RASTERS: TRANSCRIÇÕES GRÁFICAS DE FOTOGRAFIAS E AFETOS

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RASTERS: TRANSCRIÇÕES GRÁFICAS DE FOTOGRAFIAS E AFETOS. Flavya Mutran Pereira RESUMO Este artigo trata das relações entre a linguagem algorítmica de fotografias digitais e o conceito de latência da imagem, que são eixos teóricos e práticos para a criação da série RASTER, ligada à pesquisa em Poéticas Visuais “ARQUIVO 2.0”, que trata de ações de compartilhamento de arquivos de imagens na WEB. As implicações socioculturais geradas a partir do contexto tecnológico da chamada Era Digital serão analisadas segundo as ideias de Michel Frizot, Joan Fontcuberta, Vilém Flusser e Fred Ritchin. Trabalhos de Óscar Molina e Rosângela Rennó servirão como interlocuções para as questões conceituais da pesquisa. PALAVRAS-CHAVE Arte Contemporânea; Fotografia; Latência; Linguagem Algorítmica; Web.

A fotografia numérica e a internet, juntas, permitiram a massificação de todo tipo de informação visual, colocando em curso novas práticas de apresentação, representação e simulação do visível. Mas será que ao final da primeira década do séc. XXI, a fotografia se definiria apenas pela sua visibilidade? É sobre este tema que quero me deter, atentando para os aspectos menos visíveis que operam no conceito de latência na arte fotográfica e nas tecnologias de informação. Caixas-pretas, fantasmas e diversões melancólicas. Para Fred Ritchin, os meios e todo o entorno do digital “nos mudaram de maneira profunda e permanente desde os níveis mais básicos: nossa concepção do mundo, nossa noção de alma e arte, nosso sentido do possível.” (RITCHIN, 2009: p.11) A noção do tempo e espaço também parecem ter se alterado, pois distâncias e velocidades se tornaram algo mais do que unidades de medida, ou para ser mais precisa, parecem depender do tempo de uma conexão. A busca pela ubiquidade e fluidez da Era Digital1 teve como preço uma crescente dependência pelas facilidades de eletroeletrônicos cada vez mais interconectados à multitarefas funcionais, e já que em toda regra há exceção, também convivemos com movimentos no sentido contrário dessa aceleração. Já nos anos 1970, Marshall McLuhan definia essas 1

O aspecto enfocado sobre a Era digital (também chamada de Era da Informação, e que se deu por volta do final dos anos 1980) trata das mudanças sociais e tecnológicas nos sistemas operacionais e no comportamento humano após a criação da fibra óptica, o uso de computadores e microporcessadores em rede, dispositivos fundamentais para interconexões.

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exceções como uma forma natural e comum de reação cultural, típica dos períodos de grandes avanços tecnológicos e sociais, espécies de nostalgias, que para o autor, “evocam dores fantasmas depois que desaparecem.” (MCLUHAN, 1971: p.16). Ao longo dos anos isso não só se confirmou em vários campos da atividade humana como se tornou recorrente nos movimentos ligados à Fotografia, embora hoje, tais tendências ‘retrôs’ evoquem menos dores e melancolias, e estejam mais alinhadas com o campo do entretenimento e da diversão. Graças à enorme variedade de aplicativos de uso gratuito e de fácil manuseio, inúmeros filtros e ferramentas de retoque podem ser acionados com o deslizar de dedos sobre telas de smarthphones e tablets, trazendo de volta projeções virtuais das velhas polaroides ou das cores desbotadas dos Fujichrome ou Kodacolor, tão comuns até o aparecimento do digital.

