Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 1 - by Editora CaLu

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Ano I - Nº 01 - ISSN - 1983-7569

Revista Científica da Faculdade São Luís de França


GESTORES JEFERSON FONSECA DE MORAES Diretor Presidente Setembro/2008

Ano I - Nº 01 -

CRISTIANE TAVARES FONSECA DE MORAES NUNES Diretora Superintendente

VIVIANE TAVARES FONSECA DE MORAES Diretora Financeira

ISSN - 1983-7569 - 09/Setembro/2008

CONCEPÇÕES – Revista Científica da Faculdade São Luís de França editada pelo NUPEX Núcleo de Pesquisa e Extensão. Publicação anual que se destina à divulgação da produção científica da comunidade acadêmica sob a coordenação de seu corpo editorial executivo e consultivo.

CORPO EDITORIAL EXECUTIVO Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes Profa. Mestre – UNEX

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OTÁVIO TAVARES FONSECA DE MORAES Diretor Jurídico

JORGE LUIZ CABRAL NUNES Ano I - Nº 1

Gestor Administrativo e de Tecnologia

Profa. Doutoranda – PUC/MG

Laura Jane Gomes

Profa. Mestre – UFS

Dra. em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável Profa. da UFS

Denisia Araujo Chagas Tavares Profa. Mestre – UFS

Coordenadora do Curso de Administração

Maria Odete de Carvalho

Profa. Mestre – UFS

Coordenadora do Curso de Letras

Sandra Magina PhD em Educação Matemática pela Universidade de Londres Pós-Doc em Educação pela Universidade de Lisboa Profa. Titular da PUC/SP e da FCE

José Reis Jorge Mestre e Doutor em Educação pela Universidade de Bristol, Reino Unido. Prof. e Presidente do Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC), em Lisboa

Profa. Mestre – PUC/RJ

Suely Mendes Braga

FABÍLIA APARECIDA ROCHA DE CARVALHO

Dra. em Filosofia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul Profa. da PUC/MG

Danielle Thaís Barros de Souza

Maria José de Azevedo Araujo

Coordenadora do Curso de Pedagogia

Sônia Fonseca Dra. em Educação pela PUC/SP Profa. da PUC-SP e da FCE

Alzira Lima Ana Maria Lourenço de Azevedo

DANIELLE MONIQUE GARDINAL GORBETT

ANDRÉA HERMÍNIA DE AGUIAR OLIVEIRA

CORPO CONSULTIVO

Especialista em Administração – UFPB Profa. Mestranda em Ciências da Educação – Lusófona/Portugal

Manuel Maceiras Doutor em Filosofia pela UCM/ES Prof. da UCM/ES

COORDENAÇÃO NUPEX – Núcleo de Pesquisa e Extensão BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL

JORNALISTA RESPONSÁVEL

Valdenice Ferreira Conceição CRB – 5/1335

Carlos Alberto de Souza DRT/MG – 1.599

REVISÃO

Prof. Antônio Andrade de Oliveira Profa. Suely Mendes Braga

DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

PROJETO GRÁFICO

Lúcia Andrade DRT/SE – 1.093

C&M Editora Ltda. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Rua Laranjeiras, 1.838 - Getúlio Vargas 49.055-380 – Aracaju – Sergipe Telefone: (79) 3214-6300 e-mail: atendimento@fslf.com.br Homepage: www.fslf.com.br

As opiniões expressas nos artigos são da inteira responsabilidade dos seus autores. É permitida a reprodução de parte ou total dos artigos, somente para fins didáticos e para citação em obras de interesse científico, desde que seja citada a fonte, ficando proibida a reprodução para outros fins por qualquer meio impresso ou eletrônico.

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culdade, nasceu faculdade, e isso lhe deu uma identidade única. Também não possui grupos financeiros na retaguarda e isso lhe conserva as características de pequena. Mesmo com limitações financeiras, consegue ter sua independência cultural e ideológica. Durante todo esse tempo, o trabalho tem sido validado pela atuação dos nossos alunos no mercado de trabalho. São aprovações em massa em concursos, ocupação de cargos de gerência e direção, são pedagogos inovadores e criativos em salas de aula, administradores conscientes do seu papel transformador dentro das organizações. Tudo isso fruto do empenho de todos, da equipe de professores, coordenadores e demais colaboradores. Por tudo isso, a Faculdade São Luís de França vem construindo sua história, dando exemplos de superação e de desenvolvimento, talvez, por isso, sinta-se tão próxima de seus alunos que, em grande parte, possui o mesmo perfil. A concretização da Revista Concepções diz respeito também a todo esse processo de construção. Sempre atuando coletivamente, a Faculdade São Luís de França, através do NUPEX – Núcleo de Pesquisa e Extensão da Faculdade, formado pelas professoras Danielle Thaís, Denisia Chagas, Suely Braga, Maria José Araújo, Ana Azevedo, Maria Odete de Carvalho e Mara Rúbia Barreto Menezes,trabalhou muito para ver nascer o fruto de muita dedicação de alunos e professores na produção dos artigos aqui presentes. Agradecer a Deus é agradecer a cada pessoa que colocou um tijolinho para ver crescer a nossa instituição. Porém, muito mais agradeçemos àqueles que acreditaram e acreditam em nossos ideais, em nossas possibilidades, porque acreditar envolve muito mais dedicação. Se os pais não acreditarem nos filhos, quem mais irá fazê-lo? Parabéns a todos nós que fazemos a Faculdade São Luís de França! Nosso maior legado será sempre o da concretização de sonhos.

Revista Científica da Faculdade São Luís de França

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Ano I - Nº 1

ez anos. O tempo passou e chegamos aqui. Foram muitos desafios, incontáveis alegrias e preocupações. Como uma criança que acaba de completar dez anos, a Faculdade São Luís de França também cresceu. Começou a andar, caiu, levantou, aprendeu com os erros. Está na idade do grande equilíbrio na sua evolução. Mostra-se uma criança feliz, simpática, tranqüila, amável, sincera, amigável. O equilíbrio que manifesta mostra uma independência comum aos pré-adolescentes que precisam da imaginação para aferir seu desenvolvimento, mesmo que ele ainda não tenha se concretizado. Uma história incomum marca a trajetória da Instituição nesses dez anos de vida. Primeiro, pela idealização do sonho da fundadora, profa. Dra. Sônia Fonseca, que plantou a semente, regou com cuidado e, aos sinais dos primeiros frutos, entregou ao seu irmão, Jeferson Fonseca de Moraes, para que continuasse arando a terra, cuidando dessa árvore tão frondosa e, ao mesmo tempo, tão frágil, tão carente de cuidados. Estamos acompanhando as mudanças no Ensino Superior que, após um crescimento acelerado e um período recente de estagnação, agita-se com o aparecimento de grupos internacionais, e isso tem acelerado compras e fusões de instituições de pequeno e médio porte, porque face às condições socioeconômicas da procura, os custos terão de ser drasticamente reduzidos e controlados. Em meio a toda essa turbulência, existe uma missão institucional que tem sustentado os propósitos e os objetivos da Faculdade São Luís de França. Não tenho nenhuma dúvida ao afirmar que ela é um caso de sucesso. Contrariando as expectativas dos pessimistas e invejosos que espreitam à procura de qualquer indício de fragilidade que possa ameaçar a sobrevivência institucional, a Faculdade segue seu caminho: não era escola que se transformou em fa-

Setembro/2008

Evolução e equilíbrio


Setembro/2008

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História da Faculdade São Luís de França A Fundadora O Presidente Aspectos legais da FSLF

NUPEX Núcleo de Pesquisa e Extensão da Faculdade São Luís de França

A Reflexividade como eixo estruturante do profissionalismo docente: dimensões e intenci-

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onalidades do acto reflexivo e implicações para a formação de professores

José Reis Jorge

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Endomarketing: Estudo de Caso no Centro de Medicina Integrada de Sergipe Edenir de Oliveira Fernandes Danielle Monique Corbett Danielle Thaís Barros de Souza

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21

A Rotatividade e o Perfil dos Trabalhadores Braçais da Construção Civil na Cidade de Aracaju

Jorge Eduardo Leite Osiris Ashton Vital Brazil Danielle Thaís Barros de Souza

A

Evolução Histórica das Tutelas de Urgência: Breves Notas de Roma à Idade Média André Vinhas da Cruz

Entrevista

Profª. Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes

Linguagens na Construção do Processo de Alfabetização: Signos Ideológicos, Polifônicos e Vivenciais?

Ana Maria Lourenço de Azevedo

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31 40 45 49


Tecnologia , educação e trabalho: novas

Administração Escolar ou Gestão Educacional? Uma Quebra de Paradigmas

Martha Suzana Nunes de Azevedo Jorge Luiz Cabral Nunes ○

Cadeira de Projetos no curso de Administração

A importância da Saumíneo da Silva Nascimento

Professor

Do Tradicional ao Educador Atual: Refletindo sobre o Desempenho, o Compromisso e a Qualificação Profissional Maria José de Azevedo Araujo ○

O Primeiro Jardim de Infância de Sergipe: Aspectos de Implantação

Rita de Cássia Dias Leal

59 63 71 75

Setembro/2008

conjunturas para desenvolvimento social Ana Maria Lourenço de Azevedo José Sebastião dos Santos Filho Lenalda Dias dos Santos Denisson Ventura Sant´Ana

83 5

Gestão Democrática da Escola: Descentralização e Autonomia Face ao Papel dos Órgãos Mediadores

Sônia Maria de Azevedo Viana

Análise da Particularidade Estética em Não Verás País Nenhum. De Ignácio de Loyola Brandão: Um Herói Problemático Luciana Novais dos Santos ○

89 97 104

Promoção

do Biodiesel no Brasil: Um Estudo de suas Potencialidades e Motivações Regionais Amanda Santos do Nascimento Denisia Araujo Chagas Tavares ○

Perfil do Consumidor Ambientalmente Consciente no Município de Aracaju – SE Bruna Vanessa Cunha dos Santos Laura Jane Gomes Alan Alexander Mendes Lemos Matheus Pereira Mattos Felizola Carlos Eduardo Silva ○

Normas para publicação de trabalhos

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Professor

O papel do Universitário num mundo em Transformação Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes


Setembro/2008

Professora Sônia Fonseca

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A FUNDADORA A

Faculdade São Luís de Fran ça foi fundada no ano de 1997 e começou a funcionar em 1998. Sua fundadora, a Professora Doutora Sônia Fonseca, nasceu na cidade de Ribeirópolis, interior do Estado de Sergipe. Seu pai, Otacílio da Fonseca, é tabelião, e sua mãe, Eunice Pereira da Fonseca, é professora aposentada do Estado de Sergipe. A Professora Sônia Fonseca cursou o ensino fundamental no Grupo Escolar Comendador Calazans, em Santa Luzia do Itanhy/SE, o ensino médio no Colégio das Freiras, em Estância/ SE e no Colégio Estadual de Sergipe (Atheneu), em Aracaju. Como formação acadêmica é Graduada em Economia e Administração, com Mestrado pela Fundação Getúlio Vargas/SP e Doutorado em Educação pela PUC/SP. Há 20 anos deixou Aracaju e fixou residência em São Paulo. Lá, com seu espírito empreendedor voltado para a Educação, fundou a Faculdade Campos Elíseos, sendo hoje sua Di-

retora-Presidente. Exerce também atividades educacionais em Sergipe como Consultora da Faculdade São Luís de França. Recentemente, a Professora Doutora Sônia Fonseca recebeu convite do Conselho Regional de Administração do Rio Grande do Sul e também do Conselho Federal de Administração, para participar do X Fórum Internacional de Admi-

nistração – FIA e IV Congresso Mundial de Administração (23 a 27 de Setembro/2007), na Universidade de Coimbra/ Portugal. A professora coordenou a mesa de trabalhos da Conferência do Prof. Dr. António Nóvoa – Reitor da Universidade de Lisboa, e fez palestra sobre: “Capital intelectual como ativo não contabilizado nas organizações”.

A Professora Drª Sônia Fonseca no X Fórum Internacional de Administração, IV Congresso Mundial de Administração em Coimbra, Portugal

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O PRESIDENTE Procurador do Estado aposentado foi profes-

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Jeferson Fonseca de Moraes

sor do curso de Direito da UNIT por mais de 10 anos. Na juventude atuou como professor de história em vários colégios de Aracaju. Filho de Eunice e Otacílio tem apenas uma irmã: Sônia

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Fonseca, que em 2004 transferiu para o seu ça, para que pudesse dirigir a instituição junto com os filhos. Homem experiente, o Professor Jeferson sempre exerceu a advocacia, trazendo para a Faculdade São Luis a sua vivência jurídica, fruto de um trabalho de observação nas inúmeras empresas onde prestou seus relevantes serviços. Advogado brilhante, sua passagem pelo Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, exercendo diversas vezes o cargo de Chefe da Assessoria Jurídica, contribuiu com o TCE, de forma decisiva, para a solução de complexas questões relacionadas com o Direito Público. Hoje, com o seu exemplo de honestidade e determinação, Jéferson Fonseca de Moraes credita o seu legado às futuras gerações e aos profissionais formados pela Faculdade São Luís de França.

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nome as ações da Faculdade São Luís de Fran-


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Revista Científica da Faculdade São Luís de França


Nossa Faculdade de Ad-

terno e da legislação do ensi-

França, com sede na Rua La-

ministração, seguindo os trâ-

no superior em vigor, a Facul-

ranjeiras, nº 1.838, Bairro Ge-

mites legais de análise junto ao

dade São Luís de França, como

túlio Vargas, em Aracaju (SE),

Ministério da Educação e Cul-

Instituição Educacional na

é um estabelecimento isolado e

tura - MEC, teve seu Funcio-

área do curso que ministra,

particular de ensino superior,

namento autorizado através

tem os seguintes objetivos:

cuja entidade mantenedora é a

da Portaria nº 2.067 de 31 de

Sociedade Educacional e Cultu-

outubro de 1997 e seu Reco-

ral Sergipe Del Rey S/S Ltda.

nhecimento pela portaria 794

Juridicamente, a Faculda-

de 22 de março de 2002.

de São Luís de França, a par-

A Faculdade de Pedago-

tir de abril de 1998, deixou de

gia, seguindo os trâmites legais

ser entidade de direito privado

de análise junto ao Ministério da

sem fins lucrativos, para fins

Educação e Cultura - MEC, teve

lucrativos. Seu Contrato Soci-

seu Funcionamento autoriza-

al é registrado no Cartório de

do através da Portaria nº 137

Registro Civil de Pessoas Jurí-

de 1º de fevereiro de 2001 e seu

dicas, sob o n° 17.354, em

Reconhecimento pela porta-

09.07.98, do livro A/31 às fls.

ria nº 3.968 de 14 de novembro

77; Cadastro Geral de Contri-

de 2005 publicada no Diário

buintes

Oficial da União.

CGC

sob

32.728.800/0001-10 e Inscrição Municipal 05/164-8.

Administrada segundo os ditames do seu Regimento In-

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Formar profissionais e especialistas de nível superior; Realizar pesquisas e estimular atividades criadoras; Estender o ensino e a pesquisa à comunidade, mediante cursos e serviços especiais; Oferecer oportunidades de atualização nos campos do conhecimento, através de técnicas correspondentes ao curso ministrado.

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A Faculdade São Luís de

Setembro/2008

ASPECTOS LEGAIS DA FSLF


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Um novo caminho de apoio à Pedagogia de Projetos

A

criação do NUPEX – Núcleo de Pesquisa e Extensão da Faculdade São Luís de França – no ano de 2007, marca um importante período de rupturas epistemológicas, através da implantação de um projeto de trabalho inovador, teoricamente construído a partir de novas categorias conceituais que investem no paradigma institucional holístico, participativo e integrador do desenvolvimento de atividades pedagógicas,

convergindo para oportunizar pesquisa, produzir conhecimentos, sistematizar teoria, registrar e socializar fazeres pedagógicos. A constituição do NUPEX teve como meta avançar em direção aos novos parâmetros legalmente estabelecidos nos documentos oficiais orientadores das novas metodologias e processos ligados à pesquisa e à extensão universitárias para responder às demandas sociais da sociedade

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Nossa prática visa contribuir para o desenvolvimento social e, também para consolidar o nosso espaço acadêmico, dando maior vitalidade ao ensino, à pesquisa e à extensão.

Na foto da esquerda para direita as professoras Mara Rúbia Barreto Menezes, Danielle Thaís, Denísia Chagas, Suely Braga, Maria José Araújo, Maria Odete de Carvalho e Ana Azevedo, do NUPEX.

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ção pedagógica dos conteúdos, considerandoos como capazes de problematizar a realidade, as experiências e os saberes acadêmicos, mediando a consolidação de conhecimentos significativos para todos os implicados em relações interativas e produtivas. Inaugura-se, portanto, a partir da criação do Núcleo, um novo caminho de apoio à Pedagogia de Projetos, às ações pedagógicas e interdisciplinares, à formação continuada e à iniciação científica, todos abordados nos PPCs dos cursos da Instituição. É também proposta do Núcleo disseminar a cultura do aluno e do professor pesquisador, que percebem o ambiente acadêmico como possibilidade de articular ensino, pesquisa e extensão, através de palestras, seminários, conferências, colóquios, grupos de estudos temáticos, projetos de observação, análise e intervenção em ambientes profissionais ou sociais sem vínculo acadêmico, mas que demandam pesquisadores com elevada competência técnica, política e científica. O marco do trabalho do NUPEX, neste momento, é o lançamento da primeira edição da Revista Científica Concepções, espaço democrático e organizado para que a comunidade acadêmica em geral possa registrar artigos, resenhas, resumos, relatos de experiências, ensaios, e demais produções de cunho científicocultural que divulguem pesquisas e experiências validadas metodologicamente pelo seu corpo editorial executivo e consultivo.

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contemporânea e deve ser reconhecido como um espaço articulador das experiências docentes desenvolvidas de forma interdisciplinar, com a participação de educadores que orientempesquisas e práticas pedagógicas capazes de qualificar as aprendizagens geradoras de novos e significativos conhecimentos. Nossa prática visa contribuir para o desenvolvimento social e também consolidar o nosso espaço acadêmico, dando maior vitalidade ao ensino, à pesquisa e à extensão. A metodologia deste trabalho edifica-se no modelo científico composto por diferentes etapas que abrangem os processos de observação – reflexão – descrição – análise e proposição, através de um espaço institucional que democratiza o saber acadêmico, construindo, juntamente com a comunidade, ações em diferentes áreas, tais como as que nossos cursos contemplam: Educação e Administração, com os cursos de Pedagogia, Administração e Letras. Ao atuar por meio da pesquisa e da extensão, o NUPEX toma conhecimento das expectativas da sociedade e prioriza, na pesquisa que subsidia suas práticas, rigor metodológico no sentido de tornar relevantes para a sociedade seus projetos. Docentes e discentes reorientam suas práticas, imprimindo novos rumos, intra e extramuros, a partir da aquisição de conhecimentos que ultrapassem limites , agindo efetivamente, através de projetos de intervenções, de estudos e de pesquisas que contribuam para a elevação da qualidade de vida da sociedade em que a Instituição está inserida. Cabe ressaltar a consciência do grupo de professores responsáveis pelo Núcleo, no sentido de articular a organização dos programas das disciplinas, a rela-


Reflexividade

A como eixo estruturante do profissionalismo docente: dimensões e intencionalidades do acto reflexivo e implicações para a formação de professores RESUMO Setembro/2008

A formação e a actividade dos professores têm sido amplamente analisadas e discutidas, nas últimas décadas, à luz do paradigma do profissional reflexivo, sendo a reflexividade encarada como um dos eixos estruturantes da profissionalidade docente. Tendo como ponto de partida o modelo de profissional reflexivo proposto por Donald Schön, o presente artigo tem como objectivo apresentar uma proposta de síntese das diferentes dimensões e intencionalidades da prática reflexiva dos professores, integradora

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de um quadro conceptual de referência passível de ser aplicado aos contextos da formação para a docência. Palavras-chave: profissional reflexivo; dimensões e intencionalidades

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da prática reflexiva; formação de professores

ABSTRACT In the last decades the training and work of teachers have been largely discussed in the light of the reflective practitioner model, and reflection regarded as one structuring element of teaching as a profession. Drawing on the different dimensions underlying Donald Schön‘s model of the reflective practitioner, this paper presents a conceptual framework likely to be adopted in research endeavours and training programmes concerned with the development of teachers‘ abilities as reflective practitioners. Keywords: reflective practitioner; dimensions and intentions of reflective practice; teacher education

Revista Científica da Faculdade São Luís de França

José Reis Jorge é Mestre e Doutor em Educação pela Universidade de Bristol, Reino Unido, com reconhecimento pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. Para além da experiência de professor dos ensinos básico e secundário, tem leccionado e coordenado programas de formação inicial e formação em serviço de professores ao nível de licenciaturas e de mestrados. As suas áreas de interesse, em termos de investigação, situam-se nos domínios da formação e supervisão pedagógica de professores, bem como do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Actualmente exerce as funções de Presidente do Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC), em Lisboa.


docente, uma vez que permite ao professor exercer autonomamente as suas funções, com a inerente responsabilidade pela qualidade do serviço prestado. A caracterização da actividade docente à luz do paradigma do profissional reflexivo (Schön, 1983, 1987,1996, 2000) levanta algumas questões de fundo: será que a prática reflexiva dos professores apresenta traços distintivos da prática reflexiva exercida por outros profissionais? Em caso afirmativo, em que consistem e como se manifestam tais diferenças? E que implicações terão essas particularidades para a formação de professores como profissionais reflexivos? Estas constituem questões orientadoras do presente artigo, que tem como principais objectivos a elaboração de uma síntese das diferentes dimensões da prática reflexiva dos professores e da construção de um quadro conceptual de referência passível de ser aplicado ao contexto da formação para a docência.

O professor como profissional reflexivo A principal função do professor é “ensinar”, o que, no seu sentido original e legítimo, significa fazer aprender. Sendo “ensinar” uma acção transitiva, a função de ensinar só se concretiza na prática se for exercida sobre alguém (os aprendentes) e sobre alguma coisa (um conjunto de propósitos explícitos ou implícitos normalmente materializados num currículo). Assim, um primeiro elemento caracterizador da actividade docente é a função de fazer

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aprender, competência que pressupõe a consciência de que a aprendizagem só é significativa se os aprendentes se apropriarem activamente dela. Um segundo elemento estruturante da actividade do professor é a relação que ele assume com o currículo, e que pode ser vivida de várias maneiras. O professor pode ser um mero transmissor do currículo, preocupado sobretudo com o cumprimento de um determinado programa, ou assumir-se como gestor do currículo, procurando, com maior ou menor grau de autonomia e criatividade, agir em função dos seus próprios valores, das necessidades dos alunos e dos recursos disponíveis, transformando o currículo numa praxis (Ponte, s. d.). A fim de assumir o papel de proporcionador e facilitador de aprendizagens significativas no contexto de uma pratica fundamentada, o professor deverá ser capaz de gerir a função de fazer aprender através do questionamento da sua própria prática, segundo referentes teóricos que deverá aprofundar em articulação com saberes privados (Perrenoud, 2001), no sentido de melhorar o seu desempenho e de produzir novos saberes. A capacidade de questionamento da eficácia da acção e de reorientação da prática, que está directamente associada ao direito de exercício de autonomia profissional, exige do professor o desenvolvimento de competências próprias de um profissional reflexivo (Schön, 1983, 1987, 2000). Em muitos contextos, os verbos reflectir e pensar são utilizados como sinónimos. A idéia de reflectir na acção e sobre a acção

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Qualquer actividade que tenha como objectivo constituir-se numa profissão caracteriza-se, de uma forma geral, por um número de atributos: o domínio de um saber especializado, cientificamente testado e suportado por uma variedade de modelos teóricos; uma orientação de serviço, segundo a qual o profissional se afirma por motivos altruísticos, não se pautando por interesses particulares; um código deontológico, determinante e regulador do conjunto de deveres, obrigações e responsabilidades inerentes ao exercício da profissão; e uma associação profissional, com o objectivo, entre outros, de manter os padrões estabelecidos entre os seus membros. A actividade docente não é excepção a esta regra, sendo frequente caracterizar-se a profissionalidade docente com base em quatro eixos estruturantes principais: conhecimentos (conjunto de saberes especializados - científicos, pedagógicos, etc. - necessários para o exercício da actividade); natureza altruísta da actividade (orientação de serviço vocacionado para o bem do aluno, ou seja, a bondade determinante do próprio acto de ensinar); autonomia (poder de decisão sobre a acção que implica, por sua vez, um alto nível de responsabilidade profissional); e nível de reflexividade sobre a acção (capacidade de questionamento da prática que permite modificá-la) (Hoyle e John, 1995; Roldão, 1999, entre outros). Assim, a prática reflexiva, não sendo condição suficiente, é condição necessária (Perrenoud, 2002) para a profissionalização da actividade

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Introdução


Reflexividade

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A como eixo estruturante do profissionalismo docente: dimensões e intencionalidades do acto reflexivo e implicações para a formação de professores

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está ligada à nossa própria experiência de humanos. Um indivíduo pensa normalmente naquilo que faz, antes, durante e depois das suas acções. No entanto, estes actos de pensamento que são característica inata do ser humano não transformam o professor num profissional reflexivo. Reflexão, enquanto processo de pensamento assente em estruturas lógicas construídas a partir da acção (Piaget, 1977), pressupõe algum distanciamento da acção, podendo implicar exame pessoal, escrutínio e pesquisa, distinguindo-se, portanto, de formas de pensamento automático e desregulado (Dewey, 1933). Embora, no âmbito das ciências humanas, a inexistência de uma solução de continuidade entre o pensamento mais próximo da acção e a reflexão mais distanciada não permitam uma distinção nítida entre pensar e reflectir (Perrenoud, 2001), o modelo de prática reflexiva teorizado a partir dos trabalhos de Donald Schön (1983, 1987, 2000), ao distinguir entre reflexão na acção e reflexão sobre a acção, aponta para dois processos mentais diferenciados1:

• Reflexão na acção que, segundo Schön (1983, 1987, 2000), consiste num diálogo reflexivo entre o profissional e a situação complexa em que este se encontra. Este diálogo é desenvolvido com base no conhecimento na acção, ou seja, o conhecimento tácito construído e activado durante a acção, que opera muitas vezes a um nível implícito e intuitivo (Clandinin e Connelly, 1986; Zeichner, 1987) e que informa as decisões tomadas pelo profissional no decurso da acção.

• Reflexão sobre a acção que constitui um processo de reflexão a posteriori desenvolvido pelos profissionais na medida em que examinam e avaliam criticamente as suas acções com vista à compreensão e reconstrução das suas práticas (Schön, 1983, 1987, 2000). Neste caso, a acção torna-se objecto da própria reflexão, seja para explicar determinadas práticas, seja para legitimá-las ou modificá-las por comparação com determinados modelos prescritivos: o que poderia ou deveria ter sido feito, o que outro profissional teria feito em situação análoga (Perrenoud, 2002). Dado que ser reflexivo não é uma prerrogativa dos professores, enquanto profissionais, importa saber se a prática reflexiva do professor difere de alguma forma da prática reflexiva em outras profissões, e em que consistem e como se manifestam essas diferenças.

Dimensões da prática reflexiva docente Os trabalhos de Donald Schön apresentam inúmeros exemplos extraídos de diversas profissões. Porém, contrariamente a outros profissionais, os professores, em tempo real, não têm por hábito parar a meio da acção para pensar sobre o que estão a fazer e decidir sobre o que fazer a seguir. Na sala de aula, as decisões tomadas pelos professores ao sabor do momento são-no, presumivelmente, a um nível intuitivo, com

base no conhecimento tácito adquirido, muitas vezes, através do exercício de reflexão a posteriori (reflexão sobre a acção), isto é, com base no conhecimento do que funcionou ou não funcionou em situações idênticas anteriores. A dimensão temporal surge, assim, como elemento distintivo da prática reflexiva dos professores, a qual tem estado na base de algumas críticas ao modelo teórico de Donald Schön, especialmente no que se refere à noção de reflexão na acção. Van Manen (1991, 1995), por exemplo, questiona a possibilidade dos professores se envolverem num processo de reflexão na acção proposto por Schön enquanto imersos no dinamismo próprio do trabalho em sala de aula, argumentando que na sala de aula o professor tem de actuar constantemente ao sabor do momento, não podendo recuar e adiar a sua acção de forma a reflectir nas várias alternativas de que dispõe e nas consequências dessas alternativas (1995:35, tradução livre). Com base no que designa de “natureza interactiva do ensino” e no que considera ser a “estrutura fenomenológica peculiar da prática e do imediatismo que caracteriza cada minuto da actividade contínua de ensinar”, van Manen considera que as acções e as decisões dos professores são informadas por “tacto pedagógico” que o autor define como uma

1 Embora D. Schön refira um terceiro nível - reflexão sobre a reflexão na acção – para os propósitos do presente artigo interessa-nos os dois níveis enunciados: reflexão na acção e reflexão sobre a acção, constituindo estes o objecto da nossa atenção.

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Reflexividade

A como eixo estruturante do profissionalismo docente: dimensões e intencionalidades do acto reflexivo e implicações para a formação de professores

sua acção em permanente estado de alerta. (1995:14) Estas considerações acerca do modelo de profissional reflexivo de Schön, para além de porem em evidência uma determinada atitude mental subjacente ao processo da prática reflexiva, apontam também para uma relação directa entre a temporalidade e a localização do acto reflexivo. O Quadro I representa esquematicamente as conexões existentes entre três dimensões do processo de reflexão: dimensão temporal (quando), dimensão contextual ou localização (onde) e dimensão intelectual (processo cognitivo/formas de pensamento). Em termos de temporalidade, a reflexão na acção ocorre durante o trabalho do professor em

sala de aula e caracteriza-se por ser um processo metacognitivo em que o professor mobiliza rapidamente o seu repertório de conhecimento experiencial para tomar “microdecisões” (Eggleston, 1989) e operar uma intervenção imediata, ou armazena na memória matéria para reflexão a posterior. A reflexão sobre a acção, por sua vez, ocorre geralmente fora do contexto de sala de aula e é simultaneamente retrospectiva e prospectiva. No primeiro caso, o professor analisa a sua acção com vista à legitimação ou à reformulação da sua prática; no segundo caso, a reflexão ocorre em momentos de planificação de uma nova actividade ou de antecipação de acontecimentos ou problemas novos.

Figura 1 - Processo de reflexão sobre a acção (retrospectiva e prospectiva)

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forma de conhecimento prático implícito no acto de ensinar, isto é, uma espécie de “conhecimento fenomenológico” inscrito nas experiências significativas dos professores, que funciona como “ligação espontânea entre a teoria e a prática”. Por outras palavras, trata-se de um processo segundo o qual os professores “consideram de forma inteligente um conjunto de factores que influenciam a sua prática e de acordo com os quais agem e reagem com confiança activa” (1995: 38-45). Também Eraut (1995), ao considerar a dimensão temporal um elemento condicionante do processo de reflexão, propõe uma explicação alternativa para o processo de reflexão na acção descrito por Schön, apelando para um mecanismo metacognitivo que os professores activam para enfrentar uma situação problemática: Quando o tempo é extremamente escasso, as decisões têm de ser rápidas e o espaço para a reflexão é extremamente limitado. Nestas circunstâncias, a reflexão deve ser mais propriamente encarada como um processo metacognitivo em que o professor, alertado para a existência de um problema, lê rapidamente a situação, decide o que fazer e prossegue a

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Quadro I - Dimensões do processo reflexivo


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A situação de afastamento da acção permite ao professor embarcar num processo de pensamento estruturado, sistemático, instrumentalizado e intencional, baseado na observação, descrição, análise e avaliação da sua prática, com vista à planificação da acção futura, tal como representado graficamente na Figura 1. Importa salientar que o modelo de Schön, no que respeita à dimensão da temporalidade, não é tão linear quanto poderá parecer à primeira vista. A questão da dimensão cronológica do paradigma do profissional reflexivo é posta em evidência por Perrenoud, ao considerar que: [e]m sua distinção, Schön também embaralha as cartas ao fazer referência a duas dimensões diferentes: o momento e o objecto da reflexão. Entretanto, essas duas idéias não se contrapõem. Reflectir na acção é o mesmo que reflectir, mesmo que fugazmente, sobre a acção em curso, sobre seu ambiente e seus limites e seus recursos. […] reflectir antes, durante e após a acção -, só parece ser simples se considerarmos que uma acção dura apenas alguns instantes antes de se “extinguir” […] Se a situação for definida por sua causa e seus desafios mais que por uma unidade de tempo e lugar, ela pode se desenrolar de forma intermitente, às vezes em múltiplos cenários. De repente, entre seus momentos mais intensos, podemos observar períodos de latência, durante os quais o actor pode reflectir com mais tranquilidade sobre o que acon-

teceu após as operações. (2002:32) As três dimensões em análise – temporal, contextual e intelectual - são particularmente importantes quando se trata de pôr em evidência as diferentes orientações passíveis de nortear a prática reflexiva dos professores.

Intencionalidade da prática reflexiva dos professores Um tema fulcral na discussão da reflexividade dos professores é a orientação da reflexão em termos de interesses que norteiam a prática reflexiva. Com base na teoria dos interesses constitutivos do conhecimento desenvolvida por Habermas (1972), van Manen propõe uma distinção entre três estilos ou orientações da prática reflexiva: técnica, prática e crítica. Ao nível técnico, a actividade reflexiva dos professores centrase essencialmente na avaliação da eficácia dos meios de ensino utilizados para atingir determinados fins. Este nível de reflexão, em que os fins a atingir permanecem imunes a qualquer tipo de escrutínio ou questionamento, segue, em grande medida, o tipo de pensamento positivista e reforça o carácter tecnicista do ensino (Beyer, 1987; Schön, 1983). Beyer (1987) considera esta forma de reflexão direccionada principalmente para a avaliação dos resultados do ensino, ficando por questionar os convencionalismos e as formas tradicionais de pensar e de sentir o ensino e a aprendizagem. A reflexão ao nível prático tende a ser orientada para a apreciação dos meios, dos objec-

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tivos e dos resultados da prática pedagógica, à luz das implicações dos valores partilhados pelo professor na sua prática e tendo em conta os efeitos dos constrangimentos físicos, psicológicos e burocráticos no ensino e na aprendizagem. A adopção de uma atitude reflexiva a este nível ajuda os professores a encontrar novos caminhos para a prática e a romper com a cultura da escola tradicional. A reflexão crítica, para além de enfatizar os aspectos descritos nos níveis anteriores, envolve o questionamento da prática à luz de valores de ordem ética e moral. A este nível a reflexão tende a ultrapassar os limites da sala de aula, centrando-se a análise no macro contexto sóciocultural e político em que a prática se desenvolve. A reflexão crítica exige, por parte dos professores, uma visão integradora do ensino e o entendimento dos factores responsáveis pelo funcionamento da escola, bem como a capacidade de trabalhar colaborativamente na procura de formas alternativas de pensar e de agir (Beyer, 1991). Este tipo de prática reflexiva conduz ao desenvolvimento de uma praxis determinada por um interesse emancipatório fundamental para o processo de conscientização (Freire, 1970) que está no âmago de uma prática de ensino orientada para a pesquisa e para a reflexão crítica. As diferentes intencionalidades ou orientações da prática reflexiva englobam, pelo menos, dois tipos de variáveis a considerar: o foco/objecto e o propósito da reflexão, conforme descrito no Quadro II.


Reflexividade

A como eixo estruturante do profissionalismo docente: dimensões e intencionalidades do acto reflexivo e implicações para a formação de professores

As diferentes dimensões e intencionalidades da prática reflexiva dos professores apontam para uma leitura integradora das diferentes variáveis que caracterizam o processo de reflexão, permitindo assim a construção de um quadro conceptual de referência, indicador de linhas de orientação para a análise das práticas de formação e de desenvolvimento de professores como profissionais reflexivos. Como se pode observar no Quadro III, cada uma das diferentes intencionalidades da prática reflexiva apresenta uma estreita relação com as diferentes dimensões subjacentes ao acto de reflexão. Ao nível da intencionalidade técnica, o objecto da reflexão centra-se principalmente nas práticas de ensino, com propósitos essencialmente avaliativos dos efeitos dessas mesmas práticas, num enquadramento contextual que é, sobretudo, o da sala de aula. Em termos temporais, o fenómeno reflexivo pode ocorrer durante ou

fora da acção. No primeiro caso realiza-se, normalmente, com o recurso a um processo metacognitivo, através da mobilização de conhecimentos derivados de experiências anteriores, enquanto que, no segundo caso, se processa através de uma forma de pensamento estruturado, sistemático e intencional aqui designado por pensamento reflexivo, distinto do processo metacognitivo anterior. Ao nível da intencionalidade prática, para além de uma maior tendência a transpor as paredes da sala de aula e a alargar o acto reflexivo ao território da escola, a dimensão temporal é sobretudo exterior à acção, implicando, portanto, uma forma de pensamento estruturado, sistemático e intencional. Ao nível da intencionalidade crítica, para além da atenção dispensada às dimensões éticas e morais do acto de ensino, há a preocupação de analisar e avaliar as práticas educativas em função de referentes sociais, culturais e políticos que lhes estão associados e, consequentemente, de perspectivar a prática pedagógica no contexto social em que a sala de aula e a escola estão inseridas. Importa salientar que a distinção entre orientação técnica, práti-

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ca e crítica tende a ser apresentada como uma hierarquia de intencionalidades, cabendo a supremacia ao interesse crítico pelo potencial que esta orientação apresenta em termos de ruptura com as estruturas mais profundas da actividade docente. No entanto, alguns autores têm-se revelado particularmente críticos desta forma de encarar a prática reflexiva. Zeichner (1993), por exemplo, considera esta visão distorcida, na medida em que, segundo ele, cada sala de aula contém em si uma dimensão crítica. Os professores, individualmente ou em grupo, poderão não ser capazes de interferir ao nível do macro sistema, mas podem ter uma influência importante nas vidas dos seus alunos ao nível da sala de aula e da própria escola. Não partilhando uma visão hierárquica das intencionalidades da prática reflexiva, o trabalho que tenho desenvolvido com professores em formação inicial e contínua tem-me permitido observar que, pela sua própria natureza (focalização, objectivos e contextualização) e pelos mecanismos metacognitivos que a suportam, a reflexão que ocorre na sala de aula durante a acção é mais frequentemente direccionada para

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Dimensões e intencionalidades da prática reflexiva: quadro conceptual de referência

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Quadro II - Focalização e propósitos da prática reflexiva


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Quadro III - Enfoque e propósitos da prática reflexiva

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questões de ordem técnica ou prática (estratégias/actividades de ensino e aprendizagem, problemas disciplinares, gestão de tempo, etc.) do que orientada por preocupações de ordem crítica, no sentido específico do termo. Importa referir que o quadro conceptual aqui apresentado não esgota as variáveis inerentes ao acto de reflexão, nem pretende constituir um modelo teórico acabado do acto reflexivo. Para além disso, embora as categorias que integram este quadro conceptual surjam, por razões heurísticas, descritas como se tratasse de classes de variáveis discretas, elas integram conjuntos de variáveis complexas e interligadas, pelo que terão de ser lidas e interpretadas em função da sua flexibilidade e inter-relação.

Implicações para a formação profissional dos professores A reflexão espontânea que todos os professores sempre exerceram sobre a sua prática não os transforma em profissionais reflexivos no sentido utilizado por Schön (1983, 1987, 2000). O pensamento reflexivo distingue-se de outras formas de pensamento intuitivo e espontâneo pela sua natureza intencional, sistemática e estruturada. Os professores reflexivos desenvolvem competências próprias de uma prática baseada numa “análise metódica, regular, instrumentalizada, serena e causadora de efeitos […que] muitas vezes, só podem ser adquiridas por meio de um treinamento intensivo e deliberado” (Perrenoud, 2002:47). Não quer isto dizer que o me-

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canismo de reflexão durante a acção deva ocupar um lugar de menor destaque nos programas de formação (inicial ou contínua) de professores. Se considerarmos, como referido anteriormente, que a distinção schöniana entre as formas de reflexão na e sobre a acção não é tão linear quanto poderá parecer à primeira vista, havendo nelas “mais continuidade que contraste” (Perrenoud, 2002:31), é importante que os professores desenvolvam, muito mais do que costumam fazer espontaneamente, capacidade de reflexão durante a acção. Por um lado, porque, muitas vezes, a reflexão durante a acção é uma fonte de reflexão sobre a acção, na medida em que inspira questões que, não podendo ser abordadas em cima do acontecimento, poderão ser tratadas fora do calor


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A como eixo estruturante do profissionalismo docente: dimensões e intencionalidades do acto reflexivo e implicações para a formação de professores

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das necessidades formativas e do nível de desenvolvimento pessoal e profissional dos destinatários nos diferentes momentos de formação.

Conclusão O presente texto teve como objectivos apresentar um quadro conceptual de referência relativo às várias dimensões e intencionalidades do processo de reflexão dos professores, bem como discutir possíveis implicações da aplicação desse quadro no âmbito da formação de professores. A leitura do quadro referencial aqui apresentado deverá ter em conta, pelo menos, três aspectos essenciais no que concerne à formação dos docentes. Em primeiro lugar, importa não perder de vista o facto de que as mudanças sociais não se reflectem na escola ao mesmo ritmo e com a mesma rapidez com que acontecem na sociedade. O reflexo das transformações sociais no território da escola e da sala de aula é um processo relativamente lento e gradual, devido, entre outras razões, à atitude defensiva perante a mudança e a inovação, que é bastante comum na educação como em muitos outros domínios da sociedade (Esteves, s.d.). No caso da educação, a observação empírica e a experiência pessoal têm mostrado que as práticas educativas dificilmente mudam por imposições de ordem organizacional ou por força de normativos, dependendo antes, em larga medida, das percepções e das expectativas dos profissionais relativamente aos seus papéis de educadores, da sua atitude e maneira de viver a profissão, das diferentes formas de perceber a função da escola e

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que o professor assuma, para além de educador, o papel de investigador (Stenhouse, 1975; Elliott, 1987; Cochran-Smith e Lytle, 1990, entre outros), apto a afrontar o carácter repetitivo da prática quotidiana e a expor as próprias construções teóricas à demonstração e à refutação. O desenvolvimento de competências crítico-reflexivas da própria “praxis” implica que a formação dos professores deixe de estar baseada numa lógica de fragmentação dos saberes científicos e pedagógicos que tem subsistido em muitas propostas formativas, passando a constituir um processo unitário que, para além de satisfazer a aquisição de saberes específicos (científicos, didácticos e pedagógicos) se configure como processo científico de formação e investigação. Neste sentido, é importante que os programas de formação contemplem o desenvolvimento de capacidades reflexivas numa perspectiva de transversalidade da profissão docente (diferentes tarefas atribuídas aos professores e diferentes saberes necessários à sua concretização), e tendo em conta as diferentes dimensões e intencionalidades da prática reflexiva constantes do quadro de referência proposto no presente artigo (Quadros I, II e III). Este quadro referencial não pretende assumir qualquer forma de hierarquização das dimensões nele representadas. Contudo, no que concerne ao contributo que este instrumento possa fornecer em termos de concepção e implementação de projectos formativos, a maior ou menor ênfase nas várias dimensões propostas dependerá, entre outros factores,

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da acção. Por outro lado, porque a reflexão sobre a acção permite preparar o profissional para reflectir de forma ágil durante a acção e para considerar um maior número de hipóteses, ou de “mundos imaginários em que a cadência da acção pode ficar mais lenta e em que podem ser experimentadas interacções e variações de acção” (Schön, 1996:332). Para que a prática pedagógica se constitua em “praxis” é necessário que se efective num processo determinado, simultaneamente, pela construção da identidade e do desenvolvimento profissionais do professor e do processo educativo. Para tanto, é imprescindível que os projectos formativos propiciem o desenvolvimento de competências de análise e reflexão críticas informadas por competências morais e éticas (Demailly, 1992), permitindo assim a construção de uma prática pedagógica no sentido da transformação do processo educativo num processo destinado a atingir tanto “a consciência como a auto consciência do desenvolvimento humano” (Heller, 1977) e, portanto, a contribuir para a (re)construção e desenvolvimento da sociedade. A formação dos professores deve, assim, caminhar no sentido de promover a auto-formação contínua, “através de um processo participativo em que se valorize o saber da experiência e em que a “praxis” pedagógica seja vista como “locus” da produção do saber” (Esteves, s.d.). A produção de conhecimento através da prática pedagógica implica o questionamento da mesma através da troca de experiências e da socialização dos saberes, fazendo com


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de conceber o processo educativo. Não basta, por isso, que os programas de formação se encarreguem de transmitir conhecimentos ou informação acerca de novas práticas. Para que as novas práticas se tornem efectivas é necessário desenvolver nos profissionais a compreensão da razão de ser dessas mesmas práticas, bem como a apetência e a predisposição para aderir a elas e implementá-las. Em terceiro lugar, e no que concerne especificamente à prática reflexiva, há que atender à diferença entre a aprendizagem e a

ensinabilidade deste tipo de prática que é, para além do mais, uma questão também de atitude e de predisposição. Se é mais ou menos certo que se aprende a ser reflexivo, não se poderá afirmar com a mesma certeza que se ensina a ser reflexivo. Para além disso, há que ter em conta que nem sempre um ensino reflexivo será sinónimo de um bom ensino: se, por um lado, a prática reflexiva “permite criar significados e sentidos à experiência ou às situações educativas, por natureza problemáticas e complexas” (Pessoa, 2007: 346), por outro lado, nem

sempre a reflexão promoverá a construção de conhecimentos, podendo mesmo servir para legitimar velhos hábitos e preconceitos (Estrela, 1999) e para fornecer justificações para práticas indesejáveis (Zeichner, 1993). Cabe, pois, à formação de professores desenvolver nos docentes competências necessárias ao exercício de uma prática reflexiva de natureza sistemática, estruturada e coerente, promotora de verdadeiras aprendizagens e de formas de pensar geradoras de novos conhecimentos e de desenvolvimento profissional competente.

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Endomarketing: Estudo de caso no Centro de Medicina Integrada de Sergipe

RESUMO O trabalho foi realizado no Centro de Medicina Integrada de Sergipe Setembro/2008

com o objetivo de analisar o Endomarketing na CEMISE e de que forma poderá contribuir para a melhoria do atendimento ao cliente. Para isso, foram utilizadas técnicas de levantamento e observação obtidas através de fontes primárias, sendo aplicados questionários com quinze questões fechadas junto a todos os funcionários da empresa. Os resultados revelam que a CEMISE utiliza-se do Endomarketing para propiciar eficiência na qualidade do atendimento prestado aos seus

EDENIR DE OLIVEIRA FERNANDES Graduado em Administração de Empresas na Faculdade São Luís de França

clientes, apresentando um significado de trabalho na melhoria estru-

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tural e operacional. Entretanto, para consolidar uma política integral de Endomarketing, recomenda-se a realização de um trabalho específico, visando sanar todas as insatisfações dos seus colaboradores, for-

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tificando os pilares de sustentação de trabalho de Endomarketing. Palavras-chave: Endomarketing, Marketing, Atendimento. DANIELLE MONIQUE CORBETT

ABSTRACT The work was carried through in the Center of Medicine Integrated of Sergipe (CEMISE) with the objective to analyze Endomarketing at CEMISE and what forms it will be able to contribute for the improvement of the customer attendance. For this, techniques of survey and

Graduada pela UFS. Mestre em RH pela Universidade de Extremadura, Doutoranda em Administração pela Universidade de La Empresa – Montividéu. Consultora organizacional, professora de graduação e pós-graduação, coordenadora do curso de Administração da Faculdade São Luís de França.

comment through primary sources had been used, being applied questionnaires with fifteen closed questions to all the employees of this company. The results disclose that CEMISE uses Endomarketing to propitiate efficiency in the quality of the attendance given to its customers, presenting one meaning of work in the structural and operational improvement. However, it’s recommended to consolidate the integral politics of Endomarketing, the accomplishment of a specific work, aiming to cure all the insatisfactions of its collaborators, strengthening the pillars of sustentation of work of Endomarketing. Keywords: Endomarketing, Marketing, Attendance.

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DANIELLE THAÍS BARROS DE SOUZA Mestre em Desenvolvimento e meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe; Professora efetiva do curso de Administração de Empresas da Faculdade São Luís de França.


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1 Introdução

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Diante das constantes transformações no mercado mundial, onde as organizações buscam enfrentar a competitividade decorrente do avanço organizacional, a atenção deve estar voltada para a implantação de programas que visem a obtenção de qualidade na prestação de serviços aos clientes que para serem satisfeitos, devem ter suas necessidades e exigências atendidas, através de produtos, serviços e atendimento de qualidade. Para conquistar esse objetivo, conseguir satisfazer os clientes internos é de fundamental importância. Pressupondo-se como fatores importantes na implementação da estratégia de marketing, a motivação, o sentimento de satisfação no trabalho e o comprometimento dos clientes internos em relação à organização e a suas metas, é imprescindível que os gestores reconheçam a importância destes pilares para a implementação de marketing. Diante desta realidade e observando a evolução da relação médico/paciente, os profissionais hoje são mais abertos ao diálogo e preocupam-se, via de regra, em melhorar e aprimorar sua relação com os clientes. Mas a realidade tem mostrado o cliente particular cada vez mais raro nos consultórios e, mesmo os possuidores de planos de saúde, merecem ser conquistados e mantidos como clientes fidelizados. Assim, o Centro de Medicina Integrada de Sergipe-CEMISE, busca desenvolver um trabalho de melhoria no desempenho operacional e estrutural em toda empresa, para atender os processos da organização e alcançar a eficiência, visando uma excelência operacional nos seus serviços prestados. Entendendo que a busca de equilíbrio entre os subsistemas interno e externo, torna-se um processo dinâmico, as organizações respondem às demandas desse processo com diferentes graus de eficiência, surgindo e desaparecendo em função de sua capacidade de administrar sabiamente seus recursos internos e suas relações com o ambiente externo, através de atitudes proativas, representada pela força que deseja e impulsiona as mudanças nos objetivos e na mobilização dos recursos, traduzidas pelas atitudes dos administradores que processam de maneira positiva o feedback que vem do ambi-

ente e de dentro da própria organização. Podem responder também através de atitude reativa, representada pelas forças que desejam e preservam a estabilidade, podendo ser entendida como a atitude dos administradores que processam negativamente o feedback que vem do ambiente externo e de dentro da própria organização. Na CEMISE, o funcionário que recepciona os usuários dos serviços e que os encaminha para as consultas e exames é o contato direto destes com a empresa. Portanto, é o seu representante. O seu comportamento positivo e eficiente favorece a imagem da empresa, satisfazendo e fidelizando os clientes. Caso contrário poderá ter a qualidade no atendimento aos clientes comprometida.

2 Organização Para Maximiano (2000, p.91), uma organização é “um sistema de recursos que procura realizar objetivos ou conjuntos de objetivos. Um sistema é um todo complexo e organizado, formado de partes ou elementos que interagem, para realizar um objetivo explícito”. Toda organização deve buscar condições para manter-se e funcionar com eficiência. Neste sentido refere-se a dois modelos de organização, a saber: a) Modelos de sobrevivência: quando a organização desenvolve objetivos que lhe permitem simplesmente existir e manter a sua continuidade; b) Modelos de eficiência: quando a organização desenvolve objetivos que lhe permitem não apenas existir, mas também funcionar dentro de padrões de crescente excelência e competitividade. (CHIAVENATO, 2000, p.361) Devido à situação da concorrência atual, acredita-se que os gerentes precisam ter prazer na mudança e intensificar seu poder, procurando ter como colaboradores pessoas bem preparadas, e que também tenham prazer em participar do crescimento da empresa. Isso significa que todos os componentes da equipe devem estar envolvidos com os propósitos da empresa, porque a estrutura organizacio-

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De um modo geral, essa pluralidade de definições provoca vieses na compreensão do real significado da estratégia, muitas vezes confundindo-se com o planejamento estratégico. A necessidade de planejar estrategicamente é resultado de dois conjuntos de forças principais: o primeiro compreende as oportunidades e desafios criados pelos segmentos do ambiente, como concorrência, consumidores, tecnologia, fontes de matéria-prima e outros elementos; o segundo compreende os problemas e as oportunidades que surgem nos sistemas internos da organização, como as competências de seus funcionários, a tecnologia de suas máquinas, equipamentos e processos, sua disponibilidade de capital e outros elementos. Para ajudar a encontrar e entender essas necessidades, é de fundamental importância compreender o que é o marketing e a sua influência sobre os ambientes interno e externo.

