Cidadanista 3

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ANO 1 | Nº 3

ISSN 2526-4079

R E V I S T A

P A R A

C I D A D Ã O

R$ 10,00 O valor arrecadado será revertido para a produção da próxima edição. Leia também o conteúdo em: cidadanista.com.br

A USP mudou de nome:

Entrevista

Dossiê renovação política

Universidade Social Preta

"Jovens são minha esperança"

Há gente nova no fim do túnel

por CIDADANISTA

com CRIOLO

por IVAN ZUMALDE

Artigo exclusivo

De leprosário a ocupação popular

Índios Mbya Guarani no RS

Por uma geringonça brasileira

Barcelona okupada

De volta à terra sagrada

por RUY BRAGA

por VITOR TAVEIRA

com MARCELO SOARES E JOÃO FARIAS

Medellín, Colômbia

História em quadrinhos

Entrevista

Sem violência, com cultura

Pelo bem viver comum

por VITOR TAVEIRA

por YURI GARFUNKEL

“Acho que Jesus era anarquista” com PE. JÚLIO LANCELOTTI

CONHEÇA A RAIZ MOVIMENTO CIDADANISTA EM RAIZ.ORG.BR


_ O problema não é a política. É a falta que você faz nela.

CONHEÇA A RAIZ MOVIMENTO CIDADANISTA EM RAIZ.ORG.BR


CARTA DO EDITOR | por IVAN ZUMALDE

HÁ GENTE NO FIM DO TÚNEL

No final do caminho da crise política que vivemos existem pessoas dispostas a mudar o país

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inda vamos passar por uns maus bocados até sair da seca que enfrentamos. A falta de talentos políticos que assola Brasília ainda vai demorar para passar e o clima só vai melhorar quando a tempestade arrastar o velho para bem longe e trazer ventos novos para dentro do Congresso Nacional. O remédio amargo e necessário para a sociedade brasileira encontrar uma solução para a crise ética e moral que fez a esperança morrer e a intolerância florescer vai ser feito de dois ingredientes: tempo + gente. É preciso tempo para que o cidadãos percebam que a crise de representatividade é tão séria que apenas o voto não é suficiente para mudar; é preciso ser votado. É urgente ocupar a política em todas as esferas do Estado (e fora dele) com nós mesmos. Embora a solução e o resultado possam ser difíceis de ser alcançados, a equação é simples e tem razão exponencial: quanto mais cidadãos comprometidos colocarmos nos legislativos e câmaras pelo país afora, mais rápido sairemos da crise e a seca vai embora. O objetivo é hackear o sistema político nacional ocupando partidos e instituições por dentro para ver a mudança acontecer por fora. E é isso que incontáveis coletivos, movimentos e organizações estão fazendo no país hoje. Segundo o Update Politics, são mais de 160 iniciativas pelo país, fomentando, articulando e estimulando a participação das pessoas a "fazer política no melhor sentido que a expressão possa ter, exercendo o poder popular pela democracia. O caminho é árduo, vai levar tempo, e engana-se quem pensa que tudo estará resolvido em 1 de janeiro de 2019. Não. As eleições do ano que vem serão apenas um passo dentro de um processo pedagógico que pede o exercício da paciência, humildade, tolerância e generosidade de todos, assim como dizia a filha e discípula de Paulo Freire, Madalena Freire. Mas, ao final da tempestade, virá a bonança construída por mulheres e homens que transformam o sonho de um país mais justo em um país mais justo.

EDITORES CIDADANISTAS

CIDADANISTA

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SUMÁRIO | Ano 1, nº 3 - julho/agosto/setembro 2017

Sumario BEM VIVER

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06_Entrevista: CRIOLO 08_A USP ficou preta 10_Precisamos falar sobre o amanhã 12_Retomada dos índios Mbya Guarani 16_O exemplo de Medellín

MOVIMENTOS

22_REPORTAGEM ESPECIAL Conheça os movimentos de renovação política

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Divulgação

03_Carta do editor 04_Sumário e expediente

CIDADÃO

Divulgação

32_Okupar, resistir e construir por VITOR TAVEIRA 38_Mais dádiva, menos dívida por MARILU GOULART e JOÃO FARIAS

POLÍTICA

50_Especial HQ por Yuri Garfunkel /SOPAGRAFIX 60_Por uma Geringonça brasileira por RUY BRAGA

66_RAiZ - Partido-Movimento Encontro nacional da RAiZ Movimento Cidadanista Teia presencial Fortaleza

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Deposithphotos

FRUTOS

Ana Z Santana

40_Padre anarquista com PE. JÚLIO LANCELOTTI


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Guilherme Sanchez

EXPEDIENTE CONSELHO EDITORIAL:

Célio Turino Ivan Zumalde Vitor Taveira

EDITOR: Ivan Zumalde (MTB 29263)

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:

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Divulgação Ivan Zumalde

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A revista Cidadanista é uma publicação independente vinculada a RAIZ Movimento Cidadanista e ao círculo Sampa. Para falar com a redação, ligue: 11 983 166 642 - Todos os artigos e conteúdos veiculados nesta publicação refletem as opiniões de seus autores, e não necessariamente dos editores da revista Cidadanista ou da RAIZ Movimento Cidadanista.

Yuri Garfunkel

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Ana Maria Barbosa, André Luis Hubmann, Catia Matsuo, Ivan Zumalde, João Maurício Farias, Marilu Goulart, Marcelo Soares, Yuri Garfunkel, Ruy Braga, Renato Ribeiro, Susanne Sassaki e Vitor Taveira

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BEM VIVER | Entrevista: Criolo

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Fale como seu novo trabalho Espiral de Ilusão e as mensagens das músicas do álbum têm ressonância com o atual momento do País? Descreve um tanto de sentimentos que me visitam ao perceber que as pessoas são tratadas de modo diferente. Em meu caso, no extremo sul da zona sul de São Paulo, cresci com o amor de meus pais e com as aulas de criatividade que a resistência da sub-existência exige de cada cidadão.

2 CRIOLO EM NOVE ATOS

Em entrevista para à Cidadanista, o rapper Criolo fala sobre meninos mimados no governo, esperança nos jovens e o poder da arte de fazer despartar os oprimidos

por IVAN ZUMALDE

Você participou do “SP pelas Diretas Já” no Largo da Batata. Que mensagem sobre a importância da democracia quer passar? Me junto ao tanto de jovens de minha geração que lutam contra a perda dos poucos direitos conquistados com muito sofrimento e luta.

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Como vê a força da cultura e da música despertando a população oprimida em busca da cidadania? Algo sublime que leva oxigênio e reflexão. As artes são sim força infinita nesse e desse gesto, parte esmagadora da população oprimida tenta acordar a população não oprimida sobre os fatos .

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Acredita que a política institucional é o único instrumento para o povo conseguir seus direitos ou vê novas formas de rearranjo da própria sociedade civil? Acredito que já é tarde deste modo e outra forma deve surgir.

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Como acha que a população da periferia vê o estilo do prefeito Dória de governar? Ele é um "menino mimado" regendo nossa cidade?

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fotos: Caroline Bittencourt

VOZ DA QUEBRADA PARA O CENTRO Criolo canta a força das periferias e do poder do povo: "As artes são força infinita"

A população da quebrada é a população da cidade na parte esquecida e da parte esquecida com seus porquês bem definidos. Acho que aos poucos a visão se expande e se percebe as peculiaridades do dono da sala ou do campinho de futebol. Em resumo, o dono da bola que leva a bola embora se o jogo não acompanhar o curso de seus desejos. Não posso responder algo tão grandioso, mas sei que nosso povo não é prioridade real aos seus regentes.

"... SE PERCEBE AS PECULIARIDADES DO DONO DA SALA OU DO CAMPINHO DE FUTEBOL QUE LEVA A BOLA EMBORA SE O JOGO NÃO ACOMPANHAR O CURSO DE SEUS DESEJOS."

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Quais caminhos enxerga hoje - e que não sejam pelo poder do Estado - para levar oportunidades reais para a população da periferia? Erradicar a corrupção em todas as instâncias já seria um bom caminho. Sem isso, tudo de bom se enfraquece, e dar suporte real a cada pessoa /coletivo que já dedica a vida para a melhoria de sua comunidade. É fato que o Congresso precisa ser renovado por um plenário mais cidadão. Você descartaria uma atuação sua no Legislativo no futuro? Descarto.

Qual mensagem deixaria para os ativistas dos movimentos sociais que lutam na resistência? Vocês são inspiração total. Eu cresci vendo minha mãe na sua luta por melhorias no bairro e por valorização real de cada cidadão utilizando arte, cultura e educação como ferramentas.

Qual sua esperança para o futuro? Nossos jovens são minha esperança. Mesmo com todo o caos não lhes falta amor.

CIDADANISTA

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BEM VIVER | USP com cotas raciais

divulgação/reprodução

FAP A Frente Alternativa Preta (FAP) integra vários coletivos como a Uneafro.

D DOUGLAS BELCHIOR Fundador da Uneafro -Brasil e ativista da Frente Alternativa Preta, Douglas foi candidato a vereador na última eleição e é importante liderança nas periferias.

A USP É PRETA Movimentos de luta da causa negra conseguem vencer o apartheid dentro da USP e conquistam o direito das cotas raciais dentro da Universidade de São Paulo.

por REDAÇÃO

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epois de muita luta, a vitória. Embora seja uma pequena conquista frente a tantas demandas dos negros, o último dia 4 de julho vai marcar um feito histórico para os movimentos sociais negros e para toda a sociedade brasileira. "A aprovação das cotas raciais na USP foi uma grande vitória contra o racismo estrutural e que sempre negou a presença negra nos espaços que garantissem maior justiça e igualdade dentro da sociedade", afirma Douglas Belchior, fundador e professor da Uneafro-Brasil. A partir de 2018, a Universidade de São Paulo vai iniciar um processo seletivo que visa garantir metade das vagas para alunos vindos da escolas públicas, das quais 37,2% serão para pretos, pardos e indígenas. Esse percentual está longe de equiparar a exclusão desses estudantes nas universidades, mas a política de cotas representa um avanço e uma quebra da lógica seletiva que vigorava dentro da tradicional universidade paulista. "A USP é um grande referencial do apartheid brasileiro, inclusive por ter sido uma das últimas no Brasil a se render à política de cotas", afirma Belchior, que também participa de outros coletivos da causa negra, como a Frente Alternativa Preta. Além do maior acesso que as cotas irão garantir para a população afrodescendente, a adoção dessa política pela maior universidade do país traz para o centro do debate a presença do racismo em nossa sociedade. "O Brasil deve ao povo negro e indígena muito mais do que políticas afirmativas. Precisamos fazer com que o racismo seja uma pauta nacional e que seja discutido com a seriedade que merece", afirma Belchior. "Nossos sonhos dependem de uma realidade social que não nos garante a realização desses sonhos. O sonho de ter uma casa própria, condições de educação decentes, um trabalho digno. De uma distribuição de riqueza e de justiça que nunca vivenciamos no Brasil", finaliza Douglas, que vive e sonha em ver o país ser governado por um projeto de poder popular e mais representativo.


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BEM VIVER | Idosos no Brasil

COMO SERÁ O AMANHÃ?

Os idosos serão cerca de 30% da população brasileira em 2050 e precisamos pensar em políticas públicas hoje. Conversamos com Renato Cintra do Coletivo Envelhecer para saber quais os desafios que a sociedade deve debater para garantir um futuro digno para todos

divulgação/reprodução

por REDAÇÃO

ENVELHECER COM DIGNIDADE Diversos grupos e coletivos se reuniram na Casa Legistativa de São Paulo para debater a importância de se pensar hoje em políticas públicas para a pessoa idosa 10 CIDADANISTA

Como analisa a situação do idoso hoje no país? Se países desenvolvidos levaram cem anos para envelhecer, nós vamos ficar velhos em cinquenta anos. Só para termos uma ideia dessas transformações, se em 1960 a taxa de fecundidade total era de 6,2, em 2010 a taxa de fecundidade total chegou a 1,9 o que é considerado abaixo do nível de reposição. Outra transformação importante foi o aumento da expectativa de vida ao nascer, passando de 46 anos em 1950 para 74 anos em 2010. Se o envelhecimento e o aumento da longevidade podem ser considerados uma conquista da sociedade brasileira, a velocidade com que ocorrem nos impõe enormes desafios, principalmente em relação às políticas públicas para agora e para um futuro próximo. Um exemplo de desafio para o futuro está nas questões que envolvem a Seguridade Social. O Brasil conseguiu construir uma boa cobertura previdenciária por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é uma política não contributiva da assistência social e que garante aos idosos um salário mínimo. O problema é que essa cobertura está em risco, uma vez que uma das propostas da reforma da Previdência é alterar a idade mínima para acesso ao BPC, passando de 65 anos para 68. Com a precarização do trabalho posta na reforma trabalhista, fica evidente que estamos provocando um problema para o futuro, uma vez que haverá aumento da informalidade por um lado e, por outro, uma maior dificuldade para acessar tanto a Previdência como o benefício assistencial. Existe algum exemplo que pode ajudar a pensar em um futuro mais digno para os idosos? O conceito de "envelhecimento ativo" produzido pela OMS - Organização Mundial da Saúde - pode ser bom guia para onde devemos olhar. Digo isso porque segundo a OMS, o envelhecimento ativo “é um processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas". Segundo a OMS, para que uma proporção cada vez maior atinja o envelhecimento ativo são necessários diversos determinantes que envolvem indivíduos, famílias e políticas públicas. Nessa perspectiva, são necessárias


PIRÂMIDES ETÁRIAS ABSOLUTAS Homens

Mulheres

Idade Mais de 90 85 a 89 80 a 84 75 a 79 70 a 74 65 a 69 60 a 64 55 a 69 50 a 54 45 a 49 40 a 44 35 a 39 30 a 34 25 a 29 20 a 24 15 a 19 10 a 14 5a9 1a4 0a1

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PROJEÇÃO DO IBGE Pessoas com 65 anos ou mais serão mais de um quarto dos brasileiros em 2060.

boas condições de habitação, rendimentos que assegurem o acesso a boa alimentação, moradia, saúde, educação, lazer e cultura, assim como boas relações sociais, proteção social e trabalho digno para aqueles que desejam continuar a trabalhar. É preciso ainda observar que a população idosa é bastante heterogênea, as demandas de idosos com sessenta a setenta anos são muito diferentes de idosos com oitenta anos ou mais. Outra questão que pode ser elencada é um predomínio maior de mulheres na população idosa, principalmente na faixa etária acima dos oitenta anos, que na cidade de São Paulo chega a quase 70%, acarretando maior isolamento e solidão. Em suma, se as questões e os problemas são muitos, as resoluções também são diversas e envolvem muitas secretarias. Mas uma coisa que me parece claro é que não é possível tratar dessas questões de forma isolada. Quais os melhores mecanismos para a defesa dos direitos da pessoa idosa? Temos que fortalecer os conselhos de idosos, coletivos que lidam com a questão, organizações populares, sindicatos, entidades não governamentais e a sociedade civil organizada para que tenhamos força para pressionar os governos em todas as suas instâncias e independente das cores partidárias. A defesa dos direitos da pessoa idosa tem que ser uma política pública de estado, e não de governo.

