. Assim o ônibus continua sua trajetória e avança, enquanto a foto recorta uma fração deste tempo visível, que também é imperceptível na memória. ...enquanto a vida passa. Na série que analisarei em seguida, encontro a condição de sobreposição de camadas provocadas pelo movimento e o deslocamento rápido do meio de transporte. Sugerindo uma película aditiva de tempos e espaços visíveis na imagem fotográfica. O recente projeto, “A fotografia acontece enquanto a vida passa”9, apresentado a um edital de residência artística,em 2013 teve como experiência e resultado de um mês, um grande arquivo de imagens sobre a cidade de Berlim, dispostas em diversas séries, as quais basicamente buscavam o movimento de pessoas e o rápido deslocamento dos ônibus pelas ruas e dos trens pelas estações (Fig. 27).
Fig.27 - (detalhe) Desenho das linhas de Metro em Berlim. 10 linhas e 173 estações 9
Projeto apresentado ao Edital de Fotografia berlin _im_ focus e que foi premio de Residência de um mês na cidade de Berlim, Alemanha. Tal vivência contou com a mostra do resultado na exposição coletiva: Ressonâncias Brasil-Berlim/Kunstlerresidenz. Bethanien. Berlin, Alemanha, junho de 2013.
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Ao chegar, Berlim se revelou uma cidade silenciosa com inúmeras bicicletas rodando, e poucos carros circulando. Em contrapartida, no subterrâneo da cidade, o metrô foi algo que me impactou demais, com sua movimentação ágil e rizomática. Por isso, meus deslocamentos diários se davam exclusivamente por este meio de transporte coletivo; perfazendo em média quatro linhas diferentes, que se ramificavam num desenho estranho, mas bem calculado; proporcionando-me vencer o tempo e a distancia com rapidez e facilidade. Ao alcançar o destino, aguardava com curiosidade ver as calçadas e ruas que se revelavam sempre diferentes. No começo estava apreensiva ao chegar tarde da noite em casa, mas depois percebi que não era o Brasil, este pais que pouco investe em infraestrutura viária. Fato que me fez lembrar que quase 30 anos separaram a cidade onde vivo do projeto original do metro metropolitano, que deveria ligar Porto Alegre a Novo Hamburgo. A primeira estação foi inaugurada em 1985, ligando Porto Alegre a Sapucaia; depois em 1997 até a Unisinos e, somente em 2000 até a cidade visinha de São Leopoldo; distante apenas 10 km de Novo Hamburgo, ou seja, 12 minutos. Quer dizer, esperamos há 12 anos por um trecho de 12 minutos e há 28 anos por um trecho de 50 minutos entre Novo Hamburgo e Porto Alegre. O que vemos hoje, além da tecnologia ultrapassada é a confirmação do que se via naquela época e hoje: desvios de dinheiro nas licitações de projetos de construção. Voltando às fotografias que produzi em Berlin, temos que estas foram tomadas de dentro do trem ao me deslocar pelas estações, buscando o movimento enquanto o trem e as pessoas passavam (movimentação. As imagens recebem uma camada de opacidade provocada pelo grafismo produzido pela aceleração do trem em alta velocidade e pelo congelamento da imagem. Também as situações dentro das diversas estações em especial, ao cruzar os corredores e plataformas de embarque, me interessavam. Cada estação tem uma configuração diferente da outra, afinal são em média 173 estações em 10 linhas.Fig. 28, 29, 30,31) e que geraram a série “...enquanto a vida passa”, esta que veio somar-se à pesquisa, em fotografia, que desenvolvia no Brasil. Fiz sequências de tomadas de dentro do metrô pelo vidro das janelas e portas com o trem em movimento, me apoiando como podia com uma tablet registrando incessantemente a
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Fig.28, Fig.29, Fig.30 e Fig.31 - Vânia Sommermeyer ...enquanto a vida passa, 2013
Sabemos que trabalhar a cidade e seus substratos, não é tema novo, pois muitas das ações contemporâneas perpassam a cidade e seus fluxos, onde a fotografia vem para registrar ações que refletem a cidade como centro das indagações da arte contemporânea, principalmente quando presenciamos uma tempos num mundo
simultaneidade de
que se move velozmente em todas as direções. Nele,
fotógrafos se posicionam frente a esta realidade apresentado o que se vê e o que não se vê. Na contemporaneidade a fotografia bem diz Llorens, sobre seu trabalho: o que importava era a “luta com o tempo”, no sentido dado por Pierre de Fenoyl ao apropriar-se e reformular o termo “cronofotografia:” (“a fotografia não é uma arte e sim uma luta com o tempo”). 10 Luta que nos coloca frente a frente com nossa morte, nossa parcela de ontem que não recuperaremos nunca mais, lá na frente, no futuro. Nossa vida passa como o trem em alta velocidade. Por outro lado, a vida brota do registro de bons momentos, que mesmo memória de um dia passado, deixam uma visão ilusória de um antes para suportar o hoje. Para esta
confirmação
de
nossa
empreitada
inglória
Fontcuberta
afirma
que
“fotografamos para reforçar a felicidade desses momentos. Para afirmar aquilo que 10
Idem. p. 68
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nos agrada, para cobrir ausências, para deter o tempo e, pelo menos ilusoriamente, adiar a inevitabilidade da morte. Fotografamos para preservar a estrutura de nossa mitologia pessoal”.11 Mitologia esta que encontramos na história da fotografia com Lartigue (Fig. 32) nos seus registros de momentos felizes. Desde cedo, o fotógrafo francês foi arrebatado pelo movimento de tudo que estava a sua volta: corridas de carros, jogos e brincadeiras que lhe eram fontes de inspiração. Caroline Hancock12, afirma que, nas fotos de Lartigue, é possível ver mudanças na França, "na sociedade, no mundo da moda, na tecnologia”.
