LEANDRO GABRIEL
pé de quê?
Apresenta:
LEANDRO GABRIEL
pé de quê? “ Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda torne a brotar, e que não cessem os seus renovos. “ JÓ 14:7
Belo Horizonte, maio de 2010 Curadoria: Robson Soares
Sérgio Vaz
Somente quem, como Leandro, percebe a forma do espaço ainda não ocupado pode iniciar esta germinação, fazendo crescer parte a parte, em cada lâmina e nos códigos oxidados, entidades que se agigantam e ocupam seu molde etéreo
Ainda posso ver o movimento da mão desenhando as curvas do contorno, esculpindo sua escrita com apêndices, brotes e germinações. Nada é estático nessa iminência de emaranhar-se e surpreender o incauto peregrino entre as copas cultivadas por Leandro Gabriel. Deve-se olhar para o alto, como não fazemos mais em meio a edifícios, porque o que se ergue vai continuar a crescer, talvez não neste campo visível, mas em algum outro lugar dos sentidos em que também somos elementos da geografia. Isso nos desperta da sonolência urbana e nos torna leitores atentos dos sussurros em meio às formas. Devemos aguçar nossos sentidos para entender as trilhas. São ideogramas, letras-texto, textos-signo que se deslocam, como testemunhas gráficas de um percurso do qual já não se sabe o início. Uma grafia amadurecida que almeja uma paisagem, como qualquer outra coisa que foi semeada e que agora desenha o lugar para crescer e tomar o espaço que a circunda, para oxigenar e oxidar sua consistência férrea. É possível acreditar que a matéria que compõe esses totens cresce sem se importar com sua própria natureza ou suspeitar das fertilidades de que se alimenta. E ganha dimensão além do suportável, a ponto de desviarmos o olhar para entendê-la melhor no lugar fictício dos espaços vazios, porque é nele que estas formas nos falam. O ar que infla esses desenhos de ferro e solda parece mais forte que a matéria sólida e me faz imaginar que outras forças atuam neste texto a princípio fragmentado, que se revela inteiro em um instante sutil para desaparecer logo depois. Algo nos facilita o reconhecimento das formas, oferecendo um atalho para a sensação de familiaridade. Mas não saber como isso acontece é que nos incomoda ao ponto de querermos descobrir porque também nos sentimos co-autores ao mesmo tempo em que experimentamos o encontro do novo.
Somente quem, como Leandro, percebe a forma do espaço ainda não ocupado pode iniciar esta germinação, fazendo crescer parte a parte, em cada lâmina e nos códigos oxidados, entidades que se agigantam e ocupam seu molde etéreo. Neste momento, quando se formam por inteiro, é que realmente começam a crescer. Seus apêndices continuarão seu caminho no espaço, em movimento contínuo e caótico, até que todo o campo de visão se preencha, nos envolvendo até um desfecho, onde cala uma última questão: Que sementes caem da mão do artista?
Sérgio Vaz
artista plástico
Miguel Gontijo
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A árvore de aço é um ruído na paisagem que se transforma em informação significativa. Destoa, desentoa e essa dissonância é o núcleo de sua música.
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“A natureza é a diferença entre a alma e Deus.” Fernando Pessoa
Por aí, num parque, jardim ou shopping encontram-se plantadas e devidamente blindadas algumas árvores de Leandro Gabriel. Leandro é um escultor dramático. Cria carcaças de fluxos e de signos carregando-os de uma semântica própria. Rigor e vigor são palavras que caracterizam sumariamente sua arte. Rigor na singeleza da concepção formal e execução e vigor na poderosa mensagem de símbolos atuantes. As árvores do artista espalhadas por aí são estrangeiras. Estrangeiras porque não são verdes e diferem das suas companheiras, as árvores naturais. Seus troncos elefantinos soam como tubas em orquestra de cordas. A presença de cada uma dessas árvores é dominante não apenas por sua grandeza, mas também por algo que deve ser chamado de majestade. Sua ferrugem engole o verde, cinge o azul do céu. E eu a cismar pergunto: - Um pé de quê? A árvore de aço é um ruído na paisagem que se transforma em informação significativa. Destoa, desentoa e essa dissonância é o núcleo de sua música. A escultura de Leandro é um apelo à qualidade do ser, à força e à eficácia de um objeto. A presença de sua escultura faz com que a paisagem em seu entorno não seja como ela deve ser, pois as coisas naturais passam a ter dificuldade de se encontrar. A paisagem, tendo engolido seu espelho, fica transparente para si mesma, não podendo mais criar ilusões. E a árvore estrangeira torna-se uma eterna e falsa primavera, a revelar segredos das aparências. Expõe ao seu redor o avesso da visão. A árvore de aço foi construída de lixo. É a vida procurando sua redenção em seus detritos. Quando o artista planta sua não-árvore na natureza faz com que seus galhos se unam aos galhos naturais para que eles se reneguem e, paródicos, se vomitem nos nossos olhos. Eu, cá de minha parte, amo a árvore de aço como amo a árvore natural. Entre nós, eu, árvore natural e árvore de aço, a presença divina se reduz a um pequeno clarão irônico e a forma espiritual envaidecida se resplandece acrescentada. “Alvas visões de antanho, a mitigar o prazer austero da contemplação”, sopra Goethe no meu ouvido enquanto escrevo esse texto. Texto que nasce simplesmente para cumprir sua missão de texto e para tal a árvore de aço estende raízes que engalfinharam meu cérebro e dedos/galhos que liberam oxigênio inspirando-me a encontrar nessas árvores um pé de quê, mesmo? Miguel Gontijo