Como o Coletivo Envelhecer articula e se relaciona com os idosos e com o poder público? O nosso coletivo é um grupo de reflexão, formado em 2016, que busca construir uma práxis fundada na defesa dos direitos civis, sociais e políticos da pessoa idosa. Enquanto grupo, insere-se na esfera dos direitos humanos e tem como perspectiva engrossar as fileiras daqueles que se preocupam com a preservação das conquistas da sociedade brasileira no campo dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Temos organizados rodas de conversa com outros grupos com o intuito de refletir sobre questões que consideramos relevantes para o momento. Já fizemos uma roda com o tema "Política Pública para Idosos Dependentes e Sozinhos e uma segunda roda com o tema "O BPC no Contexto da Reforma da Previdência". E qual o papel do coletivo perante o Estado nesse cenário? É relevante situar o governo de todas as instâncias de suas responsabilidades quanto à proteção e defesa da pessoa idosa e que consta no Estatudo do Idoso em seu artigo 3º: "É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária" (Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003). CIDADANISTA

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BEM VIVER | Retomada Guarani

NOSSA CASA Família indígena Guarani em área de Maquiné, RS: retomada da terra que sempre foi deles

DE VOLTA À TERRA SAGRADA Índios Mbya Guarani retomam área ancestral no Rio Grande do Sul e restabelecem vínculos com seus antepassados. Uma conquista dentro da luta dos povos originários pela terra subtraída e pelo direito de exercer seu modo de vida com respeito.

por MARCELO SOARES e JOÃO MAURÍCIO FARIAS

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fotos: Ana Z Santana

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oi em 27 de janeiro deste ano, na Arapiau (estação nova, estação dos deuses), que setenta famílias Mbya Guarani retomaram uma área em Maquiné (RS), onde viveram seus antepassados. A área estava na posse da Fepagro – Fundação de Pesquisa Agropecuária –, uma das fundações que o governo do estado gaúcho está extinguindo para fazer caixa, através da venda do patrimônio público. Cansados de viver em terras ruins que os governos lhes destinavam, essas famílias encontraram nessa área tudo que necessitam para viver de

acordo com suas tradições e necessidades, de viver segundo seu Nhanderekó (modo de vida Mbya): água limpa, árvores frutíferas, plantas nativas para seus remédios e, nas palavras do cacique dessa nova Tekoá (aldeia), Andre Benites, tem até matériaprima para fazer a Opy, a casa de reza deles. Nesses mais de quatro meses de retomada, os Mbya Guarani construíram não apenas uma Opy e onze casas, mas principalmente uma ampla rede de apoio que tem garantido a sua resistência e permanência no local. Esta rede é constituída pelo CIMI – Conselho Indigenista Missionário –,

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BEM VIVER | Retomada Guarani

a AEPIM – Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários –, o Cepi – Conselho Estadual dos Povos Indígenas –, a RAiZ – Movimento Cidadanista, a Anama – Ação Nascente Maquiné–, a Amigos da Terra Brasil, Coletivo Baçara, Clapa – Coletivo Libertário de Apoio aos Povos Ameríndios –, Centro Budista - CEBS e dezenas de ativistas e técnicos (antropólogos, historiadores, especialistas em desenvolvimento rural e outros pesquisadores) comprometidos com as lutas dos povos indígenas. Seguindo os desígnios de Nhanderú Tenodé (grande pai provedor e uma de suas principais divindades), os Mbya Guarani de Maquiné têm demonstrado ao longo desses cinco meses de retomada uma resistência incomum em uma conjuntura de retrocessos em relação aos direitos dos povos indígenas, com um acentuado desmonte da Funai e uma ofensiva ruralista iniciada ainda no governo Dilma, mas que se intensificou sobremaneira no governo Temer. Mesmo com a concessão da reintegração de posse por parte da Justiça Federal, essa resistência e a ampliação da rede de apoio permitiram a abertura de negociações com a Procuradoria-Geral do Estado, levando-a a suspender a reintegração, apostando em uma solução de repartição da área de 367 hectares entre os indígenas e a Fepagro. Mas o que fica patente em todo esse processo é a alegria dos índios de poderem exercitar o Teko Porã, o bem viver, seu modo de vida integrado com a natureza, com os outros seres do cosmos (modo de ser semelhante às divindades). Em uma conversa que tivemos nos primeiros dias da retomada, o cacique José Cirilo Morinico, da aldeia da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre (RS), expressava toda sua alegria em vivenciar a construção dessa nova Tekoá: “A felicidade significa a manifestação de que o corpo está se sentindo bem com a natureza, no lugar, no ambiente para ter corpo bem instalado. Daí, você não tem problema de saúde, não tem problema pra reclamar, daí é uma alegria, criança cantando, todos cantando, fazemos ritual todas as noites. Eu me sinto muito bem aqui, eu me sinto muito feliz aqui, porque não ouço barulho dos carros. Só passarinhos, só os insetos cantando com nós de noite. Então isso 14 CIDADANISTA

“ A FELICIDADE SIGNIFICA A MANIFESTAÇÃO DE QUE O CORPO ESTÁ SE SENTINDO BEM COM A NATUREZA. EU ME SINTO MUITO BEM AQUI, EU ME SINTO MUITO FELIZ AQUI. “ CACIQUE JOSÉ CIRILO MORINICO é uma forma de caminhada dos Guarani mesmo, dos antigos que caminharam dessa forma, respeitando a natureza, respeitando os seres vivos também. Então isso pra mim é o que nós precisamos, o que nós perdemos há quase dois mil anos, perdemos essa vida que a gente tem, a saúde. Quando a gente trata de falar em saúde muitas vezes não consegue essa forma de viver”. Enquanto aguardam por uma decisão que lhes garanta a posse da área e a continuidade desse vínculo com a natureza, os seus ancestrais e suas divindades, as famílias da nova Tekoá vão tecendo uma nova teia de significados e uma rede de parcerias que transbordam a retomada e a ampliação da sua presença no litoral norte gaúcho. Na audiência realizada na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do estado e na reunião ampliada com apoiadores na própria retomada, se fizeram presentes representantes dos Mbya Guarani de diferentes regiões do Ivyrupá (grande território Mbya Guarani), como do litoral gaúcho, Santa Maria, Porto Alegre, Ilha do Cardoso (SP), debatendo pautas voltadas à espiritualidade, à cosmopolítica Mbya e ao processo em andamento. Em uma demonstração de diálogo e da sua aposta em uma solução negociada com o governo do estado, os Mbya Guarani da retomada compareceram no início de junho a um seminário de


RESISTÊNCIA Moradia construída pelos indíos e faixa colocada sobre a área do governo do estado

apresentação das pesquisas realizadas pelo Centro de Pesquisa do Litoral Norte que, com a extinção da Fepagro, hoje pertence ao Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Irrigação. Na ocasião, os índios ouviram do próprio administrador do Centro que eles estão abertos ao diálogo com as famílias da retomada. Isso não significa, porém, uma garantia de sucesso na negociação, pois recentemente o governo Sartori destinou outra área pertencente à extinta fundação para a construção de um presídio em Viamão, deixando claro quais são suas prioridades. No seminário, o indígena pataxó Merong Tapurumã, que também vive na retomada, deixou clara essa intenção de diálogo e o compromisso das famílias com a preservação da área: “Se a gen-

te ficar por aqui, não vamos atrapalhar o trabalho de pesquisa, pois apoiamos e defendemos a natureza. Nós somos a natureza, somos seus guerreiros guardiões.” Segundo Merong, onde existirem indígenas vai haver floresta, água, vida: “Essa terra é sagrada para nós, queremos cuidar dela. Quem produz alimento no Brasil são os povos indígenas e os agricultores. O nosso povo tá ameaçado de extinção, somos pisados, roubados, massacrados. Só queremos o suficiente para viver. Peço respeito com os povos indígenas, com nossa luta”, disse emocionado. Após resistirem ao longo do verão e de todo o outono, as famílias da retomada seguem enfrentando muitas dificuldades para a sua subsistência e continuam dependendo de doações nessa fase de incertezas em relação à sua permanência na área e de consolidação da nova Tekoá, o que lhes impede de garantir a autonomia na produção de alimentos com o plantio de suas roças tradicionais, criação de pequenos animais, venda de artesanatos e implantação de propostas de etnoturismo. Como movimento de primeira hora na rede de apoio à retomada, a RAiZ continua atuando em várias frentes, técnica, jurídica e de mobilização para as doações dos alimentos, roupas e ferramentas necessárias para a resistência das famílias Guarani de Maquiné, entendendo que o que está em jogo não é a simples posse de uma área, mas a garantia de um reencontro dessas famílias com sua espiritualidade e um modo de vida que lhes vem sendo negado há séculos pelos Juruá (não indígenas, brancos). Um modo de vida que se realiza com a convivência na mata, no banho em um rio de águas limpas, nas árvores frutíferas e com todas as espécies animais ali presentes. A RAiZ está presente, junto com outros apoiadores, para resistir, com essas famílias indígenas, durante esse inverno, pois sabemos que depois virá a primavera, e esperamos que ela signifique o coroamento desse processo de lutas, com a garantia da fartura que essa terra significa para os Xondaros (guerreiros que defendem as Tekoá, como modo de vida Mbya) que atenderam a orientação de Nhanderú e Nhandeci (grande mãe verdadeira) para essa retomada de parte do seu território ancestral. Aguyjete (a busca da perfeição, da verdade verdadeira) para quem luta!

MARCELO SOARES – CIENTISTA SOCIAL - UFRGS / JOÃO MAURÍCIO FARIAS – PSICOLOGIA SOCIAL – UFRGS

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BEM VIVER | CIDADE LINDA E EM PAZ

A VIRADA CULTURAL COLOMBIANA Como Medellín investiu em cultura para reduzir a violência que assolava a cidade e seu povo

por VITOR TAVEIRA

INSPIRAÇÃO COLOMBIANA Jorge Melguizo é referência mundial em políticas públicas. O exemplo de Medellín é uma mostra de como a cultura pode diminuir a violência.

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edellín viveu uma das ondas mais assustadoras de violência durante os anos 1990. Nos tempos de Pablo Escobar e dos cartéis, o município chegou ao incrível número de quase 400 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Para se der ideia, hoje Caracas é a cidade considerada mais violenta do mundo com um índice de 130 assassinatos por 100 mil, segundo ranking da ONG mexicana Seguridad, Justicia y Paz, que elabora anualmente a lista das 50 cidades mais violentas do mundo. Líder por muitos anos, desde 2015 Medellín não figura mais no ranking, tendo alcançado a taxa de 20 por 100 mil. Seu índice caiu ao longo dos anos 1990 e numa segunda onda nos anos 2000. Um dos trunfos considerados por quem fez parte desse processo foi um investimento significativo em educação, cultura e participação popular, sobretudo nos bairros mais afetados pela violência. Os investimentos do Estado transformaram o espaço público e até os pontos turísticos da cidade, ajudando a superar os estigmas. A Cidadanista conversou com Jorge Melguizo, hoje palestrante e consultor em políticas públicas. Ele foi secretário de Cultura e Cidadania e também de Desenvolvimento Social em duas gestões da prefeitura. “O contrário da insegurança não é a segurança, mas a convivência”, costuma dizer.


fotos: deposithphotos

CORES E FORMAS Acima, moradores passam ao lado de grafite que tomou conta da cidade. Ao lado, a arquitetura dá o tom no Jardim Botânico municipal.

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BEM VIVER | CIDADE LINDA E EM PAZ

Como se deu a estratégia de uso da cultura para enfrentar violência no caso de Medellín? De três maneiras. Uma delas é com projetos culturais, que fazem parte de projetos urbanos integrais mais amplos, em bairros de muitíssimo conflito. Não falo de bairros violentos, mas bairros violentados. Ou seja, esses bairros não são causadores, mas vítimas dessa violência. É como se a uma pessoa estuprada você chamasse de estuprador, o vitimam duplamente, o culpabilizam por algo que está sofrendo. Nos bairros mais violentados de Medellín nós desenhamos projetos urbanos integrais, que são intervenções articuladas entre Estado e sociedade, com alianças público-privadas-comunitárias, com espaços comunitários, fortalecendo as organizações de base, potencializando o que já existe no bairro, gerando outro tipo de alternativas e trabalhando articuladamente com todos os níveis de governo e todas as entidades. Isso eu chamo de uma orgia institucional. Não se trata de trabalhar juntos mas trabalhar misturados, todos. Não é construir o objetivo de cada secretaria para o bairro, mas traçar o objetivo da prefeitura para esse bairro. E aí ver como cada secretaria pode colaborar para alcançá-lo. Então a primeira parte é ter a cultura como parte de um projeto maior de cidade. A segunda resposta é colocar a cultura como chave nesses projetos, como essência deles, a partir de um conceito que define cultura como apreciar a própria vida e aprender a viver com o outro. Um projeto de cidade e de sociedade que tenha uma dimensão cultural, que considere a cultu-

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ra como direito, como acesso, como possibilidade de pensar, de nos assumir, com uma possibilidade de construir um elemento comum de sociedade, uma cultura que nos construa como cidadãos, ou seja, que construa a cidadania. Isso é um dos déficits que temos na América Latina. Possuímos baixíssima cultura política, de respeito ao outro, do entendimento da diferença. Temos cultura classista, somos uma sociedade classista, racista. O terceiro elemento, no qual se baseia todo nosso projeto de Cultura Viva Comunitária em Medellín, se concentra em quatro palavras: conhecer, reconhecer, valorizar e potencializar. Ou seja, uma cultura para conhecer, reconhecer, valorizar e potencializar o que já existe nos bairros. Já existe sem o Estado, apesar do Estado ou contra o Estado. São pequenos laboratórios de paz e de convivên-


CONVIVÊNCIA Um dos trunfos da política implantada por Melguizo é a ocupação dos espaços públicos em espaços de convivência pela população.

