“Creio que pertenço a certas “famílias” de pintores que, através da figuração, buscam entender a expressão da natureza humana, vislumbrar a força telúrica de seus abismos, mergulhar nos escuros mistérios de sua solidão e estranheza. Para isso, nem mesmo o tempo (dimensionado em presente ou passado) impede o Homem de ser, em essencia, o mesmo. Isso me intriga e me estimula a criar uma obra, onde as perguntas se multiplicam mais que qualquer possibilidade de resposta. Onde os símbolos surgem, inevitavelmente, como metáforas poéticas. É fascinante essa procura, esse desejo de desvendamento da alma, esse fascínio pela condição humana. E ao mesmo tempo é aflitivo e cortante como navalha, porque, em resumo, é o mesmo que se desnudar… O contraditório, como designo e destino… O pensamento criador, o domínio das formas anatômicas (humanas e animais), as cores, a matéria pictórica, a ocupação racional dos espaços, o conhecimento do métier de pintor, a liberdade do gesto, a emoção sempre renovada e a paixão pelo que faço: esses são os elementos de que disponho para o desenvolvimento de minha obra há mais de 40 anos.” Mariza Trancoso
Espaรงo Cultural V & M do BRASIL Outubro de 2011
S.T. 2,00 x 1,25m
Série: “As Iandulgências”, Tríptico - 1,50 x 1,50 m cada total: 1,50 x 4,50 m
O pensamento da pintura hoje é duro com quem se encontra com ele. Mas, quem permanece pintando, descobre que os fios que o atravessam e que constituem a sua consistência intelectual e espiritual ainda se mantêm rígidos e possíveis. A pintura de Mariza Trancoso vive no extremo desse pensamento e encontra seu começo onde, dizem, não há mais arte e onde não há condições para ela. Porém a sua pintura vem a desmentir isso e, assim, elimina as convicções que envolvem as teorias conspiratórias contemporâneas. Da artista vem a sua voz: “Cada quadro que a gente pinta tem a nossa idade e a nossa dimensão. Ele é o mapa e o registro dos nossos embates: tem nossa carne, nosso sangue, nosso resfolegar. Tem o que temos de melhor na alma e na inteligência. Está revestido e investido da única forma verdadeira e honesta que temos de transfigurar o mundo em poesia.”
Mariza Trancoso é antes de tudo uma autora cuja forma de pensar o mundo passa pela realidade material e sensorial dos meios. Nunca abandonou a qualidade da pintura nem suas indagações intelectuais dela advindas. Há nela uma coerência entre os princípios e as ações. Para a artista tanto consta a geometria cromática de um Mondrian, como a truculência carnal de um Soutine. E do que sobra deles torna-se a essência dos seus trabalhos, “que é o que menos se explica e o que mais se importa”, no dizer do sábio Braque.
Série “Agnus Sei” 1,45 x 1,47 m
Por isso, eu, ao enfrentar suas pinturas, aproximando-me ou recuando os passos necessários para apreciá-las de mais longe e de mais perto, fico perante um cenário de corpos súbitos que não propõem qualquer moral nem parece depender de nenhuma. Permanecendo perante esses quadros vejo, que em determinado momentos eles já não mais me dizem como pintura e então, silenciosamente, percebo os corpos que parecem respirar e dizer interjeições obscenas, descritas e sugeridas pela artista. Histórias irrompem. Elementos conjugam-se e não é por acaso. Personagens perpetuam-se em seus solilóquios. E é nessa (des)organização que existe uma narrativa. As figuras são por si e pulsam com vozes infiéis uma harmonia dissonântica. O traço é despojado nos convidando à demora. Vejo a mão num gesto determinado. Único. Correto. Criar é, também, confrontar-se com os limites. É dizer o indizível. É traduzir a sensação de uma música alheia a você e experimentada por uma modelo que você pinta. Os trabalhos de Mariza Trancoso surgem como um reflexo da sua organização do mundo. Encerra o desenvolvimento plástico de uma idéia no limites de uma coerência interna absoluta. O que ela nos apresenta é a fala de um poeta. A ‘fala’ de uma artista que se lança no risco; diz o que jamais foi dito; nomeia o que não entende; traduz as coisas no espaço e nos surpreende com o que é sem ser possível. Transcende a sua própria condição e supera os limites que a natureza lhe deu. Novamente sua fala aponta-me:
“Mudam-se as estéticas, mudam-se as modas... Apenas o meu olhar sobre o mundo se move, de um lugar para outro, de um tempo para outro, de uma experiência para outra. A história da humanidade, formas humanas e animais confundem-se em sua simbologia e dinâmica. A minha história pessoal se confunde com elas... Eu - nós todos - temos em nós um animal e nos confundimos com ele. Temos a mesma origem genética, as mesmas belezas, as mesmas feiuras, as mesmas “tesões”...”
Assim me parece e tenho visto a pintura de Mariza, aparelhada como uma imagem poética. Uma pintura nascida ao fim de mil trabalhos, de mil riscos, de mil mordeduras que a vida nos dá, de mil toques de dedos nas tintagens, de mil afagos na tela branca e púbere a espera da violação e do nascimento. E é dessa violação comedida e dominada é que é feita a pintura que podemos ver e de que eu quis falar aqui. Procurei uma palavra mágica para dizer. (Palavra numa língua de céus.) Não encontrei! Mas sei que depois dessa palavra - só depois dessa palavra - pode-se começar a dizer o que sinto. Miguel Gontijo artista plástico 28 de setembro de 2011
“A arte de lidar com fatos arqueológicos” 2,12 x 1,40 m
“Família” 2,28 x 2,05 m
“A arte de lidar com comportamento difícil” 2,12 x 1,40 m
S. T. 2,00 x 1,25 m
Série “As Indulgências” Díptico. 1,50 x 150 m cada - total:1,50 x 3,00 m
S.T. 2,00 x 1,25m
Normas para a criação da minha pintura Esticar as normas até rompê-las Esticar as formas até corrompê-las Esticar a luz até apagá-la Esticar o escuro até clareá-lo Esticar as idéias até consumí-las Esticar o gesto até reduzí-lo Esticar o vazio até preenchê-lo Esticar o grande até a baixeza Esticar a altura até achatá-la Esticar o silêncio até ouví-lo Esticar o barulho até desligá-lo Esticar o amor até o desvelo Esticar o ódio até explodí-lo Esticar a memória até perdê-la Esticar o presente até esquecê-lo Esticar a História até as cavernas Esticar a vida até as raízes Esticar a morte até o olvido Esticar o gozo até o martírio Esticr a dor até o delírio Esticar o tom até consumí-lo Esticar a escrita até seu vestígio Esticar o real até omití-lo Esticar o triste até a alegria Esticar a sátira até a agonia. Mariza Trancoso Setembro, 2011
S.T. 2,00 x 1,25m
S.T. 2,00 x 1,25m
S.T. 2,00 x 1,25m
Série “id“ 2,00 x 1,60m
Séria “id” 1,60 x 1,60 m
S.T. Diptico - 2,00 x 2,50 m
Curadoria: Robson Soares Catálogo: Projeto Gráfico: Clara Gontijo Fotografia: Júlio Hübner