Navegando no Direito - Jeferson Fonseca de Moraes

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ISBN 978-85-64495-02-09

Navegando no Direito – Estudos de Casos Concretos

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Jeferson Fonseca de Moraes

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1ª edição Aracaju/SE

2018 33


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Jeferson Fonseca de Moraes

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(Redação com base no Novo CPC/2015) O DIREITO CONSTITUCIONAL DO ALUNO DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA - UM REPENSAR CRÍTICO DO ENSINO. O LIVRE PENSAR CRÍTICO NOS MODELOS DE GOVERNOS E SEUS REFLEXOS PARA O PAÍS. A OPERAÇÃO NAVALHA DA POLÍCIA FEDERAL E O TRIBUNAL DE CONTAS DE SERGIPE DA PRIVATIZAÇÃO DE ESTATAIS NO BRASIL. DA PRIVATIZAÇÃO DA ENERGIPE. DA CAPACIDADE PROCESSUAL DOS TRIBUNAIS COMO PARTE EM JUÍZO. DAS MULTAS APLICADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS AO GESTOR PÚBLICO. ISBN 978-85-64495-02-09

O CÂNCER E A LUTA PELA ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA NO JUDICIÁRIO O NOVO DIVÓRCIO LITIGIOSO E A PARTILHA DE BENS NA EC 66/2010 O DIREITO DO NASCITURO E SUA DEFESA EM JUÍZO. DA UNIÃO ESTÁVEL COMUM. DA UNIÃO ESTÁVEL DE PESSOA MAIOR DE 70 ANOS. DA PROVA DO ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DE BENS. NECESSIDADE. EPÍLOGO: UMA SEPARAÇÃO QUE NÃO SE CONCRETIZOU. POSTURA DO ADVOGADO. UMA LIÇÃO DE VIDA: “Quando o Amor vence às Paixões! ”

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Jeferson Fonseca de Moraes Copyright © 2018 - Jeferson Fonseca de Moraes Todos os direitos desta edição reservados ao autor. Proibida a reprodução total ou parcial. Poderá ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja expressa menção do nome do autor, título da obra, editora, edição, paginação e ISBN. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Projeto Gráfico

C&L Editora e Projetos Gráficos Ltda. (CL Editora) Diagramação e Editoração Eletrônica

Carlos Alberto de Souza - DRT-MG 1599 Lúcia Andrade - DRT-SE 1093 Arte final

Lúcia Andrade - DRT-SE 1093 Revisão

Professor Everaldo Freire Fotos

C&L Editora e Projetos Gráficos Ltda. Impressão

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Gráfica J. Andrade

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Agradecimentos A minha esperança como autor é deixar para a posteridade, em especial para os ex-alunos da Faculdade São Luís de França e da Universidade Tiradentes (Unit), onde fui professor por muitos anos, estes escritos de casos concretos de minha advocacia. A esses alunos, meus agradecimentos pela troca de experiências que foram enriquecedoras para mim. É um livro de Direito, fruto de uma experiência de quase 50 anos de advocacia pública e privada, de casos escolhidos a dedo dentre tantos outros dos quais participei. Agradeço inicialmente ao meu pai, Otacílio da Fonseca, (in memoriam), símbolo de retidão de caráter, e com quem aprendi, no meio de tantos papéis, no Cartório do qual era Tabelião, o gosto pelo Direito, tendo o seu exemplo como guia para me tornar quem sou... À minha mãe, Eunice Pereira da Fonseca, Professora do Ensino Público Estadual que, com “Régua e Compasso”, ensinou gerações em Sergipe, em uma época em que os professores eram amados, respeitados, quase idolatrados, exemplo para gerações. Coisas do passado...! Ah, Minha mãe, “Madeira de Lei”, mulher de fibra, forte como uma rocha, líder social nas comunidades em que foi professora, 7


