Acerca de angelo issa
Ângelo issa
Acerca de Os males que não são percebidos permanecem
Belo Horizonte / MG Março de 2013
Currais e arames farpados. Divisões e separações. Reconstruções acrescidas de pinceladas de pigmentos que interagem com a fuligem, a ferrugem, o lodo. São as marcas do tempo impondo limites ao homem.
Retábulos do Cordeiro Creio que essa mostra é uma elegia ao tempo, que é o tema definitivo de todo poeta e de todo criador. Esses trabalhos que agora nos são mostrados - “Acerca de” – é despojado dos acessórios que norteiam a pintura tradicionalista e tenta relacionar o pensamento, a sensibilidade e a ação. (Coisa muito difícil!) O que vamos ver são rastos. São rastos ambíguos, equívocos, como se fossem pistas que nos são dadas para ultrapassar o umbral do puramente visível. As marcas deixadas na madeira são percorridas pelo artista que grava na fuligem sua mensagem, através de raspagem e hachuras. Desconexas, como se deixadas à sorte, essas pinturas ferem a superfície deixando impressos fantasmas de cor nas cicatrizes do tempo. Ângelo Issa empacota tempo/espaço e o converte em ideias. As imagens que nos são mostradas miram adiante e por detrás dos tempos com os olhos das esfinges. Pétreas, duras, inflexíveis em seu rigor, essas pinturas não nos concedem nenhum repouso nem tão pouco tentam nos agradar. Diante delas nos resta o silencio. Elas são a negação do mundo como ele nos é oferecido. E esses trabalhos nos forçam a entrar
nos porões da nossa história, tateando um universo ainda não solucionado. As pinturas são implacáveis a cada olhar. Mesmo se nos postarmos desarmados da razão e de uma bagagem cultural ante essas obras, nos sentiremos pisar em solo conhecido, atávico e familiar, tal qual convém à arte. A forma que o artista encontrou para interferir no suporte que elegeu me faz lembrar as primeiras manifestações da arte, do homem nas cavernas. George Bataille, escrevendo sobre as representações de Lascaux, faz uma bela interpretação: “ao descobrir a arte, o homem, pela primeira vez, mediu a extensão de sua riqueza, do seu poder de atingir o inesperado, o maravilhoso.”
Porém Issa não se situa nesse momento de extremo lirismo. Ele vai de encontro ao inesperado, mas de costas para o maravilhoso. Seus trabalhos são tábuas desgastadas pela chuva, queimadas pelo sol e recobertas da fuligem do tempo. Como se isso já não bastasse para dar sentido às imagens que iriam acontecer nesse suporte, essas madeiras foram retiradas de um tapume de curral. Um criadouro de animais cultivados com o propósito de serem seviciados. Esses suportes evocam o altar, o eixo, a
matriz depositária do rubro sangue primitivo. A cor é luz. Luz interior emanando de um tecido de sombras. Nessas pinturas o artista grava cenas de uma história remota. Ou de uma história recente? Ou, quem sabe, de uma história futura? Não saberei responder. Freud disse que o inconsciente do homem não conhece nem o tempo nem a morte. Por isso nos sentimos imortais. Vivemos uma mentira vital, que é a tendência humana de reprimir o conhecimento da dor e da mortalidade. Mostrando imagens de dor e morte, o artista tenta nos falar da vida. Este é um trabalho poético, histórico, épico, fantástico que traça um painel vivo e emocionante da saga do homem e de sua luta pela vida. É um trabalho cujo eixo central é saber que o intelectual de nossa época está esmagado sobre um fardo que nunca imaginou ter de carregar: a superprodução de verdades que não podem ser consumidas. Sabedor disso o artista apenas toca o dedo numa ferida de nossa história. Mas esse apenas soa como se fosse um alerta. Alerta. Miguel Gontijo Artista Plástico
A consciência das visões segundo Angelo Issa Angela Ancora da Luz1.