nante dedica prioridade em sua gestão aos orçamentos e aos feitos que considere mais relevantes para essa sociedade. Podemos medir as prioridades de um governo ao medir a que está destinando o orçamento. Quando uma sociedade dedica, como em Medellín, 45% do orçamento para a educação e a cultura, entende-se para que tipo de sociedade está apontando. No orçamento municipal nos últimos treze anos entre 30% e 40% foi para a educação e entre 3% e 5% para a cultura. Quando chegamos à prefeitura há 13 anos, o orçamento era 0,6% para a cultura e 12% para a educação. O orçamento do governo colombiano para a cultura é 0,2% do orçamento nacional. Em dez anos, com dois governos diferentes, o Ministério da Defesa da Colômbia teve um orçamento equivalente a 2100 anos do orçamento do Ministério da Cultura. E numa segunda reflexão: o orçamento do Ministério da Cultura em 2017 equivale a dois dias do orçamento anual do Ministério de Defesa.

cia que já existem nos bairros e que precisam ser conhecidos, reconhecidos, valorizados e potencializados. Organizações de rappers e grafiteiros, grupos de teatro comunitário, projetos econômicos de inclusão cultural para construir outro tipo de sociedade, tudo isso já existe, mas que potencializados podem ter mais força. E como o Estado pode apoiar esses projetos? Em Medellín, convertemos em política pública, em estratégia política e em orçamento público. Isso é o que os governos podem fazer. Eles os governos estão aí para escutar, para a partir disso potencializar, o que significa dar uma prioridade maior. Na política há três palavras, que são a esperança, os feitos e os símbolos. Então a política tem que produzir esperança. Mas os feitos é que são a concretização política da esperança. Um gover-

Qual a importância da revitalização do espaço público nesse processo? Durante muitos anos o espaço público em Medellín foi o espaço do medo. Tivemos 21 ou 22 carros-bomba que explodiram durante dez anos nos espaços públicos da cidade. Na saída da Praça de Touros depois de uma tourada, matou muita gente. Ou em frente a um bar numa zona de classe média alta de Medellín, matou seis pessoas e feriu 21. Ou num show de rock popular num parque no centro da cidade, matou 21 pessoas no meio do show, quando colocaram a bomba no buraco de uma escultura de Fernando Botero, que além do mais, era a escultura da pomba da paz. Durante seis meses no ano de 1991 tivemos toque de recolher todos os dias às dez da noite. O ano de 1991 foi o pior ano, com 18,3 mortos diários, 6700 mortes violentas, 382 mortes por 100 mil habitantes. Hoje cidades com maior mortalidade do mundo, como Caracas e San Pedro Sula, em Honduras, tem cerca 130. Ou seja, há 25 anos Medellín teve 382, a média mundial é seis. Tivemos oitenta vezes mais do que a média mundial. É uma aberração.

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BEM VIVER | CIDADE LINDA E EM PAZ

Então, quando começamos a construir um projeto de transformação, pensamos que o espaço público tem que passar de espaço do medo para o do encontro cidadão. E tem que ser um espaço público de qualidade, com intervenções muito fortes. Precisa ser um espaço público integrado, que tenha poder de convocar as pessoas. Além disso, tem que ser um espaço público em que permanentemente aconteça algo, o que chamamos de animação urbana: projeto cultural, projeto esportivo, projeto recreativo. Hoje, nossas praças e nossos espaços públicos são onde as pessoas estão. Há espaços que eram fechados, como o Jardim Botânico, que cobrava para entrar e desde 2008 é um parque aberto à cidadania, com catorze hectares. Ou inclusive os museus, o Parque Explora. Os grandes equipamentos culturais que fizemos na cidade nesses anos têm entrada livre, os museus tradicionais têm entrada livre para 80% da população, se converteram em espaços públicos, eram espaços negados para a maior parte das pessoas por falta de oportunidade econômica. Parte de nosso projeto é que nos bairros mais duros os equipamentos culturais são simbólicos dentro desses projetos integrais. Falei na política da esperança, dos feitos e dos símbolos. Em bairros como Moravia, antigo lixão da cidade, se construiu um grande centro cultural, que hoje é o símbolo do local. Nesse bairro de 40 mil habitantes se fizeram investimentos públicos de uns 100 milhões de dólares. Saneamento, aqueduto, vias e outros. Mas o investimento no edifício do centro cultural foi de 2,5 milhões de dólares. Ou seja, 2,5% do que se investiu. Entretanto, é o símbolo do bairro. E esses projetos, como os parques-bibliotecas, têm com marca construções arquitetônicas bem ousadas e impactantes... Sim, eu estive a cargo dos parques-bibliotecas, e são equipamentos assim como os colégios públicos, de qualidade. Em nossos bairros, o principal edifício era o templo. O maior, o mais simbólico, o mais visitado. E todas as igrejas são negócios privados. Independente da sua crença ou sua fé,

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“ NINGUÉM MOSTRA UMA BIBLIOTECA, MAS MESMO ASSIM ENCHE DUAS VEZES E MEIA NOSSO ESTÁDIO. MEDELLÍN TEM 9 PARQUES-BIBLIOTECAS AOS QUAIS VÃO 110 MIL PESSOAS POR SEMANA " tem que reconhecer que as igrejas são negócios privados, não são um assunto público. Os templos eram os principais edifícios nos bairros e os cartões-postais de Medellín eram edifícios privados, como das indústrias têxteis. Há doze anos os cartões-postais de Medellín e os edifícios mais simbólicos e mais visitados são os edifícios públicos, culturais e educativos. É a construção do símbolo. Medellín hoje tem nove parques-bibliotecas aos quais vão 110 mil pessoas por semana. Isso significa encher nosso estádio de futebol 2,5 vezes, sem a publicidade, os meios de comunicação que tem o futebol, sem que todos os dias jornalistas nos mostrem a menina que entrou no parque-biblioteca pegou um livro e está lendo, como mostram Messi ou Neymar diariamente. E qual a relação dessas comunidades com esses grandes equipamentos culturais? É motivo de orgulho, de autoestima. Tem a ver com o que se dizia sobre a cultura como elemento de construção de cidadania. Um projeto cultural impulsiona a participação cidadã. Ou seja, participar é um assunto cultural, não participar também. Quando você consegue que as pessoas participem nos assuntos públicos, quando converte o público em desafio coletivo, isso é um triunfo cultural. O que aconteceu em Medellín tem muito disso, não foi tarefa de um líder iluminado ou de um grupinho de valentes. É um processo coletivo de 25 anos, em que participam a comunidade,


organizações sociais, Ongs, igrejas, universidades, dirigentes públicos etc. E esse desafio coletivo se converte em outra maneira de assumir a participação, que é a apropriação, isto é, nos apropriamos do público, defendemos o público, construímos o público, que, portanto, também é meu. Então esse equipamento cultural é meu, é motivo de orgulho, mas também de cuidado. Essa visão de que nos bairros mais pobres não se cuida do patrimônio público parte de um preconceito de que as classes média e alta cuidam das coisas e a classe baixa não. Também parte de um processo de educação cidadã permanente. Os projetos públicos não podem ser meteoritos que caiam sobre a população. Nenhum desses parques-bibliotecas, centros culturais ou projetos públicos de qualidade que fizemos caíram como um meteorito sobre o bairro. O projeto precisa ser construído também conjuntamente com a comunidade. Mas há um terceiro elemento: quando o público é de excelente qualidade gera um círculo virtuoso, as pessoas cuidam das coisas públicas ao ver que os benefícios são para eles. Você costuma falar da importância de conhecer o território e a geografia social para aplicar as políticas públicas. Como isso deve se dar na área da cultura?

Quando você escuta as organizações de bairro de todo tipo, têm muito a oferecer. Na Colômbia, temos um ditado que diz que quando um pobre estende a mão para cumprimentar, lhe dão esmola. Acham que está pedindo. Eu pego esse ditado e inverto: quando a organização estende a mão é para lhe oferecer. E o que uma organização de bairro oferece a um governo, ao Estado? Oferece o conhecimento da geografia do território. Conhece cada beco, cada centímetro do seu território. Conhece a geografia social, os coletivos, agrupações, lideranças, conhece a geografia humana. Sabe quem engravidou a noite passada (risos). Saber quem engravidou na última noite é válido para um bairro porque vão saber que em nove meses vai nascer uma criatura que deve ser atendida e que durante esses nove meses deve ser acompanhada no pré-parto. Além disso, essas organizações de bairro, culturais ou não, têm conceitos, metodologias, processos, produtos e resultados. Tudo isso é o que oferece. Dizem: “Olha governo, façamos as coisas juntos, ponha um pouco de dinheiro e eu coloco tudo isso que eu conheço”. Isso vale um montão. Um governante ou um funcionário público demoraria anos para conhecer isso. Então é importante aproveitar essa sinergia, essa construção coletiva, o público como construção coletiva.

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MOVIMENTOS | Luz no fim do túnel

NOVOS MOVIMENTOS POLÍTICOS

Guilherme Sanchez

QUEM SÃO E O QUE QUEREM OS MOVIMENTOS

DE RENOVAÇÃO POLÍTICA DO PAÍS


BANCADA EM AÇÃO Encontro da Bancada Ativista em São Paulo: na foto ao lado, membros do movimento transformam debates em ações políticas práticas.

E

nquanto o país vive um caos político e social e governos e governantes se mostram incapazes de dar uma solução para seu povo, movimentos organizados pela sociedade civil são criados por cidadãos que querem (e vão) mudar a maneira como fazemos política no futuro. São mentes de mulheres e homens que articulam e fazem acontecer a nova onda dos movimentos de renovação política brasileira. Talvez muitos não sobrevivam e em todos eles ainda falta maior representatividade e presença do maior interessado nessa renovação: o povo. Mas é um caminho que deixará ensinamentos no futuro para a crise de representavidade que vivemos hoje. A Cidadanista fez uma radiografia e conversou com seis movimentos nacionais e um internacional para saber quais as ideias para transformar a política com mais democracia e igualdade social. Conheça e engaje-se, pois o problema não está na política, e sim na falta que nós, cidadãos, fazemos dentro dela.

por IVAN ZUMALDE

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MOVIMENTOS | Luz no fim do túnel

Ivan Zumalde

O ERA UMA VEZ 2013 Ainda são controversas as consequências e os usos políticos das manifestações, mas é fato que a realidade hoje é pior para a sociedade

“ NOVOS PROTAGONISTAS QUEREM TOMAR AS RÉDEAS DA POLÍTICA NACIONAL E FAZER COM QUE INSTITUIÇÕES E PARTIDOS ATENDAM AS DEMANDAS DA SOCIEDADE ” 24 CIDADANISTA

nde você estava em junho de 2013? Quatro anos já se passaram das manifestações das jornadas de junho e muita coisa mudou. Se você participou ou não dos protestos iniciados em São Paulo contra o aumento da tarifa de ônibus – e que depois tomaram o país por outras demandas –, algo hoje é inquestionável: o país mudou, e para pior. Naturalmente não pelas reivindicações dos cidadãos, mas sim por elas terem sido ignoradas e até restringidas, fato que nos leva a um atoleiro institucional e a uma grande crise de representatividade da classe política no país. É provável que você (nem ninguém) não imaginaria há quatro anos o retrocesso democrático e de direitos que vivemos hoje. Estamos rumo a uma espiral de um buraco sem fundo e não sabemos o dia de amanhã. Mas nem tudo está perdido, e uma olhada para o lado nos leva a duas realidades: a primeira é que participando ou não de movimentos políticos, a sua vida vai mudar por causa da política e, portanto, é saudável se informar, pois se não participar, outros vão tomar decisões por você. A segunda constatação é ver que o velho ditado "depois da tempestada vem a bonança" começa a dar sinais de que pode acontecer. É cedo para dizer, mas a fila começa a andar, e novos protagonistas querem tomar as rédeas da política nacional para fazer política com as próprias mãos e estão se organizando para que as instituições e os partidos políticos atendam as demandas da sociedade. Afinal, é para isso que elas existem, certo? São movimentos de renovação política surgidos entre 2013 e 2017 e que se somam às centenas de movimentos sociais e coletivos que pressionam o Estado para que cumpram seu papel de agente de todos e para todos. Conheça a seguir seis movimentos e suas ideias para mudar a política nacional.


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Entrevista com: JOSÉ MARCELO ZACCHI Nome oficial do movimento: Nova Democracia Fundação: 2017 Sobre o movimento: O Nova Democracia nasceu de encontros entre indivíduos preocupados com a produção de novas ideias, atores e programas capazes de construir bases para um novo percurso virtuoso da política brasileira. Descreva a principal proposta/diferencial do movimento: Pretende dar tração às iniciativas convergentes de grupos e indivíduos de distintos campos e com variadas filiações políticas engajados num mesmo pleito por uma reforma política que nos leve a um sistema mais funcional e republicano. Tratase de um esforço de constituição de um espaço compartilhado para o debate aberto a novos atores e à reapropriação pela sociedade, rompendo o monopólio das cúpulas partidárias e das redes de lealdade que nos trouxeram até aqui. Desse debate nascem propostas para a redução da fragmentação partidária, o saneamento do financiamento eleitoral e a promoção de condições igualitárias de disputa política. Como e por que o movimento pode ajudar o país a sair da atual crise política? O Brasil viveu nos últimos trinta anos um ciclo notável de democratização política combinada com avanços sociais, econômicos e institucionais reconhecidos. Esse saldo, francamente positivo no longo curso, contrasta hoje com as evidências claras de esgotamento de agendas, das capacidades de

realização pública, do funcionamento do sistema político. Face a esse panorama, é evidentemente urgente o revigoramento da representatividade, credibilidade e funcionalidade das instituições democráticas. Neste sentido, o Movimento Nova Democracia busca propor um novo espaço de ação em favor do aprimoramento da nossa vida política. Parte para isso da reunião de novas lideranças públicas de setores de atuação e preferências políticas variadas, em torno do sentido comum da construção de uma arena democrática qualificada como condição para o alcance de novas conquistas coletivas. Um espaço aberto e plural, abrigando pessoas de uma geração formada sob um país democrático e capaz de produzir avanços partilhados. Como o grupo analisa a conjuntura futura do país até o final de 2018? Há vasto consenso sobre o imperativo de aprimorar nosso modelo de eleições legislativas, conter a fragmentação do sistema partidário, aperfeiçoar os modos de financiamento eleitoral, reduzir a exposição à captura por interesses privados, ampliar os meios de participação, transparência e controle social na vida pública. Em outro plano, também sobre a premência de renovar o sentido republicano nas instituições e na gestão pública, desfazer barreiras para o envolvimento renovador de cidadãos e da vida pública, retomar o curso de afirmação de uma esfera pública aberta, plural e efetiva na interface regular entre cidadania e política. O histórico de avanços, no entanto, é francamente tímido diante das demandas, enquanto a percepção de aprofundamento delas segue crescente.