Fig.01 - Fotos de coloridos e texturas variadas de aplicativos como o Pixlromatic, Snapster e o Instagram mascaram o imediatismo de imagens que circulam na web, responsáveis por embaralhar temporalidades e as relações de verossimilhança documental. (reprodução)

Sem o compromisso com o registro documental e em grande parte motivada pela necessidade de autoexpressão e desejo de visibilidade, a fotografia que circula em redes sociais como o Instagram, Flickr e Tumblr tende para a mera manipulação de modelos pré-existentes, que Ritchin define como uma das características do comportamento do fotógrafo digital,

“disc jockeys visuais pós-modernos em

potência”. (RITCHIN, 2009: p.22) O que mais se vê nas redes sociais é a massificação de escritas estilizadas, muito mais ligadas às subjetividades inerentes

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à grafia pessoal e às (auto)ficções, dado descompromisso com o rigor da datação histórica ou com o valor de índice fotográfico tão valorizados pelas correntes fotográficas relacionadas ao documental no séc.XX. Rapidamente nos acostumamos à maleabilidade da imagem digital, às novas formas de teleobservação indireta dos fenômenos visíveis e ao imediatismo da superexposição desenfreada. Mas afinal, o que sabemos de fato sobre esses modelos pré-programados? O que estaria por trás da crescente padronização de linguagens dentro de um único sistema operacional que tem na fotografia sua maior potencia? Questões dessa natureza implicam em destrinchar uma complexa teia de relações que vai muito além dos usos e funções da fotografia ao longo dos seus mais de 150 anos de existência. Ter respostas concretas para perguntas assim seria como abrir a caixa preta que guarda não só os segredos dos seus sucessos e fracassos, como também abrir nossas memórias coletivas. Não à toa, Vilém Flusser, nos anos 1983, usou a metáfora da caixa preta para tratar dessa delicada relação que envolve o fotógrafo, o dispositivo e os interesses comerciais e filosóficos que operam sobre os modos de produção e exibição de fotografias. Sua ideia sobre agirmos como meros funcionários pré-programados por um sistema muito maior e mais complexo que o simples apertar de botões continua atual, mas por sorte somos menos ingênuos hoje ao lidar com esses aparelhos, graças às subversões advindas do campo da arte e do novo território criado pelas redes formadas a partir da Era Digital. Com o mesmo viés crítico, Ritchin menciona que palavra ‘usuário’, que é empregada para internautas e operadores de dispositivos digitais, também se aplica aos dependentes ou ‘usuários’ de drogas. De certa forma esta afirmação atualiza as críticas menos vorazes de Flusser, e volta-se também contra as estratégias de manipulação e controle dos sistemas corporativos ligados à indústria da imagem e da comunicação de massa. Mudaram os meios, usos e funções da fotografia em nossos dias e esse panorama que envolve mais do que as tecnologias ou os hábitos sociais -, é traduzido por

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Michel Frizot como o estado de evolução histórica que deu origem ao homo photographicus ... o homem que está em contacto constante com fotografias (bem mais do que ele mesmo possa imaginar), e que fica conhecendo o mundo essencialmente através de fotografias, é um ‘novo’ homem que não pensa como os demais não habituados à fotografia; apesar de fomentar profundamente, mesmo de maneira aleatória, o imaginário de um grande número de pessoas, a imagem técnica não é uniformemente inteligível a todos, pois os modos de recepção são individualizados e as interrogações pessoais estão ligadas tanto ao desconhecimento técnico quanto à intuição do reconhecimento visual do ‘tema’ das fotografias. (FRIZOT in SANTOS e CARVALHO, 2012: p.32)