artista plástico
Leandro Gabriel nasceu em Belo Horizonte, em 1970. É formado em Educação Artística pela Fundação Escola Guignard e pós-graduado em Arte pelo Centro de Pesquisa de Minas Gerais. Iniciou sua carreira esculpindo em argila, depois em madeira e, atualmente, em ferro. Em 2004 foi premiado no Salão Nacional de Arte de Paraty (RJ). Suas obras fazem parte do acervo do Museu Nacional de Arte Contemporânea, de Brasília. O artista possui também peças em exibição permanente no Parque Estadual do Rola Moça, em Belo Horizonte. O escultor mineiro participou da exposição The Brazilian Artist Exhibition, no The National Arts Club, em Nova York (EUA), realizada em 2006. Suas obras foram expostas em sucessivas exibições, individuais ou coletivas, em importantes espaços brasileiros como o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo-USP, o Museu de Arte Moderna de Brasília, o Palácio das Artes e o Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais, ambos em Belo Horizonte, além do Centro de Arte Universidade do Amazonas, em Manaus (AM) e da Itaú Galeria, em Goiânia (GO), entre outros.
“O início de tudo é o ferro em estado de sucata, que também precisa ser ressuscitado. Quando as mãos transformam, constroem a nova forma, o ferro retorna à vida. Do renascimento, restam feridas nas mãos, como um parto difícil, uma vida nova de formas irregularmente harmoniosas, duras, macias, concretas, orgânicas, há nelas o que pude retirar de mim mesmo.” LEANDRO GABRIEL.
Há 20 anos o artista plástico Leandro Gabriel vem desenvolvendo seu trabalho, de transformação da sucata de ferro em arte. O artista, mineiro de Belo Horizonte, tem uma produção artística que pode ser definida como objetos centrados na linguagem escultórica inseridos na contemporaneidade. Frutos da transformação de sucatas de metal, os objetos unem a solidez do ferro e a fortaleza da ferrugem com a sensibilidade do olhar e a fragilidade das mãos do artista, que lhes dá outro destino: o de permanecerem vivos ao interromper o ciclo de aproveitamento destas matérias-primas pelas siderúrgicas que as tornam, novamente, sucatas. Na visão do artista, fazer arte é descarregar vida por meio do ressuscitamento de materiais, anteriormente, desprezados pelo desenvolvimento tecnológico. Assim, ao reelaborar textura pela exploração de resíduos industriais, o artista reinventa o aparentemente comum elevando-o a categoria de arte com o agrupamento de materiais insólitos. Esse trabalho de transformação revela a importância da arte na vida das pessoas e como o cotidiano pode favorecer o processo sócio-cultural, contribuindo para a conscientização do papel social do cidadão e da sociedade urbana. Os objetos do artista propõem um diálogo entre estes, o observador e suas histórias, ou seja, um diálogo entre os elementos de engrenagem do progresso urbano. Esta busca da memória urbana desperta a atenção e reflexão do observador propiciando a elaboração de novos valores e pensamento crítico a respeito do desenvolvimento da sociedade.
AGRADECIMENTOS: À Deus, criador de todas as coisas, à minha família, à Adriana Abrantes, à Alexandre Luiz dos Santos, à Fábio e Carolina Buonincoutro, à Janaina Magalhães, à Josiane Costa Amâncio, à Miguel Gontijo, à Ricardo e Mônica Batista, à Ricardo Martins, à Rubens Ricardo, à Sérgio Vaz, à Welligton Bruno Sather, à Yá, à Eletrodos Star nas pessoas de Antônio Carlos Araújo Santos e Ricardo Luiz Lima Santos, à Gerdau que me cede o material para confecção de minhas esculturas desde o começo de minha carreira, à Oximil nas pessoas de Élcio Marques, Wagner Damata Ribeiro e Rogério de Castro Macedo, à Retífica Curvelo na pessoa de Reginaldo Ferreira Guimarães, à V & M do BRASIL nas pessoas de Robson Soares e Ângelo Issa e a todos aqueles que direta ou indiretamente me ajudaram nestes 20 anos de caminhada.
FOTOGRAFIA Josiane Amâncio DIREÇÃO DE ARTE: Clara Gontijo CURADORIA: Robson Soares Este catálogo faz parte da exposição Pé de Quê? realizada em maio de 2010 no espaço cultural da V&M do BRASIL.
LEANDRO GABRIEL
pé de quê?
Exposição no Espaço Cultural V&M da BRASIL Maio de 2010