Fazemos um chamado para que uma nova geração tome a frente no desafio da revigoração das práticas democráticas rumo a um sistema político mais eficiente, transparente e republicano, efetivamente participativo.


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X oportunistas, para aqueles que querem obter vantagens e benefícios pessoais. Queremos entre nós os despojados de pretensão, os desapegados de ambição, os desprendidos de vaidade.

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Entrevista com: ANA LUCIA MARCHIORI Nome oficial do movimento:

Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista, denominada #MAIS Fundação: 2016 Sobre o movimento: Pertencemos a diferentes gerações, somos veteranos e jovens, mulheres e negros, LGBT's, professores e indígenas, operários industriais e da construção civil, petroleiros e estudantes, ativistas e dirigentes sindicais que constroem a CSPConlutas, trabalhadores da saúde e do transporte, desempregados e intelectuais, funcionários públicos e terceirizados. Acreditamos que a postura dos revolucionários diante da reorganização da esquerda deve ser firme, porém paciente. Descreva a principal proposta/diferencial do movimento: Pensamos que a simples apresentação de um programa revolucionário não é o bastante para construir uma organização marxista. Não superaremos a marginalidade com um programa que os trabalhadores não estão dispostos a abraçar ou que, às vezes, nem sequer compreendem. Como e por que o movimento pode ajudar o país a sair da atual crise política? Acreditamos que os socialistas devem estar na primeira fileira do combate ao machismo, à lgbtfobia e ao racismo; vemos a revolução socialista, em primeiro lugar, como processo de autoemancipação dos trabalhadores e com a classe operária à sua frente. Queremos uma organização em que não haja lugar para os arrivistas, os

De que maneira o movimento se relaciona e se comunica com a sociedade? Queremos construir uma organização que resgate a grandeza e a integridade do projeto socialista; uma organização que seja digna da memória daqueles que vieram antes de nós e entregaram suas vidas na luta pela igualdade social; uma esquerda revolucionária não dogmática, que não se acomode nas poltronas de couro dos gabinetes parlamentares, mas que combata também o corporativismo e o burocratismo dos sindicatos, que priorize a luta direta das massas, que dialogue com a ampla camada de ativistas surgida no último período, que seja capaz de inspirar confiança e esperança novamente. Quais as principais atividades do movimento? Estamos localizados nas principais lutas da classe trabalhadora, atuamos nos sindicatos, na CSPConlutas, nas escolas e entidades representativas da juventude, participamos hoje da Frente Povo Sem Medo. Atuamos em cursinhos populares, nos movimentos índigenas, de negros, mulheres e LGBTs. Como o grupo analisa a conjuntura futura do país até o final de 2018? Vivemos hoje uma conjuntura dinâmica, estamos ainda diante de um futuro incerto, e a crise política do país ainda não nos permite fazer um prognóstico do futuro. Temer não renunciou, seu único objetivo agora é fazer sua própria defesa jurídica. Ninguém o sustenta: nem a classe dominante, nem a grande imprensa e, muito menos, o povo.

A ação das mulheres trabalhadoras, negras e periféricas serão condição sine qua non para a luta pela tomada das cidades pelo povo, para a transformação social almejada.


ENQUANTO ISSO NO CHILE... Divulgação

PRIMÁRIAS CHILENAS Acima na foto, a escolhida (ao centro de vermelho) pelas prévias chilenas, Beatriz Sanchéz. Abaixo o Partido Humanista que fez parte da coalizão.

“ AS ÚLTIMAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS TIVERAM A MARCA DE 65% DE ABSTENÇÃO DO ELEITORADO CHILENO ”

Salvo as particularidades entre o cenário político e social de Brasil e Chile, nosso vizinho andino também passa por uma crise de representação institucional que faz surgir novos movimentos de renovação política. Para se ter uma ideia de como os chilenos não se veem representados, as últimas eleições municipais obtiveram a incrível marca de 65% de abstenção da população nas urnas. Somado a isso, o líder das pesquisas para ser o próximo mandatário do país é o ex-presidente de direita Sebastián Piñera, que caso seja eleito, completará junto com a atual presidente de centro-esquerda Michelle Bachelet um ciclo de dezesseis anos com apenas duas pessoas no poder. Para dar resposta a essa realidade e seguindo uma outra iniciativa uruguaia de coalização partidária, surgiu no Chile o "Frente Amplio", uma frente única de doze partidos de esquerda e movimentos sociais que busca ganhar protagonismo na cena partidária chilena visando as eleições presidenciais do país do próximo novembro. Para conseguir seus objetivos e levar a cabo sua estratégia de renovação, a Frente Ampla realizou uma consulta popular – prevista no calendário eleitoral – no último dia 2 de julho perguntando quem os chilenos gostariam que concorresse às eleições entre dois candidatos da coalizão. Ao total, 325 mil foram as primárias e escolheram Beatriz Sanchéz como candidata que já figura como terceira na disputa eleitoral. Tudo ainda é incerto, e o país, assim como o Brasil, também passa por uma crescente força conservadora (o Chile Vamos, que foi versão de direita das prévias, conseguiu levar mais de 1 milhão de chilenos para confirmar Piñeda), mas a iniciativa da Frente Ampla joga luz no cenário e é um alento de renovação no cenário latino-americano que clama por mudança.


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O que quer o

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Quero Prévias?

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O movimento propõe a realização de prévias entre candidatos dentro do campo progressista para as eleições presidenciais de 2018. O Quero Prévias também estimula e articula atores políticos e sociedade civil por mais democracia, direitos e igualdade em torno do processo de escolha de candidatos

TENTATIVA DE JUNTAR A ESQUERDA Encontro promovido pelo Quero Prévias sobre o tema "Trabalho no século XXI" contou com Freixo e Haddad

O movimento procura buscar uma energia e uma disposição para a ação depois do afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff e de eleições municipais de resultados desastrosos para o campo progressista. A iniciativa entrou no radar de movimentos sociais, coletivos, partidos, cidadãs e cidadãos. Na conjuntura atual, está longe de ser pouco. O ambiente político se encontra de tal maneira conturbado que é difícil saber como o campo progressista irá, afinal, se reaglutinar. A conjuntura muda tanto e tão rápido que pode ser que uma proposta como a do #queroprevias acabe se tornando em determinado momento uma saída para evitar uma guerra selvagem e sem vencedores pela hegemonia no campo progressista.

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Reuniões da iniciativa desde o final do ano passado apontaram para a necessidade de o #queroprevias criar o espaço de disputa organizada que pretende ser. O movimento quer construir um programa para o campo progressista que seja gestado em um longo período de tempo, no debate entre todas as forças que se identificam com o campo. Os grandes acordos têm de começar de baixo, o programa político começa de baixo e não pode ser assunto apenas durante algumas semanas de eleição. O programa de um campo tão amplo como o progressista precisa de tempo para surgir. E os nomes que vão carregar esse programa precisam se submeter a um escrutínio longo, de muitos meses. Há um fosso entre a sociedade e a política dos políticos. O #queroprevias quer diminuir esse fosso, colocando frente a frente os dois lados. Pretende estimular a realização por todo o país de conversas das quais participem cidadãs e cidadãos, organizações da sociedade civil, movimentos, partidos, coletivos.

... e o que o #quero faz? Em 15/5, o movimento organizou o primeiro de uma série de encontros temáticos. O evento foi na Casa do Povo, em São Paulo, e participaram, debatendo o tema "Trabalho no século XXI, Ademilson Terto da Silva (secretário de Relações do Trabalho da CUT/SP), Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo pelo PT), Marcelo Freixo (deputado estadual pelo PSOL), Monique Evelle (fundadora da rede Desabafo Social), Monique Prada (presidenta da Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais), Ruy Braga (professor de Sociologia da USP) e Tatiana Roque (professora do Instituto de Matemática da UFRJ e presidente da Associação dos Docentes da UFRJ).


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Bancada Ativista?

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O movimento propõe eleger ativistas e oxigenar a política institucional promovendo princípios e práticas colaborativas e pedagógicas. A Bancada ajudou a eleger a vereadora Samia Bonfin (PSOL) em São Paulo e hoje tem como uma de suas principais bandeiras a defesa das candidaturas independentes

BANCADA DE ATIVISTAS E PRÁTICAS Reunião da Bancada Ativista em São Paulo: o movimento articula e fomenta a participação de cidadãos na política

Candidaturas independentes

As candidaturas cívicas ou independentes são um mecanismo que permite que indivíduos sejam candidatos a cargos eletivos sem precisarem estar filiados a um partido político. Ou seja, é uma forma de romper o monopólio de representação hoje detido pelos partidos políticos. Não é uma negação da importância dos partidos, mas um reconhecimento de que eles têm limitações. A realidade dos partidos hoje tem uma dinâmica interna que impede a reoxigenação: no geral, os partidos ficam presos aos mesmos nomes e às mesmas formas de fazer política. Além disso, há pessoas com enorme potencial para fazer uma diferença positiva na política e que

não se sentem atraídas pela lógica partidária. A Bancada está iniciando um trabalho pela mudança da legislação visando permitir candidaturas cívicas ou independentes e também regulamentar para que sejam efetivas. Nesse sentido, o caminho é o que podemos chamar de "Lista Cívica", algo que já existe em outros países do mundo, como na Espanha. O seu funcionamento consiste da seguinte dinâmica: candidatos independentes podem se juntar em Listas Cívicas, apresentadas previamente à justiça eleitoral, que permitem que a somatória de votos de todos os candidatos de uma Lista Cívica possa ser contabilizado como quociente eleitoral e assim o(s) mais votado(s) sejam eleitos. A contagem de votos de uma lista funciona da mesma forma que a contagem de votos de um partido ou coalizão, garantindo um equilíbrio na possibilidade de eleição de candidatos independentes.

... e o que a Bancada faz? Bancada Escuta

Série de diálogos abertos, em espaços públicos, nos quais o movimento convida ativistas de diversas temáticas e territórios para discutir como a política institucional se relaciona com sua atuação. Foi realizado apenas um até o momento, e a intenção é promover um a cada mês. Boteco Ativista

Para construir um espaço de engajamento e integração mais informal, a Bancada criou o "Boteco Ativista", que basicamente são momentos em que os integrantes do movimento se encontram em algum boteco pela cidade para trocar ideias sobre política e também outros assuntos. O "Boteco Ativista" se mostrou muito importante para estreitar laços de quem já estava envolvido.

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MOVIMENTOS | Luz no fim do túnel

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Entrevista com: LEANDRO MACHADO Nome oficial do movimento: Agora! Fundação: 2016 Sobre o movimento: O Agora! é formado por um grupo diverso de brasileiras e brasileiros realizadores, com perfil político e técnico (por volta de 30-45 anos), de vários setores da sociedade — somos servidores públicos, empreendedores, líderes empresariais, acadêmicos e ativistas. Nossos membros possuem experiência e reconhecimento em suas áreas de atuação e prezam pela integridade e pelo engajamento cívico. Descreva a principal proposta/ diferencial do movimento: Agora! é uma resposta às forças polarizadoras radicais, autoritárias e intolerantes, que ameaçam fazer com que nosso país ande para trás. Como e por que o movimento pode ajudar o país a sair da atual crise política? Mais do que nunca, os brasileiros precisam de líderes com coragem. Há poucas referências desse tipo de liderança hoje em nossa sociedade, e nossa geração precisa criar um novo modelo de sucesso que inspire os batalhadores do Brasil. Estamos empenhados em reinventar a política no século XXI, com ações políticas consistentes com a sociedade contemporânea e construindo diálogos e parcerias entre múltiplos atores para melhorar as políticas públicas e a vida das pessoas. De que maneira o movimento se relaciona e se comunica com a sociedade? 30 CIDADANISTA

O Agora! quer dialogar com os batalhadores do Brasil, os brasileiros que lutam contra todas as adversidades e têm atitude empreendedora. Queremos engajá-los na construção de uma nova visão e agenda de longo prazo para tornar o Brasil mais humano, simples e sustentável. Quais as principais atividades do movimento? 1) ESCUTAR: Vamos conversar com a sociedade brasileira e ouvir os anseios de quem está disposto a repensar o Brasil. 2) PENSAR: Vamos desenvolver e conectar propostas concretas de políticas públicas que melhorem a vida das pessoas e articular uma agenda para o Brasil do futuro. 3) FALAR: Vamos participar ativamente do debate público e propagar nossa visão como grupo. 4) ATUAR: Vamos influenciar a tomada de decisão de políticas públicas em prol das prioridades criando sinergia entre atores relevantes. O grupo também já está trabalhando na identificação de prioridades – e vai compor uma agenda de longo prazo para o Brasil com propostas concretas ao longo dos próximos doze meses, com debates reais e virtuais com a população. Como o grupo analisa a conjuntura futura do país até o final de 2018? Dado o contexto atual, é muito difícil fazer prognósticos. O que sabemos é que estamos numa gravíssima crise de valores, política e econômica. A sociedade precisa reagir, com a força e a firmeza que o momento requer, para mudar práticas e velhas ideias que dominam o espaço público.

Somos um movimento cívico que, acima de tudo, acredita na reinvenção da política a partir da sociedade. Acreditamos na democracia, no dever cívico e na participação cidadã para gerar a transformação que queremos"


RAIZ CIDADANISTA

VALE A PENA FICAR DE OLHO TAMBÉM: Um censo feito pelo site Update Politics mostra que já são mais de 160 iniciativas desse tipo no Brasil. Confira mais algumas para manter no radar

• Virada Política • Movimento Acredito • Brasil 21 • Gabinete 56 • Transparência Partidária • Mudamos • Update Politics • RAPS • Candidate-se • Mandato coletivo • Somos muitas

De volta ao Brasil, um grupo de ativistas de esquerda começa a se organizar na esteira das jornadas de junho de 2013. O coletivo adere à Rede e ajuda na criação do partido de Marina Silva, mas durante o segundo turno das eleições presidenciais de 2014, o grupo se torna independente e cria o movimento Avante entre novembro de 2014 e março de 2015. Na sequência, o grupo idealiza a Carta Cidadanista, um manifesto com princípios que buscam uma cidadania emancipada de todos e para todos em torno do sentido do comum. Mas foi em 8 de março desse mesmo ano, no Dia Internacional da Mulher, que nasce a RAiZ, assim mesmo no feminino, não mais o Partido, mas a Inteira, de inteireza. Nesse dia também são tomadas medidas para transformar a RAiZ em um partido-movimento, nos moldes do Podemos da Espanha. Em janeiro de 2016, dentro do Fórum Social de Porto Alegre é formalizado o partido-movimento com o objetivo de fazer uma alternativa de poder popular frente à falta de ética e à mercantilização da política. Após e durante esse processo de fundação e fortalecimento do movimento, a RAiZ ganha legitimidade e se estrutura organizativamente em forma de círculos, esferas e teias. Constrói sua platafroma de votação e deliberação democrática chamada teia digital e faz encontros formativos e seminários, além de atividades em redes sociais. Acaba de realizar seu sétimo encontro nacional em Fortaleza e busca, em paralelo, a formalização como partido político. Em outubro de 2016 vê uma de suas fundadoras, Luiza Erundina, concorrer nas eleições municipais de São Paulo em coligação solidária com o PSOL. Derrotada, Erundina se filia ao PSOL para cumprir sua cadeira de deputada federal, mas segue próxima ao movimento. Após as campanhas municipais, a RAiZ se reorganiza e foca sua atenção no fortalecimento dos círculos com a população permanecendo fiel na sua vocação de transformar o país seguindo três valores fundamentais: Ubuntu, Teko-porã e ecossocialismo.

