Miguel Gontijo

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Laborat贸rio Gen茅tico do Dr. Leugim Olegna Miguel Gontijo



Laboratório Genético do Dr. Leugim Olegna Miguel Gontijo Ressignificações: Livros, homens, bichos e coisas

Belo Horizonte, novembro de 2014


á um elemento constante, forte e recorrente na pintura de Miguel Gontijo, a escrita, que, à primeira vista, conduz o espectador a imaginar se os traços ali constantes ajudam a compor a trama do quadro ou constituem citação de trecho de determinado livro. A afirmativa poderá ocorrer ocasionalmente. O visitante com alguma sutileza, percebe que os traços, riscos ou letras que compõem a urdidura da obra não passam de elementos complementares, embora, em alguns deles, seja possível identificar letras ou palavras aleatórias.

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Assim, os traços estão presentes na tela para compor e representar situações criadas pelo artista ao se apropriar de elementos distintos, como fragmentos e detalhes de obras de arte de outros autores, fotografias de pessoas, de animais, de aves, de objetos, de instrumentos, de bulas de remédio, de símbolos e de marcas comerciais, dentre muitos outros, encontrados em livros, revistas, jornais, anúncios, audiovisuais e nos meios de comunicação de massa. É nesse ambiente efervescente que todos esses elementos reprocessados, na inquieta e fervilhante imaginação e mente do pintor, podem descortinar para alguns admiradores situações que provocarão surpresa, prazer, admiração, êxtase e, em outros, desalento, estranheza, desconforto e, até, perplexidade. Os trabalhos mostrados na exposição, em curso, na Galeria da Biblioteca Central da UFMG, não fogem à regra! Há vários anos Miguel Gontijo vem, paciente e meticulosamente, trabalhando exemplares de enciclopédias, transformando suas páginas em obras de arte, recortando-as e pintando-as uma a uma, de modo que, ao manuseá-las, o espectador irá deparar com um novo trabalho. Outras surpresas poderão ocorrer ao se sobrepor uma página à seguinte, causando surpresa e estupefação, pelo inusitado da combinação obtida com a superposição dos recortes.


Considerando a fragilidade do suporte, que são as folhas da enciclopédia, a medida em que são recortadas, se tornam mais frágeis, não sendo recomendado o seu manuseio intensivo, o que, infelizmente, impede o visitante de deleitar-se e descobrir a magia que poderia desvendar, ao passar cada uma das páginas. Integram ainda a exposição de Miguel Gontijo na Biblioteca Central quinze telas as quais podem levar o apreciador a imaginar que ele se encontra em um gabinete de curiosidades da época das grandes explorações e descobrimentos dos séculos XVI e XVII nos quais poderia encontrar objetos raros ou inusitados, ou se sentir em um laboratório de uma instituição ligada às áreas de ciências biológicas, de botânica ou de zoologia, tendo em vista a apropriação e o uso que o artista faz de elementos dessas áreas em suas telas, tais como animais, pássaros, folhas de árvores, partes de esqueletos, entre muitos outros. Num instante seguinte, o visitante poderá imaginar-se estar em uma exposição de quadros de artistas surrealistas, devido à exaltação do imaginário, à exposição do fantástico à realidade que emerge das imagens inesperdas e a sensação de estranheza mostrada em cada tela. Independentemente do suporte utilizado, as composições, as ambientações e as situações criadas pelas pinturas de Miguel Gontijo causam espanto aos visitantes, ao se depararem com animais voadores, com parte de seus corpos constituídos de peças, de rodas de bicicleta, de máquinas, de nus em relevo colados nas telas e muitas outras combinações extravagantes, que causam deleite e encantamento em muitos outros! Acomodação, nunca! Em tudo isso reside a característica essencial do trabalho do artista Miguel Gontijo! Paulo da Terra Curador






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erta vez entrei com meu pai em um museu de cera de história natural, na Av. Afonso Pena, ao lado do Hotel Financial. (...houve um tempo em que museus mambembes desse tipo sempre aportava por ali.). A visão das peças fazia-me sentir sujo, com uma sensação de asco, vontade sair, sentia todo o ar contaminado, fedido. (...se apurasse os meus olhos poderia ver micróbios e vírus a vagar pela sala). O estranho é que quando abandonava do ambiente e esquecia essa primeira impressão, sentia vontade de voltar e examinar tudo com serenidade. E assim, voltei por várias vezes e em todo retorno não me mantive sereno e sentia o mesmo nojo e enjoo. (... o mesmo desconforto e atração sinto, até hoje, pelos livros ilustrados de medicina.) Os desenhos que agora mostro – Laboratório Genético do Dr. Leugim Olegna, feitos em 1980 – eu os “apanhei” desse universo e os segui por onde ele quis me levar. Quando embarquei nessa viagem simbólica procurei resgatar a figura de meu destino e de suas verdades. Dentro desses ambientes (os museus) não existia nem falso nem verdadeiro, nem morte nem vida, nem homem nem mulher. Apenas uma ilusão impelida até o ponto de se tornar verdade. Tudo parecendo uma estranha inversão onde sou salvo por uma mão que não me estende. Esses desenhos foram para mim como uma bengala de cego. Embrenhei-me, como por arrombamento, em diversos redutos e subterrâneos do nosso comportamento. Apliquei meu asco (e, consequentemente, esses desenhos) ao poder, à história, a religião, enfim, ao velho combate entre o saber e a ignorância e a tudo que me passou pelos olhos. Após esse embate dei de cara com a minha “essência de vidro”. Então essa vulnerabilidade, longe de ser uma irremediável fraqueza, tornou o motor de minha expressão, de minha emoção e, por que não, de toda beleza? Miguel Gontijo (2014)


