páginas revueltas, páginas infinitas
lúcia kubitschek
gavetas O suporte que acomoda o universo da artista são as antigas gavetas das velhas tipografias. São gavetas que, outrora, abrigavam letras e, agora, sustentam um novo tipo de linguagem. Gavetas que são ao mesmo tempo emblemas do caos ou símbolos da razão, que encaram os sentidos mais diversos da arte. O que se forma dentro delas não são mais palavras, nem imagens, nem luz, nem sombras. Essas gavetas contêm o mundo inteiro comprimido em seu vazio. Esse mundo parece amontoar-se ali dentro e se parece com tudo menos com o próprio mundo. É um lugar onde todo o firmamento se desaba. Gavetas que não podem mais se fechar pois, se assim fizer, ela ceifará as pernas das calças da eternidade. Sabe-se que nas gavetas enterram-se tesouros e quem enterra um tesouro enterrase com ele. Quem corrobora com esta minha dedução é Rimbaud que diz: “a gaveta tem promessas e é mais que uma história”. Busco também ajuda de Breton que avisa: “a gaveta está cheia de roupas limpas e há até raios de lua que pode-se desdobrar.” Na gaveta de Lúcia Kubitschek abri-la é estender lençóis na tempestade. Com certeza, no furdunço que ocorre no interior das gavetas, nasceu na artista um olhar rápido, um ouvido aguçado e atenção perspicaz para deduzir minuetos minúsculos e surpreender as intrigas complicadas que se tramam no interior destes espaços. Os trabalhos de Lúcia surgem como um reflexo da sua organização do mundo. A artista escolhe objetos aleatórios, descontextualizados e absurdos, desnudos de suas funções originais, que adquirem artifícios evoluindo segundo uma lógica acumulativa. Sem uma razão aparente, semi-oculto, ou disposto segundo uma esquadria ordenada, Lúcia constrói composições cujo sentido imaginário é a criação de uma nova dimensão. Embora pareça paradoxal é com esse recenseamento de objetos que a artista inicia os seus jogos de presença\ausência. Prosseguindo uma pesquisa de grande coerência formal, apropria-se sempre da realidade para lhe questionar as aparências. E nesse momento “não há mais sujeito, mas uma atividade, uma capacidade criadora de inventar-se.” (Quem soprou isso foi Nietzche) Miguel Gontijo artista plástico
páginas revueltas, páginas infinitas lúcia kubitschek
Cidades Invisiveis
Por vezes, amigos me surpreendem com a sugestão de que eu escreva um livro sobre minha vida nômade já que sobrevivi a situações/realidades inusitadas nas duas décadas em que morei fora. Mas na verdade, tenho feito isso já há quase quinze anos; as pessoas talvez não o notem porque esse meu livro não tem o formato tradicional, capa dura encadernando suas páginas repletas de palavras impressas. Minha historia, nem sempre tão explícita mas, certamente, está registrada nestas páginas soltas, revueltas, fragmentadas, atemporais, sem nexo, sem texto nem contexto e estará noutras tantas por vir. São poéticas que brotam da memória, da imaginação, minha ou de outrem, grafadas de alguma maneira nas formas contemporâneas de livro que crio. O multiculturalismo, o espírito religioso Brasileiro, as arqueologias e hereditariedades, as revoluções, o feminismo e o feminino tem sido minhas temáticas constantes.
Minha prosa é como um ritual mágico que inicia-se com o ato de desembalar, desembolsar, desenterrar e colocar a mostra páginas e objetos que interagemse conceitualmente pela força da alusão ou da metáfora remetendo a um relato íntimo, quase confessional, daí, termina com o guardar naquele mesmo suporte que o expôs. Meus objetos contemplam desde Albuns de Fotografias, Bolsas, Oratórios, Comestíveis, Decorativos e Instalações. O movimento criado com a diversidade de formas/estruturas alternativas ao livro tradicional, a mixagem de materiais nacionais, importados e reutilizados e a seriação de temas recorrentes, provocam a curiosidade nas pessoas e remetem a uma interação lúdica com a obra.