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no MEB (Movimento de Educação de Bases), com Dom Távora, uma “Dom Quixote de Saias”, ensinando analfabetos por um “Rádio Cativo”, que só sintonizava a Rádio Cultura de Sergipe, ligada à Igreja Católica, alfabetizando adultos pobres em Santa Luzia do Itanhy onde, na época, era Diretora do Grupo Escolar Comendador Calazans, onde também estudei. Ela achava que a liberdade e a independência humana só se conquistavam pela Educação. Nunca se vergou diante dos poderosos, quando estes queriam mandar na sua escola; dizia que manter o povo ignorante, sem educação, era a forma que as elites tinham de se perpetuar no poder, e deixar o país no atraso. É isso mesmo, D. Eunice, pouca coisa mudou de lá para cá! Em 15 de novembro de 2017, minha mãe completou 94 anos, e continua lúcida, ativa, indo aos Bancos, enfim, cuidando da sua vida, dos seus filhos e de parentes que buscam nela sua ajuda, e contam sempre, com sua generosidade que é notável... No campo político, quando tinha suas razões, D. Eunice tornava-se indômita, guerreira, lançava ao brado a “Espada da Palavra”, pagando, por isso, um preço caro para ser Livre, que, como resposta dos seus adversários, era transferida sempre para outras localidades do interior de Sergipe, pelos políticos que queriam dar “ordens” em sua escola. Como as coisas mudaram pouco na nossa atualidade, minha mãe...! Hoje, ainda lúcida e fisicamente perfeita, graças a Deus, aos 94 anos de idade, continua sendo o nosso exemplo. Minha Mestra, orientadora, meu Doutorado nas coisas da vida. A Ela, minha eterna gratidão filial, por ter me ensinado que Navegar é preciso, na expressão do maior Poeta Português Moderno, Fernando Pessoa, de quem colhi a expressão para dar o titulo a este Livro. Meus agradecimentos à minha esposa Eliane, com quem vivo casado há 48 anos. Sua dedicação extrema ao meu bem-estar faz a vida ser mais bela e esplendorosa, até mesmo no 8


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outono da existência, quando o saborear das coisas se tornam mais sutis e agradáveis, com sua presença ao meu lado. Aos meus filhos Cristiane, Otávio, Ítalo (in memoriam) e Viviane, convivência que ensina, experiência única, pessoas diferentes, que fazem a beleza de ser pai nessa diversidade. Meu muito obrigado pelo amor que me dedicam. À Sônia Fonseca, irmã querida, quase uma filha, pelos laços do coração, pelo carinho devotado e pela solidariedade de sempre, meus agradecimentos. A Getúlio Sávio Sobral Neto, filho de Acácia Sobral e Eduardo Gois Cardoso; ela, filha de meu compadre Getúlio Sobral, amigo irmão; o pai de Getúlio Neto foi médico de meus filhos na infância e meu ex-aluno no Atheneu. Seu filho me fora confiado ainda estudante de Direito, para ser seu mentor no escritório, ensinando os caminhos que ele deveria trilhar na sua formação jurídica e pessoal. Getúlio tem, por origem, uma boa formação ética, e, por méritos jurídicos próprios, tornou-se um brilhante e jovem advogado. A Ele agradeço a dedicação quase filial à minha pessoa, como colaborador de monta nas sugestões dadas para confecção deste livro, inclusive, digitando parte dele, durante seus fins de semana, quando deixava a companhia da família para se dedicar ao velho amigo. A Ítalo Nielsen Silva Santos, jovem e inteligente advogado, que foi meu Assessor Jurídico no Tribunal de Contas e com seus estudos e pesquisas, tornou realidade o Capítulo deste livro relacionado ao Processo Administrativo Disciplinar em face de Conselheiro da Corte de Contas e em outros mais, meu muito obrigado. Ao Professor Jorge Luiz Cabral Nunes, que me tirou do analfabetismo digital, ensinando-me a usar o computador, quando o Autor já se encontrava com 64 anos de idade, sendo meu Professor, Consultor e Mestre de Informática; tanto 9


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quando escrevi meu primeiro livro, “Dando a Volta por Cima – Superando o Câncer e outras dores pela Fé”, quanto neste, “Navegando no Direito”, meu segundo livro, muito obrigado, pela dedicação de todas as horas e paciência em todos esses anos da minha vida. Aos amigos, que de uma forma ou de outra contribuíram para a existência desse livro, e que deixo de citá-los nominalmente, para não cometer injustiças, produto do esquecimento, fruto dos meus 73 anos de idade, meu muito obrigado pela convivência salutar dos almoços do Grupo das Quintas, e aos do Grupo das Sextas-Feiras, onde vicejam as “Brincadeiras” entre os mais jovens e os mais velhos, um dia “Bom” e sempre esperado.