É no comportamento, nos gestos e fundamentalmente no arquivo fotográfico desse novo homem que encontro pontos interessantes para a minha pesquisa atual. Como lidar com o modus operandi do homo photographicus que mistura o analógico e o digital, o verdadeiro e o falso, o real e o ficcional, nesta enorme plataforma que nos acostumamos a chamar de Fotografia? Arquivos e olhos abertos, questões latentes. Sejam profissionais, institucionais ou familiares, nossos arquivos fotográficos mudaram. Cada vez menos em gaveteiros de aço ou caixas de papel, hoje mais em placas de circuito elétrico e discos magnéticos, analógicos ou digitais, o certo é que fotografias estão guardadas em nós. Fazem parte da nossa noção de identidade e pertencimento sociocultural, e nos ajudam a conviver com o outro e com nós mesmos. Confiando na ideia de um arquivo supostamente universal feito de fotografias, Rosângela Rennó criou a instalação Hipocampo (1992/1995), onde explora a relação entre palavra - imagem - memória. A artista distribuiu textos aplicados com tinta fosforescente em colunas e paredes brancas de uma sala para descrever fotografias muito conhecidas do imaginário fotográfico contemporâneo, onde luz e escuridão se alternam para criar um jogo de visibilidades. Após alguns instantes de luz acesa, onde os textos parecem invisíveis, faz-se dois minutos e meio de escuridão e as frases podem ser vistas em sua fosforescência. Para a pesquisadora Camila Schenkel, o modo como a artista apresenta esse jogo entre texto e foto transforma a leitura em uma experiência sensorial. “oriundo de jornais,

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não envereda por reflexões sobre a linguagem ou a natureza da arte, mas adquire uma dimensão social, tensionando nossos mecanismos de memória e identificação” (SHENKEL in SANTOS e CARVALHO, 2012: p.100). Apropriando-se de informações escritas sobre imagens veiculadas na imprensa, a instalação Hipocampo torna-se um território experimental onde as lembranças individuais emergem de um banco de dados interior e invisível aos olhos, mas potencialmente disponível enquanto latência. A experiência de imersão em um ambiente de luz e escuridão que aposta nesta ativação da imagem através da palavra abre a possibilidade de pensar numa inversão da ordem hierárquica que historicamente sempre existiu entre texto e foto. Mas para que a latência, neste caso, seja algo além do que uma imagem ou mensagem subentendida, depende de algo mais do que os sentidos sensoriais, pois é a bagagem histórica e cultural do expectador, seu nível de alfabetização e o idioma usado como interlocução que completam a experiência. Complexa e conceitual, a instalação Hipocampo atua justamente na zona de indeterminação cerebral que arquiva nossas memórias.

Fig.02 - Hipocampo, de Rosângela Rennó, projeto Arquivo Universal (1992/1995), dimensões variáveis.

O quanto podemos interferir nesse ajuntamento involuntário de imagens e palavras a que somos expostos diariamente? Na contracorrente do excesso de informação das últimas décadas, o projeto Photolatente2 do artista espanhol Óscar Molina, explora os atributos da fotografia química na direção oposta da ultraexposição digital. Desde 1998 o artista convoca fotógrafos a colaborar com sua ideia de criar um acervo de imagens em estado de latência ou devir, não para exibi-las posteriormente, e sim 2

Ver mais sobre Óscar Molina em www.photolatente.com

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para guardá-las. Primeiro Molina distribui rolos de filmes em P&B 35 mm entre os participantes que anonimamente os operam e os devolvem para serem revelados e misturados sem a identificação dos seus autores. O conteúdo dos filmes permanece secreto para todos, exceto para Molina que, como propositor, lança suas próprias regras sobre o destino dessas imagens. Somente alguns fotogramas são selecionados pelo artista para serem ampliados, sendo que após a transferência da imagem para o papel fotossensível - antes da revelação química - o processo é interrompido e as imagens ficam protegidas da luz, em espera, apenas como promessas dentro de um envelope lacrado.

Fig.03 - Home Page de Photolatente, de Oscar Molina, detalhando uma ação colaborativa que usa os canais digitais da internet para arrebanhar participantes em torno de um projeto de fotografia analógica. (reprodução)

Tão improváveis quanto incertas, as photolatentes podem ser/conter desde obras de arte, como também tentativas fracassadas de um operador ou laboratorista inábil. Não só o conteúdo permanece misterioso, a identidade do fotógrafo e os demais componentes que localizariam a imagem em seu tempo e espaço permanecem indefinidos. Para Joan Fontcuberta, o projeto de Molina desestabiliza também a noção de autoria, pois “Recebemos ao acaso uma imagem latente que tem um pai biológico e, ao nos apropriarmos dela, nos tornamos seu pai adotivo e seu pai legal” (FONTCUBERTA, 2012: p.46), nos colocando diante do problema do anonimato e

