ou, em forma de revista e com grande número de páginas, divulgando conhecimentos quer para um público geral mais burguês e citadino, quer junto de algumas camadas sociais diferenciadas por ideários políticos, religiosos ou por outros interesses muito específicos.
O almanaque data com a invenção da imprensa, e seus primeiros redatores eram médicos e astrólogos. É uma revista popular e de divulgação publicitária. Nos anos de 1770, serviu como propagador das ideias revolucionárias na França. Após a primeira grande guerra serviu, como instrumento expansionista americano, divulgando e afirmando o poder e a cultura americana, principalmente junto aos países da América Latina. Ensinava sábios “conselhos” e “verdades”, em linguagem simples e de fácil memorização. Na Alemanha era divulgador de poemas inéditos de poetas que vieram a se tornar célebres como Goethe e Schiller, entre outros. Sobretudo na segunda metade do século passado, os almanaques impuseram-se em quantidade, com incontestável importância, se bem que completamente distanciados do avanço científico e técnico. Sua forma de apresentação diferenciava de acordo com o público que ele queria atingir. Podia ser um pequeno folheto, dirigido à população rural,
Por volta dos anos de 1950, o almanaque era brinde das lojas, presentes de natal. Popular, espalhou por todo o interior do Brasil. Tratavam de vários assuntos, tais como, datas festivas, feriados, fases e influências lunares, indicações úteis, trecho de literatura, poesia, horóscopo e saúde. O primeiro almanaque amplamente conhecido no Brasil foi o Pharol, patrocinado pela Drogaria Granado, do Rio de Janeiro, em 1887. Teve uma tiragem inicial de cem mil exemplares, chegando a atingir a cifra de 200 mil, um número bastante significativo para a época. Merece atenção o Almanaque Biotônico Fontoura, que foi elaborado e ilustrado por Monteiro Lobato, em 1920, no qual o Jeca Tatu tornou-se personagem símbolo de uma época e de um povo. Os almanaques de farmácia, por serem um impresso gratuito e de grande acesso, foram um mecanismo perfeito utilizado por médicos, educadores, sanitaristas e intelectuais, ou seja, todo grupo de pessoas interessadas em mudar a nossa realidade rumo a uma nação de progresso.
Esta exposição não só fala em almanaques, como tenta “inventar” um exemplar, levando em conta a memória, o saber popular e a história cotidiana do homem de hoje. Não mais um homem atrelado ao saber da terra, mas sim um homem perdido no excesso de informações nele injetado. Enquanto o velho almanaque assume o papel de um espelho do mundo natural, o almanaque desta exposição reflete um mundo artificial e caótico. Grande parte dessas pinturas são apropriações de imagens coletada na internet. Há de se interrogar por que esta tendência em reviver a partir de obra de outros autores. Acredito que essa é uma forma de me sentir parte de uma cadeia, em busca de identidade. Essas imagens não são apenas citações, e sim uma “certidão de posse”, de identificação. Talvez uma farsa explícita, como se eu estivesse “corrigindo” e desviando essas imagens do seu estado natural. É como se eu copiasse a aura das imagens que vejo, gerando um movimento não linear, de contrapontos e contrastes, no qual a harmonia criada não esconde sua artificialidade. Miguel Gontijo
Vinte Centavos Acrílicas/óleo sobre tela 2,14 x 1,70 m Coleção Gustavo Costa
Selfie Série: Estudo para Capa Acrílicas/óleo sobre tela, 21 x 29,7 cm Coleção do artista
MANFRED LEYERER
Vallourec Tubos do Brasil S.A.
A pintura de Miguel Gontijo sugere, numa primeira vista, um almanaque, uma menção de motivos, símbolos, formas e ações isoladas. Mas, se olharmos mais atentamente, numa segunda vista, se percebe uma diferença profunda. Enquanto um almanaque tem por base, por sentido, uma cronologia dos assuntos como princípio de ligação, a pintura de Miguel Gontijo é uma composição de assuntos, ações, acontecimentos, marcas, formas intertemporais tornando o resultado um enigma. O enigma parece estranho; cenas antigas se misturam com objetos atuais. Tabus sexuais são banalizados. Tabus religiosos são confrontados com o existencialismo. Marcas e nomes do modernismo complementam ações, cenas surreais. Violência, corpos abertos, estribos expostos convivem com indiferença, devoção e espiritualidade. E sempre no meio: a lâmpada do Picasso. O mictório do Deschamps, o Super-Homem e uma escrita ilegível. Cadê a ligação entre os motivos? Cadê o sentido? O que quer o artista dizer, conectando o não ligável? A pergunta que não cala na cabeça do espectador do quadro: Como ler este enigma, ou, será que é um enigma?