3 Marketing Acredita-se que o Marketing pode ser entendido como o processo de planejar e executar a concepção e estabelecimento de preços, promoção e distribuição de idéias, produtos e serviços a fim de criar trocas que satisfaçam metas individuais e organizacionais. O marketing pode ser definido como: A área do conhecimento que engloba todas as atividades concernentes às relações de troca, orientadas para a satisfação dos desejos

e necessidades dos consumidores, visando alcançar determinados objetivos da organização ou indivíduo e considerando sempre o meio ambiente de atuação e o impacto que estas relações causam no bem-estar da sociedade (KOTLER, 1998, p.37). O autor apóia-se nos conceitos de necessidades, desejos, demanda, produtos, utilidades, valor, satisfação, transação e relacionamento. Um dos objetivos fundamentais do marketing é conhecer o perfil do consumidor para assim poder satisfazê-lo, pois sua satisfação é um dos pilares do marketing. Desse modo, tal objetivo tem sido estudado através de diferentes abordagens, ressaltando os diversos aspectos do comportamento do consumidor em suas dimensões econômica, social e emocional. Alguns autores ressaltam que conhecendo as necessidades e a psicologia do consumidor, facilita-se a direção da produção, adaptando-a melhor a realidade do mercado.

4 Marketing de serviços O serviço pode ser entendido como mercadoria comercializável isoladamente. Ou seja, um produto intangível, que geralmente não se experimenta antes da compra, mas permite satisfações que compensam o dinheiro investido na realização de desejos e necessidades dos clientes. Para a Associação Americana de Marketing apud Las Casas, (2000, p. 15), os serviços referem-se “àquelas atividades, vantagens ou mesmo satisfações que são oferecidas à venda ou que não são proporcionadas em conexão com a venda de mercadorias”. Segundo Kotler (2000) até pouco tempo, empresas prestadoras de serviço como hospitais e faculdades não viam necessidade de utilizar técnicas de marketing, mas, devido à concorrência, a luta pela permanência no mercado exige das empresas um maior empenho no bem servir. A necessidade de melhoria da qualidade de serviços verifica-se como uma necessidade permanente para a sobrevivência de uma empresa no mercado cada vez mais competitivo, cuja busca da eficiência se faz presente em qualquer organi-

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nal é a anatomia com a qual a organização é criada e opera suas atividades, dando uma disposição sistemática ao trabalho a ser feito. O conceito de estrutura proporcionou o surgimento do tipo de sociedade de Marx Weber e do conceito de Gestalt na Psicologia da Forma. Com o estruturalismo, ocorreu a preocupação exclusiva com as estruturas, em prejuízo da função ou de outros modos de compreender a realidade. Aqueles que constroem empresas excelentes sabem que o maior gargalo no crescimento de qualquer grande organização não são os mercados, nem a tecnologia, a concorrência ou os produtos. É um único fator, acima de todos os demais: a habilidade de conseguir e manter pessoas certas em número suficiente (COLLINS, 2002, p. 87).

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zação, uma vez que a percepção do cliente, da qualidade do serviço, está nos detalhes. Com o mercado diante de uma clientela cada vez mais exigente e bem informada, percebe-se que o sucesso da prestação de serviços recai nos recursos materiais e recursos humanos da empresa, uma vez que, para prestar bons serviços, precisa estar dotada de boa tecnologia de máquinas e equipamentos. E, ao mesmo tempo, possuir um bom relacionamento com os clientes, visto que a empresa precisa estar dotada de sistemas funcionais operados por pessoal qualificado e motivada a servir de maneira satisfatória. Para Stone e Woodcock (2002, p.93), “o marketing de relacionamento freqüentemente tem sido rotulado de tática operacional porque muitas das suas disciplinas derivam diretamente do marketing e, de forma mais específica, da mala direta. É preciso coletar, analisar e rastrear as informações sobre o cliente”. Assim, a análise das relações é indispensável não só para a decisão sob qual espécie de estrutura é necessária, como também para a tomada de decisão vital sobre como deve a estrutura ser guarnecida de pessoal. Seu uso nos negócios e até mesmo em nível de planejamento estratégico da corporação, é relativamente novo, e ainda não universalmente aceito.

zações, pois se constitui em um processo cujo foco é sintonizar e sincronizar todas as pessoas que trabalham na empresa na implementação e operacionalização de ações mercadológicas. Por possuir uma importância estratégica , não pode ser separado do marketing. Do ponto de vista estratégico, é um processo para adequar a empresa a um mercado orientado para o cliente. Deste modo, a relação da empresa com o mercado passa a ser um serviço feito por clientes internos para clientes externos. É assim que o Endomarketing estimula toda a organização a manter-se voltada para o atendimento do mercado. O principal benefício que se busca é o fortalecimento e construção de relacionamentos, compartilhando os objetivos da empresa e fortalecendo estas relações, inseridos a que todos saibam a respeito dos objetivos, estratégias, metas e formas de atuação. Só assim é possível começar a entender os clientes externos de forma mais coerente e eficaz, diminuindo custos, tempo e possibilitando o surgimento de um clima interno mais harmônico no qual todos compartilham do mesmo senso de direção e de prioridades. Para Costa (2003), ao existir um composto de marketing é necessário que exista também um composto de Endomarketing, onde cada componente é correlato a um dos conhecidos quatro P’s (Ponto, Promoção, Produto e Preço), onde Ambiente está para Ponto, e possui duas dimensões, tangível e intangível. A primeira refere-se às instalações físicas da empresa e seus atributos, tais como ergonomia, iluminação, funcionalidade, decoração e afins. A intangível reúne todos os aspectos pertinentes ao Clima Organizacional, ou seja, às qualidades do ambiente interno, perce-

O que se busca é o fortalecimento e construção de relacionamentos, compartilhando os objetivos da empresa e fortalecendo estas relações.

5 Endomarketing Segundo Cerqueira (1999), o endomarketing é um conjunto de ações focadas no público interno e que tem como objetivo maior conscientizar funcionários e chefias para a importância do atendimento de excelência ao cliente, na tentativa de caracterizar um envolvimento negociado e não imposto. Tem se tornado uma ferramenta de extrema importância para as organi-

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Portanto, praticar o endomarketing nas organizações significa, antes de qualquer iniciativa, estabelecer os parâmetros de vínculos entre o uso das ferramentas de marketing voltadas para a geração de motivação no grupo de colaboradores e o estilo de liderança que permeará a empresa. Sob essa ótica, contar com uma liderança carismática no processo de formulação do endomarketing poderá significar fundar em bases muito sólidas os alicerces para a construção de ambientes fortemente aptos ao surgimento de motivação e comprometimentos. Com relação ao desenvolvimento e coordenação das atividades de endomarketing, não existe uma lista exclusiva de atividades que devam pertencer apenas a um programa. Praticamente, qualquer função ou atividade que tenha impacto, de uma forma ou de outra, sobre a consciência para clientes pode ser nele incluída. Há divergência em relação às atividades de endomarketing, havendo os que defendem a coordenação a partir da área de recursos humanos, os que acentuam as vantagens se as atividades forem conduzidas pelo setor de marketing, os que sugerem uma parceria entre essas áreas, e, aqueles que propõem que as ações sejam conduzidas a partir de um setor independente, diretamente subordinado à direção da empresa. Para Kotler (1998) a coordenação do endomarketing deve estar ligada ao setor de marketing da organização. O marketing interno deve ser conduzido em parceria entre as áreas de marketing e recursos humanos, pois, a primeira tem o know-how para a condução de projetos e instrumentos de marketing, en-

quanto a segunda tem o conhecimento e a facilidade de acesso ao público-alvo. Na prática, o que se percebe é que, principalmente nas grandes empresas, o marketing interno é conduzido pela área de recursos humanos. Isso acontece pela ausência da ação da área de marketing ou porque a direção da empresa entende que assim deve ser. Independentemente da área responsável pela coordenação do projeto, é importante destacar que as diretrizes, as estratégias de implantação e o seu desenvolvimento devem originar-se a partir da missão, da visão e dos objetivos gerais da empresa.

6 Satisfação no trabalho De acordo com Davis e Newstron (1998), satisfação no trabalho é um conjunto de sentimentos favoráveis ou desfavoráveis com os quais os empregados vêem seu trabalho, podendo ser encarada como uma atitude global ou então ser aplicada a determinadas partes do cargo ocupado pelo indivíduo. E que, como qualquer outro tipo de atitude, é geralmente formada durante um determinado período de tempo, na medida em que o empregado vai obtendo informações sobre o ambiente de trabalho. A administração necessita de informações a respeito da satisfação no trabalho dos empregados, de modo a tomar decisões pertinentes, tanto no sentido de prevenir como ao de resolver problemas com os funcionários. Esse estudo, de acordo com as explicações de Davis e Newstron (1998), levam o melhor nível de satisfação, de comunicação, de atitudes, a necessidades de treinamento de planejamento e implementação de mudanças, pois gerentes atentos estão conscientes da necessidade de avaliar as reações do empregado às mudanças mais significativas em relação a políticas e programas. Nesse sentido, torna-se relevante estudar motivação, partindo da premissa de que a motivação é um processo endógeno nos indivíduos onde cada um desenvolve forças motivacionais que afetam diretamente a maneira de encarar o trabalho e suas próprias vidas, porque as pessoas são completamente diferentes entre si no que tange à motivação, e inclusive, varia no mesmo indivíduo conforme o tempo.

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bido pelos membros da organização que influenciam seu comportamento. O Endomarketing trabalha com o desenvolvimento de estímulos motivacionais no campo da motivação psicológica. Entretanto, quando a cultura avança em comprometimento através dos incentivos psicológicos, torna-se necessário incrementar estímulos ligados à motivação material, ou seja, prêmios, gratificações, etc. No entanto, a introdução de estímulos motivacionais materiais, buscando aumentar o nível de produtividade é muito arriscada, pois o dinheiro e prêmios são motivadores de curta duração, ou seja, ao perder ou ao não receber mais, advém a desmotivação e efeitos contrários. (CERQUEIRA, 1999, p. 131).

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Endomarketing:


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Segundo Davidoff (2001, p. 325), “motivação refere-se a um estado interno que pode resultar de uma necessidade. É escrito como ativador, ou despertador de comportamento geralmente dirigido para a satisfação da necessidade instigadora”. A motivação pode ser entendida como uma inclinação para a ação que tem origem em um motivo, abrangendo, qualquer comportamento dirigido para um objetivo.

7 Procedimentos Setembro/2008

metodológicos

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Para a realização da pesquisa foi utilizado um questionário embasado na literatura e, além dos aspectos quantitativos da amostra, os parâmetros são interpretados na direção da análise a que os objetivos se propõem alcançar. O universo desta pesquisa foi a CEMISE – Centro de Medicina de Sergipe. A amostra foi censitária, correspondendo a 100% dos empregados da CEMISE. Conforme Vergara (2004, p.50) amostra compreende “uma parte do universo (população) escolhida segundo algum critério de representatividade”. No período da realização da coleta de dados, foi aplicado um questionário no mês de agosto de 2006, tendo como variáveis consideráveis: tempo na organização, faixa etária, escolaridade, trabalho criativo, estímulo para realizar novas tarefas, méritos reconhecidos, carga horária, remuneração, benefícios, treinamento e ambiente de trabalho. A análise interpretativa dos questionários foi efetuada a partir dos dados quantitativos em uso pela estatística, ou seja, classificação, codificação e apuração dos dados tabulados no software estatístico Microsoft Excel, considerando-se que o instrumento de coleta utilizado na pesquisa buscou confrontar a visão do cliente interno sobre as ações de Endomarketing na CEMISE e sua percepção sobre as suas influências em cada segmento.

Tabela 1 – Sexo dos entrevistados

Fonte: Pesquisa de campo

A Tabela 2 demonstra que 42% dos entrevistados têm nível superior incompleto e 35% têm o ensino médio completo, enquanto que 10% têm o ensino superior completo, seguido de 5% que têm o ensino médio incompleto, 5% que têm o ensino fundamental completo, e de 3% que têm pós-graduação. Portanto, o nível de escolaridade dos colaboradores da CEMISE favorece o entendimento das instruções recebidas e capacidade de emitir opiniões para melhorar o trabalho, entretanto requer um programa efetivo de remuneração, treinamento e reconhecimento. Tabela 2 – Escolaridade dos entrevistados

Fonte: Pesquisa de campo

A Tabela 3 demonstra que na CEMISE 47% dos colaboradores têm até 2 anos na empresa, 30% têm de 2 a 4 anos, seguidos de 18% que têm de 5 a 7 anos e de 5% que têm mais de 10 anos, percentual que pode ser explicado pelo fato de a empresa estar em expansão. Tabela 3 – Tempo na empresa

8 Análise dos resultados Na Tabela 1 observa-se a prevalência do sexo feminino (63%) sobre o masculino (37%) provavelmente porque para o atendimento aos clientes seja mais apropriada a delicadeza feminina.

Fonte: Pesquisa de campo

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Endomarketing:

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Tabela 4 – Motivação para o trabalho

dores na sua maioria percebem a importância do seu trabalho, eles estão satisfeitos e trabalhando a contento de acordo com os objetivos da empresa. Tabela 6 – Percepção da importância do trabalho

Fonte: Pesquisa de campo

Tabela 5 – Estímulo para emitir opiniões

Segundo a Tabela 7, para 60% dos entrevistados seu trabalho é reconhecido e para 40% só é reconhecido às vezes, indicando que, na CEMISE existe possibilidade do desenvolvimento de uma das premissas do Endomarketing, que é a valorização dos colaboradores, uma vez que por possuírem escolaridade elevada, desejam o reconhecimento e crescimento no trabalho. Tabela 7 – Reconhecimento do trabalho

27 Fonte: Pesquisa de campo

A Tabela 8 indica que 78% dos entrevistados recebem instruções claras e precisas, enquanto que 17% às vezes recebem, e 5% que não recebem instruções claras e precisas para o desempenho das suas tarefas. Como dentro de qualquer organização é importante que todos saibam a respeito dos objetivos, estratégias, metas e formas de atuação, pode-se entender que, na CEMISE, a comunicação estabelecida dá subsídios para que todos possam cumprir suas tarefas com eficiência. Tabela 8 – Instruções são claras e objetivas

Fonte: Pesquisa de campo

Na Tabela 6, percebe-se que 92% dos colaboradores da CEMISE percebem que seu trabalho é importante, enquanto que 5% às vezes percebem a importância e 3% não percebem a importância do seu trabalho. Como a satisfação das necessidades de estima conduz a sentimentos de autoconfiança, entende-se que, se na CEMISE os colabora-

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Fonte: Pesquisa de campo

Fonte: Pesquisa de campo

De acordo com a Tabela 9, para 88% dos entrevistados o trabalho na CEMISE não impede seus projetos pessoais, enquanto que, para 12% impede,

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Segundo a Tabela 4, na CEMISE 63% dos colaboradores vão motivados para o trabalho, 30% às vezes vão motivados e 7% não vão motivados para o trabalho. Como a motivação também é um processo endógeno, variando no mesmo indivíduo conforme o tempo, pode-se afirmar que na CEMISE existe um número significativo de pessoas com motivação para um bom desempenho no trabalho. De acordo com a Tabela 5, na CEMISE 65% dos colaboradores são estimulados a emitirem opiniões para solucionar algum problema ou melhorar o seu trabalho, enquanto que 23% às vezes são estimulados, e de 12% que não são estimulados. Isso significa que na CEMISE o Endomarketing é promissor, uma vez que uma de suas premissas básicas é que a excelência de serviços para os clientes e gerenciamento de recursos humanos significa envolver e comprometer os colaboradores com os objetivos e decisões da empresa. Não obstante, dando-se oportunidade do colaborador emitir sua opinião, obtém-se o nível de envolvimento da equipe.


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significando que na CEMISE, apesar de seu horário estender-se até as 20:00hs, item comum nesse ramo de atividade, os colaboradores não são explorados em sua jornada de trabalho. Tabela 9 – Trabalho e projetos pessoais

De acordo com a tabela 13, a CEMISE não oportuniza treinamento para 43% dos entrevistados, enquanto oportuniza treinamento semestralmente para 35% dos colaboradores; trimestralmente para 12% dos colaboradores, e anualmente para 10% dos colaboradores. Na CEMISE o treinamento é oferecido apenas quando da admissão do colaborador e periodicamente há uma utilização dos procedimentos operacionais. Tabela 13 – Treinamento

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Fonte: Pesquisa de campo

Questionados se consideram adequada a remuneração que recebem, na Tabela 10 tem-se que 63% dos entrevistados responderam que não estão satisfeitos e 37% que estão satisfeitos. Esse é um fato que, se no composto de Endomarketing trabalho está para Preço, os que não estão satisfeitos com a remuneração podem, também, não estar tão comprometidos. Os entrevistados têm escolaridade elevada, estão em sua maioria motivados para o trabalho, mas não são reconhecidos, inclusive com uma remuneração adequada como gostariam. Tabela 10 – Remuneração adequada

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Fonte: Pesquisa de campo

A Tabela 14 indica que, para 53% dos entrevistados, o relacionamento da chefia com a equipe é bom, para 37% o relacionamento é ótimo e para 10% é regular. Nesse caso, convém lembrar que, unindo a linha de comunicação e a atitude de dar ao colaborador consciência da importância estratégica de um serviço orientado para atender os clientes, faz-se o Endomarketing. Tabela 14 – Relacionamento da chefia com a equipe

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Fonte: Pesquisa de campo

Segundo a Tabela 12, os benefícios na CEMISE não são oferecidos igualitariamente, uma vez que 43% dos entrevistados recebem transporte, 33% plano de saúde, 12% outros tipos de benefícios, e ainda 12% afirmaram não receber nenhum benefício. Ocorre que a CEMISE paga parcialmente plano odontológico e de assistência médica aos seus colaboradores, os quais devem contribuir com outra parcela. Dessa forma, nem todos colaboradores optam por ter esses benefícios.

Fonte: Pesquisa de campo

Solicitados a classificar seu relacionamento com os colegas, na Tabela 15 observa-se que 55% dos entrevistados classificaram como bom, 35% como ótimo, e 10% como regular. Isso significa que existe um clima organizacional na CEMISE, positivo.

Tabela 12 – Benefícios recebidos Tabela 15 – Relacionamento com os colegas

Fonte: Pesquisa de campo

Fonte: Pesquisa de campo

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Na Tabela 16, verifica-se que 55% dos entrevistados consideram o seu ambiente de trabalho como bom, 37% ótimo e 8% consideram regular. Esse resultado indica um ambiente laboral propicio para o desenvolvimento das políticas de relacionamento e espírito de equipe tão importante para desenvolvimento das tarefas. Tabela 16 – Ambiente de trabalho

Fonte: Pesquisa de campo

1 1 Conclusão O objetivo maior deste trabalho foi analisar a política de Endomarketing na CEMISE, observando de que forma o mesmo está contribuindo para a melhoria do atendimento ao cliente, visando atender as necessidades das ambiências internas e externas, dentro do processo dinâmico da prestação de serviços. Dessa forma, através de pesquisa aplicada e explicativa, com base na descritiva de campo, através da aplicação de um questionário com quinze questões fechadas, embasado na literatura e através de uma abordagem quantitativa, foi possível chegar-se aos seguintes dados: A CEMISE está sempre buscando e desenvolvendo um trabalho de melhoria no desempenho operacional e estrutural em toda empresa, para atender todos os processos da organização e alcançar a eficiência visando uma excelência operacional nos seus serviços prestados; entretanto, existe uma lacuna quanto à administração de recursos humanos, haja vista a insatisfação quanto à motivação, ao reconhecimento e a remuneração. Uma organização é um sistema que procura alcançar objetivos. O processo de organizar cria uma estrutura estável e dinâmica, que define o trabalho que as pessoas, como indivíduos ou integrantes de grupos, devem realizar, enquanto que o marketing pode ser definido como a área do conhecimento que engloba todas as atividades concernentes às rela-

ções de troca, orientadas para a satisfação dos desejos e necessidades dos consumidores, visando alcançar determinados objetivos da organização ou indivíduo. Dessa forma, a estratégia do serviço é formada pelo compromisso formal da empresa em prestar serviços aos seus clientes, devendo ser, ainda, baseada no conhecimento do cliente, podendo esse conhecimento ser obtido através da integração do empregado da linha de frente e o empregador. Nesse sentido, a análise das relações, tanto com os clientes como com os colaboradores, é indispensável não só para a decisão sob qual espécie de estrutura é necessária, como também no atendimento dos clientes, uma vez que a comunicação pode ser entendida como uma forma de atingir os outros com idéias, fatos, pensamentos, sentimentos e valores, o que leva à satisfação e à motivação para o trabalho. No Endomarketing, o colaborador, sentindo-se privilegiado por ter as suas necessidades satisfeitas pela organização, tende a sentir-se como um sócio, vendendo a imagem da empresa da melhor forma, porque a satisfação das necessidades leva à motivação para o trabalho. Em relação à aplicação prática de Endomarketing na CEMISE, pode-se identificar como pontos fortes: uma comunicação clara e objetiva; o estímulo para que emita opiniões para solucionar algum problema ou melhorar o seu trabalho; uma carga horária que não impede os projetos pessoais; um bom relacionamento da chefia com a equipe; um bom relacionamento entre os membros da equipe e pelo fato do ambiente de trabalho ter sido considerado bom e ótimo. Como pontos fracos, pode-se indicar a falta de reconhecimento; uma remuneração inadequada na opinião dos entrevistados; e o não oferecimento de treinamento. Respondendo à questão da pesquisa, pode-se afirmar que, de acordo com os pontos fortes acima citados, a CEMISE, utiliza-se do Endomarketing para propiciar eficiência na qualidade do atendimento prestado aos seus clientes, apresentando um significativo trabalho na melhoria estrutural e operacional, entretanto, para consolidar uma política integral de Endomarketing, é necessário realizar um trabalho específico, visando sanar todas as insatisfações dos seus colaboradores, fortificando os pilares de sustentação de trabalho de Endomarketing.

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Endomarketing:


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Rotatividade

A eo perfil dos trabalhadores braçais da construção civil na cidade de Aracaju

Graduado em Administração na Faculdade São Luis de França/Pós Graduado em Didática e Metodologia do Ensino Superior. E-mail:jfontes@info-net.com.br; jorge.fontesleite@gmail.com.br

ABSTRACT OSIRIS ASHTON VITAL BRAZIL, M.Sc Professor Efetivo do Curso de Administração da Faculdade São Luis de França/ Mestre em Regulação da Indústria de Energia;

DANIELLE THAÍS BARROS DE SOUZA Professora Efetiva do Curso de Administração da Faculdade São Luis de França e Professora Voluntária do Curso de Agronomia na Universidade Federal de Sergipe/ Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente/UFS. E-mail: daniellethais@yahoo.com.br.

This work had the objective to study the labor turnover of the workers in the civil construction in the city of Aracaju and the profile of these workers who exert functions that require manual work. The study one becomes excellent in the measure where it contributes so that the companies of the branch of the civil construction – subsector edifications – can identify the labor turnover levels that have acometido the performance of the operational man power that acts in the seedbeds of workmanships. One became fullfilled 303 interviews that had generated the profile of the worker in the civil construction. The research in the companies of civil construction points with respect to the superior average rotation 10%. This labor turnover was measured in the period of January of 2006 the June of 2006. The study still it contributes with recommendations to diminish the index of rotation in industry of the Civil Construction. Keywords: Construction - Civil - Aracaju-Sergipe, Profile - Diligent, Labor Turnover of Staff, Human resources.

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JORGE EDUARDO FONTES LEITE

Este trabalho teve o objetivo de estudar a rotatividade dos trabalhadores na construção civil na cidade de Aracaju e o perfil destes trabalhadores que exercem funções que requerem trabalho braçal. O estudo torna-se relevante na medida em que contribui para que as empresas do ramo da construção civil – sub-setor edificações – possam identificar os níveis de rotatividade que têm acometido o desempenho da mão-de-obra operacional que atua nos canteiros de obras. Realizaram-se 303 entrevistas que geraram o perfil do trabalhador na construção civil. A pesquisa nas empresas de construção civil aponta para a rotatividade média superior a 10%. Esta rotatividade foi medida no período de janeiro de 2006 a junho de 2006. O estudo ainda contribui com recomendações para diminuir o índice de rotatividade na indústria da Construção Civil. Palavras-chave: Construção – Civil – Aracaju-Sergipe, Perfil – Trabalhadores, Rotatividade de Pessoal, Recursos Humanos.

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RESUMO


A

Rotatividade:

e o perfil dos trabalhadores braçais da construção civil na cidade de Aracaju

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Introdução

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O país tem sofrido aceleradas transformações em seu cenário produtivo e econômico e, nesse contexto, as empresas da Construção Civil têm se obrigado a assumir novos desafios na relação entre o capital e o trabalho, para se adequarem a esta realidade que tem colocado em risco a sua própria sobrevivência num mercado cada vez mais competitivo. Algumas ações isoladas têm se evidenciado na busca da modernização da construção civil, porém a Indústria da Construção Civil apreseta defasagem em relação a outros segmentos que compõem o parque industrial brasileiro, provavelmente por conta das suas características singulares, como: o caráter heterogêneo e não seriado de produção devido à singularidade do produto, normalmente feito sob encomenda; a dependência de fatores climáticos ao longo da sua execução; o período de execução relativamente longo; a complexa rede de interferências dos participantes; ampla segmentação da produção em etapas ou fases; o parcelamento da responsabilidade entre várias empresas, onde o processo de subcontratação é comum; além do nomadismo do setor; e o alto índice de rotatividade dos operários, que dificultam sobremaneira a utilização, na prática, de modernas teorias da qualidade e produtividade. Ressalte-se a rotatividade dos operários, pois envolve a utilização da mão-de-obra operacional que se constitui ainda no mais importante fator dentro de uma organização e, em especial, na

construção civil, criando desânimo e diminuindo o interesse do trabalhador, dificultando a implementação de programas de qualidade. Com base nos argumentos apresentados, este estudo buscou identificar: Quais os índices de rotatividade no período de janeiro de 2006 a junho de 2006? Quais os principais fatores que contribuem para a rotatividade na Construção Civil sob o ponto de vista dos operários? E qual é o perfil dos trabalhadores da Construção Civil da cidade de Aracaju – Sergipe. O estudo justifica-se à medida que contribui para que as empresas do ramo da construção civil – sub-setor edificações – possam identificar os níveis de rotatividade que têm acometido o desempenho da mão-de-obra operacional que atua nos canteiros de obras, por desconhecimento ou por falta de habilidade no trato desta questão, por parte dos seus principais responsáveis. Pretende-se, também, contribuir para a valorização do ser humano dentro das empresas, enfatizando os indicadores que têm se constituído em fatores motivacionais para a manutenção dos operários nas suas atuais empresas. Outra contribuição que caracteriza o atual estudo como pertinente, é pelo fato de o tema ser pouco debatido no meio da construção civil, provavelmente motivado pelo número reduzido de trabalhos acadêmicos relativos ao mesmo. Portanto, este estudo visa, também, contribuir na construção e no aprimoramento de novos conhecimentos sobre a questão. Dessa forma, o objetivo geral foi investigar a rotatividade e o perfil dos trabalhadores braçais da construção civil na cidade de

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Aracaju, frente às reais condições de trabalho oferecidas, obtendose com isto os fatores que mais interferem na qualidade e produtividade.

2 Rotatividade de pessoas Especificamente, procurou-se identificar os índices de rotatividade no período entre janeiro de 2006 a junho de 2006; descrever os principais fatores que contribuem para a rotatividade na construção civil, sob o ponto de vista dos operários e dos empregadores; e sugerir estratégias que ajudem a diminuir o índice de rotatividade. Os Recursos Humanos (RH) representam o principal ativo da empresa a ser mobilizado para utilizar, de forma mais eficiente, os demais recursos da organização para a busca dos resultados positivos da empresa. Para atender as expectativas do negócio, a gestão dos Recursos Humanos tem a missão de buscar a qualidade, a competência e o desempenho no nível da capacidade profissional requerida pelos desafios do empreendimento empresarial e as características do mercado, tanto no presente como no futuro. Todas essas atitudes aumentam a incerteza e os riscos que esses empregados enfrentam, principalmente em virtude da rotatividade, em especial, na construção civil, uma vez que um canteiro de obra não funciona como uma indústria, em que o ciclo produtivo se repete continuamente enquanto o produto estiver no mercado.


e o perfil dos trabalhadores braçais da construção civil na cidade de Aracaju

Na Construção Civil a produção não se faz em ciclo, é linear. As etapas de obra têm um cronograma de execução, e uma vez concluída cada etapa nova, se segue numa seqüência, em que se faz necessária a utilização de mão-de-obra qualificada. A produção tem um fim, e a depender do porte da empresa, é impossível a manutenção do empregado, enquanto nova construção não foi efetivada. Conforme Villar et all (2004), o ramo da construção civil é um dos setores mais indicados para auxiliar no combate ao nível de desemprego que assola o país, porque emprega pessoas com baixo nível de instrução e capacitação, fazendo uso, principalmente, de sua capacidade física, permitindo acesso ao mercado de trabalho de operários completamente desqualificados, de maneira muito rápida. Além disso, é um agente multiplicador nessa cadeia, podendo gerar mais do dobro de empregos para cada empregado que contrata. Porém, o que se percebe é uma elevada rotatividade desta mão-de-obra, sendo justamente a falta de qualificação um dos principais motivos disto, fator também considerado como uma das razões de haver elevado nível de acidentes no trabalho nos canteiros de obras. Na concepção de Pastore (2001), as dispensas e as recontratações estão ligadas à natureza da atividade das empresas. Na construção civil, a rotatividade mensal é 6,95%. Terminada a obra, termina o trabalho. Nesse sentido, torna-se relevante ser analisado o planejamento de Recursos Humanos.

2.1-

Planejamento de recursos humanos (RH) Um dos aspectos mais importantes da estratégia organizacio-

nal é a sua amarração com a função de gestão de pessoas e deve ser parte integrante do planejamento estratégico da organização. A uma determinada estratégia organizacional deve corresponder um planejamento estratégico de RH integrado e envolvido. O planejamento estratégico de RH refere-se à maneira como a função de RH pode contribuir para o alcance dos objetivos organizacionais e, simultaneamente, favorecer e incentivar o alcance dos objetivos individuais dos funcionários. (CHIAVENATO, 1999, p. 59). Logo, planejar em RH é definir antecipadamente qual a força de trabalho e os talentos humanos necessários para a realização da ação organizacional futura. Percebe-se, no entanto, que o planejamento de pessoal nem sempre é da responsabilidade do órgão de pessoal da organização, apesar de sua importância. Na maioria das empresas industriais, o planejamento da chamada mão-de-obra direta de curto prazo é feito pelo órgão responsável pelo planejamento e controle da produção. Por sua vez, o planejamento da chamada mão-de-obra indireta fica a critério dos diversos órgãos da organização, ou é atribuído ao órgão de Organização e Métodos, principalmente quando se trata de pessoal de escritório ou de prestadores de serviços, como bancos, empresas comerciais, etc. Todavia, o planejamento de pessoal é elaborado dentro de critérios de racionalidade estritamente técnicos e de abordagem meramente quantitativa. O órgão de pessoal nem

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sempre participa de sua elaboração, recebendo seu resultado como pronto e acabado.

2.2- Recrutamento de pessoal O recrutamento é um conjunto de procedimentos que visa atrair candidatos potencialmente qualificados e capazes de ocupar cargos dentro da organização. É basicamente um sistema de informação, através do qual divulga e oferece ao mercado de Recursos Humanos oportunidades de emprego que pretende preencher. Uma força de trabalho bem recrutada contribui de maneira decisiva para que a empresa produza bens e serviços com produtividade mais elevada. Assim, o recrutamento constituiu-se no elo de ligação entre a organização e o mercado de trabalho, sendo o ponto de referência inicial entre o candidato a um determinado cargo e a empresa. (CARVALHO, 1999, p. 78) O recrutamento pode ser interno ou externo. O recrutamento interno esta fundamentado na movimentação de quadros de pessoal da própria organização, envolvendo, entre outros, os seguintes pontos: transferência de empregados; promoções de colaboradores; programas de desenvolvimento de RH; e planos de carreira funcional, enquanto que o recrutamento externo é o processo de captação de recursos humanos no mercado de trabalho, com o objetivo de suprir uma necessidade da empresa no seu quadro de efetivos, ou seja, o recrutamento é externo quando, havendo determinada vaga, a orga-

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Rotatividade:

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A


A

Rotatividade:

e o perfil dos trabalhadores braçais da construção civil na cidade de Aracaju

nização, procura preenchê-la com candidatos externos através de técnicas de recrutamento. (CARVALHO, 1999)

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2.3- Rotatividade

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Observa-se que o termo rotatividade de recursos humanos é usado para definir a flutuação de pessoal entre uma organização e seu ambiente. Para Chiavenato (2004, p. 87), A rotatividade refere-se ao fluxo de entradas e saídas de pessoas em uma organização, ou seja, às entradas pra compensar as saídas de pessoas das organizações. A cada desligamento quase sempre corresponde a admissão de um substituto como reposição. Isso significa que o fluxo de saídas (desligamentos, demissões e aposentadorias) deve ser compensado por um fluxo equivalente de entradas (admissões) de pessoas. O desligamento ocorre quando uma pessoa deixa de ser membro de uma organização, podendo ser por iniciativa do funcionário e o desligamento por iniciativa da organização. O desligamento por iniciativa do funcionário ocorre quando ele decide por razões pessoais ou profissionais encerrar a relação de trabalho com o empregador. Assim, o empregado pode deliberar pela rescisão do contrato, pedindo demissão, na rescisão indireta ou por aposentadoria. Martins (2004, p.390), diz que “Não existe realmente ‘pedido de demissão’, mas comunicação do empregado de que não vai mais trabalhar. O pedido não precisa ser aceito. É ato unilateral. O empre-

gado apenas afirma que não vai mais comparecer ao trabalho”. Ainda de acordo com Chiavenato (op. cit.), a decisão de desligar-se depende de duas percepções. A primeira é o nível de insatisfação do funcionário com o trabalho. A segunda é o número de alternativas atrativas que ele visualiza fora da organização, no mercado de trabalho. Portanto, o funcionário pode estar insatisfeito com o trabalho em si, com o ambiente de trabalho ou com ambos. Desligamento por iniciativa da organização (demissão) ocorre quando a organização decide desligar funcionários, seja para substituí-los por outros mais adequados às suas necessidades, seja para corrigir problemas de seleção inadequada, seja para reduzir sua força de trabalho. Dessa maneira, infere-se que o elevado índice de perda de pessoas revela problemas e desafios a serem superados. A perda de pessoas significa perda de conhecimento, de capital intelectual, de inteligência, de entendimento e de domínio dos processos, perda de conexões com os clientes, de mercado e de negócios. Segundo Chiavenato (2004, p. 88), A fórmula mais utilizada é o número de pessoas que se desligaram durante um determinado período de tempo (um mês ou um ano) em relação ao número médio de funcionários existentes. Essa fórmula funciona apenas em relação às saídas e não considera as entradas de pessoal na organização. Índice de Rotatividade = nº de funcionários desligados Efetivo Médio da Organização

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Chiavenato (op. cit.) também diz que a rotatividade não é uma causa, mas o efeito de algumas variáveis externas e internas. Com relação aos problemas com que o executivo de recursos humanos se defronta em uma economia competitiva é saber até quanto vale a pena, por exemplo, perder recursos humanos e manter uma política salarial relativamente conservadora e “econômica”. Muitas vezes, na manutenção de uma política salarial restritiva o fluxo incessante de recursos humanos, por meio de uma rotatividade de pessoal elevada, pode sair muito caro.

3 A construção civil no Brasil O ramo da indústria da Construção Civil é composto por um conjunto de atividades complexas ligadas por um leque de produtos variados, com processos produtivos e de trabalho, que mantém alto grau de originalidade e se vinculam os diferentes tipos de demanda. No início do processo de urbanização do Brasil, os trabalhadores da Construção Civil constituíam a “elite” por possuírem um perfil diverso do encontrado atualmente. Holanda e Barros (2003) classificam os períodos históricos do segmento da seguinte maneira: A fase inicial da denominada autoprodução, que compreende os anos de 1500 a 1808, caracteriza-se pela aplicação da técnica construtiva, com ausência de qualquer ciência aplicada, ou seja, limitando-se à adaptação de técnicas externas – copiadas de


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países europeus mais desenvolvidos – às condições locais. As obras eram “riscadas” e construídas por mestres portugueses, ou por militares “oficiais de engenharia”, ou ainda por padres instruídos em questões de arquitetura para construção de mosteiros e igrejas. Em um segundo momento, a chamada produção para o mercado, entre 1808 até os dias atuais, se divide em três estágios: De 1808 ate 1930 – houve proliferação dos cortiços e vilas operárias, caracterizando-se pelo crescimento dos centros urbanos. Para Araújo e Dias (2006), o desenvolvimento imobiliário aconteceu no final dos anos 20, quando foram criadas as Companhias Imobiliárias, que começaram a lotear áreas das ex-colônias, que vinham sendo adquiridas desde 1914. A facilidade de crédito e de financiamento aliada à crise do café provocaram a transferência das aplicações para o mercado de imóveis, o que beneficiou o surgimento de novos loteamentos. Surgem no final da década de 20 os operários da construção, com grande participação de imigrantes, os quais se tornaram a “elite” entre as classes operárias da época, com maior padrão cultural, melhores condições de trabalho e salários, bem como maior força associativa. Muitos apresentavam habilidades artísticas, marcadas nas edificações da época. Esses trabalhadores organizavam-se em corporações de oficio, onde existiam os mestres e os aprendizes; assim, a aprendizagem dava-se através da transmissão de conhecimentos empíricos pelos artesãos, detentores de ofícios, no exercício do próprio trabalho, aos seus aprendizes.

De 1930 a 1970, aproximadamente – estimulou-se a produção em massa de unidades habitacionais, principalmente pela criação do Banco Nacional de Habitação – BNH, caracterizando-se também pela urbanização e por obras de infra-estrutura, principalmente rodovias. Na época do milagre econômico, no decorrer da década de 70, a classe média melhorou seu poder de compra e o mercado imobiliário viveu uma nova dinamização, a partir de 1978. Com a abertura política a melhoria dos rendimentos das classes médias baixas e a alta disponibilidade de financiamentos habitacionais, o mercado da construção civil alcançou patamares muito elevados até 1982. A expansão das atividades construtivas na década de 70 esteve intimamente associada aos programas estatais para o setor, definidos na década anterior. A ação direta do Estado na contratação e no financiamento de grandes projetos nos três subsetores da construção, segundo seus planos de metas, somou-se a sua intermediação como agente financeiro para os empreendimentos da construção habitacional (HOLANDA E BARROS, 2004). No terceiro estágio, de 1970 até os dias atuais – enfoque para a qualidade provocou maior preocupação com a padronização dos processos empresariais e com o treinamento de pessoas. Vários canteiros de obras melhoraram significativamente sua organização, limpeza, segurança e qualidade de serviços chamando à participação os mestres, encarregados, almoxarifes e empreiteiros. O crescimento da demanda pelos produtos da Construção Civil está na dependência do comporta-

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mento global da economia que, ao longo dos anos 80, veio conhecer períodos de estagnação e mesmo de recessão econômica. Brevemente interrompida por surtos curtos de crescimento, como é o caso dos anos de 86/ 87, após o plano Cruzado. Nas edificações durante o período em questão, o Estado interveio diretamente no segmento da habitação, por meio da construção de conjuntos habitacionais, e, de forma indireta, através da concepção e administração do Sistema Financeiro da Habitação e da Gestão do Banco Nacional da Habitação. No início da década de 80, apenas o subsetor de edificações encontrava-se relativamente amparado por uma política especifica de crèdito, através do BNH, que geriu até 1985 o SFH. Entretanto, fatores limitativos se faziam fortemente presentes. O mercado imobiliário sofreu um desaquecimento. Os loteamentos quase não existiam mais – a CEF suspendeu a liberação dos recursos já contratados do FGTS para aplicação no mercado imobiliário o que levou muitas empresas a sérias dificuldades. Diante do quadro de instabilidade econômica e na ausência de iniciativas mais sólidas do Estado, a construção Civil empreendeu um longo processo de adaptação, que levou a uma redefinição de produtos e mercados, à busca de novos padrões de qualidade e produtividade a adoção de inovações tecnológicas e organizacionais. Embora tenha se difundido em um processo lento, as mudanças observadas no setor apontaram para uma modernização que atingiu também o plano instituci-

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onal, ou seja, as formas de representação e atuação do patronato, por um lado, e dos trabalhadores, pelo outro.

ser obtido pela soma dos efetivos existentes no início e no final do período, dividido por dois.

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Metodologia

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Foi levantada uma bibliografia cujo embasamento teórico é cabível ao tema. Os autores de maior importância para o assunto em questão dedicam-se à explicação da temática em torno de assuntos como Recursos Humanos, Desemprego; Tipos de Desemprego e o Pleno Emprego; Precarização do Emprego; e Construção Civil no Brasil. O trabalho foi realizado através de um “estudo de caso”, do tipo descritivo-explicativo e utilizaram-se técnicas de levantamento e observação, obtidas através de fontes primárias e secundárias. A utilização de um Plano Amostral torna-se imprescindível, a partir do momento em que a população é considerada grande para os recursos da pesquisa. Assim, foi adotada a metodologia de amostragem por conglomerado. Primeiro, foram considerados 64 conglomerados (64 empresas associadas ao SINDUSCOM-SE) e selecionados 10% destes, aleatoriamente. Então, dentro destes conglomerados foi utilizada amostragem aleatória simples. Para este tipo de amostragem, levando em conta que queremos um tamanho de amostra para a ˆ (pois a rotatividaproporção p de é uma proporção) de uma população finita, o tamanho n da amostra foi calculado por

As empresas repassadas pelo sindicato supracitado, após o sorteio aleatório, receberam como código números de 1 a 6, no intuito de preservar a identidade das empresas que fizeram parte da amostra. O tamanho da amostra foi calculado por conglomerado (empresa), tendo tamanhos diferentes, cuja soma foi de 303 indivíduos. De posse da amostra, foi aplicado um questionário, (apêndice A), cujo objetivo foi levantar as informações necessárias ao objeto da pesquisa (admissões e desligamentos de funcionários) no limite temporal adotado: janeiro de 2006 a junho de 2006.

onde: • A = admissão de pessoal na área considerada dentro do período considerado (entradas); • D = desligamentos de pessoal (tanto por iniciativa da empresa como por iniciativa dos empregados) na área considerada dentro do período considerado (saídas); • EM = efetivo médio da área considerada dentro do período considerado, na empresa. Pode

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Num segundo questionário, junto aos trabalhadores braçais, foram feitas perguntas que supostamente indicariam o perfil desses trabalhadores e os motivos da rotatividade. Chiavenato (2004), afirma que, de posse dos dados coletados, os índices de rotatividade por empresa e o índice da rotatividade total podem ser obtidos através da utilização da equação acima. Para a segunda fase da pesquisa, fez-se uso dos dados fornecidos pelo primeiro questionário, e do Excel para os cálculos estatísticos e determinação do tamanho da amostra “n” a ser pesquisada, cujos procedimentos explicaremos mais adiante onde admitimos um erro probabilístico de 2% para mais ou para menos. De posse do tamanho da amostra, aplicamos outro questionário que, de acordo com os cálculos do tamanho da amostra “n” totalizaram 303 questionários, elaborados com 16 perguntas fechadas, abordando aspectos tais como: identificação, composição familiar, habitação, profissão e emprego junto aos trabalhadores nos canteiros de obras, cujo objetivo é ajudar na identificação dos possíveis fatores que mais influenciam a rotatividade na construção civil bem como seu o perfil. Para a totalização dos dados dos resultados apurados no segundo questionário, foi desenvolvido um programa de contabilização de apuração, utilizando banco de dados Access, para que o mesmo, ao final dos lançamentos, gerasse um relatório dos totais por empresa.


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O desenvolvimento do sistema possibilitou maior confiabilidade e praticidade na digitação da entrada dos dados uma vez que, todos os campos são obrigatórios por serem codificados e validados, não admitindo, portanto, que nenhuma das variáveis ficasse em aberto possibilitando confiabilidade e rapidez na entrada dos dados. Com o lançamento de todas as informações contidas nos 303 questionários, esses dados geraram 6 relatórios, um por empresa, os quais flexibilizaram o tratamento do perfil do trabalhador na construção civil, utilizando a ferramenta da Microsoft Excel.

5 Resultados e análises 5.1- Rotatividade do trabalhador braçal na construção civil A primeira empresa tem como principal fonte de serviços obras públicas. De acordo com seu quadro, a mesma teve uma rotatividade de 56,84% durante o período em estudo. Isso significa dizer que pouco mais da metade do seu quadro funcional foi mudado. Por tanto, a empresa 01, devido aos excessivos desligamentos durante o estudo, não conseguiu formar equipes contínuas. Com relação à empresa 02, que também tem sua principal fonte de recursos financeiros no setor público, a mesma obteve uma rotatividade total para o período de 73,44%. Observando o comportamento da empresa 02, mês a mês, verifica-se uma rotatividade crescente. Isso mostra que esta não trabalha pensando em for-

mar equipes de trabalho. Comparando a rotatividade com as contratações, nota-se que as mesmas são crescentes, o que não ocorre com os desligamentos que demonstram ser flutuantes. A empresa 03 tem seus recursos oriundos do setor privado. É uma empresa relativamente pequena para os padrões gerais da construção civil, pois seu efetivo médio no período foi de 40 colaboradores. Observando o objeto do estudo (rotatividade), a empresa em questão obteve uma média de 3,94% considerada, portanto baixa; observa-se também que, durante todo o período estudado, houve apenas uma contratação. Segundo o conceito de rotatividade, que é de entrada e saída de pessoal em um determinado período de tempo, a mesma não fugiu deste conceito básico, ou seja, uma rotatividade não prejudicial à organização. A empresa 04 tem uma rotatividade alta, em torno de 60,88%; isso acontece devido à alta contratação e um número baixo de desligamentos, por isso tem seu efetivo sempre crescente. Esta alta contratação mostra uma rotatividade positiva por indicar crescimento. A empresa 05 é semelhante à da empresa 04, tem uma rotatividade alta, em torno de 72,98%, devido à alta contratação e um número baixo de desligamentos, por isso também tem seu efetivo sempre crescente. Observa-se uma rotatividade praticamente constante, tendo 14,77% como seu maior valor. Da mesma forma, esta alta contratação mostra uma rotatividade positiva por indicar crescimento. Para a empresa 06, percebe-se facilmente que tem a maior rotatividade dentre as empresas pesquisadas. Esta alta rotatividade é uma

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característica de empresas que trabalham para o setor público. O índice de 102,13% indica que, no período estudado, a empresa trocou seu efetivo mais de uma vez, ocasionando prejuízo na organização tanto laboral quanto financeiro.

5.2- Análise do perfil do trabalhador braçal na construção civil Ao analisar os índices da escolaridade dos trabalhadores braçais da construção civil, observou-se que 82,84% destes possuem escolaridade inferior ou igual que ao 1º grau completo, enfatizando que a maior representatividade está na faixa dos indivíduos com 1º grau incompleto (60,40% das observações). Tal fato vem confirmar que, na construção civil, sua força produtiva é formada de pessoas com baixa escolaridade. Essa característica é bastante significante, levando em conta que o processo construtivo pode ser considerado como artesanal. Isso pode significar que, em outros setores da economia, onde um maior grau de escolaridade é exigido, devido a especificidades diversas, estes são excluidos do mercado de trabalho. Com relação à idade existe uma predominância dos trabalhadores na faixa etária entre 18 a 23 anos com um percentual de 20,79%. Isso pode significar que, excluídos do mercado de trabalho devido a exigências específicas em outros setores da economia, esses jovens, na faixa economicamente ativa, ingressam na construção civil, onde a qualificação não é um fator primordial, embora exerçam pouca influência no tocante à qualidade/produtividade. Outra faixa etária obser-

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vada foi a que compreende os trabalhadores entre 46 a 50 anos, com 7,59% pontos percentuais. Isso demonstra que, na construção civil, culturalmente, no Brasil, a mão-deobra economicamente ativa, ao completar 40 anos, é excluída do mercado de trabalho; porém não é possível deixar de questionar se esta faixa etária também não se auto-exclui, em função da idade e das características das atividades do setor, que são desafiadoras para os não tão jovens. Com uma participação ainda inexpressiva de 2,64% da população, a mulher também já se faz presente nos canteiros de obras, assim como nos outros setores da indústria em geral, não como trabalhadoras burocráticas, mas como trabalhadoras braçais. Essa presença pode significar que a construção civil está começando a mudar o perfil “machista” devido às condições de trabalho impostas pelo setor. Conforme verificação, 54,79% dos trabalhadores braçais da construção civil na cidade de Aracaju é oriunda do interior do Estado. Esse dado encontrado pode ser explicado pelo fato de que grande parte do território sergipano está situada nas regiões do semi-árido e árido, onde ocorrem longas estiagens, fazendo com que o homem do campo migre em busca de melhores condições, melhores salários e de qualidade de vida. Outro dado que deve ser observado são os nascidos em outra Unidade da Federação, com 27,72%, ou seja, cerca de um quarto dos trabalhadores são de outros Estados, que somados aos nascidos no interior do Estado, totalizam 82,51%. É uma população significativa e interessante, a partir do momento em que os dados são analisados pelo lado cultural.

Mesmo não existindo distinção no Brasil entre casados e os que convivem em união estável, 45,87% são casados e outros 28,71% convivem em união estável. Entre os entrevistados, 70,30% residem com mulher e filhos, confirmando os dados relacionados a situação conjugal (união estável). A pesquisa mostrou que a grande maioria tem de 1 a 3 filhos, com 58,09%. Diante destes dados, cai um dos maiores paradigmas da construção civil, que é o grande número de filhos por unidade familiar. A construção civil está absorvendo uma grande fatia de novos trabalhadores oriundos de outros setores, ou mesmo como primeiro emprego. Sabe-se que a experiência nos trabalhadores da construção civil é primordial, pois somente os mais antigos teoricamente são tidos como profissionais, restando aos demais a condição de aprendizes (ajudantes). Destaca-se o índice 35,64% (até 3 anos) como sendo o maior, tornando-se decrescente até a faixa dos 8 a 15 anos com 17,18%, quando volta a crescer, atingindo o patamar de 24,75% na faixa de mais de 15 anos. Verificase uma condição de bastante equilíbrio nos resultados entre as faixas “outra atividade” com 44,88% e “trabalhava na agricultura” com 41,58% portanto 86,48% não trabalhavam para a construção civil. Como também é interessante observar que 13,53% têm a construção civil como primeiro emprego. Percebe-se que a mão-de-obra da construção civil permanece na mesma empresa, devido em parte sua grande maioria ser formada de profissionais com baixa escolaridade, portanto, sem nenhuma possi-

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bilidade em outros setores da economia. A prática de desligamentos voluntários não é comumente utilizada segundo os dados obtidos, com 76,24%. Os trabalhadores da construção civil só fazem uso do pedido desligamento voluntário quando têm outro emprego, com salário maior garantido. O índice encontrado de 26,07%, correspondente àqueles que nunca receberam seguro desemprego, pode ser analisado por dois prismas: o primeiro pela capacidade da construção civil na recolocação de mão-de-obra devido à necessidade de sempre trabalhar com grandes contingentes; e a segunda, devido à emigração destes, oriundos de outros setores, portanto sem experiência no ramo da construção civil obrigando as organizações a demitirem com maior freqüência com tempo serviço inferior a seis meses, sem atingir o período mínimo de permanência necessário para recebimento do benefício do Seguro Desemprego. Do total observado, 35,64% trabalharam como autônomos durante o período em que receberam o benefício do Seguro Desemprego. Isso caracteriza que o trabalhador procurou nesses meses aumentar sua renda familiar, usando o benefício para a manutenção de suas despesas, e como renda complementar à informalidade.