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Meus agradecimentos ao jovem Márcio Souza de Jesus, egresso do Curso de Letras da Faculdade São Luís de França, que, durante esses meses, indicado por minha filha Cristiane, trabalhou na digitação e na organização deste livro, por sua contribuição. Meus agradecimentos aos Jornalistas Carlos Alberto de Souza e Lúcia Andrade, que cuidaram do projeto gráfico, diagramação, editoração e arte final do presente livro, com carinho e zelo como fazem os queridos amigos. Meus agradecimentos aos Desembargadores Roberto Eugênio da Fonseca Porto, Pascoal Nabuco, e ao Ex-Procurador Geral do Estado de Sergipe, José Garcez Vieira Filho, que me mantiveram como Assessor deles, na qualidade de Procurador Chefe da PGE, quando exerceram, respectivamente, o munus de Procuradores Gerais do Estado de Sergipe, como chefes da Advocacia Geral do Estado. Meus agradecimentos ao Professor Everaldo Freire, responsável pela revisão linguística deste livro. Meus agradecimentos ao amigo Conselheiro Aposentado Heráclito Guimarães Rollemberg que me honrou com convites para assumir o cargo de Secretário Geral e, por duas vezes, Coordenador Jurídico do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. 10


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Homenagem Especial

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“Os Agradecimentos do autor ao Jurista Saulo Ramos, (in memoriam), fonte inspiradora pelo estilo brilhante na arte de escrever como narrador de fatos.�

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Prefácio “A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver”.

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José Saramago

Dizem que são dois os requisitos essenciais para bem se desincumbir da árdua e prazerosa tarefa de prefaciar uma obra: ser conhecedor do tema, e do autor. Apesar de ter dedicado quase meio século da minha existência ao estudo do Direito, e ocupado os mais variados cargos na seara jurídica, não ouso afirmar que satisfaço plenamente o primeiro dos requisitos exigidos. Quanto à segunda condição, estou perfeitamente à vontade. Já não consigo mensurar a quanto tempo caminhamos lado a lado, em constante construção de uma amizade fraterna, respeitosa e, penso eu, proveitosa para ambas as partes. 13


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Nise da Silveira, célebre escritora e psiquiatra alagoana, costumava dizer que, para navegar contra a corrente, são necessárias condições raras: espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão. Acresço por iniciativa própria a expertise neste grupo. Por deter tais raras condições, é que o autor nos brinda com a presente obra, “Navegando no Direito”, na qual nos descortina a sua laboriosa e competente viagem pelo universo jurídico, singrando, muitas vezes, mares nunca dantes navegados e repletos de rochedos hermenêuticos, tendo sempre como porto natural sua reconhecida experiência, construída ao longo de cinquenta anos dedicados às ciências jurídicas. Colega na saudosa e querida Faculdade Federal de Direito de Sergipe, instituição de ensino superior na qual colamos grau, ele no ano de 1968 enquanto eu em 1969, e a partir de onde o autor pari passu passou a construir uma iluminada trajetória profissional, durante a qual atuou como Procurador do Estado de Sergipe; Assessor Jurídico da Federação de Agricultura do Estado de Sergipe; Presidente da Junta Comercial de Sergipe; Secretário Geral e, posteriormente, Coordenador Jurídico do Tribunal de Contas de Sergipe; Secretário Geral, Tesoureiro e Conselheiro da OAB/SE; Professor Universitário; e Advogado Militante. Jeferson Fonseca de Moraes é um homem público experimentado na Administração do Estado de Sergipe, profundo conhecedor dos meandros político-administrativos, servidor público completo, com ampla vivência administrativa nos mais diversos cargos e em diferentes esferas de poder. Exemplo maior foram as importantes missões e cargos, exemplarmente desempenhadas junto ao TCE/SE, a convite do então Conselheiro Heráclito Rollemberg. 14