“Acontece-nos uma visão como se fosse um estado repentino, como o primeiro olhar, como o primeiro grito de uma criança que deixa o ventre da sua mãe ao nascer”. Oskar Kokoschka, 1921
Quando Oskar Kokoschka escreveu “Da natureza das Visões”, ele procurava nos ensinar que existe uma consciência nas visões, que não depende de um estado de reconhecimento ou compreensão, mas de sua própria vivência. Esta consciência, nada mais era do que a vida selecionando as imagens que para ela afluem, pois para o artista ela é a essência que consiste em deixar jorrar, em “ser visões”. A obra recente de Angelo Issa me fez voltar a Kokoschka e aos expressionistas da vanguarda européia. Seu caminho veio sendo trilhado pelas vertentes da arte figurativista, pela procura da cor e dos empastamentos, pelo encontro com a natureza e a descoberta de um espaço maior e infindável: a sua própria interioridade. Angelo Issa veio criando suas obras enquanto se configuravam nele os pressupostos de sua própria intuição. Como seus colegas expressionistas ele
não conhece senão os caminhos do espírito e, independente de qualquer lei ele busca as visões de seu mundo interior. Queremos nos deter em sua obra recente, quando elege as tábuas de estábulo como suporte para sua pintura. Diferente dos artistas flamengos do renascimento, que buscavam a madeira de carvalho para acentuar a textura do óleo sobre a superfície e, assim, elaborar os retratos da burguesia, de acordo com uma realidade visível, Angelo Issa vai ao encontro das tábuas que configuraram o estábulo de sua fazenda. Elas possuem uma vida anterior e foram marcadas pelo tempo e pela vivência de uma utilidade que já não é mais requerida. Elas possuem uma memória que registrou o uso que lhe era exigido. As tábuas do estábulo possuem as marcas do tempo, como o corpo do homem que não consegue esconder suas vivências. São manchas e cheiros que estabelecem uma relação sinestésica informando o lugar de onde vieram. Como num quebra-cabeça, Angelo vai associando as tábuas, fazendo surgir uma superfície contínua. A escolha das peças é essencial para o resultado que pretende alcançar. Funciona como um puzzle, em que as manchas sinalizam qual
é a peça que deverá ser acoplada. Na verdade, elas já se encontram em sua interioridade e deverão ser descobertas à medida que as tábuas se aproximam. Toda esta ação, quase premonitória, antecede o resultado, mas já é parte do processo. Para identificar com maior clareza a pintura de Angelo Issa devemos reler o manifesto de Kasimir Edschmid, quando, em 1918, ele nos assegurava que o artista expressionista era um visionário, que ele não via, mas tinha visões. Em outras palavras era como se fosse o profeta de um novo tempo, que abre a sua boca e fala a verdade, neste caso, utilizando pincéis e cores. Mas esta verdade só se encontra no interior do homem, pois, como lemos no manifesto, “a terra é uma paisagem imensa que Deus nos deu”, conseqüentemente, já está pronta, cabendo ao artista atravessar os fatos e agarrar o que se encontra além deles. É exatamente o que está fazendo Angelo Issa. Ele não vê, mas tem visões. À medida em que as tábuas se ajustam e as manchas adquirem continuidade, as formas emergem para a superfície manchada e vão sendo intuídas pelo artista. Angelo não se apropria delas, enfatizando-as com a cor. Ele trabalha no sentido em que possa oferecer
suas visões a todos nós. Para isso ele destaca as figuras do fundo, permitindo que elas adquiram uma integridade que não tinham e uma legibilidade que também não possuíam. A pintura é monocromática. Os esbranquiçados iluminam as formas. Elas já estavam lá. O artista apenas as trouxe para fora. Não se dissimulam mais nas manchas do tempo, pois adquiriram autonomia. Parecem sair da superfície e clamam ou choram. Remetem-nos a Munch em seu célebre grito. Mais uma vez a identidade expressionista se evidencia. São figuras humanas distorcidas e contorcidas na tortura da forma. Sua pintura poderia ilustrar a afirmação de Edschmid, no manifesto já citado, quando o poeta declara que, nesta arte, o homem se torna “o mais grandioso e o mais humilhado: ele se torna homem”. Angelo Issa segue o caminho de sua interioridade e vai confirmando a consciência das visões, na verdade de sua pintura. As tábuas que se associaram para nos permitir desvendar suas vivências vão se constituindo como quadros completos. É neste ponto que o artista os instala no ambiente e os une pelo arame farpado. Ele vai intercalando tábuas mudas, sem pintura, àquelas que foram reveladas, trazendo a irrupção das imagens. Aos poucos surge outra cerca, que não mais
limita a área do gado e o seu confinamento, mas que nos apreende. Esta instalação nos tem como parte de sua proposta. Somos nós o alvo dessas fantasmagorias. São elas que dão sentido ao que experimentamos e somos nós que testemunhamos sua história. Não é uma arte para ser fruída apenas pelo prazer da imagem, porque ela é inquiridora. Ela nos obriga a tomar posição e não nos deixa sair livres. Como o arame farpado que constrangia o gado a não fugir, a pintura de Angelo Issa determina o nosso lugar, nos recolhe a nossa própria interioridade. Como queriam os expressionistas, não existem mais nexos, o que importa é a verdade interior. Foi esta mesma disposição que levou o artista a unir as manchas através de escolhas livres, que fizeram surgir as formas humanas em combinações diversas conferindo-lhes sentimento e vida, nudez, fome, desespero e amor. É a consciência das visões segundo Angelo Issa.