6 Conclusão O objetivo deste estudo recaiu sobre a rotatividade e o perfil dos trabalhadores braçais da construção civil na cidade de Aracaju – Sergipe. Respondendo a questão sobre


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quais índices de rotatividade, no período compreendido entre de janeiro a junho de 2006, foi possível concluir que: A empresa 01 teve rotatividade de 56,85% como somatório de todos os meses no período do estudo. Assim as empresas 02, 03, 04, 05 e 06 tiveram 73,44%, 23,65%, 60,88%, 72,98% e 102,1351% respectivamente; Como uma observação conjunta, podemos falar a respeito da rotatividade média geral (10,83%). Esta rotatividade no período de janeiro de 2006 a junho de 2006 foi considerada alta, levando-se em consideração os conceitos teóricos das políticas de RH, visto que pode ser interpretada como uma troca mensal de 10,83% de todo efetivo da construção civil da cidade de Aracaju. Quanto aos principais fatores que contribuem para a rotatividade na Construção Civil, sob o ponto de vista dos operários, foram encontrados: o exercício de outra profissão; tempo de atividade na construção civil; a baixa escolaridade; e a faixa etária de 18 a 23 anos. Acredita-se que esses são os fatores que mais contribuem para rotatividade. De acordo com o que foi visto, os trabalhadores da construção civil têm um perfil de indivíduos com o 1º grau incompleto, idade compreendia entre 18 e 23 anos, residem com mulher e filhos, têm residência própria, são casados tendo de um a três filhos, exerciam outra profissão antes de entrar para a construção civil. Estão a menos de três anos neste setor e só trabalharam em uma empresa. O motivo que geralmente os leva a pedir demissão é o surgimento de um salário maior. Não têm o habito de fazer acordos, o que demonstra que normalmente são demiti-

dos. Quando o são, isto ocorre antes de seis meses e então, como pode ser visto 26,07% nunca receberam seguro desemprego. Quando recebem este benefício, na sua grande maioria, trabalham como autônomos durante este período. Ainda que percebida a presença da mulher neste cenário, o sexo masculino ainda é o dominante.

7 Recomendações Como sugestões estratégicas que colaborem na redução do índice de rotatividade da mão-deobra estudada, sugere-se que os empresários da construção civil invistam mais na contração de trabalhadores do gênero feminino. Isso é positivo, uma vez que, nos setores onde existe a presença da mulher, os serviços são executados com mais zelo, o trabalho é reduzido, o que para a construção civil é muito bom, pois isso pode vir a ser traduzido em melhor produtividade versus quali-

dade, conseqüentemente no aumento da lucratividade. Outra sugestão é que a Indústria da Construção Civil busque parcerias com as IES que formam educadores, bem como com instituições que trabalhem com treinamento de mão-de-obra, transformando seus canteiros de obras também em salas de aula, porque a mudança desses índices só será alterada a longo prazo, se depender única e exclusivamente dos trabalhadores braçais. Merece um estudo de caso futuro, porque acredito, intuitivamente, que o foco no aumento da produtividade seja a essência da ação para reduzir a rotatividade deste segmento. Aumentar produtividade significa investimento em educação, treinamento e capacitação. Por fim, para a continuidade deste trabalho, deixa-se a idéia de ajustar um modelo matemático, pois o ajuste de uma regressão pode indicar a significância das variáveis mostradas neste trabalho como importantes para explicar a rotatividade.

Referências Bibliográficas ARAÚJO, Cristiane; DIAS, Helena. O mercado imobiliário visto pelo SINDUSCOC. In. Revista Informador das Construções. Ano 50, edição 1555/ julho de 2006. p.20-22. CHIAVENATO. Idalberto. Gerenciando pessoas. 3. ed. São Paulo: Makron Books, 1999. ______ . Recursos Humanos na empresa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1998. ______ . Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. ______ . Gestão de pessoas. 3 ed. São Paulo: Altas, 2004. HOLANDA, Érika Paiva Tenório de; BAR-

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ROS, Mercia M.S. Bottura de. Características da mão-de-obra na construção civil e diretrizes para o seu treinamento. Texto de referência para a disciplina PASTORE, José. As causas da rotatividade. Publicado em Revista de Relações do Trabalho, CNI, 12/08/2001. VILLAR, Lúcio Flávio de Souza et al. Panorama da construção civil: cursos de qualificação de mão de obra são realmente desejados? In: Anais do 7º Encontro de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 12 a 15 de setembro de 2004.

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Evolução

A histórica das Tutelas de Urgência: breves notas de Roma à Idade Média

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O presente trabalho visa fixar noções basilares sobre a evolução histórica das tutelas de urgência, desde o advento da tutela interdital na Roma Antiga, até o surgimento das ordenações régias na França, no começo do século XIX, assim como no Reino Português, vindo a influenciar, de maneira direta, a construção da teoria das tutelas de urgência no processo civil pátrio moderno. As três funções da tutela jurisdicional - hoje tão bem traduzidas nas modernas tutelas urgentes, como são as tutelas antecipada, cautelar e executiva “lato sensu” – foram reintroduzidas no contexto do direito processual ao final da Idade Média, com a utilização das tutelas interditais pelo Direito Canônico. É plenamente possível se traçar um paralelo entre procedimentos do direito atual - que se iniciam com atos decisórios, coercitivos e precedidos de cognição sumária com os interditos do antigo processo civil romano. Palavras-chave: teoria geral do processo; tutelas de urgência; evolução histórica.

ANDRÉ LUIZ VINHAS DA CRUZ é Procurador do Estado de Sergipe, Advogado, Coordenador de Divulgação da Escola da APESE (Associação dos Procuradores do

ABSTRACT

Estado de Sergipe), Sócio do

This work aim at set up concepts and focus your attention on a basic knowledge about the historical evolution of urgent measures, since the appear of judicial measures in Rome, until the arise of royal rules in France, in the beginning of the nineteenth century, like in the Portuguese Kingdom, coming to influence, directly, the construction of the urgent measures theory in the brazilian‘s modern procedural law. The three functions of urgent measures were reintroducted in the procedural law by ths end of Middle Age with the utilization of judicial measures by Canonic Law. It‘s absolutely possible make a comparative analisys between the modern procedural law and the old judicial measure‘s system. Keywords: general procedural theory; urgent measures; historical eolution.

IBAP (Instituto Brasileiro de Ad-

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vocacia Pública), Professor de Direito Empresarial da Faculdade São Luís de França (FSLF/SE), do Bacharelado em Direito da Faculdade Sergipana (FASER) e da pós-graduação da FANESE, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais da Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), e Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (UGF/RJ).


2 Roma Antiga A tutela interdital, na Roma Antiga, consistia em ordem emitida pelo “praetor” romano, impondo certo comportamento a uma pessoa, a pedido de outra, com nítida feição mandamental; ou promovendo atos executórios, como ocorria na “missio in possessionem”. Enquanto isso, o juiz privado (“iudex”) do procedimento formulário e depois os magistrados do processo extraordinário - já na fase de declínio do Império Romano - se limitavam a produzir sentenças meramente declaratórias, insertas na “condemnatio”.3 A “missio in possessionem” nada mais era do que o “seqüestro da coisa litigiosa”, que era entregue a um terceiro eqüidistante com deveres-poderes de depositário enquanto pendia a causa, e na preparação para a expropriação através da “honorum vendito”. 1

Daí porque em nossas plagas as “class actions“ norte-americanas (ações coletivas) só tenham ganhado foros de legalidade em 1985, com a edição da LACP(Lei da Ação Civil Pública), mais tarde alçado cunho constitucional, em 1988, e depois com o CDC(Código de Defesa do Consumidor) e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ambos de 1990. 2 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 09. 3 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, pp. 09-10; FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 165. 4 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 31. Bedaque se apóia em extenso estudo feito pelo professor gaúcho Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, em magistral artigo de sua lavra. Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Genesis Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 5, maio/agosto de 1997, pp. 324-326. 5 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral do Processo. 8ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 116.

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O sistema processual ocidental, no qual o pátrio está inserido, advém da família da “civil law”, ao contrário da “common law” (família que representa o sistema jurídico anglo-saxão, de base essencialmente costumeira), e possui um cunho eminentemente romanístico, de índole privatística, centrado na norma escrita. De forma oposta à processualística anglo-saxã, o direito processual da Europa continental acabou por gozar de nítida feição individualista, centrada na “ação”, e não na “jurisdição”1. Dentro dessa senda, percebeu-se que a noção tradicionalmente romana de jurisdição, concebida como simples “jurisdictio”, desprovida de “imperium”, exercida através do procedimento privado da “actio” excluía, precisamente, duas das mais nobres funções desenvolvidas pelo “praetor” romano, na Roma Antiga, através dos interditos, que eram a tutela executiva e a mandamental2. Estas três funções da tutela jurisdicional - hoje tão bem traduzidas nas modernas tutelas urgentes, como são as tutelas antecipada, cautelar e executiva “lato sensu” – foram reintroduzidas no contexto do direito processual ao final da Idade Média, com a utilização das tutelas interditais pelo Direito Canônico. É plenamente possível se traçar um paralelo entre procedimentos do direito atual - que se iniciam com atos decisórios, coercitivos e precedidos de cognição sumária - com os interditos do antigo processo civil romano.

Desse modo, regulamentandose direitos absolutos, o processo civil romano se valia da tutela emanada do “jus imperium” do pretor; enquanto que os direitos de obrigações eram amparados pela “actio”, num juízo privado que inadmitia execução específica, e na qual havia pleno e absoluto contraditório. Se assemelhava, assim, a tutela interdital romana com a técnica da antecipação de tutela, posto que o pretor antecipava a execução ou o mandamento no próprio processo cognitivo, independentemente de processo autônomo, mediante uma ordem liminar, com uma cognição sumária das afirmações do autor, se feitas conforme o édito. Bedaque aponta doze exemplos de tutelas dessa natureza, sendo dez só nas Pandectas de Ulpiano e Paulo, como, v.g., a tutela sumária da posse (“actio exhibendum”), direito a alimentos, direito de menor e do nascituro à herança (“bonorum possessio ex carboniano e nasciturus”), dentre outros.4 Como antecedentes da moderna tutela cautelar, Bedaque aponta a “manus iniectio” e a “pignoris capio”5, respectivamente, relacionadas com confissão de dívida e apossamento de coisa do devedor. A “legis actio per pignoris capionem” se tratava de ação que só podia ser utilizada para co-

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1 Introdução

Tal movimento de regresso às origens romano-canônicas é o objeto de estudo do presente trabalho que, longe de almejar o esgotamento do assunto, visa, única e exclusivamente, reavivar tal discussão, especialmente nos tempos hodiernos, quando se busca uma justiça mais célere e eficaz.


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brança de certos débitos, e.g., de soldos; de contribuição para compra de cavalo e sua manutenção; de preço do animal destinado ao sacrifício religioso; de aluguel de animal, desde que o preço fosse aplicado em sacrifício religioso e de impostos. Como dito, se admitia o apossamento de bens do devedor, para compeli-lo ao pagamento do débito. A técnica do processo sumário, mais abreviado e voltado para a solução de casos emergenciais, originou-se, assim, a partir dos interditos do antigo direito romano, sendo que o Direito canônico ampliou esta utilização, para hipóteses que envolvessem a posse de direitos pessoais6, com os interditos possessórios da “juditia extraordinaria”7. A fase da “cognitio extraordinaria” começou no século III a.C. e findou com as publicações ordenadas pelo Imperador Justiniano (529 a 534 d.C.), que tornaram conhecida a definição de ação, de Celso, reproduzida por Ulpiano, segundo o qual “a ação nada mais é do que o direito de perseguir em juízo o que nos é devido” (“actio autem nihil aliud est quem ius persequendi in iudicio quod sibi debetur”). Os dois sistemas de processo civil, então reinantes na Roma Antiga, acabaram por se unificarem, com a extinção do processo formulário na época do Baixo Império, decorrendo daí a publicização total da “actio”, expressão que passou a englobar, também, os interditos, eliminando-se, assim, a fase particular (“in juditio”).8 A história de Roma divide-se em três etapas (monarquia, república e império), correspondentes, cada uma, a três sistemas

processuais diferentes, a saber: das ações da lei (“legis actiones”), formulário (“per formulas”) e extraordinário (“cognitio extraordinaria”). Veja-se, porém, que para outros autores, as duas primeiras fases se congeminam em uma só: a da “ordo judiciorum privatorum”, em contraposição à outra fase posterior: a da “cognitio extra ordinem”. A partir do Direito Canônico, desvirtuando-se a concepção clássica romana, passou-se a se usar o mecanismo sumário dos interditos em questões possessórias, já a partir do século XIII em inúmeras regiões européias, da Espanha à Alemanha, na qual eram nominados de “inhibitiones”, enquanto ordens judiciais liminares para a tutela do interesse reclamado (“mandatum”).

3 Idade Medieval Tais mandados germânicos podiam ser expedidos com ou sem cláusula justificativa, já albergando em si noções a respeito de “periculum in mora” e “fumus boni iuris”, vindo a se constituir no fundamento principal das atuais medidas cautelares, e do próprio mandado de segurança. Observe-se que tal redescoberta da fórmula interdital romana, no final da Idade Média e início do período renascentista, deveu-se, em boa parte, ao apa-

recimento de novas relações jurídicas, impulsionadas por novas modalidades de conflitos de interesses, especialmente mercantis, e pela necessidade de suprimento de recentes peculiaridades do direito substancial, como o surgimento dos títulos executivos. Os interditos romanos são indicados, pois, como antecedentes da tutela cautelar, já que assemelhados às liminares atuais, contendo ordem de tutela provisória. Diferem, no entanto, da tutela antecipatória, posto que, ao contrário desta, os interditos podiam implicar a satisfação definitiva da pretensão material. Na Lei das XII Tábuas, se encontram modalidades de tutelas autônomas que se pareciam com a cautelar, a saber: o “addictus” e o “nexus”. Pelo primeiro, encontrado na Tábua III, o devedor era mantido em cárcere pelo credor por sessenta dias, como verdadeira garantia de crédito, até que pagasse o débito. Se não pagasse, a medida cautelar se convertia em executiva, podendo o devedor ser vendido além do Tibre (“trans Tiberium”) e reduzido à escravidão, ou mesmo morto. Pelo “nexus”, o devedor se submetia espontaneamente ao credor e era liberado após pagar a dívida com seu serviço. Tal período do processo civil romano ficou conhecido como das “legis actiones”9, em que as

6 MIRANDA FILHO, Juventino Gomes de. O caráter interdital da tutela antecipada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 210. 7 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral..., p. 117. 8 LARA, Cipriano Gómez. Teoria General de Processo. México: Textos Universitários, 1976, p. 51; CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral..., pp. 115-116. 9 FUX, Luiz. Tutela de segurança..., pp. 156-159; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Fontes históricas das formas básicas de tutela cautelar. Genesis Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 4, janeiro/abril de 1997, p. 158-160.

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partes em conflito dispunham das “ações da lei” (das XII Tábuas), na qual se tratava de um sistema nitidamente processual, em que as partes não invocavam “seus direitos”, mas sim “suas ações”10. Célebre é o exemplo citado pelo jurista romano Gaio, e que se tornou o retrato do sistema, no qual um contendor acabou por perder o litígio, que envolvia o corte indevido de suas videiras por um vizinho, por ter pronunciado erradamente a palavra “árvore” (“arbor”), ao invés de “videiras” (“vites”). Mister se faz observar que o processo civil romano se dividiu em dois períodos: a “ordo judiciorum privatorum” e a “cognitio extra ordinem”. No primeiro, o processo se cindia em duas fases: “in iure” e “in juditio”, e subdividido em dois procedimentos: o da “legis actiones” e o “per formulam”. A fase “in iure” era a da escolha da ação da lei ou da fórmula, e a “in juditio”, perante o “iudex” ou “arbiter”, onde se sucediam a instrução e julgamento. Já na “cognitio extra ordinem”, enquanto embrião da atual jurisdição, há a atuação de funcionário do governo incumbido da solução dos conflitos judiciais. Dentre estas ações, na “legis actio sacramenti”11, havia algumas figuras com características cautelares, como a “vas”, que garantia o comparecimento do réu, os “praede sacramenti”, que asseguravam o cumprimento da aposta, através da figura do “praes”, que garantia a dívida na ausência do devedor principal, e do “vindex” ou “praedes litis et vindiciarum”, na já mencionada “legis actio per manus iniectionem”12, que seria condenado ao pagamento em dobro. A tutela cautelar, jurisdicional ou

convencional, foi mantida pelo pretor romano, seja no período “per legis actiones”, seja no período formulário13, mediante providências como o seqüestro, a “operis novi nuntiatio” (nunciação de obra nova), interdito proibitório, “cautiones”14, “missiones in possessionem”, a “cautio damni infecti” (caução de dano nãofeito), dentre outras. As “cautiones” eram garantias para assegurar o adimplemento, impostas pelo pretor, das “stipulationes praetoriae”, que eram tomadas pelo magistrado, com a anuência das partes, e passaram a ser veiculadas através dos éditos pretorianos. Entre as “cautiones”, havia a “missio in possessionem”, medida de natureza preventiva, preparatória ou coercitiva, requerida pelo autor, e contra a qual o réu só poderia se opor se pagasse o valor correspondente da caução. A coisa ficava entregue a um litigante ou curador, sem posse jurídica, mas apenas poder de custódia. Já as estipulações podiam ser pretorianas, judiciais ou comuns. As pretorianas tinham função cautelar e se fundavam no “imperium”, para tutelar determinado interesse e prevenir algum dano irreparável a uma das partes, como, e.g., a “cautio damni infecti” e a “cautio iudicatum solvi”. As judiciais fitavam assegurar o resul10

tado da sentença ou decisão judicial, a exemplo da “cautio de restituenda dote”. As comuns englobavam os pressupostos das outras duas, a exemplo das “stipulationes communes”. Essas medidas cautelares visavam garantir a atuação prática da tutela concedida pelo “ius civile” ou pelo pretor contra eventuais violações. De mais a mais, nota-se, de forma límpida, que a origem da tutela cautelar liga-se a garantir o próprio direito material, enquanto previsão estabelecida por acordo de vontades, dirigidas a assegurar o adimplemento das obrigações. No direito intermédio, a expressão “cautio” não mais representava uma fórmula genérica de cautela, mas sim medidas específicas, a exemplo da fiança, constituição em penhor, depósito-seqüestro, imissão do credor na posse de uma coisa do devedor ou de terceiro e a “arrestverfüngung”15 (fonte do moderno seqüestro conservativo).16 O “arrestverfügung” era uma modalidade cautelar, consubstanciada no seqüestro de pessoas, com natureza conservativa e não judicial, enquanto forma arbitrária e violenta de tutela do crédito, e não do juízo, passando a se chamar “arrest” e “arrêt”. Na alta idade média, assumiu forma

CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral..., p. 116. O “sacramentum” era o depósito de uma quantia feito pelas partes em juízo; aquela que perdesse a causa, perdia também essa quantia, que era destinada ao Estado. Trata-se, assim, de uma ação ordinária utilizada toda vez que a lei não estabelecia uma ação especial. Cf. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Ob. Cit., p. 116. 12 “Manus iniectio” significa literalmente “pôr a mão sobre o ombro”. Cf. MESQUITA, Eduardo Melo de. As tutelas cautelar..., p. 192. Trata-se de ação executória utilizada contra o condenado, numa pretensão declaratória, a pagar certa importância, ou a confessar que o autor tinha razão. Cf. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Ob. Cit., p. 116; ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1971, pp. 219-228. 13 Em tal fase, o processo se constituía de recitação oral e palavras rituais, por fórmulas que o magistrado redigia e entregava aos litigantes, de acordo com a ação que se pretendia instaurar, correspondendo a cada direito violado uma ação e uma fórmula diferente. Cf. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Ob. Cit., p. 117. 14 TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 118. 15 MESQUITA, Eduardo Melo de. As tutelas cautelar..., p. 194. 16 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar..., p. 34. 11

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pactual, em que o devedor se obrigava a prestar serviços de vassalagem até o pagamento do débito, em caso de inadimplência. Com o advento do processo romano-canônico (“processo comum”), influenciado pelos glosadores e pela presença marcante da Igreja Católica, viu-se que o mesmo era moroso, excessivamente formal e complicado. Por influência da Decretal de Clemente V, de 1306, alcunhada “Clementina Saepe”, surge o procedimento sumário, mais simplificado, seja com cognição plena ou sumária, designado por executivos. Nesses, pela regra decretal “in procedendo”, atuava-se “simpliciter et de plano ac sine strepita et figura judiciis”. Com o surgimento do absolutismo monárquico, na França, as “ordennance” (ordenações régias) simplificavam o processo civil, abolindo as formalidades do processo romano-canônico, se caracterizando pela simplicidade, oralidade, publicidade e ampla dispositividade. É famosa a “Ordonnance” de 1667 de Luís XIV, que foi praticamente transcrita no “Code de Procédure Civile” de 1807, influenciando os Códigos da Bélgica, Rússia, Holanda, e, indiretamente, o Código Italiano de 1865, a “Zivilprocessordnung” alemã de 1877 e o Regulamento Processual Austríaco de 1895. Na península ibérica, por força das diversas invasões, até por árabes, o processo civil foi influenciado pelo Código de Alarico (“Breviarum Aalaricianum” ou “Aniani”), de 506, que era um extrato do sistema romano, e depois, pelo Código visigótico, também conhecido como “Fuero Ju-

zgo” ou “Forum Judicum”, de 693, diploma de fundo romano-gótico. Quanto à legislação de Portugal, no campo processual, a “Fuero Juzgo” e algumas Cartas Forais vieram a ser substituídas pelas Ordenações Afonsinas, baixadas em 1446 pelo Rei Afonso V; após revogadas, em 1521, pelas Ordenações Manuelinas, pelo Rei D. Manuel. Posteriormente, e já influenciando o período colonial brasileiro, advieram as Ordenações Filipinas, do Rei Felipe II da Espanha e I de Portugal, que tratavam da parte processual em seu Livro III.17

4 Conclusões O antigo processo civil romano se dividiu em dois períodos bem delimitados: a “ordo judiciorum privatorum” e a “cognitio extra ordinem”. No primeiro, o processo se cindia em duas fases: “in iure” e “in

juditio”, e subdividido em dois procedimentos: o da “legis actiones” e o “per formulam”. A fase “in iure” era a da escolha da ação da lei ou da fórmula, e a “in juditio”, perante o “iudex” ou “arbiter”, onde se sucediam a instrução e julgamento. Já na “cognitio extra ordinem”, enquanto embrião da atual jurisdição, há a atuação de funcionário do governo incumbido da solução dos conflitos judiciais. Assim sendo, com as invasões bárbaras e o predomínio da defesa privada, para garantir a execução, se difundiu uma espécie de execução antecipada, incidente em princípio sobre a pessoa do devedor e secundariamente sobre seus bens. Com o avanço da idéia de autoridade do magistrado, a situação se inverteu. Os sistemas germânico-barbáricos passaram a assumir feições semelhantes às existentes no direito romano clássico. 17

FUX, Luiz. Tutela de segurança..., pp. 162-163.

Referências Bibliográficas ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1971. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral do Processo. 8ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Fontes históricas das formas básicas de tutela cautelar. Genesis Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 4, janeiro/ abril de 1997. LARA, Cipriano Gómez. Teoria General

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de Processo. México: Textos Universitários, 1976. MIRANDA FILHO, Juventino Gomes de. O caráter interdital da tutela antecipada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Genesis Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 5, maio/agosto de 1997. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.


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Professora Cristiane Fonseca e sua irmã Viviane Fonseca Diretora Financeira da FSLF

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Entrevista

- Professora Cristiane Tavares Fonseca de Morais Nunes

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“O setor educacional superior é o que melhor remunera”

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A Faculdade São Luis de França continua em festa pelos seus dez anos de existência. A instituição de ensino, que é considerada modelo nos cursos que oferece, recebeu alunos e exalunos acompanhados de seus familiares, professores e amigos, para um dia inteiro de comemorações. Entre a alegria e a confraternização, se pôde ter uma idéia exata do ambiente que domina a todos que fazem parte da família São Luis de França. Do seu Diretor-Presidente, Dr. Jeferson Fonseca de Morais, a Jorge Luiz Cabral Nunes (Administrador), passando por Viviane Tavares Fonse-

ordenador do Curso de Pedagogia) era uma só alegria. Mas, uma figura se destacava das demais. Talvez a certeza do dever cumprido durante os dez anos de existência da FSLF desse a ela o direito de se alegrar mais que os outros, de exibir um grau maior de euforia e de se considerar uma vitoriosa, mesmo sabendo que ainda há, pela frente, muitos obstáculos a serem enfrentados, para realizar o grande sonho de ver a sua Faculdade São Luis de França reinar entre as melhores do País. Seu nome é Cristiane Tavares Fonseca de Morais Nunes, Diretora Superintendente. E foi ali, naquele momento in-

“Você já viu a Coca-cola divulgar sua fórmula? Mas posso informar que é a continuação de um processo na graduação que deu certo.” ca de Morais (Diretora Financeira), Otávio Tavares Fonseca de Morais (Diretor Jurídico), Danielle Monique Gardinal Gorbett (Coordenadora do Curso de Administração) e Antônio da Conceição Ramos (Co-

comum, que nasceu a idéia desta entrevista. Nela, Cristiane fala ao repórter Carlos Alberto de Souza sobre a relação entre a Faculdade e o corpo docente, sobre o relacionamento com os alunos, sobre o segredo de vencer sa-

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crifícios para manter elevado o nível do ensino superior oferecido e, principalmente, sobre o seu grande sonho: construir uma sede própria para a Faculdade São Luís de França. Concepções - Por que há mais mulheres que homens no magistério? Esse fato pode ser encarado como “ensinar é prerrogativa das mulheres?”. Na São Luís ser professor ou professora tem peso significativo na hora da escolha? Cristiane Fonseca:- Talvez sua justificativa seja verdadeira, mas o cenário está mudando. Se você entrar hoje em uma sala de aula no curso de Pedagogia verá alguns homens, antes eles praticamente não existiam. Claro que essa estatística nos remete ao papel da mulher na sociedade, mas todas essas ditas verdades não são mais absolutas. Concepções - Em recente pesquisa realizada pelo Ibope e Revista Escola, somente 21% dos professores entrevistados disseram estar satisfeitos. Os outros 79% fizeram críticas severas ao sistema educacional vigente no Brasil. E o ensino superior privado? Também merece crítica? Cristiane Fonseca: Acho que no dia que em não houver críticas, é um mal sinal. Mas as criticas devem ser construtivas. O setor educacional superior é


- Professora Cristiane Tavares Fonseca de Morais Nunes

Concepções - Como o professor da Faculdade São Luís de França se relaciona com o ensino, com os alunos e com a própria profissão? Cristiane Fonseca: Os professores da FSLF são eternos estudantes. Hoje a capacitação é continuada, e quem parar fica desatualizado e fora do contexto. Nós, por exemplo, estamos até o final de 2008 em uma capacitação interna, com os professores em um curso de Competência Pedagógica e Docência Universitária, objetivando justamente isso. É um momento muito rico, onde a instituição também ganha. Concepções: A especialista em aprendizagem, Telma Weisz, disse que “sem explorar e ensinar corretamente as didáticas especificas, é como se as faculdades vendassem o futuro professor e o soltassem no mundo”. Que avaliação a senhora faz dessa afirmação? Cristiane Fonseca: Nós estamos vivendo novos tempos, alguns teóricos afirmam que já passamos a era do conhecimento e estamos vivenciando a info-era com todo esse avanço tecnológico, principalmente com a massificação da internet. As metodologias vão dar suporte e embasamento às práticas cotidianas. Ensinar a didática é dar essa base que a prática vai consolidar. Concepções – Na sua opinião, quais as principais virtudes que podem levar um mes-

tre a se tornar um modelo de educador? Cristiane Fonseca: O único modelo que conheço que dá certo é através do exemplo. Se ele for exemplo, é educador. Concepções – Pesquisas indicam que a maioria dos

sua fórmula? Mas posso informar que é a continuação de um processo na graduação que deu certo. Concepções – Em breve será oferecido também o Curso de Letras. Como estão os preparativos técnicos e práti-

“O único modelo que conheço que dá certo é através do exemplo. Se ele for exemplo é educador.” professores atribui a dificuldade de aprendizagem à precária condição social da maioria dos alunos. Esse julgamento também se aplica ao ensino superior privado? Cristiane Fonseca: Isso é fato. Não é fácil trabalhar com um aluno no ensino superior que mal sabe escrever. Ele vem de um ensino fundamental e médio muito ruim e a gente acaba fazendo milagre. Veja o último resultado do ENADE – Exame Nacional de Desempenho do Estudante, realizado pelo MEC, onde o curso de Pedagogia da Faculdade São Luís de França foi o mais bem avaliado de Sergipe, ficando atrás apenas da UFS. Isso sim é transformar, é educar, fabricamos verdadeiros diamantes! Concepções – A Faculdade São Luís de França desenvolve hoje um vitorioso programa de pós-graduação em Meio Ambiente, História, Administração, Educação e outros. Como se poderia explicar esse sucesso? Cristiane Fonseca: Você já viu a Coca-cola divulgar

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cos para abrigar mais essa conquista? Cristiane Fonseca: O curso de Letras foi idealizado com muito cuidado. A idéia era se fazer o melhor curso de Letras, pois as outras instituições estavam oferecendo à distância, e a nossa proposta era resgatar o curso com formação na Língua Portuguesa de forma, presencial. A comissão do MEC que veio avaliar o curso fez inúmeros elogios à proposta final. Concepções – A São Luís é uma faculdade de excelentes advogados, a começar pelo seu mandatário maior, Dr. Jéferson Fonseca. Por que ainda não tem no seu currículo o curso de Direito? Cristiane Fonseca: Desde a sua fundação, a profª Sônia sempre enfatizou a idéia de se consolidar os cursos existentes para só então pensar em cursos novos. Hoje temos cursos fortes em termos de qualidade e o curso de Direito passou a ser uma proposta nova, a ser implementada em breve, seguindo os mesmos preceitos da qualidade pela qual tanto a gente prima.

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o que melhor remunera, e não é só o professor, todos os demais colaboradores recebem mais do que se estivessem trabalhando em outro segmento.

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Entrevista


Entrevista

- Professora Cristiane Tavares Fonseca de Morais Nunes

Concepções – Quem visita a Faculdade São Luís percebe imediatamente que o ambiente entre funcionários, docentes e diretores é o melhor possível. Qual a receita para se chegar a um ambiente de tanta alegria e cordialidade?

presença de ex-alunos era notória. Isso quer dizer que quem sai permanece amigo da Casa? Cristiane Fonseca: Com certeza. São quatro anos aqui dentro, convivendo de perto, sonhando junto, sofrendo junto, a gente cria um vínculo, e a

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“Não é fácil trabalhar com um aluno no ensino superior que mal sabe escrever.”

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Cristiane Fonseca: Basicamente, o trabalho focado em valores humanos. Concepções – Outro aspecto importante da instituição é o relacionamento professores/alunos. Respeito, igualdade e amizade. Seria esse o lema adotado para se chegar a um resultado tão positivo? Cristiane Fonseca: O respeito deve permear todos os relacionamentos, mas a vontade do professor em fazer aquele aluno aprender é tão grande que ele acaba dando o start em um processo muito maior, mais amplo, de verdadeiras mudanças. Concepções – Dizem que a propaganda é a alma do negócio, entretanto, enquanto outras faculdades investem pesado no marketing, principalmente nos meses próximos às matriculas, a São Luís mantém a sua tradicional discrição e alcança o mesmo sucesso. Qual é o segredo? Cristiane Fonseca: O popular “boca-a-boca”. Os alunos gostam da faculdade e falam bem dela para as pessoas. Isso tem eco. Concepções – Na festa de comemoração dos 10 anos, a

faculdade é uma referência para eles. Muitos ligam do trabalho e pedem ajuda, porque sentem segurança nos professores e na própria instituição. Concepções – A instituição mantém alguma área de ensi-

ria deste a fundação do curso. Hoje isso é praxe, mas antes não, fomos nós que demos o 1º passo. Somos referência nessa área, contamos com a colaboração carinhosa das professora Janete Amorim, que é doutoranda em Educação pela UFBA, e de Geórgia Poderoso, que trabalha a metodologia da linguagem de sinais para surdos. Concepções – Qual o futuro sonhado pelos responsáveis para a Faculdade São Luís de França? Cristiane Fonseca: Que a FSLF possa ter sua sede própria, pois o prédio atual é alugado. Os sonhos de vê-la mais independente financeiramente, pois é uma instituição pequena, que sobrevi-

A Diretora Cristiane Fonseca e funcionários da faculdade São Luis de França

no que prepare professores para lidar com alunos portadores de necessidades especiais? Cristiane Fonseca: A faculdade foi pioneira em colocar uma disciplina chamada EDUCAÇÃO ESPECIAL na matriz curricular do curso de Pedagogia. É uma disciplina obrigató-

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ve exclusivamente das mensalidades dos próprios alunos. Mas vamos caminhando lentamente, que venham outros 10 anos! (*) A Professora Cristiane Fonseca de Morais Nunes é Diretora Superintendente da Faculdade São Luís de França


Linguagens na construção do processo de alfabetização: signos ideológicos, polifônicos e vivenciais?

ANA MARIA LOURENÇO DE AZEVEDO é Doutoranda em filosofia pela PUC/MG/UCM, mestre em educação pela UFS, especialista em alfabetização pela UNICAMP. Professora e Coordenadora do Curso de PedagogiaEducação Infantil na Faculdade Pio Décimo; Professora da Faculdade São Luis de França; , membro do NUPEX –FSLF e Coordenadora do Curso de Pós-graduação em educação Inclusiva - FPD.

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Este trabalho tem como base as reflexões iniciais que desenvolvemos para a dissertação de mestrado em educação da UFS, e resulta de uma pesquisa de abordagem qualitativa que desenvolvemos com educadores da Rede Pública Municipal de Aracaju. Neste artigo, objetivo identificar e discutir a função da linguagem no processo de alfabetização. È por meio da linguagem que o homem expressa sua visão de mundo, seu pensamento a respeito de suas próprias experiências. Assim a alfabetização constitui-se em um processo de profundo significado crítico sobre a linguagem, sendo a palavra o signo mediador. Para delimitar o campo que priorizamos para análise, fizemos uso das ferramentas analíticas do pensamento dos teóricos Bakhtin (1989) e Vygotsky (1987) Em suas teorizações, uma característica marcante é a concepção de linguagem como um espaço de recuperação do sujeito como um ser histórico e social. Tendo como referenciais a linguagem e as bases teóricas do materialismo histórico e dialético, conduziram uma reflexão crítica ao positivismo e ao dogmatismo presentes nas principais correntes marxistas de sua época, contribuindo para preservar o elemento crítico do pensamento marxista. O texto está norteado por uma inquietação: Qual a função da linguagem no processo de alfabetização? A concepção dialógica que fundamenta esse texto adota como pressuposto básico que o homem, assim como a linguagem, são produções históricas e sociais e que a palavra, considerada signo ideológico, carrega toda a complexidade das determinações sociais que a produziram e, desse modo, a relação dialógica constituída em sala de aula entre professor-aluno estabelece permanentemente um espaço de conflitos e de poder, pois implica na aceitação da palavra e da contra-palavra do outro. Palavras-chaves: Alfabetização, concepção dialógica, linguagem, signo ideológico

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RESUMO


Linguagens

na construção do processo de alfabetização: signos ideológicos e vivenciais?

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ABSTRACT

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This work has as base the initial reflections that we develop for the Masters’ document in education at UFS, and results of a research of qualitative boarding that we develop with educators of the Municipal Public Net of Aracaju. The objective of this article is to identify and to argue the function of the language in the alphabetization process. It’s through the language that the man expresses its vision of world, his thoughts regarding his self experiences. Thus the alphabetization consists in a deep process of meaning critical on the language, being the word the mediating sign. To delimit the field that we prioritize for analysis, we made use of the analytical tools of the thoughts of theoreticians Bakhtin (1989) and Vygotsky (1987). In their theorizations a strong characteristic is the conception of language as a space of recovery of the citizen as a historical and social being. Having as references the language and the theoretical bases of the historical and dialectic materialism they had lead a critical reflection to the positivism and the dogmatism gifts in main Marxist chains of his time, having contributed to preserve the critical element of the Marxist thought. The text is guided by a fidget: Which is the function of the language in the alphabetization process? The dialogical conception that bases this text adopts as estimated basic that the man as well as the language is historical productions and social and that the word, considered ideological sign loads all the complexity of the social determination that had produced it and in this way the constituted dialogical relation in classroom between professor-pupil permanently establishes a space of conflicts and being able, therefore implies the acceptance of the word and the against-word of other. Keywords: alphabetization, dialogical conception, language, ideological sign

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1 Introdução O presente trabalho teve origem em nossa experiência acadêmica, profissional, como professora e coordenadora de projetos de alfabetização, e em observações realizadas em escolas da rede municipal de Aracaju. Ao longo dessas experiências, percebemos a recorrência de um discurso sobre as mudanças da educação e sobre as dificuldades no processo de alfabetização, e, essencialmente, a principal observação é que os discursos expressavam a função da linguagem como um instrumento meramente técnico na condução do conhecimento. Para investigar tal paisagem, elegemos a presente pesquisa, dimensionando-a em duas abordagens: a primeira, teórica, demarcada pela referência em Bakhtin e Vygotsky; a segunda, dirigida às professoras das escolas observadas, com o objetivo de mapear através de suas falas, as


concepções que se enunciam nos discursos sobre a importância da linguagem e na construção da alfabetização. Ter como foco de estudo a abordagem teórica dos dois autores implica trazer a dimensão sócio-histórica ao plano dessa análise. Bakhtin concebe a linguagem como fenômeno sócioideológico, por isso sua concepção de linguagem constrói-se a partir de uma crítica ferrenha às correntes lingüísticas contemporâneas, por considerar que essas teorias não compreendem a língua como um fenômeno histórico e social. A sua concepção de linguagem não estabelece uma ruptura com a vida, com o mundo. Para Bakhtin a separação da linguagem do seu conceito ideológico ou vivencial é um dos maiores erros da lingüística formalista. É por meio da linguagem que a criança constrói a representação da realidade na qual está inserida. Nesse sentido ela é capaz de transformar essa realidade, ao mesmo tempo em que seu modo de agir no mundo também é modificado. O homem, historicamente, cria instrumentos para sua relação com a natureza com o objetivo de transformá-la. Do mesmo modo cria e utiliza o signo: o número, a linguagem nas suas diversas manifestações, e a escrita, através da qual internaliza a cultura. Pela linguagem o homem em seu papel essencial de constituidor da consciência e organizador de sua ação humana é capaz de constituir-se humanamente.. É nesse sentido que Vygotsky compreende que a palavra sem pensamento é

coisa morta; o pensamento sem palavra é sombra. “A relação entre pensamento e a palavra é um processo vivo; o pensamento nasce através da palavra. (...) a relação entre eles não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento e também se modifica ( 1987, p 131)

É por meio da linguagem que a criança constrói a representação da realidade na qual está inserida.

A ação do sujeito é fundamental para a formação da consciência. Deve, portanto, ser percebida na interação, sendo sempre mediada pelos signos lingüísticos, que são construídos na cultura dos povos, na história e na memória que efetivamente vai se concretizando nas

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interações sociais. A teoria de Vygotsky contribui para a compreensão de um indivíduo como sujeito histórico-social, ressaltando o seu papel de mediador da linguagem na aceitação de que a linguagem permite não só o contato com o mundo, como também consigo mesmo. A linguagem não é apenas um instrumento, mas também uma revelação do ser íntimo e do lado psíquico que nos une ao mundo e aos outros. A relação homem-mundo, determinada pela linguagem, é fundamental, pois o homem ao vir ao mundo toma a palavra e transforma-a em universo de discurso; a palavra não cria o mundo, mas humaniza-o. Favorecer a expansão da palavra no interior da sala de aula é possibilitar que as crianças da escola pública possam se constituir sujeitos de sua própria aprendizagem, nas interações e interlocuções que se estabelecem entre seus pares. Quando entendemos sentidos é que a comunicação assume uma força criadora. Na medida em que se procura interpretar, compreender e modificar a palavra, a comunicação dá ao sujeito a capacidade de compreensão de si mesmo. Nesse sentido, podemos considerar que as diferentes formas, através das quais um pensamento pode ser expresso, não são o mais essencial, pois o pensamento pode ser expresso de diversas formas, a depender das condições e exigências que se fazem presentes no discurso. O importante é que, quando o homem expressa seu pensamento a outrem, ele se revela e permite tomar consciên-

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cia de si mesmo, ou ainda, como diz Merleau-Ponty, em Fenomenologia da Percepção, que por estar a expressão de um conteúdo de um pensamento diretamente ligada a outrem, exprimir-se significa relacionar-se. A linguagem exerce papel fundamental ao assinalar a linha de encontro entre o eu e o outro; ao tentarmos nos comunicar, estaremos ao mesmo tempo nos descobrindo e descobrindo o outro. A escola tem um papel essencial no desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. É importante que os professores desenvolvam práticas pedagógicas que possibilitem uma ação fundada no diálogo, no estímulo às interações; ao desenvolvimento de uma prática com base na interlocução e que estimule a criança a falar de suas experiências pelo exercício da sua voz, pelo repertório lingüístico e pelo conhecimento que têm não só da palavra, mas também do mundo cultural em que vive. A interação, portanto, possibilita a ampliação e o aprofundamento de seus conhecimentos. A linguagem, no entanto, tem se constituído , na escola, muito mais uma prática que induz ao silêncio do que uma possibilidade de constituição de sujeitos que postulem sua autonomia. O professor, na crença ingênua de uma suposta neutralidade técnica, contradiz em sua prática os mais belos discursos, uma vez que, na atribuição de papéis sociais no interior da escola, ele se configura como “o que fala”, e a criança “a que ouve e reproduz”. Não se con-

cebe, neste desempenho de papéis, a criança como interlocutora e sim como uma repetidora passiva de informações. Nega-se, portanto, o papel da linguagem no desenvolvimento do pensamento. Nega-se, ainda, que é através da linguagem, da constituição de signos socialmente produzidos, que se desenvolve a possibilidade de organizar um espaço educativo em que se propicie a criação, a descoberta, onde a criança pode apropriar-se dos bens culturais produzidos pelo homem. Nessa perspectiva, a fala e o poder da palavra têm uma conotação decisiva para a aprendizagem e, conseqüentemente, para o desenvolvimento da criança, dando assim, ao diálogo sua devida importância no processo da aquisição da leitura e da escrita no processo de alfabetização. Queremos enfatizar que, por diálogo, Vygotsky (1987-1989) e Bakhtin (1989) entendem não apenas alternância de vozes, mas o encontro, a incorporação dessas vozes. Assim, existe uma multiplicidade de sentidos; daí, a relevância de se estabelecer quem fala, para quem se fala, o que se fala e o que se pode falar. A importância do diálogo é vital na teoria de Bakhtin (1989). Para ele não existe uma realidade de linguagem fora do diálogo, pois o centro de toda enunciação não é interior, mas situa-se no social, onde está o indivíduo. A enunciação é assim sempre um ato social. Lembramos, com Brandão (1986), que é preciso descobrir o poder da palavra, aprender a dizê-la, ler não apenas o alfabeto semântico das relações entre

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as letras, mas o alfabeto político das relações entre os homens (...) a palavra não é apenas um sinal de cultura, é um símbolo e um instrumento de poder, ou então, se ela é um modo de expressão da cultura, é também aquilo através do que a cultura pode vir a ser, um instrumento político de libertação popular. Freire (1994) afirma que somente a alfabetização como problematizadora do homem-mundo, como busca da palavra em sua significação profunda, é libertadora. E por ser libertadora, é capaz de instaurar-se como o primeiro passo que o indivíduo deve dar para sua integração no processo de construção de uma sociedade. Reafirmamos a importância de o professor considerar dessa forma o papel da linguagem e de colocar-se como um interlocutor da criança, permitindo-lhe possibilidades de interações, incentivando sua voz e não seu silêncio. É preciso, no entanto, esclarecer que toda prática pedagógica desenvolvida na escola, especificamente na sala de aula, implica uma metodologia, uma opção de ensino, uma proposta de trabalho do professor que se articule com uma opção política, que envolva uma teoria de compreensão e interpretação da realidade com os mecanismos utilizados em sala de aula (Geraldi, 1983). Entendendo que a alfabetização é um processo que vai além de um trabalho com métodos e técnicas, enfatizamos a necessidade de o professor desenvolver uma prática educativa visando a um ensino de melhor qualidade, dando importância


ao conhecimento que ele tem da natureza e da concepção da língua e da linguagem como objeto específico do seu trabalho; e ainda, das relações que envolvem o binômio linguagem e sociedade; daí, a importância do reconhecimento da historicidade constitutiva da linguagem. As concepções acerca da linguagem implicam uma determinada compreensão de homem, de sociedade e de mundo, que varia de acordo com os pressupostos que a fundamentam. As transformações ocorridas nos estudos da linguagem, a partir de meados dos anos 50, quando um grande número de pesquisadores e teóricos começa a discutir e a rejeitar a tendência comportamentalista de linguagem, voltando as atenções para a psicologia cognitiva, possibilitam-nos, antecipar os riscos que corremos com as generalizações, caracterizando três concepções sobre a linguagem, que vão de uma perspectiva de linguagem como expressão do pensamento, passando pela visão de linguagem como instrumento de comunicação, até uma concepção de linguagem como forma de interação.

2 Linguagem como instrumento que veicula a exteriorização do pensamento: pensamento lógico, linguagem lógica? Nesta concepção, a linguagem ocupa um papel de trans-

missão do pensamento, é como um instrumento que veicula a exteriorização do pensamento, e de acordo com Geraldi (1985), “se o pensamento tem uma forma lógica, a linguagem também o terá, já que esta é o espelho do pensamento”. Nessa concepção, não se leva em consideração o interlocutor; o que importa é a relação entre o sujeito pensante e a língua; aprender a falar e a escrever bem, significa aprender a exteriorizar bem o pensamento. Esta concepção pressupõe o certo e o errado; uma linguagem correta, padrão, e não se admitem as variações da língua (a variação lingüística seria a forma incorreta de linguagem). A linguagem é uma faculdade inata ao homem. A posição da língua como sendo inata ao homem é de Chomsky (in Moura, 1996), que acredita na faculdade da linguagem geneticamente determinada. Nesse enfoque, a natureza da linguagem e a sua aquisição dão-se na medida em que se entende a existência no ser humano uma faculdade inata para esse processo de aquisição. Com isso, pressupõe-se que o homem está programado biologicamente para desenvolver determinados tipos de gramática. Para este autor, a criança atinge gramáticas perfeitas, mesmo quando o estímulo ambiental é falho e fragmentado. Esta concepção faz uma rejeição ao enfoque comportamentalista de linguagem, pois pressupõe que a aprendizagem resulta de uma interação entre ambiente e estruturas cognitivas preexistentes do indivíduo, que é visto não como um reci-

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piente passivo de estímulos do ambiente, mas como um processador de informação, ativo e seletivo. É a partir de Chomsky (in Moura, 1996), que caracterizamos uma mudança conceitual de linguagem e uma diferença marcante entre a visão empírica e a racionalista, uma vez que, para esse teórico, a criatividade é fator preponderante na aquisição da linguagem, além da predominância do sujeito nesse processo, não do objeto, como acontece na concepção empirista. Com base nos pressupostos do racionalismo, o referido autor postula que todo ser humano tem habilidade para adquirir a linguagem independentemente de controle de estímulo e que, por causa desta independência, a linguagem pode servir como instrumento do pensamento e da auto-expressão, não só para os excepcionalmente dotados e talentosos, mas também, de fato, para todo ser humano “normal”. No pensamento chomskyniano, a criança não apenas imita um modelo, ela interpreta desenvolvendo e testando hipóteses, desde que seja colocada diante de dados lingüísticos.

2.1-Linguagem como código que possibilita a comunicação. Dicotomia língua e fala? Esta concepção fundamentase no pensamento estruturalista. O estruturalismo parte do princípio de que a língua é um sistema de signos, uma rede de relações estruturadas. A língua nada mais é que um código que

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possibilita a comunicação entre o emissor e o receptor. É uma concepção que postula a língua como (o código) um produto social histórico, portanto, não mais subjetivo ou psicológico. A concepção estruturalista da linguagem de Saussure (in COSTA, 1996) estabelece uma distinção extremamente importante para a discussão da natureza da linguagem: a que estabelece a dicotomia língua e fala. Nesse sentido, a língua é uma instituição social, mas, contraditoriamente, o autor não admite lugar para o sujeito que fala. Nessa teoria, a língua – entendida como um sistema abstrato – assume um caráter preponderante em relação à fala; a fala é variável. A língua, ao contrário, é um todo em si mesma. Entendemos que, para o autor, a língua pode ser estudada sem considerar o seu contexto sócio-histórico, e a linguagem, em vista de sua composição interna contraditória – língua versus fala – também não se apresenta como objeto de estudo da lingüística, pois tomada como um todo é multiforme e heteróclita, pertence ao domínio individual e social (e) não se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque não se sabe como isolar sua unicidade. Apesar de avançar um pouco, considerando a comunicação uma das funções da linguagem, e postular que a língua é um produto social que possibilita e pressupõe a comunicação e ainda, de sua estrutura ser de natureza social, não se admite ainda o caráter subjetivo e interativo da linguagem.

