OCUPAÇÃO LUÍSA MAHIN
Ocupação Luisa Mahin: Alternativa de moradia no Centro Antigo de Salvador
Equipe de Estudantes UFBA Adriana Lima O'Dwyer, Graduanda em Admnistração Ana Clara Oliveira de Araújo, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo Caroline Martins Liu, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo Ícaro Macêdo Guimarães de Oliveira, Mestrando em Arquitetura e Urbanismo Luiza Moruz Quaglia, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo Mariana Ribeiro Pardo, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo Marina Factum Nogueira, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo Equipe de Estudantes DPU/UCL Paz Mackenna, Mestranda em Jia Li, Mestranda em Xinyi Zhang, Mestranda em Siu-Chieh Tai, Mestranda em Mikey Blount, Mestrando em
Desenvolvimento Social Desenvolvimento Social Desenvolvimento Social Desenvolvimento Social Desenvolvimento Social
Professora Coordenadora - Equipe Ocupação Luisa Mahin/MLB Gabriela Leandro Pereira, Professora Doutora da Faculdade de Arquitetura Projeto Gráfico Ana Clara Oliveira de Araújo e Mariana Ribeiro Pardo Revisão Gabriela Leandro Pereira REALIZAÇÃO
APOIO
Moradores que participaram das atividades André Pereira dos Santos Beatriz Batista Passos Edimeirison Ramos Santos Flávio Gomes Santana Gilmar Almeida da Silva Santos Gregório Motta Gould Jaqueline Sena dos Santos Jean Silva Nunes Josemar Silva Nunes Karine Nascimento dos Santos Márcia Amorim Ribeiro Marlene dos Santos Micaela Sena Furtado Sara dos Santos Selma de Jesus Batista Agatha Sofia Telma de Jesus Batista Tiago Nascimento
Agradecimento especial à todas as moradoras e moradores da Ocupação Luisa Mahin/MLB, que acolheram carinhosamente esse grupo de estudantes e seus professores, co-produzindo as informações e conteúdos aqui apresentados. Maio, 2017 Salvador – BA - Brasil
AGRADECIMENTOS
Após um pouco mais de um ano e três meses de vida e resistência da Ocupação Luisa Mahin, a primeira de nosso movimento em Salvador, é publicado esse livro que é um importante instrumento na defesa de nossa Ocupação, de uma política para o centro antigo de Salvador que sirva aos interesses do povo pobre, negro e trabalhador que construiu e constrói essa cidade, na luta por uma reforma urbana em Salvador, e no Brasil, que enfrenta os interesses da especulação imobiliária e das construtoras. É preciso registrar e agradecer a iniciativa da UFBA, através do grupo de pesquisa Lugar Comum, do EMAU CURIAR e, de maneira especial, cada professor e estudante que durante 15 dias de pesquisa e ternura frequentaram nossa Ocupação e tornaram possível a confecção desse material. Agradecemos ainda, no mesmo espírito, a Universidade de Bartlett, seus estudantes e professores, que por sua dedicação e carinho conseguiram derrubar a barreira da diferença de idioma. Queremos agradecer, de maneira especial, aqueles e aquelas que tornaram possível a existência do livro, trabalhando de maneira dedicada ao seu objeto de estudo, a Ocupação Luisa Mahin. Agradecemos a todos os moradores da Ocupação que fizeram e fazem parte dessa história, independente de não estarem presentes durante a construção do livro; à Gabriela Soares Valentim, companheira do MLB e do Movimento de Mulheres Olga Benário que organizou os núcleos de moradia do MLB no Uruguai e na Boca do Rio que deram origem a nossa Ocupação; à companheira Josi que participou de maneira decisiva da construção do núcleo no Bairro Uruguai; à Marcos da Coordenação Nacional do MLB e Janderson da Coordenação Estadual do MLB no RN, que saíram dos seus Estados para tornar possível o sonho da moradia digna para nossas famílias. Agradecemos à Coordenação Nacional do MLB pelo acompanhamento e orientação em cada passo da luta, às coordenações estaduais e a cada família do MLB nesse país, quer estejam vivendo em Ocupações, em casas conquistadas por essa luta ou em núcleos do nosso movimento, pois trataram e tratam nossa Ocupação como parte da sua luta, ou como disse Neruda "me tornaste indestrutível, pois, graças a ti, não termino em mim mesmo". Ocupação Luísa Mahin 6
DEDICATÓRIA
Dedicamos esse livro à Memória de quatro companheiras e companheiros cuja memória servem de inspiração e exemplo para nossa luta pela reforma urbana e, em especial, para a luta pela derrubada do sistema capitalista e a construção do socialismo em nosso país. Luisa Mahin, Patronesse da cupação, que nos ensinou no enfrentamento ao regime de escravidão que vidas negras importam e que a melhor maneira de viver a vida é combatendo pela liberdade de nosso povo. Carlos Marighela, Patrono de nossa Escola de Formação Popular, nas dependências da Ocupação, que em vida combateu a ditadura Militar fascista e nos ensinou que "é preciso não ter medo, é preciso ter coragem de dizer". Eliana Silva, liderança e moradora, até a sua morte, da Ocupação Vila Corubiara em BH, exemplo de luta e rebeldia que inspirou a formação do MLB. Valdete Guerra, liderança e moradora, até a sua morte, da Ocupação Leningrado em Natal, exemplo de coragem e rebeldia. Essas quatro pessoas muito nos inspiram, pois, escolheram o caminho difícil, porém o mais justo, da luta de seu povo e nunca se venderam. Escolheram o caminho do enfrentamento às injustiças e aos poderosos ao invés da omissão diante da opressão de nosso povo.