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da dissolução do autor, subvertendo a política geradora de sentido comum ao meio da arte. Talvez Molina aposte na ideia de que a arte não está na imagem em si, seja ela fotográfica ou não, e sim no processo da espera, no desejo e na fé que são imateriais e efêmeros, e esta dimensão especulativa certamente não cabe, provavelmente nunca caberá, num retângulo de papel em tamanho 18 x 24 centímetros. Trabalhos de artistas como Rennó e Molina operam sobre as inúmeras imagens mentais, fotográficas ou não, ativadas pela palavra, pelo aqui e agora do que se apresenta como experiência vivida, pelo estímulo que nos chega através de representações e (porque não?) pelas simulações do digital. Essa operação de desmaterializar ou desconstruir fotografias ativa o sentido de latência, ora tratando do que se encontra encoberto, não manifesto, ora lidando com um elemento em estado de espera. Seja como for, tem sido um importante conceito operacional que vem me ajudando na tentativa de compreender um pouco mais sobre a maneira como olhamos nossas imagens cotidianas e sobre o valor de culto ao objeto frente aos desafios incorporais do meio digital. Sou homo photograficus também e aqui estão minhas memórias. Latência, para a área da Tecnologia da Informação (T.I.), diz respeito ao lapso de tempo entre o início de uma atividade ou função e o momento em que seus efeitos se tornam perceptíveis,

concluídos. Também é um conceito operacional

fundamental para a criação de sistemas de telecomunicação e transmissão de dados computacionais. Associada a outros conceitos e funções, a latência, grosso modo, é justamente o que é levado em conta no momento em que se calcula os riscos e vantagens para o bom ou o mau funcionamento de um projeto. A latência, em T.I., é um intervalo espaço-temporal criado a partir do trânsito de transferência de dados digitais que formam essa rede de comunicação que nos cerca. Embora os elementos dessa cadeia estejam irremediavelmente atrelados aos nossos hábitos recentes, pouco conhecemos sobre a estrutura invisível do seu

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funcionamento, mas ainda assim confiamos a este sistema nossas lembranças de viagens, fotos de datas festivas, documentos de trabalho ou o rosto do ser amado. São esses códigos binários que constituem os arquivos numéricos que chamamos de fotografias digitais que vêm motivando a criação da primeira série de obras da minha pesquisa ARQUIVO 2.0, onde não só tento colocar em prática um pouco da experiência adquirida com o uso contínuo de dispositivos fotográficos, como também aposto na relação entre a imagem - carregada de palavras - e a palavra - sempre repleta de imagens -, dois elementos em constante alternância de papéis. Intitulada de RASTER - denominação padrão para tipos de arquivos gerados por máquinas fotográficas digitais, webcams, scanners ou cameraphones -, a série investiga as versões numéricas3 de imagens (de extensões raw., jpg., png., e gif.) transcritas graficamente como arquivos de texto (de extensão tipo doc., txt., etc). A decodificação resultante destes cruzamentos vem formando uma coleção variada que se subdivide em três tipos: arquivos RASTER.dump, RASTER.doc e RASTER.byte, cada um deles contendo variações para as 10 imagens mais importantes que justificam o meu amor pela fotografia. São fotos que pertencem ao meu universo particular e que me ajudaram a entender o mundo, a linguagem fotográfica e, ao longo dos últimos 20 anos, continuam sendo inspirações para mim. Nenhuma delas é de minha autoria, o que me parece ser mais relevante, pois tudo não passa de uma questão de apropriação. Simples assim! Criando esta coleção proponho experiências que explorem os algoritmos4 digitais, desde os erros clássicos com sistemas de guarda e segurança de dados digitais, a ameaça de vírus, a curiosidade e a impaciência com funções repetitivas, regras e

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Usando um programa free commos chamado ‘od’ (octaldump), é possivel explorar as diferentes versões numéricas de um arquivo de imagem digital, visualizá-lo e salvá-lo em quatro formatos gráficos. O programa é um tipo de filtro que mostra o conteúdo de arquivos em um formato que seja visível, de acordo com as especificações de quem o usa, e é possível mostrar o conteúdo byte a byte em formato octal, decimal, hexadecimal, ou traduzi-lo para o caractere correspondente.