2.2-Linguagem como espaço de interlocução e formas de interação. A unidade do mundo é polifônica? Os pensadores Vygotsky (1989) e Bakhtin (1989) postulam que a língua não pode ser considerada como algo abstrato e homogêneo, desvinculada da estrutura social; concebem a linguagem como espaço de interlocução, e que essa aquisição (da linguagem) ocorre na interlocução, enquanto processo eminentemente social, e ainda: a interlocução é determinante não só no processo de aprendizagem, mas na própria formação da consciência dos sujeitos. A construção teórica do pensamento de Vygotsky (1989) deve ser compreendida sem perder de vista as coordenadas dialéticas de seu pensamento, acompanhando o movimento permanente de seus conceitos. Para esse autor tudo está em movimento, não há lugar para dicotomias que isolem e fragmentem o fenômeno. Tudo é, pois, movimento causado por elementos contraditórios que coexistem numa totalidade. Ao longo de seus textos, ele ressalta que o pensamento e a fala se encontram e se distanciam em vários momentos. Para Vygotsky (1989), uma frase ou até mesmo uma única palavra pode expressar vários pensamentos, um único pensamento pode ser expresso por meio de uma única palavra ou por meio de várias frases. Tanto Vygotsky (1989), quanto Bakhtin (1989) chamavam a atenção para o fato de que o en-

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tendimento mútuo pode ser obtido por meio de uma fala completamente abreviada, desde que as mentes dos interlocutores estejam direcionadas para o mesmo sujeito. Os dois autores utilizam um mesmo texto de Dostoievsky: Certa vez num domingo, já perto da noite eu tive ocasião de caminhar ao lado de um grupo de seis operários embriagados e subitamente me dei conta de que é possível exprimir qualquer pensamento, qualquer sensação e mesmo raciocínios profundos, através de um só e único substantivo, por mais simples que seja (Dostoievsky está pensando aqui numa palavrinha censurada de largo uso) Eis o que aconteceu. Primeiro um desses homens pronuncia com clareza e energia esse substantivo para exprimir, a respeito de alguma coisa que tinha sido dita antes, a sua contestação mais desdenhosa. Um outro lhe responde repetindo o mesmo substantivo ‘mas com um tom e uma significação completamente diferentes, para contrariar a negação do primeiro. O terceiro começa bruscamente a irritar-se com o primeiro, intervém brutalmente e com paixão na conversa e lançalhe o mesmo substantivo, que toma agora o sentido de injúria. Nesse momento, o segundo intervém novamente para injuriar o terceiro que o ofendera. O que há, cara? Quem tá pensando que é? A gente ta conversando tranqüilo e aí vem você e começa a bronquear! Só que esse pensamen-


to, ele o exprime pela mesma palavrinha mágica de antes, que designa de maneira tão simples um certo objeto; ao mesmo tempo, ele levanta o braço e bate no ombro do companheiro. Mas eis que o quarto, o mais jovem do grupo, que se calara até então e que aparentemente acabara de encontrar a solução do problema que estava na origem da disputa, exclama com um tom entusiasmado, levantando a mão: ... Eureka, nada de Achei. Ele simplesmente repete o mesmo substantivo banido do dicionário, uma única palavra, mas com um tom de exclamação arrebatada, com êxtase, aparentemente excessivo, pois o sexto homem, o mais carrancudo e mais velho dos seis, olha-o de lado e arrasa num instante o entusiasmo do jovem, repetindo com uma imponente voz de baixo e num tom rabugento... sempre a mesma palavra, interdita na presença de damas para significar claramente: Não vale a pena arrebentar a garganta, já compreendemos! Assim sem pronunciar uma única outra palavra, eles repetiram seis vezes seguidas sua palavra preferida, um depois do outro, e se fizeram compreender perfeitamente. (Dostoievsky in Diário de um escritor) No pressuposto dessa concepção de linguagem, fica evidenciada a intenção de resgatar uma concepção que leve em consideração os múltiplos sentidos que uma palavra pode alcançar. Para Bakhtin (1989), a

unidade do mundo é polifônica. É preciso pensar a linguagem, priorizando a relação do sujeito com a língua e suas condições de uso. A linguagem nessa concepção é tida muito mais que instância de informação; a linguagem é o que constitui o homem, resultado das suas interações no social. Esta construção

A linguagem não poder ser simplificada e concebida como uma forma imutável, já que está em permanente construção.

acontece num espaço concreto (sociedade), não abstrato ou idealizado. A língua torna-se, dessa forma, espaço de ação impregnado de sentidos e ideologias. Bakhtin (1989) desenvolveu estudos sobre a constituição da subjetividade por intermédio da linguagem, focalizando o sujeito que fala e a enunciação. A enunciação é, dessa forma, sempre um ato social. Assim, os in-

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terlocutores, no processo de interação social, influenciam-se mutuamente. O autor, em sua teoria da enunciação, evidencia na concepção de linguagem um aspecto essencial: “o dialogismo”. Para desenvolver seus estudos e aprofundar investigação de conceitos fundamentais de sua teoria, o autor faz uma crítica do marco teórico vigente em sua época: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. Para Bakhtin (1989), a linguagem é constitutiva da existência humana e completamente social. Sua significação e compreensão pressupõem a interação de diversos organismos, ou seja: qualquer enunciação é produto da interação com um interlocutor; sendo assim, é produto da interação social. Para ele, o fato lingüístico não pode ser visto como somente realidade física, mas inserido no social. Em sua critica, mostra que o subjetivismo idealista, que tem por base a psicologia subjetivista, vê o homem como ser autônomo e livre, não determinado pelo ambiente social, vê o fenômeno lingüístico como criação individual em que a língua constitui-se em um instrumento para ser usado (a língua é algo abstrato e homogêneo). Critica também a outra concepção vigente - o objetivismo abstrato, que pressupunha uma dicotomia língua/fala, separando a língua da fala, ou seja: o aspecto social (língua) do aspecto individual (fala). Lembremos que esta é a posição defendida pelo lingüista Saussure (in Costa, 1996), que adota a objetividade

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da língua. Segundo Bakhtin: (1989), “não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico l” Entendemos que, na concepção de linguagem como prática social, o emissor e o receptor não podem interagir com a linguagem como se ela fosse um sistema abstrato, “a língua não é um sistema estável de forma normativamente idêntica, mas é uma realidade concreta”. A fala não é só a pura expressão do pensamento individual, mas uma produção social mascarada pela ideologia. Ideológico, neste sentido, não é conceito de mascaramento ou falseamento da realidade, mas como um aspecto inexoravelmente ligado à palavra. “A mesma palavra pode ter sentidos distintos dependendo do contexto em que ocorre a interlocução... a palavra é um fenômeno ideológico” (Bakhtin, 1989, p. 95). Esse autor critica, dessa forma, as duas concepções em vigor, tanto o objetivismo abstrato, que concebe a linguagem como sistema abstrato de forma, quanto o subjetivismo idealista, que concebe a linguagem como enunciação monológica isolada e propõe a interação verbal como superação ou rompimento dessas posições dicotômicas. O redimensionamento da concepção de linguagem que enfatiza o aspecto social (modelo sóciopsicolingüístico), está pautado numa visão de homem e de

sociedade de forma totalizante, concreta, não mais idealizada, abstrata, homogênea. Assim, a linguagem, quanto a sua natureza, “atualiza-se na enunciação dialógica, completa, no contexto de produção concreto, multifacetado e contraditório, sendo sua natureza, portanto, intrinsecamente sócio-histórica e ideológica”. (Bakhtin, 1989, p. 95). Desse modo, a linguagem não pode ser simplificada e concebida como uma forma imutável, já que está em permanente construção. Além disso, ela é constitutiva do sujeito, da sua consciência ou nas palavras de Bakhtin: “A consciência só adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no uso de suas relações sociais... só se torna consciência quando impregnada de conteúdo ideológico” (1989). A aquisição da linguagem para ele é um processo de internalização do discurso exterior em discurso interior, já que a linguagem é o produto da atividade social que sofre os determinantes do aspecto sócio-histórico. Nesta perspectiva, podemos dizer que a construção da linguagem da criança deve ser entendida como uma construção ativa e progressiva de hipóteses, situada no contexto social e cultural onde acontece. Assim sendo, a linguagem não é uma abstração desvinculada da estrutura social; a linguagem é um objeto sócio-cultural que acontece num mundo complexo, situada num sistema de normas e valores de uma dada prática social e que está integrada ao cotidiano da criança muito antes da sua iniciação escolar.

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A linguagem é fundamental na constituição do homem e, de acordo com Vygotsky (1989), a linguagem desenvolve um papel essencial no desenvolvimento do sujeito, enquanto ser social. Para esse teórico, o homem é essencialmente social e é através da linguagem que ele se humaniza. É pela linguagem que o homem interioriza a cultura, e vai além, ele constrói os processos psíquicos superiores. Veicula a apropriação da cultura do homem à construção das suas funções psíquicas. Talvez uma das maiores contribuições desse autor para a educação tenha sido exatamente a sua concepção de que as funções psíquicas do sujeito são constituídas à medida que assimila o legado cultural da humanidade; é a descoberta do caráter social e cultural do desenvolvimento dos processos psíquicos superiores desse indivíduo na formação escolar. A criança depende da cooperação do adulto para o desenvolvimento de sua aprendizagem. Para ele, os signos assumem um papel de mediador entre os estímulos e as repostas do sujeito. É através dos signos culturais que o sujeito elabora novos pensamentos e novas relações. A linguagem e o pensamento assumem, pois, uma unidade dialética. Portanto, há nesta concepção uma ênfase no caráter sócio-cultural dos processos da consciência e do próprio conhecimento, em que a linguagem desempenha um papel determinante, na medida em que as idéias e os conceitos dão-se em interação com o outro.


O homem humanizado pela linguagem toma consciência de sua realidade, pode refletir sobre ela e tem a possibilidade, enquanto sujeito histórico e social, de transformá-la. A linguagem, portanto, constitui a consciência do homem, uma consciência que é tecida nas interações e interlocuções que ele estabelece, através dos significados socialmente construídos.

3 Linguagens, sujeitos, saberes no processo de alfabetização: uma prática sem teoria? Após as considerações e análises sobre a linguagem e tomando como fundamento a relação teoria prática para nossas reflexões, acreditamos que a escola tem percorrido um caminho que a coloca entre o conservador e o emergente. Com o objetivo de analisar e discutir a ação docente, é imperativa a reflexão sobre o fazer e o saber pedagógico, sobre a teoria e a prática, por constituirse uma necessidade efetiva do nosso estudo; principalmente porque pretendemos abordar o distanciamento entre o discurso e a postura de professores de alfabetização das referidas escolas pesquisadas. É importante destacar que concebemos a educação como um processo integrado ao conteúdo mais amplo da sociedade que a integra. Assim, a escola, inserida no contexto social, desenvolve uma prática que é também social – a prática pe-

dagógica, e, dessa forma, enquanto prática social, a educação sofre os determinantes do contexto. Como a sociedade é contraditória, a escola reflete essa contradição. Vivemos numa sociedade capitalista, marcada pela existência de classes sociais, com interesses antagônicos – um antagonismo de interesses que tem gerado a luta de classes. Essa sociedade traz na sua raiz a desigualdade social, que é uma desigualdade estrutural, uma vez que é inerente à própria natureza dessa sociedade, que é capitalista. O professor, no exercício de sua prática pedagógica, colocase a serviço de uma determinada classe; resta-nos saber a qual classe social ele está servindo. É fato que não se pode esperar uma posição de neutralidade. A prática docente, portanto, toma partido (consciente ou não), reveste-se de um caráter político – é a dimensão política da ação docente, ou seja, “o político constitui o próprio ser do ato educativo enquanto ato humano e como tal, inserido na luta concreta dos homens” (Coelho, 1989, p. 38). É essencial a percepção da relação escola e sociedade para entendermos que não é uma simples e mecânica relação; mas há uma determinação recíproca entre elas. É nessa ótica que acreditamos no trabalho do professor como possibilidade de questionamento, de critica e reflexão sobre as condições de vida do homem na sociedade e de organização das classes populares. A escola, na sua existência concreta, real, na sociedade ca-

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pitalista, exerce uma função também contraditória: reproduz a ordem social vigente, mas ameaça essa mesma ordem estabelecida, contribuindo para a sua superação. A escola, como coadjuvante na transformação social da realidade, age através da socialização do conhecimento às classes menos favorecidas; como mediação, não como instrumento principal dessa transformação. Isso acontece graças ao caráter dinâmico da sociedade, à possibilidade de mudança, que é inerente à natureza do homem. É importante que se discuta o papel da escola e da alfabetização, uma vez que é a escola a instância social onde o contato com a linguagem escrita e com a ciência enquanto modalidade de construção do conhecimento, se dá de forma sistemática. As idéias de Vygotsky (1989) discutidas neste artigo subsidiam uma concepção de alfabetização. A escrita seria uma espécie de ferramenta externa, que estende a potencialidade do ser humano para fora do seu corpo: da mesma forma que ampliamos o alcance do braço com o uso de uma vara, com a escrita ampliamos nossa capacidade de registro, de memória e de comunicação. A escrita não pode ser considerada meramente um código de transcrição da língua oral, mas um sistema de representação da realidade. O autor chama a atenção para a importância da intervenção pedagógica intencional para que ocorra o processo de aprendizagem, pois, mesmo imersa em uma sociedade letrada, como a nossa, a criança não assimila a alfabetização espon-

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taneamente. Assim, a mediação de outros indivíduos torna-se essencial para provocar avanços do sistema da escrita, um sistema complexo e culturalmente desenvolvido e compartilhado.

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(In) conclusão... muitas indagações na busca de análises finais Gostaríamos de enfatizar que refletir sobre linguagem e alfabetização permite-nos pensar a realidade da escola na atual conjuntura da sociedade brasileira, o que pressupõe a compreensão do papel da escola e da função intelectual do professor. Como educadora, entendo que

qualquer reflexão sobre educação não pode estar dissociada do contexto social, do tempo, dos valores da sociedade em que a educação se insere. A escola enquanto instituição articula-se à história, ao movimento social, e, dessa forma, expressa os projetos políticos e econômicos de uma determinada formação social. Ela é determinada pelos valores sociais vigentes, mas é também determinante desses valores. Não podemos refleti-la de forma abstrata. Concordamos com Vygotsky quando afirma que não se pode pensar a alfabetização independente de sua função e de sua constituição nas interações sociais. A elaboração da escrita é um processo simbólico que, como tal, está relacionado a uma cultura e a uma significa-

ção. Assim, a leitura e a escrita na escola têm que se constituir como necessárias para a criança, deixando de ser um mero instrumento de dominação, seleção e discriminação. As idéias de Vygotsky e Bakhtin discutidas neste texto subsidiam uma concepção de linguagem e de alfabetização. A escrita como ferramenta externa que estende a potencialidade do ser humano para fora de seu corpo, da mesma forma que amplia o alcance do braço com o uso da vara, com a escrita amplia-se nossa capacidade de registro, de memória e de comunicação. A escrita, portanto, não deve ser considerado somente um instrumento de transcrição da língua oral, mas sim um sistema de representação da realidade.

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Tecnologia, Educação e Trabalho: novas conjunturas para desenvolvimento social

ANA MARIA LOURENÇO DE AZEVEDO Doutoranda em Filosofia Tecnologia e Sociedade – PUC/MG/UCM, Mestre em Educação UFS/SE, Especialista em Alfabetização UNICAMP/SP, Professora e Coordenadora da FPD E FSLF.

JOSÉ SEBASTIÃO DOS SANTOS FILHO Especialista em Direito Educacional – FPD/ SE, Coordenador Administrativo do Curso de Psicologia da FPD/SE

ABSTRACT This article examines the development of teaching-learning process due to change of contemporaneousness with the requirements of market and the traditional methodology of education associated with the innovations of technology. Firstly, it is presented technological development process and the relationship with the organization of modern school observing the necessity of analysis of news technologies of teaching, its deficiencies with the manipulation of information technology and improving possibilities. Secondly, it is done an impact analysis of technology changes on modern society focalising the work relationship according to alignment of technological advances with marketable tendencies require from school egresses a relationship as all the aspects relating to communication and information sciences. Additionally, the student need to live together with learning and , a learning again sistematization , a habitual cycle of formation improvement and the personal skills. Enclosing the article, it is done an act of attacking real linkage among the variables education , technology and work, indicating a reflection whom direction the school must follow in this moment and which enjoyed perfil on perspective of integrated formation with technology. Keywords: Education, Technology, Work , Society.

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O presente artigo analisa o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem face às mudanças da contemporaneidade, com as exigências do mercado e o necessário alinhamento da metodologia da educação com as inovações da tecnologia. Inicialmente, é abordado o processo de desenvolvimento tecnológico e a relação com a organização da escola moderna, observando a necessidade de análise das atuais metodologias de ensino, suas deficiências com o manejo da Tecnologia da Informação e as possibilidades de melhoria. Ainda nesta linha, é feita uma análise do impacto das mudanças da tecnologia na sociedade moderna, enfocando as relações de trabalho, considerando que o alinhamento dos avanços tecnológicos com as tendências mercadológicas exigem dos egressos da escola uma intima relação com todos os aspectos relativos à Ciência da Informação e da Comunicação. Além disso, o estudante precisa conviver com a sistemática de aprender e re-aprender, um ciclo freqüente de melhoria da formação e das habilidades pessoais. Encerrando o artigo, é feita uma abordagem da atual sintonia entre as variáveis educação-tecnologia-trabalho, indicando uma reflexão sobre qual direcionamento deve tomar a instituição escolar nesta conjuntura e qual o perfil desejado numa perspectiva de formação integrada com a tecnologia. Palavras-chave: Educação, Tecnologia, Trabalho, Sociedade.

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RESUMO

LENALDA DIAS DOS SANTOS Mestre em Educação – UFPB, Gestora Acadêmica da FPD/SE

DENISSON VENTURA SANT´ANA Bacharel em Comunicação Social, professor de Língua Portuguesa e Redação, cursos Pré-vestibulares e da Faculdade Pio Décimo, doutorando em Educação pela Universidade Européia e é membro de honra da Arcádia Literária.


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O processo de organização social pós Revolução Industrial exigiu que as instituições adaptassem suas metodologias, de modo que auxiliassem a formação de mão-de-obra para as fábricas. Assim, como instituição social clássica, a escola foi estruturada de maneira que favorecesse a disciplina, os conceitos de ordem e de hierarquia, com o estudante sendo receptor de um conhecimento previamente selecionado e aprofundado por um docente, sem necessidade de uma avaliação crítica daqueles saberes, mas mantendo-se um nivelamento de formação específica para cada necessidade do momento social. O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas provocou profundas mudanças na estrutura social, atingindo a organização da instituição escolar e das relações do trabalho. Esta nova realidade tem exigido modificações no processo de ensino-aprendizagem, no sentido de promover a formação e qualificação de profissionais que possam estar inseridos no contexto da Sociedade da Informação. Com isso, os sistemas de ensino necessitam de uma adequação com estes novos paradigmas, renovando os conteúdos básicos de cada disciplina e adequando-o à uma perspectiva próxima ao contextos da modernidade. Neste campo de desenvolvimento tecnológico, indubitavelmente, a informática é a principal ciência, tanto por sua intera-

ção com diversos aspectos da vida acadêmica e social como por sua contínua e perene renovação conceitual e prática. Porém, quando se enquadra este avaliação no contexto da Educação, perceber-se-á que a Tecnologia da Informação ainda não foi totalmente integrada ao processo de ensino-aprendizagem, o que vem ocorrendo de maneira gradual, a partir da visão dos educadores que, sabendo da importância da escola como núcleo especial da sociedade, percebem o surgimento de um conjunto de novos valores: Esse conjunto de novos valores vai caracterizando esse novo mundo ainda em formação. Um mundo em que a relação homem-máquina passa a adquirir um novo estatuto, uma outra dimensão. As máquinas da comunicação, os computadores, essas novas tecnologias, não mais máquinas. São instrumentos de uma nova razão. Nesse sentido, as máquinas deixam de ser como vinham sendo até então, um elemento de mediação entre o homem e a natureza e passam a expressar uma nova razão cognitiva. (Preto, 1996, p.43). Este salto da tecnologia possibilitou que o universo dos recursos aplicáveis no ensinoaprendizagem se expandisse, facilitando não só a maneira do docente aplicar seu projeto disciplinar quanto ao discente em

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assimilar e interpretar o conhecimento. Estes recursos se inserem num amplo contexto que envolve todo o sistema econômico, social e político e na medida em que estes recursos são ampliados, o desenvolvimento da sociedade também o é (MORAIS, 2001). Além da inserção da própria escola no processo tecnológico, há ainda preocupação com a inclusão social dos estudantes em um mundo marcado por variações mercadológicas e altamente integrado com as ciências da informação e da comunicação. Ao não favorecer a participação do estudante nesta realidade, a escola contribui para um exílio social, não oferecendo condições para uma inserção plena no mercado e na própria sociedade. Neste principio, pode-se afirmar que a manutenção de uma relação educação-tecnologia é favorável para cidadania, utilizando a informação e a comunicação para auxiliar os movimentos sociais e fomentar o pleno exercício da democracia. Isso se dá com a projeção de políticas públicas transparentes e ações governamentais que incentivem a mobilização social. Na avaliação pedagógica, a implementação de novas ferramentas tecnológicas exigem a análise especial, se as tecnologias que permitem automatizar métodos tradicionais de ensino e aprendizagem estão também ajudando na criação de novos


métodos e redefinindo as metas educacionais, já que, considerando os métodos tradicionais de ensino, são bem conhecidos e bem definidos, o que direciona os novos métodos para uma ação onde sejam discutidos com profundidade. Outra necessidade importante é avaliar que atualmente, o processo educacional está procurando novos métodos de ensino e aprendizagem. A questão chave neste contexto é a redução da distância entre o conhecimento que um currículo tradicional acredita ser importante e o conhecimento que os estudantes acreditam ser importante. Porém, mudanças curriculares trazem consigo a necessidade de trabalhar com problemas de mais alta ordem. As habilidades para tratar este novo enfoque não possuem ainda uma análise rigorosa da ciência cognitiva. Sendo assim, não é possível desenvolver sistemas especialistas e modelar estudantes para um sistema efetivo. Segundo o Relatório da Educação: um tesouro a descobrir, da UNESCO, as instituições de ensino necessitam preparar os estudantes para uma rotina de freqüentes mudanças, o que exigirá um permanente estado de adequação para o aprendizado. A educação moderna deve nortear-se pela formação de estudantes com o desenvolvimento de habilidades e competências. Assim, o domínio de novas tecnologias e de novos recursos é necessário para formação de um novo perfil do estudante, que tenha uma convergência

com as solicitações do mercado de trabalho, mas também da própria sociedade. Assim, a tecnologia deve ser avaliada, no contexto da educação, como uma linguagem de comunicação e de integração social, contribuindo para a formação ampliada do estudante. O desenvolvimento da tecnologia, aliado ao desenvolvimento da escola como instrumentos de socialização, surgem como mecanismos para exteriorizar as capacidades e habilidades de cada estudante.

2 Desenvolvimento Tecnológico e Trabalho O desenvolvimento tecnológico reorganizou as relações de trabalho, exigindo uma preparação específica para uso e inserção em sistemas de informação. Desta maneira, o próprio mercado exclui aqueles que não estão familiarizados e preparados no manejo das novas ferramentas tecnológicas. Além disso, as freqüentes e contínuas mudanças nas estruturas das empresas e na própria metodologia de trabalho exige dos trabalhadores a possibilidade de aprendizagem, re-aprendizagem e adaptação (NETO, 2006). Estes aspectos têm forçado que a escola aja no sentido de profissionalizar a formação de seus estudantes, reorganizando sua estrutura curricular, no sentido de prover condições para a valorização das teorias de competição individual (NETO, 2006). A formação do profissional

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atualmente está condicionada à relação com os avanços da tecnologia, especialmente as Tecnologias de Informação e Comunicação. Esta inter-relação homem-tecnologia, ao mesmo tempo em que gerou linhas divisieis mais claras, com objetivo de acentuar a necessária mudança nas instituições sociais como forma de permitir uma nova concepção de trabalhador moderno (e excluindo aqueles que não se alinham com estes preceitos), permitiu que novas oportunidades de trabalho surgissem e que os profissionais tivessem a chance de buscar novas competências e qualificações. Uma outra análise importante é o perfil do sistema de mercado na atualidade. O capitalismo evoluiu e tornou-se não apenas uma organização da economia mas uma ideologia com presença marcante na vida social moderna. Esta presença tem influenciado fortemente as relações de trabalho, no sentido de organizar um padrão de sociedade pautado no acúmulo de riqueza e mantendo princípios básicos da propriedade privada, com as tensões entre produção e consumo, inclusão e exclusão, princípios que, destoante do avanço tecnológico, não mudam. A relação trabalho-tecnologia, juntamente com tecnologia-educação, tem sido de necessária importância para visualizar e analisar uma nova perspectiva das exigências aos profissionais, tanto em relação às competências específicas para cada área, quanto as especificações necessárias para ocupação

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de funções que interagem com mecanismos sofisticados. Esta nova conjuntura tem marcadamente a condição de inabilitar o ingresso no mercado de trabalho àqueles que não acompanharem os processos tecnológicos e suas mudanças. Assim, a formação acadêmica, sem a vivência de toda a metodologia adotada pelo mercado, certamente não contribuirá para a efetiva imersão dos formandos no sistema de trabalho. Segundo NETO (2006), existem habilidades essenciais, desenvolvidas durante o processo de ensino-aprendizagem, para que o estudante tenha um resultado satisfatório no momento de ingresso no mercado de trabalho: domínio funcional da linguagem escrita e cálculo no contexto profissional e pessoal; atitudes, conhecimento técnicos e competências demandadas por ocupações do mercado de trabalho e competência de autogestão, associativas e de empreendimentos. O desenvolvimento tecnológico, ao mesmo tempo que permite a exclusão social e econômica, pode tornar-se, no decorrer do desenvolvimento da inter-relação tecnologia-trabalho, uma forma de inclusão social.

3 Considerações sobre a Relação Educação, Trabalho e Educação O processo de socialização abrange todo o exercício de trabalhar, criar, aprender. O

trabalho e a educação estão em permanente relação e é desta dialética que surgem o conhecimento teórico-prático necessário para o pleno desenvolvimento tecnológico, assim auxiliar a harmonia do individuo com seu meio social. Ao se analisar a dimensão educação-trabalho, há de perceber-se que o desenvolvimento tecnológico serve como matriz para o surgimento de novas atribuições, de novas relações entre os saberes e provoca a exigência de perspectivas que facilitem a adequação da sociedade aos novos paradigmas. A relação educação e tecnologia não se resume ao simples ensino do manejamento de artefatos tecnológicos avançados, mas que a escola manifestará sua função de problematizar, mediar e incentivar a busca pelo conhecimento, de maneira que o estudante possa adquirir as habilidades específicas, com a necessária compreensão de como aplicar este conhecimento adquirido

na construção de sua realidade social. O questionamento feito nesta conjuntura de desenvolvimento é qual a função da escola. Formar mão-de-obra para o mercado de trabalho ou formar o homem para uma vida digna e humana nas relações pessoais e sociais? (MORAIS, 2005). Cremos que a busca do equilíbrio entre os avanços tecnológicos e a interação com os saberes estudados e ampliados na escola surge como uma alternativa salutar e eficaz para a formulação de um processo de ensino-aprendizagem rico. Cremos que a escola, professor e aluno, devem estar cientes da importância de integrar suas buscas de conhecimentos a uma nova aplicação dos avanços das tecnologias de informação e comunicação no processo do ensino e da aprendizagem, na perspectiva de gerar a formação de pessoas capazes de conviverem com as mudanças do meio e de se integrarem ao mercado de trabalho.

Referências Bibliográficas MORAIS, Regina Aparecida de. Tecnologia, Mudanças de Paradigmas e Educação no Brasil. ISED/ISEC. 2005 PRETTO, Nelson Luca. Uma Escola com/sem futuro: educação multimídia. Campinas, SP: Papirus,1996, p.97-131 FERRETI ( et alli) org.. Novas Tecnologias e Duração: um debate mul-

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tidisciplinar. Petrópolis. Rio de Janeiro, Vozes, 1994, p.151 NETO, Ivan Rocha. Tecnologia, Educação e Trabalho. In: Revista Tecnologia e Sociedade. Curitiba. n. 2, 1º semestre de 2006. UNESCO. Relatório da Educação: um tesouro a descobrir, capítulo 4 - Comissão Internacional sobre educação para o século XXI, MEC e UNESCO. Brasília, 1998.


Administração Escolar ou Gestão Educacional? Uma quebra de paradigmas RESUMO Esse artigo tem o objetivo de apresentar elementos que possam levar à compreensão do conhecimento em torno da administração escolar, sua fundamentação teórica e a discussão gerada a partir da dicotomia Setembro/2008

entre administração escolar e gestão educacional. Tal controvérsia levou a uma nova ótica sobre o tema, que é tratado nesse artigo a partir da posição de autores como Anísio Teixeira, Jamil Cury, Heloísa Lück, entre outros, que vêm contribuindo para a construção de uma fundamentação teórica sobre administração escolar, ora aproximando-a de princípios da administração de empresas, ora da legislação educacional e dos princípios democráticos por ela determinados ou ainda alicerçando-o num novo paradigma mais voltado às especificidades que envolvem o ambiente escolar. Palavras-chave: Administração escolar; gestão educacional; quebra de

MARTHA SUZANA NUNES DE AZEVEDO

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Professora da Faculdade São Luís de França, Especialista em Gestão Empresarial/FSLF e Mestranda em Educação/UFS.

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paradigmas.

ABSTRACT Such article aims to present elements that can take to the understanding of the knowledge around the school administration, its theoretical bases and the discussion arose from the dicotomia among school administration and educational administration. Such controversy generated a new optic on the theme, that is treated in that article starting from the position of authors as Anísio Teixeira, Jamil Cury, Heloísa Lück, among others, who have been contributing to the construction of a theoretical bases about school administration, in some periods getting closer to the beginnings of the administration of companies and in other periods coming closer to educational legislation and of the democratic ideas being adopted and its new paradigm aiming the topics related to the school atmosphere. Keywords: School administration; educational administration; breaks of paradigms.

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JORGE LUIZ CABRAL NUNES Professor da Faculdade São Luis de França, Especialista em Gestão Empresarial/FSLF.


Administração

1 Introdução

Escolar ou Gestão Educacional? Uma quebra de paradigmas

2 Gestão Educacional:

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Aportes Teóricos

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O processo de construção da administração escolar é aqui apresentado sob diferentes olhares que suscitam discussões em seu entorno, na busca de sua consolidação teórica e epistemológica. Nesse processo, alguns autores deram sua contribuição para o enriquecimento desse debate, apresentando seus pontos de vista e sua fundamentação que os levam a aproximar-se ou distanciar-se de determinadas correntes teóricas. Esse artigo trata da gestão escolar enquanto campo de construção do conhecimento e de quebra de paradigmas. Por isso, além da fundamentação teórica apresentada, também traz resultados de sua aplicação prática na investigação sobre o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe. Esse objeto é pesquisado desde 2005, onde foi possível encontrar indícios dos modelos de administração propostos por seus diretores, ao longo dos 48 anos de existência da instituição, constituindo-se em seu objetivo principal. Com esse objetivo e entrecruzando com literatura especializada, tornar-se-á possível identificar as diferentes correntes que tratam da gestão escolar e, principalmente, perceber se houve avanços nas propostas administrativas impetradas pelos diretores do Colégio acima citado e se esse avanço pautouse na ótica da democratização do ensino brasileiro.

Os estudos sobre gestão escolar têm despertado o interesse de pesquisadores, que contribuíram para a consolidação de pesquisas nesse campo. Essas pesquisas têm tratado, entre outros aspectos, da evolução teórica e da caracterização dos elementos constitutivos da Administração da Educação e de sua conformação epistemológica. A discussão primeira que se interpõe aos estudos sobre gestão educacional gira em torno de sua aproximação com as teorias da Administração de Empresas ou sua apropriação com o campo especificamente pedagógico, ligado às questões que envolvem a escola e o seu papel na formação do indivíduo, seja ela da rede pública ou privada. Nesse sentido, as posições são diversas. Um dos primeiros autores para quem chamamos atenção é Anísio Teixeira, que defendeu uma preparação especializada dos profissionais que administram a escola, ou mais especificamente, dos professores que são, por excelência, os administradores potenciais da sala de aula (TEIXEIRA, 1961, p.84). Não se trata, portanto, de um empreendimento como o de administrar uma fábrica, onde o planejamento é função muito mais requerida do administrador do que a função de execução, diferentemente do que ocorre na escola. Nesse sentido, o autor apresenta a diferenciação entre os dois tipos de administração, a fabril e a escolar:

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Mas há dois tipos de administração: daí é que parte a dificuldade toda. Há uma administração que seria, digamos, mecânica, em que planejo muito bem o produto que desejo obter, analiso tudo que é necessário para elaborá-lo, divido as parcelas de trabalho envolvidas nessa elaboração e, dispondo de boa mãode-obra e boa organização, entro em produção. É a administração da fábrica. É a administração, por conseguinte, em que a função de planejar é suprema e a função de executar, mínima. E há outra administração - à qual pertence o caso da Administração Escolar - muito mais difícil (TEIXEIRA, 1961, p.85). Torna-se claro o valor que Teixeira dá à administração escolar como disciplina, de modo que ela possa acompanhar o desenvolvimento do ensino que se processava a sua época. Para o autor, havia uma importância fundamental no aprofundamento dos estudos sobre essa área e sobre a formação de profissionais, a fim de exercerem essa função com qualidade. A partir daí, a administração escolar passou por um processo de maior identificação com as características tecnicistas da administração geral, mesmo contra posicionamentos contrários, como o de Anísio Teixeira, por exemplo. Faz-se mister, portanto, definir essa particularidade da administração escolar que propunha um modo de atuação e de propagação de seus preceitos mais ancorados na Teoria Geral da Administração do que propri-


Além dessas características, Lück aponta outras que servem para distinguir uma nova proposta de administrar a escola pautada em princípios tradicionais, que não visualizam o avanço ex-

A administração escolar passou por um processo de maior identificação com as características tecnicistas da administração geral.

perimentado pela educação ao longo do tempo e de suas peculiaridades enquanto sistema ativo e complexo e que interage com seu meio. Dentre essas características, a autora cita a previsibilidade, o controle, o saudosismo, a manutenção, a importação de modelos, o enfoque na técnica, a coerção, o paternalismo e o protecionismo. (LÜCK, 2006, p.58) Pereira e Andrade (2005, p.14) trazem como contribuição 1

para a administração escolar uma análise a respeito dos artigos publicados pela Revista Brasileira de Administração da Educação (RBAE), periódico semestral da Associação Nacional de Profissionais de Administração da Educação (ANPAE). Trata-se de um dos mais importantes e especializados veículos de divulgação da administração escolar, onde foram analisadas as publicações correspondentes ao período compreendido entre 1983 (ano de fundação da revista) e 1996 (ano em que muda sua denominação para Revista Brasileira de Política e Administração da Educação – RBPAE). Apropriando-se do conceito de campo de Bourdieu1, os autores observaram um processo de legitimação da administração escolar enquanto campo científico, constituído de um trabalho de legitimação cultural. Identificaram, portanto, diversas correntes teóricas que balizaram, em diferentes momentos, a publicação dos artigos da RBAE, especificamente, a partir dos seguintes pressupostos: a) Rompimento com as teorias estritas de administração de empresas; b) Inserção da Administração da Educação num quadro teórico orientado pela contradição dialética e enraizada num contexto sóciohistórico dos conflitos sociais; c) Base voluntarista-fenomenológica, em oposição à tendência funcional-estruturalista; d) Oposição entre quantitativos e qualitativos; e) Revigoramento da in-

Campo simbólico: “o lugar onde se enfrentam lutas dos grupos agentes que possuem interesses materiais e simbólicos. (...) cuja eficácia reside justamente na possibilidade de ordenar o mundo natural e social através de discursos, mensagens e representações, que não passam de alegorias que simulam a estrutura real das relações sociais – a uma percepção de sua função ideológica e política a legitimar uma ordem arbitrária em que se funda o sistema de dominação”. (BOURDIEU, 2004, p. XIV)

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amente na especificidade do campo educacional. Lück (2006, p.48) aproxima essa definição da preocupação de boa parte dos gestores educacionais, a partir da década de 70, século XX, que concebia a administração científica como único parâmetro de sustentação. Tal teoria considerava tanto a organização como as pessoas que nela atuam como peças de uma máquina que pode ser controlada de diversas formas. A preocupação dos gestores escolares com a administração de recursos financeiros também reforça essa tendência, que levou muitos gestores a se preocuparem em angariar cada vez mais recursos sem considerar aspectos importantes da realidade escolar e da necessidade de visualizar a escola num contexto mais ampliado de integração com seu ambiente. Essas seriam, segundo a autora, algumas das características de uma gestão eminentemente baseada em parâmetros administrativos contrários às reais necessidades do ambiente escolar. Mediante a lógica da administração de recursos, observou-se a tendência de administradores a focalizarem, como fundamental em seu trabalho, o esforço por amealharem mais recursos, muitas vezes, sem considerar a relação direta de seu dimensionamento com as necessidades reais do atendimento à população a que se destina. Segundo essa perspectiva, considera-se como realização o crescimento, em vez do desenvolvimento. (LÜCK, 2006, p.38)

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serção das teorias de Administração de Empresas e proposição da teoria da Qualidade Total na educação. Concluíram, a partir das análises realizadas que, embora seja uma disciplina presente nos currículos desde a década de 40, século XX, a posição ocupada pela administração escolar apresentou-se sempre dominada por outras disciplinas de maior espectro. Além disso, concluíram que a circulação de artigos através da RBAE representou um espaço importante para a consolidação dessa disciplina e de sua politização na busca de uma construção teórica. Posteriormente à década de 1980, esse quadro mudaria lentamente, sobretudo por força da construção realizada na RBAE, capaz de, a montante, dotar a disciplina de créditos simbólicos, politizando-a ou alçando-a ao pólo dominante da reflexão erudita (a teórica), e, a jusante, definir tanto o perfil técnico do administrador da educação quanto os valores e crenças, tácitas e explícitas, às vezes até ambíguas, dos agentes aptos e dispostos à inserção prática na administração da educação. (PEREIRA; ANDRADE, 2005, p.25) Argumentando a inclusão da administração escolar nas idéias básicas da administração geral no Brasil, Francisco Filho (2006, p.10) enredou por uma análise holística do conhecimento relacionado ao tema, enfocando o processo histórico, dialeticamente, a fim de confirmar ou refutar a seguinte hipótese: a ad-

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ministração escolar deve ser estudada no contexto da administração geral e inserida no processo histórico das últimas décadas do século XX. Considerando a administração como processo dinâmico, que consiste em tomar decisões sobre os objetivos estabelecidos e a partir deles, Francisco Filho (2006, p.25) optou por defender a idéia de que a administração educacional também corresponde a esse mesmo processo dinâmico vivenciado pela administração geral, que sofre influências de suas diferentes abordagens que estiveram, ao longo da história, em constantes mudanças. Nesse sentido, o autor concluiu que a educação pode se apropriar desses mesmos pressupostos, pois para ele, como para outros teóricos que defendem essa posição, Administração é uma ciência, mas a sua prática é uma arte que está relacionada com a visão holística e histórica da sociedade em seu tempo. Não existe educação fora da realidade e não existe administração escolar fora do contexto histórico. (FRANCISCO FILHO, 2006, p.26) No outro extremo, outros teóricos já visualizam essa discussão sob um novo prisma, inclusive com uma mudança na denominação de administração escolar para gestão educacional. Mas quais são as bases para essa transformação? Um dos marcos que contribuiu para o início do processo de mudanças foi, conforme aponta Cury (2005, p.15), a inserção dos parâmetros da gestão democrá-

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tica, tanto na Constituição Federal de 1988, como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96, as quais lançaram os princípios desse modo de gerenciar os sistemas de ensino nacionais. Partindo desses fundamentos legais, Cury define a gestão democrática como um princípio da educação nacional, presença obrigatória em instituições escolares, é a forma não-violenta que faz com que a comunidade educacional se capacite para levar a termo um projeto político pedagógico de qualidade e possa também gerar “cidadãos ativos” que participem da sociedade como profissionais compromissados e não se ausentem de ações organizadas que questionam a invisibilidade do poder. (CURY, 2005, p.17) Esses fundamentos definem um modelo de gestão em que possa haver a participação plena dos profissionais da educação na construção e na elaboração do projeto político pedagógico da escola, como também da comunidade local através da constituição de conselhos escolares ou equivalentes, conforme determina a LDB. Tudo isso com o objetivo de desenvolver um projeto de gestão coletiva que garanta o padrão de qualidade da educação nacional, também expresso nessa mesma Lei. A construção desse novo paradigma, no entanto, não pode ser proposta desconsiderando a contribuição da teoria da administração. Segundo Lück (2006, p.109), essa construção não deve


Nesse sentido, propõe-se uma superação de premissas baseadas no enfoque da administração, em vistas a construção da gestão educacional mediante os avanços que marcam a transposição de uma óptica limitada para um novo paradigma que pode melhor caracterizar o desenvolvimento experenciado, nos últimos tempos, pela educação. Para tanto, a autora apresenta seis aspectos gerais de transformação da administração para gestão no âmbito educacional (LÜCK, 2006, p.65): a) Da ótica fragmentada para a ótica organizada pela visão de conjunto – que impede a atuação isolada e fragmentada dos indivíduos para uma atuação que vise à construção do todo; b) Da limitação de responsabilidade para a sua expansão – onde cada um possa assumir o seu papel e se tornar co-responsável por seu desenvolvimento e de seus resultados; c) Da centralização da autoridade para a sua descentralização – a partir da construção de mecanismos de autonomia de ges-

tão, pela unidade de atuação; d) Da ação episódica por eventos para o processo dinâmico, contínuo e global - fugindo de ações isoladas, fechadas em si e de curto prazo para ações motivadas por uma visão de futuro; e) Da burocratização e hierarquização para a coordenação e horizontalização - de forma a promover mais flexibilidade, criatividade e ação crítica e, em conseqüência, uma maior dinamização do processo educacional; f) Da ação individual para a coletiva – a fim de fugir do coorporativismo, realçando o relacionamento interpessoal, orientado por uma concepção de ação conjunta e interativa. Essas seriam algumas premissas que balizam nossa compreensão sobre a quebra de paradigmas proporcionada pelo avanço na discussão sobre a dicotomia: administração escolar X gestão educacional.

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Os modelos de Gestão Educacional do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe: dados preliminares A fundamentação teórica apresentada no capítulo anterior serviu de parâmetro para uma análise mais aprofundada do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe à luz dos autores apresentados. Trata-se de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde o

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ano de 2005, cuja abordagem qualitativa requereu a utilização de técnicas de levantamento de dados como a pesquisa documental, bibliográfica, entrevistas e visita às instalações do Colégio. A pergunta que cercou tal análise foi: a administração dos diretores do Colégio de Aplicação da UFS mostrou-se como administração escolar ou como gestão educacional? Para responder a esse questionamento foram realizadas duas entrevistas: uma delas com a primeira diretora, a professora Rosália Bispo dos Santos e a outra com o professor Euclides Redin. Uma terceira entrevista foi feita com a professora Maria Hermínia Caldas, a qual forneceu elementos que contribuíram para a escrita desse artigo. Como objeto de estudo da pesquisa, o Colégio de Aplicação, que foi denominado à época de sua fundação de Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, foi fundado em 1959 e, desde então, já teve dezesseis diretores. O Ginásio de Aplicação de Sergipe, assim como as instituições similares, foi criado em função de uma decisão do Governo Federal provinda do Decreto-Lei nº 9.053 de 12 de março de 1946 (BRASIL, 1946), que estabeleceu a obrigatoriedade, para as Faculdades Católicas de Filosofia do país, de instalar e manter um ginásio de aplicação destinado à prática docente dos alunos matriculados no seu curso de Didática. Sua primeira diretora foi a professora Rosália Bispo dos Santos. Nascida no município de Pacatuba-SE, iniciou seus estudos

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ser baseada na minimização dos preceitos estabelecidos pela concepção de administração, pois o que se pretende, segunda a autora, é uma nova óptica de organização e direção de instituições, tendo em mente a sua transformação e de seus processos, mediante a transformação de atuação de pessoas e de instituições de forma interativa e recíproca, a partir de uma perspectiva aberta, democrática e sistêmica. (LÜCK, 2006, p.109)

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na Escola Normal e concluiu o curso de Letras Neolatinas pela Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe no ano de 1955. Em 1959 foi convidada pelo Diretor, Padre Luciano José Cabral Duarte, para dirigir o recém inaugurado Ginásio de Aplicação da mesma Faculdade. Para dirigir uma turma inicial de vinte e cinco alunos, a professora Rosália, além de ter buscado um aprimoramento teórico junto ao Ginásio de Aplicação de Nova Friburgo no Rio de Janeiro, também aplicou muito de sua personalidade na tarefa de dirigí-lo. A professora Hermínia Caldas relembra o estilo usado pela professora Rosália na direção do Ginásio, que demonstrava severidade na condução dos alunos, dirigindo-os com uma autoridade de comando branda, sem ser impositiva, castrante. Mas exigia disciplina. Tanto como professora quanto como diretora. Mas naquela época era fácil obter a obediência dos alunos e dos professores, pois todos tinham um certo grau de consciência de seus deveres e isso ajudava muito a quem dirigia. (CALDAS, 2006). A professora Rosália trabalhou não só a organização administrativa, mas também a formação pedagógica e moral dos alunos. Para isso, realizava reuniões periódicas com os pais a fim de tratarem das diversas questões relacionadas aos alunos e ao Ginásio. Na direção do Ginásio atuava sozinha, já que nos primeiros

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anos era a única a comandar aquela escola. Contava, no entanto, com o apoio do Padre Luciano, dos pais dos alunos e dos professores, pois, segundo ela, havia um ambiente de tal harmonia que a sua tarefa era prazerosa, conforme afirma: Ave-Maria, era um relacionamento muito bom entre todos. Tinha uma reunião de pais que era aquele diálogo. Nós fazíamos no mínimo

tico de gestão educacional, conforme anteriormente apontado. A entrevista com o professor Euclides Redin também permitiu fazer comparações com os modelos de gestão em discussão nesse artigo. Com formação em Aconselhamento Pedagógico e Psicologia da Educação, assumiu o cargo de professor visitante da Faculdade de Educação em Sergipe em 1978. Ao dar início a suas atividades como pro-

A inserção da gestão democrática nas escolas deve ser uma realidade perseguida por todos os sgmentos sejam gestores, professores, pais, alunos e comunidade.

quatro reuniões por ano. Havia uma participação muito ativa dos pais. Havia, assim, de pais me procurarem na minha casa para dialogarem sobre o filho pessoalmente. Eram ótimas nossas reuniões. (SANTOS, 2006) Durante os anos em que dirigiu o Ginásio foi possível perceber em sua gestão traços da administração escolar que confirmam aspectos autoritários que envolveram sua atuação. No entanto, o fato de promover reuniões com os pais e professores identificava um traço democrá-

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fessor recebeu o convite para assumir a direção do Ginásio de Aplicação que, a essa época, já estava vinculado à Universidade Federal de Sergipe e havia modificado sua denominação para Colégio de Aplicação. Tendo atuado como diretor no período de 1979 a 1980, o professor Redin buscou uma ação mais voltada para a discussão a respeito do papel do Colégio de Aplicação na sociedade. Para tanto, participou de encontros nacionais onde aprofundou seu entendimento sobre a temática, e que o levou a implementar algumas modificações em


cação, a Universidade Federal de Sergipe, os professores e pais de alunos, visando atender a demanda por justiça social e pela inclusão de segmentos que não tinham oportunidade de ingressar no Colégio de Aplicação. A partir daí, iniciou-se um sistema de sorteio dos candidatos inscritos que definia quais alunos ingressariam no ano seguinte. Segundo ele, O Colégio de Aplicação não deve privilegiar uma categoria social. Então, optamos por fazer a seleção por sorteio. Se inscreve todo mundo interessado e o critério é o sorteio. Daí a gente vai sortear, por que é o menos injusto, né? Não vai privilegiar nem quem mora na região, nem quem é filho de professor, nem quem é de uma classe social e econômica melhor. (...) Pois tínhamos muito mais pretendentes que vagas. (REDIN, 2006) As iniciativas do professor Euclides Redin indicam uma gestão que se pautou nos princípios da gestão democrática, conforme os pressupostos apontados por Cury (2005, p.15). Entretanto, suas ações sofreram forte oposição dentro da própria Universidade, por ser um professor visitante vindo de outro Estado. Atualmente, o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (CODAP) atende a alunos do ensino fundamental e médio que se encontram na faixa etária de 11 a 18 anos de idade e que residem, em sua maioria, no município de

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Aracaju. É vinculado à Pró-Reitoria de Graduação da Universidade, pois mantém como sua principal finalidade favorecer o envolvimento com os departamentos acadêmicos e as atividades de ensino, pesquisa e extensão, especificamente relacionadas à educação básica. O sistema de exames de seleção para ingresso ao Colégio ainda é mantido. São abertas anualmente e por meio de Edital de concurso público, 30 vagas por turma, sendo 08 turmas do ensino fundamental e 06 do ensino médio. O que chama a atenção são os critérios definidos pelo referido Edital, que indicam o perfil dos alunos que estudam nesse colégio: alunos pertencentes a uma classe social média baixa, que buscam ensino de qualidade, mas que em sua maioria advém da escola pública. Além disso, esses alunos das escolas públicas também podem obter, por meio de comprovação de renda e despesas familiares, isenção da taxa de inscrição como um facilitador para seu ingresso na instituição. Todas essas constatações permitem identificar o caráter democrático com que é definido o processo seletivo do Colégio de Aplicação, conforme os princípios descritos por Cury (2005, p.15). É preciso destacar que essa pesquisa ainda não foi concluída. Os dados aqui apresentados representam uma parcela da pesquisa maior que definirá, com maior abrangência, os modelos de gestão adotados no Colégio de Aplicação ao longo de seus 48 anos de existência.

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sua gestão. A proposta principal era tornar o acesso ao Colégio mais democrático, de modo a atender as camadas populares da comunidade. De acordo com o professor Redin, a Universidade deveria aplicar no Colégio o que havia de mais moderno em termos de teorias pedagógicas e servir de modelo para as demais escolas, sendo, portanto, referência na Educação. Segundo ele, vários debates foram travados nesses encontros e estavam principalmente relacionados ao “questionamento que se fazia a nível dos encontros nacionais sobre a validade em se manter um Colégio de Aplicação e sobre que tipo de Colégio nós queríamos” (REDIN, 2006). O professor Redin também recordou uma outra polêmica sobre o Colégio de Aplicação: qual era o perfil dos alunos que o freqüentavam? Tratava-se de uma escola a qual tinham acesso filhos de servidores e professores da Universidade Federal de Sergipe, o que demonstrava certo privilegiamento do acesso à escola. Questionava-se, à época, qual a relação entre os bons resultados obtidos pelo Colégio e a origem dos alunos que lá estudavam e, ainda, qual seria o seu diferencial em relação aos outros estabelecimentos de ensino em Sergipe. Nesse sentido, uma de suas principais ações relacionou-se à busca da solução para o problema do acesso ao Colégio. Implementou uma nova sistemática de seleção a partir de uma ampla gama de discussões com os segmentos escolares envolvidos como a Faculdade de Edu-

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4 Considerações

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As investigações preliminares sobre a gestão educacional no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe permitiram uma aproximação com os estudos que tratam dessa temática. Tais estudos têm revelado que vem se operando nesse campo uma transposição ou mesmo uma quebra de paradigmas da administração escolar para a gestão educacional, comum ao conhecimento científico que busca sua conformação teórico-epistemológica e seu estatuto metodológico próprio. É possível visualizar nos teóricos pesquisados que esse processo, apesar de ser recente, vem se dando gradativamente de modo a levar a administração escolar a ser vista por novos olhares, não mais estritamente ligados à teoria da Administração Geral, mas aproximando-a das peculiaridades inerentes à educação e suas especificidades. A abrangência que esse artigo promove, no entanto, vai além da explicitação dos conteúdos nele contidos, ou da aplicação prática apresentada. Revela o alcance experimentado pela gestão educacional nos dias atuais e sua importância. Seus pressupostos baseados numa nova ótica de gestão vêm sendo trabalhados por autores como Heloísa Lück, Carlos Roberto Jammil Cury e Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira com o objetivo de fundamentar novos processos de gestão e de sensibili-

Escolar ou Gestão Educacional? Uma quebra de paradigmas

zar a atuação dos gestores das escolas, sejam elas públicas ou privadas, para um olhar diferenciado sobre sua prática diária. Essa nova gestão educacional se apresenta como possibilidade de uma administração pautada em princípios democráticos, mais aproximados do que preconiza a legislação educacional (LDB) e que visualiza a escola e seus agentes como um conjunto que pode ser coordenado de modo a aproveitar ao máximo as interfaces desenvolvidas não só dentro da escola, mas também dela com seu contexto. A inserção da gestão democrática nas escolas deve ser uma realidade perseguida por todos os segmentos, sejam gestores, professores, pais, alunos e comunidade, como caminho possível para uma educação de qualidade, preocupada com a formação completa de um indivíduo que seja co-autor de sua realidade social, econômica e política.

Na análise das gestões do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe é possível perceber os dois tipos de abordagem: em alguns momentos observamos traços da antiga administração escolar e em outros percebemos a aplicação de preceitos da gestão educacional. No entanto, é ainda uma análise que requererá maiores subsídios para que se possa afirmar, com propriedade, qual a característica do Colégio de Aplicação em relação a sua gestão ao longo de seus 48 anos de existência. Como o procedimento investigativo apresenta facetas que o pesquisador nem sempre pode prever, é possível que sejam encontrados outros elementos que contribuam para fundamentar essa análise. Mas esse será tema para um próximo trabalho. Entrevistas concedidas: Euclides Redin – 17/08/2006. Maria Hermínia Caldas – 30/06/2006. Rosália Bispo dos Santos – 19/04/2006.

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Revista Científica da Faculdade São Luís de França

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A importância da

Cadeira de Projetos

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Administração

Artigo

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Saumíneo da Silva Nascimento é Doutor em Geografia pela UFS, Professor da Faculdade São Luís de França

Com o domínio da elaboração de projetos, um administrador pode não só elaborar projeções para uma instituição financeira, como também para investidores privados que querem simplesmente saber da pré-viabilidade das suas pretensões. Nessa hora, quando o administrador deveria entrar para atuar, pois é um dos seus campos de domínio, acaba, infelizmente esquivandose, pois acha que projeto é algo difícil e que, quando da sua graduação, não foi disciplina estuda-

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da. Com isso, acaba abrindo campo para os outros profissionais a exemplo de contadores, agrônomos, engenheiros etc., que pelas legislações de seus respectivos conselhos de classe, são credenciados para se cadastrarem em qualquer instituição para a elaboração de projetos, deixando o administrador à margem, por culpa dele próprio, que não dá o devido valor à cadeira de projetos. Por se falar em projetos, algumas premissas teóricas sobre o assunto precisam ser abordadas, para que os jovens estudantes de administração do nosso país passem a tomar gosto pela disciplina e a encarem como uma alternativa de acesso ao mercado de trabalho, como um profissional autônomo, ou mesmo como um técnico de um escritório de projetos. Do ponto de vista de um Banco, um projeto consiste num conjunto de informações relativas ao planejamento de alocação de recursos, produção e análise econômico-financeira de um empreendimento, podendo estar ou não associado a uma proposta de crédito a ser apresentada a uma instituição financeira, seja do ponto de vista de uma empresa, conjunto de empresas, cooperativas ou associações, ou seja, envolvendo o meio urbano e o meio rural. Mesmo a viabilidade financeira de empreendimentos pessoais pode ser considerada como passível de estudo pelo Banco, à

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Atualmente, as principais instituições financeiras do país exigem, na concessão de créditos de longo prazo, a elaboração de um projeto. Esta prática já é muito antiga no Banco do Nordeste do Brasil, um dos principais agentes de desenvolvimento da Região Nordeste. Para a elaboração de projetos, o profissional deve possuir uma formação compatível com a atividade a ser requerida na elaboração do projeto. Os principais profissionais que elaboram projetos no Banco do Nordeste são Engenheiros Civis, de Pesca, de Agronomia, Contadores, Economistas e Administradores. No caso dos administradores, eles possuem uma boa formação teórica que auxilia bastante na elaboração de projetos. Vale registrar que os outros profissionais vêm se sobrepondo sobre os administradores com relação ao domínio da técnica de elaboração de projetos. Mesmo não tendo tido na sua grade escolar a cadeira específica de projetos, estes profissionais buscam, através de cursos de aperfeiçoamento ou especialização, um aprofundamento teórico e prático que o administrador vem aos poucos esquecendo. O que se vê em muitas faculdades de administração é que a cadeira de projetos fica como optativa, e então muitos alunos, na busca de disciplinas que acham que são mais fáceis, acabam deixando de lado uma cadeira tão importante.