Ocupação Luísa Mahin 7
Este documento integra a disciplina TEAU ARQB16 Política, Democracia e Direito à Cidade II do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (PPGAU-UFBA), em associação com o programa de mestrado MSc Social Development Practice da The Bartlett Development Planning Unit da University College London (UCL). O presente texto dialoga com os trabalhos desenvolvidos de maneira participativa com os moradores da Ocupação Luísa Mahin do MLB – Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas, por um grupo de estudantes e professores de ambas
SUMÁRIO introdução
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bairro do comércio
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o edifício
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moradores da luísa mahin
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mlb
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direito a cidade
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processos
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afetividade
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coletividade
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cuidado
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educação
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PREÂMBULO As informações apresentadas neste livro têm como objetivo fortalecer as lutas da Ocupação Luísa Mahin, no bairro do Comércio em Salvador, pelo acesso direto à moradia e à cidade. A Ocupação se situa em um edifício eclético, de valor histórico, que antes da chegada dos ocupantes se encontrava em um processo de degradação devido ao abandono do Governo do Estado da Bahia. Localizado na Rua Conde D’eu, número 16, o prédio anteriormente abrigava o CESOL – Centro de Economia Solidária do Governo do Estado permanecendo desocupado e abandonado desde 2014. Em 25 de setembro de 2016, cidadãos desassistidos e ignorados pelas políticas públicas e programas habitacionais, ocuparam o edifício que antes não cumpria sua função social na cidade e imprimiram novos usos ao prédio: moradia, educação e espaços para práticas coletivas.
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introdução
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Na madrugada do dia 25 de setembro de 2016, famílias e apoiadores, organizados em torno do MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, ocuparam um edifício que durante anos estava abandonado pelo Governo do Estado da Bahia. A Ocupação Luisa Mahin possibilitou novos usos e significados ao espaço, através de processos de limpeza e cuidado que foram fundamentais para reverter às condições de abandono em que o prédio se encontrava. O nome da ocupação foi escolhido em homenagem a uma mulher negra, que comprou sua alforria e foi atriz coadjuvante da viabilização da Revolta dos Malês, distribuindo panfletos em sua língua nativa e sendo responsável por difundir informações sobre a revolução. A escolha de Luísa Mahin como título é especialmente significativa, uma vez que a ocupação é majoritariamente composta por mulheres negras, igualmente batalhadoras e corajosas.
Imagem 1: Fotografia externa do Edifício da Ocupação Luisa Mahin. Créditos da imagem: Mikey Blount.
Imagem 2: Fotografia interna do edifício da Ocupação Luisa Mahin, no pavimento da Escola de Formação Popular Carlos Marighella. Na parede existe uma pintura da Luisa Mahín pela perspectiva da artista. Créditos da fotografia: Mikey Blount.
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A ocupação Luísa Mahin, para além da moradia, significa um espaço de resistência e de enfrentamento às políticas de esvaziamento do centro histórico. Desafiando as maneiras convencionais de solucionar a demanda por moradia, os residentes apropriaram-se de um espaço inicialmente utilizado para fins comerciais, e transformaram-no em um edifício residencial, inventando novos arranjos e usos aos espaços existentes, reinserindo o prédio abandonado na dinâmica da cidade. A fim de fortalecer o movimento de democratização dos espaços urbanos, evidenciar conflitos sociais, denunciar a passividade governamental e quebrar preconceitos e paradigmas, a ocupação se faz necessária neste espaço e neste momento. Luísa Mahin, como uma ocupação bem articulada e organizada, consegue tornar visível essa dimensão, que é escondida e perversamente criminalizada pelo poder público e pela sociedade. Representa uma importante ferramenta de ação política e relevante instrumento de enfrentamento em face da urgência por melhores condições de vida para os moradores de Salvador, do Centro Histórico e do Comércio.
Imagem 3: Fotografia da linha do tempo desenhada no quadro da Escola de Formação durante uma das atividades desenvolvidas. Na linha do tempo foram relembrados importantes acontecimentos anteriores e posteriores à ocupação do edifício até aquele momento. Créditos da fotografia: Mikey Blount.
Os moradores, vindos em maioria dos bairros da Boca do Rio e Uruguai, estão organizados em torno do MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas que tem sua luta de alcance nacional, em 13 estados do Brasil. O movimento tem como objetivo alcançar o direito à moradia, a reforma urbana e a luta socialista. A presença desse grupo de moradores no edifício atribuiu um novo significado ao que antes era um espaço abandonado, a Ocupação Luísa Mahin simboliza um espaço de luta e resistência na cidade de Salvador.
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bairro do comĂŠrcio
A região do Comércio, onde se situa a Ocupação Luísa Mahin, tem sua história associada aos processos de fundação do Brasil pela metrópole portuguesa ainda no século XVI, alojando comerciantes e trabalhadores vinculados à atividade portuária. As reformas infraestruturais nesse espaço – que integra o Centro Antigo da cidade –, estiveram relacionadas à posição de Salvador como principal entreposto comercial do Atlântico-Sul no período colonial, dentro da lógica portuária, com intensa circulação de mercadorias e concentração de atividades financeiras. “É impossível entender a cidade de Salvador dos séculos XVII e XVIII a partir de uma análise meramente local. Na verdade, a capital da Colônia participava de uma engrenagem com diversos elementos externos (regionais e mundiais) que lhe davam uma posição estratégica no aporte e circulação de mercadorias extremamente valorizadas naquele momento histórico” (ANDRADE, 2009, p.43 e 44).
Essa configuração permaneceu praticamente intacta até meados do século XVIII, quando a capital da colônia foi transferida para o Rio de Janeiro, e as exportações de açúcar e fumo foram sobrepostas pela descoberta do ouro e do diamante em Minas Gerais. Somou-se a isso, a chegada da corte portuguesa na colônia e a independência do Brasil, ambos na primeira metade do século XIX. Esses eventos contribuíram para intensificar a decadência econômica de Salvador, refletindo também nas configurações social e urbana da cidade. A perda de importância de Salvador, em termos políticos e econômicos, foi substanciada pelas influencias internacionais sobre o Brasil, com a introdução do processo de industrialização e o fim do tráfico negreiro. Este fator, aliado ao fim da escravidão no final do século XIX, colaborou para o crescimento da população urbana – associada ao êxodo rural – e para a mudanças nos investimentos públicos. “O papel do Estado, porém, se ampliou consideravelmente na modernização da cidade do Salvador, principalmente através de investimentos em infraestrutura” (ANDRADE, 2009, p.66). Dentre os investimentos dos poderes públicos na cidade, nota-se o privilegio da questão da mobilidade urbana, além de contribuições para os setores bancário, imobiliário e comercial.
Imagem 1: Esta fotografia, datada de 1912, registra o resultado da urbanização da Praça Marechal Deodoro, antiga Cais do Ouro, na primeira década do século XX, relacionada aos investimentos públicos na cidade. Fonte: site do Guia Geográfico da Bahia, disponível em: http://www.salvador-antiga.com/comercio/cais-ouro/magens/praca-deodoro-hd.jpg.