O nome da rosa
The Library exists ab aeterno Talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana – a única – está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta. A Biblioteca de Babel, Jorge Luis Borges
Inspirada em Borges construí meu universo bibliotecário com miniaturas de livros dispostos em compartimentos de velhas gavetas tipográficas descartadas pelo Museu Vivo da Memória Gráfica. Um sistema suspenso, obscuro, composto de Bibliotecas nominadas com algumas de suas influências literárias e de seus contos em concomitância aos conteúdos dos acervos. Está organizado por Bibliotecas Matriciais ou Bibliotecas sobre Bibliotecas e por Bibliotecas Satélites, localizadas em pontos geográficos específicos. E estão ambientadas por características culturais próprias, em momentos distintos mas que se entrecruzam tal como a história do desenvolvimento humano. Todas estas bibliotecas contêm inúmeras galerias providas de escadas que acessam as inúmeras prateleiras repletas de arquivos e de livros de textos ou ilustrados. Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso, sem dúvida, é o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões de sua vista; o telefone é extensão da voz; depois temos o arado e a espada, extensões de seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. O Livro, Jorge Luiz Borges
Outras Inquisições
Babel
Há livros de vários formatos: tabuletas marfim, rolos de papirus, codex de pergaminho, costura japonesa, estruturas e encadernações contemporâneas, entre outras. Há livros sobre quase tudo: livros sobre livros, arquitetura, religião, biografia, colecionáveis, história, geografia, feminismo, artes plásticas, musica, cinema, fotografia, catálogos, dicionários, livros políticos. O Sistema trabalha com doações de volumes que podem ser realizadas in locu de acordo o foco de cada qual:
Babel, as mais belas bibliotecas do mundo; Inquisições, as bibliotecas que foram queimadas ou destruídas; El Jardim de Senderos que se Bifurcan, as ditatoriais; O Nome da Rosa e Armila as do gênero feminino; Deciframos Você, o ser digital; O Aleph, o universo; O Tempo, a pré historia; O Código, A Escrita do Deus e Alexandrias, Egito antigo; Os Conjurados, A Espera e A Cifra, Roma antiga; Imortalidade, Grécia antiga; As Mil e Uma Noites, o oriente; Cidades Invisíveis, Belo Horizonte, Brasil; Voluptia e Vivarium, o comercio de livros.
As mil e uma noites
A Escrita do Deus
o c贸digo
Cifra
O tempo
A Espera
O Jardim senderos bifurcam
Os Conjurados
Aleph
lúcia kubitschek EU Nasci em Belo Horizonte e jamais pensei em ser artista plástica. Desde muito cedo ouvia minha mãe falar que a mulher tinha que ter sua independência econômica para ser gente, então passei a vender limãonada, garrafas e jornais. Juntei contas de luz da família e cheguei a ser grande acionista da cia. Quando jovem virei hippie de fim de semana, deixava meu cabelo igual da Betânia e vendia minhas bijuterias. Trabalhava em uma corretora de títulos e valores, talvez por tudo isso meu psicotécnico sugeriu economia. Faço economia até hoje. Cria da ditadura militar logo que formei, me casei e fomos trabalhar na Nicarágua Sandinista para conhecer de perto os problemas de uma revolução popular. A partir de então iniciei minha tão almejada vida nômade. Depois de 7 anos de reforma agrária e fome com dignidade e uma passagem tamém pelo Nordeste do Brasil tomei rumo para a Europa e mais tarde decidi voar para Nova York. A vida me deu muitas voltas nestes 19 anos de exterior; mas foi naquela selva de pedra que dei volta na vida. Sozinha, nas horas vagas ía ao Prospect Park meditar e comecei com o hábito de coletar e secar as folhas do outono, colar em papel indígena, fazer amarração com corda e canela e assim meus álbuns exóticos foram parar na lojas do Brooklyn e numa revista novaiorquina. Daí foi um pulo para estagiar no Center for Book Arts onde aprendi algumas técnicas contemporâneas de encadernação e entrei em contato com o mundo artístico do Livro. De volta a terra fiz pos-graduação em arte-educação, trabalhei na esfera pública e com a Memória Gráfica, typographya escola de gravura e meu endereço continua o mesmo em Belo Horizonte. Atualmente sou sócia e designer na KL Presentes Conceito. Meus Objetos Uma artista com propósito criativo e inovador cuja estética é desenvolvida por meio do design de objetos colocados em suas bolsas, caixas, malas e outros suportes os quais, além de acomodá-los, lhes acrescenta a função de exibir. O multiculturalismo, o espírito religioso Brasileiro, o feminismo e o feminino são elementos constantes em sua criação.
A utilização de técnicas várias de vinco e dobras no papel, encadernação, colagem, assemblagem, cartonagem assim como o uso de diferentes tipos de materiais enfatizando a reutilização de peças e objetos, agregam conceitos e valores àquelas peças de arte. Exposições Individuais: “Páginas Revueltas, Páginas Infinitas” V&M do Brasil, BR 2013 Exposições coletivas: “9° Salão de Arte Contemporânea de Maríia”, SP, BR 2011 “Entre Amigos” Juçara Costta Epaço de Arte, BH, BR 2010 “Open House” permanente na VINA Equipamentos, BH,BR 2006 “A Bagagem Mineira” Biblioteca Pública, BH, BR 2005 “Uma viagem de 450 anos a São Paulo” SESC Pompéia, SP, BR 2004 “Sala JK” arquiteta Izabela Vecci Casa Cor, BH, BR 2002 The Center for Book Arts, NYC, USA, 1998
www.lkubitschek.blogspot.com www.centerforbookarts.org/artistmember/bio.asp?artistID=1475 www.klpresentesconceito.blogspot.com
Extensive is the list of friends and acquaintances that encouraged me in the task of putting this project together. And I will name especially V&M do Brasil; Borges for his inspiring short-stories and Miguel Gontijo for inciting me to read them; Memória Gráfica – typographia, escola de gravura and Maria Dulce that discarded at my door the old typographic drawers; Clara Gontijo for her good ideas; Claudia Lambert for her graphic and visual support; Lúcia Loureiro for bringing me international papers; Cláudia Lessa, who always dedicated herself to the collection and selection of recyclable materials and all those who trusted me when sharing their personal radiographies to compose my insurgent and infinity pages. Thanks, with all my heart, to my mom Wanda! Lúcia Kubitschek
The Artist Statement Sometimes, friends surprise me suggesting that I should write a book about my nomadic life, since I survived unusual situations/realities in the two decades I lived abroad. Actually, I have done that in the last fifteen years; maybe, people don’t realize it because my book does not have the traditional form, hard covers biding pages filled with printed words. My history, not always that explicit, is registered, certainly, in these loose pages, which are also insurgent, fragmented, timeless, without nexus, nor text or context and will be in others pages to come. They are poetical fragments that arise from memories, from imagination, mine or from others, printed somehow in the contemporary form of books that I create. Multiculturalism, the Brazilian religious spirit, archaeologies and heredities, revolutions, feminism and the feminine have been constant topics in my work.