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O que está escrito nos livros da Bibliotheca de Miguel? Traduzse? Não precisa, as imagens já o dizem? Minuciosamente escritas, há algo misterioso ali. Indecifrável talvez, o segredo do artista. Mas diz algo. Mostra, interfere, transcende. O que falar dos objetos? Também com a mesma minúcia ele transpõe um mundo imaginário para o encontro das pequenezas reunidas. Trabalhos iniciados há mais de vinte anos, terminados agora, apresentam mesmo essa característica de algo demoradamente elaborado, curtido, avesso ao tempo do relógio, que aliás, foi refeito pelas suas mãos. Miguel fez um trato secreto com o mundo. Todas as imagens seriam suas, estariam para sempre na sua biblioteca, a física e a pictural. Sim, ele pode, foi registrado nas escrituras, no fim do fim do fim do universo. E além. Virtuose, virtuosismo, virtuosidade. É o que me vem olhando para seus desenhos. Ele sim atingiu um grau de perfeição aclamado pelos seus antepassados, os renascentistas. É certo que a arte, assim como os outros ramos do conhecimento, assim como as virtudes, são presentes de gerações, passando por aqueles que a buscam, transcendendo a existência do ontem, do agora ou do amanhã. Ana Luiza Neves Mestre em História da Arte, pela UFMG. Trabalha com mediação e crítica de arte, em Belo Horizonte.

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Caótica e mágica. São essas as duas palavras que melhor definem as obras do artista plástico mineiro Miguel Gontijo. Definir a linhagem artística de Miguel Gontijo pode ser um desafio, diante do variado uso de recursos estéticos para a expressão de sua linguagem visual. Seu experiente trabalho pode ser definido como um diário pessoal, onde objetos do cotidiano e referências históricas se fazem presentes constantemente. A pintura de Gontijo apresenta características marcantes e peculiares. O talento e a habilidade, talvez uns de seus traços mais notáveis, são representados por desenhos que se confundem com colagens e objetos que se traduzem em obras de arte. O domínio de diversas técnicas é visto nos detalhes meticulosos de suas obras e nas trabalhosas experimentações gráficas. Além de apresentar considerável valor estético, a arte de Miguel é dotada de um alto nível intelectual. Referências a obras de arte famosas, fatos históricos e a cultura em geral são a forma usada para utilizar o conhecimento como uma linguagem universal. A História e a Filosofia são o suporte para as manifestações artísticas e dão significado a seus trabalhos. A relação entre a obra de Gontijo e a arte contemporânea está no não seguimento de um estilo específico. Desenhos, pinturas, ilustrações, arte ótica, oratórios, colagens, instalações e modificações artísticas de objetos, como enciclopédias, torneiras, tubos de creme dental e outras embalagens, são algumas das compulsões que participam do processo criativo do artista. A união desses e de outros recursos da arte de Miguel Gontijo fazem-no um dos maiores aristas mineiros da atualidade. Marina Silper Designer


Ressignificações: Livros, homens, bichos e coisas Exposição realizada no Saguão da Biblioteca Central da UFMG, novembro/dez. 2014 Curadoria: Prof. Paulo da Terra Caldeira Departamento de organização e tratamentto da Informação da Escola de Ciência da Informação da UFMG Realização: Biblioteca Universitária - Gestão 2013-2015 Diretor: Wellington Marçal de Carvalho Vice-diretora: Anália das Graças Gandini Pontelo Organização: Biblioteca Central da UFMG - Espaço de Leitura Coordenação: Cleide Vieira de Faria Obras dos colecionadores: José Alberto da Fonseca, Maria Clara Gontijo Paulo da Terra Caldeira, Rodrigo Ratton Design gráfico: Clara Gontijo Todas a série aqui representada foi feita em 1980 \ 2014. São pinturas com tinta acrílica e bico de pena sobre tela coladas sobre MDF, medindo 55 x 52 cm. Apoio:



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