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Os reflexões da mudança na economia baiana – principalmente no que se refere à perda de centralidade da agricultura, em razão do direcionamento de investimentos para a indústria –, também podem ser observados nas dinâmicas demográficas do período. Observa-se, segundo Andrade (2009), a partir de dados censitários, que a população urbana de Salvador aumenta certa de 400% entre o início e o final do século XIX, com destaque para as três últimas décadas1. Este crescimento repercutiu-se também no território, com a expansão da cidade, ocupada ao norte pelas classes mais populares, e ao sul pelas camadas mais ricas.
Imagem 2 e 3: À esquerda, o bairro do Bonfim em foto de 1913; à direito, o Corredorr da Vitória no início da década de 20. Esses registros reforçam o entendimento a respeito da disparidade entre as ocupações ao norte - pelos pobres -, e ao sul - pelos ricos - de Salvador, compreendendo também as prioridades atribuídas pelos investimentos públicos nesses espaços. Fonte: ambas as fotografias são do site Guia Geográfico da Bahia, disponíveis nos links: http://www.salvador-antiga.com/bonfim/bairro.htm e http://www.salvador-antiga.com/vitoria/corredor-vitoria.htm, respectivamente.
O modelo de divisão espacial de Salvador no fim do século XIX, reforçava a grande segregação socioespacial, que verificamos da formação da cidade até o contexto contemporâneo. Esses fatores de expansão das elites locais contribuíram para a desvalorização da área central – e seu entorno -, tornando-a empobrecida e abandonada pelos investimentos públicos. Na região do Comércio, no início do século XX, prevalecia atividade econômica homônima, que favoreceu os investimentos na modernização dos espaços, a melhoria nos transportes e a expansão do território – por meio da construção de aterros. Nesse período, e no que o seguiu, é possível citar a influência de reformas urbanas públicas, como os projetos do Urbanismo Demolidor de J. J. Seabra2 e a abertura do Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (EPUCS)3. A cidade começa a recuperar-se com esses planos, e também com a criação de políticas nacionais para a habitação e o desenvolvimento regional (ANDRADE, 2009).
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Imagem 4: Neste recorte da fotografia da vista de Salvador em 1917, é possível identificar ao fundo, do lado esquerdo, a extensão territorial propiciada pelos aterros realizados na região. Fonte: site do Guia Geográfico da Bahia, disponível em: http://www.cidade-salvador.com/seculo20/portoantigo.htm.
Na segunda metade do século XX, identifica-se já uma nova dinâmica em termos econômicos no estado, com a chegada de atividades industriais da Petrobrás e a criação do Centro Industrial de Aratu (CIA) e do Complexo Petroquímico de Camaçari. Na década de 60, observa-se a descentralização de Salvador, com a criação do Centro Administrativo da Bahia (CAB) e do Shopping Iguatemi, e a transferência da rodoviária para este mesmo entorno. Somam-se a esses, muitos outros processos contemporâneos que também contribuíram paras as dinâmicas urbanas da área do Centro Antigo, destacando-se as lógicas especulativas do planejamento estratégico, exemplificadas por programas como o Monumenta e o Revitalizar4. “Confirma-se assim a posição da metrópole baiana como núcleo urbano dinâmico, porém inserido perifericamente no "jogo" do capitalismo global e possuindo no seu interior diversos problemas associados, a exemplo da questão da habitação, da não disseminação do "direito à cidade", dos transportes, das questões ambientais, dentre outros” (ANDRADE, 2009, p.99).
No que se refere ao bairro do Comércio e sua configuração socioespacial atual, é possível observar a verticalização das construções na faixa do mar, que em grande parte das vezes apresenta imóveis vazios ou parcialmente vazios, decorrentes de uma série de ações e implicações de políticas públicas, já citadas anteriormente, no espaço. Em paralelo, coexistem áreas escondidas na encosta da cidade baixa onde acontecem diferentes lógicas habitacionais, entre elas algumas ocupações organizadas por Movimentos Sociais, assim como a Luisa Mahin. Acrescenta-se que essas moradias, de camadas populacionais com renda média de um salário mínimo, são completamente desassistidas de suporte governamental. Não há, no local, equipamentos públicos como creches, escolas, postos de saúde, bibliotecas e similares, contrapondo-se à asseguração do direito à cidade, como será visto adiante.
NOTAS: 1 Ver, no Capítulo 4 “A decadência econômica da cidade do Salvador”, o item “A dinâmica demográfica frente à estagnação econômica”, páginas 69 e 70 (ANDRADE, 2009). 2 Para entender um pouco mais sobre este projeto, ver página 74 do livro “Geografia de Salvador” (ANDRADE, 2009). 3 Sobre os citados programas de renovação especulativa, ver o artigo “O EPUCS e a cidade do Salvador nos anos 40: urbanismo e interesse público”, em <http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/171/171-615-1-SP.pdf>. 4 A respeito dos programas Monumenta e Revitalizar, consultar <http://portal.iphan.g o v. b r / u p l o a d s / p u b l i c a c a o / C o l Re g _ Re c u p e racaoImoveisPrivadosCentrosHistoricos_m.pdf> e <goo.gl/9nbxUv>, respectivamente. Referências: ANDRADE, A. B. Geografia de Salvador. EDUFBA: Salvador, 2009. ALMEIDA, M. C. B. E. As vitrines da civilização: a modernização urbana do bairro comercial da cidade da Bahia. 2014. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, 2014. SANTOS, J. C. Entraves do processo de requalificação urbana do bairro do comércio em Salvador. In: URBICENTROS, 3., 2012, Salvador. 17
o edifĂcio
O edifício da Ocupação Luisa Mahin está inserido em uma área tombada pelo IPHAN. O imóvel fica na esquina das ruas Conde D’eu e Álvares Cabral, próximo ao plano inclinado Gonçalves, o que facilita a comunicação com a cidade alta. Além disso, a localização do prédio é de fácil acesso, contando com a presença de diversos pontos de ônibus ao redor.