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De forma simplificada, Algoritmos são sequencias de instruções, e não representam necessariamente um programa computacional, e sim as etapas de uma atividade, de forma geral associada à matemática e às sequencias lógicas.

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procedimentos de longa duração diante de máquinas, e os demais entornos que cercam nossos arquivos.

Fig.04 - A partir da esquerda, RASTER.dump, RASTER.byte e RASTER.doc, três versões para ‘Vista da janela em Le Gras’, da série RASTER sobre os códigos algorítmicos de fotografia digital. (Plataforma Espaço de Criação, Porto Alegre, junho de 2013 © Flavya Mutran)

Os RASTER do tipo .doc são criados a partir de erros de leitura de dados de um arquivo fotográfico ‘lido’ por um software como se fosse um texto. Editorado no formato livro - com orientação do papel tipo retrato ou paisagem - seguem os cânones clássicos do campo da arte que já incorporamos de forma habitual. Buscando abrir um diálogo impossível entre homem e máquina, transcrevo o código resultante dessa tentativa frustrada de tradução e transcrição para o que sempre foi e continua sendo difícil para nós: substituir palavras por imagens e vice-versa. De diferentes maneiras, começo a me questionar sobre a dualidade entre forma e conteúdo, entre o sentido do idioma que aproxima e segrega civilizações, e todo uma tradição narrativa que vem se alterando do culto da palavra à dependência da imagem.

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Fig.05 - ‘Vista da janela em Le Gras’, RASTER.doc (© Flavya Mutran, Porto Alegre/RS 2013)

Já os RASTER do tipo .dump 5 , reúnem as quatro versões possiveis de combinações octadecimais, decimais, hexadecimais e ascii6 de um arquivo digital. Embora exija uma complexa explicação sobre as diferenças entre cada uma delas, bastaria dizer agora que as versões algorítmicas desta série são passíveis de serem corrompidas e remodeladas a fim de criar ruídos plásticos na visualização e formato das imagens de referência. Os dumps contêm as bases da Glitch Art7, e a partir dos códigos dispostos em fichas dentro de caixas pretas poderei desenvolver aplicativos para que outras pessoas também alterem a fotografia em exibição. Claramente inspirada nas ideias de Flusser, esta série permitirá desdobramentos que vão desde propostas colaborativas através da homepage8 da pesquisa, até a constituição de um repositório público e gratuito com os resultados das alterações feitas por terceiros. Deste desejo que surge de apagar fotografias, torná-las invisíveis por trás de seus códigos gráficos, como Ritchin ou Fontcuberta, também questiono em que medida os discussos globalizantes sobre a inclusão digital não camuflam, em seus trânsitos livres de arquivos, um poderoso instrumento de dominação e controle. 5

O termo dump diz respeito a programas operacionais usados para fazer backups de arquivos de sistemas.

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Ascii é abreviatura em inglês para American Standard Code for Information Interchange (Padrão americano de códigos de transferência de informação).

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O termo Glitch Art diz respeito a uma estetização de erros ou corrupção de códigos digitais de forma acidental ou proposital a partir da manipulação de dados numéricos ou fisicamente corrompendo os dispositivos eletrônicos.

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Ver www.arquivodoispontozero.com.br

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Fig.06 - ‘Vista da janela em Le Gras’, RASTER.dump (© Flavya Mutran, Porto Alegre/RS 2013)

Por fim, os arquivos RASTER.byte são as expressões literais de bits 9 que porporcionam os impulsos elétricos que geram o meio digital. São 256 combinações de oito dígitos de ‘zeros’ e ‘uns’ alternados entre si, que sozinhos não chegam a formar um arquivo digital de texto, imagem ou som, mas juntos são responsáveis pela mudança no estatuto da imagem para diferentes áreas do conhecimento. Na forma de placas metalizadas ou como sequências de um game, os bits da série desafiam a resistência dos interessados em descobrir quanto tempo temos para nos dedicar a ver uma única imagem.