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medida que se enquadre numa ótica de entradas x saídas de recursos x capacidade de cumprimento de compromissos financeiros. Um dos profissionais mais aptos para realização de tal tarefa, deveria ser o administrador, pois, pela sua formação, é ele quem está entres os mais aptos a registrar a descrição detalhada de cada item a ser financiado ou adquirido, permitindo a emissão de relatórios e gráficos detalhados de cronogramas de liberação de recursos ou de execução físico-financeira; bem como registrar os dados relativos a receitas e custos de um empreendimento. Os custos tanto podem ser lançados em um único registro como detalhados em nível de produto, de acordo com o grau de especificidade desejado. Da mesma forma, a receita tanto pode ser lançada em nível de um único produto representativo como detalhado por cada produto, sem qualquer limite de quantidade de itens. A perspectiva de complexidade de qualquer projeto se anula ante a simplicidade com que o profissional domina as técnicas, rotinas e funções, uma vez que quando tratamos projetos de diferentes setores e atividades, dentro de um mesmo contexto de análise de projeto, habilita-se e amplifica-se a capacidade do profissional operar nas mais diferentes demandas e solicitações de seus clientes, independente da instituição repassadora de recursos. O ponto de partida para a elaboração de um projeto, ou melhor, antes de se iniciar a elaboração do projeto propriamente dito, é necessário que o escritório e seus técnicos vinculados de projeto estejam capacitados para coletar e arrumar minuciosamente todos os detalhes necessários para o verdadeiro exercício de futurologia que o mesmo irá realizar. O primeiro dado que o projetista analisa é o programa de inversões, uma vez que este relaciona todas as inversões do projeto. Essa parte do projeto é de extrema importância para todas as demais instâncias do projeto,

no curso de

pois é nela que se definem inicialmente os usos por fontes de financiamento. Após a elaboração do programa de inversões, o projetista deve tratar do registro das atividades do projeto que inclui informações sobre produção , custos, despesas e outras informações técnicas necessárias para projeção de receitas e custos, além de outras, como impostos, discriminação de mão-de-obra, detalhamento de rebanho, culturas agrícolas, e outras informações são realizadas nessa etapa. Em seguida, se busca a chamada capacidade de pagamento, nessa etapa são analisados os prazos, carências e capacidade de o empreendimento retornar os investimentos realizados ao longo dos prazos estipulados pelos programas e fontes de financiamento. O projetista nesse momento deve agrupar os valores por programa, juros e rebates informados no programa de

Administração vestimento operacional da empresa que está em giro, computados os usos, menos as fontes circulantes. Evolução do IOG através dos anos. Comparação dos usos, fontes e do IOG, com a receita operacional bruta através de uma análise vertical.

• Geração Interna de Recursos

em Giro (GIRG), são recursos gerados internamente comparados com o Investimento Operacional em Giro (lOG). Recursos Operacionais, ou seja, recursos gerados internamente subtraído do IOG.

• Análise Horizontal das Principais Contas – é variação percentual, para maior (valor positivo) ou para menor (valor negativo), das principais contas dos demonstrativos em relação aos anos anteriores. • Medidas de Avaliação Relativa – é a seleção de alguns indicadores de estrutura, de liquidez e de rentabilidade, e sua análise

Sempre que houver registro de imóvel em garantias, esse imóvel deve estar descrito em alguma avaliação, mesmo que não tenha existido uma avaliação propriamente dita. inversões, permitindo a informação dos valores de forma precisa. Quando se trabalha com projetos já implantados e que se busca uma ampliação, modernização ou relocalização, há a necessidade de se estudar os aspectos retrospectivos da empresa ou grupo de empresas e isso é realizado, com base nos relatórios da análise das demonstrações contábeis, área que é de domínio profundo dos contadores, mas que os economistas também conhecem de forma suficiente a abordar uma análise de: • Investimento Operacional em Giro (IOG) - é parcela do In-

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comparada com determinados parâmetros quantitativos de avaliação, a exemplo de variação do capital circulante líquido, indicadores econômico-financeiros, balanço patrimonial (BP), demonstrativo de resultados do exercício (DRE), demonstrativo das origens e aplicações de recursos (DOAR), fontes e usos existentes (no caso de não existir os anteriores), dentre outros. Para se elaborar um projeto, tem-se que ter uma noção do tempo, e essa nossa temporal é definida como data-base, que é a data que serve de parâmetro para a pesquisa de todos os valores envolvidos no projeto, seja


demonstrações contábeis, receitas, custos e orçamentos. Um outro aspecto importante na elaboração de projetos é a avaliação de bens, que possui três funções básicas: registrar os bens que serão dados em garantia, formatar os usos atuais do projeto e apresentar, para cada imóvel, a forma como estão alocados os recursos relativos ao projeto. Deve ser utilizado em projetos rurais, industriais, agroindustriais, serviços e infra-estrutura. Sempre que houver registro de imóvel em garantias, esse imóvel deve estar descrito em alguma avaliação, mesmo que não tenha existido uma avaliação propriamente dita. Nesse caso específico, o economista deve procurar um profissional habilitado para ajudá-lo na tarefa, pois elaborar projetos exige multidisciplinariedade. Nessa etapa, são definidas informações básicas da avaliação, além do interessado e identificação do avaliador, a saber: PESQUISA DE IMÓVEIS - para o estabelecimento do preço dos imóveis avaliados, normalmente é realizada uma pesquisa sobre os negócios relacionados à compra e venda de outros imóveis na região. Um mesmo imóvel pesquisado pode ser considerado como base para o preço de mais de um imóvel avaliado. O relacionamento entre o imóvel pesquisado e o imóvel avaliado ocorrerá durante o registro do imóvel avaliado.

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tência técnica/capacitação, realizada na fase pós-projeto, sendo um nicho complementar fortíssimo de atuação do economista. Os normativos do Banco do Nordeste consideram a existência de assessoria empresarial/técnica apenas no caso de projetos agropecuários; e nos projetos industriais/ comerciais o Banco utiliza uma programação da ambiência administrativa/produtiva do empreendimento, sendo que as suas informações são utilizadas na geração do cronograma de assistência técnica, de acordo com as regras inseridas no referido normativo. Pode ser definido um esquema de visitas para prestação de assessoria empresarial/técnica para cada atividade, valendo lembrar que a taxa de remuneração base para elaboração de um projeto é, em média, 2% do seu valor. Nessa assistência técnica precisam ficar claro os seguintes pontos principais: época de realização das visitas (meses) objetivando melhor atender as necessidades das explorações; assuntos enfocados - planejar os assuntos que serão enfocados nas visitas de assessoria empresarial/técnica, indicando, inclusive, como essa assessoria contribuirá para o alcance das metas estabelecidas no projeto; visitas - quantidade de visitas consideradas necessárias para que se preste a assessoria adequada ao empreendimento, em cada ano em que deve acon-

IMÓVEL AVALIADO - cada avaliação de bens é decomposta em imóveis e componentes dos imóveis , onde estarão detalhadas todas as características de imóveis, veículos, embarcações, instalações, móveis e utensílios, construções civis, máquinas e equipamentos e semoventes. RELATÓRIOS - os relatórios emitidos compõem o laudo completo de uma avaliação. E, finalmente, um novo aspecto que vem sendo bastante evidenciado nos projetos é a assis-

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Administração tecer essa assessoria; duração tempo estimado para realizar uma visita de assessoria empresarial/ técnica, considerando o planejamento da visita, deslocamento, vistoria ao empreendimento, orientação técnica ao cliente e emissão de relatório normativo do Banco do Nordeste sobre Assessoria Empresarial e Técnica. A remuneração pela assessoria empresarial/técnica em projetos agropecuários, após a implantação do projeto é sugerida pelo Banco do Nordeste, levando em conta a quantidade de horas técnicas necessárias, ano a ano da operação. Deixa-se, assim, de utilizar o critério atual que prevê cálculo baseado em 2% ao ano sobre o saldo devedor da operação, a partir do segundo ano, além de outras taxas mais elevadas previstas para o caso de irrigação, cooperativas/associações, etc. A quantificação de horas técnicas necessárias deve levar em conta o planejamento da visita, deslocamentos, vistoria ao empreendimento, orientação técnica propriamente dita e emissão de relatório e não deve ultrapassar, anualmente, a quantidade de horas conforme demonstrativo abaixo, conforme o valor da operação, limite que poderá ser objeto de ajuste pela Área de Desenvolvimento (Ambiente de Implementação de Programas), caso se constate alguma distorção na sua aplicação prática (quadro 1).

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O preço da hora técnica pode assumir os valores abaixo, segundo o nível tecnológico do empreendimento e, conseqüentemente, o grau de especialização dos técnicos encarregados do serviço (quadro 2). Estes valores estão coerentes com os preços de consultoria praticados pelas seguintes empresas contatadas: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE; Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT; Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais CETEC; Instituto de Tecnologia do Paraná – TECPAR. O valor da referida taxa de assessoria empresarial/técnica seria paga ao escritório/técnico por ocasião da apresentação dos relatórios relacionados com as visitas previstas no projeto/análise, contendo obrigatoriamente a devida autorização do cliente, objetivando uma maior conscientização deste, não só com relação ao serviço prestado, mas também em relação ao valor que está sendo pago ao escritório por esse serviço. O valor a ser pago deve corresponder ao valor anual das horas técnicas previsto pelo projeto/análise, dividido pelo número de visitas estabelecidas para o mesmo ano. No caso de operações de valor superior a R$ 1.000.000,00, com exceção daquelas relacionadas com cooperativas/associações, o pagamento da remuneração da assistência empresarial/técnica após a implantação do projeto será feito pelo cliente direta-

mente ao escritório/técnico por ele contratado, sem a interveniência do Banco do Nordeste. Por tudo isso apresentado e lembrando que estamos citando apenas o exemplo de um Banco, no caso o Banco do Nordeste, vêse que é de fundamental impor-

tância que os estudantes de administração repensem sobre o não estudo da cadeira de projetos na sua grade curricular; poderá ele estar perdendo uma grande chance de ser um profissional autônomo independente e bem remunerado.

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Professor

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75 Maria José de Azevedo Araujo é mestre em educação pela Universidade Federal de Sergi-

ABSTRACT This bibliographic research is entitled: Teacher of Traditional Educator to Present: Performance, Commitment and Qualification. It is about brief reflections upon the importance of the Brazilian educator through historical, social, pedagogical and legal aspects. The seriousness of the educative work is highlighted and this study refers to some relevant aspects related to the pedagogical performance as for educational activities. Problems in the training of a staff that will deal with basic education are complex. The advance of knowledge, technological innovations, and the spread of information are transforming the world and demanding new answers from the school and a new configuration of the teacher’s performance. The quality of teaching is strictly related to the professional’s training, work conditions, and the salary paid to the teachers, elements that are indispensable to the professional training of the educator. It is necessary to rethink the quality of teaching that is being offered by the basic school and its success in the task of training citizens who will be capable of fully participating in the economic, social, political, and cultural aspects of the country. Keywords: Education, Educator’s training, School, Society.

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pe. É docente na Associação de Ensino e Cultura Sergipe Del Rey (Pedagogia), na Universidade Tiradentes (Letras), e na Associação de Ensino e Cultura Pio Décimo (Pedagogia e Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil). Trabalha como Pedagoga na Secretaria Municipal de Educação de Aracaju

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Apresenta-se uma pesquisa bibliográfica intitulada: Do Professor Tradicional ao Educador Atual: Desempenho, Compromisso e Qualificação. Trata-se de breves reflexões sobre a importância do educador brasileiro, perspassando por aspectos históricos, sociais, pedagógicos e legais. Destaca-se a seriedade do trabalho educativo e refere-se a alguns aspectos relevantes do fazer pedagógico no desempenho das atividades educacionais. Os problemas de formação de quadros para a formação básica são complexos. O avanço do conhecimento, as inovações tecnológicas e a expansão da informação estão transformando o mundo e exigindo novas respostas da escola e nova configuração do desempenho do professor. A qualidade do ensino relaciona-se estreitamente à formação, condições de trabalho e remuneração dos docentes, elementos esses indispensáveis à profissionalização do educador. É preciso repensar a qualidade do ensino ministrado pela escola básica e sua tarefa na formação de cidadãos capazes de participar plenamente da vida econômica, social, política e cultural do país. Palavras-chave: Educação, Formação do educador, Escola, Sociedade.

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RESUMO


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1 Introdução

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O artigo científico intitulado Do Professor Tradicional ao Educador Atual: Desempenho, Compromisso e Qualificação Profissional tem por objetivo analisar aspectos da profissão de educador do passado e do presente na sociedade brasileira. Buscou-se desenvolver o tema o papel do educador, através de pesquisa qualitativa. Determinou-se o estudo por meio de levantamento bibliográfico em livros de teóricos da educação, que são valorizados na atualidade e que são referências na área, tais como: Aranha (1996), Gonzalez, (2002), Morin, (2002), Masetto (2003), além de consulta à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, número 9394/96 e ao Dicionário Brasileiro Globo (1998). Os estudos sobre a formação dos educadores têm se desenvolvido muito nas últimas décadas devido a sua importância e conseqüências para a sociedade. Portanto, sentiu-se a necessidade de estudar sua contribuição na formação integral do cidadão, uma vez que a escola possui entre os seus objetivos abranger os aspectos físicos, sociais e afetivos na construção de sujeitos críticos e reflexivos. O aluno é considerado um agente ativo de seu conhecimento, a família e os professores são mediadores na constituição do saber e no desenvolvimento da personalidade. Mas afinal... Qual é o papel da escola na sociedade? E o papel do educador? Ser professor ou

ser educador? Quais são os ganhos e as perdas na educação de ontem e de hoje? Ser tradicional ou ser inovador? O que representa o educando na relação com o educador? Para Fernandes et al - (1998, p. 213), Educador é aquele que educa; pedagogo; preceptor. Educando é aquele que está recebendo educação; aluno; colegial. Educação é o ato de educar; conjunto de normas pedagógicas aplicadas ao desenvolvimento geral do corpo e do espírito; polidez; cortesia; instrução; disciplinamento. A concepção de professor tradicional aponta-nos um profissional do passado e, consequentemente, superado... Quem era o profissional da educação? A imagem do professor era tida como sagrada, uma pessoa austera, compenetrada, sem direito de demonstrar ou exteriorizar seus sentimentos. A ciência e o conhecimento careciam de uma atitude contemplativa, com o verbalismo do professor na ansiedade em transmitir o saber acumulado culturalmente e historicamente pela sociedade. No século XXI, o cidadão brasileiro espera e exige um educador cuja formação torna-o capaz de enfrentar os obstáculos da própria deficiência e limitação, com um olhar mais realista e comprometido com a qualidade. Aguarda ainda que ele venha a desenvolver a capacidade e a

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competência para trabalhar com a educação, até mesmo a educação inclusiva, cotidianamente, assumindo a responsabilidade da educação na diversidade. A educação inclusiva, a educação para a diversidade, não integra apenas os portadores de necessidades educativas especiais, físicas e motoras, mas todo e qualquer tipo de diferença que exija do educador uma postura ética e comprometida com a atuação adequada aos novos paradigmas educacionais, num estilo desvinculado dos moldes discriminatórios e tradicionais e bem firmado nos paradigmas da criatividade e da inovação, com esforço constante de motivar os alunos a uma participação ativa e prazerosa, na descoberta do saber coeso, integrante e interdisciplinar.

2 Escola

Tradicional

No século XX, há apenas algumas décadas, a escola era considerada uma espécie de sonho dourado, capaz de levar e elevar valores, possibilitando oportunidades concretas de mudança no status social do cidadão. A relação professor-aluno era vertical, piramidal, pois era hierárquica e tinha como conseqüência a submissão, o medo do aluno de se expor perante o público, restrito ou não, numa atitude submissa e apática, sendo, portanto considerado como um componente do conhecimento, o receptor da tradição cultural,


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ções individuais. Argüir era um verbo usado durante as aulas, apenas com o objetivo de conhecer para decorar e não para refletir-agir-refletir, estabelecendo uma conexão entre a valorização do conhecimento prévio e a construção a partir das diversas conexões possíveis e articuladas de uma aprendizagem significativa. A metodologia adotada tinha por principio o aprender mecânico, sem a relação com o real.

A prioridade da escola tradicional era trabalhar valorizando o desenvolvimento do conhecimento determinado pelo currículo escolar va perfilada, em sinal de reverência aos símbolos nacionais. O horário e o uso do fardamento escolar eram exigidos e os alunos eram considerados um grupo homogêneo e único. Não havia preocupação com as diferenças individuais, principalmente as diferenças culturais, sociais e financeiras. Existia uma valorização da concorrência entre os alunos, reprimidos por um sistema avaliativo classificatório. O professor trabalhava com recompensas e castigos. A escola era empirista, ou seja, priorizava e valorizava enfaticamente a assimilação por parte do aluno, do conhecimento externo adquirido por meio de transmissão, sem a exigência de maiores elabora-

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Também era bastante comum o uso da sabatina, principalmente na disciplina Matemática, mais especificamente, a tabuada, tida como o pavor de alunos que apresentavam dificuldades para decorar. Outra disciplina que exigia que o aluno decorasse o texto era História. O conteúdo visava à aquisição de noções, dando-se mais ênfase ao esforço intelectual de assimilação do conhecimento. A metodologia mais adotada era a da aula expositiva, centrada no professor. Durante as aulas os alunos ficavam sempre enfileirados, carteiras postas atrás das outras carteiras, no rigor do bom comportamento, uns sentados atrás dos outros, com destaque para situações em sala de aula nas

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minado pelo currículo escolar. O professor, ao término de cada ano letivo, era muito cobrado em relação ao ensino de todo o conteúdo determinado por esse currículo. Os alunos aprendiam os hinos pátrios: Nacional, da Independência, da Bandeira, etc. Estes eram cantados enquanto as bandeiras eram hasteadas ou derreadas, numa atitude patriótica em que a comunidade escolar fica-

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aquele que nada sabe e que precisa do professor para absorver, como uma esponja jogada na água, a informação vinda deste profissional. A sociedade, através das famílias, depositava total confiança na escola e nos educadores, inclusive mantendo uma relação de companheirismo e contraditoriamente, de distanciamento, confiando o comando das demarcações e determinações sobre o tipo de educação dos seus filhos ao professor, considerava-o possuidor da austeridade da tradição cultural e da ética, o formador do caráter e dos costumes adequados àquela comunidade, responsável e executor do papel de transmissor do conhecimento formal. Não se discutiam propostas educacionais. Os modelos eram determinados pelos docentes e acolhidos pacificamente pela comunidade escolar. A escola tradicional era centrada no professor (magistrocêntrica), e na transmissão dos conhecimentos. O professor assumia o papel de detentor do poder, pelo poder do saber, com o desejo de ser reconhecido pelos outros professores, pelos seus alunos e pela sociedade. Admitir que cometesse um erro, ou que não sabia responder ao questionamento do seu aluno era uma espécie de desmoralização, de pecado mortal algo intolerável na sociedade. O currículo era padronizado, adotado igualmente em todas as escolas brasileiras. A prioridade da escola tradicional era trabalhar, valorizando o desenvolvimento do conhecimento deter-


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quais eram feitos exercícios de fixação, como leituras orais e silenciosas, além de muitas cópias de lição, de casa e de aula. Repetições quilométricas de lições eram adotadas como forma de levar o aluno à identificação da grafia das palavras mais complexas. Era uma técnica de estudo que levava o aluno a gravar o modo correto de escrever. O alfabeto era cantado por professores e repetido pelos alunos como forma de decorar o conteúdo tão necessário para o processo de alfabetização. Era também bastante comum o aluno cantar a lição que vinha decorada de casa. Muitas vezes embora ele soubesse declamar todo o texto, de cor e salteado, nem sempre era possível identificar cada palavra, pois eles não as reconheciam no texto. A avaliação valorizava os aspectos cognitivos, supervalorizando a memória e a capacidade de restituir o que foi assimilado. Os testes assumiam um papel central entre os instrumentos de avaliação, chegando a determinar o comportamento do aluno, sempre preocupado em estudar o que seria avaliado, sem consciência da importância de aprender. O sistema disciplinar era paternalista, imperioso e dogmático. O caráter normativo das escolas e o rigor das penalidades favoreciam a submissão do aluno, para quem a subordinação era a virtude primeira. A manutenção da disciplina e da ordem era garantida freqüentemente por meio de castigo corporal, técnica pela qual se mantinha a ordem pela intimidação, o que era considerado normal. Os pro-

fessores tinham inclusive o poder da palmatória nas mãos. Além da palmatória, era comum o uso de grãos de milho para o aluno ajoelhar-se, entre outras criativas punições. Criticar o intelectualismo da escola antiga não significa descuidar da transmissão de conteúdos; negar o enciclopedismo não implica desprezar a aquisição de informação dosada e necessária; recusar o autoritarismo do mestre não é deixar de reconhecer a importância de sua autoridade e assimetria com relação ao aluno; acusá-la de passadista e de estar a reboque dos acontecimentos não significa abandonar o estudo dos clássicos e toda a herança cultural. Com isso não se pretende retornar à escola tradicional, mas sim avaliá-la sem preconceitos, a fim de evitar uma abordagem superficial e falsa, incapaz de reconhecer o que ainda interessa conservar. Afinal, muitos dos valores da escola tradicional são valores iluministas que ainda não foram realizados na escola contemporânea. (Aranha, 2002, p.162) Estudar o primário, equivalente à fase inicial do atual Ensino Fundamental, era motivo de orgulho para quem tinha acesso e para a família, pretexto para fazer belas festas de formatura, em que as mulheres usavam os seus melhores vestidos e os homens também se preocupavam com a exposição mais impecável da sua aparência. Tudo isso para comemorar a ocasião tão distinta e que os habilitava (entre outras

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tarefas) a ensinar formalmente em escolas, com o direito de embolsar um mísero salário, mas com todo o respeito e a credibilidade social. Conforme o dito popular: Em terra de cego quem tem um olho é rei. Àquela época, ser aprovado no exame de admissão era empreitada que desafiava professores e alunos. Comparável talvez à responsabilidade de passar no vestibular na atualidade. As escolas que mais aprovavam eram reconhecidas pela comunidade e a procura por vagas tornava-se tão grande que, em alguns casos, era preciso solicitar o apadrinhamento, os favores especiais de amigos para conseguir o direito a matricula nestas escolas. Educação contínua e de qualidade era, como ainda é, privilégio de poucos. A classe social menos favorecida acostumou-se à política do assistencialismo e do apadrinhamento imediatista e bastante discriminatório que tinha e tem como intuito esconder as deficiências da sociedade. Vestibular, nível superior... Era sonho de muitos, mas, de realização para poucos.

3 O educador contemporâneo O educador é o profissional responsável por atender às exigências impostas pela necessidade social de aperfeiçoar cidadãos conscientes e aptos, prontos a enfrentar os obstáculos do seu cotidiano. É o profissional que desenvolve o currículo escolar, responsável por conduzir saberes científicos, conteúdos


der à totalidade dos alunos. A inclusão constitui um enfoque inovador para identificar e abordar as dificuldades educacionais que emergem durante o processo ensinoaprendizagem. O princípio da inclusão orienta as ações dirigidas à superação das práticas de ensino tradicionais, que consideram as limitações dos aluno(a)s para explicar as dificuldades de aprendizagem como resultado da influência do contexto que cria barreiras ao sucesso escolar. (Brasil, 2005, p.63) Com o novo educador, o fazer pedagógico torna-se mais sensível e aprimorado, reforçando uma postura mais humana em seu desempenho, em paralelo ao desempenho profissional, dotado de um conjunto de capacidades que incluem habilidades e competências, que o torne capaz de realizar um trabalho mais cooperativo, integrador atualizado e responsável, com mobilidade e interação, preparado para criar condições novas, transpirando afetividade e paciência pedagógica. No convívio escolar, educandos e educadores estão sempre aprendendo a aprender, a fazer, a ter, a conviver, a empreender e a transformar-se em um indivíduo mais informado e autônomo e a desenvolver também a concepção, execução e avaliação do trabalho pedagógico num contexto participativo no âmbito da escola, dos sistemas de ensino ou outros espaços organizacionais, educacionais e culturais, com diferentes sujeitos sociais.

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O que a sociedade precisa é de profissionais intelectualmente preparados, capazes de atuar de forma competente. Esse preparo será encontrado no conhecimento científico, mas, é através da pratica que ele vai exercitar o seu espírito docente e humano quanto aos problemas e às dificuldades encontradas, fortalecendose como educadores, traçando um paralelo entre o conhecer e o saber, o praticável que produza prazer e qualidade educativa. Para Morin (2002, p.108), A democracia supõe e nutre a diversidade dos interesses, assim como a diversidade das idéias. O respeito à diversidade significa que a democracia não pode ser identificada com a ditadura da maioria sobre as minorias; deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à existência e à expressão, e deve permitir a expressão das idéias heréticas e desviantes. Do mesmo modo que é preciso proteger a diversidade das espécies para salvaguardar a biosfera, é preciso proteger a diversidade de idéias e opiniões, bem como a diversidade de fontes de informação e de meios de informação (impressa, mídia), para salvaguardar a vida democrática. É preciso conduzir a aprendizagem dos alunos numa relação de respeito, reforçando uma postura humana integrada à postura do educador, com a responsabilidade de avaliar as peculiaridades de cada aluno. Esses mesmos alunos estão nos olhando, ansiosos pelas

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formais, com base nos conhecimentos prévios destes alunos, além de receber dos educandos novas informações que vão modificando e enriquecendo gradativamente a sua visão de sociedade, civilização e de mundo. Hoje, por um lado, a família censura a escola, e, por outro, contraditoriamente, transfere volumosa parte do que seria sua empreitada educativa em relação à educação informal para “os ombros” da escola e de seus professores. Para mudar essa realidade é dever do educador “envolver”, conquistar a família, buscando a sua participação no processo educacional, contribuindo para a aprendizagem do aluno. Sabe-se que o novo paradigma educacional, com sua evolução, leva a sociedade a exigências qualitativas que são visíveis e prioritárias, requerendo um novo tipo de sujeito que assume o papel de ensinante e ao mesmo tempo de aprendente. O novo sujeito educativo é o educador que é capaz de entender a heterogeneidade da turma, adequando-se e integrando-se a ela, tendo domínio do conteúdo, que o torne capaz de promover o intercâmbio entre os alunos e o conhecimento, consequentemente estabelecendo uma relação harmoniosa, em atendimento às exigências do princípio da inclusão. A educação inclusiva não constitui uma nova expressão para designar a integração dos alunos com necessidades educacionais especiais. O conceito de inclusão é mais amplo que o de integração porque enfatiza o papel da escola comum na tarefa de aten-

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descobertas, pelas novidades, pelo desejo de “aprender a aprender”. Ser da geração tecnológica é ter um diferencial veloz, qualitativo e quantitativo do conhecimento. Quantos de nós educadores estamos mais defasados no conteúdo do que aquele aluno que tem tempo disponível e é capaz de lidar com a mais nova tecnologia da informação e da comunicação? Conforme Masetto (2003, p.82), [...] A oportunidade de alunos e professores, pessoalmente e por interesse e motivação própria, poderem entrar em contato imediato com as mais novas e recentes informações, pesquisas e produções científicas do mundo todo, em todas as áreas; a oportunidade de desenvolver a auto-aprendizagem e a interaprendizagem pelos microcomputadores das bibliotecas, das residências, dos escritórios, dos locais de trabalho faz com que tais recursos sejam incorporados ao processo de aprendizagem, uma nova forma de se contactar com a realidade ou fazer simulações facilitadoras de aprendizagem. O professor competente deve estar pronto para inovar, desenvolver um processo de reflexão na prática educativa e sobre esta prática. É preciso trabalhar com uma aspiração interior, buscando sempre a qualidade da educação. Fazer auto-avaliações constantes, usando o olhar crítico de quem possui a capacidade de saber o

que faz e o que deve ser feito, com a tranqüilidade de perceber onde errou e onde acertou a cada final de um dia letivo. Conforme Masetto (2003, p.30), a escola precisa de, Um professor que forme com os seus alunos um grupo de trabalho com objetivos comuns, que incentive a aprendizagem de uns com os outros, que estimule o trabalho em equipe, a busca de solução para proble-

Educação contínua e de qualidade era, como ainda é, privilégio de poucos.

mas em parcerias, que acredite na capacidade de seus alunos aprenderem com seus colegas, o que muitas vezes é mais fácil do que aprender com o próprio professor. Um docente que seja um motivador para o aluno realizar as pesquisas e os relatórios, que crie condições contínuas de feedback entre aluno-professor e aluno-aluno.

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[...] É fundamental que nossos professores entendam, discutam e busquem uma forma de realizar na prática esse tipo de relação. Encarar os desafios atuais da carreira é ser capaz de desenvolver o espírito, a postura e a competência de Educador. O educador de hoje deve lembrar-se de que já foi ou ainda é aluno. A relação com os educandos deve ser de colaboração, reciprocidade e permeada por uma interação harmônica num trabalho pedagógico mais dinâmico. Todo curso de formação do educador deve promover uma formação ampla e consistente sobre a educação e sobre os princípios políticos e éticos pertinentes à profissão docente, desenvolvendo habilidades para gerenciar conhecimentos. É preciso estender à comunidade os benefícios do compromisso científico em favor do ensino e da pesquisa, numa visão projetiva, reflexiva e prática da atuação do profissional. A instituição de ensino formadora de profissionais da educação precisa ter clareza das exigências do mercado de trabalho, tanto para si, quanto para os seus educandos. Assim, objetiva-se uma formação que combine e equilibre o desenvolvimento técnico e humanístico, e que promova a visão integral do ser humano, com autonomia do sujeito e respeito à diversidade, levando-o à liberdade de expressão e ao pluralismo de idéias. A importância da aprendizagem através da pesquisa é fun-


e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho. Parágrafo único – a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções do magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino. Este artigo de Lei comprovara com clareza que todo educador tem obrigação de conhecer as leis que regem o ensino brasileiro e trabalhar buscando discernir perspectivas de mudança na realidade social, política e educacional na conjuntura educativa brasileira, se revelando com o olhar investigativo, para poder interagir e avaliar com coerência, prudência e capacidade o modelo educacional adotado no Brasil. Foi a partir da LDBEN de 1996 que surgiram novos e renovados estatutos, planos e mais planos de carreira nos municípios brasileiros. Nos planos de carreira, conforme o artigo citado, deve constar for-

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mas de valorização do magistério. Os planos não são iguais, pois devem apresentar-se, conforme a realidade, as possibilidades de cada município, alguns são mais abastados financeiramente, outros mais pobres. Exige-se a seriedade na seleção de recursos humanos, pois para atuar no serviço público é necessário o empenho na seleção de candidatos em concursos que, além das provas escritas, deve valorizar e buscar o diferencial qualitativo no currículo de cada concorrente. O novo modelo de ensinoaprendizagem propõe que o docente abandone o papel de transmissor de conteúdos para se transformar num pesquisador; Teoria e prática não são dissociáveis, pois o relacionamento adequado com a prática ocorre por meio de pressupostos teóricos. Isso não significa que somente a experiência ou a instrução universitária poderão valer por si sós. O docente necessita do conhecimento teórico para saber como lidar com as adversidades nos limites da comunidade escolar, da própria escola e da sala de aula, além de definir métodos e técnicas de ensino mais apropriadas a cada turma. Esse conhecimento será o sustentáculo do fazer pedagógico.

4 Conclusão A educação de qualidade deve ser a meta primordial de qualquer governante. Sendo assim, o ideal é que seja ofere-

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damental na prática de um ensino construtivista. Através dela é possível manejar e reconduzir conhecimentos, em atendimento às expectativas do mundo moderno, visando uma perspectiva de um futuro de transformações. Possibilitar a abstração na reflexão pode produzir independência de pensamentos e de ações, analisando fatos, a partir dos princípios de autonomia e da preservação cultural e artística em benefício da comunidade. A educação é o centro gerador de desenvolvimento de qualquer nação, de qualquer país, mas o ensino deve ser dinâmico e criativo. Em decorrência disso, a educação escolar pode contribuir grandemente para a formação de pessoas com senso crítico da realidade. Cabe à Universidade estimular a criatividade científica, formar profissionais, agregar conhecimentos para responder aos problemas do mundo, dando conta do universal e do particular, articulando o conhecimento: pesquisa, ensino e extensão e, por fim, prestar serviços especializados à comunidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, de dezembro de 1996, tem um título específico para educadores: Dos profissionais da educação. São sete artigos: do artigo 61 até o artigo 67. Destaca-se o artigo que aborda sobre a valorização dos profissionais da educação brasileira: Art.67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos

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cida uma escolaridade ampla e obrigatória para todos, sem distinção de classe social. O governo tem a responsabilidade de conduzir as decisões, a forma como a política educacional será determinada. A qualidade do ensino relaciona-se estreitamente à formação, à autonomia pedagógica do educador, às condições de trabalho e à remuneração dos docentes, elementos esses indispensáveis à profissionalização do magistério. Faz-se necessário uma escola qualificada que possa atender tanto às expectativas dos alunos quanto às dos educandos. Portanto, buscam-se valores e re-significações na organização do trabalho pedagógico, na perspectiva de uma cultura da transformação. Institucionalmente, a operacionalização da educação deve estar inteiramente permeada dos fundamentos de valores filosóficos e morais. Liderança, habilidade para trabalhar em equipe, facilidade de comunicação oral, escrita e tecnológica, gosto pelo ensino, são características que auxiliam a boa atuação deste profissional. O educador não deve ficar “preso” às quatro paredes da sala de aula. A dinâmica do trabalho exige que se estimulem os alunos a querer um ensino mais baseado em projetos que encaminhem o processo educativo à interdisciplinaridade, à multidisciplinaridade e à transdisciplinaridade. Desenvolver o gosto pela leitura e pela pesquisa é outro caminho a ser seguido nas Instituições escolares brasileiras

em todos os níveis de ensino. É necessário que os estudantes participem de aulas mais pedagógicas, divertidas, prazerosas, com métodos e técnicas diversificados, que eles tenham aulas expositivas, participem de seminários, trabalhem em grupos e individualmente... Que os alunos estudem em um ambiente com diferentes situações de aprendizagens, usando e abusando de uma metodologia mais atualizada, através da busca de um saber mais lúdico, dinâmico e atualizado, com novas disposições das carteiras e com a participação em jogos, gincanas, feiras de ciências, desafios, resoluções práticas de questões, e brincadeiras coerentes e educativas. É através do resgate de princípios éticos e motivadores que se espera preparar o profissional da educação, superando as diferenças sociais, contribuindo com ações para se efetivarem políticas inclusivas. Dominar a linguagem tecnológica, os recursos computacionais, pri-

orizar temas mais realísticos no contexto social, político, cultural e educacional, reescrever e reconstruir continuamente paradigmas e teorias que orientem sua atitude de mediador da aprendizagem são os desafios para o educador. Na condição de princípio cientiífico, a busca constante da ação-reflexão-ação apresenta-se como instrumentação teórico-metodológica para construir o processo de mudança que favorecerá a educação de qualidade. O sistema de ensino público e privado é o que torna a sociedade capaz de promover mudanças para um melhor resultado em conjunto. A escola, por sua vez, tem o poder, ao lado da família, de formar cidadãos. Urge que haja uma cobrança maior no que diz respeito à educação brasileira, pois são poucas as medidas inovadoras adotadas, e o sistema educacional de qualidade para todos está estagnado. Toda a sociedade deve se unir em prol da melhoria da nossa educação.

Referências Bibliográficas ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. S ã o Paulo, Moderna, 1996. 254p. B R A S I L . Educar na Diversidade. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial. Brasília, 2005. 266p. _ _ _ _ _ _ _ . Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. MEC. Brasília, 1996. FERNANDES, Francisco et al. Dicionário Brasileiro Globo. S ã o Paulo: Globo, 1998. 678p.

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Rita de Cássia Dias Leal é Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Professora do Curso de Pedago-

ABSTRACT The implant’s aspect of the Augusto Maynard’s Kindergarten are approached in this work, giving relevance to the historical elements that become part of the formation of the referred public institution of the kindergarten education, making possible a glance on its importance for the society and the kindergarten in this state of 1930. To make this research come true, the piece of information were obtained through the articles printed in this state, reports about the instruction in the State and other documents. The analysis of the kindergarten implant, as first public kindergarten institution in Sergipe, make possible the observation of transformations and attitudes that innovated the kindergarten education of the State, backed in theories and effective educational practices to the time. Keywords: History of the Education; School institution; Kindergarten.

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gia da Faculdade São Luís de França. E-mail: ritaleall@ig. com.br

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Os aspectos de implantação do Jardim de Infância Augusto Maynard são abordados neste trabalho, dando relevância aos elementos históricos que integram a implementação da referida instituição pública de ensino pré-escolar, possibilitando um olhar sobre a sua importância para a sociedade e a infância sergipana de 1930. Para a realização desta pesquisa, os dados constatados foram obtidos através de artigos em impressos sergipanos, relatórios sobre a instrução no Estado e outros documentos. A análise da implantação do Jardim de Infância, como primeira instituição pública de educação infantil em Sergipe, possibilita a constatação de transformações e atitudes que inovaram a educação pré-escolar do Estado, respaldada em teorias e práticas educativas vigentes à época. Palavras-chave: História da Educação; Instituição Escolar; Jardim de Infância.

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RESUMO


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1 Introdução

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O ideal de educação para a criança emergiu no Estado a partir de discussões acerca dos princípios da pedagogia escolanovista que vinham norteando a implantação de instituições educativas e a ampliação do atendimento infantil, sobretudo nos Estados mais desenvolvidos do país. Os estudos realizados em outros países, como nos Estados Unidos, acerca dos novos métodos ativos foram difundidos no contexto educacional brasileiro por intermédio de Anísio Teixeira, Lourenço Filho e os membros integrantes do Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, nas primeiras décadas do século XX. A renovação dos métodos de ensino, a preocupação com a estrutura e a organização das instituições educativas, como também a formação de professores representavam os principais motivos para as novas iniciativas diante da educação nacional. Para atingir as expectativas nas inovações da educação brasileira, era preciso a adequação e melhoria das práticas e das políticas educacionais do país. Os ideais difundidos no país, neste período, influenciaram a educação e a organização das instituições, criadas ou reformadas para o atendimento da infância. Os novos procedimentos pedagógicos foram incorporados nas escolas e pré-escolas dos Estados brasileiros. O estudo volta-se às iniciativas de educação para a criança sergipana, analisando aspectos de implantação do primeiro Jardim

de Infância do Estado, tido como pioneiro no atendimento educativo à infância e como instituição que inovou os métodos e as práticas pré-escolares em Sergipe, a partir de estudos pedagógicos realizados em São Paulo, por membros da equipe diretiva desta instituição. O Jardim de Infância Augusto Maynard1 surgiu dentro do projeto da Casa da Criança de Sergipe, a qual foi construída com a perspectiva de atendimento integral à criança de até 6 anos de idade. A Casa da Criança, além de envolver o Jardim de Infância, incluía uma Inspetoria de Higiene Infantil e Assistência Escolar, reflexo do ideário higienista da época.

2 Implantação do Jardim de Infância A regulamentação do ensino em Sergipe, a partir da década de 1930, evidenciou a ação da Diretoria Geral da Instrução Pública, sob a direção do Dr. Helvécio de Andrade. Em Relatório Anual de 1931, apresentado ao então Interventor Federal Augusto Maynard Gomes, o diretor expõe as atividades realizadas em um ano de atuação (1930-1931) na educação pública do Estado. Dentre os relatos do Dr. Helvécio de Andrade, enfatizou-se a

medida de organização do ensino pré-primário, dividindo-o em Jardins de Infância e Escolas Maternais, e foram declinadas observações relevantes à criação dessas instituições, objetivando o êxito da escola pública primária. Em 1931, encontrava-se em andamento a construção da Casa da Criança de Sergipe, instituição constituída por um Jardim de Infância e uma Inspetoria de Higiene Infantil. Utilizando-se desta oportunidade de relatar o desenvolvimento da educação sergipana, Helvécio de Andrade exaltou a iniciativa da criação de tal instituição: Certo, o início do ensino preescolar, no proximo ano, com a inauguração do jardim de infância, á cuja organisação tem V. Exa. dedicado todos os seus esforços, trará para o ensino publico sergipano uma fase de aperfeiçoamento digna de todos os aplausos. Na primeira idade, que vai até os cinco anos, os movimentos infantis são incoordenados, despersivos. Disciplinar esses movimentos, dar-lhes uma significação, transforma-los em habitos salutares de conduta, de higiene, de observação, é lançar as bases de uma educação completa 2 . (Ipsis litteris)

1 No período de implantação e consolidação, o Jardim de Infância, da Casa da Criança de Sergipe, não recebia a denominação de Jardim de Infância Augusto Maynard; só a partir da lei n. 1.205 de 18 de outubro de 1963 é que foi denominado “Jardim de Infância Augusto Maynard”. Cf. Diário Oficial. Ano XLIV, n. 14824, 24 de outubro de 1963. Ver também: Cinqüentenário do Jardim de Infância Augusto Maynard - 1932-1982, Governo do Estado de Sergipe, p. 5. Neste trabalho será usada a denominação Jardim de Infância. 2 ANDRADE, Helvécio de. Relatório Anual, 1931, p.2.

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Com esta iniciativa, o Estado teve repercussão nacional, na medida em que favoreceu a ampliação do atendimento à criança sergipana, na tentativa de superar as necessidades educacionais, morais e de saúde, através dos ideais vigentes no país, na época da implantação da Casa da Criança. Nos jardins de infância, assim como nas demais instituições escolares, estavam contidas a diversificação pedagógica, a exigência de um novo perfil profissional do professor e a adoção de novos métodos para o desenvolvimento pedagógico, como também a implantação de uma nova arquitetura nos prédios, que influenciava as transformações das práticas escolares. As inovações estruturais e arquitetônicas estiveram presentes na expansão das instituições de jardim de infância no Brasil, na década de 1930. Os Estados brasileiros incorporaram os ideais de educação para a infância e investiram em estabelecimentos de amparo e educação à criança em idade pré-escolar. Os jardins de infância traziam em seu complexo institucional o papel de “moralização da cultura infantil, de educar para o controle da vida social” (Kuhlmann, 2000: 474). Isto está implícito na concepção de Menezes Vieira3, que acreditava ser a instituição um elemento para a regeneração e o controle da má influência social exercida sobre a criança. As iniciativas, tanto públicas, a exemplo do Jardim da Escola

Normal de São Paulo, quanto particulares, como no Rio de Janeiro o Jardim de Infância anexo ao Colégio Menezes Vieira, expõem as diretrizes estruturais da origem dos jardins. Teoricamente fundamentado no pensamento de Friedrich Wilhem August Froebel (...) o Jardim de Infância é organizado segundo as diretrizes desse pedagogo alemão: jogos, cantos, danças, marchas, narrações de contos e pinturas com a finalidade de propiciar a educação dos sentidos das crianças. No dia-adia escolar, as jovens e belas jardineiras – professoras do Jardim de Infância – conduzem a sua atividade didática... (Freitas, 2001: 120-121) Em 1931, o interventor Federal Augusto Maynard encarregou o secretário da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado, professor José Augusto da Rocha Lima, de visitar as instituições escolares de São Paulo e lá estudar os novos métodos e processos pedagógicos aplicados, para serem adotados na instrução de Sergipe. Rocha Lima, em seus relatos 4, enfatizou observações a respeito dos ideais de Froebel sobre os dons para o jardim de infância, e ainda identificou algumas considerações relevantes ao trabalho educativo com crianças, salientando o método utilizado na Escola Ativa e os ideais da Escola Nova: a escola para a

3 No Colégio Menezes Vieira no Rio de Janeiro, foi fundado o primeiro jardim de infância do Brasil. In: MONARCHA, Carlos. Educação da infância brasileira (1875-1983), 2001, p. 15. 4 RELATÓRIO apresentado pelo professor José Augusto da Rocha Lima, comissionado pelo Interventor Augusto Maynard para estudar os novos métodos da Instrução de São Paulo. Diretoria Geral da Instrução Pública, Aracaju, 1931. 5 ANDRADE, Helvécio de. Relatório Anual, 1931, p. 3.

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criança, não mais a criança torturada em torno de um programa abstrato; a nova educação como um apelo à espontaneidade criadora da criança, com a aplicação dos novos métodos. Citou a colaboração dos estudos sobre as teorias de Dewey, Rousseau, Pestalozzi e Froebel, e fez referência à organização física, estrutural, que favorecia condições para uma prática pedagógica condizente com os ideais da época. Associadas aos princípios da educação pré-escolar em São Paulo, emergiram em Sergipe as idéias que marcaram a implantação da Casa da Criança com um Jardim de Infância, já em fase de construção no ano de 1931. Antes mesmo da instauração, o Dr. Helvécio de Andrade concretizou o que deveria ser priorizado no Jardim de Infância em Sergipe: A criança, afastada dos meios indesejaveis, em que consome os primeiros anos de existencia na observação dos objetos materiais; da vontade pelos habitos que adquire nos trabalhos, que executa, da saude pela higiene, que a cerca5. (Ipsis litteris) Foi no ano de 1932 que os ideais sergipanos, sob a diligência pública, concretizaram as propostas de educação pré-escolar com a criação da “Casa da Criança de Sergipe”, posteriormente denominada “Jardim de Infância Augusto Maynard”, homenagem ao então Interventor Federal Augusto Maynard Gomes, pelo empenho e atendimento aos anseios das professoras normalistas como Helena Abud

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e Miriam Santos Melo6, que reivindicaram a construção do referido Jardim. O estabelecimento reproduzia, na sua instalação, um modelo presente no Brasil no período de 1930, norteado por idéias dominantes e influenciado pelo movimento de eugenia, que pregava a regeneração da raça, discriminava os portadores de dificuldades ou doentes, ou ainda, os tidos como anormais e viciados, que se encontravam à margem da sociedade e da formação. O Jardim de Infância foi uma instituição criada para os fortes, sadios, bem constituídos, que pudessem ser preparados para o futuro. No Jardim de Infância deveriam ser atendidas, conforme Decreto 98, de 27 de fevereiro de 1932, crianças de 04 a 06 anos, não podendo se matricular quem tivesse princípios de leitura e de cálculo, que fosse portador de defeito físico, moléstias contagiosas e predisposições mórbidas de caráter degenerativo. Estes requisitos asseguravam a freqüência de uma clientela selecionada. A criação do Jardim de Infância em Aracaju era uma novidade inspirada nas novas vertentes da pedagogia brasileira. Uma instituição de atendimento préescolar vinculada a uma Inspetoria de Higiene Infantil, contemplando as iniciativas presentes nos estabelecimentos escolares de atendimento a crianças, diante da ampliação das discussões sobre a proteção à infância e acerca da saúde e organização higiênica da sociedade. O Decreto 98 oficializou a criação do Jardim e em 17 de março de 1932, a instituição ini-

A criação do Jardim de Infância em Aracaju era uma novidade inspirada nas novas vertentes da pedagogia brasileira.

ciou suas atividades com uma solenidade de inauguração. Nesta ocasião, a instituição recebeu personalidades do Estado e do país que se mostraram “encantadas” com o refinamento e as inovações arquitetônicas das instalações desta instituição. O primeiro depoimento sobre a construção do Jardim de Infância em Sergipe foi deixado pelo major Juarez Távora, um dos líderes da Revolução de 30. Levo dessa visita uma impressão confortadora para a minha alma de brasileiro. E para bem externá-la, eu não

encontro outras palavras senão estas que proferi no momento da inauguração deste instituto de ensino: congratulo-me com o povo de Sergipe pelo magnífico presente que lhe acaba de fazer o governo revolucionário e felicito esse governo sintetizado na pessoa do Interventor Maynard Gomes, por ter tido a fortuna de dar ao seu povo um tão proveitoso instrumento de aperfeiçoamento intelectual 7 . As instituições escolares criadas no Brasil nos anos de 1930 desempenharam uma relevante função no tocante à instrução. Ilustraram e despertaram o gosto artístico e a organização na sociedade brasileira. A inauguração do Jardim de Infância foi um acontecimento público expressivo, que mostrou a iniciativa militar e cívica, voltada à preparação da futura nacionalidade, através da educação infantil. A Casa da Criança, criada pelo nosso digno Interventor Federal major Augusto Mainár Gomes, é uma instituição que pela sua utilidade considero uma das mais valiosas e importantes de Sergipe 8. (Ipsis litteris) A equipe designada para trabalhar no estabelecimento era composta por uma diretora, uma secretária datilógrafa, quatro professoras de classe, sendo uma de curso primário, uma

6 Helena Lorenzo Fernandez (Helena Abud) – autora do livro “caminhos por onde andei”, foi aluna da Escola Normal de Aracaju e professora de classe do Jardim. 7 BARRETO, Luiz Antonio. A casa da criança. Gazeta de Sergipe, 2001, p. 2. 8 MENEZES, Alfeu. A cidade de Aracaju. Correio de Aracaju, 1934, p. 2.

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Jardim de Infância de Sergipe: aspectos de implantação

de jogos infantis, declamação e representações, e uma pianista, além do pessoal de apoio. Recomendava-se que a Diretora fosse catedrática (professora efetiva) da Escola Normal. A professora Penélope Magalhães dos Santos foi a primeira diretora do Jardim de Infância, ainda no período de criação. Foi designada para o cargo pelo Interventor Augusto Maynard, o qual incumbiu a professora de ir a São Paulo verificar a legislação e os currículos, dentro dos padrões vigentes, nos quais se enquadraria o projeto do Jardim 9. Ressalta-se que o processo de formação da professora Penélope justifica a sua atuação no quadro da educação sergipana e a incumbência de primeira diretora do Jardim. Penélope Magalhães dos Santos era laranjeirense e estudou na Escola Americana de Laranjeiras, instituição protestante educacional, onde freqüentava aulas de música e aprendeu a tocar piano. Durante doze anos, estudou nos Estados Unidos fazendo os cursos pedagógico e de teologia. Lá, começou a ensinar e adquirir sua experiência profissional. Ao retornar a Sergipe, foi nomeada, em 1931, catedrática de Inglês da Escola Normal de Aracaju, e ensinou em colégios particulares. A experiência adquirida pela professora, em seu percurso de formação e atuação, fez-se evidente e importante para a implementação e consolidação do Jardim de Infância. Penélope, como outros profissionais sergipanos, pôde dispor de oportunidades e experiências fora do Estado, que favoreceram

uma significativa atuação e melhoria em um campo da sociedade, a educação. O professor Luiz Antonio Barreto, em artigos publicados no ano de 2001, afirmou que a implantação do Jardim de Infância de Sergipe seguiu a difusão da educação renovada, utilizando os métodos pedagógicos vigentes. A instituição de atendimento à infância sergipana significou o início de uma nova modalidade escolar no Estado. Mediante a análise de depoimentos em publicações encontradas em impressos da capital sergipana, evidencia-se a importância do Jardim para essa sociedade. Amália Soares de Andrade, na Revista Renovação, ressaltou a importância da construção do Jardim e sua contribuição na formação da juventude da sociedade. É, pois, de grandiosa utilidade a creação desse novo estabelecimento de ensino, para a qual não faltarão de certo pessôas que auxiliem. Dele sairão mais tarde espiritos fortes e bem intencionados, capazes de acceitar sem esforço o novo methodo de instrucção, ou melhor, os primeiros conhecimentos da escola 10. (Ipsis litteris) A Diretoria Geral da Instrução Pública, na pessoa de Helvécio de Andrade, apresentou ao interventor Augusto Maynard Gomes o Relatório Anual de 1932, e nele ressaltou os pri-

meiros meses de atuação do Jardim de Infância, salientando as dificuldades e as considerações acerca desta instituição. Em uma página do relatório o Diretor escreveu: Das notas fornecidas pela distinta diretora do Jardim consta á data da instalação em 14 de março do corrente ano, a matricula de 139 crianças, entre 5 e 7 anos de idade, 78 do sexo feminino e 61 do masculino. A diretora advoga com razão o desdobramento em 2 turnos de modo a estenderem-se a maior numero de alunos os beneficios do ensino pre-escolar. Jardins de Infancia e escolas maternais são os primeiros estagios do ensino publico bem organizado. Preparam alunos para as escolas primarias, como estas para as complementares e profissionais11. (Ipsis litteris) As mudanças ocorridas na Administração Pública do Estado, durante o período de 1932 a 1945, promoveram alterações no quadro docente e na direção do Jardim de Infância. Sua implantação e consolidação foram marcadas pela presença de professoras normalistas, que, na maioria das vezes, assumiam a direção do Jardim, a partir da experiência registrada na própria instituição. As diretoras que passaram pela administração do Jardim até o início da

9 NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Visões da modernidade: pedagogos sergipanos em São Paulo. Cinform, 2002, p.5. 10 ANDRADE, Amália Soares de. Um sonho em realisação. Revista Renovação, 1931, p. 1. 11 ANDRADE, Helvécio de. Relatório Anual, 1932, p. 27.