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Imagem 1: No retângulo amarelo à esquerda, o círculo corresponde à localização do bairro do Comércio no mapa da cidade de Salvador. Na imagem maior, área ampliada. O número 1 corresponde ao edifício citado, onde está inserida a Ocupação Luísa Mahin. Os números 2, 3 e 4 correspondem ao Plano Inclinado do Gonçalves, ao Mercado Modelo e ao Elevador Lacerda, respectivamente. Fonte: As imagens são atuais e foram retiradas do site Goolzoom.
Não foram encontradas informações precisas sobre a idade do edifício, mas a partir de fotografias históricas é possível concluir que ele foi construído no final do século XIX.
À esquerda, ampliação da cúpula do edifício. À direita, imagem atual.
Imagem 2: Nesta fotografia, datada de 1885, é possível observar, à direita da estátua da Praça Riachuelo, uma cúpula ao fundo. Se ampliamos e compararmos com a imagem atual, verificamos que se trata do mesmo elemento. Fonte: A fotografia histórica foi obtida no site do Guia Geográfico da Bahia, sendo atribuída autoria à Hans Lindemann. A imagem atual é do site Goolzoom.
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O edifíco possui estilo eclético - sendo constituído por cinco pavimentos e um terraço -, e ainda mantém suas características arquitetônicas iniciais. A fachada apresenta janelas de peitoril intercaladas com janelas rasgadas e balcões em argamassa, além de possuir platibanda e elementos decorativos como volutas e balaustradas.
Imagem 3: Fotografia feita no primeiro dia de trabalho, 01 de maio de 2017, em grupo na Ocupação Luísa Mahin. Esta imagem permite identificar os elementos arquitetônicos citados: janelas rasgadas, balcões em argamassa, platibanda, volutas e balaustradas. Crédito da fotografia: Mikey Blount.
Antes de abrigar as famílias da Ocupação Luisa Mahin, o prédio permaneceu esvaziado por cerca de 2 anos, perdendo qualquer função social na cidade e acumulando problemas físicos decorrentes do abandono. Até 2014 o edifício, de propriedade do Governo do Estado da Bahia, comportava a sede do CESOL – Centro de Economia Solidária, sendo interiormente adaptado para servir as funções da instituição. Após o abandono, uma parte do terraço ficou aberta, expondo o edifício às intempéries e a entrada de pombos, colaborando com processos de degradação. Em outubro de 2016, o MLB ocupa o prédio possibilitando novos usos e recuperando os espaços através de mutirões de limpeza e práticas cotidianas de cuidado, resultando em aspectos positivos para a preservação do imóvel.
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moradores da luĂsa mahin
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Durante as atividades desenvolvidas foram realizadas entrevistas com os moradores da Ocupação, entre 7 e 10 de maio de 2017, no intuito de coletar informações que permitissem um maior entendimento sobre eles e o contexto em que estão inseridos. Apresentam-se a seguir alguns resultados a partir dos dados que foram obtidos.
Idade Quase 80% do total de residentes estão na faixa etária de 15-35 anos. Outras crianças não foram computadas por não permanecerem constantemente na ocupação, apesar de estarem com frequência no local. São elas, principalmente, netas e netos dos ocupantes, ou moram no entorno. Não há moradores acima dos 60 anos.
Gênero
Aproximadamente 60% dos residentes são mulheres entre 18 e 47 anos. A maioria delas são mães e oito das nove entrevistas foram feitas com elas.
Educação Em relação à escola primária: 15% dos residentes não completou a terceira série; 15% terminou a quarta série; 30% completou a quinta série; 10% completou a sexta série; e 20% completou a oitava série. Apenas 10% chegou ao segundo grau, porém sem conclusão por razões familiares.
Relação com o governo 71% deles votam. 100% possuem Carteira de Identidade.
Subsídios
Metade dos ocupantes estão recebendo subsídios do Bolsa Família.
Programa habitacional 64% estão na lista de espera do programa Minha Casa Minha Vida. A maioria está esperando a mais de 5 anos.
Na página ao lado: Fotografias de moradores da Ocupação Luísa Mahin no pavimento da Escola de Formação. Créditos da fotografia: Mikey Blount. 23
Imagem 3: Karine e Telma. Créditos da fotografia: Mikey Blount.
Imagem 4: Josemar e o filho. Créditos da fotografia: Mikey Blount.
24 Imagem 5: Selma e André. Créditos da fotografia: Ícaro Macêdo.
Imagem 6: Edi, Jaqueline e a filha Sofia. Créditos da fotografia: Ícaro Macêdo.
19 25 Imagem 7: Karine, Jean e Tiago. Créditos da fotografia: Ícaro Macêdo.
Imagem 8: Tiago estudando. Créditos da fotografia: Karine Nascimento.
Imagem 9: Karine. Créditos da fotografia: Jean Silva.
26 Imagem 10: Tiago e Selma. Créditos da fotografia: Jean Silva.
MLB
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O MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas é um movimento de alcance nacional que defende a reforma urbana e o direito de morar dignamente, objetivando uma ocupação igualitária das cidades. Em 1999, alguns membros da Ocupação Vila Corumbiara, em Belo Horizonte, se articularam com lideranças em outras partes do país e fomentaram a fundação do MLB. Após sua consolidação, o movimento realizou sua primeira ocupação em Pernambuco, no município de Jabotão dos Guarapes com o nome Mércia de Albuquerque. Desde então o MLB segue lutando e defendendo suas pautas em 13 estados do país. Contando com a participação de milhares de famílias sem-teto ou com acesso precário a moradia, o movimento se preocupa com a emancipação e autonomia dos sujeitos envolvidos, como ferramenta para enfrentar as lógicas opressoras do governo e do sistema capitalista. O movimento acredita que ocupar é o primeiro passo para iniciar um processo fundamental na garantia dos direitos da população trabalhadora, construindo um diálogo sobre o coletivo, a educação e a formação política. É nesse contexto que o MLB chega em Salvador, mobilizando a Ocupação Luisa Mahin em um dos edifícios esvaziados do Centro Antigo da cidade, possibilitando, para além da moradia, um espaço de solidariedade, luta e resistência.
Imagem 2: Fotografia do cartaz com o símbolo do MLB que fica na parede do primeiro pavimento da Ocupação Luísa Mahin. Crédito da fotografia: Mikey Blount.