“ O PARTIDO-MOVIMENTO RAiZ CIDADANISTA TEM O OBJETIVO DE FAZER UMA ALTERNATIVA DE PODER POPULAR FRENTE À FALTA DE ÉTICA E À MERCANTILIZAÇÃO DA POLÍTICA ”

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CIDADÃO | Can Masdeu - Barcelona

INTERNACIONAL

Okupar, resistir e construir autonomia

por VITOR TAVEIRA

De antigo leprosário à fábrica abandonada, ocupações são símbolo da auto-organização popular em Barcelona 32 CIDADANISTA


FICA, GALERA Ativistas da Can Masdeu: resistência construída em atos de desobediência criativa a favor da convivência entre todos

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escemos do metrô na periferia de Barcelona, perto das montanhas e longe das praias e do centro abarrotado de turistas da capital catalã. Com cerca de dez minutos de caminhada entre asfalto, passarela e caminho de terra, podemos visualizar Can Masdeu. Uma edificação grande, cor de terra, onde se celebram quinze anos de uma resistência histórica. O local foi uma casa de campo e sede de um leprosário administrado pela Igreja até 1960. O edifício abandonado por décadas foi ocupado no fim de 2001 por moradores de Barcelona, que começaram ali a construção de um espaço autogestionado que hoje é reconhecido como exemplo e inspiração. Se autodefine como "um ato de desobediência criativa ao mundo do dinheiro, da fumaça e regulamentos, do ruído e da velocidade". O conceito é o do "rurbano", o rural junto e misturado com o urbano. O vale onde está instalado possui 35 hectares que hoje fazem parte de uma zona de parque natural. Desses, três hectares são parte cultivável do sítio ocupado. Uma das atividades ali desenvolvida é a horta comunitária, que envolve não só os moradores da ocupação, mas também muitos vizinhos do bairro. Além da horta, em Can Masdeu também se busca implementar outras tecnologias ecológicas, como banheiro seco, energias renováveis, captação de água da chuva, compostagem, reciclagem e outras práticas ligadas à permacultura. Assim, o

espaço também serve de base para um projeto de educação agroecológica, que desde 2003 já recebeu inúmeras escolas e outras instituiçõe e grupos interessados. Dentro do espaço do Centro Social há o "Ponto de Interação", com biblioteca, banco de sementes, ponto de informação sobre agroecologia e repovoamento rural. Fica aberto todos os domingos, quando Can Masdeu recebe e realiza diversas atividades recreativas e culturais. Num desses domingos, em maio, com programação especial em comemoração aos quinze anos de resistência, o número de participantes pode ser contado na casa dos milhares. Durante todo o dia, atividades, almoço com uma paella ecológica e cerveja artesanal, jogos infantis, debates e shows. RESISTÊNCIA HERÓICA E NÃO VIOLENTA Porém todo esse espaço fabuloso poderia não mais estar nas mãos da cidadania se não fosse a resistência dos primeiros ocupantes e a mobilização da comunidade local e redes de apoiadores da cidade. No final de abril de 2002, poucos meses após a ocupação, foi acatado um pedido de reintegração de posse por parte da entidade gestora do antigo hospital e proprietária do terreno. Diante da iminente ação policial, os ocupantes criaram estratégias não violentas de resistência, inspiradas sobretudo nas ações de movimentos ecologistas de outros países europeus. "Não se traCIDADANISTA

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CIDADÃO | Can Masdeu - Barcelona

" FOI UMA GRANDE LIÇÃO DESCOBRIR E COLOCAR EM PRÁTICA A DESOBEDIÊNCIA ATRAVÉS DA RESISTÊNCIA PACÍFICA "

tava de um juízo moral sobre uso ou não da violência, mas de uma escolha estratégica que fizemos para alcançar nosso objetivo. Uma estratégia que se adequava ao local e ao momento em que estávamos, mas que poderia não servir em outro país, outro tipo de espaço ou outro momento histórico", explica Arnau Montserrat, um dos que participaram diretamente do processo. A cada manhã, à primeira hora, os ocupantes faziam uma simulação de como agir. Até que no oitavo dia veio a esperada ação para despejo. Colaboradores do bairro ligaram: a polícia vai subindo. Dado o aviso, cada um em seus postos: os ocupantes haviam preparado uma série de posições na casa, cada um se penduraria com cabos de aço e cordas em algum lugar do edifício: no para-raios, no terraço, nas paredes, no campanário. "É uma estratégia que coloca em risco a integridade física dos manifestantes. Funcionou num primeiro momento porque nessa época a polícia não estava acostumada a esse tipo de desalojamento, não tinha um corpo de escaladores especializado, por exemplo", disse Martin Shaw, um dos primeiros ocupantes de Can Masdeu. O Corpo de Bombeiros se negou a apoiar a operação. Assim que a polícia chegou, se deparou com uma série de barricadas, feitas para ganhar tempo enquanto parte dos resistentes se pendurava em seus postos e outros desciam pela floresta para chegar ao bairro e mobilizar os vizinhos, a mídia e outras pessoas solidárias. "Quando chegou a mensagem de que a polícia estava lá e eles em situação de resistência, o bairro se alvoroçou, subiam muitas pessoas, cada um fazia o que podia: levar água, comida, roupas de frio, contatar com a imprensa, chamar pessoas dos outros bairros", contou uma vizinha da ocupação de Nou Barris, um bairro com tradição de luta social na cidade. A imagem tomaria os jornais por alguns dias: pendurados por cabos de aço na fachada, os "okupas" lutavam por evitar o despejo de um edifício abandonado por décadas que havia ganhado nova vida a partir da ocupação. "Dentro dessa estratégia de resistência escolhida, a presença da mídia foi 34 CIDADANISTA

importante, pois ao serem gravados, os policiais se sentiam vigiados e evitavam excessos numa situação que já era bastante tensa", conta Martín, um dos membros do grupo fundadores de Can Masdeu. Ele lembra que logo a mobilização social fez com que se trouxesse um gerador. Havia alto-falantes, música, palavras de ordem, e o contato visual era mantido com os resistentes dependurados, dando força para seguir. Então se formou um acampamento do lado de fora, deixando a polícia entre os acampados e os resistentes atados ao imóvel, aumentando a tensão. As forças repressivas chegaram a dispersar duas vezes os manifestantes. Não seria uma luta fácil. Pendurados em posições nada confortáveis, os ativistas ainda sofreriam com o frio e a chuva que viriam no segundo dia, bem como com as dificuldades criadas para que recebessem apoios, como casacos, água e comida. No terceiro dia, mais gente vinha apoiar Can Masdeu. Valentes, as mulheres pararam de frente aos policiais para exigir o fornecimento dos itens básicos para os "pendurados". Das onze posições iniciais, quatro já tinham sido abandonadas devido ao esgotamento físico e mental. Era um jogo que se tentava vencer pelo cansaço. Quando as coisas ficavam ainda mais quentes, um novo movimento da polícia. Uma incerteza, seguida de um cochicho "se van, se van, se van....", dizem ainda duvidosos os apoiadores da ocupação. Em seguida, um momento de eufórica celebração. Diante da repercussão de toda a situação o juiz havia decidido voltar atrás e parar o despejo, e os policiais abandonaram o local. Haviam considerado que o direito à vida deveria prevalecer sobre o direito à propriedade. "Terminou da única maneira que eu podia imaginar: ajudando a descer meus companheiros de suas posições e comemorando nossa resistência", diz Martin. "E quinze anos depois, seguimos aqui", complementa. "Para mim foi uma grande lição descobrir e colocar em prática a desobediência através da resistência pacífica. Foi um grande exemplo", relembra a vizinha de Nou Barris.


COMUNIDADE PRESENTE Encontro realizado mostra comunidade participando da Can Masdeu.

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CIDADÃO | Can Masdeu - Barcelona

HORTA E EXEMPLO Horta comunitária da Can Masdeu entre outros locais da ocupação cidadã

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" A CIDADANIA ORGANIZADA PODE TRANSFORMAR OS ESPAÇOS DAS CIDADES E CONSTRUIR O BEM COMUM "

VINTE ANOS INDESTRUTÍVEIS No bairro de Sants, do outro lado da cidade, uma outra okupa ainda mais antiga comemorou, também em maio, vinte anos de existência, trazendo ainda na sua estrutura física as marcas de outra resistência emblemática que evitou o despejo. O Centro Social Autogestionado (CSA) Can Vies teve parte de seu muro derrubado por um trator em tentativa de despejo e demolição em 2014, também detida depois de grande mobilização social. Construído ao lado da estação de metrô no século XIX, o edifício serviu inicialmente como armazém e depois como espaço dos trabalhadores metroviários e sede de sindicato. Uma capela católica localizada ao lado que foi anexada ao prédio e fazia parte da ocupação teve o teto e a maior parte da parede destruídos na tentativa de despejo há três anos. Mutirões vêm sendo realizados para a reconstrução do espaço. Além de servir como local de moradia, Can Vies faz parte da Assembleia de Bairro de Sants e é um espaço que aglutina diversos coletivos e movimentos que confluem ali e realizam inúmeras atividades, desde oficinas de costura e debates sobre feminismo até teatro ou festas solidárias em apoio aos refugiados. Passando por lá, encontramos, por exemplo, uma oficina de jornalismo sendo realizada com movimentos e ativistas sociais por um jornal alternativo local. Como é comum entre as okupas, o local funciona por meio de autogestão através de assembleias sem hierarquias e com a busca de consensos e responsabilidade coletiva entre todas e todos. DE FÁBRICA A CENTRO CULTURAL PARA A VIZINHANÇA A menos de dez minutos dali, caminhando e já adentrando o bairro de La Bordeta, encontramos o centro social Can Battló, outra experiência incrível que em junho comemorava seis anos de existência como espaço autogestionado. Trata-se de um imenso espaço que abrigou fábrica de tecido com milhares de funcionários e hoje é uma das mais importantes construções arquitetônicas em Barcelona que remontam ao pas-

sado industrial da Catalunha. Em 1976, a prefeitura definiu o local como um espaço para zona verde e para equipamentos socioculturais para a comunidade. Os anos passavam, mas as promessas de colocar o local a serviço do bairro nunca eram cumpridas. Em 2009, a população organizada por meio da Plataforma Can Battló és per el Barri deu um ultimato: se até 11 de junho de 2011 não houvessem as obras e a disponibilização do espaço para a vizinhança, os próprios moradores entrariam ao recinto para retomá-lo com suas próprias mãos. Chegando aquela data sem muitas novidades, o prefeitura acabou cedendo parte da construção, o Bloco 11, para a autogestão da comunidade. Na parte já ocupada, que representa apenas uma pequeno pedaço do amplo espaço da fábrica, há diversos locais ativos e atividades sendo realizadas ao longo desses seis anos de ação comunitária: auditório, biblioteca, centro de documentação, bar e espaço de encontros, horta comunitária, parque para cachorros, quadras esportivas, espaço para famílias e crianças, oficina mecânica, marcenaria, espaço para exposições, para artes cênicas, para escalada, uma fábrica coletiva de cerveja artesanal, uma cooperativa agroecológica e – ufa! – editora e imprensa coletivas. Tudo é gerido por meio de uma assembleia geral e de trinta comissões e grupos de trabalho vinculados a Can Battló, que definitivamente passou a servir ao bairro, e a seus moradores e à cidade como um todo. Essas experiências emblemáticas são apenas três entre as centenas que se desenvolvem na cidade de Barcelona e seus arredores. Espaços até então inutilizados em locais em que a especulação imobiliária crescia passam a se tornar centros de ação e organização comunitária, promovendo formação, cultura e intercâmbio e fomentando uma cultura política participativa, por meio de assembleias, baseada em decisões consentidas e responsabilidade coletiva. Uma prova de como a cidadania organizada pode transformar os espaços das cidades e construir o bem comum, que não pertence a ninguém, mas é de todos. CIDADANISTA

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CIDADÃO | campanha pela dádiva

CIDADANIA

por MARILU GOULART e JOÃO MAURÍCIO FARIAS

+ Dádiva - Dívida

Uma campanha de auditoria da dívida pública brasileira!