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década de 1940 foram: Penélope Magalhães dos Santos (19321935); Aurora Monteiro da Rocha (1935-1941); Marina Daltro Nabuco (1941-1943); e Núbia de Melo Porto (1943-1945). O Jardim de Infância Augusto Maynard é uma instituição que implementou a educação pré-escolar em Sergipe, como também contribuiu para a formação escolarizada da sociedade sergipana. Sobretudo por este motivo, foi objeto de análises e comentários expostos nos impressos, a partir dos anos de 1930.

3 Considerações

fortalecendo sua relevância através do desenvolvimento das atividades pedagógicas, do seu caráter educativo relacionado ao cuidado e à saúde da criança escolar. A presença da Inspetoria aliada ao Jardim, sustentou a idéia de uma educação integral, a qual se estendia às demais instituições de ensino como os grupos escolares12. Os métodos pedagógicos aplicados no Jardim representaram um ideal renovador e emergente à época. A preocupação com as formas de ensino na pré-escola mobilizou a implantação do estabelecimento, com base nas metodologias utilizadas nos jardins

de infância do país. Estas metodologias pautavam-se na filosofia educacional de Froebel, a qual impulsionou os passos da atuação pedagógica, fazendo da instituição mais um modelo das práticas voltadas à infância. As reformas de ensino, bem como a mudança no entendimento da educação e da infância, transformaram as propostas dos jardins. Em seu funcionamento, a adaptação às práticas pedagógicas e às condições locais vigentes evidencia a resistência do Jardim e a sua contribuição para o ingresso das crianças de Aracaju no processo de educação institucional.

finais Em sua primeira década de existência (1932 a 1942), o Jardim de Infância consolidou-se diante da realidade do Estado,

12

A Inspetoria de Higiene Infantil e Assistência Escolar funcionava na Casa da Criança, junto ao Jardim de Infância, mas tinha o atendimento voltado às crianças escolares, abrangendo todos os níveis de ensino até a idade da adolescência.

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Referências Referências Bibliográficas ANDRADE, Amália Soares. Um sonho em realização. Revista Renovação. Aracaju, ano I, n. 8, p.1, 15 abr. 1931. ANDRADE, Helvécio de. Relatório Anual. Diretoria Geral da Instrução Pública. Apresentado ao Governo Interventorial. Aracaju: Empreza Typographica d’O Luctador, 1931. _______. Relatório Anual. Diretoria Geral da Instrução Pública. Apresentado ao Interventor Federal Major Augusto Maynard Gomes. Aracaju, 1932. BARRETO, Luiz Antônio. A casa da criança. Gazeta de Sergipe, Tribuna GS. Aracaju, p. 2, 06 set. 2001. _______. Ainda a casa da criança. Gazeta de Sergipe, Tribuna GS. Aracaju, p. 2, 20 set. 2001.

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ços. Aracaju, n. 14, p. 2, 22 mar. 1934. MONARCHA, Carlos. (Org.). Educação da infância brasileira: 1875 – 1983. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. (Coleção Educação Contemporânea). NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Visões da modernidade: pedagogos sergipanos em São Paulo. Cinform, Cultura & Variedades. Aracaju, p. 5, 22 a 28 jul. 2002. TEIXEIRA, Clovis Mozart. Um atentado contra a estetica. Correio de Aracaju. Aracaju, n. 44, p. 1, 30 abr. 1934. VILAS-BÔAS, Ester Fraga. Origens da educação protestante em Sergipe (1884-1913). São Cristóvão: Programa de Mestrado em Educação/UFS, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação).


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89 Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes é Mestre em Administração pela Universidad de Extremadura/Espanha (2002).

ABSTRACT

Professora da Faculdade São Luís

Confronts is the role of the teacher in the current context with the Orthodox formality aspects very educational, and completion of daily class, subject to registration, evaluation, educational meetings, etc.. Educators are more resilient to traditional pedagogical and technological innovations applied to educational practice and sometimes, they do not establish clear rules on the role of each one: teacher and student. However, research indicates that the student has changed much over time. This has been important to encourage a more strategic thinking of the actions to be considered integral to the success or failure of the outcome of the teaching practices in courses. In this sense, the paper reflects on the role of the teacher and the profile of a professional increasingly pressed to meet the needs of students almost customized. It was established that the fine line, almost imperceptible, or distance that brought these two poles that co-exist in the common area of the school, is the challenge to be overcome in the XXI century. Keywords: Professor; Educational praxis; educational innovation; transformations.

de França. e-mail: cristiane@

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Confronta-se o papel do professor no contexto atual com aspectos muito ortodoxos da formalidade educacional, como preenchimento de diários de classe, registro de matéria, avaliação, reuniões pedagógicas, etc. Os educadores mais tradicionais são resilientes às inovações pedagógicas e tecnológicas aplicadas à práxis educativa e às vezes, acabam estabelecendo regras não muito claras sobre o papel de cada um: professor e aluno. Porém, pesquisas indicam que o aluno tem mudado muito no decorrer do tempo. Isto tem sido significativo para favorecer um pensar mais estratégico das ações a serem consideradas determinantes para o fracasso ou o sucesso do resultado das práticas pedagógicas em cursos. Neste sentido, o artigo buscou refletir sobre o papel do professor e o perfil de um profissional cada vez mais pressionado a atender às necessidades quase que customizadas dos alunos. Concluiu-se que estabelecer a tênue linha, quase imperceptível, que aproximará ou distanciará esses dois pólos que co-existem no espaço comum da escola, constitui o desafio a ser vencido no século XXI. Palavras-chaves: Professor; Práxis educativa; Inovação pedagógica; Transformações.

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RESUMO


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1 Introdução

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O professor tem sido alvo de constantes discussões pedagógicas sobre sua práxis em meio ao processo de ensino e aprendizagem no qual se insere. Muito tem se falado sobre suas habilidades e competências para bem realizar o trabalho pedagógico que dele se espera nesse mundo em processo de transformação constante. Com efeito, o seu verdadeiro papel no contexto educacional tem sido questionado, frente às mais diferentes vertentes teórico-pedagógicas (tradicionais, renovadoras, progressistas, construtivistas, etc.), tanto em nível de formação quanto em posicionamentos acerca da visão de mundo que expressa para seus alunos que, hoje, mais do que nunca têm diante de si um universo muito amplo de informações que se encontram disponíveis. Mas afinal, o que é “ser professor” num mundo em transformação? Segundo alguns dicionários, professor é um homem que professa ou ensina uma ciência, uma arte ou uma língua; mestre1. Ou ainda é o profissional que ministra aulas ou cursos em todos os níveis educacionais. Nos dois casos a definição é pobre e não alcança os níveis de complexidade que o exercício do magistério demanda e exige atualização constante desse profissional e atenção a muitos outros aspectos. Somente a escola, no cumprimento de sua função precípua – educar (embora hoje em dia muito se questione essa tarefa como uma função da escola) – põe em

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causa determinados conceitos – tais como: direito; dever; lei; homem; indivíduo; sujeito; cidadão; etc. – que são fundamentais à construção da cidadania, tanto conceitual como praticamente; queremos dizer, no seu exercício cotidiano do fazer educativo através de uma práxis determinada que afeta tanto professores como alunos (SILVA, 2008). Como conseqüência da vivência de um individualismo extremo, não se pode desconsiderar o fato de que as modernas sociedades globalizadas padecem de uma carência latente quanto à explicitação do papel do indivíduo na construção da cidadania. Apesar de a humanidade se encontrar em uma época de avanços científicos e tecnológicos sem precedentes, tais avanços não asseguram uma dignidade mínima do viver para a imensa maioria da população mundial (SINGER, 2004) ou seja, ao mesmo tempo em que alguns experimentam todos os benefícios materiais de suas economias liberais outros são destituídos (marginalizados) destes mesmos benefícios. Neste contexto, quando um aluno diagnostifica que determinado professor não tem didática, por exemplo, transpõe o saber fazer daquele para um segundo plano, priorizando e prevalecendo o saber ser. O que significa isso? Que o aluno percebe que aquele professor, independente ou não de saber o conteúdo, não tem as competências necessárias para ensinar. Por isso, deve-se dizer, que o professor, estando em sala de aula, é investido da sua máxima função de

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Dicionário Michaelis e Dicionário Aurélio.

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ser professor. Ou seja, a formação docente neste caso específico se sobrepõe claramente à formação profissional (sobretudo para aqueles professores que não são da área das licenciaturas e da pedagogia), pois um competente executivo na empresa, na sala de aula pode ser um fracasso. Por outro lado, também não podemos presumir que o profissional que tenha a formação docente será competente em sala, se desprovido do conhecimento profissional que lhe é afeto. Neste contexto é importante ter presente que, O cotidiano da sala de aula é sempre instável e exige do professor a reinterpretação de cada situação problemática em decorrência do confronto desta com outra experiência já vivida, a qual nunca se repete. As condições de ensino mudam dia a dia e não existe a segurança do que “dá certo”. Nesse sentido o professor necessita ser um pesquisador que questiona o seu pensamento e a sua prática, age reflexivamente no ambiente dinâmico, toma decisões e cria respostas mais adequadas porque construídas na própria situação concreta. (GRILLO, 2001, p.137) Claro está que, muito mais do que defini-lo, é importante tentar compreender que a profissão de professor em muitos casos é atribuída como uma mera função, devido ao fato de o sujeito que a exerce ter outras atribuições, e a sala de aula ser apenas mais uma delas.


Com efeito, em cursos que exigem do professor uma vivência de mercado profissional, notadamente em cursos superiores, ele deverá trazer para a sala de aula elementos necessários ao entendimento e à compreensão do tema por parte do aluno, objetivando que o mesmo entenda o porquê daquilo que se está estudando, fundado uma base pedagógica coesa. Em muitos casos, quando esse procedimento não é levado a sério, provoca-se uma lacuna que se configurará como um fosso, podendo ser um abismo para ambas as partes envolvidas: professor e aluno. Isso pode, ainda, conduzir ao fracasso do processo de ensino-aprendizagem que se realiza.

1 O Contexto da formação e da ação do professor Não cabe dúvida que no contexto atual o professor se percebe diante de muitos entraves, verdadeiras dicotomias, quiçá questionamentos imprescindíveis sobre como deverá agir em um momento determinado: com autoridade ou com diálogo; usando da razão ou da emoção; da palavra ou da imagem; da exposição ou da explanação. Tudo isso perpassa pela condição do ser professor. Diante das dificuldades naturais a todo processo de ensinoaprendizagem, torna-se fundamental que o professor saiba ouvir, pois muito ouvirá, dos anseios, das dúvidas, das dificuldades, das inseguranças dos seus alu-

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nos. Assim, convém ser o professor um entusiasta, provocar o que de melhor o aluno pode dar, liderar a sala liderando pessoas, todas essas nuances solidificam o professor engajado com o mundo atual, que realiza reflexão macro para possibilitar a compreensão do micro. Todas essas observações devem estar satisfeitas antes de situar a questão seguinte: a definição do professor a partir da sala de aula. Neste sentido, preliminarmente, é necessário considerar que, Ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 23). Como podemos perceber a partir dessa fala de Freire, deve existir uma natural co-participação entre professor e aluno, de modo a que o processo de ensino e aprendizagem possa ser harmônico e apresente resultados concretos. Dialeticamente considerando a questão, podemos afirmar que a essência do professor é seu exercício na sala de aula, que é o ensinar que possivelmente será absorvido através do aprender. Aqui cabe indagar: como mensurar se houve aprendizagem através do ensinar? Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, histo-

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ricamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível - depois, preciso - trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender. Não temo dizer que inexiste validade do ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que não foi apreendido não pode realmente aprendido pelo aprendiz (FREIRE, 2005, p. 37). Logo, esse ser, passa a estar imbuído de funções até então não atribuídas a ele. Ele é o profissional que pensa global e age local. Claro está que estas atribuições só podem ser levadas a cabo, a contento, se o professor for alguém continuamente a pesquisar. Parafraseando Paulo Freire (1996) pode-se dizer que o professor que realmente ensina, quer dizer, que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar certo, nega, como falsa, a fórmula farisaica do “faça o que mando e não o que eu faço”.

2 O Professor como exemplo O mundo contemporâneo tem expressado um fenômeno segundo o qual, cada vez mais a postu-

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ra do professor será avaliada e re-significada pelo aluno, que buscará nele ações coerentes com a sua práxis educacional, profissional e pessoal. Neste contexto, o peso da qualificação do professor não é somente balizado no aspecto técnico, por assim dizer, mas aferido também pelo modo como a aprendizagem que se pretende é absorvida pelo aluno, incrementado pela postura do professor nas suas habilidades mais subjetivas. Ou seja, queremos crer que o modus operandi do professor, na sua ação pedagógica, estará norteando o resultado que se espera satisfatório dessa ação. O aluno, nesse contexto, exige cada vez mais coerência entre o que o professor exige e o que ele faz. Segundo Masseto “como poderia o docente motivar o aluno a se iniciar na pesquisa, se ele mesmo - professor – não pesquisar e não valorizar a pesquisa?” (2003, p. 24). Diante deste quadro, é possível perceber o grau de complexidade e mudança que as transformações, em todo o cenário mundial contemporâneo vem provocando na educação de um modo geral e na educação superior de modo particular. Isto tem afetado decisivamente o Brasil, que vem num processo crescente de demanda por melhoria da qualidade da educação demonstrada pelo foco na avaliação institucional, onde o MEC, através do SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, vem desenvolvendo ferramentas para uma avaliação cada vez mais justa entre as Instituições

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de Ensino Superior e Universidades de todo o País. Todavia, reconhecer que esse é um caminho interessante, necessário e fundamental, não significa dizer que é o correto. Seguramente o sistema possui falhas graves, pois desconsideram elementos que deveriam ser visto de forma particular passando a ser encarado de forma geral. Neste contexto, portanto, um primeiro aspecto a ser considerado diz respeito à

generalização dos processos avaliativos. Com efeito, generalizar uma avaliação é buscar o caminho mais fácil para fazê-la ou aplicá-la. Diante desse contexto, o professor precisou mudar porque o aluno também mudou. Apesar da apatia intelectual imposta à escola, o aluno ao chegar no ensino superior está mais questionador, mais sedento de aplicabilidade do que está aprendendo. Isto também reflete pelo

Fonte: MEC/INEP/DAES 2 2

Disponível em http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/ (acessado em 27-10-2008)

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Crescimento em número de instituições. Anos 2001 e 2006.

Fonte: MEC/INEP/DAES

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fato de haver pagamento nesta prestação de serviço, e o investimento que ele faz na sua própria educação recorre do fato de no futuro esse investimento lhe render resultados palpáveis. Isto é o que se espera. Por isso o professor tem sido cobrado, instigado, provocado a descer da sua postura soberana e, muitas vezes monárquica, para assumir uma função mais democrática na disseminação do seu conhecimento. Muito provavelmente o crescimento do ensino superior já no final da década de 90 do século passado, tenha provocado essa mudança. Com efeito, ao crescer, o ensino superior permitiu o acesso a ele de pessoas que viam a faculdade como algo distante, fora das suas condições intelectuais e financeiras de acesso. Essa democratização, por assim dizer, do Ensino Superior foi possível, em grande medida, devido à abertura de vagas e de condições facilitadoras e incrementadoras de acesso; dos financiamentos estudantis com o FIES e PROUNI, por meio dos quais o governo federal vem atender a demanda, até então reprimida. Portanto, a ampliação do mercado educacional superior, trouxe para as salas de aula, o aluno das classes menos favorecidas, que antes não podiam estudar. Claro está que o ensino privado, nesse contexto, cresceu a partir desse ponto de partida. Alunos que antes não tinham acesso por condições adversas e por condições financeiras, são incluídos. Vejam-se os quadros abaixo:

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Crescimento em número de matrículas. Anos 2001 e 2006.

Através dos dados apresentados há um crescimento de 879 instituições de 2001 a 2006 e um aumento de matrículas no ensino superior que possibilita a compreensão em se creditar esse avanço a uma fatia da população que antes não vislumbrava entrar em uma faculdade nem fazer curso superior. As políticas públicas também avançaram no crédito estudantil, possibilitando o ingresso das classes mais baixas aos bancos escolares.

3 O espaço do professor: suas mediações, relações e implicações Dessa forma, cabe observar que a ação do professor dá-se num espaço específico – a sala de aula – que o põe em relação com o aluno. Nesse relacionamento professor-aluno há uma identifi-

cação involuntária, pois o aluno com suas dificuldades de hoje, é semelhante ao professor com suas dificuldades de ontem. Esse elo, quando existe, estreita as relações, quebrando paradigmas antigos de distância entre estes dois sujeitos. Esse movimento, por sua vez, nos leva a compreender que possíveis semelhanças são pontos de aproximação, enquanto que a diferença intelectual possibilita a criação de barreiras de acesso do aluno ao professor. Estando o aluno mais na base do conhecimento, mais tímido e reservado tenderá a ser, para aproximar-se do professor, que o vê como sinônimo de sabedoria e superioridade. De passagem seja dito, essa é a máxima que a popularização do ensino superior tenta derrubar, pois os acessos estão postos e as salas estão cada vez mais homogêneas. Logo, o autoritarismo impetrado na função do professor de outrora, perde espaço cada vez mais para a negociação, a flexibi-

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lidade, o consenso, sem que se perca de vista a autoridade que o professor precisa manter para que os papéis estejam muito bem definidos. Isso, com efeito, evita possíveis conflitos em busca desse poder contraditório. Segundo Adorno (1995) a concretização de uma sociedade verdadeiramente democrática só se realizará quando esta for formada por sujeitos emancipados, capazes de atuarem na sociedade e possibilitando sua transformação. Se não, todo o poder, inclusive o do professor, passa a ser contraditório. Considerada segundo esta perspectiva, a educação seria a responsável por favorecer o desenvolvimento cada vez maior dessas pessoas emancipadas, implicando tal desenvolvimento uma mudança na ação do professor, pois este agora deve rever sua atuação para cumprir essa função. A educação assim vista, precisa provocar uma ruptura com sua raiz tradicional, que conduz a educação a uma formalização dura, rígida, que se expressa pelo sofrimento e dor. Essas considerações deságuam na formação docente estruturada que ainda permeiam com muita força os horizontes educacionais. Contudo devemos estar cientes também de que é uma tarefa muito árdua a mudança drástica de um paradigma cultural tão arraigado. Com efeito, estabelecer uma divisão da ideologia e do possível requer uma prática muito consciente e crítica, principalmente auto-crítica, algo que possivelmente seja um preço alto, que o professor não tenha interesse em pagar.


4 O Professor como Gestor Não obstante nessa concepção nova de profissional, voltada para a emancipação e conscientização desse aluno, até então com suas potencialidades adormecidas, escondidas, podadas, por inúmeras variáveis e infinitas condições, o professor é elemento primordial nessa revolução educacional. Cabe observar que nessa concepção o professor é causa primária de todo o processo de desenvolvimento do aluno. Esse olhar, esse perfil, irá dar sustentação às práticas pedagógicas inovadoras e ao formato da gestão educacional daquela instituição na qual está inserido. Não cabe dúvidas que atualmente exige-se cada vez mais demandas do professor além dos limites da sala de aula. Isto se dá até mesmo pela necessidade em se cumprir uma série de exigências governamentais instituídas pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura, em seus PITS3, PPC4, SINAES5, CPA6, ENADE7, PDI8, PPI9, etc. A omissão do professor a essas questões darão impacto à vida institucional à qual ele está diretamente ligado. Por isso o professor hoje deve estar articulado com a dinâmica da gestão e vice-versa. Com efeito, essa é outra transformação importante pela qual o processo de formação do professor tem passado. Não basta mais preencher diários de classe, lançar notas, dar suas aulas e ir embora. O professor é posto em discussões e atribuições estratégicas e será assim cada vez mais. Sem essa

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identidade institucional, sem essa coesão de ideais e de ações efetivas, a tênue linha que separa professor-instituição-aluno se romperá esfacelando missão, visão e valores comprometidos por todas as partes envolvidas e entrelaçadas. Aqui é imprescindível considerar que, “la característica principal del rol del profesor es precisamente la capacidad que éste tenga para definir la situación, para estabelecer lãs condiciones – sociales y académicas – de la enseñanza” (RAMÍREZ, 1997, p. 111). Por estas características tão assemelhadas ao papel do líder dentro das organizações, o professor passa a compor um perfil cada vez mais de headhunter10, aquele executivo que está na empresa para descobrir e desenvolver talentos, instigando e extraindo as habilidades necessárias para compor a tão almejada competência profissional. Fazendo uma analogia é interessante observar que o professor é e será cada vez mais um facilitador no processo da aprendizagem, um incentivador do estudante, para que ele perceba que o maior tesouro está em suas mãos, o verdadeiro tesouro a descobrir, segundo DELORS11 (1999) para quem a educação está sustentada em quatro pilares fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. 3

Portanto, precisa estar o professor conectado com outros saberes, ter conhecimento de história, de educação e de política. Além disso é necessário que esse profissional faça conexões, que estabeleça os elos entre os assuntos pertinentes com a sua disciplina e com a natureza da vida, conforme assina Morin, O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios a nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade. Em conseqüência, a educação deve promover a “inteligência geral” apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global. (MORIN, 2000, p.26).

Programa Individual de Trabalho – que deverá conter todas as aulas a serem ministradas, como um calendário, com todas as atividades que serão desenvolvidas em sala de aula no período letivo. 4 Projeto Pedagógico do Curso de graduação 5 Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior - Lei nº 10.681/2004 6 Comissão Própria de Avaliação - Lei nº 10.681/2004 (SINAES) 7 Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - Lei nº 10.681/2004 (SINAES) 8 Plano de Desenvolvimento Institucional - Lei nº 10.681/2004 (SINAES) 9 Projeto Político Institucional - Lei nº 10.681/2004 (SINAES) 10 Headhunter é um caçador de talentos, ou especialista em recrutamento. Ele parte em busca de grandes potenciais, a fim de encontrar a pessoa certa para ocupar um importante cargo na empresa que contratou seus serviços. http://www.catho.com.br/jcsinputer_view.phtml?id=8755 acessado em 25/10/2008. 11 Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors. O Relatório está publicado em forma de livro no Brasil, com o título Educação: Um Tesouro a Descobrir (UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999).

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O professor acaba estimulando nos alunos a vontade em prosseguir, pois o caminho às vezes difícil da trajetória acadêmica é mesmo repleto de percalços e uma palavra, um gesto de apoio e de fraternidade é entendido de forma positiva pelo aluno. Sob essa perspectiva, é válido observar que, O interesse pela reflexão na prática pedagógica não é novo; suas origens remontam Dewey (1933), precursor de uma pedagogia reflexiva que reconhece a produção de conhecimento mediante experiências fundamentadas na reflexão, na interação e na transição entre situações presentes, já vividas e futuras. O professor como sujeito reflexivo que é, debruça-se sobre o conteúdo da própria experiência, examina-a, relacionaa com outras e a analisa à luz de experiências de outros e das suas próprias. A experiência atual aproveita algo das anteriores e contribui para o aperfeiçoamento de ações posteriores, o que vem defender a idéia de o professor reconstruir o seu conhecimento pela reflexão na e sobre a prática. (GRILLO, 2001, p.140). A reflexão, neste sentido, deve servir para rever posicionamentos para um verdadeiro (re)pensar destas práticas, a fim de que possam nortear ações transformadoras. O amadurecimento do professor sensível a todas essas variáveis que compõem o ambiente de aprendizagem será de grande incentivo para um amadurecimento do aluno diante da sua vida acadêmica.

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5 Considerações Finais Portanto, a aceitação de críticas, de adaptação de novas metodologias e de inovação é reaprender a andar por um caminho pedregoso, cheio de altos e baixos, sujeito a tempestade e a constantes inquietações. Se o professor não for um ser em constante angústia acadêmica, por certo existe um descompasso entre ele – o professor, e sua atividade docente. Para Paulo Freire fica claro que: Por isso é que, na formação permanente dos professores [entenda-se aqui que essa formação engloba também o que convencionou-se chamar de formação continuada], o mo-

mento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. (1996, p. 39). Concluímos afirmando que a magia da educação é o pensar no homem do futuro, no amanhã, na esperança do novo, do amanhecer. Enquanto essa chama estiver acessa e houver perspectiva de vida, haverá uma mão firme que conduzirá esse homem a atingir o seu ideal, haverá o professor semeando a esperança e sendo construtor nesse processo de aprendizagem coletiva. O professor é um elo tão importante nesse percurso intelectual e de crescimento pessoal, que configura-se co-responsável pelo conhecimento adquirido pelo aluno.

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Gestão

O artigo versa sobre o processo de democratização da gestão escolar, refletindo sobre a necessidade de reestruturação das relações estabelecidas entre as escolas e os órgãos centrais e mediadores do sistema de ensino no contexto da descentralização da educação, tendo em vista a centralidade da escola. Ressalta o valor da autonomia como uma conquista a ser cotidianamente efetuada pela comunidade escolar, limitada pelas orientações de base legal, instituídas por seu caráter universal como elementos de regulação do sistema. Nesse percurso, destaca o papel dos Conselhos Estaduais de Educação indicando a sua tradicional função como órgãos reguladores do sistema, capazes de mediar o projeto democrático. Por fim, considerando o contexto das reformas educacionais, expressa a necessidade de se repensar o papel dos Conselhos, sob uma nova perspectiva – de órgão mediador, eminentemente controlador e fiscalizador, a instância educativa, cuja função maior será pautada na dimensão orientadora e interativa, portanto, fortalecedora da gestão democrática escolar. Palavras-chave: Autonomia, Descentralização, Gestão Democrática, Papel dos Conselhos Estaduais de Educação.

ABSTRACT This article talks about the school management democratization process and it reflects upon the necessity of restructuring the relationships established between schools and the school system’s central and mediating organs in the context of the decentralization of education, considering the centralization of school. It highlights the value of autonomy as an achievement to be daily pursued by the school community, based on legal orientations instituted by their universal character as elements of regulation of the system. It also points out the role of the State Boards of Education indicating their traditional function as the system’s regulating organs that are capable of mediating the democratic project. Finally, considering the context of educational reforms, it expresses the necessity of rethinking the role of the Boards, under a new perspective – from a mediating organ, eminently controlling and supervising, to an educative instance, whose major function would be based on an interactive and guiding dimension that, therefore, would make the school democratic management stronger. Keywords: Autonomy. Decentralization. Democratic Management. Role of the State Boards of Education.

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ivendo sob o signo das mudanças políticas e sociais e, considerando os avanços científicos e tecnológicos que caracterizam a sociedade contemporânea, experimentamos um sentimento de inquietação permanente que desafia nossas certezas conceituais perante a complexidade do mundo globalizado, cujo ethos científico e cultural altera muitas das nossas sólidas referências, testadas nos momentos de tensão e conflito cotidianamente vivenciados entre os valores de uma cultura local e singular e as novas leituras do mundo instituídas em âmbito universal. Contraditoriamente, é cada vez mais importante reconhecer que uma educação voltada para construir o futuro deve vincularse às raízes sociais e culturais que definem uma identidade própria para cada povo, resguardando uma memória comum e coletiva, como herança cultural capaz de fazer com que cada indivíduo compreenda-se melhor e aos outros, a partir do sentimento de pertencimento à comunidade que lhe deu origem. Para a concreti-

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Sônia Maria de Azevedo Viana Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação (UFS).

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zação desse novo modo de ser da educação, é necessário estar aberto para repensar a Instituição Escolar, a fim de constituí-la como instância fomentadora dessa nova prática educativa, essencialmente intercultural, capaz de considerar as múltiplas experiências vividas por suas comunidades. Impulsionados pela institucionalização da sociedade democrática, pela necessidade de melhorar a qualidade da escola pública em consonância com as novas tendências educacionais, evidencia-se um grande avanço nos questionamentos sobre determinadas práticas e concepções da administração escolar, tradicionalmente implementadas a partir da matriz empresarial que lhe deu origem através de modelos importados de países cuja realidade social se apresenta totalmente distanciada dos problemas, interesses e potencialidades da sociedade brasileira. Sob a influência do racionalismo positivista e do formalismo legal, a administração da educação se desenvolveu através de dogmas que enfatizavam os conceitos de ordem, disciplina, harmonia, obediência e progresso. A racionalidade que ocupou tecnicamente o espaço escolar, durante um longo período da história da administração das organizações sociais, assume a burocracia como elemento que impera na formalidade dos documentos curriculares, nas intermináveis reuniões de planejamento setoriais sem resultados concretos, nas ordenações externas sobre os serviços prestados pela escola, na definição dos regimentos, que acima de tudo legalizam um poder disciplinador e cerceador

da dinâmica pedagógica e da política educacional. A leitura do pensamento administrativo na educação fornece elementos para compreendermos que, no começo desse século, a administração científica do trabalho exigia a racionalização dos objetivos, o controle e a constante fiscalização das tarefas realizadas pelos trabalhadores, através da normalização de padrões básicos de comportamento, cabendo aos administradores a função de evitar a explicitação dos conflitos inerentes à divisão social do trabalho no interior das organizações. Atualmente se repensam a educação e a organização do trabalho na escola, também a partir da análise do fracasso resultante da institucionalização de um agir referendado em teorias exógenas às nossas peculiaridades. Assim, observamos que diante da crescente complexidade de funções inerentes às modernas organizações, com os avanços da tecnologia, na era da microeletrônica, e em razão da diversidade de situações com que se defronta o administrador, a teoria e a prática burocrática e funcionalista tornam-se cada vez mais inoperantes e inadequadas, constituindo-se numa barreira para que se alcancem os objetivos propostas por qualquer organização social moderna. Visando propiciar a melhoria da qualidade de vida humana coletiva nas organizações sociais, compreende-se que a participação, liberdade e equidade devem ser consideradas como princípios básicos inerentes a uma nova ética de gestão que vem sendo progressivamente constituída em oposição ao controle, à pa-

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dronização de modelos fechados, à dominação, enquanto valores próprios da racionalidade técnico-burocrática presentes nos primeiros trabalhos da teoria científica da administração escolar consubstanciada no referencial taylorista para organização dos processos organizacionais. Cresce, por isso mesmo, a necessidade de se redefinir o papel dos dirigentes da educação, com ênfase para sua dimensão descentralizadora e articuladora dos processos educacionais, de forma a incorporar à dimensão administrativa a visão política e pedagógica num só âmbito de ação. Ação política cultural e educativa, capaz de contribuir para modificar os processos que estabelecem as interações comunicativas que ocorrem no âmbito dos sistemas de ensino, entre os órgãos centrais e intermediários, escolas e comunidades. Dessa forma, consolida-se progressivamente um novo modelo de gestão da educação, que ainda está sendo construído, mas que já aponta na direção da autonomia, da liberdade e participação coletiva como princípios básicos geradores de uma sensível melhoria da qualidade da educação. Com o processo de descentralização administrativa em andamento, assegura-se a superação da imposição político-pedagógica dos órgãos centrais, que muitas vezes adotam soluções homogêneas e universais, que acabam não sendo eficazes para resolver situações particulares e específicas, desconsideradas pelo distanciamento do sistema em relação às experiências da comunidade escolar.


Destaca-se nesse processo de mudanças a complexidade que envolve o novo perfil dos gestores escolares, levando-se em conta que a gestão escolar assume uma posição de importância estratégica na construção de uma escola pública eficiente e democrática. Em síntese, podemos afirmar que a necessidade de consolidação da democracia como parte importante do projeto histórico da modernidade consagra a vontade política ética e solidária da humanidade como um valor universal capaz de construir uma sociedade onde todos sejam livres e iguais. Trata-se de ultrapassar a democracia formal, limitada às prescrições legais, situadas no território do direito para comandar as relações entre os sujeitos, mediados por suas práticas culturais no interior das instituições sociais. Trata-se agora, a partir das lições vivenciadas entre os conflitos e tensões que persistiram ao final do século XX, de recriar a utopia e a possibilidade de sonhar com um futuro pleno de justiça, equidade e participação, garantindo de fato a conquista da autonomia e liberdade no interior das organizações sociais que denominamos de aprendentes. Trata-se, por fim, de promover, através das relações institucionais, o vínculo entre cidadania institucional – sob a forma de aprendizagem dos instrumentos, inclusive os de âmbito legal, necessários para assegurar intervenção e transformação social - e a ação efetiva dos sujeitos, no interior dos espaços públicos coletivos, fundamentados nos novos paradigmas da democracia política como uma atividade a ser exercida cotidianamente.

Nesse contexto, a construção de uma cidadania exercitada no cotidiano parece ser hoje o fundamento básico para a reestruturação qualitativa das relações entre o estado e as instituições sociais representativas desse movimento ascendente de reforma das organizações sociais sob o cunho democrático da participação cidadã, como uma estratégia pertinente e marcante dessa nossa época. Assim, a ação política dos sujeitos passa a ser vista como uma ferramenta de fundamental importância nas práticas cotidianas, instituintes do movimento de mudança e reforma da ação coercitiva e controladora do estado como instituição determinante da vida social. Pensar a ação política dos sujeitos no cotidiano de suas práticas sociais inscreve-se, portanto, nessa possibilidade vitalizadora de percebê-la presente não só nos mecanismos controladores do poder estatal, mas também nas mais anônimas relações sociais. Podemos então afirmar que a democratização das relações humanas e profissionais nas instituições sociais constitui-se atualmente como um requisito fundamental à emancipação dos sujeitos que buscam a experiência concreta da cidadania. Reconhece-se aqui que a transformação dos valores e tradições pode ser mais facilmente alcançada, se estiverem comprometidos com finalidades sociais como democracia, paz, justiça e liberdade. As instituições sociais, cada vez mais complexas, necessitam estabelecer uma política coordenada, para serem efetivas e eficientes, orientando-se através de um planejamento estratégico aderente às mudanças propicia-

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das pela nova estrutura jurídico-administrativa, descentralizada e flexível. Nessa perspectiva, a Lei 9394/ 96 confirma o projeto democrático da educação, ao reconhecer a tese da centralidade da escola como provedora de conhecimentos e valores essenciais à construção de uma sociedade progressista, digna e justa. Para reorganizar seus Sistemas de Ensino com base nos parâmetros da legislação vigente – LDB 9394/96 -, avançada em inúmeras questões – utilizada como referência capaz de fortalecer os ideais presentes numa vontade política radicalmente democrática é preciso repensar a tradicional estrutura do sistema de ensino, até então organizado com base nos princípios de uma administração preponderantemente racional, legalista e tecnicista, numa estrutura fortemente verticalizada, hierarquizada e fragmentada, dificultando o intercâmbio comunicativo entre as escolas e suas comunidades. A nova estrutura administrativo-pedagógica, atualmente em discussão, consubstancia-se na revalorização do princípio da Gestão Democrática da Escola de Educação Básica e busca criar condições para que as relações político-pedagógicas emanadas dos órgãos centrais do sistema ocorram de forma a privilegiar a unidade de ensino como instância decisória e espaço público de direito. Assim, a escola será capaz de construir diretrizes políticas que expressem a pluralidade de experiências e saberes em desenvolvimento no cotidiano escolar e que passarão a ser reconhecidas como referencial maior para

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garantir o atendimento às necessidades e interesses presentes no entorno social escolar.

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As mudanças advindas do processo de democratização da educação impõem, no âmbito do processo de descentralização do poder dos órgãos reguladores, a reestruturação dos sistemas públicos de ensino quanto à atuação específica dos órgãos normativos e mediadores das políticas públicas educacionais. Segundo Cury1 as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9.394/96, ao responder ao princípio federativo da gestão democrática instituído pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3.º, repassou aos sistemas de ensino a definição das normas da gestão democrática quando afirma que compete aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação exarar a respectiva normatização da gestão democrática, em diálogo com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e com as entidades representativas dos docentes. O termo diálogo foi aqui grifado para destacar a nova perspectiva de atuação dos Conselhos Estaduais. Nesse contexto, é importante refletir sobre o papel reservado aos Conselhos Estaduais de Educação em sua função orientadora e normativa, cuja competência, organização e funcionamento também vão refletir os impactos resultantes do processo de des-

centralização proposto pela Lei 9394/96, que não cita de per se os Conselhos Estaduais, mas se refere aos órgãos normativos dos sistemas. Sobre esse aspecto, a LDB surpreende por sua omissão com referência ao papel dos Conselhos Estaduais de Educação, uma vez que são reconhecidos como órgãos de deliberação coletiva, normativos e orientadores das atividades educacionais. Discussões posteriores justificam esse posicionamento de aparente omissão, ao mostrar que os legisladores quiseram preservar a dimensão de autonomia do sistema local e tiveram como preocupação maior a não interferência da Diretriz Federal na autonomia das entidades federadas estaduais e municipais. Cury diz ainda que:2 Se a fonte maior do nosso ordenamento jurídico colocou a gestão democrática como princípio, se as leis infraconstitucionais a reforçaram, não seria lógico que tal exigência, nascida do direito de uma nova cultura política de cidadania, se fizesse ausente nas mediações dos sistemas públicos de ensino. Tais princípios devem perpassar todo o sistema público dos estados, dos municípios e do Distrito federal. Nesse sentido, os Conselhos Estaduais de Educação realinham-se no cenário de descentralização democrática, reafirmando a importância de sua ação norma-

tiva e orientadora como instância competente para realizar a interpretação da legislação nacional, adaptando-a às condições estruturais e conjunturais presentes em cada localidade. Amplia-se, a nosso ver, a responsabilidade desse órgão eminentemente normativo, que deverá incorporar o princípio da cooperação, uma vez que a construção da autonomia institucional irá passar, obrigatoriamente, pela centralidade da escola frente ao sistema de ensino exige um caminho pontuado de mudanças na forma de organizar o funcionamento da rotina escolar. É essencial que os sujeitos responsáveis pelo processo educativo, especialmente os dirigentes escolares, ampliem seus conhecimentos 3 sobre o modo de funcionamento – as regras e normas que regem as novas possibilidades de governabilidade da unidade escolar. Para isso, será necessário profissionalizar os gestores escolares com a promoção de capacitações permanentes que aliem num mesmo projeto de qualificação a possibilidade de conhecimento detalhado do cotidiano escolar, destacando-se aí as relações instituintes, oportunizando o intercâmbio permanente com os órgãos normativos para garantir a implementação segura e eficaz de uma nova forma de gestão da educação escolar, consubstanciada numa base jurídica comum, mas capaz de se adequar às especificidades da cultura local. Desse

1 CURY, Carlos Jamil. “ Gestão Democrática dos Sistemas Públicos de Ensino”. In: OLIVEIRA (org.) Gestão Educacional – Novos olhares, novas abordagens. Petrópolis, Rio de Janeiro: 2005, pp. 15-19. 2 CURY, Carlos Jamil. IDEM. p. 19 3 Plano Nacional de Educação. Cf. item 11.3.2 capítulo da Gestão. Meta 35 “Assegurar que em cinco anos, 50% dos diretores, pelo menos possuam formação específica em nível superior e que, no final da década, todas as escolas contem com diretores adequadamente formados em nível superior, preferencialmente em cursos de especialização.

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modo será possível revitalizar e alargar os espaços de diálogo entre os órgãos centrais, mediadores e executores, para que as negociações necessárias à expansão e avanço dos serviços educacionais, livre de determinadas amarras burocráticas limitadoras da participação e da autonomia, propiciem de fato os benefícios almejados. De acordo com essas perspectivas, podemos concordar que os Conselhos Estaduais de Educação, sem dúvida, deverão se constituir como órgãos de referência para amparar legalmente as mudanças necessárias ao trabalho dos gestores escolares, sob a égide da democratização da educação, especialmente nos períodos relativos à implementação das reformas educacionais, que exigem adequação da legislação através de orientações convergentes e complementares para estimular a comunidade escolar na conquista da sua autonomia. Portanto, acreditamos que Independente do texto da LDB, a história dos Conselhos Estaduais de Educação está aí para mostrar o papel relevante que sempre exerceram, na condução do processo educativo, seja normatizando, seja aprovando planos, projetos, experiências pedagógicas, seja propondo medidas para a melhoria da qualidade da educação ou emitindo pareceres sobre questões de natureza pedagógica, muitas vezes decisivos para a vida escolar dos alunos, quando se esgotaram todos os recursos na área executiva para uma solução do problema apresentado. 4

O exercício de mediação normativa que se destaca entre o Conselho Estadual de Educação, o Órgão Central - Conselho Nacional de Educação as Escolas de cada estado -, se revela historicamente, alterando-se a partir da Lei 9394/96, tanto pelo nível de mudanças e exigências propostas quanto pela ampliação dos compromissos e responsabilidades das instâncias gestoras das políticas educacionais que, ao conquistar a autonomia legal, necessitam construir competência técnica, ética e política para afirmar-se progressivamente nesse espaço de liberdade limitada pelo Direito Educacional. As relações interinstitucionais descentralizadas, mais abertas e flexíveis, exigem dos educadores – sejam eles conselheiros ou dirigentes escolares - uma nova postura profissional para administrar os espaços públicos, mediadores e/ou executores das Reformas Educacionais. Persegue-se nesse viés democrático um novo tipo de relação entre os órgãos colegiados preponderantemente normativos e as escolas como agências executoras das políticas educacionais interpretadas à luz dos debates locais que se ajustam às pressões dos beneficiários dos serviços educacionais. Dessa forma, as escolas serão recepcionadas através dos Conselhos Estaduais de Educação por uma legislação complementar que se legitima pelo seu caráter orientador e pela natureza colaborativa e não estritamente prescritiva, visando auxiliar o dirigente escolar na construção dos projetos e programas essenciais à implantação do novo modelo de gestão da educação.

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Observa-se que a atuação competente dos Conselhos Estaduais de Educação se define em sua vertente mais operacional como órgãos normativos autônomos na esfera estadual -, guiados tão somente pela exigência da qualidade do ensino, para promover a interpretação da Legislação em vigor, validando novos compromissos, confirmados pelo reconhecimento das múltiplas responsabilidades e determinações que incidem sobre os Sistemas Educativos, exigindo a redefinição das relações estabelecidas até então entre os órgãos centrais e mediadores das políticas educacionais e as escolas, estas últimas até então consideradas como instâncias meramente executoras das políticas propostas. Nesse sentido, compartilham-se limitações e dificuldades, mas também esperanças e possibilidades, criadas a partir da legalização da autonomia de participação das escolas, situando o diálogo como instrumento indispensável de negociação e elemento promotor de um novo paradigma de Gestão da Educação que se apresenta revestido de sua dupla face, agora mais interativa – a face do sistema, que se dispõe através dos órgãos centrais e mediadores, onde se destaca o papel dos Conselhos Estaduais de Educação – em sua ação legisladora complementar, mas que também deve ser educativa - e a face da escola -, refletida a partir da cultura presente na comunidade local, revelando suas peculiaridades, dificuldades e necessidades, exigindo soluções oportunas e 4

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compatíveis com as experiências e estruturas disponíveis. Nesse complexo e múltiplo percurso político-educativo desafiante e enriquecedor, percebe-se que o sistema educacional deverá aprender a responder com sensibilidade e equilíbrio às justas reivindicações dos professores, alunos e suas comunidades, confirmando os compromissos que estão sendo irrevogavelmente consolidados com a legalização de documentos que representam, em sua essência, todas as possibilidades visíveis de melhoria das condições objetivas da educação e de valorização do magistério, forjando no âmbito dessa nova complexidade política a progressão dos benefícios que já estão sendo alcançados continuamente, gerando novas conquistas que certamente farão jus aos ideais compartilhados pela Constituição Brasileira – fonte maior do nosso ordenamento jurídico. Ao destacar a autonomia das escolas como um valor coletivo indispensável ao exercício pleno da cidadania, a Lei 9394/96 legitima antigas reivindicações que deverão ser concretizadas com prudência. Razão e sensibilidade, imbricadas numa sinergia mobilizadora da vontade política, combinam conteúdos positivos da democracia, conhecimento crítico da realidade e visão aberta e flexível, como instrumentos desse horizonte capaz de conduzir nossos passos nesses caminhos novos que se fazem sem modelos a ser seguidos por passagens certas, mas como desafio, chamamento orientado por estas setas legais que se inscrevem no âmbito das Reformas Educacionais Pós-LDB, indicando de forma aberta os ru-

mos a ser seguidos pelos que se arriscam, vencendo passo a passo os obstáculos postos nessas novas e infindáveis trilhas da educação contemporânea. Aqui, sem dúvida, se confirma a relevância da ação a ser implementada através dos Conselhos Estaduais de Educação, que deverão se esforçar para colocar à disposição da comunidade escolar uma política de apoio, orientação e incentivo para construção dos grandes parâmetros balizadores da educação democrática nas escolas. Podemos citar entre estes, o Regimento Escolar, o Projeto Político-Pedagógico e a Proposta Curricular como instrumentos de fato orientadores da ação gestora das escolas no âmbito jurídico-administrativo, cultural e político-pedagógico. Se antes estes instrumentos eram construídos isoladamente, sob o critério da competência técnica dos especialistas dos órgãos centrais e impostos às escolas, hoje eles deverão resultar da liberdade de participação e do poder de decisão das escolas, sob a égide da autonomia recém conquistada, porém, respeitando-se as dimensões legal, ética e política que deverão orientar o cumprimento competente do dever administrativo dos novos gestores escolares. Assim, podemos ressaltar a partir de LUCK5 Essa proposição de autonomia não deve, contudo, ser entendida de modo total e de modo a eliminar qualquer vinculação da unidade de ensino com o sistema educacional que o sustenta. A autonomia é limitada, uma vez que o estabelecimento de unidade de ação promotora da força

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do conjunto, só é possível mediante uma coordenação geral, que pressupõe, além da necessária flexibilidade, a normatização. Portanto, normalização deve ser entendida em seu espírito maior e não em sua letra menor. Constatamos então, que não será possível realizar a autonomia da escola de modo isolado de outros componentes éticos e legais que lhes garanta além da eficiência, legitimidade de procedimentos que incluam a possibilidade de articular um conteúdo técnico a outros fundamentos legais que auxiliem o cumprimento competente do dever administrativo dos novos gestores. No âmbito desses fundamentos éticos e jurídicos inscreve-se a importância dos Conselhos Estaduais de Educação como órgãos que também deverão repensar sua atuação a partir da função tradicionalmente exercida (essencialmente normativa), vislumbrando, a partir de agora, a possibilidade de promover uma ação educativa, orientadora e promotora de novas referências, auxiliando as escolas enquanto espaços de concretização das reformas educacionais. A ação educativa dos Conselhos revestidos de competência técnica e representatividade, deverá se estabelecer através da elaboração de documentos balizadores da conduta dos gestores na interpretação da Lei 9394/96, auxiliando-os na organização dos processos coletivos de trabalho 5 LUCK, Heloísa. In: “Gestão educacional: estratégia para a ação global e coletiva do ensino”.


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deve ao mesmo tempo satisfazer exigências e necessidades locais, porém, sem ferir critérios normativos universalmente postos para assegurar igualdade de princípios e valores promotores da unidade nacional, como arcabouço que deverá conter e nortear as diferentes práticas administrativas e pedagógicas sem imposições e limites burocráticos desnecessários. Portanto, eis que esta última

reflexão se apresenta de forma adequada ao final deste texto, para nos fazer pensar substantivamente sobre os novos desafios que deverão ser enfrentados pelos Gestores e representantes dos Conselhos Estaduais de Educação - sob a égide da democratização dos sistemas de ensino que passam a se constituir cooperativamente, ampliando a participação dos sujeitos políticos capazes de tomar decisões.

6 BARROSO, João. “O Reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em Portugal”. In: FERREIRA, Naura Carapeto (org.) Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 1998 (pp.11-30). O autor discute cinco princípios da gestão escolar democrática, necessários para conquista da autonomia escolar: Liderança, Participação, legitimidade, Qualificação e Flexibilidade.

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que resultem na elaboração dos grandes instrumentos proponentes das transformações necessárias para melhorar a qualidade da Educação Básica. Serão de fato valiosas as orientações emitidas pelos Conselhos Estaduais de Educação no sentido de orientar e incentivar as escolas na construção do Projeto Político-Pedagógico, do Regimento Escolar e da Proposta Curricular, como documentos reescritos sob a ótica da responsabilidade democrática. Assim, podemos reafirmar a importância do papel mediador dos Conselhos Estaduais de Educação sob o eixo da democratização da gestão escolar destacando o pensamento de BARROSO6 Torna-se necessário adaptar, de maneira clara, o princípio da diversidade e flexibilidade de ‘modelos’ de gestão escolar, em função das características dos estabelecimentos de ensino e das suas comunidades, mas no respeito inequívoco de grandes princípios e normas gerais, comuns a todos eles. (...) de acordo com estes princípios, propõe-se que o regime jurídico sobre a gestão estabeleça um conjunto de normas sobre o quadro organizativo que deve regular a gestão de topo e que deixe ao critério da escola (segundo orientações gerais) a própria definição das estruturas e órgãos de gestão intermediária. Sob um regime normativo plural e descentralizado, convergente da participação social, os Conselhos Estaduais deverão se constituir como instâncias mediadoras necessárias para orientar e respaldar a gestão escolar no cumprimento de uma legislação mais aberta, dinâmica e flexível, que

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Análise

da particularidade estética em Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão: um herói problemático RESUMO A noção de sujeito literário nas modernas teorias literárias e

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culturais é questão de grande importância porque alude diretamente aos que habitam a realidade em que estamos inseridos. O objetivo desta pesquisa foi analisar a representação do sujeito problemático em um projeto de autoria literária, que também busca manter a particularidade estética na escritura. Para tanto, tomamos como corpus de análise o romance Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão. Perguntamos se a personagem Souza pode ser

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interpretada como sujeito pós-moderno, depois de traçada sua trajetória histórica de herói problemático, segundo a

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ótica de George Lukács, e de sujeito degradado, segundo * Luciana Novais dos Santos

Lucien Goldmann? Sustentamos a tese de que a persona-

Professora de Teoria Literária e

gem central do romance em estudo compacta em si, carac-

Comunicação e Expressão da

terísticas que vão do herói problemático, passa pelo sujeito

Faculdade São Luís de França

degradado lutando em um mundo degradado e de valores

(FSLF), Mestre em Literatura

degradados, até chegar ao sujeito pós-moderno. Para tan-

Brasileira pela Universidade

to, utilizamo-nos da sociologia da literatura ao empreen-

Federal de Alagoas (UFAL).

dermos esta jornada, baseados nos teóricos acima citados

lucianans@infonet.com.br

e em Antônio Cândido. Concluímos que o sujeito pós-moderno a que o romance faz alusão e que converge para o presente em nossa realidade, diz respeito àquele sujeito incapaz de, nas mais diversas circunstâncias, mudar as regras socioculturais que vigem em seu tempo, sendo assujeitado em sua base, conformado em sua condição. Embora essa conformação não signifique uma apatia acrítica, ele apenas não tem forças para subverter a ordem das coisas do mundo em que está inserido. Palavras-chave: Representação, herói problemático, particularidade estética, forma literária, conteúdo social.

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tural theories is quite relevant because it mentions di-

Introdução

rectly to those that live in reality where we are inserted. This research aims to analyze the problematic subject’s representation in a project of literary authorship, that also tries to maintain the aesthetic particularity in deed. For that, it was taken as an analysis corpus the novel Não verás país nenhum (You’ll see no more countries), by Ignácio de Loyola Brandão. It’s analyzed if the character Souza can be interpreted as a post-modern subject, after having his historical path of a problematic hero drawn, according to George Lukács’s optics, and of a degraded subject, according to Lucien Goldmann? The theory claims that the central character in this novel himself has characteristics from a problematic hero, a degraded subject struggling in a corrupted context and some degraded values, to the postmodern subject. For that, sociology of literature is taken, based on the theoretical ones above mentioned and on Antonio Cândido. It’s concluded that this postmodern subject refers and that it converges for the present in our reality, it concerns the subject unable, in several circumstances, to change the social and cultural rules at that time, being submitted in his base, conformed to his condition. Although this resignation doesn’t mean an apathy non-critic, he just doesn’t have forces to subvert the order of the things in the context where he is inserted. Keywords: Representation, problematic hero, aesthetic particularity, literary forms, social content.