Historiadora e crítica de arte Escola de Belas Artes/UFRJ Associação Brasileira de Críticos de Arte/ abca Associação Internacional de Críticos de Arte/ aica 1
“Os males que não são percebidos permanecem” 1720 – Felipe dos Santos Freire - morto e esquartejado em Vila Rica (MG) por se rebelar contra o aumento abusivo dos impostos, a obrigatoriedade do monopólio comercial (pelos lusitanos) e a criação das casas de fundição. 1759 – Negros e índios, foragidos do cativeiro em Minas Gerais perseguidos, torturados e mortos por Bartolomeu Bueno do Prado, que após o massacre levou 3900 pares de orelhas como troféu. Como recompensa, o governador de Minas concedeu-lhe a patente de “Comandante”. 1817 – Miguel Joaquim de Almeida e Castro (Pe Miguelinho) – preso, torturado e fuzilado por ter participado de um movimento emancipacionista em Pernambuco. 1897 – Antonio Conselheiro e companheiros - massacrados por criarem uma comunidade de fundo sócio-religioso no interior da Bahia. 1910/12 – João Cândido Felisberto (o almirante negro) e companheiros - presos e torturados por terem se rebelado contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos. 1935/1936 – Arthur e Elise Ewert - presos e torturados por terem participado da intentona comunista. Arthur perdeu a sanidade mental por causa das torturas e Elise foi deportada para Alemanha Nazista onde morreu em um campo de concentração. O responsável pela tortura foi eleito quatro vezes senador, tendo recebido várias condecorações oficiais. 1969/70 – Tito de Alencar Lima (Frei Tito) - preso por participar de um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes, foi torturado por vários dias. Perdeu a sanidade mental e foi se degradando até a
morte (aos 28 anos de idade). Seu torturador foi condecorado com a medalha “Pacificador”. 1971 – Rubens Paiva – Ex-Deputado Federal - teve o mandato cassado, foi preso e dado como desaparecido desde então. 1975 – Vladimir Herzog - Jornalista - preso e torturado até a morte por ser militante do PCB. 1988 – Francisco Alves Mendes Filho (Chico Mendes)- assassinado por causa de sua luta pela preservação da Amazônia. 2002 – Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento (Tim Lopes) - torturado e morto por haver denunciado a venda de drogas e exploração de adolescentes em bailes funk no complexo do Alemão. 2004 – Fiscais do TRT mortos em Unaí (MG) por estarem investigando o trabalho escravo em fazendas da região. 2005 – Dorothy Stang – (Irmã Dorothy) - assassinada aos 73 anos por se envolver em conflitos fundiários no Pará. 2011 – José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo – assassinados por madeireiros por terem denunciado a derrubada ilegal de matas na Amazônia. 2011 - Parícia Acioli - Juiza assassinada por aplicar duras penas contra traficanes e policiais corruptos. 2012 – Leandro Roque de Oliveira ( Emicida) – Rapper paulista preso em um show em Belo Horizonte por cantar a música “Dedo na Ferida”.
É um fenômeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disso. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados. Miguel Torga
EXPOSIÇÕES Individuais: 2013 - “Acerca de” - Museu Inimá de Paula, Belo Horizonte. 2012 - “Parasitas e Predadores” - Academia Mineira de Letras, Belo Horizonte. 2010 - “Eu não matei Van Gogh” – Galeria de Arte Paulo Campos Guimarães. Biblioteca Pública do Estado de Minas Gerais. 2009 - “Retratos Imaginários” – Pequena Galeria do Teatro da Cidade - “Razão e Sensibilidade” – (Artista convidado a expor na Feira de Desenvolvimento Econômico de Itabirito/MG.) 2008 - “Grito” – Galeria de arte da Câmara Municipal de Belo Horizonte. - “Repressão” – Galeria Contemplo / BH. 2007 - “Pinturas” - Espaço Cultural do Centro Administrativo da V&M
EXPOSIÇÕES Coletivas: 2010 - “Entre Amigos” – Juçara Costa Espaço de Arte. 2009 - “Obras Inéditas em Fine Art” – Espaço Cultural do Hospital Mater Dei 2008 - “Pequenos Formatos” - Galeria Contemplo. Belo Horizonte
PUBLICAÇÕES: Livros: 2012 - Parasitas e Predadores, ilustrações e texto, 252 páginas. 2009 - Pinturas 2006-2008, publicação da CEMIG, 65 páginas. Catálogos: 2010 - Eu Não Matei Van Gogh. 2009 - Retratos Imaginários. 2008 - Grito. 2007 - Coletânea.