O

s povos ameríndios, precursores do sentido mais profundo da resistência e luta, lançam suas flechas em nossa direção acertando-nos bem no peito, restabelecendo assim a relação infinita do vínculo pela dádiva. Agora que não vemos mais saídas, ou que estas se estreitam ao nosso redor, nossos olhares se estendem e se voltam para quem sempre esteve presente, apesar das mais variadas tentativas de seu extermínio. Segundo Clastres, os estados civilizados ocidentais, através de seu regime de produção econômica criaram: “A sociedade industrial, a mais formidável máquina de produção, é por isto mesmo a mais assustadora máquina de destruição. Raças, sociedades, indivíduos; espaço, natureza, mares, florestas, subsolo: tudo é útil, tudo deve ser utilizado, tudo deve ser produtivo, de uma produtividade levada a seu regime máximo de intensidade.” O capitalismo, através das relações econômicas de produção, forja também os macrosprocessos de subjetivação incidindo assim nas relações sociais 38 CIDADANISTA

e nos afetos, criando o que Negri e Hardt denominam “figuras subjetivas da crise”. Dessas figuras destacamos o endividado: aquele sujeito produzido pelas relações sócioeconômicas com o sistema financeiro, o qual sobrevive nas suas mais básicas necessidades, através do eterno endividamento com os bancos. Para os autores: “A rede de segurança social passou de um sistema de bem-estar social para um de endividamento... você sobrevive se endividando, e vive sob o peso de sua responsabilidade em relação à dívida.” Esta forma de vida serve muito bem ao capital, pois nenhum tempo poderá ser vivido sem que não seja para, de alguma forma, saldar esse endividamento. Reforça, assim, um modo de vida em que a produtividade engloba todo o tempo o tempo todo, dando-lhe um sentido profundo e vazio de uma existência deslocada do viver bem, em harmonia e com outros recursos que não estejam na lista do que é oferecido pelo mercado. Desta forma, os modos de vida dos povos indígenas, por não serem produtores de exceden-


tes para os mercados, acabam por ser desvalorizados, pois não servem ao capital. Estes têm em suas mais profundas raízes o estabelecimento do vínculo através da dádiva: do dar, receber e retribuir. Do estabelecer alianças e vínculos, do ligar-se socialmente a alguém e do constituir-se como sociedade, a dívida como necessária retribuição transforma-se em nova dádiva! “Eis por que não se pode dar descanso às sociedades que abandonavam o mundo à sua tranquila improdutividade originária; eis por que, aos olhos do Ocidente, era intolerável o desperdício representado pela inexploração de recursos imensos.” Marcante característica de grande parte das etnias indígenas ameríndias, a dádiva está presente como o contraponto da dívida, isto é, a dádiva como sendo a dívida impagável, a dívida que deve ser eternamente renovada, a dívida sagrada que, muito além do valor de um simples objeto, traduz a criação de um elo de reciprocidade. Um compromisso de todos, com o outro, com a natureza, com as divindades. Compromisso este que poderá ser para nós, brasileiros, remanescentes desses povos originários, uma possível saída em direção à criação de uma nova construção social, onde a aliança com o capital e a financeirização da sociedade se desfaça, de flecha em flecha, pelo ar, pelo peito, pelas novas sensibilidades, por outras formas de convivência, pelas lutas, pelas ocupações, pelas retomadas, por outros sentidos que atinjam as subjetividades apassivadas e endividadas para que estas possam criar liberdades, resistências, em que os processos de trabalho sejam livres da supremacia histórica do capital, em que os conflitos sejam outros e o tempo... de compartilhar. A sociedade capitalista, ao subverter o sentido da dívida, retira a função social, reforçando as seguintes características predatórias: a dívida pública é um endividamento que tem ausência de contrapartida, tendo desde a sua origem um crescimento progressivo. Esse endividamento deu-se através de mecanismos ilegítimos, ilegais, abusivos, como, por exemplo, documentos sem assinaturas, sem contratos, sem registro escritural etc. Outra qualidade predatória é o fato de ser um mecanismo de domínio de um indivíduo sobre outro ou de uma

45%

DO PIB É DESVIADO PARA A PERPETUAÇÃO DO RENTISMO, POIS O GOVERNO PAGA ELEVADÍSSIMAS TAXAS DE JUROS AOS INVESTIDORES instituição sobre outra, em condições extremamente desiguais, sem nenhuma forma de equivalência e que leva ao estabelecimento da “Peonagem”, que é o ato ou o processo de submeter um indivíduo a uma dívida impagável. Esse sistema da dívida provoca o escoamento de recursos públicos reais para o setor financeiro (não só os ativos, mas os direitos de uso, principalmente). Seguramente há aqui uma das centralidades da crise socioeconômica do Brasil na atualidade, pois parte significativa dos recursos públicos que poderiam ser utilizados para contraprestação de serviços de saúde, educação, assistência social, ou mesmo investimentos em outras fontes de produção de energia são realocados para alimentar os detentores do capital. Nesse (des)caminho também vão as reformas trabalhistas e da Previdência. No Brasil, 43% do PIB (Produto Interno Bruto) é desviado para a perpetuação do rentismo, pois o governo paga elevadíssimas taxas de juros aos investidores, desestimulando as atividades produtivas e os investimentos que possam gerar trabalho e renda para a população. Vivemos entre a realidade e a ilusão num sistema em que as diferenças sociais se aprofundam enquanto a degradação ambiental e a violência crescem proporcionalmente em velocidade e intensidade sem precedentes. É por isto que a RAiZ – Movimento Cidadanista, alia-se ao movimento Auditoria Cidadã da Dívida Pública, agregando esta importante tecnologia de autorregulação socioeconômica e cosmológica: a dádiva, como contribuição para o bem viver. Por isto, mais dádiva, menos dívida! CIDADANISTA

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POLÍTICA | Entrevista Pe. Júlio Lancelotti

Ivan Zumalde

CANSADO DO SISTEMA Pe. Júlio abastece suas energias com os moradores de rua e a reza para conseguir lutar contra governos e sistemas que não enxergam os marginalizados

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EXCLUSIVO

JÚLIO, O

ANARQUISTA Pe. Júlio recebeu a Cidadanista para uma conversa aberta na paróquia da Mooca, na zona leste de São Paulo, onde é paróco há 32 anos. É de lá que ele resiste e luta com os moradores de rua contra o sistema e os governos que negligenciam a população que a sociedade quer esquecer. Na entrevista – que contou com a participação dos próprios sem-teto –, Pe. Júlio fala sobre o prefeito Doria, a Igreja e de como se orgulha em ser um fracassado e um anarquista, assim como seu ídolo, Jesus Cristo.

por IVAN ZUMALDE

CIDADANISTA

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POLÍTICA | Entrevista Pe. Júlio Lancelotti

Há quantos anos o senhor está aqui na Paróquia da Mooca? PE. JÚLIO: Eu sou padre aqui há 32 anos. Como vê a atuação da Igreja hoje e a atuação do papa Francisco? PE. JÚLIO: A Igreja sempre será multiforme, multifacetada e multiclassista. A Igreja sempre será feita de contradições, de contrastes e de diversidades, sem que nenhum grupo a absolutize. Hoje, nós vemos o papa Francisco em um momento que queremos que dure bastante, mas há que se dizer também que ninguém e em nenhum momento proibiu de trabalhar com os pobres, de conviver com os mais pobres. O grande problema na verdade é quando as pessoas preferem fazer outros caminhos, e em vez de seguir os ensinamentos de Jesus, querem seguir um “Jesus à la carte”, um Jesus conforme os próprios interesses.

Homem: Padre, com licença, eu posso ver se tem alguma roupa aqui? Pe. Júlio: Sim, claro! Homem: Oh, padre? Pe. Júlio: Oi? Homem: O senhor não tem um chinelo pra me dar, não? Eu tô com um machucado com esse pé, cara... Pe. Júlio: Ih, acho que não tenho não. Ainda mais com esse número teu... Você falou com a Andreia? Homem: Não. Pe. Júlio: Pergunta para ela, mas acho que não chegou. O que chegou tá tudo aqui. Se tiver, tem outra sacola ali, pode dar uma olhada. Homem: Obrigado, padre.

“ NÓS ESTAMOS PARA SERVIR AOS ARCEBISPOS OU PARA SEGUIR JESUS “

E a opção pela periferia e pelos pobres é uma orientação do bispado ou uma opção sua? PE. JÚLIO: Minha e da Igreja também. Na Arquidiocese de São Paulo, eu sou vigário episcopal do povo de rua nomeado por dom Paulo Evaristo, cardeal Arns, dom Cláudio Humes e agora estamos dez anos com dom Odílio. Nunca nenhum dos arcebispos disse: “não conviva com os pobres”. Agora, cada um diz: “Ah, mas o meu carisma não é esse. O meu carisma é esse.” Aí também vai das questões pessoais de cada um. Com dom Paulo havia uma entonação forte para a periferia, para as periferias existenciais e para as periferias geográficas, mas é difícil comparar um com o outro. Agora, nós estamos para servir aos arcebispos ou para seguir Jesus? *****

Durante a entrevista realizada dentro da igreja, vários moradores de rua acudiram ao padre Júlio por diversas razões. Deixamos aqui a participação da população de rua de forma a dar mais veracidade e caracterizar o trabalho e o perfil de padre Júlio.

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E como acha que a sociedade e a mídia em geral encaram essa opção? PE. JÚLIO: Há um neoconservadorismo que hoje é uma força avassaladora. Na política, na economia, na cultura... é uma força avassaladora.

E em comparação há trinta anos era pior? Como o senhor analisa o momento atual com o da ditatura militar? PE. JÚLIO: Eu acredito que no tempo da ditadura ainda se conseguia unir na militância e tudo mais. Hoje, está tudo mais fragmentado. Nós estamos em um período que é chamado da pós-modernidade, como Bauman diz, da “sociedade líquida” com um individualismo muito presente nas pessoas, faz parte da nossa cultura: “Eu preciso buscar o que é bom para mim, o que me interessa, o que é o meu interesse”. E nesse contexto, nós vemos a direita, eu digo, esses grupos neoconservadores ou muito de extrema direita, crescendo como um fenômeno mundial. E o papa Francisco seria a liderança de resistência desse fenômeno? PE. JÚLIO: Sim. Hoje, o único que destoa no mundo das figuras que aparecem por aí é o papa Francisco, porque você só vê lideranças mundiais defendendo a globalização que, sim, é um fe-


GENOCÍDIO NAS RUAS Pe. Júlio na missa de sétimo dia de Ricardo Nascimento, carroceiro e morador de rua assassinato pela PM no último dia 12 de julho em Pinheiros. Ele pensa em pedir proteção à Anistia Internacional.

nômeno irreversível, mas também muito desumanizador. Veja o que o papa falou em Gênova sobre a meritocracia. Ele atacou duramente essa questão da meritocracia. seja no mundo do trabalho ou da sociedade em geral. E os efeitos disso, já sabemos, é um aumento do preconceito e da discriminação. Homem: Oi, padre! Pe. Júlio: Oi, meu filho. Cê tá bom? Olha só, queria falar uma coisa para você e que é para espalhar para todos. Saiu a nova portaria da prefeitura que o “rapa” não pode pegar roupa, cobertor, colchão, documento. Ou seja, saiu tudo o que o “rapa” não pode pegar. E a GCM (Guarda Civil Metropolitana) não pode nem interferir e nem tocar em vocês. O.k.? Homem: É... aí, sim, hein! Pe. Júlio: Depois de tanta pressão, nós conseguimos, viu? Aqui, olha (Pe. Júlio retira e lê trecho de papel que tinha no bolso), aqui diz que não pode pegar documento, sacola, medicamento, livro, mochila. Também não pode pegar carroça, material de reciclagem, instrumentos musicais e o que é de sobrevivência, como panelas e fogareiros, latas, colchões, papelões, travesseiro, cobertores, mantas, lençóis, toalhas e barracas desmontadas. Tá aí, viu? Conseguimos. Homem: É isso aí, gostei. Pe. Júlio: Pressionamos até sair isso. Homem: Nóis agradece, padre. Pe. Júlio: Não, isso é uma luta de vocês, é uma vitória de vocês. Homem: Com certeza.

E o senhor? Sofre algum tipo de preconceito ou pressão por trabalhar em defesa da população de rua? Tem receio de que alguém da Igreja queira transferi-lo daqui? PE. JÚLIO: Bom, como eu tô aqui nessa paróquia faz muito tempo e, penso que não. Posso até estar errado, viu? Mas acho que um dos motivos disso é que nenhum padre quer vir para cá. E também tem o outro lado: nenhuma paróquia me quer também. Por quê? PE. JÚLIO: Porque é uma paróquia pequena, pobre, enquanto prédio e em termos territoriais. É uma

paróquia muito pobre, que tem muita participação e frequência dos moradores de rua. Na Sexta-Feira- Santa, no ofício da Paixão, tinha uns cinquenta moradores de rua participando de uma celebração aqui. Então, não é um lugar que atraia ninguém. Pergunta se alguém quer ir pra Nossa Senhora da Assunção ou para Nossa Senhora do Brasil, ou para Santo Ivo, no Largo da Batalha... ou para São Gabriel, na avenida São Gabriel. Tem filas de candidatos. Para aqui, para São Miguel do Arcanjo, não tem. Por que acha isso, padre? PE. JÚLIO: Em geral eles falam: esse padre vem para cá vai trazer esses moradores de rua, esses maloqueiros atrás dele e tudo o mais. Então, a comunidade que está aqui e que participa durante a celebração, não rejeita. Nossa secretária Andreia é conhecida por todos eles, todos a conhecem pelo nome. Rodrigo: Oi, padre! Pe. Júlio: Senta aqui. Como você tá, Rodrigo? Rodrigo: Saí da cadeia agora, eu tô na rua. Pe. Júlio: Rodrigo. Mas, fica firme filho, a tua dignidade é maior que tudo, viu? Cê tá dormindo onde? Rodrigo: Tô dormindo agora no parque e tô com duas pernoites no abrigo. Pe. Júlio: Vai continuar pedindo pra antecipar essa permanente, tá bom? E vê seus documentos, viu? Rodrigo: Tô pedindo Pe. Júlio: O que que falta? Rodrigo: Tá tudo com eles. Pe. Júlio: Mas você tem que tirar fotografia pra tirar suas outras coisas? Rodrigo: É... eu falei lá com a mulher agora no São Martinho, ela falou que a foto é lá em Pinheiros... Pe. Júlio: Mas não! E no Centro Pop não tá fazendo foto? Rodrigo: Não sei. Pe. Júlio: Você sabe onde é o Centro Pop, ali na Cajuru, na Luz? Eu vou pegar no pé dessa história da fotografia, CIDADANISTA

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POLÍTICA | Entrevista Pe. Júlio Lancelotti

que a gente já cansou de falar isso, da necessidade de fazer aqui. Vamos ver isso, vamos achar um caminho, tá? Você vai almoçar no São Martinho, tá?

O que falta no poder público para se sensibilizar por esse problema e ajudar e não negligenciar essas pessoas. Qual o problema? PE. JÚLIO: A máquina não anda. Tudo o que é burocrático, institucional, não anda. Podemos ver por esse exemplo: ele precisa de uma fotografia, é um negócio urgente, não é um negócio, "ah, ele vai lá pra Pinheiros". E para ele ir pra Pinheiros? E o passe pra ele ir? Aí, como ele vai arranjar um transporte para ir pra Pinheiros? Então, eles deveriam fornecer, porque eles recebem recurso pra isso, o passe pra ele ir de metrô. Teria que ter o equipamento que tira fotografia aqui no Centro Pop. Então, falta articulação, a institucionalização pesa muito.

vivem nas ruas custa na prefeitura de São Paulo R$ 1.500 por mês, que se chegassem nas mãos deles, eles resolveriam os problemas deles muito mais rápido dentro dessa sociedade capitalizada do que no atendimento institucional. São R$ 15 milhões o orçamento da prefeitura para pessoas na rua. Mas que fica na estrutura. Seria melhor que esse recurso chegasse de outra maneira para eles? PE. JÚLIO: Se desse uma bolsa, se tivesse uma renda mínima, se tivesse alguma coisa. Mas essas coisas, dentro desse sistema, é muito difícil, porque o sistema é montado para que seja assim: descartável. E eles são descartados, eles são condenados. Você vê, eu até fico com vergonha do Rodrigo. Quantos dias a gente tá pedindo um lugar pra ele, e ele quer um lugar para dormir, esse menino tá se deteriorando enquanto pessoa... Já tá usando alguma coisa, já tá se entorpecendo pra aguentar ficar na rua. E você vê, ele não tá nem revoltado, ele tá é decepcionado e eu tô envergonhado de tentar, de todo jeito e não conseguir. Eles estão aqui dentro do Parque da Mooca onde os fascistas da Mooca estão todos incomodados, querem matar, todos eles e a mim também e enterrar tudo junto.