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Assim, antes de tudo, esta obra retrata o conhecimento adquirido pelo autor com fundamento no estudo do Direito, atestando sua capacidade de aplicar tal conhecimento às experiências práticas de seu campo de atuação, que vai do Direito público ao privado, e, sempre com a mesma maestria. Não por acaso, pontuava Paulo Freire que a teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, bem como a prática sem teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria, tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade. E é justamente uma jornada pelo mundo da práxis que convido o amigo leitor a empreender um passeio pelo campo no qual teoria e prática interagem e se completam, construindo um espaço contextual a que ambas se aplicam. É, portanto, neste contexto, que a teoria contribui com a prática, formando a “infinita espiral da construção do conhecimento”. Excelente viagem a todos!

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Carlos Alberto Sobral de Souza*

(*) Carlos Alberto Sobral de Souza é advogado, formado pela UFS em 1969; foi Promotor Público substituto da Comarca de Tobias Barreto – 1965 a 1966, professor da UFS – 1970 a 1971, advogado da EMURB - tendo sido chefe do Departamento Jurídico e seu Diretor Administrativo; Procurador Geral do Estado – 1983, Secretário de Segurança Pública do Estado de Sergipe – dezembro de 1983 a fevereiro de 1986, Auditor do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe; foi nomeado e empossado como Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado em 28/02/1986; presidiu o Tribunal de Contas nos biênios 1989/1990 - 2001/2002 - dezembro de 2006 a março de 2007 e 2012/2013; foi agraciado com oito medalhas e troféus e com o título de Cidadão de Itabaiana; publicou mais de uma dezena de artigos jurídicos e é o Diretor da Escola de Contas Conselheiro José Amado Nascimento do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

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Sumário Agradecimentos......................................................................................................... 7 Homenagem Especial.........................................................................................11 Prefácio.......................................................................................................................... 13

Capítulo I

O Direito Constitucional do aluno da Universidade brasileira um repensar crítico do ensino. O livre pensar crítico nos modelos de governos e seus reflexos para o país. ................................ 21 Da missão de ensinar o Livre Pensar com Senso Crítico e Isenção Ideológica. A não partidarização na formação do senso crítico, direito do Aluno como Garantia Constitucional, independentemente da posição politizada do professor. Seus Reflexos. Do ensino Pluralista de ideias políticas e econômicas explicando o mundo atual.

Capítulo II

A Operação Navalha da Polícia Federal e o Tribunal de Contas de Sergipe............................................................. 60

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Seus Reflexos no Tribunal de Contas de Sergipe. Suposto envolvimento de um dos seus Conselheiros. Da Apuração dos Fatos pela Corte de Contas: aspectos jurídicos dos procedimentos administrativos de apuração dos fatos denunciados. Do Procedimento Administrativo – PPA. Do Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD.

Capítulo III

Da Privatização de Estatais no Brasil.................................................. 120 Da privatização de empresas estatais da União e dos Estados Federados no Brasil. Sua constitucionalidade e legalidade.

Capítulo IV

Da Privatização da Energipe. ................................................................... 131 Legalidade e Constitucionalidade. A Batalha Jurídica nos Tribunais. Sua História.

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Capítulo V

Da capacidade processual dos Tribunais como parte em juízo. ............................................................................. 160 Capacidade Processual dos Tribunais de Justiça como Parte, no STF. Capacidade dos Tribunais de Contas e das Câmaras Municipais nos Tribunais de Justiça dos Estados. Defesa de suas Prerrogativas Institucionais. Da capacidade postulatória de Assessor Jurídico do Tribunal de Contas com inscrição na OAB, como seu Advogado em Juízo e não por Procurador do Estado. Possibilidade. Conflito de interesses.

Capítulo VI

Das multas aplicadas pelo Tribunal de Contas ao Gestor Público. ..................................................................................... 212 Da aplicação de multas ao Gestor. Possibilidade. Constitucionalidade. Inconstitucionalidade de sua cobrança pelo próprio Tribunal via Procuradoria Geral do Estado em benefício próprio. A multa pertence ao Ente Público do qual o Gestor faz parte e não ao Tribunal de Contas.