Na página ao lado: Vigília de Resistência das Ocupações de Porto Alegre e Região Metropolitana em janeiro de 2017 em frente à prefeitura de Porto Alegre. Crédito: Maia Rubim/Sul21. Referências: Coordenação Nacional do MLB. Morar dignamente é um direito humano!. As propostas do MLB para a reforma urbana. Coordenação Nacional do MLB. 2014. Disponível em: <http://media.wix.com/ugd/ab3c6b_1bfe13eef6cc46ca820c8dc9b51e397f.pdf>. Acesso em 11 mai. 2017.
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direito Ă cidade
A ocupação Luísa Mahin traz, para o bairro do Comércio, não apenas moradia, mas um espaço de resistência e de enfrentamento às políticas de esvaziamento do centro antigo. Desafiando as maneiras convencionais de solucionar a demanda por moradia, os residentes apropriaram-se de um espaço inicialmente utilizado para fins institucionais, e transformaram-no em um edifício residencial, inventando novos arranjos e usos aos espaços existentes, reinserindo o prédio abandonado na dinâmica da cidade. O direito à moradia, é um direito garantido constitucionalmente. Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso IV, ao estabelecer que o salário mínimo deveria ser suficiente para atender às necessidades primordiais dos trabalhadores rurais e urbanos , juntamente com seus dependentes, tem-se a expressão desse princípio (BRASIL, 1988). Contudo, ele só foi expressamente incluído no rol dos direitos sociais fundamentais através da emenda constitucional n. 26, em seu artigo 6o. “ São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2000). A dimensão da moradia ganha ainda mais expressividade com a promulgação da Lei No 10.257 - conhecida como Estatuto da Cidade - em 2001, agregando também outros elementos para a defesa da função social da propriedade, como é o caso expresso em seu Artigo 39, inserido no Capítulo III, nomeado Do Plano Diretor: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei” (BRASIL, 2001).
O referido artigo, No 2 do Estatuto da Cidade, versa sobre os objetivos da política urbana quanto ao desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. É interessante colocar que, nos incisos do artigo 2 da dita lei, é posta em questão a necessidade de prezar pelos interesses sociais no planejamento das cidades, visando corrigir eventuais prejuízos que o crescimento urbano tenha provocado. No entanto, esses direitos e orientações, embora reconhecidos e legalmente estabelecidos, não são amplamente cumpridos. No processo historicamente perverso e excludente de expansão da cidade de Salvador, as camadas de rendas mais baixas foram continuamente invisibilizados ou marginalizadas pela política urbana, que tratava de assegurar a fixação das populações mais pobres nas áreas mais distantes e menos infraestruturadas da cidade. Embora haja um significativo número de imóveis vazios e subutilizados, a prática da política urbana é a construção de novas e insuficientes unidades habitacionais, distantes do centro urbano e sem acesso à serviços e equipamentos indispensáveis para assegurar condições de vida digna. De acordo com Baltrusis e Mourad, no texto Política Habitacional e Locação Social em Salvador, de 2014, é possível comparar o déficit habitacional da cidade com o número de imóveis para uso habitacional vazios no espaço urbano. “De acordo com dados do Ministério das Cidades, em 2011, o déficit habitacional em Salvador foi estimado em 114.524 unidades, o que correspondia a 13,3% do parque residencial da cidade. Já os domicílios vazios ou sem uso correspondiam a 12,5%. Grosso modo, poder-se-ia suprir a falta de moradias utilizando os imóveis vazios” (MINISTÉRIO DAS CIDADES apud BALTRUSIS, MOURAD, 2014).
Os moradores da Ocupação Luísa Mahin figuram nesses dados de déficit habitacional de Salvador, ao mesmo tempo em que executam de forma autônoma o atendimento e
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cumprimento às suas demandas, uma vez que o poder público não cumpre com suas obrigações. Como já sabido e apontado, a política urbana executada pelo poder público, não tem assegurado uma qualidade de vida digna que alcance a todos os cidadãos. Ainda que os problemas, que justificam a existência de muitos dos instrumentos, sejam legítimos, os modos de operar as possíveis soluções, em geral, não apresentam respostas que democratizem o acesso ao direito à cidade, como comprovadamente observa-se no Plano de Requalificação do Centro Antigo de Salvador (Governo do Estado da Bahia, 2012); no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PMS, 2016); e no Programa Revitalizar (PMS, 2017). Em contrapartida, a ocupação, através da ação direta, vem construindo alternativas nas quais essa mesma parcela da população, que é marginalizada pelos planos oficiais, são postas em protagonismo.
Plano de Requalificação do Centro Antigo de Salvador (Governo do Estado da Bahia, 2012) O Plano de Requalificação do Centro Antigo de Salvador, apresenta, como um dos principais desafios, a transformação deste espaço urbano em uma zona com condições de habitabilidade, para fixação dos atuais moradores e atração de novos, reconhecendo a existência de 1400 imóveis fechados, em ruínas e lotes baldios, que não cumprem sua função social. Ao contrário do que em geral se argumenta sobre a inadequação quanto à presença de ocupações, como a Luísa Mahin, nas áreas centrais da cidade, a existência dessa alternativa de moradia dialoga diretamente com as preocupações expostas pelos próprios gestores públicos nesse mesmo documento. O Plano, assim como os residentes da Ocupação, reconhece a necessidade de promover o incentivo ao uso habitacional e institucional e do aprimoramento das ações e serviços de atenção à população vulnerável. No entanto, enquanto o Plano privilegia as classes mais abastadas, cuja renda seja superior a 5 salários mínimos, a Ocupação acolhe em seu edifício famílias sem teto, moradores de cômodos e cortiços, com renda inferior a um (1) salário mínimo. Embora o Plano reconheça a importância do desenvolvimento de programa de participação comunitária com essa mesma população (composta por cerca de 3 mil famílias moradoras em condições de vulnerabilidade no entorno), é a Luisa Mahin que abre suas portas para acolher em programações diversas e gratuitas os moradores do Comércio, através de parcerias que vêm desenvolvendo com Universidades, Organizações Não Governamentais, Movimentos Sociais e voluntários, que conjuntamente constroem uma importante agenda de atividades que auxiliam nos vínculos comunitários e afetivos mais sólidos entre todos os envolvidos. Se é prioridade para o Plano o repovoamento da área, a ocupação Luísa Mahin, com suas atividades, cumpre essa função ao atrair regularmente, moradores de distintos bairros da Região Metropolitana de Salvador, como os estudantes do curso pré-vestibular organizado em parceria com o coletivo NósK, que vem de São Cristóvão, Itinga, Cajazeiras, Pirajá, Capelinha, Uruguai, Boa Viagem, etc. Embora o plano preveja inserção de habitações de interesse social, fica evidente no próprio documento, para onde estão direcionadas as principais preocupações:
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“O primeiro objetivo específico considera a importância de atrair para morar no centro, famílias com maior padrão de renda que possam dar outra dinâmica aos bairros centrais, a partir do maior consumo de bens e serviços. Este assunto será tratado no texto sobre novos investimentos imobiliários, a partir de modelo financeiro para produção de habitação, comércio e serviço para o mercado imobiliário” (GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, 2012, p.166, grifo nosso).