A Lua no Céu de Ontem Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Manfred Leyerer (MG)
Almanaque das Musas Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Ricardo Pentagna Guimarães (MG)
Dias de Fartura Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Fernanda Borges (RJ)
No mês que vem Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Rodrigo Ratton (MG)
O Santo do Dia Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Marconi Barbosa (NY)
Das Coisas Nascem Coisas Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Edgar Maciel (MG)
Gênesis do Mickey Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Manfred Leyerer (MG)
Família Feliz Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Marconi Barbosa (NY)
O que Importa Exporta Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Leandro Bolelli (RN)
Almanaque de Fim de Ano II
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Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Leandro Bolelli (RN)
Díptico - Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m (I) Coleção Paulo da Terra Caldeira (MG) (II) Coleção Rodrigo Ratton (MG)
Deus me Ajude Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Ricardo Pentagna Guimarães (MG)
ROBSON SOARES
Curador
Deparei-me com quadros de Miguel Gontijo. No primeiro instante havia somente símbolos e escritas sem textos. Um detalhe chamou minha atenção: era a figura do herói Fantasma e seu cachorro Capeto. Meus pensamentos mergulharam em profundas lembranças do passado, quando eu procurava nas bancas por revistas de heróis como o Fantasma, SuperHomem e até mesmo gibis do Superpateta, o herói trapalhão que adquiria superpoderes ao engolir um amendoim. Durango Kid, o mocinho que dava cem tiros de uma vez. Bons tempos aqueles com histórias inocentes e simples. Meu olhar desviou-se um pouco e encontrei símbolos da cabala e astros e lembrei-me de Omar Cardoso, o famoso astrólogo. Reconheci um desenho da “Folhinha Mariana” e minhas lembranças voltaram-se para a casa de minha avó, onde santos e terços dividiam espaço com uma “Folhinha Mariana” que era religiosamente consultada, até mesmo para cortar os cabelos e saber das chuvas de março. Lembranças dos velhos almanaques de “pharmácia” voltaram à minha mente, com humor, propagandas de Emulsão Scott, Xarope Vick e textos de política e ciências. Não havia televisão e internet e nada era globalizado. Percebi, em um instante, que os símbolos, escritas, tudo se tratava de minhas recordações, minhas memórias, e as escritas contavam minha história. Levando em conta as emoções que as pinturas de Miguel Gontijo me causam, saí em busca de um espaço para tornar público esta importante exposição. A arte contribui para estreitar laços e para a compreensão do nosso país na sua imensa diversidade cultural. É necessário às Artes Plásticas o estímulo sistemático ao exercício e ao debate, espaço onde se abriga o fenômeno da criação artística. Acreditando muito nesse trabalho e em outros que haverão de acontecer, agradeço a todos que possibilitaram esse evento.
Almanaque de Farmácia Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Marconi Barbosa (NY)
O Que a Minha Geração Fez à Sua Geração Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Manfred Leyerer (MG)
Lunares Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Segismundo Gontijo (MG)
Dízimo Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Segismundo Gontijo (MG)
Iluminado Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Ricardo Pentagna Guimarães (MG)
Alienígena Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Rogério (DF)
Grandes Personagens da Nossa História Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Marconi Barbosa (NY)
O Gato Cheshire Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m
Almanaque de Fim de Ano I Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção Clara Gontijo (MG)
JOSÉ EDUARDO DE LIMA PEREIRA
Presidente da Casa Fiat de Cultura
E é tudo pintura. “It’s all true” – Welles, 1941
Miguel Gontijo trafega na arte como um motorista que conhece profundamente as regras do trânsito, mas faz questão de ignorá-las, especialmente “sentido obrigatório”, “parada proibida” e “mão única”. Num mundo cheio de regras, até do ato transgressor espera-se um padrão, uma tendência, um rito. Pois Miguel transgride a transgressão e não está nem aí para os modos estabelecidos de transgredir. Diferentemente de tantos que, como ele, formaram-se dentro da contracultura, o seu domínio da cultura estabelecida já o fazia transgressor, então. A banalização da informação, marca de nossos tempos eletrônicos, pressiona por liquidificar o saber, criando a aparência de tudo poder-se alcançar com a googlagem fácil e traidora. Daí, penso eu – Miguel não me disse isso – é que advém este Almanaque que aí está: para mim, Miguel se diverte muito com aquilo que nossa geração chamava “cultura de almanaque” e que agora se potencializou por quatro, oito, dezesseis gigas. A Casa Fiat de Cultura está feliz por ser cúmplice de Miguel Gontijo.
Fotografias do Catalogo: Daniel Moreira Design: Clara Gontijo Textos: José Eduardo de Lima Pereira, Manfred Leyerer, Miguel Gontijo, Robson Soares Exposição realizada na Casa Fiat de Cultura entre os dias 20 de junho e 24 de julho de 2016 Curadoria: Robson Soares © Miguel Gontijo - Todos os direitos reservado