“ O PODER NIVELA TODO MUNDO MUITO PARECIDO “

Você acha que isso depende da gestão municipal? Ou isso depende do sistema ou do Estado como um todo? PE. JÚLIO: Isso depende de gestão, mas depende do institucional e depende daquilo que o papa Francisco diz: esse modelo é o modelo do descartável. Então, achar que vai ter alguma ação do poder público que supere isso, nesse sistema, não vai.

Pode entrar e sair prefeito que não resolve? PE. JÚLIO: Exato. O poder nivela todo mundo muito parecido, e como disse o papa Francisco também: cuidado com o poder! Na economia, na política e na Igreja. E o que acha de iniciativas da sociedade civil para se articular para resolver esse problema? PE. JÚLIO: Pois é, esses conceitos estão muito desgastados: sociedade civil, sociedade civil organizada, movimentos de não sei o quê. As entidades também se tornaram um grande negócio. Hoje, as entidades, as ONGs formaram cartéis de recursos públicos. Hoje, cada uma dessas pessoas que 44 CIDADANISTA

E qual a estratégia para enfrentar essa situação, padre? PE. JÚLIO: É resistir. É insistir. E incomodar. Quebrar o pé da mesa. A mesa tá toda armada, bem bonita, com um banquete todo servido só pra alguns, e o negócio é ir lá e quebrar o pé da mesa. E deixar cair tudo no chão. Porque é o que sensibiliza as pessoas. Você vê, atualmente, a prefeitura tá perplexa diante da situação da chamada Cracolândia, que saiu de um lugar e foi para o outro. É um debate muito importante hoje. Qual a relação do senhor com a atual gestão municipal? PE. JÚLIO: Nós tivemos uma reunião muito interessante na prefeitura esses dias, só com igrejas.


O MUNDO SECRETO DE JÚLIO LANCELOTTI O dia começa com Pe. Júlio organizando sacolas no pátio da paróquia (acima) e só termina depois de muitos atendimentos particulares aos moradores de rua. Nas sequência das fotos, mostra o solidéu que ganhou de presente do papa Francisco pela dedicação aos moradores de rua e santos mendigos" que guarda com orgulho. CIDADANISTA

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POLÍTICA | Entrevista Pe. Júlio Lancelotti

E como foi o encontro? PE. JÚLIO: Tinha mais de cinquenta pastores, pastoras, padres, frades, todas igrejas. Evangélicas, todas.... estava desde a Bola de Neve até os metodistas, os luteranos e os batistas, que têm o trabalho da jornada de Cristo. E como foi lá? PE. JÚLIO: Então, as igrejas chamaram a atenção do poder público e disseram: outra operação como aquela do dia 21 e não nos chamem mais, porque nós não viremos. Nós estamos aqui, e todas as nossas igrejas estão feridas. Qual sua radiografia sobre o que tem sido a Cracolândia na gestão Dória? PE. JÚLIO: Mudaram de lugar e a perplexidade continua a mesma. Porque você faz uma pergunta: como é que depois toda aquela operação, de todas as prisões que disseram que fizeram, por que é que o tráfico e a droga continuam chegando lá? E o prefeito João Doria, padre. Ele te escuta? PE. JÚLIO: Então, tem uma diferença entre ouvir e escutar. Você pode ouvir tudo. Escutar, é outra coisa...

Acredita que ele vê o Sr. e as igrejas como orientadores? PE. JÚLIO: Eu acho que se quer usar as igrejas como escudo. E as igrejas acabam sendo incômodos. Eu falei, e um pastor falou muito forte, dizendo: “Eu represento 4 milhões de, acho que eram os batistas. Somos 4 milhões de feridos com a operação”. Então, ele deu um recado...

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E eles chamaram o senhor e as igrejas com qual proposta nessa reunião, então? PE. JÚLIO: Disseram: “Nós queremos articular as igrejas”, e eu falei: “Quem nos articula são os pobres, não vocês! Nós estamos todos sentados e articulados, todos nós nos conhecemos, todos nós nos falamos, todos nós nos ajudamos uns aos outros, porque quem nos articula são os pobres. São os irmãos de rua e os dependentes. Eles que nos articulam”.

“ QUEM NOS ARTICULA SÃO OS POBRES, NÃO VOCÊS ”

E ele te escuta? Ele te ouve e te escuta, padre? PE. JÚLIO: Ele diz que sim... até tão me cobrando muito porque ele falou naquele dia lá que ele entregou os cobertores, que o padre Júlio é o nosso orientador...Tá! Mas orientador do quê?

Que é melhor escutar, certo?

PE. JÚLIO: Sim, um recado forte de que é para escutar... porque em termos políticos, essas igrejas são muito unidas nas orientações que... somos 4 milhões de feridos. Ele deixou um recado bem grande e quando um pastor fala isso: “Olha, em nome da igreja que eu represento, somos 4 milhões e somos 4 milhões de feridos”, isso quer dizer: “vocês querem os nossos votos?”.

Pe. Júlio: Diga, minha filha. Mulher: Padre, só o senhor pode me ajudar. Sabe onde que tá o Carlos com a Luciana? Pe. Júlio: Ah, eles foram lá pra São Miguel. Mulher: Eles foram pra São Miguel? Pe. Júlio: Eles foram pra São Miguel, que ele disse que arranjou um trabalho lá e foi pra lá. Ele tava morando com você? Mulher: Não, ele tinha um barraco (mulher começa a chorar). Pe. Júlio: Eu vou ver se ele aparece por aqui, porque ele disse que ia voltar. Ele aparecendo, eu ligo pra gente ir lá falar com você, tá? Mulher: (soluçando)... fala pra ele que eu preciso só falar... Pe. Júlio: Falo, falo sim, mas ele tava bem. Mulher: Eu sou a mãe dele.... Pe. Júlio: Eu sei. Eu vi que eles arranjaram um lugarzinho. Tão bem. Mulher: tá bom. Pe. Júlio: Você está lá no cimento, né? Mulher: É. Do lado de cá do posto. Pe. Júlio: Tá bom. Mulher: Naquela debaixo das árvores, ali naquele posto. Pe. Júlio: Eu sei.


Mulher: Tá? Obrigada, padre. Pe. Júlio: E o banheiro? Você sabe se tá funcionando lá? Eles arrumaram? Já ligaram a eletricidade e a água? Mulher: Tá tudo certinho Pe. Júlio: Arrumaram e puseram o vaso e o chuveiro, né? Mulher: Puseram, padre. Pe. Júlio: Então tá bom. Melhor do que nenhum! Mulher: Melhor que nada! Pe. Júlio: Obrigado, filha! Mulher: Obrigada, viu? Deus abençoe!

Todos eles têm confianca no senhor, padre... PE. JÚLIO: Nossa questão é não desistir de estar com eles. De, a partir da visão deles, questionar as coisas... É a convivência que vai te dando argumentos, critérios, compromisso. É um caminho que não tem volta. Mas esse caminho não reserva muitas tensões com o poder público? PE. JÚLIO: Sim, muitas. Muitas vezes as autoridades políticas me mandaram eu me calar. Eu fui processado por um governo estadual.

Como enxerga o sistema político brasileiro? PE. JÚLIO: O sistema brasileiro é sempre um arranjo. Eu não acredito que a maioria tenha razão. Se a maioria tivesse razão, Jesus estaria errado. Porque ele era minoria. Jesus não era a maioria. Então, pra mim é claro: eu não quero estar do lado da maioria. Minha opção é estar do lado das minorias... Acredita que essas minorias, não deveriam estar representadas no governo, dentro do Estado? PE. JÚLIO: Prefiro que elas estejam e devam questionar sempre o poder. E não estar no poder? PE. JÚLIO: É, não estar no poder. Eu prefiro o caminho dos zapatistas. Sempre, desde baixo e à esquerda.

“ EU PREFIRO O CAMINHO DOS ZAPATISTAS. DESDE BAIXO E À ESQUERDA “

Fale como foi isso? PE. JÚLIO: Foi no governo do Fleury. É que a gente cita os nomes e depois vem o Fleury perguntar. Fui processado pelo Pedro Franco de Campos no massacre do Carandiru, no incêndio da Febem, em 1992. E foi com a ordem dos bispos, viu? Um grupo de bispos deu ordem para que me processassem, “tem alguns padres que atrapalham” e, um deles era eu. Foi quando eu fui naquele programa que era do Paiva da Cultura...

O Marcelo Rubens Paiva que apresentava o programa Fanzine na TV Cultura? PE. JÚLIO: Isso. E ele falou para mim: “Existe 'esquadrão da morte’?”. Você vê, era naquela época. E eu falei: “Ele existe. O ‘esquadrão da morte’ se chama Polícia Militar do Estado de São Paulo. E o comandante do ‘esquadrão da morte’ é o Pedro Franco de Campos". E aquilo deu um fôlego...

E qual sua opinião sobre democracia nos dias de hoje? PE. JÚLIO: É, pois é... esse é um outro conceito que a gente teria que rever: a democracia. Como vê isso, Pe. Júlio? PE. JÚLIO: É um conceito extremamente desgastado. A democracia pôs o Trump como presidente dos Estados Unidos.

E no plano nacional? A questão seria mudar o sistema todo? PE. JÚLIO: Não sei... mudar de dentro do nosso sistema político partidário. São as elites que vão mandar! Depois existem os meios de comunicação colonizando a população. Você vê, se hoje fizer um plebiscito no Brasil, a pena de morte ganha, o rebaixamento da maioridade penal ganha, o extermínio do povo da rua ganha... O senhor está desacreditado da política? PE. JÚLIO: Muitos conceitos, para mim, deixaram de existir: inclusão, oportunidade, política pública. Um conceito pra mim, muito complicado também, é a democracia... Esses conceitos foram... tão todos muito desgastados... Veja a cidadania! Eu tô com uma bronca dessa palavra!

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POLÍTICA | Entrevista Pe. Júlio Lancelotti

Por quê? PE. JÚLIO: Cidadania hoje, pra mim, é domesticação. Quanto mais domesticado você for, mais cidadão você é. Quanto mais inofensivo você for, mais cidadão você é. E que o senhor acha da época do PT como um projeto popular no Estado? PE. JÚLIO: O poder corrompe. Isso é uma coisa histórica. Veja o que aconteceu com os sandinistas... Mais sonho do que nós tivemos com o sandinismo... Não acredita nas instituições? PE. JÚLIO: ... o institucional é complicado. Talvez eu esteja ficando velho e anarquista....

Se considera um administrador de conflitos? PE. JÚLIO: Sim, nessa convivência com os moradores de rua, acontece de tudo: desafios, conflitos, crises. Outro dia, tinha um grupo que estava durante a missa e, quando eu os vi eu achei: eles estão procurando alguma coisa, né? Quando terminei a missa, eu cheguei e perguntei: “Vocês estão precisando de alguma coisa?”. E eles disseram: “Não, nós viemos rezar com você”. Ou alguém que chega ali na porta, eu penso que vai pedir alguma coisa e ele me diz: “Não, só vim aqui te ver, dizer bom-dia”.

“ SE A MAIORIA TIVESSE RAZÃO, JESUS ESTARIA ERRADO “

Poderia ser uma solução... PE. JÚLIO: Existe uma ideia errada do anarquismo. Por exemplo, para a população que tá na rua, um caminho muito bom seriam os projetos de autogestão. E o próprio Ministério Público não quer projetos de autogestão.

Por quê? PE. JÚLIO: Porque diz que não tem quem se responsabilize. Olha, o povo da rua sabe fazer gestão. Esses dias eu tenho escutado e falado com eles sobre esses equipamentos que colocaram... têm um nome horrível, sabe, que estão acolhendo os moradores de rua? Por que é que eles não podem ter uma cozinha comunitária onde eles mesmos cozinhem? E que os grupos sejam menores, mais marcados pela autonomia e pela autogestão? Nós temos que mudar os nossos conceitos de grupos familiares e de convivência. Homem: Padre? Pode olhar se tem alguma sacola, pode? Pe. Júlio: Pode, pode sim. (Olha só, você vê, as pessoas falam que eles vêm aqui e só fazem bagunça. Agora, chega um irmão de rua nessa condição e me pergunta: “eu posso ver?”)

É verdade. De fato não há nenhuma confusão. Mas, padre, me conte como é que é o seu dia a dia? 48 CIDADANISTA

PE. JÚLIO: Eu levanto sempre às seis da manhã, tenho missa às sete e depois eu tenho a convivência com os irmãos de rua, tenho algumas coisas de agenda, sempre é muito imprevisível.

O senhor se sente uma referência para os moradores de rua? PE. JÚLIO: Eles percebem na convivência se você quer bem ou não. O povo da rua não acredita na palavra ou no discurso. Em que acreditam? PE. JÚLIO: Eles acreditam na verdade de uma relação, de um compromisso. E eles sabem de que lado você está. Homem: Padre, bom dia! Pe. Júlio: Bom dia, filho. E você, tá tudo o.k.? Homem: Tá tudo mais ou menos. Pe. Júlio: É? Homem: Muita aflição, mas tudo bem... Pe. Júlio: Por quê? Homem: Tô doente, né? Pe. Júlio: Você passou na Unidade básica de Saúde? Homem: Eu passei, mas o médico não tá lá, o Ricardo. Aquela outra médica que está substituindo o Ricardo disse que eu tenho que marcar com ele Pe. Júlio: Você falou com a Meire? Homem: Não, falei com a médica e ela falou: “ai, não é assim!” Pe. Júlio: Não, não!... Procura a enfermeira Meire e fala assim: “Meire, o padre Júlio pediu pra você ver o que que


eu tô precisando, por gentileza”. Homem: Tá bom. Pe. Júlio: Depois me dá um retorno.