My prose resembles a magic ritual; it begins with the act of unpacking, uncasing, digging up, and displaying pages and objects which, conceptually, interact by the power of allusion or metaphor recalling an intimate narrative, almost confessional. It finishes with the action of putting them away in the same exhibitor support. My objects embrace from Art Books, Bags, Oratories to Installations and Wearable, Edible, Decorative Ones. The movement created by the diversity of forms and structures, alternatives to the traditional book, the mixing of different types of materials, news and reused, national and imported, and the seriation of recurrent topics, provoke people’s curiosity causing a playful interaction with the work.
Insurgent Pages, Infinity Pages Inspired by Borges, I created my library universe with contemporary book miniatures separated in old typographic drawers sections. An obscure, suspended system, composed of Libraries named as some of his short-stories or literary influences, in relation with the contents of his collections. It is organized in Main Libraries or Libraries on Libraries and Satellite Libraries, located in specific geographic sites. They have an atmosphere according to their own cultural features, in distinct moments, but they interlace as well as the human evolution history. All those libraries contain countless galleries supplied with ladders that access the endless shelves full of files and text or illustrated books. There are books of several shapes: wood and ivory tablets, papyrus rolls, codices of parchment, Japanese sewing notebooks, book biding and a list of contemporary structures, among others. There are books about almost anything: books about books, architecture, religion, biography, collectibles, stories, curiosities, geography, feminism, arts, music, movies, photography, catalogues, dictionaries, politics, almanacs, newspapers.
ME I was born in Belo Horizonte and never thought about been a plastic artist. Since early in age I used to hear my mom say women should be economically independent to become someone in life; then I started selling lemonade, bottles and newspaper. I joined electric bills and thought I became a big stockholder of the company. In my youth I became a “weekend” hippie, I used to leave my hair as Maria Betânia’s and sold my handcrafts. At that time, I was working as a financial broker; maybe because of that, my psycho-technical exam suggested Economics. I economize until today. Bred in the military dictatorship, after getting married, we went to Nicaragua Sandinista to get to know closely the problems of a popular revolution. Since then, I started my so desired nomadic life. After seven years of land reform, of hunger with dignity and a trip around the northeast of Brazil, I made my way to Europe. Later I decided to fly to New York City. Life turned around me many times over those nineteen years abroad; but it was there, in the “urban jungle” that I turned my life around. Alone in my spare time, I used to meditate at the Prospect Park, where I started collecting, drying and using the autumn leaves on handmade paper, and biding rope and cinnamon. This way, my exotic photos album winded up at Brooklyn’s stores and at a New York magazine. After that, it was a click for me to become an internship at the Center for Book Arts, where I learned about contemporary book biding and had the chance to get into the artistic book world. Back to my hometown I post-graduated as an art educator, worked in the public sector and with Memória Gráfica typographya escola de gravura. My address is still the same, in Belo Horizonte.
PS Despite my love for reading, I’m not a habitual reader. I would like to read books from many authors, those mandatory ones, the ones my friends read, except me. My readings have been very precise; I read books that have something to do with what I do. So, my readings are eclectic and the themes vary from police and politics to romantic, spiritual and artistic ones, depending on my life moment. I also read books that, somehow, come to me exactly when I need them. That’s how I got to read Borges, when I received his biography. After reading The Name of the Rose and The Foucault’s Pendulum, I got curious, for so many years, to visit the libraries/
labyrinths in Borges’ short-stories. Insurgent Pages, Infinity Pages is the symbiosis among the subjects approached in his writings printed on the conceptual construction of each drawer and the experimentation of visual effects, translucent and, at the same time, obscure. That was my first reading; if I read them again, it is probable that everything will change! Lúcia Kubitschek
Curadoria: Robson Soares Fotos: Cláudia Lambert Projeto gráfico: Clara Gontijo Tradução: Rafael José Masotti
Técnicas: miniaturas de livro vários formatos, impressão, colagem e acoplagem. Materiais: gavetas de madeira, barro, papeis diversos, reaproveitamento de programação cultural, entre outros. Dimensões de cada gaveta : 50 cm (C) x 3,5 cm (P) x 85 cm (A)
COLA