Fig.32 - Jacques Henri Lartigue (1894 – 1986) Grand Prix de Circuit de la Seine', June 26th 1912
Lartigue e Atget retratando cenas familiares ou como fotógrafos do cotidiano e das mudanças nas cidades no inicio do século deixaram um imenso acervo da vida e dos avanços ligados aos inventos, modos de vida. Vejo a série de fotos de Berlin, na busca pelo fugaz e veloz da imagem, como resultado de minha perplexidade frente a uma cidade veloz e rizomática. Perplexidade esta que certamente Lartigue sentiu ao ver um carro em alta velocidade ou um avião querendo alçar voo como um pássaro.
11
Ibidem p.39.40
12
Caroline Hancock foi organizadora do evento na Hayward Gallery em Londres, de junho a setembro de 2004 na “primeira grande mostra na cidade, cobrindo mais de 80 anos do século 20”. Mais informações em: http://www.carolinehancock.com/carolineHancock/about.html http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/728_lartigue/page2.shtml
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Ao captar a rapidez com gestos repetitivos e exaustivos dentro de um trem e com isso armazenar uma imensa quantidade de fotografias para depois apresentá-las, não estaríamos buscando uma forma de lutar contra a morte e o passado do que já fomos? Christian Boltanski
13
diria que uma forma de lutar contra isso, seria “a
transmissão: transmitir alguma coisa”. Mas, por outro lado, no afã de marcar um tempo e uma localização devemos e precisamos registrar transmitir algo, nem que seja o vazio de um somatório de tempos e experiências. Quando então a morte se tornaria cada vez mais um vazio repleto de planos. Neste sentido, em especial, contribui a fotografia de Hiroshi Sugimoto, Cinerama Dome, Hollywood, 1993 (Fig. 33), em que Fontcuberta esclarece seu método de trabalho: (...) Sugimoto fotografa os interiores frontalmente à tela. A sala permanece às escuras; só a própria projeção de um filme a ilumina. A luz refletida na tela vai extraindo da penumbra os detalhes (...) em uma exposição prolongadíssima que dura o mesmo que a projeção do filme. O obturador da câmera se abre com os primeiros títulos dos créditos e só se fecha quando aparece o letreiro final The End. (...) uma sucessão de 24 fotogramas por segundo se impressionam sobre o negativo (...) que ao final conterá em sua memória fotoquímica a soma de todas as imagens” ...”essa projeção superposta, que deveria ser o compêndio de tudo (...) não nos deixa ver nada: uma simples tela branca irradiando uma luz vaporosa.” (...) ”a condensação de todos os planos nos lança no vazio.” (FONTCUBERTA, 2010, p.69)
Fig.33 - Hiroshi Sugimoto, Cinerama Dome, Hollywood, 1993
Em Cinema Dome, não há mais ontem, nem tampouco hoje, muitos menos amanhã. Sugimoto quer lembrar-nos da nossa total falta de perspectiva frente ao existente, frente ao tempo, que não passa de um amontoado de imagens, de nomes, de letras, 13
Em entrevista de Cristian Boltanski a Hans Ulrich Obrist. Entrevistas.V II.RJ/ BH: Inhotim, 2009 p.176
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de ruídos, de cores, de sons. Como as fotos de Berlin, Cinema Dome nos induz a acreditar que vemos algo, que ali houve um rastro, mas na verdade tudo é nebuloso. Um vazio repleto de experiência. Fontcuberta contribui quando diz que: “a história da fotografia pode ser contemplada como um diálogo entre a vontade de nos aproximarmos do real e as dificuldades de fazê-lo”.14 Ao concluir, entendo que a linha de pensamento, que se iniciou por Atget e perpassa todo o tempo, desde a pesquisa anterior com Marcel Duchamp em O Grande Vidro15 e a Caixa Verde, como locais de latência e ativação onde, produção e apresentação são simultâneas; penso que a serie de fotografias Saída de emergência ganha força exatamente quando suas imagens são apresentadas em conjunto mantendo o caráter de latência (arquivo, caixa) e, talvez mais ativadas, quando numa publicação do que numa apresentação espacial. O fato de se propagarem num livro me interessa pelo caráter de repetição e dobra. Talvez o Livro A inicia o que Saída de emergência conclui. Ou quem sabe, ambos vivendo em paralelo ou em duas fases de um mesmo modo operacional, como acontece com o luminoso, em verde e vermelho do Ampelmännchen, este símbolo de transito, encontrado nas ruas de Berlim