Nesse sentido, a ocupação, em sua proposta e modos de operar, apresenta-se como uma resposta muito mais democrática e revolucionária no que tange o acesso aos direitos legalmente instituídos de acesso à moradia digna e à cidade.
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (Prefeitura Municipal de Salvador, 2016) O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) é uma das recomendações do Estatuto da Cidade para cidades com mais de vinte mil habitantes, devendo direcionar seus instrumentos para a garantia do Direito à Cidade. Com reformulações a cada quatro anos, o último PDDU de Salvador foi aprovado no final do ano de 2016, sendo acompanhado de fortes críticas da sociedade civil e seus movimentos. Essa censura está relacionada com a ausência de políticas efetivas para assegurar os direitos das populações mais vuneráveis, constituindo em mais um instrumento das ações econômicos sobre os espaços urbanos. Ainda que se mostrasse referenciado aos direcionamentos indicados no Estatuto das Cidades, esse Plano não apresentou uma efetiva aplicabilidade dos seus instrumentos, se conformando em um conjunto de sugestões de práticas urbanísticas, mas que não se aprofundam nas necessidades reais das populações urbanas. Um dos princípios funamentais de documentações que versem sobre o direito à cidade é a função social da propriedade, mencionada no PDDU, mas sem indicações de instrumentos que consolidem sua efetivação. Esse dado pode ser comprovado no Artigo 10 da seção TÍTULO II - DOS PRINCÍPIOS, destacando-se o seguinte trecho: “§2º A propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende ao princípio do interesse público, expresso na função social da cidade, e obedece às diretrizes fundamentais do ordenamento da cidade, estabelecidas neste Plano Diretor, sendo utilizada para as atividades urbanas permitidas, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas” (SALVADOR, 2016).
Neste parágrafo, percebe-se a citação do príncipio de função social da propriedade, porém seria necessário que ele viesse acompanhado de diretrizes mínimas para sua efetivação, garantindo, além do direito à moradia, o direito à infraestrutura urbana, equipamentos públicos, mobilidade urbana, equidade socioterritorial. É sabido que a Ocupação Luísa Mahin, ao apropriar do edifício, que se encontrava abandonado, contribui para o cumprimento da função social do imóvel, ainda que esse papel devesse ser desempenhado pelo governo.
Programa Revitalizar (Prefeitura Municipal de Salvador, 2017) Em mensagem de alcance público, endereçada ao presidente da Câmara Municipal de Salvador, o prefeito do referido município torna pública suas intenções com o Projeto de Lei nº 302/16, em que institui o Programa de Incentivo à Restauração e Recuperação de Imóveis do Centro Antigo de Salvador – PROGRAMA REVITALIZAR. Já na mensagem de apresentação do documento, que se segue, a referida autoridade expõe sua preocupação com o repovoamento da região, fato quem tem sido reforçado pela Ocupação Luísa Mahin desde sua chegada ao bairro do Comércio: “Ademais, consoante a moderna concepção das cidades compactas, busca-se estimular o uso misto das edificações: por um lado, em relação aos imóveis residenciais,
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residenciais, permite-se sua transformação em multidomiciliar, bem como sua destinação coletiva, para hospedagem turística ou residência estudantil, facultando-se ainda o uso do pavimento térreo para comércio ou serviço; por outro, em relação aos imóveis não residenciais, passasse a admitir o uso uni ou multidomiciliar nos pavimentos superiores, desde que ocupado integralmente o pavimento térreo com comércio ou serviço, visando o repovoamento da região, com incremento da função habitacional no Centro mediante a oferta de habitação para as diversas faixas de renda” (Mensagem nº 20/16, extraída da plataforma digital da Câmara Municipal de Salvador. Disponível em: http://www.cms.ba.gov.br/upload/Mens._20_PLE_302_20161216105745406902.pdf. Acesso dia 10/05/2017).
Mesmo no Programa Revitalizar, em que são concedidos incentivos fiscais a proprietários para que reformem suas propriedades, o uso misto de comércio e serviço já é incentivado: “Para beneficiar-se dos incentivos desta Lei o imóvel não residencial deve ter pelo menos o seu pavimento térreo integralmente ocupado por serviços e atividades comerciais, admitido o uso residencial, uni ou multidomiciliar, nos pavimentos superiores.” (SALVADOR, 2017).
Este arranjo de usos proposto pelo Programa é o mesmo arranjo elaborado pela Ocupação Luísa Mahin que abriga em seu 1º pavimento a Escola de Formação Carlos Marighela - gratuita, destinada a jovens e adultos de todas as idades, vindos de diversos locais da cidade - e no térreo – que ainda está sendo preparado - um espaço para comercialização da produção a ser realizada pela cooperativa social (em processo de construção) que, aliada à escola de formação, possibilitará a geração de renda através desse arranjo produtivo solidário. A ocupação do edifício dessa forma, está contribuindo diretamente com a dinamização econômica e dos usos do Comércio e do Centro Antigo de Salvador. Além disso, o Programa respalda-se no Estatuto da Cidade (já exposto anteriormente), para evocar a obrigatoriedade da utilização dos imóveis, tombados ou não, inseridos dentro da poligonal de preservação: “Observado o disposto no Art. 182, § 4º da Constituição Federal, será exigida a obrigação de edificar ou utilizar os imóveis localizados na poligonal a que se refere o §1º do art. 1º, desta Lei que, nos termos da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – ESTATUTO DA CIDADE, arts. 5º a 8º e da legislação urbanística do Município, sejam mantidos não edificados, subutilizados ou não utilizados” (SALVADOR, 2017).