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O presente ensaio tem o propósito de aprofundar a análise da particularidade estética, admitindo como enfoque principal o diálogo na construção literária entre singularidade e universalidade no romance Não verás país nenhum (NVPN), 1981, de Loyola Brandão. Acrescentaremos também o estudo do herói problemático que pode ser assim nomeado especificamente a partir do início da criação do romance até a modernidade. Este estudo surgiu através da elaboração do projeto: ´´A construção de discursos ideológicos: mecanismos de combate e de defesa em Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão“, sendo que no decorrer de nossas pesquisas pudemos englobar nesses discursos ideológicos toda a construção da devida narrativa. Percebemos que há uma constante relação entre o “discurso”, no sentido de enunciado, ou seja, o elemento principal do que é discutido, do

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Literary subject’s notion in the modern literary and cul-

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ABSTRACT


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que é narrado, partindo da objetividade de um mundo empírico, somado então à forma como o discurso está construído. A este “como”, nós nos apropriamos da construção estética do mesmo, recorrendo então à subjetividade do narrador. Este se apresenta como a personagem que conduz todo o romance e que ao longo deste ensaio explanaremos sobre a sua função, o seu posicionamento de herói problemático, vivendo em um mundo totalmente degradado. Para mais nos aprofundarmos neste estudo, contamos com os seguintes mecanismos metodológicos: no que concerne à categoria da particularidade estética, embasar-nos-emos em Georg Lukács (1978), quanto ao herói problemático, estabeleceremos um elo entre Lukács (1962) e Lucien Goldmann (1976), e quanto às categorias literárias, como personagem, narrador e teoria do romance, buscamos auxílio em Silva (1973), Antônio Cândido (1968) e Donaldo Schüler (1989). Este caminho teórico-metodológico auxiliar-nos-á principalmente no desvendamento de uma real possibilidade da criação e construção deste romance.

2 Particularidade estética e o herói de nvpn O romance propõe-nos um estudo voltado para a relação existente entre o autor e o narrador. Especificamente, no que se refere à história em si, principalmente com base no ambiente construído por Loyola Brandão,

deparamo-nos com uma espécie de ficção científica criada com o intuito de parodiar o mundo real. Entretanto, não é apenas isso: o narrador leva-nos ao tempo futuro, mostrando o caos em todo o país, embora este possa estar sendo construído através do nosso presente. Além do ambiente, o narrador remete-nos à política, na qual tornam-se perceptíveis os resquícios de uma dura Ditadura Militar. “Encontrar saída. Se as pessoas quisessem, haveria possibilidades. Não há querer, ninguém vê nada. Todos tranqüilos, aceitam o inevitável. Os jornais não dizem palavra. Calaram-se aos poucos. Mesmo que falassem, não têm força nenhuma. A televisão está vigiada” (p. 22). Dessa forma o narrador participa e observa a história vivenciada por um determinado povo de toda uma nação. Em NVPN, há um aspecto que pode prender a atenção dos leitores, que está relacionado com a forma com que o narrador se utiliza para expressar uma reflexão acerca da situação precária e da total destruição da nação “brasileira”, das desigualdades sociais, Referimo-nos à categoria tempo, pois encontramos um futuro imaginário sendo relatado no presente devido a conseqüências dos atos do passado. Neste sentido, queremos fazer uma alusão, uma retomada à divisão do gênero literário. De acordo com Emil Stager, citado por Silva (1973, p. 223), em que caracteriza “o lírico como recordação, o épico como observação e o dramático como expectativa”. Essas informações são especificamente atribuídas como a “tridimensionalidade do tempo existencial”.

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Ao passo que nos recordamos de algum acontecimento, ou é transmitido através do texto narrado, ou fazemos memória de um determinado passado. Um exemplo bastante concreto desse aspecto no romance é a presença, a construção de uma “Casa dos vidros de água” sendo uma maneira encontrada para manter o passado sempre presente. A Casa dos Vidros de Água foi o mais completo e admirado museu hidrográfico do mundo.[...] Em dezenas de salas, cada uma abrangendo uma região, podiam-se ver os litros e de colorações diferentes, além de gravuras, fotos, mapas gráficos, legendas. A biblioteca e a filmoteca completavam o conjunto. A discoteca guardava relíquias, como o ruído das cachoeiras, principalmente da Foz do Iguaçu, o som da extinta Pororoca, o murmúrio de regatos. (p.161) Além disso, era autorizado à população entrar e apreciar o passado. Com a observação, alcançamos o tempo presente. Nesse aspecto fica evidenciado em quase toda a narrativa, já que não se sabe ao certo em que tempo o narrador se encontra em certas cenas inusitadas como esta: Abro a porta, o bafo quente vem do corredor. Já estou melado, quando chegar ao centro estarei em sopa. Como todo o mundo. A vizinha varre o chão, furiosamente. Como se fosse possível lutar contra a poeira negra, a imundice. Não fornecem água para lavar as partes comuns (p. 17).


Este enunciado ocorre em diversos momentos do romance. O narrador apresenta uma determinada angústia e preocupação com o futuro, sendo esclarecido que o dia de amanhã depende das decisões tomadas atualmente e que geralmente são decisões que estão relacionadas com o dia de ontem. O narrador é protagonista de todo o romance, cabe-lhe então a função de observar, participar, analisar e refletir o mundo a sua volta no interior do texto literário. Ele simplesmente “não fala, escreve”, como já diz Schüler. Dizendo que o autor tem sim o poder de criar um novo mundo, assim como deu forma “a epopéia

da modernidade, o romance” (op.cit., p. 27). Passemos agora ao que Lukács, tão sabiamente chamou de Particularidade Estética. Nesse correspondente aspecto, buscaremos investigar e analisar o que podemos considerar particular em relação a NVPN. Para que esta análise ocorra faz-se necessário que antes busquemos compreender o que vem a ser Singularidade e Universalidade, pois dessas resultará a Particularidade. Lukács diz que é no sujeito que está imposto o reflexo conteudístico produzido pelo desenvolvimento histórico-social. Partindo para um composto de singularidade e universalidade, que envolve conteúdo e forma, estando dialeticamente relacionados, exprimindo como conclusão a particularidade, que deve ser o ápice alcançado pela arte literária, superando a singularidade e a universalidade. Os escritores refletem a realidade e sobre si. Esta afirmação está evidenciada por Lukács ao citar o filósofo Dobroliubov: “os escritores geniais souberam captar na vida, condensando em ações, as verdades que os filósofos apenas pressentiam no plano teórico” (op.cit., p. 163), revelando e supervalorizando assim a autonomia artística. É irrevogável a presença da singularidade no texto, sendo esta tomada pela particularidade, fenômeno que levará a obra literária à tipicidade dentro de outras, e atingirá também a concreticidade do ato de refletir a realidade, tornando, assim as obras únicas, típicas. Hegel citado por Lukács afirma que “a mais simples palavra já contém em si uma ge-

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neralização com relação ao objetivo singular” (op.cit., p. 166). Há então uma concessão à representação do social ligado ao natural. A particularidade está totalmente relacionada às questões e aos problemas da Estética literária, no qual forma e conteúdo devem ter um relacionamento recíproco; sendo assim, a forma é movida pela essência e para um determinado conteúdo. Cabe à forma estética infundir no conteúdo a essência, a forma literária, aquele é retirado da realidade, assim como determina Lukács ao fundamentar a forma artística, pois “é a forma específica e peculiar daquela determinada matéria que constitui o conteúdo de uma dada obra” (op. cit., p. 184). É notável como a narrativa faz o caminho –através da personagem Souza –do sujeito que sai deste regime político e se encontra agora se movendo para a era da contemporaneidade, do pósmoderno. Não é possível que a singularidade seja construída apenas com a objetividade, ao contrário só é possível com a subjetividade humana. E é esta singularidade que dará origem à particularidade, sendo que a primeira, além de ser originária da subjetividade, é também marcada através do conhecimento e da vivência do sujeito/autor, sendo levado à construção da singularidade. Para Lukács a objetividade se dá, também através da subjetividade particular, e que juntas constituirão a universalidade estética. O conjunto – objetividade e subjetividade – formula e é capaz de reproduzir, ou melhor dizendo, refletir a realidade, a original visão do autor em um texto

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Há diversos momentos em que o narrador parece estar perdido apenas na observação, na descrição e não mais participando da narrativa. Retomando as características do gênero literário que podem ainda ser transmitidas através da expectativa que o romance nos causa, especificamente quando nos projeta para o futuro, nos faz imaginar, temer e buscar mudanças para o que ainda há por vir. Compreendemos que nesta expectativa existe um primordial interesse em observar e alertar a população acerca do caminho que ela pretende seguir: Temos de convir. Vocês são felizes conhecendo coisas que estão por vir. Nem todo mundo tem o privilégio. Não me perguntem: o que podemos fazer para evitar que tal época venha a existir? Se moverem um parafuso dentro da ordem das coisas, o que estou vivendo não acontecerá. (p.328).

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literário. Este aspecto está presente na particularidade estética do texto. “A objetividade, portanto, não pode ser separada da subjetividade, nem mesmo na mais intensa abstração da análise estética mais geral” (op.cit., p. 196), conforme Lukács. Esclarecemos, à luz da teoria, que tanto a singularidade e objetividade, quanto a particularidade são respostas resultantes do próprio processo de construção de personalidade do artista. Os aspectos encontrados no texto literário fazem parte da vivência do escritor com o mundo, ele discute questões que o rodeiam no cotidiano, e que muitas vezes passam despercebidamente pelas pessoas. Neste aspecto, demarcamos a relação da particularidade individual do sujeito, que é na arte literária suscetível a uma particular individualidade: a estética. Através da reprodução da vida na obra literária, é que o homem pode se encontrar consigo mesmo. É pela forma representada pelo autor que o homem irá se deparar com os seus destinos, explicitados mediante uma profundidade, uma compreensividade e uma clareza que não podem ocorrer na própria vida (op.cit., p. 235). Lukács esclarece que há reflexão artística do real nos traços artísticos, mas devemos lembrar que o aspecto que faz uma obra totalmente original não é apenas a reflexão da realidade, mas sim uma espécie de previsão para um tempo mais promissor, ou seja, cabe ao artista utilizar-se de uma determinada genialidade, do que um dia poderá surgir, de transformar em realidade. Toda a perspectiva declarada na obra se estenderá à particula-

ridade, ou melhor, consistirá no típico, já que estará “representado na obra deve-se revelar como momento necessariamente conservado na continuidade do desenvolvimento da humanidade” (op.cit., p. 236), assim a obra perdurará por anos, desde que conserve a edificação e percepção do desenvolvimento histórico no mundo, estes são aspectos abordados acerca do refletir. No texto artístico, há uma preocupação predominante da particularidade a ser explorado, a partir de um determinado conteúdo que levará à tona um elemento fundamental, o típico: o ser que é imanado do decorrente conteúdo. Assim como está dito por Lukács (op.cit., p. 261) “um tal conteúdo deve dirigir o seu sentido universalizante a fim de elevar a singularidade na particularidade”, sendo então levado à formulação do típico, a qual já nos referimos. Este conteúdo que a arte representa está e sempre estará totalmente relacionado à realidade. Assim como “arte representa a vida tal como ela é realmente: ou seja, exatamente em sua estrutura real e em seu movimento real”. (op.cit., p. 267) Portanto não podemos imaginar uma representação artística fora do contexto real, que tem por totalidade, o social. No mesmo instante em que o conteúdo é artisticamente trabalhado no texto literário, ele toma a sua forma, elevando à explicitação do típico, elemento relacionado com o fenômeno da essência histórica social, mas não do cotidiano. Comprova-se esta realidade quando Lukács nos diz que “a forma da grande arte expressa, portanto precisamente esta ver-

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dade da vida: o típico não é, ele torna-se [...]” (op.cit., p. 275). Compreendemos que o elemento típico é aquele que se encontra em equilíbrio com as lutas contraditórias da sociedade, ele, portanto aponta para o que poderíamos como Lukács, chamar de “um homem médio à altura do típico” (op.cit., p. 274) Entretanto, estes elementos típicos estão altamente relacionados à particularidade da forma estética, sendo a particularidade a mediação entre os elementos universais e os singulares, constituindo assim “a base ideal para a verdade artística da forma” (op.cit., p. 281), cuja obra literária, esteticamente artística, é sem dúvida, a representação da totalidade em si. Mesmo que em uma obra literária estejam representados os fatos sociais e históricos, é possível ainda estarem representados outros fatores transcendentais, como o mágico, o religioso, o fantástico. Sendo assim que “a forma é, na verdade, determinada pelo conteúdo” (op.cit., p. 283). Estão definidos por Lukács dois fatores importantes à aquisição de unidade dialética: o subjetivo e o objetivo. Na obra de arte, é possível encontrarmos os problemas sociais e principalmente a estética literária. É necessário que haja uma posição subjetiva do autor frente aos problemas sociais a serem discutidos durante o espaço narrado. Neste sentido, o aspecto a ser refletido na obra de arte é o conteudístico, sabendo que a duração, a sobrevivência, validade e vitalidade da obra artística dependem única e exclusivamente da forma como os conteúdos estão repre-


luz da sociologia para apenas esclarecer alguns aspectos que compõem o texto literário. É importante estarmos atentos à influência que o meio social exerce sobre a literatura, proporcionando assim uma reflexão mais apurada do contexto social da literatura. Como se verifica o interesse para a sociologia moderna, que busca principalmente man-

Não é possível que a singularidade seja construída apenas com a objetividade, ao contrário só é possível com a subjetividade humana.

ter uma relação entre a vida artística e a vida social. Acrescentamos ainda uma função específica à criação literária; é preciso manter uma integração, inter-relação entre o artista, a obra e o público-leitor, em que manterá o ciclo de que já mencionamos: vida social e vida literária. Entretanto, na ampla relação autor, obra, público, mantém um certo efeito quanto ao direciona-

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mento da arte literária, de acordo com Cândido sobre esta comunicação artística, já que: “a atividade do artista estimula a diferenciação de grupos, a criação de obras modifica os recursos de comunicação expressiva, as obras delimitam e organizam o público” (op.cit., p. 28). Com esta perspectiva provavelmente será possível a realização de uma nova análise literária, no âmbito dos fatores sociais, que fluirá na configuração de conteúdo e forma dentro da arte literária. Cândido traz-nos uma abordagem para analisarmos o texto literário mantendo nele a integridade estética. Ele parte do esclarecimento de que é possível pelas funções da escrita, trata-se da função total, social e ideológica. Funções que devem estar interligadas na construção do texto literário, sendo assim responsáveis pela estética adquirida na arte. Nota-se o quanto a arte tem em si a tarefa de transformar a realidade em ficção através da estética que formula no texto as ações e os sentimentos. A mesma produz um novo estilo ao utilizar os sentimentos e as necessidades humanas, como as necessidades nutricionais, que passam a ter uma forma poética com manifestações de caráter altamente e resolutamente estético. É notável o que concluiu Cândido, referindo-se ao ato criador: “e o ato criador aparece como uma espécie de operação, de ação adequada sobre a realidade, possibilitada pela ilusão” (op.cit., p. 75). Precisamos ter em mente que a realidade histórica e social que encontramos em uma obra literária depende exclusivamente de

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sentados. E não simplesmente fatos sociais e históricos, mas características da humanidade. Para completar esta discussão, dialogamos com Candido (1965), a fim de compreendermos a relação entre a crítica sociológica e os textos literários, que compõem os nossos estudos. Assim como ele mesmo afirma, a crítica social acabou passando de “chave do entendimento do texto para uma falha de visão” (op.cit., p. 03). O que não se pode continuar fazendo é redimir o literário em análise sociológica – ou de qualquer outra linha da crítica – já que o que deve interessar é a materialidade do texto literário, esta sim precisa ocupar o centro de nossas análises, analisando-a como um todo, e não apenas pelas características que estão vinculadas aos fatos da realidade. Desta maneira, o meio mais cabível para uma análise literária está em ponderar a nossa interpretação em uma união prudente feita entre texto e conteúdo. É possível agora analisarmos um texto se pudermos ser perceptíveis a este contexto, levando em consideração “que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto interno” (op.cit., p. 04). Sendo levados portanto, a análise do que está relacionado a intimidade da obra, procurando especificamente o que há realmente de essencial na mesma, configurandoos como agentes da obra estruturada , e com seguimentos amplamente estéticos. Cabe a nós, críticos da literatura, inclinar a nossa pesquisa à

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como está estruturada a literatura neste âmbito. Logicamente o escritor construirá literariamente a sua obra de acordo com o que ele vivencia. Portanto queremos assim finalizar, lembrados da particularidade estética, compreendendo com Cândido (op. cit., p. 215): A literatura é essencialmente uma reorganização do mundo em termos de arte; a tarefa do escritor de ficção é construir um sistema arbitrário de objetos, atos, ocorrências, sentimentos, representados ficcionalmente conforme um princípio de organização adequado à situação literária dada, que mantém a estrutura da obra. Precisamos esclarecer que a atitude de sair do sistema governamental opressor, tomada por Souza, está relacionada com o seu despertar para a realidade do mundo a sua volta, pois até então ele era como mais um a seguir os padrões impostos pelo Esquema. Nos perguntamos como Souza consegue tal façanha. Cansado da luta pela sobrevivência e com o aparecimento de um furo enigmático em sua mão, ele começa a se questionar sobre a sua forma de agir e de pensar. Mal comigo. Preciso sobreviver, tenho Adelaide, sustento meus pais. Junto a mim carrego um carro de justificativas para permanecer como sou. Por isso amo este furo. Ele me mostra de repente que existe não. A possibilidade de tudo mudar. De um dia para o outro. Amo e odeio Adelaide. (p.52)

Nesta reflexão da personagem, podemos detectar o fenômeno de singularidade recorrente em todo o romance: A sobrevivência. Todas as atitudes das pessoas estão resumidas nesta situação. Não há mais o que fazer, não há espaço para o nada, tudo está ocupado ou destruído. A situação é de um caos geral, as máquinas não substituem apenas o trabalho braçal, mas também a função da natureza. Assim está composto o espaço da pós-modernidade representado por Loyola Brandão. Encontramos e consideramos marcas de singularidade, também alguns elementos de espaço e indicadores do tempo. Podemos encontrar o espaço restrito pelo narrador, ao Brasil, que não é mais território nacional. - Tio, os conceitos de nação mudaram. O que vale agora é o internacionalismo. A multiplicidade. Aqui é um pedacinho. Você soma com os pedacinhos que temos por aí afora. Reservas no Uruguai, na Bolívia, pedação do Chile, na Venezuela. -Pois é, entregamos o nosso e fomos colonizar outros territórios. -Não é colonização, tio, é diferente. São reservas multinternacionais. O mundo se globaliza. (p.78) É com este conceito de globalização que os brasileiros terão que se acostumar e lutar a cada instante pela sobrevivência, tudo depende agora do controle do Esquema (forma de governo para controlar e manter sobre o povo a vigilância nos mínimos detalhes). Assim também acontece em

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outros aspectos como também na perspectiva de vida, pois “as pessoas estão morrendo com trinta e cinco, quarenta anos” (p.85). Todo o consumo da população e também o transporte controlado por fichas de água e de circulação; “Ganhei a ficha especial de circulação para o S-7.58. O desgraçado é pontual, até irrita” (p.17). O controle é dado por “homens como os civiltares, militecnos. Estes sofreram metamorfose em seu organismo. O cérebro ficou afetado. Perderam parte da memória. As emoções foram eliminadas. Tornaram-se serenamente calculistas” (p.32). As pessoas estavam totalmente alucinadas e assim tinham as suas mentes controladas pelo Esquema. Toda a forma do desenvolvimento intelectual foi forjada. O caos na cultura também era preocupante, pois os jornais, os livros de história, toda a forma de manter qualquer tipo de informação estava sendo modificado e comandado pelos norte-americanos e controlado pelo Esquema, já não havia mais história “aqueles homens pretenderam eliminar a história, tentando apagar o futuro” (p.104). Essa realidade de completa e absoluta resignação e decadência só não estava para a grande massa dos que se aliaram à Época da Grande Locupletação. Um outro elemento de singularidade é o tempo, mais especificamente a forma como ele aparece e permanece no texto narrado. O tempo está representado através dos calendários, possibilitando-nos fazer uma leitura de um tempo que não passa, pois a situação nunca muda, assim como os calendários que lá ficam


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Não há tempo para cremar todos os corpos. Empilham e esperam. Os esgotos se abrem ao ar livre, descarregam, em vagonetes, na vala seca do rio. O lixo forma setenta e sete colinas que condulam, habitadas todas. E o sol, violento demais, corrói e apodrece a carne em poucas horas (p.11). Enquanto a Amazônia tornase deserta, a urina recebe tratamento em posto apropriado com alta e avançada tecnologia para ser comercializada. O Esquema está mais preocupado em criar Zonas, Acampamentos, tudo para manter a população dos locupletados. Investimentos são feitos apenas para o que há de mais artificial, em investigação dos povos, e manter o falso controle, uma total desorganização. Partindo para a nossa segunda proposta desse estudo, tomamos agora um outro elemento que envolve o romance em si, para que assim possamos partir para a problematização do herói. Para tanto, tentaremos esclarecer duas categorias dependentes uma da outra, procuramos compreendê-las respondendo: O que é o romance? O que é a personagem? A partir das respostas tentaremos chegar a uma única categoria: do herói problemático. Com base em Silva, teórico da literatura, o romance é uma fábula em que é necessária a presença (criação) de personagens para os atos heróicos, com as suas próprias palavras: “O romance descreve, em linguagem excelsa e elevada, o que nunca aconteceu nem é provável que aconteça” (op.cit., p. 257).

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Sinto falta de Adelaide” (p.123). Souza também se apossa de coragem para assumir o individualismo imposto pelo Esquema e o tentar contrapor, buscando tomar atitudes que até então faziam parte dele. Como até mesmo a de se recordar, de buscar em sua memória situações mesmo que desagradáveis, mas que fizeram parte de sua vida, a atitude de buscar notícias e de não permitir que a sua memória seja apagada pelo Esquema. Isto porque com todo o sofrimento vivido pelo povo é preferível uma única solução: “elimina-se a memória” (p.179), isto é, a história. Em uma atitude de fortes saudades e lembranças não só de Adelaide, mas de tudo o que foi vivenciado nesse país, Souza se encontra como ela “escondida em seu próprio medo” (p.179), pois de nada adianta estar cercado de pessoas, a sensação será sempre a mesma, como a de “Névoa, penumbra, eram sensações que me tomavam quando encarava a multidão, compacta, fechada, mais fechada. Andávamos ombro a ombro, rosto a rosto, e ninguém se encarava” (p.179). Com base na teorização que Lukács faz sobre a estética no romance, podemos chegar a uma particularidade específica da obra NVPN. Brandão não elenca apenas situações ou condições de vida. O ambiente narrado é em volta do controle de compras, de autorização, cotas de água, de racionamento e principalmente de condicionamento ao Esquema. As máquinas, as tecnologias são tão mais valorizadas do que a própria humanidade, do que a natureza. Como podemos verificar:

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guardados no quarto de empregada. Como o tempo assim acontece com o casamento de Adelaide e Souza. “[...] E, sobre a mesa, o embrulho de papel pardo. Devo levá-lo ao antigo quarto de empregada, amontoá-lo junto com os outros. Ali estão empilhadas pela ordem as folhinhas dos últimos trinta e dois anos. Onze mil e setecentos dias intocados” (p.14). “Dias intocados”, assim também é configurado o casamento deles. Apenas olhares, toques, e o medo de tentar uma aproximação entre os dois. Notificamos também alguns elementos que indicam uma universalidade no romance NVPN. Algumas características que compõem o gênero humano, tais como o medo, coragem, amor / ódio, necessidades, esperança. O medo agora é gerado pelo não existir, o medo está voltado para si mesmo sem mais a noção de ser e de tempo, como também o medo de pensar, pois “[...] não existo, não sou. Não fui e não serei” (p.191). Medo que divide espaço com a coragem. Souza, apesar de buscar uma sobrevivência intelectual, que só se deu conta após o surgimento do furo em sua mão, também sente saudades. Fortes lembranças de Adelaide lhe fazem agora refletir sobre o seu comportamento, visto que: “Não, não é só a minha aspereza, o meu fechamento. Adelaide sempre reclamou: ‘você não se descontrai nunca. Não se diverte’” (p.123). Apesar de toda a cultura individualista imposta pelas conseqüências de um modernismo mal concebido, Souza se surpreende com os seus sentimentos: “Tento negar, achar desculpas.


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Além, muito além desta criação, como já nos afirma Lukács sobre o romance, “é a única forma literária que efetivamente concede lugar ao tempo real, à durée bergsoniana” (op.cit., p. 119). Então não existe romance sem personagens, não pode haver história, trama, sem o homem para dar-lhe vida, movimento, ação. Entretanto, este homem, peça fundamental nas narrativas, está “submisso a poderes que o excedem, sejam eles naturais, econômicos ou históricos, perdeu a posição eminente que orgulhosamente ocupava” (SCHÜLER, op.cit., p. 39). Esta é a situação do homem no século XX. Sendo perceptível até mesmo nos títulos das obras literárias. A personagem agora luta, relaciona-se, convive e enfrenta outros problemas que estão mais próximos de si, porém estão mais envolvidos com as revoluções tanto externas como internas no homem. É que agora “A subjetividade já não é entendida no romance contemporâneo como substância isolada e sólida entregue a forças exteriores. [...] o sujeito é social desde a origem, apresentando-se como inapelável instância de decisões” (SCHÜLER, op.cit. p. 41). Ele necessita agora, lutar pela sobrevivência tanto humanitária, quanto cultural, enfrentar um mundo totalmente degradado ao seu redor, sem princípios de valores e até mesmo sem a intervenção dos deuses. E mesmo assim ele precisa fazer a diferença, ser herói. “Subjetivas são as forças que deflagram a guerra do herói contra tudo e contra todos” (op.cit., p.41) pois “as personagens romanescas passam a falar no estrato

lingüístico de sua própria categoria: comerciantes, camponeses, eruditos, políticos, marginais. Linguagens proibidas e reprimidas pelo discurso oficial se libertam”.(op.cit., p. 47-48) Através dessa luta da personagem, é que está delineando-se o herói problemático que Lukács teoriza e leva-nos a refletir sobre a personagem do século XX, fa-

Cabe a nós, críticos da literatura, inclinar a nossa pesquisa à luz da sociologia para apenas esclarecer alguns aspectos que compõem o texto literário.

zendo algumas considerações importantes, como a relação que há no texto literário entre a posição subjetiva e a realidade objetiva, uma nova função do tempo no romance, sobre o mundo deslocado e refletido no texto literário, a essência das categorias estéticas e literárias e o novo papel do herói. No romance é que começam a aparecer os problemas de imanência, de temporalidade, de to-

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talidade, visto que é nesse espaço que o criador autoral inicia uma reflexão do sentido da vida. Estes são verificados nos versos épicos, que demarcam o espaço da trivialidade de pensamento, seja ele na esfera da gravidade para a epopéia ou na ligeireza para a tragédia, como bem ressalta Lukács (op.cit., p. 62). Ele também elucida a literatura épica, fazendo referência à utopia quando discute que “a grande literatura épica não é mais do que a utopia concretamente imanente na hora histórica, e o afastamento que ela apóia só podem então privar a epopéia dos próprios caracteres que a fazem grande” (op.cit., p. 64). Essa privação da epopéia está relacionada a duas importantes categorias para a composição do romance: o sujeito e a totalidade. Existem duas naturezas estruturais para a formação do romance, especificamente no que se refere ao sujeito e a totalidade que são compostos pela: subjetividade e a objetividade. Sendo a primeira considerada como “o conjunto de fenômenos” (op.cit., p. 69), a base a substância do ser. Já a segunda está voltada às relações sociais, não se refere a uma substancialidade lírica, porém tem como objetivos as leis e os elementos simbólicos que designam a criação da poesia lírica. E como ponto de realidade há o sujeito, este ser que atua no romance com uma finalidade específica, ele “dissolve o mundo exterior em estados de alma” (op.cit., p. 72). Segundo Lukács, este mesmo indivíduo, torna-se herói, este que nas epopéias era figurado como ser mitológico, como


está fechada na imanência do ser através da essência da temporalidade no romance. Ao teorizar sobre o romance, Lukács eleva a autenticidade do ser que corresponde à obra de arte, em que se faz necessário o processo dos fatos sociais no qual o homem está inserido, sendo então o “resumo de tudo o que está atrás e ponto de partida para novas obras, que estão já presentes no embrião da nova forma” (op.cit., p. 195). E esperamos que no romance esteja representado “um presente que só conhece o passado para mais rapidamente o impelir para o futuro” (op.cit., p. 202). Dessa forma buscamos também as contribuições de Goldmann, que dialoga com Lukács no que diz respeito ao romance, no qual para estudar e analisá-lo sociologicamente, é necessário levar o texto literário ao âmbito totalmente voltado para os estudos sociais, prefigurá-lo e tomá-lo como um gênero literário, pois antes de ter um conteúdo social, há no romance a forma literária. Para teorizar o romance, Goldmann buscou na obra clássica de Lukács, La Théorie du Roman, especificamente no que diz respeito ao herói problemático e o mundo degradado. Buscando maior esclarecimento do que é o romance, Goldmann sintetiza o conceito dado por Lukács, no qual ele utiliza a expressão ‘herói problemático’ para o que era conhecido como herói romanesco. Surpreendendo-nos ao enfatizar este conceito de romance dado pelo teórico anterior, então “O romance

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é a história da investigação degradada (o que Lukács chama ‘demoníaca’), pesquisa de valores autênticos num mundo também degradado, mas em um nível diversamente adiantado e de modo diferente” (GOLDMANN 1976, p.8). Com este conceito facilita a nossa compreensão do que é o romance da contemporaneidade, pois se o mesmo é uma incansável pesquisa de valores em um mundo absolutamente degradado, logo o herói também será degradado ou problemático diante do conteúdo abordado no romance. Entretanto o herói é aquele que busca a resolução dos problemas, ou até mesmo mudar, reverter as diversas situações descritas no mesmo. Não podemos excluir a possibilidade de que herói e mundo caminham juntos, embora inseridos em um espaço de degradação, a personagem ou herói problemático está envolto em um mundo de total conformismo e de convenção, de degradação de uma determinada sociedade individualista. Para tanto Lukács formulou três modalidades romanescas: o de idealismo abstrato, o psicológico e o educativo. Coincidentemente, nas análises de René Gerard, citado por Goldmann, o romance constitui-se da mesma forma, conceitualmente, para ele “o romance é a história de uma busca degradada (o que ele chama ‘idólatra’), de valores autênticos e por um herói problemático, num mundo degradado” (op.cit., p. 12). Esta afirmação ou confirmação de um mesmo conceito

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semideus, enquanto que hoje na contemporaneidade é o ser problemático. Ele é o símbolo dos conflitos da sociedade, do tempo, das tragédias, da realidade, do destino e da totalidade. Ao passo que o romance começa a tomar uma forma fechada, formal, biográfica é que começam a ser apontados então, os problemas no plano da composição do mesmo. Desde então a individualidade do sujeito imanente passa a ser problematizada, pois passará à representatividade do seu estado de alma e da sua interioridade, dos seus ideais. A este processo podemos configurar como a forma interior do romance, assim como Lukács nos faz entender ao afirmar que este processo “é a marcha para si do indivíduo problemático, o movimento progressivo que o leva a um claro conhecimento de si (op.cit., p. 90). Através desta certeza o autor, criador do romance passará a declarar em sua escrita o essencial de sua alma, que neste caso, constituirá de um herói afastado do mundo dos deuses, ao contrário do que ocorre na epopéia. A aventura de descoberta da essência da vida pode ser encontrada no romance, assegurando a descoberta de si mesmo, da imanência, expressada e contida nas experiências vivenciadas pelo autor. Uma outra categoria importante para a estruturação do romance é o tempo. É evidente o que Lukács diz sobre isto, “pois no romance o tempo se encontra ligado à forma” (op.cit., p. 142) Esta ligação é que presentifica a vida, a maneira como

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dado por diferentes teóricos, leva a inquietação de querer uma explicação, uma definição para este mundo degradado. Em cada obra particular, podemos analisar diferentes naturezas degradantes em que o que a torna assim é a manifestação ontologicamente depreciada. Essa abundante situação de degradação está também para uma incansável busca por valores autênticos, e que está sendo levado pela personagem a uma busca da transcendência verticalizada. É problemático a partir do momento em que ele está em um partido de oposição à sociedade, portanto, a partir do racionalismo literário. Nestes casos o artista, assim como os componentes de sua obra estarão apresentados como o problemático e não como o fantasioso que solucionava os problemas das classes burguesas através de deuses, nos quais tornavam-se semideuses, mas agora o herói está sozinho, agora ele tem outro ponto de vista, e por isso agora ele é problemático. Com base na forma como o romance está teorizado, concordamos com o que afirma Candido sobre a personagem e o enredo, elementos fundamentais do mesmo. Quando pensamos nas personagens, pensamos simultaneamente na vida que vivem, nos problemas em que se enredam, na linha do seu destino – traçada conforme uma certa duração temporal, referida a determinadas condições de ambiente (CÂNDIDO 2002, p. 53).

E tudo o que é pensado para esses heróis é com base fundante no cotidiano já referenciado, em uma situação de degr a d a ç ã o . Outro elemento que transcende nas narrativas contemporâneas, em função da construção da mesma é a fragmentação dos personagens, o qual está explícita na configuração também do ser, elaborada por outro ser, é sempre incompleta, em relação à percepção física inicial. Partindo do pressuposto de que o herói problemático é a referência da personagem construída a partir do momento real, enfatizamos aqui a personagem Souza, como característico desse herói: Adelaide me olhou, arisca. Inquieto, encarei o rosto dela e me perguntei. Pergunta que não tenho coragem de enfrentar. Se eu admitir, ela se desvenda. Toma forma, cristaliza, revela. Será que depois de tantos anos compensa ver? Reagir agora? Penso: e se valesse a pena? (p.12). Souza pensa em tomar alguma atitude, isto significa sair da monotonia. Sair não apenas em relação ao seu casamento de trinta e dois anos idênticos, mas sair da opressão do governo. Adelaide não representa apenas a mulher de que ele se cansou, mas sim toda a política, de todo o processo de Ditadura militar. Será que vale a pena deixar a situação como está ou não, sua melhor luta contra as idéias do Esquema, que envolve toda uma nação.

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Por isso, destacamos Souza em uma posição de herói problemático, já neste primeiro excerto. Ele vê a situação com dificuldades sociais, tenta tomar alguma atitude, mas é muito questionador, buscando assim atitudes para reverter o percurso dos diversos conflitos. “Nunca falava. Aceitava as coisas e só mostrava irritação calando-se e coçando em baixo dos olhos” (p.13). Com o seu discurso parcialmente anulado, Adelaide está na mesma condição que Souza, já que ele também silenciava diante das imposições feitas pelo Esquema, e como herói problemático encontrava-se em situações que era necessário manter um relacionamento com as autoridades, com a sociedade locupletada em si. “Lacrado por placas pregadas por fora. Assim me sinto. Sensação de que me observa em microscópio, aumentando dezenas de vezes” (p.18). É muito interessante o olhar para si, o voltar-se e tentar se conhecer, se descobrir, se questionar na possibilidade de algo maior e mais forte para fazê-lo vencer a si mesmo. Em meio a uma conversa com o barbeiro sobre a distribuição de cotas de água, Souza é surpreendido por uma “coceira nas mãos. Arde e no lugar está uma pequena depressão, como se eu tivesse apertado uma bola de gude por muito tempo” (p.18) Ao entrar no ônibus que lhe é permitido pelo Esquema, o S7.58, “O ônibus chegou, a coceira voltou” (p.19). Em cada lugar por onde ele passava e


3 Considerações sobre o nosso herói degradado Souza começa a perder tudo o que tem, e encarando a real necessidade de investigar, de estar à frente dos problemas mais variados do seu país, então, agora ele compreende a dimensão do absurdo que a vida se tornou, e como a sua visão foi modificada, ele deixou de ver o que ele podia realizar como algo suficiente e passou a enxergar como estavam vivendo verdadeiramente: “Viver na dependência do se. Se tivesse sido, se tivessem procurado, se tivesse tentado. Existir confiando numa hipótese passada. [...] a salvação sem amanhã” (p.252). Souza que conseguiu sair do controle do Esquema sentiu-se totalmente fracassado por não ter assumido uma postura de descontentamento do passado. Ressaltamos que este ‘sair’ é deixar o comodismo opressor e

cair como desconhecido na marginalidade. Totalmente fracassado e mais uma vez dependente do Esquema para sobreviver. Agora estão todos na imensa marquise construída para proteger as pessoas do sol escaldante. E neste campo Souza encontra alguém que o alerta sobre o furo, assim ele se recorda, mas verifica que já não há mais o furo em sua mão. Esta atitude de se identificar com o outro, de responder a uma mesma idéia, ou uma certa característica, remete-nos às grandes organizações dos marginalizados que se opõem ao governo, principalmente no ato dos grevistas. Faz-nos lembrar das classes sociais que se identificam por certas características. Finalmente, Souza, depois de ter percorrido sozinho todos os espaços desta narrativa, tentando nos alertar de que a particularidade compõe-se

de subjetividade mais objetividade, e que ambas são responsáveis por levar o leitor a deliciar-se com a narrativa. Concordamos também que ambas caminham juntas, a fim de nos levar a uma reflexão das nossas atitudes perante esta realidade modernizada e tão pouco usufruída culturalmente, chegando a uma degradante catástrofe, a uma delirante esperança de que algum herói, mesmo que seja problemático a mantenha acesa e não desista de perseguir os seus instintos, assim: Como a luz das estrelas. Quando ela nos atinge, brilhava há muito tempo, às vezes há milhares de anos. Pode ser que este cheiro molhado venha de um ponto tão remoto que vai demorar muito a chegar. Aposto tudo que é chuva. Alguém sabe se está chovendo por aí? (p.379).

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que fora construído pelo Esquema e que ele de certa man e i r a usufruía, partilhando aquela situaçã o d e d e s c a s o com o país, cada vez mais o furo em sua mão aumentava, até se tornar algo absurdo, de difícil visão diante do mesmo. Conseqüentemente, a sensação de estar vivendo ‘confortável’, parece lhe atribuir uma inquietação naquilo que vive, pois “Para mim, a realidade é este afundamento, sem dor, coceira. Inexplicável como tudo hoje em dia” (p.26).

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RESUMO

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O objetivo deste trabalho é analisar a potencialidade da inserção do biodiesel na matriz energética do Brasil. A produção e a comercialização do biodiesel implicam eficiência sócio-econômica com redução de preços, através da diminuição das importações, e principalmente da redução das disparidades regionais, através da geração de emprego e renda. Outro aspecto relevante da utilização de fontes alternativas renováveis deve-se à diminuição dos gases poluentes. Diversas políticas referentes aos biocombustíveis já têm sido implementadas pelo governo federal com o fim de suprir a demanda que tem se elevado, inclusive como uma forma de promover a inclusão social das regiões menos favorecidas, a exemplo do Norte e do Nordeste. Desse modo, o biodiesel representa uma alternativa tanto ao suprimento energético como à promoção do desenvolvimento sustentável no país. Palavras-chave: Energia; Petróleo; Biodiesel.

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ABSTRACT The objective of this work is to analyze the potential for the insertion of biodiesel in the energy matrix of Brazil. The production and commercialization of biodiesel implies socioeconomic efficiency with price reduction, through the lowering of imports, and mainly by the reduction of regional inequalities, through the generation of jobs and incomes. Another important aspect of the use of alternative sources of renewable energy is the reduction of pollutant gases. Diverse policies with reference to the bio combustibles already have been implemented by the federal government with the objective of meeting rising demands, including the possibility to promote social inclusion in less favored regions, for example in the North and Northeast. In this way, biodiesel represents an energy alternative as well as a means of sustainable development in the country. Keywords: Energy; Petroleum; Biodiesel.

Amanda Santos do Nascimento

Denisia Araujo Chagas Tavares

Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), e-mail: asn1205@yahoo.com.br

Professora da Faculdade São Luis de França e da UFS, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFS), especialista em Desenvolvimento Econômico Local (UFS), e-mail: denisia@ufs.br

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1 Introdução A busca por fontes alternativas renováveis deve-se ao caráter limitado das reservas petrolíferas e a atual tendência ao seu esgotamento, além da necessidade do uso de fontes que representem diminuição dos gases poluentes, especificamente os causadores do Efeito Estufa, que afetam o clima em escala mundial. A crescente demanda por energia e a busca de respostas em relação à oferta levanta alguns questionamentos, dentre os quais: Como o Brasil conseguirá suprir as necessidades desse mercado, sem comprometer as capacidades humanas das gerações futuras? Dessa maneira, a análise da sustentabilidade energética brasileira norteará o presente trabalho, tendo como principal hipótese, a apresentação do biodiesel como alternativa ao desenvolvimento sustentável, mostrando suas potencialidades e limitações. Baseado nas considerações acima, o biodiesel é apresen-


petróleo e a economia brasileira No início dos anos 70, período conturbado do ponto de vista econômico na esfera internacional, ocorreu o primeiro choque do petróleo, implicando elevação dos preços e quebra do acordo de estabilização das taxas de câmbio, firmado na segunda guerra mundial. Em reação a isso, diversos países passaram a agir de forma recessiva a esses acontecimentos. No caso do Brasil, não foi diferente. Com os desequilíbrios provocados pela crise agindo no aumento da inflação e nas diferenças na balança comercial, o país conheceu uma fase de declínio nas suas relações de troca, resultando em mudanças estruturais na economia brasileira (BAER, 2002). O que acaba por reafirmar isso foi o primeiro choque do petróleo, ocorrido especificamente em novembro de 1973, período em que os países componentes da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo decidiram quadrupli-

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inflação ou até mesmo a necessidade do ajuste nos preços relativos, com o objetivo de manter o crescimento econômico. Dessa forma, já no final de 1974, Geisel optou pelo ajuste na estrutura da oferta como alternativa à manutenção do índice de desenvolvimento econômico. Essa medida resultou na diminuição das importações, buscando o fortalecimento das exportações e objetivando o equilíbrio na Balança de Transações Correntes. Durante o período necessário para a consecução desse processo, procurou-se superar os déficits provocados pela crise do petróleo através de empréstimos externos, iniciando uma fase de endividamento (GREMAUD et al, 2004). Com isso, iniciou-se um processo de estatização da dívida, através do financiamento do setor privado por algumas agências oficiais, principalmente o BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, o que fez com que a dívida externa se elevasse muito rápido nesse período. O grau de importância do petróleo pode ser avaliado devido aos impactos decorrentes da crise de 70. Além dos fatores já citados, os quais propiciaram tal crise, está a descoberta da nãorenovabilidade do petróleo. Com isso, a preocupação com a temática energia foi evidenciada, o que a colocou em destaque entre os bens necessários à sobrevivência e ao bem-estar da população. A partir de então, duas medidas básicas começaram a ser tomadas em escala mundial: a conservação e o uso de fontes alternativas de energia.

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car o preço do barril de petróleo (GREMAUD et al, 2004). Nessa época, a importação de petróleo brasileira chegou a 80% do seu consumo total, o que fez com que a balança comercial passasse de uma situação de superávit em 1973 para um déficit de US$ 4,7 bilhões em 1974. A conta corrente, por sua vez, a qual já operava com um déficit de quase dois milhões atingiu o valor de US$ 7,1 bilhões (BAER, 2002). Com isso, o balanço de pagamentos passou a apresentar sucessivos déficits, o que demonstrou o grau de vulnerabilidade externa da economia brasileira. De acordo com Gremaud et al (2004), o choque do petróleo representou a transferência de recursos reais ao exterior e, com o hiato potencial de divisas, a manutenção do mesmo nível de investimento implicou maior sacrifício sobre o consumo. Ainda no ano de 1974, após o choque de preços provocados pelos países da OPEP, houve uma considerável mudança na esfera política do Brasil em decorrência da mudança de governo, período em que o presidente Emílio Garrastazu Médici deixou o cargo, a ser ocupado por Ernesto Geisel, que temendo governar durante um período de estagnação, tentou superar os problemas econômicos com o crescimento (BAER, 2002). O que se observou no cenário econômico da época foi uma tendência à desaceleração no crescimento, a qual se revelou pela necessidade de ajustamento, através da contenção da demanda interna, a fim de eliminar o risco da elevação das taxas de

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tado como uma fonte renovável dotada de imensa possibilidade de suprimento tanto do mercado interno, quanto do mercado externo, visto que o Brasil tem a possibilidade de se tornar o maior exportador mundial de óleos vegetais ou até do próprio biodiesel, dada sua biodiversidade.


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No Brasil, a crise energética em conjunção com a açucareira propiciaram o surgimento do Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), que consistia na substituição, em larga escala, dos derivados do petróleo, via transformação da energia armazenada, por meio do processo de fotossíntese, em energia mecânica, com o objetivo de reduzir a dependência externa brasileira. A implementação do Pró-Álcool teve seu início em 1975, mas apenas em 1979, com o segundo choque do petróleo, iniciou sua fase de afirmação, sendo determinada uma meta de produção de 7,7 bilhões de litros em cinco anos. No período entre 1986 a 1995, o Pró-Álcool conheceu sua fase de estagnação, devido às mudanças ocorridas no cenário internacional, fato que se deveu à queda nos níveis dos preços do petróleo. Tal fato proporcionou o freamento dos programas de substituição dos combustíveis de petróleo, os quais eram subsidiados, quase que na sua totalidade, pelo governo, o qual reduziu os investimentos nos projetos de produção interna de energia. Por isso, a oferta do PróÁlcool não alcançou o crescimento da demanda, e os baixos preços pagos aos produtores, em decorrência da queda nos preços do petróleo, proporcionou o desestímulo a essa produção. Essas crises também ocasionaram queda na fabricação de carros movidos a álcool, afetando negativamente esse setor. Na década de 90, ocorreu a Primeira Guerra do Golfo, iniciada com o intuito de anexar o Kuwait ao Iraque; o golfo pérsico foi fechado e os Estados Uni-

dos perderam dois fornecedores de petróleo, o Iraque e o Kuwait. As especulações em torno da guerra fizeram com que o preço do petróleo voltasse a subir. Com a rendição de Saddam Hussein, os preços caíram novamente. Nesse cenário, ressurge o Pró-Álcool, reafirmando-se em meio a esse turbulento contexto, o que gera a imposição de metas de produção e o surgimento de diversos financiamentos, mostrando assim a urgente necessidade do país pela busca de fontes que venham substituir o petróleo. É nesse contexto que se desenvolve o biodiesel, entre outros biocombustíveis, como uma alternativa ao suprimento energético mundial. Os estudos referentes à produção e aplicação do biodiesel datam dos anos 80. Porém, somente na década de 90, esse combustível toma notoriedade e iniciam-se os testes, um exemplo disso foram os testes feitos com frotas de ônibus nos Estados Unidos, usando o biodiesel de soja, sendo que na Europa, esses testes já vinham sendo aplicados anteriormente (CASTRO et al, 2005).

3 O biodiesel no Brasil Após as crises de petróleo, entre 1973 e 1974, e depois entre 1979 e 1980, tornaram-se mais comuns as pesquisas sobre o uso de biocombustíveis no Brasil (PLÁ, 2003). Na década

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de 70, a parceria entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, a Comissão Executiva de Plano da Lavoura Cacaueira – CEPLAC e o Instituto Nacional de Tecnologia – INT, inicia os estudos do uso de óleos vegetais, especialmente através do dendê como principal matériaprima, o qual foi denominado de “dendiesel” (MEIRELLES, 2003). Em 1980, com a união de diversas instituições e o apoio de empresas como a Petrobrás, foi criado o Probiodiesel – Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico do Biodiesel. Com a alta dos preços do petróleo em 1983, o Governo Federal lançou o Programa de Óleos Vegetais – OVEG, sendo iniciados testes em veículos que percorriam grandes distâncias. Esse programa também recebeu o apoio do setor privado, via institutos de pesquisa, indústrias automobilísticas, fabricantes de peças, lubrificantes, combustíveis, etc (MEIRELLES, 2003). No Gráfico 1 estão relacionados os combustíveis que formavam a matriz energética brasileira, tendo como base o ano de 2002. Pode-se visualizar que o petróleo constituiu a maior fonte de energia brasileira. Como o biodiesel ainda se encontrava em fase de afirmação, estava inserido na categoria outros, aparecendo na última posição em relação aos demais. De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Probiodiesel visa solucionar essa questão, através da promoção da viabilidade técnica, sócio-ambiental e econômica do biodiesel, a fim


de inserí-lo, com sucesso, na matriz energética brasileira. Nessa mesma época, esses estudos foram deixados de lado, pois toda a atenção estava voltada ao Pró-Álcool, visto que a inserção de um novo combustível na matriz energética brasileira implicava na necessidade da montagem de diversos programas de produção, processamento e distribuição (PLÁ, 2003). Segundo Plá (2003), as vantagens da instalação de indústria de combustíveis alternativos derivados de óleos vegetais são inúmeras. Porém, a obtenção de consideráveis rendimentos agrícolas é indispensável, dados os gastos com energia durante a produção, bem como os gastos com o transporte dos insumos. Dessa forma, constata-se que a utilização de um novo combustível, depende, entre outros fatores, de uma relação entre a energia consumida no processo de produção e a energia final disponibilizada através dessa produção. É necessário que se tenha um balanço energético favorável que

torne viável tanto a produção quanto o uso desse combustível. O balanço energético brasileiro ainda é bastante preliminar, devido a não consideração de outras variáveis que afetam significativamente os resultados, visto que o tema deveria ser melhor explorado, objetivando a orientação das decisões referentes a esse processo de desenvolvimento. Outro aspecto a ser considerado é que a escolha da matéria-prima e dos processos a serem utilizados depende muito desse balanço (LIMA, 2004). Com os testes acerca da viabilidade do biodiesel, dentre os quais o que utiliza o óleo de soja numa proporção de 30%, constatou-se a viabilidade técnica, porém, não a econômica, pois os altos custos de produção impedem seu uso em escala comercial (LIMA, 2004). No ano de 2002, a UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro passou a estudar a possibilidade da utilização de óleos residuais, usando gorduras da Estação de Esgotos e de óleos

Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia (2002).

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provenientes de restaurantes. Tais estudos levaram a conclusão da viabilidade do uso dessa matéria-prima para a produção do biodiesel (MEIRELLES, 2003). Com a elevação dos preços do petróleo, ocasionando o aumento da preocupação com o mercado de combustíveis originados de fontes renováveis, o Ministério da Ciência e Tecnologia lançou em 2002 o Probiodiesel – Programa Brasileiro de Desenvolvimento do Biodiesel. Tal programa objetivou a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do biodiesel, a partir de óleos puros ou residuais, promovendo a sua viabilidade técnica, sócio-ambiental e econômica, além de agir no estímulo da formação das cadeias produtivas das oleaginosas ao longo das regiões (LIMA, 2004). Desde a sua implantação, o Probiodiesel despertou inúmeras críticas, pois muitos consideram seu objetivo um tanto quanto duvidoso, em decorrência do enquadramento dos propósitos sociais e governamentais em que esse programa deve se encaixar, pois o que se tem percebido é uma tendência à utilização da soja como principal matéria-prima, caracterizando a oleaginosa como carrochefe do programa. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja e cerca de 90% da produção de biodiesel provém dela. Além do interesse brasileiro na produção de soja decorrente da imensa demanda internacional pelas proteínas que podem ser extraídas de seus grãos, utilizados especialmente para a produção de rações, o que mostra que o óleo

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de soja também é exportado em larga escala (MEIRELES, 2003). Porém não é viável para o Brasil que se crie em torno da produção do biodiesel, uma espécie de restrição para uma determinada matéria-prima, visto que esse programa não teria justificativas técnicas, tampouco ambientais. Outra questão importante a ser explorada é que a diversidade das espécies brasileiras garante à futura indústria do biodiesel no Brasil a não preocupação com os problemas de escassez de oferta ocasionados pelas entressafras. Além dos programas existentes, com destaque para o Probiodiesel, há diversos projetos de lei que tramitam no Congresso, que buscam efetivar a inserção do referido combustível na matriz energética brasileira, dentre eles cabe enfatizar o projeto de número 526/2003, que regulamenta o uso do biodiesel no Brasil (MEIRELLES, 2003). A situação do biodiesel no Brasil é relativamente favorável, pois diversos acordos têm sido fechados, envolvendo grandes empresas interessadas, tal como a Eletronorte, que deverá implantar o uso do combustível em suas usinas termoelétricas. Entretanto, uma das preocupações da ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis é conseguir o nível de competitividade com o diesel de petróleo, o que estimulará a produção decorrente do aumento da demanda (LIMA, 2004). A Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A. aumentou seus investimentos em biocombustí-

veis nos últimos anos, especialmente em bases de armazenamento para comportá-los. Isso ocorreu quando a empresa deixou de construir sua base no petróleo, tornando-se uma empresa de energia. Além disso, a empresa participa assiduamente dos leilões organizados pela ANP e arremata milhares de litros de biodiesel, estimulando o desenvolvimento do setor.