Fig.07 - ‘Vista da janela em Le Gras’, RASTER.byte, à esquerda na forma de uma sequencia de instruções para game, e à direita como placas expositivas. (© Flavya Mutran, Porto Alegre/RS - 2013) 9

O Bit (BInary digit) é a representação de uma informação correspondente a carga elétrica (0 e 1) que pode ser armazenada ou transmitida.

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A primeira fotografia da série RASTER chama-se ‘Vista da janela em Le Gras’, e apesar de não ser impressa em nenhum formato da série, pode ser visualizada de diferentes modos a partir de QR-CODEs10 auxiliares que desdobram a experiência entre o visível e o oculto, com informações adicionais sobre a história de cada uma das 10 fotografias que compõem a série. A criação dessa coleção composta pela escrita de códigos numéricos, usualmente ininteligíveis à nossa compreensão, extrapola o formato tradicional de exibição fotográfica, mas pretende explorar o gesto cada vez mais corriqueiro como nós, homo photograficus, executamos nossas conjugações diárias do verbo fotografar, carregar, descarregar, salvar, compartilhar. Talvez levante mais dúvidas do que certezas sobre o quanto a repetição desses gestos nos fortalece ou nos amortece frente às novas experiências com o aqui e agora da era digital. Traz para o primeiro plano o que os olhos não estão habituados a ver/entender, e coloca em estado de latência não apenas a foto arquivada no repositório virtual que constitui-se um paralelo do nosso arquivo mental, como também acredito ser capaz de ativar outras possíveis fotografias que nem sabíamos ter guardadas na memória.

REFERÊNCIAS FONTCUBERTA, Joan. A câmera de Pandora: a fotografia depois da fotografia. São Paulo: Editora Gustavo Gilli, 2012. ISBN 978-85-65985-06-2 FLUSSER, Vilém. Ensaio sobre a fotografia - para uma filosofia da técnica. Lisboa: Relógio D´água Editores, Novembro 1998. ISBN 972-708-513-X _______, El gesto de fotografiar. in Los Gestos: Fenomenología y Comunicación. Barcelona: Empresa editorial Herder, 1994. (pp.99-115) ISBN 84-254-1832-1 FRIZOT, Michel. “Fotografia”, um destino cultural. In SANTOS, Alexandre [e] CARVALHO, Ana Maria Albani (Org.) Imagens Arte e Cultura. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. (pp.19-45) ISBN 978-85-386-0181-4 MCLUHAN, Marshall. Guerra e Paz na Aldeia Global. Rio de Janeiro: Record, 1971. RITCHIN, Fred. Después de la fotografia. México: Ediciones serieve, Fundación Televisa, 2010. ISBN 978-607-95286-3-8

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QR-CODE deriva de ‘Quick Response’, (resposta rápida) e são códigos únicos criados para armazenar informações para fácil acesso de forma remota.

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SCHENKEL, Camila. Imagem e texto: aspectos da apropriação no trabalho de Rosângela Rennó In SANTOS, Alexandre [e] CARVALHO, Ana Maria Albani (Org.) Imagens Arte e Cultura. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. (pp.89-102) ISBN 978-85-386-0181-4 TANENBAUM, A.S. Redes de Computadores. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003 ISBN 85-3521185-3

Flavya Mutran Pereira É paraense, Mestre e doutoranda em poéticas visuais pelo PPGAV no Instituto de Artes da UFRGS (Bolsista CAPES), com pesquisa sobre ações de compartilhamento de arquivos fotográficos na WEB. Participa do grupo de pesquisa do CNPq Expressões do Múltiplo, e atualmente vive e trabalha em Porto Alegre/RS.

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