Sabe-se que a Ocupação Luísa Mahin cumpre diretamente tal designação.
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Referências: BRASIL. Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. SALVADOR. Lei Nº 9.069/2016 de 30/06/2016 – Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador – PDDU 2016 e dá outras providências. SALVADOR. Lei Nº 9.215/2017 de 19/05/2017 – Institui o Programa de Incentivo à Restauração e Recuperação de Imóveis do Centro Antigo de Salvador - PROGRAMA REVITALIZAR, e dá outras providencias.
processos
Durante o período entre 30 de abril e 12 de maio, estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Univesity College of London (UCL), em parceria com um grupo de moradores da Ocupação Luísa Mahin, realizaram um conjunto de atividades com o objetivo de desenvolver um Instrumento para Ação Coletiva. Este instrumento, que foi sendo elaborado, conceitualmente, ao longo desse tempo, buscou fortalecer os processos de luta e resistência desse movimento urbano por moradia. Entre o conjunto de propostas, foram escolhidos como metodologias que permitiram diferentes abordagens e aproximação entre os participantes. 1) Oficina da Linha do Tempo Esse exercício foi o primeiro a ser realizado, e favoreceu o entendimento da historiografia da Ocupação Luísa Mahin, tanto para os estudantes que chegavam, quanto para os próprios moradores, que tiveram a percepção dos percursos anteriores e posteriores ao ato de ocupar. A metodologia adotada foi a delineação, no quadro que há na parede do primeiro pavimento, a partir de uma linha do tempo, das trajetórias das famílias, assim como do acercamento com o MLB.
Imagens 1 e 2: À esquerda, a construção da linha do tempo, a partir das lembranças dos moradores. À esquerda, os moradores colocam o papel com o nome e o momento em que entraram no processo de planejar e ocupar o edifício. Crédito das fotografias: Mikey Blount.
Por meio das narrativas dos ocupantes, observou-se que o processo de ocupação teve início a partir da criação dos núcleos, nos bairros do Uruguai e da Boca do Rio, pelo MLB quando o movimento chegou à Salvador. A maioria dos moradores da Ocupação Luísa Mahin iniciou o contato nesta etapa, ainda no primeiro semestre de 2016, participando ativamente das reuniões e formações que ocorreram. Após esse momento de ocupar o edifício, alguns fatos foram marcantes para as pessoas que vivem lá, como o corte de água e luz pelas concessionárias, que os colocou em situação precária. Porém, foi a idealização e criação da Escola de Formação Popular Carlos Marighella, a partir das reuniões do grupo de mulheres, que foi considerado o evento mais emblemáticos, estabelecendo uma relação direta com o bairro e a cidade. 2) Oficinas de fotografias Foram propostas e realizadas duas oficinas de fotografias com os moradores com o objetivo de coletar imagens do cotidiano da Ocupação a partir dos olhares dos próprios habitantes. A primeira abordou algumas características técnicas da máquina, e também noções de enquadramento e proporção. Depois disso, foram disponibilizadas duas câmeras fotográficas para eles registrassem, durante dois ou três dias, as práticas diárias. Após essa etapa foram impressas as imagens e ocorreu a segunda oficina, em que se discutiu sobre o material produzido. 36
Imagens 3 e 4: Ambas fotografias são das oficinas de fotografia. Crédito: Paz Mackenna.
3) Caminhadas pela área Outra metodologia escolhida foi a apreensão do bairro e do entorno, a partir dos caminhos comuns aos moradores. Foram realizados três percursos com ocupantes diferentes, em que ficaram claras as relações que se davam com o bairro e a cidade. Os deslocamentos para acessar equipamentos públicos, como escolas e postos de saúde, sempre eram maiores, pois o bairro não oferece esse tipo de suporte.
Imagens 5 e 6: À esquerda, foto da caminhada com Josemar, morador da Ocupação Luísa Mahin. À direita, foto da caminhada com outros dois ocupantes, Flávio e Beatriz. Créditos da fotografia: Mikey Blount e Jia Li, respectivamente.
4) Oficina de Mapa Como forma de registrar as atividades de caminhada, optou-se inicialmente em fazer o registro a partir da ferramenta do mapa. Como essa é uma representação mais próxima à arquitetura, foi realizado um exercício com os ocupantes e os demais estudantes para introduzir alguns conceitos de bidimensionalidade, localização, leitura de informações, para que todos tivessem domínio do que seria produzido.
Imagens 7 e 8: Alguns registros da oficina realizada com os mapas, do Comércio e de Salvador, para identificar os trajetos dos moradores pelo bairro e pela cidade. Crédito das fotografias: Mikey Blount.
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5) Entrevistas Outra forma de interação com os moradores e com a realidade da Ocupação Luísa Mahin foi feita através da aplicação de questionários entre aqueles que se sentiram confortáveis para compartilhar as informações solicitadas. Além de informações básicas de idade, nível escolar e situação de trabalho, investigou-se também as relações estabelecidas pelos ocupantes internamente, uns com os outros e deles com os espaços. As entrevistas foram realizadas, prioritariamente, em cada apartamento, não tendo sido realizados registros fotográficos nesses momentos. Os exercícios propostos e realizados conjuntamente entre os estudantes e os ocupantes, permitiram uma compreensão apronfundada da situação das famílias, assim como do espaço criada com a Ocupação Luísa Mahin e a Escola de Formação Popular Carlos Marighella, que será mais especificada a frente. A partir das atividades, identificou-se quatro temas, que abrangiam os processos de trabalho, e que singularizam esta ocupação. Foram eles: Afetividade, Coletividade, Cuidado e Educação. Como sequência, foram produzidos pelos estudantes, a partir das experiências com os moradores, um conjunto de elementos, com base nas interações ocorridas, que contou com cartazes, desenhos, textos e artes. Esses materiais foram apresentados para os ocupantes através de uma exposição na própria Ocupação.
Imagens 9 e 10: Fotografias do dia da exposição. À esquerda: Tiago, que é um dos moradores da Ocupação, com os cartazes ao fundo. À direita, Josemar, outro morador, pintando, a partir da técnica da serigrafia, uma camisa com a arte da Luisa Mahin elaborada por Sandra Tai. Crédito das fotografias: Mikey Blount.