IMPRENSA 2012 Out - Revista Perfil, ano 4, no 20 - “Parasitas e Predadores” páginas 44 e 45. Abr - Revista Perfil, ano 4, no 17 - “ Angelo Issa – Porque gado a gente marca...” - páginas 56 a 58. 2011 Ago - Revista Perfil, ano3, no 13 - “Arte em Destaque” páginas 41 a 43. Dez - Revista Rio Sport, ano 05 - “Minas em Arte - Angelo Issa” - páginas 60 a 64. 2010 06/jul - Entrevista ao programa Agenda, TV Minas, sobre a exposição “Eu Não Matei Van Gogh” - (Tempo 2’53’’). 28/jun - Jornal o Tempo – Caderno Magazine, pág. 3, Redação “Angelo Issa se apropria de imagens clássicas”. 28/jun - Jornal Hoje em Dia, Caderno Cultura, pág. 4, Cinthya de Oliveira: “Exposição de Angelo Issa traz releituras de Clássicos”. 2009 09/nov - Jornal Estado de Minas, caderno Cultura, pág. 2 - Anna Marina – “Papel para a eternidade”. 06/set - Jornal Hoje em Dia, caderno Domingo, Primeira Página Mirtes Helena – Retratos Imaginários. 26/set - Jornal o Tempo , caderno Magazine, pág. 3 – Igor Costoli Angelo Issa abre exposição “Retratos Imaginários”. 26/set - Jornal Estado de Minas, caderno Cultura, pág. 6 Janaína Cunha Melo – Experiências Acumuladas. 2008 22/set - Jornal Hoje em Dia, caderno Cultura, primeira página. Morgan da Mota – Corpos e Cores. 28/set - Jornal Hoje me Dia, caderno Domingo, primeira página Mirtes Helena – Repressão.
Opiniões (...) “O espectador atento descobrirá que, inconscientemente, Angelo Issa trouxe grandes esperanças para as telas, representadas por portrait muito parecidos com Nelson Mandela, Kennedy e Hemingway, homens exemplares do século passado. De qualquer modo que se vê seus quadros, tem-se a certeza de encontrar um pintor valorizando o desenho, a técnica da pintura e o humanismo que se espera de todo artista.” Carlos Perktold Psicanalista. Integra a ABCA, AICA e o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
(...) “É um trabalho feroz, de contornos escuros onde as cores são ora aprisionadas,ora libertadas e assim,Ângelo Issa mostra-nos que na grande diversidade da Humanidade sempre há uma forma poética e intrigante de vermos esta humanidade divina e contraditória simultaneamente.” Paulo Pontes Correia Neves Arquiteto e Crítico de Arte
Mais do que sentimentos, expressões. Mais do que palavras, gritos. Às vezes lágrimas, sussurros. Mais do que feridas, marcas. Mais do que imagens, cenas. Mais do que retratos, almas. Mais do que nuances, cores que reaparecem em camadas inferiores (...) Mirtes Helena Editora Adjunta do Jornal Hoje em Dia Em artigo sobre as obras de Angelo Issa
(...) Issa não faz concessões. Ele nomeia um de seus quadros como: Eu não matei Van Gogh. Seria Miguel Gontijo? e Fatias de bacon. Seria o Francis? O instigante Bacon dos Papas e das vacas destrinchadas e dependuradas em ganchos? A pintura de Issa, como a de Gontijo e Bacon, não é feita para agradar ao público. Ela incomoda, constrói e destrói os mitos. Paulo da Terra Caldeira Colecionador, Professor e Coordenador do Curso de Museologia da Escola de Ciência da Informação da UFMG
Dados Técnicos das obras: Suporte: Madeira Tinta acrílica e raspagens agregadas a fuligens Dimensões variadas Ano: 2011 / 2012
Projeto gráfico: Clara Gontijo Textos: Ângela Âncora da Luz e Miguel Gontijo Fotografia: Marina Issa e Zeca Issa Curadoria: Robson Soares Impressão: Gráfica
Arte é contravenção Miguel Gontijo