e que indica, duas ações com uma resposta imediata de parar ou seguir. Elemento que foi o leit motiv para escrever o “A fotografia acontece enquanto a vida passa”, projeto de residência que buscou pela fotografia e os deslocamentos naquela cidade, conectar-se com a pesquisa que acontecia no Doutorado, para poder amplia-la. Olhar para Lartigue e ali encontrar o deslumbramento pelo movimento e o deslocamento, em meio à felicidade, só corrobora com esta imagem singela que traduz com eficiência como cotidianamente necessitamos encontrar meios para abarcar o esvanecimento de nossa condição humana na aceleração de um tempo que se esvai, regulada como que por um pare e avance de um semáforo. Entendo esta imagem como o somatório e o destino de continuar caminhando e viajando para 14
idem. p.9
15
SOMMERMEYER, Vânia. E.S. O GRANDE VIDRO – fronteira entre um mundo que agoniza e um novo mundo ainda sem forma. Apresentado no seminário A imagem imperfeita, em janeiro de 2008, por ocasião da disciplina Utopia, arte e psicanálise, ministrada pelo Prof. Dr. Edson André de Souza, em 2007.
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buscar o que ainda não sei e, o que ainda não vi, para quem sabe, como queria Boltanski, transmitir isto para alguém. Se a fotografia congela o movimento na simultaneidade de tempos e gestos, com a pesquisa que estou empreendendo, poderia pensar que a constituição de membrana acontece hoje pela sobreposição de planos tentando reter o aqui e o agora, que já é um passado. Apoiada por Sugimoto, poderia ainda refletir que as imagens abstratas da série “... enquanto a vida passa”, seriam um somatório do que não mais existe, pois, uma ilusão de uma experiência marcante no tempo, restando apenas dele uma assombração, um espectro?
REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. O Óbvio e o obtuso.Coleção Signos/42. São Paulo: Martins Fontes, 1977 BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte Editora UFMG, 2007 _______________ Obras Escolhidas II. Rua de Mão Única. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000. FONTCUBERTA, Joan. O Beijo de Judas. Fotografia e Verdade. Barcelona: Gustavo Gili, 2010 ______________A Câmara de Pandora. A Fotografia depois da Fotografia.São Paulo: GG, 2012 OBRIST, Hans Ulrich. Entrevistas. Volume II. R Janeiro: Cobogó; Belo Horizonte: Inhotim, 2009. Dissertações, textos, artigos e outros: KRAUSS, Rosalind. Os espaços discursivos da fotografia. ae Revista do PPGEV EBA.UFRJ.2006. SOMMERMEYER, VANIA. E.S. Dissertação de Mestrado. Membranas do mundo: agenciamentos, operações e formas de ativação do espaço, sob orientação da prof/ artista Maria Ivone dos Santos. IA, PPGAV, UFRGS, 2009 ______________ O GRANDE VIDRO –fronteira entre um mundo que agoniza e um novo mundo ainda sem forma. Apresentado no seminário A imagem imperfeita, em janeiro de 2008, por ocasião da disciplina Utopia, arte e psicanálise, ministrada pelo Prof. Dr. Edson André de Souza, em 2007 ______________“A potência de uma ação: o que sobra se desdobra”. Comunicação apresentada no II Seminário de pesquisadores do PPGArtes/ UERJ. Rio de Janeiro, 2008. ______________“Deslocamentos e suas vibrações” publicado na revista online Panorama Critico Nº01 – Jun|Jul 2009 Vânia Sommermeyer Natural de Estância Velha, RS/1957. Reside em Novo Hamburgo, RS. Professora e artista visual com trabalho em desenho, escultura e fotografia. É Doutoranda em Poéticas Visuais, UFRGS. Mestre em Poéticas Visuais, UFRGS (2009). Especialização em Gestão do
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Patrimônio Cultural, ULBRA (1997). Graduação em Educação Artística, FEVALE (1985). Orientação artística com Jailton Moreira, Torreão (2002-2006) e Maria Helena Bernardes, Arena (2005-2006). Residencia Artística e exposição Coletiva Ressonâncias BrasilBerlim/Kunstlerresidenz. Bethanien. Berlim, Alemanha (2013). Residencia artística FAAP, São Paulo (2012). Professor substituto na FURG, Rio Grande (2010-2011). Seleção ao 18º SPA das Artes, Recife (2009). Em 2006, seleção ao Itaú Rumos Artes Visuais . Em 2004, ao 11º Salão da Bahia e 23º Arte Pará. Na década de 80 e 90 atou em escolas de 1º e 2º graus e como Coordenadora Cultural em Novo Hamburgo.
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