Pardais Papagaios texto Paulo Mauá arte Claudia Schmidt
Pardais Papagaios
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Mauá, Paulo Pardais & papagaios : um conto do descobrimento / texto Paulo Mauá ; arte Claudia Schmidt. – Santos, SP : Ed. do Autor, 2021. ISBN 978-65-00-31471-7 1. Contos - Literatura infantojuvenil 2. História do Brasil 3. Indígenas da América do Sul - Brasil I. Schmidt, Claudia. II. Título. CDD-028.5
21-83163
Índices para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura infantil 028.5 2. Contos : Literatura infantojuvenil 028.5 Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380
aos verdadeiros donos da nossa terra: por justiça e paz
“Quando o português chegou debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol o índio tinha despido o português”. Oswald de Andrade
O homem trajado, cercado de alguns homens pesadamente vestidos, munido de espadas e enfeitado de chapéu metálico, faz um gesto cordial.
“Olá. Somos mensageiros da paz.”
O homem nativo, cercado por dezenas de homens pelados, prevenidos com arco e flecha até a orelha e lanças afiadíssimas, olha com desdém a figura estranha.
“Moringa araraquara?”
Os homens vestidos não entendem nada. Permanecem paralisados.
Apreensivos.
Qualquer movimento brusco é perigoso. Os nativos podem exterminá-los em menos de uma ampulheta virada.
O gordo escrivão-mor da esquadra, o último a deixar o bote e reclamando por ter molhado a roupa, olha assustado o povo nu.
Aguarda ordens do comandante.
“Não estamos entendendo o que esse selvagem diz. Ajude-nos”.
O homem pelado, que parece o chefe, pois tem um cocar maior e mais bonito que a maioria, sorri para os outros homens pelados e aponta para os seres vestidos.
“Pipoca carioca indaiá jabuticaba”
Os homens pelados riem sem parar.
A praia é gargalhada só. O homem fardado recomeça o diálogo:
“Somos de outras terras, além-mar, e viemos conquistar, quer dizer, conhecer
vocês”.
O cacique pelado esbraveja:
“Juqueí itaquaquecetuba embaré pindaíba”
O homem, suado de tanta roupa sob o sol tropical, recua um pouco e tropeça no baú
de quinquilharias.
“Calma. Viemos em paz. Escrivão-mor, comunique-se com eles, por favor.”
O escrivão resolve agir em indianês:
“Somos mercadores guaraná. Viemos trocar com vocês açaí coisas da nossa terra sem valor mandioca por coisas daqui mandacaru, que nos interessam muito Itanhaém itanhaém”.
“Itanhaém??????” - estranharam os indígenas enfurecidos
“Marajoara, marajoara” – corrigiu o entendido homem branco suando em bicas.
Um dos civilizados mostra um espelho para os considerados selvagens.
“Mundaú panamá mongaguá” exclamam maravilhados os homens pelados.
O homem com roupa aponta o espelho para o rio que desemboca no mar refletindo as ondas, o sol e as nuvens.
“Boraceia. Boraceia.” - repetem os homens nus.
O chefe dos homens pelados pega o espelho.
Olha sem pressa. Consulta o pajé.
“Paraíba, xará?”
O curandeiro responde de imediato.
“Jabuti araponga pará paraná amapá”
O capitão da nau solicita ao escrivão-mor que continue a negociação: “Fale aos selvagens que gostamos muito do pássaro verde que está pousado no ombro dele. Pergunta se não quer trocar por um pardal que temos na gaiola, meio cinza e sem graça, que não canta nada. Quem sabe eles aceitam a troca”.
Nem precisou traduzir.
Os homens pelados respondem na hora.
“Babaçú itacaré”
Sentindo a resposta negativa pela feição dos indígenas da praia, os homens vestidos passam a mão no papagaio, entram no bote e remam em disparada de
volta para a imensa caravela ancorada na baía.
Os homens nus pouco reagem.
Apenas sorriem.
Algumas flechas caem a esmo no mar, só para dizer que estão preocupados com o ato realizado pelos invasores.
Sentindo a resposta negativa pela feição dos indígenas da praia, os homens vestidos passam a mão no papagaio, entram no bote e remam em disparada de volta para a imensa caravela ancorada
na baía. Os homens nus pouco reagem.
Apenas sorriem.
Algumas flechas caem a esmo no mar, só para dizer que estão preocupados com o ato realizado pelos invasores.
Antes que os homens vestidos cheguem com segurança à nau, veem aterrorizados o navio afundar. Furado por outros homens pelados que voltam para a praia em rápidas remadas nas canoas. A tarefa fora realizada simultaneamente ao diálogo diplomático travado à beira do mar.
Os homens vestidos estão desolados.
Sem nau.
Os homens pelados viram as bundas para o bote
e iniciam a volta para a aldeia dentro da mata fechada.
O cacique clama aos homens pelados com a lança em riste.
“Cunhambebe itamaracá”
“Itamaracá itamaracá” - respondem em coro os outros homens sem roupa.
Única saída dos homens vestidos: voltar para a praia.
Tirar a roupa.
Aproveitar o sol.
Desistem de explorar os selvagens e se adaptam ao estilo da vida indígena.
Casam-se com Moemas e Iracemas.
As nativas adoram os espelhos.
Com isso o hemisfério sul do planeta nunca sofreu invasão de terra, genocídio, implantação do capitalismo, extermínio da cultura, poluição industrial, globalização, desenvolvimento da internet e proliferação da fast food.
Os originários da terra e agregados pescam o que o
irmão rio dá, o que o avô oceano oferece e tomam muito banho de mar.
Todos pelados.
Pena que o pardal alastrou penas por aqui.
Hoje é mais difícil encontrar papagaios soltos e livres pelos coqueiros das praias.
Mesmo assim, a vida por aqui
tem sido um paraíso
tropical.
Paulo Mauá é escritor, músico, engenheiro e educador, nascido em Santos, SP, casado e pai de duas moças lindas. Adora ler, ler, ler, caminhar na praia, viajar, tocar e ouvir música, estar em família e escrever.
Autor dos livros infantojuvenis da SAGA PANAPANÁ (O CIRCO, A ORQUESTRA, O CASTELO E O ESPAÇO SIDERAL PANAPANÁ), DICIONÁRIO DE COLETIVOS DO TIO MENELAU, A CASINHA DAS VOGAIS, A LENDA DE UAÇÁ E UANÁ e do livro acadêmico ENSINO DE MÚSICA PARA CEGOS SEM BRAILE: DESAFIO OU LOUCURA? Faz parte da UBE (União Brasileira de Escritores) e gosta de estar com os seus leitores, sem pressa de ser feliz. @livrospaulomaua pemaua@hotmail.com
Claudia Schmidt, engenheira, sonhadora, artista visual, amante de leitura histórica e fantástica, de astrologia, tarot, chuva e robôs, além de escrevinhadora acidental.
Suas composições têm sido expostas no Brasil e no exterior e suas ilustrações iniciais lhe inspiraram reflexões corriqueiras que, reunidas, deram origem à Sereia e sua série de livros ilustrados exibidos em https://issuu.com/claudiapovoasschmidt que também hospeda outros gêneros de leitura.
https://cschmidt303.wixsite.com/ilustras e @cschmidt303 reúnem a sua produção nas artes visuais.
Pardais Papagaios Homens vestidos munidos de espada e nativos pelados trajando apenas arco e flecha não se entendem. A invasão do considerado civilizado sob o ponto de vista do que (infelizmente) não aconteceu. Itamaracá, Itamaracá.