3.1 - Potencialidades para a implantação do Biodiesel no Brasil Com os estudos da UFRJ citados anteriormente e a constatação da viabilidade dos óleos residuais como matéria-prima para a fabricação do biodiesel, chegouse à conclusão de que existem algumas vantagens na utilização desses óleos. Tal processo não é considerado complexo, já que aproveita até a gordura extraída da escuma dos esgotos. Entretanto, pode ser considerado como desvantagem do processo, o fato de que o óleo residual é caracterizado como subproduto dos restaurantes, visto que é comercializado e já possui mercado estabelecido (LIMA, 2004). Outra fonte de matéria-prima que deve constituir o principal vetor para o progresso dos programas brasileiros do biodiesel é a produção de oleaginosas. Nesse contexto, o Brasil se destaca devido a sua extensão territorial, o que faz com que receba o título de “Paraíso da Biomassa” (PLÀ, 2005). Segundo estudos da National Biodiesel Board, dos Estados Unidos, o Brasil tem condições de liderar a produção de biodiesel mundial, promovendo a substituição de 60% da demanda mun-

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dial do diesel de petróleo (MEIRELLES, 2003). O Brasil possui várias espécies de oleaginosas com potencial para se tornar em matéria-prima para o combustível, tais como: girassol, nabo-forrageiro, algodão, mamona, soja, canola, pinhãomanso, etc. As matérias-primas, bem como os processos a serem escolhidos para a produção do biodiesel, dependem da região considerada e da adaptação das culturas de determinadas oleaginosas. As oleaginosas que se adaptam melhor ao Sudeste do país são: a soja, o girassol, e a canola. No Centro-Oeste, predominam a soja, a mamona, o girassol e o algodão. Já no Norte, a matériaprima mais utilizada é o dendê. No Nordeste, a oleaginosa predominante é a mamona. Entretanto, as culturas de dendê, babaçu e pinhão-manso são facilmente adaptáveis em algumas localidades (CASTRO et al, 2005). No Brasil, a utilização do “diesel vegetal” pode atender a dois mercados, o automotivo e o das estações estacionárias, cada um apresentando suas peculiaridades e seus respectivos submercados. O mercado automotivo pode ser caracterizado por suas subdivisões: um composto por grandes consumidores, como empresas de transportes urbanos, de prestação de serviços, além do transporte ferroviário e hidroviário. O segundo tipo de submercado é o de consumo ou varejo, que engloba a venda de combustível em postos autorizados, no qual se incluem os transportes interestaduais e o de veículos leves. O mercado das estações estacionárias é caracterizado pela ge-


ração de energia elétrica, o que poderá suprir as necessidades das regiões mais remotas. Embora não represente, em termos de volume, um avanço significativo, pode implicar considerável redução nos custos com o transporte, e principalmente, promover a inclusão social dessas comunidades. Há também a possibilidade de inserção do biodiesel em nichos de mercado, encontrados na pequena indústria e no comércio. Dessa forma, constata-se que a demanda brasileira por biocombustíveis é determinada pelo mercado petrolífero, em que o volume da demanda pelo diesel de petróleo constitui enorme dispêndio, que poderá ser altamente reduzido com os programas de produção de biodiesel. O mercado interno do biodiesel é amplo, podendo ser largamente empregado por empresas transportadoras, cooperativas agrícolas, produtores rurais, caminhoneiros e indústrias que usem geradores a óleo diesel, além de contar com a maior empresa de energia brasileira – a Petrobrás.

3.2 - Fontes de Financiamentos no Brasil As fontes de financiamento podem ser divididas em internas e externas. Quanto às fontes internas, pode-se destacar a participação do BNDES, que conta com programas de apoio financeiro para o investimento em energia. Tais programas objetivam o aumento da oferta e a otimização do consumo (LIMA, 2004). Entre as condições operacionais relacionadas a financiamentos, está a elevação dos percentuais de participação no investimento total, a

concessão de aval, a flexibilização das garantias e a simplificação dos processos de análise e contratação. O que se faz necessário, portanto, é a criação de programas de financiamentos para a instalação de unidades de produção de biodiesel através da criação de cooperativas e do credenciamento de alguns agentes financeiros, para garantir o acesso ao crédito, a exemplo do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste. O Banco do Brasil, por sua vez, também dispõe de programas de financiamento para os pequenos produtores, caso do PRONAF – Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar. No que diz respeito às fontes externas de financiamentos, os recursos provêm do mercado de carbono e dos investidores interessados nos ativos ambientais, pois a necessidade dos países industrializados na redução da emissão de CO2 implica na atração de capital externo. O PCF – Prototype Carbon Fund, criado em 1999, visando à promoção do desenvolvimento sustentável, recebe recursos de países desenvolvidos e repassa-os para o financiamento de projetos.

3.3 - Motivações regionais para a produção do Biodiesel no Brasil As diversidades sociais, econômicas e ambientais geram distintas motivações para a produção de combustíveis alternativos ao longo das regiões brasileiras, o que é demonstrado pela imensa variedade de espécies que se prestam à fabricação do diesel vegetal no Brasil. Na região Sul, por exemplo, a

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produção de biodiesel poderá equalizar os déficits provocados pelo óleo de soja nos mercados convencionais, por meio da queda do seu consumo. No Sudeste, o combustível em questão apresenta potencial para ajudar a melhorar a qualidade de vida nos grandes centros urbanos, em decorrência da diminuição da poluição ocasionada pelos combustíveis derivados do petróleo. E assim como no Sul, a soja pode ser eleita como base para a consecução do referido processo de desenvolvimento. Além da redução da emissão de gases causadores do Efeito Estufa, no Centro-Oeste do país, onde cerca de 80% dos transportes de carga é feito por rodovias, devido a sua localização geográfica, o biodiesel pode ser uma alternativa à redução dos preços dos combustíveis, através da economia de divisas. O Norte do Brasil sofre com o isolamento energético de regiões longínquas localizadas principalmente na Amazônia. Com o uso do biodiesel, esse problema poderá ser em parte solucionado, pois na região gasta-se normalmente o equivalente a três litros de diesel para o transporte de apenas um litro de combustível. A região Nordeste, por sua vez, merece atenção especial, pois associados a um programa de assentamentos sustentáveis, a produção e o consumo do biodiesel resultarão na geração de emprego e renda para a população, através da ricinocultura (cultivo de determinado gênero de mamona ou carrapateira - lat. ricinus), proporcionando a inclusão social dessa região tão marginalizada, agindo assim na erradicação da miséria na mesma.

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Fonte: Lima (2004) e Castro et al (2005). Elaboração própria.

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O Quadro 1 sintetiza as motivações regionais, bem como destaca as oleaginosas mais adaptáveis a cada região geográfica. O que deve ser ressaltado com referência às motivações, é que em todas as regiões brasileiras o biodiesel também agirá na promoção do melhor aproveitamento dos materiais, no que diz respeito ao uso dos óleos residuais de frituras e de resíduos industriais, bem como de matérias graxas extraídas de esgotos industriais e municipais (MEIRELLES, 2003). A oportunidade de crescimento tecnológico também deve ser colocada em pauta nessa discussão, pois com a inserção do combustível na matriz brasileira, a preocupação com novos métodos e estratégias interfere tanto na esfera de produção quanto no que diz respeito a melhores políticas de distribuição e consumo. A situação do combustível em questão é relativamente favorável, apesar da necessidade de um maior número de programas regionais. Tal situação pode ser claramente visualizada através dos aspectos que regem a implantação desses programas, em que são demonstrados os interesses individuais de cada região.

A região Sudeste possui um dos mais importantes centros de estudo sobre biocombustíveis, que se localiza no Rio de Janeiro. Trata-se do Coppe – Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia e da Escola de Química da UFRJ. Nesse centro, além de testes com óleos vegetais, são utilizados os óleos residuais como matéria-prima para a fabricação do diesel vegetal, o qual é testado em veículos da própria universidade. Em São Paulo existem diversos centros de pesquisa, é o caso da Ladetel – Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas da USP – Universidade de São Paulo. Nesse centro foi desenvolvido um processo para a fabricação do biodiesel à base de óleo de cana. Além disso, há realização de vários testes para a verificação da viabilidade das proporções de mistura dos biocombustíveis, utilizando percentuais que chegam a 100%, o B100, nos quais se usam como matéria-prima os óleos de soja, amendoim, girassol, algodão, milho, canola, mamona, pequi, além dos óleos residuais provenientes de lanchonetes e restaurantes universitários. Ainda em São Paulo, localiza-se o Pólo

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Nacional de Biocombustíveis, mais precisamente em Piracicaba, onde o etanol é facilmente obtido, em decorrência da plantação de cana em larga escala nessa região. Em toda a região Sudeste, a soja e o amendoim são as oleaginosas mais encontradas ao longo das plantações. Já em Minas Gerais, a mamona e o algodão são as melhores alternativas devido ao clima seco da região. Na região Sul, com o intuito de equilibrar os mercados do óleo de soja, o Sul do país tem produzido o biodiesel em larga escala. Entretanto, as produções de amendoim e de girassol são ótimas opções para essa região. O principal centro de estudo da região localizase na Universidade Federal do Paraná, onde são realizados diversos testes em veículos movidos a biodiesel de óleo de soja. Nos estados de Tocantins e Goiás, ambos pertencentes à região Centro-Oeste, há a predominância do babaçu, pois dele é possível extrair-se o óleo necessário, tanto à produção do biodiesel quanto à do metanol. O Mato Grosso do Sul, por sua vez, é um grande produtor de soja. Partindo do pressuposto de que o biodiesel auxiliará na redu-


ção dos isolamentos energéticos do Norte, a urgência do aumento da produção de biocombustíveis é cada vez maior, pois grande parte do transporte fluvial na região é feita por esses combustíveis, além de ser largamente utilizado na geração de energia. O dendê é uma das matérias-primas mais utilizadas na região.

A região Nordeste Ao longo da região semi-árida, a qual engloba quase todos os estados da região nordestina, convive-se com periódicas secas e grandes situações de miséria, especialmente na zona rural. No Nordeste, a cultura de oleaginosas deve ser o vetor para o fortalecimento do processo, que é baseada na lavoura sem irrigação. A mamona e o algodão representam as alternativas mais viáveis a esse tipo de produção, devido à facilidade de adaptação das referidas culturas a climas secos (EMBRAPA, 2003). Segundo estudos realizados pela Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a lavoura da mamona, por sua alta economicidade, presta-se à agricultura familiar. Sua torta orgânica serve como ótimo adubo para a fruticultura, horticultura e floricultura, atividades características da região. De acordo com avaliações feitas pela CONAB (2006), o pinhãomanso (planta perene e nativa das Américas) apresenta-se como uma boa opção de cultivo para o semi-árido nordestino, por ser uma planta rústica, de alto rendimento (35 a 38% de óleo), apresentando alta produtividade e uma torta orgânica de excelente

qualidade, a qual serve de fertilizante, além de ser adaptável a solos pobres e ser resistentes a secas e geadas. Na área de transição entre o Semi-árido e o Cerrado, onde se localiza o Maranhão, há a alternativa de culturas perenes como a do babaçu, planta nativa da região. Porém, o que tem representado barreira quanto ao cultivo do babaçu, são os custos referentes a sua extração, pois o seu óleo é envolto por uma casca muito dura, o que dificulta o processamento, visto que a produção ainda é baseada no extrativismo. O Probiodiesel prevê a injeção de mais de R$ 369 milhões na agricultura familiar no ano de 2007, o que estende o benefício a mais de 205.000 agricultores familiares. Além da promoção de financiamentos para os agricultores nordestinos, o programa permitirá a redução da importação do óleo diesel, o que implica o direcionamento dos recursos para o mercado interno. O biodiesel também agirá no aumento da renda de quem se situa abaixo da linha de pobreza, representando uma “porta de saída” para o Bolsa-Família, através da complementariedade da renda. O Nordeste é responsável por cerca de 15% do diesel consumido no país, baseado nos diversos projetos de matrizes de produção em andamento, a exemplo dos localizados em Fortaleza e em Teresina. Esses projetos trarão à região a capacidade de produção de 90.000 litros por dia, formando um processo audacioso, se for considerada a distância das fontes de matérias-primas. A cotação internacional do óleo de mamona é de aproxima-

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damente US$ 1.000,00 uma tonelada, esse valor é proveniente das diversas potencialidades desse óleo, por ser considerado um óleo nobre, devido a sua alta viscosidade. Desse modo, busca-se formas para redução do seu preço ao patamar dos demais óleos. O total da produção somandose a todos os projetos implantados e em fase de implantação resulta num potencial capaz de atender a apenas um quarto da demanda na região, o que demonstra a necessidade do aumento da oferta. A Embrapa já mapeou diversas áreas que poderão servir especialmente para uso da agricultura familiar. Porém, é importante conservar a impreterível obediência às corretas práticas de manejo, principalmente se a lavoura for consorciada com outras culturas, para que se possa obter a maximização da produtividade nessas lavouras. Entretanto, as pesquisas concernentes aos processos de produção ainda são muito precárias. Conclui-se, com isso, a viabilidade e a necessidade de projetos regionais de estímulo à produção de biodiesel no Brasil. No ano de 2006, o setor adquiriu regime tributário especial. A medida foi encaminhada ao Congresso, antes mesmo da aprovação do Probiodiesel, que já tramitava no congresso desde 2004, que posteriormente foi transformada na Lei 11.097, fixando a obrigatoriedade do B5 ao óleo diesel comercializado com o consumidor brasileiro, a partir de 2013. Porém, ao ser aprovada, foi retirado um inciso, o qual atribuía à ANP, a fixação do percentual de biodiesel nas misturas. A política tributária do biodiesel incentiva a compra de matéria-

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prima da agricultura familiar, especialmente do norte e do nordeste, objetivando a marginalização enfrentada por essas regiões. Para se ter acesso à redução nas alíquotas, o produtor deve possuir o “Selo de Combustível Social”, fornecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. A produção do biodiesel surge como uma atividade capaz de garantir a sustentabilidade energética no Brasil, além da garantia dos benefícios econômicos, ambientais e sociais. A expectativa é que as regiões mais carentes possam se inserir nesse processo através da significativa utilização da matéria-prima proveniente da agricultura familiar.

4 Considerações finais O Brasil é um país dotado de diversas potencialidades, principalmente no que diz respeito à possibilidade de expansão agrícola, além da enorme variedade de matérias-primas e mão-deobra, o que o coloca numa posição privilegiada em relação à urgente transição para uma civilização baseada na biomassa. A inserção do biodiesel na matriz energética brasileira é posta como uma alternativa, tanto ao suprimento energético alcançado com o aumento da oferta do combustível, quanto ao desenvolvimento sustentável, pois a produção e a comercialização do mesmo implicam redução de preços, através da diminuição das importações, e, principalmente, na redução das

disparidades regionais, através da geração de emprego e renda. Diversas políticas referentes ao biodiesel já têm sido implementadas pelo governo federal. O interesse do governo na esfera dos biocombustíveis encontra lugar na necessidade de suprimento da demanda, que tem se elevado, mas, principalmente, como uma forma de promover a inclusão social das regiões menos favorecidas, a exemplo do Norte e do Nordeste. Ainda no que se refere às regiões, as quais apresentam suas respectivas peculiaridades, surge a necessidade da criação de políticas regionais de desenvolvimento do biodiesel. Tais políticas devem considerar as matérias-primas adaptáveis à região; o clima predominante; a capacidade de absorção do mercado regional; a logística de comercialização; a capacidade de exportação, além da necessidade de aprimoramento dos modos de produção, entre outros fatores.

Percebe-se ainda que o desenvolvimento do programa brasileiro do biodiesel depende basicamente do funcionamento do mercado internacional, o que é mostrado pelo grau de dependência quanto à consecução desse programa em relação à variação na taxa de câmbio e ao preço do barril de petróleo, o que torna o biodiesel competitivo ou não, a depender do cenário no qual se encontra inserido. O que deve configurar as pesquisas brasileiras é a preocupação em relação a quais direções o combustível deve tomar, para que se torne viável, tanto do ponto de vista financeiro quanto do econômico. Para que os programas de biodiesel tenham êxito, diversos problemas precisam ser solucionados, especialmente os que se referem ao fornecimento da matéria-prima e à formação dos preços, que constituem os principais gargalos encontrados nesse mercado.

Referências Bibliográficas BAER, Werner. A Economia Brasileira. São Paulo: Editora Nobel, 2002. CASTRO, C. E. F; CARBONELL, S. A. M.; MAIA, M. S. D. e MORAIS, C.G. Série Reuniões Técnicas: Biodiesel. Campinas: Editora Campinas, 2005. CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento. Disponível em <http://:www.conab. gov.br>. Acesso em: 20 nov. 2006. EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Embrapa: fazendo um Brasil que dá gosto. Brasília: Embrapa, 2003. GREMAUD, A. P; VASCONCELOS, M. A. S; JUNIOR, R. T. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 2004. Ministério da Ciência e Tecnologia. Dispo-

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nível em: <http://www.mct.gov.br>. Acesso em: 13 nov. 2006. LIMA, Paulo César Ribeiro. O biodiesel e a inclusão social. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, março de 2004. 33p. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br>. Acesso em: 13 nov. 2006. MEIRELLES, Fábio de Sales. Biodiesel: Respostas Técnicas. Brasília: Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico – CTD/UnB, 2003. PLÁ, Juan Algorta. Histórico do biodiesel e suas perspectivas. Rio Grande do Sul: Universidade do Rio Grande do Sul, 2003. Disponível em: <http: // www.ufrgs.br/decon/> Acesso em 05 nov. 2006.


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BRUNA Vanessa Cunha dos Santos Engenheira Florestal. Universidade Federal de Sergipe (UFS), Departamento de Engenharia Agronômica (DEA). E-mail: brunavanessa @hotmail .com

O presente estudo teve como objetivos conhecer a percepção de consumidores aracajuanos quanto aos aspectos relevantes envolvidos na atuação sócio-ambiental de empresas; a influência dessa visão nas relações de consumo de produtos alimentícios ambientalmente corretos e saber qual a influência que a renda familiar e grau de instrução sobre essa visão. Foi realizado no município de Aracaju – SE durante os meses de julho a agosto de 2006, com 350 entrevistas por meio de um questionário semi-estruturado em sete lojas das duas principais redes de supermercados da cidade. Os dados foram processados no software SPSS for Windows 13.0 e analisados pelas freqüências das respostas. Concluiu-se que os consumidores aracajuanos são incipientes no que diz respeito à utilização do seu poder de compra para prestigiar empresas que têm um compromisso com a responsabilidade sócio-ambiental; conhecem pouco sobre certificações e selos de qualidade e não incluem as questões relacionadas ao meio ambiente em seus critérios de compra. Há uma correlação entre as questões abordadas, renda familiar e escolaridade. É importante que sejam desenvolvidas estratégias de marketing para divulgar a importância de incluir o fator responsabilidade sócio-ambiental nas decisões de compra, aliados a qualidade e preço de modo que se alcance uma sociedade sustentável. Palavras-chave: Responsabilidade sócio-ambiental; Selos de qualidade; Marketing.

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RESUMO

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ALAN Alexander Mendes Lemos Administrador de Empresas, Doutor, Professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Departamento de Engenharia Agronômica (DEA). E-mail: alan_lemos@terra. com.br

The purpose of this study was to find out the opinion of consumers from the town of Aracaju, in the state of Sergipe, Brazil, about relevant aspects related to environmentally-friendly businesses. It also investigated the possible impact of such opinions on the consumption of environmentally safe food products and the influence of income and education on people’s behavior associated with this matter. The study consisted of interviews that utilized semi-structured questionnaires conducted with 350 subjects in seven department stores located in the town of Aracaju from July to August 2006. Statistical analyses were run on SPSS for Windows 13.0. Results suggest that consumers in the town of Aracaju are not aware of how their purchasing power can be used to support businesses committed to socially responsible environmental policies. Furthermore, these consumers know little about quality control and have not included environmental issues on their criteria in buying products. There was found a correlation between this matter and levels of education and income. It is important that marketing strategies be developed that promote the inclusion of environmentally responsible ideas in consumers’ buying decisions which, together with quality and affordable prices, could contribute to the development of a more sustainable society. Keywords: Social environmental responsibility; Quality control; Marketing.

LAURA Jane Gomes Engenheira Florestal, Doutora, Professora Adjunta da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Departamento de Engenharia Agronômica (DEA). E-mail: laurabuturi@ufs.br

MATHEUS Pereira Mattos Felizola Publicitário, Mestre, Coordenador Adjunto do Curso de Administração da Universidade Tiradentes. E-mail: matheusfelizola@ infonet.com.br.

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CARLOS Eduardo Silva Administrador de Empresas, Diretor Administrativo do Centro de Pesquisas Ecológicas Culturais e Sociais CEPECS-Brasil. E-mail: carlos@arvore.org.br.

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ABSTRACT


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Introdução

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O reconhecimento de que os recursos naturais são finitos e de que a promoção ativa do desenvolvimento sustentável do planeta é imprescindível à sobrevivência da espécie humana têm obrigado a humanidade a repensar o modo como se relaciona com o mundo em que vive. Um dos principais comportamentos que expressam essa relação é o consumo. Muito tem sido feito em seu nome: devastação de florestas, extinção de espécies, contaminação dos recursos hídricos, poluição da atmosfera, desperdício de energia e alimentos. Nesse contexto, identificam-se os primeiros indivíduos que buscam consumir de maneira mais consciente, passando de ‘‘cidadão consumidor’’ a ‘‘consumidor cidadão’’. Esse processo inclui a busca do equilíbrio entre as necessidades individuais, as possibilidades ambientais e as necessidades sociais nas três etapas de consumo: compra (escolha), utilização e descarte. Nesse sentido, o consumidor passa a considerar os aspectos de eficiência do produto ou do serviço ao lado dos impactos sobre o meio ambiente e sociedade. A valorização de empresas socialmente responsáveis, os critérios éticos e o uso racional dos recursos naturais são alguns dos aspectos relevantes que têm contribuído para a mudança do perfil do consumidor brasileiro. Houve uma grande evolução no poder relativo das empresas nas últimas décadas. Esta extraordinária concentração de riqueza nas mãos das empresas lhes confere um tal poder que é urgente a reflexão sobre questões que se tornam cruciais para o futuro das sociedades e para a própria sustentabilidade do planeta: as empresas assumirão um papel de agentes de transformação social e das tendências de degradação dos recursos ambientais no século 21? Quais são as limitações para que este processo ocorra? Para que a abrangência das ações empresariais possa verdadeiramente mudar essas tendências, a responsabilidade social deverá incorporar, ao mesmo tempo, uma significativa mudança de valores e um volume expressivo de investimentos sociais.

A lógica das relações da empresa com o mercado passa, no entanto, pela maneira como os agentes de mercado e, muito especialmente, os consumidores irão valorizar as empresas. É preciso que os consumidores “valorizem” aquelas que dedicam uma parcela mais significativa dos seus recursos para atividades exemplares de transformação social e que a mudança de seus valores seja efetivamente refletida nas relações com todos os seus públicos. Esse estudo teve o intuito de fornecer informações fundamentais para que se estabeleçam critérios referenciais de avaliação e comportamento do consumidor aracajuano e para isso teve como objetivo conhecer a percepção de consumidores aracajuanos quanto aos aspectos relevantes envolvidos na atuação sócio-ambiental de empresas; a influência dessa visão nas relações de consumo de produtos alimentícios ambientalmente corretos e saber se existem influência entre a renda familiar e o grau de instrução (escolaridade) sobre essa visão.

2 Consumo sustentável As relações entre sociedade e meio ambiente vêm se modificando ao longo dos anos, passando de um contato que visava puramente a exploração dos recursos naturais – no passado –, para uma interação mais consciente que visa a sustentabilidade desses recursos. Há alguns anos atrás havia apenas os consumidores que se preocupavam com a satisfação imediata de suas necessidades, em detrimento do impacto ambiental que isso causava. Este tipo de comportamento levava (e ainda leva) a um padrão de consumo que dificilmente seria (e será) capaz de se manter por muito tempo, em virtude das limitações de recursos existentes no planeta. Contudo, esta visão vem mudando e o meio ambiente, anteriormente tido somente como fonte de recursos, tem se tornando o foco de diversas discussões que visam a sustentabilidade (BEDANTE, 2004). Com as crescentes preocupações ambientais, os movimentos em defesa do meio ambiente e a insus-

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tentabilidade dos padrões de consumo atuais, viuse a necessidade de se procurar alternativas que fossem ao encontro do desenvolvimento sustentável. O que muitos consumidores não sabem é que os produtos, na sua maioria, causam impactos negativos ao meio ambiente, devido à forma como são conduzidas a extração da matéria-prima, sua produção e o seu descarte após a vida útil do produto. Para que se possa evoluir em relação ao consumo consciente ou sustentável, é preciso informar mais e melhor a respeito dos produtos que se dizem ambientalmente corretos por possuírem selos ambientais, acrescentando veracidade e clareza aos rótulos, não apenas a imagem avulsa de um selo num rótulo de embalagem. É preciso que o consumidor perceba o rótulo, e compreenda o que ele comunica (KOHLRAUSCH, 2003). De acordo com Bentley (2002), a alavanca principal para reduzir os efeitos ambientais do consumo não precisa ser necessariamente o ato de consumir menos, mas como uma segunda alternativa, consumir de maneira diferente. Consumir menos seria o caminho ideal, especialmente nos países desenvolvidos, porém, consumir de maneira diferente, utilizando-se da reutilização, reciclando produtos, comprando peças construídas com considerações ambientais e produtos que contenham rótulos ambientais, hoje, pode ser uma atitude mais realista. Consumir de maneira consciente é satisfazer as necessidades individuais, porém mantendo e conservando a preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento humano. O consumidor consciente está sempre em busca de informações, para assim, poder optar pela melhor escolha de um produto ou serviço, informando-se sobre o impacto que a produção causa ao meio ambiente, o uso e descarte que eles causam à sociedade e à natureza. Desta forma, valoriza o papel determinante que possui no processo de consumo, ou seja, usa seu poder aquisitivo em favor de desenvolvimento sustentável, através da escolha de produtos com características ambientais desejáveis (KOHLRAUSCH, 2003). A Agenda 21 em seu contexto principal, relata quais as ações que devem ser tomadas pelos governos para aliar a necessidade de crescimento dos países com a manutenção do equilíbrio do meio ambiente. Os temas principais falam justamente sobre mudanças de padrões de consumo, manejo ambiental dos resíduos sólidos e saneamento e abor-

dam ainda o fortalecimento do papel do comércio e da indústria como possíveis gestoras do que seria uma sociedade ambientalmente responsável. A Agenda 21, em seu Capítulo 4, aponta deliberações e ações para a necessária “mudança dos padrões de consumo”, condenando a insustentabilidade dos padrões atuais e demarcando como objetivos de ação: (a) promover padrões de consumo e produção que reduzam as pressões ambientais e atendam às necessidades básicas da humanidade; e (b) desenvolver uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de se implementar padrões de consumo mais sustentáveis. O consumidor, na Agenda 21, torna-se um dos atores sociais mais importantes no processo de substituição dos perdulários padrões de produção e consumo, com a mulher recebendo papel de destaque: Este programa ocupa-se, antes de mais nada, das mudanças nos padrões insustentáveis de consumo e produção e dos valores que estimulam padrões de consumo e estilos de vida sustentáveis. Requer os esforços conjuntos de Governos, consumidores e produtores. Especial atenção deve ser dedicada ao papel significativo desempenhado pelas mulheres e famílias enquanto consumidores, bem como aos impactos potenciais de seu poder aquisitivo combinado sobre a economia. O conceito de “consumo sustentável”, em sua redação oficial, é entendido como sendo: O uso de serviços e produtos que respondem às necessidades básicas de toda população e trazem a melhoria na qualidade de vida, ao mesmo tempo em que reduzem o uso dos recursos naturais e de materiais tóxicos, a produção de lixo e as emissões de poluição em todo ciclo de vida, sem comprometer as necessidades das futuras gerações. (CDS/ONU – Comissão de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas – 1995). Esse termo foi incorporado oficialmente pela ONU (Organização das Nações Unidas) apenas em 1995, e exige mudanças complexas em todo o sistema produtivo, abrangendo a parte social, ambiental e ética. Na esfera social, leva em conta as desigualdades, visto que todos devem ter, no míni-

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mo, suas necessidades básicas atendidas. Já na ambiental, é levado em conta todo o ciclo de vida do produto, da extração da matéria prima ao descarte final, enfatizando a redução da exploração da natureza e a diminuição da poluição. E, por fim, a preocupação ética com as futuras gerações, pois se continuar do jeito que está, com altos níveis de desperdício e exploração de matéria prima, poluição e tantos impactos e desequilíbrios, muitas vezes irreversíveis ao meio ambiente, as próximas gerações serão seriamente afetadas. Ser consumidor, ou seja, ter o poder de comprar determinados produtos e serviços garante a um grande número de pessoas condições de escolha e de definição dos atributos não apenas dos próprios produtos e serviços, mas também das empresas que os fornecem. Ser um consumidor consciente significa fazer de seu ato de compra um ato de cidadania, isto é, ser capaz de escolher produtos, serviços e empresas fornecedoras que contribuam para uma condição de vida ambientalmente sustentável e socialmente justa (INSTITUTO AKATU, 2002).

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Metodologia 3.1 - Amostragem Primeiramente, foi feito um levantamento dos bairros onde se situavam as duas grandes redes de supermercados e, em seguida, foram selecionados pontos estratégicos para que houvesse uma boa distribuição dos dados. Deste modo, foram selecionados sete bairros, sendo eles, São José, Siqueira Campos, Ponto Novo, Augusto Franco, Salgado Filho, Bugio e Luzia. Foram realizadas 350 entrevistas, com base em um questionário estruturado pré-determinado, com questões “abertas” e “fechadas”, em sete lojas das duas principais redes1 de supermercado da cidade REDE 1 e REDE 2. A pesquisa foi realizada em diferentes bairros, para que houvesse uma melhor representação dos dados (Tabela 1). A amostragem foi do tipo não-probabilística por conveniência; nesta técnica, os indivíduos foram escolhidos por serem mais acessíveis (ALENCAR, 1999). A entrevista de uma “pessoa qualquer no supermercado” é um exemplo, ou seja, não era pre-

ciso que a pessoa estivesse realizando uma atividade ou um comportamento específico. O simples fato de a pessoa estar dentro do supermercado fazia dela um entrevistado. Tabela 1 -

Rede de supermercado, bairro e número de entrevistados

Tabela 1. Rede de supermercado, bairro e número de entrevistados. Fonte: Dados da Pesquisa

Fonte: Dados da Pesquisa

3.2 - Coleta dos dados e análise das informações A coleta de dados foi realizada entre os dias 29/ 07 e 11/08/2006. A pesquisa é do tipo descritiva/ quantitativa: tipo descritiva pois tem como objetivo descrever características ou funções de mercado; no presente caso, faz estudos de mercado que descrevem o poder de compra e o perfil dos consumidores; e quantitativa, por ter como objetivo quantificar os dados e generalizar os resultados da amostra para a população-alvo. O método de pesquisa descritiva utilizado no presente estudo foi o método de survey. O método de survey baseia-se em um questionário estruturado dado a uma amostra de uma população, é usado para estabelecer perfis de consumidores, é o meio mais flexível para obtenção de dados de entrevistados e é o método mais comum de coleta de dados primários em uma pesquisa (MALHOTRA, 2001). O questionário de survey pode ser apresentado de quatro maneiras principais: (1) entrevistas telefônicas, (2) entrevistas pessoais, (3) entrevistas pelo correio, e (4) entrevistas eletrônicas (MALHOTRA, 2001). No presente estudo, foram realizadas entrevistas pessoais com os consumidores em supermercados. 1

Com a finalidade de preservar os nomes da redes de supermercado e suas respectivas lojas, os nomes foram substituídos por números.

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Os dados foram processados pelo software Statistical Package for Social Sciences (SPSS for Windows 13.0). Os resultados foram obtidos analisando-se as freqüências (porcentagem) das respostas dadas pelos entrevistados. Vale salientar que os dados obtidos possuem um erro amostral de 5,2 para mais ou para menos, com um intervalo de confiança de 95%.

4 4.1 - Perfil dos Entrevistados

Faixa de renda mensal familiar dos entrevistados em salários mínimos

Praticamente metade da população entrevistada (49,8%) possui o nível médio; 31,1% possuem o nível superior; 15,7% possuem o nível fundamental e 3,4% possuem nível técnico (Figura 3).

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A população entrevistada foi, na maioria, do sexo feminino apresentando um percentual de 56,7% em relação a 43,3% do sexo masculino. Isto pode se dar devido ao fato de ser o público feminino o mais freqüente em supermercados e com pré-disposição às compras do lar. Em relação à faixa etária dos entrevistados, constatou-se que 18,6% têm de 18 a 24 anos; 16,9% têm de 25 a 29 anos; 14,3% têm de 30 a 34 anos; 16,0% têm de 35 a 39 anos; 13,1% têm de 40 a 44 anos; 8,9% têm de 45 a 49 anos; 9,4% têm de 50 a 59 anos; e apenas 2,9% têm de 60 a 74 anos (Figura 1).

Figura 2 -

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Resultados e discussão

Figura 3 -

Grau de instrução dos consumidores entrevistados. UFS, São Cristóvão-SE, 2006.

4.2 - Posicionamento dos entrevistados frente às relações de consumo Tabela 1 -

Faixa etária dos consumidores entrevistados

Os dados referentes à renda mensal familiar (Figura 2) indicam que 7,1% dos entrevistados recebem até 1 salário mínimo; 35,4% recebem de 1 a 3 salários mínimos; 26,0% recebem de 3 a 5 salários mínimos; 24,0% recebem de 5 a 10 salários mínimos; 6,0% recebem de 10 a 20 salários mínimos; e 1,4% recebem mais de 20 salários mínimos.

Os entrevistados revelaram que o principal critério para compra de um produto alimentício é o preço com 42%; o segundo critério mais utilizado é a qualidade com 37,1 %; seguido por prazo de validade com 13,7%; marca com 5,4%; e 1,8% dos entrevistados revelaram que possuem outros critérios como composição dos alimentos e aparência (embalagem) do produto (Figura 4). Nota-se a falta do critério em relação ao consumo consciente, pois

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dos entrevistados, nenhum manifestou preocupação quanto às questões ambientais – desde o processo de fabricação até o descarte do produto.

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Figura 4 - Critérios utilizados para compra de um produto alimentício

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A pesquisa O Consumidor Brasileiro e a Construção do Futuro (INSTITUTO AKATU) – realizada em novembro de 2001, em nove regiões metropolitanas, além de Goiânia e do Distrito Federal – revelou que qualidade (49%) e preço (46%) são os critérios clássicos de escolha. Em geral, esses são sempre os principais critérios de escolha para a maioria das categorias de produtos. Estudos mostram que, quando avaliado isoladamente, o meio ambiente é sempre destacado como relevante, mas, quando contextualizado e hierarquizado com outros itens, acaba por perder importância. Indica, portanto, que o debate e as ações sobre o consumo sustentável terão o desafio de sensibilizar o consumidor a assimilar novos critérios de escolha. De acordo com a Tabela 2, 62,6% dos entrevistados afirmaram não ter conhecimento algum sobre produtos alimentícios ambientalmente corretos e, 37,4% revelaram que possuem conhecimento sobre o assunto. Esse dado revela que os consumidores aracajuanos não se preocupam com as questões ambientais ao realizarem suas compras. Tabela 2 -

Reconhecimento de um produto alimentício ambientalmente correto

Uma observação feita na aplicação dos questionários foi que, quando se perguntava ao entrevistado se ele sabia reconhecer um produto alimentício ambientalmente correto, alguns deles respondiam o seguinte: “Sei sim, porque eu sempre olho o prazo de validade quando compro um alimento”. Ou seja, eles acreditam que um produto que esteja dentro do prazo de validade é um produto alimentício ambientalmente correto, mostrando assim, a falta de conhecimento dos entrevistados sobre o assunto. É interessante analisar a relação entre saber reconhecer um produto alimentício ambientalmente correto, renda familiar e escolaridade para analisar se há ou não uma correlação positiva entre as variáveis em questão. Os dados dessa correlação estão expostos nas Figuras 5 e 6, respectivamente.

Figura 5 -

Relação entre reconhecimento de um produto alimentício ambientalmente correto e renda familiar dos entrevistados. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.

Nota-se claramente, de acordo com as Figuras 5 e 6, que a correlação tanto no caso da renda como no caso da escolaridade do entrevistado é positiva, pois quanto maior a renda familiar e a escolaridade mais as pessoas sabem reconhecer um produto alimentício ambientalmente correto. As pessoas que têm menor grau de escolaridade são, geralmente, as que têm uma faixa de renda mais baixa; por esta razão, estão mais preocupadas em comprar os alimentos básicos para sua sobrevivência e não têm consciência (reflexão) sobre esse tipo de produto. Vale ressaltar também que tais produtos geralmente são mais caros que os de costume.

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diz respeito à renda familiar, pois quanto maior for a renda, maior é o interesse dessas pessoas em consumir um produto de melhor qualidade, mesmo que signifique dizer que pagar mais caro por isso.

No que se refere à disposição dos consumidores para pagar mais por um produto alimentício ambientalmente correto, 32,9% das pessoas afirmam que não estariam dispostas, mas 67,1% estariam dispostas a pagar mais por esses produtos (Tabela 3). Estabelecendo uma relação entre as Tabelas 2 e 3, nota-se que, mesmo não sabendo reconhecer um produto alimentício ambientalmente correto, as pessoas estariam dispostas a pagar mais por isso. Esse fato revela que há necessidade de uma maior divulgação desse tipo de produto por parte das empresas (fabricantes) mostrando que há de diferencial, ou seja, as vantagens de se consumir esse produto tanto em relação à satisfação do consumidor quanto aos benefícios trazidos à sociedade e/ou ao meio ambiente. Tabela 3 -

Disposição dos consumidores para pagar mais por um produto alimentício ambientalmente correto - UFS, São Cristóvão-SE, 2006.

Observa-se nas Figuras 7 e 8 que também há uma correlação positiva entre a disposição dos consumidores para pagar mais por um produto alimentício ambientalmente correto e renda familiar e escolaridade. Quanto mais altas forem a renda mensal e a escolaridade do entrevistado maior é a disposição que ele tem para pagar mais por produto alimentício ambientalmente correto. Principalmente no que

Figura 7 -

Relação entre disposição dos consumidores para pagar mais por um produto alimentício ambientalmente correto e renda familiar

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Relação entre reconhecimento de um produto alimentício ambientalmente correto e a escolaridade dos entrevistados. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.

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Figura 8 -

Relação entre disposição dos consumidores para pagar mais por um produto alimentício ambientalmente correto e escolaridade

Com 36% das respostas, a principal razão que levaria os entrevistados a pagar mais por um produto alimentício ambientalmente, seria a qualidade desses produtos. Com 21,1%, a principal razão seria para beneficiar a própria saúde e de seus familiares; 9,7% disseram que comprariam este tipo de alimento se o mesmo não utilizasse agrotóxico na sua produção; 8,9% se o produto não poluísse o meio ambiente; 4,6% teriam outras razões, dentre elas, se o produto não fosse transgênico, se a empresa realizasse obras sociais, em caso de doença e pelas condições financeiras (Tabela 4). Vale ressaltar que 1,1% dos entrevistados chegaram a dizer que não pagariam a mais por isso, pois é obrigação da empresa fornecer um produto ambientalmente correto.

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Figura 6 -


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Tabela 4 -

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Razões que levariam os consumidores a pagar mais por produto alimentício ambientalmente correto. UFS, São Cristóvão-SE, 2006.

A pesquisa “Descobrindo o Consumidor Consciente” (INSTITUTO AKATU) – realizada em novembro de 2003, em nove regiões metropolitanas e em duas capitais: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo – revelou que dentre as razões que justificariam pagar mais por um produto estão: alimentos que não contém agrotóxico, a empresa realiza projetos em favor do meio ambiente, parte do lucro destinado a obras sociais e a empresa combate o trabalho infantil. Na pesquisa citada acima, os entrevistados estão preocupados com questões relacionadas ao meio ambiente e a sociedade ao realizarem suas compras. O que não aconteceu no presente estudo, pois como pode se perceber na Tabela 4, os consumidores aracajuanos estão mais preocupados com a satisfação imediata (individualismo) ao consumir um produto ao responderem que a qualidade dos produtos e a saúde, com um total de 57,1%, seriam as razões que os levariam a pagar mais por um produto alimentício ambientalmente correto. De posse desses dados, nota-se que os consumidores aracajuanos estão longe de adotar uma postura mais consciente, levando em consideração as variáveis sociais e ambientais ao escolher os produtos que irão consumir. Constatou-se que 52% dos entrevistados têm conhecimento sobre certificações e selos de qualidade e que 48% não têm conhecimento sobre o tema (Tabela 5). Esse fato indica que a diferença entre as pessoas que têm conhecimento sobre certificações e selos de qualidade e as que não têm é pequena, apenas 4%.

Tabela 5 -

Conhecimento por parte dos entrevistados sobre certificações e selos de qualidade.

Mas em contrapartida, quando questionados sobre qual certificação ou selo de qualidade eles conheciam, dos 52% que responderam sim, 29,7% não responderam ou não lembraram, indicando nesse caso um dos erros que uma pesquisa, utilizando-se questionários com questões abertas, pode acarretar. Dentre os entrevistados que afirmaram ter conhecimento sobre certificações e selos de qualidade, 20,3% citaram o selo do INMETRO, seguido por 18,7% da certificação ISO 9.001; 1,6% responderam que conhecem outras certificações e selos como Procel (Consumo de Energia) e Ministério da Saúde. Na tabela 6 podem ser visualizadas quais são as certificações e selos de qualidade que os consumidores aracajuanos conhecem. Tabela 6 -

Certificações e selos de qualidade que os entrevistados têm conhecimento

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Figura 9 -

Relação entre conhecimento por parte dos entrevistados sobre certificações e selos de qualidade e renda familiar

Figura 10 -

Relação entre conhecimento por parte dos entrevistados sobre certificações e selos de qualidade e escolaridade. UFS, São Cristóvão-SE, 2006.

Mais da metade dos consumidores (59,4%), afirmaram que não compram nenhum produto por ter embalagem reciclável, possuir certificação ou ter selo ambiental, o que leva a entender que a população não tem preocupação quanto à questão ambiental e não utilizam seu poder de compra para privilegiar as empresas socialmente responsáveis (Tabela 7). Tabela 7 -

Compra por parte dos entrevistados de algum produto por ter embalagem reciclável possuir certificação ou ter selo ambiental.

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Algumas pessoas (3,3%) responderam apenas ISO, mas não respondiam ou não lembravam qual série de normas da ISO conheciam. Isto revela o quanto as pessoas são desinformadas tanto em relação a série de normas da ISO quanto a outras certificações e selos de qualidade. A pesquisa do Instituto Akatu “Descobrindo o Consumidor Consciente” indicou que o conhecimento, das certificações e dos selos de qualidade existentes ainda é muito baixo. Os mais citados são a certificação ISO 9001, o selo Reciclado/Reciclável e o concedido pela Fundação Abrinq. Os chamados selos verdes, concedidos por terceiras-partes credenciadas, conferem ao produto rotulado uma chancela de excelência que diferencia tal produto de seus competidores. Esses rótulos, designados como de Tipo I, não devem ser confundidos com as autodeclarações ambientais (Tipo II), pelas quais o produtor identifica seu produto através de declarações como “Reciclado”, “Reciclável”, “Biodegradável”. As normas não aprovam expressões vagas, como “ambientalmente seguro”, “amigo do meio ambiente”, “produto verde”, “nãopoluente” (VALLE, 2000). Realizando uma correlação entre a questão conhecimento por parte dos entrevistados sobre certificações e selos de qualidade e renda familiar e escolaridade, percebe-se que também há uma correlação positiva entre a questão e as variáveis. Pois como mostram as Figuras 9 e 10 quanto maior a renda familiar e a escolaridade do entrevistado maior é o grau de conhecimento que ele tem sobre certificações e selos de qualidade.

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Dos 40,6% que afirmaram comprar produtos por ter embalagem reciclável, possuir certificação ou ter selo ambiental (Tabela 7), 29,6% não responderam qual produto consomem (Tabela 8). Com 22,6% das respostas, os entrevistados disseram que compram refrigerante e cerveja em latas de alumínio recicláveis; 14,8 compram café que contém o selo ABIC de Pureza; 7,8% compram refrigerante em garrafa PET; 6,3% compram leite em embalagem longa vida; 4,9% compram verduras e legumes de origem orgânica; 3,5% compram frios como carne, calabresa, margarina e mortadela certificados pelo Ministério da Agricultura; e 10,5% revelaram que compram outros produtos alimentícios como açúcar, macarrão, biscoito, palmito, entre outros.

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Produtos alimentícios que os entrevistados compram por ter embalagem reciclável, possuir certificação ou ter selo ambiental

Tabela 8 -

Atitudes que desistimulariam os entrevistados a comprar os produtos alimentícios que uma determinada empresa produz

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Tabela 8 -

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Em relação às atitudes que desestimulariam os consumidores a comprar os produtos alimentícios de uma determinada empresa (marca), 31,7% não responderam/não opinaram; 20,3% disseram que quando a empresa diminui a qualidade de seus produtos eles deixam de comprar; 16,3% das pessoas disseram que a propaganda enganosa por parte da empresa seria uma atitude que os desestimulariam a comprar; 10% responderam que se soubesse que a empresa está prejudicando/poluindo o meio ambiente; 6% se a empresa não tiver um bom serviço de atendimento ao consumidor, ou seja, quando precisassem de uma informação ou tivessem alguma reclamação sobre seus produtos, eles não comprariam mais os produtos dessa empresa. A higiene no local de produção dos alimentos também teve destaque nas atitudes que desestimulariam os consumidores com 6% do total; e outras atitudes como uso de mão-de-obra infantil, desrespeito aos funcionários com 7,9% (Tabela 9). A atitude referente ao produto estragado seria no caso de, mesmo o produto estando dentro da data de validade, apresentar cor ou odor que demonstrasse que o produto não está em condições de ser consumido.

De acordo com a pesquisa Descobrindo o Consumidor Consciente (INSTITUTO AKATU) fazer propaganda enganosa aparece como a principal atitude empresarial rejeitada pelo conjunto dos respondentes. Ela é, seguramente, a razão que mais justifica o rompimento da relação entre o consumidor e a empresa, devido à quebra de confiança. Em segundo lugar, ultrapassando a venda de produtos nocivos à saúde em número de menções, a atitude mais reprovada é a colaboração com políticos corruptos, com 30%. Consideram injustificável o desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor 22%. Também são condenadas, por cerca de 30% dos consumidores, a exploração de crianças, a discriminação racial, de mulheres e das minorias nas propagandas e o prejuízo aos funcionários. Uma outra pesquisa “Percepção e Tendências do Consumidor Brasileiro” (INSTITUTO ETHOS, 2000) - realizada em nove regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Fortaleza e Salvador, incluindo Brasília e Goiânia - apontou que a atitude que mais sensibilizaria os consumido-

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Tabela 10 -

Relação entre renda familiar e número de entrevistados que incluem o fator ambiental nas atitudes que os desestimulariam a comprar os produtos de uma determinada empresa

5 Conclusões De acordo com a análise dos dados, nota-se que os consumidores aracajuanos ainda são muito incipientes no que diz respeito à utilização do seu poder de compra para prestigiar empresas que têm um compromisso com a responsabilidade sócio-ambiental, que conhecem muito pouco sobre certificações e selos de qualidade e que estão muito longe de incluir o meio ambiente em seus critérios de compra. Apesar dessa falta de comprometimento do consumidor aracajuano em relação ao consumo de produtos ambientalmente corretos, ele não foge do contexto nacional, pois o consumo consciente, por ser uma nova forma de pensar e agir, ainda encontra barreiras para superar o ineditismo, como a falta de informação, o preço desse tipo de produto que, geralmente, é mais elevado, não sendo sensível a todas as classes da população e, da necessidade de satisfação imediata (individualismo) que a sociedade atual tem ao consumir, sem pensar nos impactos que suas ações exercem sobre o meio ambiente e sobre a própria sociedade. Também se constatou que há uma correlação positiva entre as questões abordadas e renda familiar e escolaridade, ou seja, quanto maior a escolaridade e renda do entrevistado, maior sua consciência frente às questões de consumo de produtos ambientalmente corretos. A sociedade tem que adotar uma conduta mais responsável com relação às questões sociais e ambientais e, para que assumam esse compromisso, podem e devem utilizar seu poder de compra para exigir das empresas a utilização de tecnologias adequadas que reduzam o impacto da exploração sobre os recursos naturais e que incentivem ações sociais como investimento em educação e cultura. Baseado nesses fatos, é importante que sejam desenvolvidas estratégias de marketing,com o objetivo de divulgar a importância de incluir o fator responsabilidade sócio-ambiental nas decisões de compra, aliados a qualidade e preço, no processo de escolha de produtos ambientalmente corretos, de modo que se alcance uma sociedade sustentável.

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res brasileiros seria a divulgação de uma propaganda enganosa, com 49% das respostas, aspecto esse contemplado em vários artigos da Lei de Defesa do Consumidor. A segunda atitude, com 43% das respostas, quando uma empresa provocasse danos físicos ou morais aos seus trabalhadores. Apesar de 31,7% dos entrevistados não terem respondido qual atitude os desestimularam a comprar um produto alimentício ambientalmente correto (Tabela 10), os consumidores aracajuanos estão atentos às atitudes empresariais e acompanham as tendências dos consumidores nacionais. De acordo com a Tabela 9, percebe-se que uma das atitudes que desestimulariam os entrevistados a comprar os produtos que uma determinada empresa produz é se a mesma polui/prejudica o meio ambiente. De posse dessa afirmação, é interessante analisar se há ou não uma correlação positiva entre renda familiar e o número de entrevistados que realmente têm essa percepção, ao incluir o fator ambiental nas decisões de compra. Constatou-se que 42,9% dos entrevistados que possuem renda familiar entre 5 e 10 salários mínimos são os que têm uma percepção ambiental maior (Tabela 10). Neste caso, não houve uma correlação positiva, pois nem sempre quanto maior a renda do entrevistado, maior sua percepção.

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Normas para publicação de trabalhos

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mentos e textos clássicos e os artigos científicos, de 08 (oito) a 16 (dezesseis) laudas, as resenhas até 03 (três) laudas e os relatórios de trabalho de campo até 15 (quinze) laudas, incluindo-se nessas delimitações as tabelas, quadros gráficos, figuras, fotografias e referências bibliográficas que fizerem parte dos textos; 6. Apresentar notas de rodapé (se necessário) numeradas em algarismos arábicos; 7. As citações e referências bibliográficas devem obedecer ao padrão estabelecido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (a mais atualizada), para referenciamento de livros, revistas, suportes eletrônicos e outros multimeios, disponíveis no site www.abnt.org.br; 8. Os textos encaminhados à Comissão Editorial da Revista da Faculdade São Luís de França serão apreciados por três membros desta comissão, que poderão aceita-los integralmente, propor reajuste ou recusá-los, com base em critérios técnicos como: coerência textual, encadeamento lógico, normas da ABNT vigentes, problemática enunciada e desenvolvida, introdução, referencial teórico, considerações finais e referências bibliográficas;

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9. Os textos que não observarem os padrões aqui estabelecidos não serão publicados; 10. Os autores que tiverem trabalhos selecionados receberão 3 (três) exemplares da Revista Concepções da Faculdade São Luís de França, não sendo pagos direitos autorais; 11. O conteúdo dos textos deve passar por criteriosa revisão textual, que é de responsabilidade de seus autores; 12. Os casos omissos serão discutidos e deliberados pela Comissão Editorial; 13. Informações sobre o periódico podem ser solicitados aos editores, no Núcleo de Desenvolvimento de Atividades Pedagógicas da Faculdade São Luís de França ou via e-mail 14. Os escritos deverão ser enviados para: REVISTA CONCEPÇÕES DA FACULDADE SÃO LUÍS DE FRANÇA Núcleo de Pesquisa e Extensão – NUPEX Rua Laranjeiras, 1838, Bairro Getúlio Vargas Aracaju – Sergipe Telef. (79) 32146300 CEP: 49.000-000

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