Com base nas discussões e nos exercícios, realizados durante essa atividade entre universidades e movimento social, foram elaboradas as reflexões apresentadas neste documento.
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afetividade
A relação de afeto entre os ocupantes é percebida em pouco tempo de convivência com a Ocupação Luísa Mahin. Ainda que vindos de bairros diferentes, Uruguai e Boca do Rio em sua maioria, com oito meses desde que o edifício foi ocupado, nota-se a construção de laços de confiança, companheirismo, cuidado e carinho entre os moradores, que é fundamental na rotina da Ocupação. Esta dimensão afetiva traz a humanização de um espaço anteriormente esvaziado de qualquer função e significado, fortalecendo a vontade de resistir e permanecer naquele edifício. Para além das conexões familiares que existem entre alguns moradores, a Ocupação Luísa Mahin é descrita por eles como um espaço de paz, alegria e relações de confiança e respeito, que trazem bem estar e conforto, aspectos que por vezes lhes era negado em outros momentos de suas vidas. Cotidianamente os moradores vivenciam a experiência do afeto, da solidariedade, e da vida em coletividade. São muitas as situações onde a ajuda e o apoio mútuo são colocados como uma alternativa para os problemas que surgem. Esse modelo de vida, solidária e coletiva, pode ser considerado uma inspiração para o atual contexto de sociedade individualista que vivemos. Apesar das singularidades, e dos desejos particulares e individuais, há uma compreensão de que só no coletivo é possível resistir aos enfrentamentos impostos pelo poder público, pelo mercado e pela própria sociedade.
Imagens 1 e 2: À esquerda, parede do antigo espaço da creche da Ocupação Luísa Mahin, onde as crianças escreveram seus nomes e pintaram as mãos. À direita, em um dos apartamentos, os moradores buscam formas de deixar as casas ainda mais acolhedoras.
“Eu amo quando todo mundo se junta para jogar dominó, baralho... Quando ficam todos juntos” (Fala de um dos moradores). Imagem 3: Material sobre afetividade na exposição feita na Ocupação. Crédito da fotografia: Mikey Blount.
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coletividade
O cotidiano da Ocupação é marcado pela organização e pelas atividades coletivas, que são desenvolvidas e acordadas entre todos os moradores. As práticas de limpeza, divisão de tarefas, reuniões e momentos de convívio fazem parte dessas atividades. A reunião semanal, em especial, é colocada pelos ocupantes como um momento muito importante, é o espaço onde as decisões são tomadas, é importante destacar esse processo de encontrar soluções coletivamente dentro da Ocupação, porque ele reflete seus valores. Todas essas atividades contribuem para o desenvolvimento da consciência coletiva e da solidariedade, instrumentos que somam na construção de um processo contínuo de desenvolvimento de cidadania. Essa consciência cidadã é evidenciada através dos relatos dos moradores sobre a vontade de que sua causa ganhe visibilidade, entendendo a importância da Ocupação Luísa Mahin para os que vivem nela e para a cidade, e lutando para que isto seja visto e compreendido por mais pessoas.
“Eu realmente gosto das reuniões, quando precisamos resolver um problema todo mundo pensa junto, se alguém discorda, existe um debate” (Fala de um dos moradores).
Imagens 1 e 2: À esquerda, alguns dos moradores reunidos na casa de Telma. À direita, parede pintada pelas crianças da Ocupação. Crédito das fotografias: Beatriz, moradora do edifício, e Mikey Blount, respectivamente.
Imagem 3: Registro dos participantes da oficina da linha do tempo. Crédito da fotografia: August
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cuidado
O cuidado dos moradores com o espaço, refletido nas práticas cotidianas de limpeza e manutenção, se torna evidente desde o primeiro contato com a Ocupação Luísa Mahín. Essas práticas são fundamentais para a conservação do edifício histórico que se encontrava degradado e abandonado pelo Governo do Estado da Bahia até setembro de 2016, quando os moradores ocuparam o prédio. Os momentos iniciais da ocupação contaram com uma grande organização para limpar o espaço e realizar algumas manutenções que viabilizassem a moradia. Desde então os moradores mantem regularmente a limpeza de seus apartamentos e realizam tarefas coletivas para cuidar dos espaços em comum, como o pavimento de entrada, a Escola de Formação, os corredores e banheiros compartilhados. Essas ações contribuem para além da manutenção do edifício. Elas garantem uma vida digna aos moradores da Ocupação, que sempre descrevem a coletividade como premissa para realização das práticas de cuidado.
Imagens 1, 2, 3 e 4: Registros dos moradores em suas práticas cotidianas de limpeza e cuidado com o edifício. Crédito das fotografias: Moradores participantes da Oficina de Fotografia.
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educação
Em poucos meses de Ocupação iniciou-se o processo de construção da Escola de Formação Popular Carlos Marighella, no segundo pavimento do edifício, pensada para atender algumas demandas populares gratuitamente. É sabido que o poder público não arca com a responsabilidade de prover educação gratuita e pública de qualidade para todos os cidadãos. Nesse sentido, o objetivo inicial era suprir as necessidades dos moradores da Luísa Mahin e do bairro, contando com aulas de alfabetização e algumas oficinas ministradas por grupos e coletivos que apoiam a causa. Hoje a Escola de Formação gera impacto em diversas localidades da cidade, através do cursinho pré-vestibular para estudantes que não tem acesso ao serviço privado. No projeto da Escola os moradores defendem: creche, para as crianças ainda em idade não escolar e em idade escolar no turno oposto, para que os pais possam trabalhar; alfabetização para os adultos, no turno da noite, que não conseguiram completar os estudos e que trabalham; espaço para oficinas de música, fotografia, danças, entre outros; formação política. Essas atividades já se encontram em desenvolvimento desde março de 2017. É importante lembrar que o bairro do Comércio não oferece equipamentos que suportem as pessoas que vivem no local, como escolas, creches, postos de saúde, entre outros.
Imagens 1 e 2: À esquerda, aula do cursinho pré-vestibular, organizado pelo coletivo NósK em parceria com a Escola de Formação Popular Carlos Marighella. À direita, registro da Oficina de Mapa. Crédito das fotografias: Mikey Blount.
Imagens 3 e 4: À esquerda, entrada da Escola. À direita, imagem do espaço atual da biblioteca. Crédito das fotografias: Mikey Blount.
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