PE. JÚLIO: Você vê, esse menino aí é um travesti. O senhor acha que ele não tem atendimento em razão do preconceito? PE. JÚLIO: Sim, mas ele também precisa de saúde, né? Claro! PE. JÚLIO: Nesses dias, até um militante do movimento LGBT me chamou a atenção, porque é interessante, dentro do conceito deles, quem se identifica como menina e tem relacionamento com os meninos, é uma relação hétero. Por causa da identidade de gênero Mas voltando à questão do anarquismo, o que acha que podemos aprender com ele? PE. JÚLIO: Eu acho que tem muitas teorias e teólogos que sustentam que Jesus era anarquista... acho que o grande problema de Jesus era o poder. Tanto, que ele diz: “Os chefes das nações os tiranizam”. Ele dizia, “Entre vós, não sejam assim”! E que o senhor faz aqui é um pouco isso, não? De resistir ao poder e ao chefe da nação? PE. JÚLIO: É... tentando, viu? É interessante ver o que Jesus falou: “Os chefes das nações, os poderosos, as tiranizam. E entre vocês, não sejam assim”... Como o Senhor se define? PE. JÚLIO: Me defino numa palavra. Qual? PE. JÚLIO: Fracasso. O senhor tem orgulho de ser fracassado? PE. JÚLIO: Sim, porque o senhor que eu amo é um fracassado. Não fosse isso, nas igrejas não teria a imagem de um torturado, executado e abandonado. O senhor se sente cansado, padre? PE. JÚLIO: Sim! Eu só tenho ânimo quanto tô com o pessoal e tenho que lutar com eles. Isso me dá força, mas eu tô muito cansado...

O que te cansa mais ? PE. JÚLIO: Saber que dentro do sistema em que nós vivemos, tudo isso é um lixo... Uma presa me falou um dia, na penitenciária: Ela falou: “Cuidado, padre, que todos nos odeiam! E odeiam também quem gosta de nós também”. E qual maneira encontra para descansar? PE. JÚLIO: Lendo, rezando... E o que é que tá lendo agora? PE. JÚLIO: Ah, eu leio muito, tenho lido muito sobre a questão bíblica. Nós temos feito aqui na paróquia uma reflexão bíblica. Eu tenho falado pro povo aqui de coisas que nem os estudantes de teologia estão estudando na Bíblia. O quê por exemplo? PE. JÚLIO: Nós seguimos o Alberto Maggi, um biblista italiano que na Itália é chamado de frei herético. Agora tem um livro dele que foi lançado há um tempo e foi reeditado na Itália e se chama Nossa Senhora dos Heréticos. Nós temos um grupo de uns quarenta. Semanal? PE. JÚLIO: Sim, tá sendo semanal agora. No domingo, às cinco da tarde. E as pessoas ficam muito... Nós temos até uma apostila agora. Você gosta de ler? Sim, gosto muito! PE. JÚLIO: Tem um livro dele que se chama A loucura de Deus: o Cristo de João. É um Cristo anti-institucional, antipoder, anticlerical, antitemplo, antirreligioso. A loucura de Deus. É da Paulus. Obrigado, padre. Vou ler. PE. JÚLIO: ele é uma dinamite. Ele é... o dístico dele é muito bonito. É assim: “O Evangelho é uma bomba. O que eu mais quero é que o estilhaço pegue em você”. Que o estilhaço te acerte! Muito bom! E obrigado pela entrevista, padre. PE. JÚLIO: Eu que agradeço PE. JÚLIO: agora vem cá que eu vou mostrar um pouco o meu mundo secreto aqui... Vamos lá! Mulher: Oh, senhor padre, meu nome é Rozina... CIDADANISTA

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FRUTOS | História em quadrinhos

ESPECIAL - HQ

Nesta edição, convidamos o cartunista Yuri Garfunkel para contar a RAiZ em um história em quadrinhos

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ARGUMENTO: RAiZ MOVIMENTO CIDADANISTA | ADAPTAÇÃO: IBERÊ MORENO ROTEIRO: IBERÊ MORENO E RENATO RIBEIRO | ARTE: YURI GARFUNKEL (SOPA ART BR)

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FRUTOS | Histรณria em quadrinhos

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FRUTOS | Histรณria em quadrinhos

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FRUTOS | Histรณria em quadrinhos

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FRUTOS | Histรณria em quadrinhos

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FRUTOS | Ruy Braga

Ruy Gomes Braga Neto é renomado sociólogo brasileiro especialista em sociologia do trabalho. É livre-docente da Universidade de São Paulo

por RUY BRAGA

A

absolvição da chapa Dilma-Temer, no último 9 de junho, por quatro votos a três contra o parecer do relator, ministro Herman Benjamin, pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral, pareceu garantir algum fôlego ao governo de Michel Temer. No entanto, a denúncia encaminhada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Congresso brasileiro acusando Temer de ser o real destinatário da propina de 500 mil reais paga em uma mala enviada pela empresa JBS para o assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures repõe os termos do dilema brasileiro: não há saída para a atual crise política que dispense a soberania popular. O governo Temer equilibra-se trôpego entre sua defesa jurídica diante da abundância de provas de corrupção produzida pela Polícia Federal e a tentativa, cada dia mais desesperada, de aprovar suas reformas antipopulares: a trabalhista, que já passou e suprimiu direitos e fragilizou o sistema de proteção do trabalhador brasileiro, e a previdenciária, que aumenta o tempo de contribuição e, praticamente, elimina o direito à aposentadoria de milhões de cidadãos, em especial, aqueles que se encontram na economia informal. 60 CIDADANISTA

Com uma aprovação de míseros 7%, o índice mais baixo em três décadas, é difícil acreditar que a campanha pelas eleições diretas já ainda não tenha decolado no país. Naturalmente, existem muitas razões para isso. No entanto, e apesar do esforço dos movimentos sociais, em especial, da Frente Povo Sem Medo, coalização liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), e de alguns partidos políticos esquerdistas, caso do PSOL, por exemplo, a verdade é que a mobilização popular contra Michel Temer tem esbarrado em certa reticência por parte da principal liderança popular da história brasileira, Luiz Inácio Lula da Silva. Franco favorito às eleições presidenciais marcadas para o próximo ano, Lula da Silva parece se sentir desconfortável com as implicações da derrubada do governo ilegítimo de Temer por um massivo movimento popular impulsionado por forças políticas radicais. Quais seriam as implicações políticas de um movimento dessa natureza para a “governabilidade” do país, leia-se, para os acordos com os eventuais aliados no Congresso na formação de um novo governo liderado pelo PT? “. De que adianta Temer cair pela

foto: arquivo pessoal

Por uma geringonça brasileira


depositphotos

pressão popular se não houver uma mudança na composição do Congresso Nacional?”, parece se perguntar Lula da Silva. Além disso, o PT está muito mais preocupado em defender Lula da Silva das acusações da operação Lava-Jato, assegurando sua participação na eleição agendada para o próximo ano, do que investir da mobilização de suas bases a fim de derrubar o atual governo. A desmarcação pelos sindicatos da greve geral prevista para o passado dia 30 de junho apontou nessa direção. Tudo somado, Lula da Silva está com a cabeça em 2018. Todavia, a estratégia da liderança petista, além de arriscada do ponto de vista jurídico – afinal, Lula da Silva pode muito bem ser condenado nas duas primeiras instâncias do sistema jurídico brasileiro, situação que inviabilizaria sua candidatura em 2018 – elide o problema nevrálgico de um eventual terceiro mandato do líder petista: com qual agenda social e econômica Lula irá governar? Aparentemente, a resposta é simples. Lula da Silva está prometendo uma versão atualizada dos “PACs”, Programas de Aceleração do Crescimento, já testados em seus mandatos. Trata-se de um plano de investimentos em infraestrutura associado a estímulos ao agronegócio, às mineradoras e ao setor de petróleo, encimado pela oferta de crédito para os consumidores adquirirem carro e casa própria. Uma repetição dos anos 2006-14, como é possível perceber. Além dos limites impostos ao sucesso desse modelo

de desenvolvimento pelo fim do superciclo das commodities e pela crise da globalização iniciada em 2008, a verdade é que esse “sonho fordista” não foi capaz de produzir empregos de qualidade capazes de apoiar um processo consistente de progresso ocupacional para a classe trabalhadora no país ou mesmo reverter a desindustrialização promovida pela globalização. Na realidade, esse modelo multiplicou o trabalho precário e o endividamento das famílias trabalhadoras. No momento em que a crise política aprofunda-se e a economia não dá sinais consistentes de reação, necessitamos imaginar um modelo alternativo de desenvolvimento. Um novo caminho que aposte na proteção do trabalhador, na ampliação dos direitos sociais, na retomada do investimento público, na distribuição de renda, na diminuição das desigualdades e na preservação ambiental. Para tanto, é necessário que as forças políticas progressistas desafiem a financeirização e o rentismo que se alimentam de uma das mais altas taxas de juros praticadas no planeta. Não alcançaremos nenhum progresso na direção caso um eventual governo petista reproduza aquilo que, em essência, deu errado. Não precisamos de mais do mesmo: esquemas com as empresas Odebrecht ou JBS. Necessitamos de uma agenda econômica e social capaz de fortalecer nosso frágil Estado social. Para tanto, o PT precisa dar uma guinada radical à esquerda. A recente reunião entre representantes da Frente Povo Sem Medo, do PSOL e de grupos da esquerda do PT avança nessa direção. A reação mal-humorada de Lula da Silva ao encontro das esquerdas radicais denota o tamanho do desafio que os progressistas brasileiros estão enfrentando. O país necessita de uma “saída portuguesa”. Precisamos de uma “geringonça”. CIDADANISTA

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RAIZ | Partido-movimento

movimento cidadanista

RAiZ realiza seu 7º encontro nacional em Fortaleza LEIA NA ÍNTEGRA AS DELIBERAÇÕES DA ÚLTIMA TEIA NACIONAL DA RAiZ Por André Hubmann

(Ata de Reunião - VII Teia Nacional Presencial - RAiZ Movimento Cidadanista)

Realizada em Fortaleza, a 7ª Teia Nacional Presencial da RAiZ – Movimento Cidadanista representou um importante momento de reconstrução organizativa e unidade, com o exercício do consenso progressivo em todas as suas deliberações.

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SÁBADO - 20/5/2017 1. Foi feita a apresentação pessoal de cada participante. 2 .Definiu-se a pauta a ser abordada na Teia. 3. Um representante de cada estado informou o histórico/ status do desenvolvimento da RAiZ localmente. 4. Análise de conjuntura geral e RAiZ. 5. Foram debatidas as possibilidades da RAiZ quanto a suas dimensões “partido” e “movimento”, onde alguns pontos foram abordados: 5.a. Foi ressaltado que houve avanço na legalização do partido quanto aos aspectos formais, como o registro no TSE e obtenção de CNPJ, porém há um número muito pequeno de apoiamentos formalizados no TSE (menos de vinte), e provavelmente algumas centenas de fichas assinadas ainda não registradas no TSE (não foi apresentado um número consolidado). 5.b. Dado que o prazo para a obtenção das assinaturas necessárias é curto, foi mencionada a possibilidade de se obter judicialmente a postergação do prazo, de modo a manter o processo de formalização do partido viável. 5.c. Foi apresentada pela RAiZ-SP a possibilidade de a RAiZ tornar-se uma tendência interna do PSOL, porém não houve adesão à ideia pelos demais participantes da Teia. 5.d. Foi apontada a necessidade de desenvolvermos efetivamente a dimensão “movimento”, através do pleno funcionamento dos círculos cidadanistas, aproximação junto aos movimentos sociais e elaboração de nossa Árvore da Cidadania. 6. Deliberação: foi deliberado que a RAiZ segue em sua formação como “partido-movimento”, reconhecendo a necessidade de contemplar a dimensão “movimento” e em


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paralelo seguir sua colheita de assinaturas. Dada as especificidades locais, os círculos territoriais farão essa “dosagem” de direcionamento de energia entre as duas dimensões. DOMINGO - 21/5/2017 A Teia nesta data se concentrou na seguintes deliberações: 7. A Teia chegou ao consenso que a RAiZ não estabelecerá listas de partidos para nortear as participações em eleições, tanto no que se refere a apoio e coligações, quanto a filiações democráticassolidárias, cabendo às instâncias locais a análise e a deliberação quanto a essas possibilidades. (Não serão estabelecidas listas nem autorizativas, nem proibitivas.) 7.a. A definição de coligações será definida em nível municipal pela Teia Municipal, em nível estadual pela Teia Estadual e em nível nacional pela Teia Nacional. Em caso de coligações ferindo nossos princípios (de acordo com alguma denúncia), caberá ao Conselho de Ética (a ser formado) o devido tratamento da ocorrência seguindo suas atribuições estabelecidas no Estatuto da RAiZ. 7.b. Em caso de filiações democráticassolidárias, deve ser devidamente negociada com a legenda que abrigará o(a) pré-filiado(a) da RAiZ a independência de atuação de nosso(a) pré-filiado(a), o(a) qual deve respeitar os princípios estabelecidos em nossa Carta Cidadanista e em nosso Estatuto. Em caso de processo eleitoral, o candidato em filiação solidária deve se apresentar como candidato da RAiZ inclusive utilizando em sua campanha nossa identificação gráfica. 8. Após um período de suspensão das atividades da Esfera, onde foi estabelecida a implantação de comissões para o funcionamento executivo da RAiZ, esta Teia deliberou pela

recomposição da Esfera, com uma estrutura reduzida, tendo deliberado também seus integrantes seguindo nossos princípios de prestigiar a diversidade de gênero e geográfica, a saber: 8.a. Coordenação Geral: Ronaldo Fabiano (BA) e Marilu Goulart (RS) 8.b. Coordenação de Comunicação: Marcelo Soares (RS), Paula Bandeira (CE) e Josir Cardoso Gomes RJ) 8.c. Coordenação Jurídica: Vermelho D'Elia (RS) e Noelia Brito (PE) 8.d. Coordenação Financeira: Sílvio Cabral (SP) e Ricardo Schneider (RS) 9. Considerando a necessidade de que nossa próxima Teia Presencial tenha uma forte adesão para consolidar a retomada de nosso partido-movimento, foi deliberado que a VIII Teia será realizada em São Paulo, em novembro/2017, dada a facilidade de deslocamento dos pré-filiados das mais diversas regiões do país. 10. Foi deliberado ainda que a IX Teia será realizada em Pernambuco, em maio/2018. 11. Por fim, como posicionamento da RAiZ frente à crise que o país passa, foram aprovadas as seguintes campanhas: 11.a. Eleições Gerais Já 11.b. Auditoria da Dívida Pública RAiZ Movimento Cidadanista

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Movimentos sociais, uni-vos! Se você participa de um movimento social, coletivo ou associação, venha construir junto a

Frente Cidada Mais informações em cidadanista.com.br e nas redes sociais da RAiZ


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