Capítulo VII

O câncer e a luta pela isenção do Imposto de Renda no Judiciário .................................................................. 217

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O câncer e a isenção do Imposto de Renda. Da Lei Federal nº 7.7713/1988 (art. 6º, inciso XIV). A isenção do Imposto de Renda incide apenas sobre proventos dos aposentados e não sobre rendimentos durante a atividade. Jurisprudência do STJ. Da burocracia e da insensibilidade da fonte pagadora no reconhecimento administrativo da isenção. Da Via Judiciária para seu reconhecimento e obtenção.

Capítulo VIII

O novo divórcio litigioso e a partilha de bens na EC 66/2010.............................................................................. 280 O divórcio litigioso na Constituição Federal em face das mudanças advindas da Emenda Constitucional n° 66/2010. A separação judicial permanece como instituto jurídico não tendo sido extinta, continua em vigor, como opção das partes de fazer a separação ou o divórcio direto. Precedente nesse sentido, decisão do STJ da Quarta Turma, de 22/03/2017.

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Capítulo IX

O Direito do Nascituro e sua Defesa em juízo.......................................... 300 Um Caso Concreto de Defesa dos direitos do nascituro em juízo.

Capítulo X

Da União Estável Comum. .............................................................................................. 324 Um novo conceito de família nos dias atuais (2017). Seus requisitos. Direito das sucessões. Meação. Da inconstitucionalidade (não validade) do art. 1.790 do Código Civil que prevê ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles outorgados ao cônjuge pelo art. 1.829 do mesmo Código. Inconstitucionalidade dessa distinção: meação assegurada pelo STF no RE nº. 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em sessão plenária de 10/05/2017, e no RE 646721/RS, julgado em 10/05/2017, tendo o mesmo relator para o acórdão. O Superior Tribunal de Justiça segue a decisão do STF no Resp. 1.332.773-MS, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, julgado em 27/6/2017 (DJe: 01/08/2017). Bens adquiridos antes da união estável. Ausência de esforço comum. Exclusão dos bens da meação da companheira. Possibilidade: precedente – Resp. 1.472.866/MG (2014/0195022-4) Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe: 20/10/2015. Estende-se a meação de bens, quer as relações sejam heteroafetivas ou homoafetivas, conforme consta das decisões acima indicadas do STF.

Capítulo XI

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Da União Estável de pessoa maior de 70 anos. Da prova do esforço comum na aquisição de bens. Necessidade. ...............................................................................................................364 União estável de pessoa maior de 70 anos. Separação obrigatória de bens. Sua dissolução. Bens adquiridos: Necessidade de prova do esforço comum para sua aquisição na constância da relação; o que não se presume com a convivência. Partilha de Bens somente dos adquiridos com esforço comum durante a união estável (Art. 1.641, II, do CC/02).

Capítulo XII

Epílogo: uma separação que não se concretizou. Postura do Advogado. Uma lição de vida: “Quando o Amor vence as Paixões!”..........................................................370 19


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Capítulo I

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O Direito Constitucional do aluno da Universidade brasileira - um repensar crítico do ensino. O livre pensar crítico nos modelos de governos e seus reflexos para o país. Da missão de ensinar o Livre Pensar com Senso Crítico e Isenção Ideológica. A não partidarização na formação do senso crítico, direito do Aluno como Garantia Constitucional, independentemente da posição politizada do professor. Seus Reflexos. Do ensino Pluralista de ideias políticas e econômicas explicando o mundo atual.

O Livre Pensar é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, conforme se vê do dispositivo específico que se transcreve in verbis: “Art. 5.º, inciso IV – É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”. 21


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O Direito a Informação também está no disposto no art.5º, incisos XIV, e XXXIII e XXXIV, “b” da CF/88”, é assegurado a todos o acesso à Informação; todos têm o direito a receber de órgãos púbicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo...” É de se ver que a Liberdade de Exteriorização do pensamento assegurada pela Constituição Federal é algo diverso e que não se confunde com o proselitismo político de qualquer coloração ideológica que possa confrontar o aspecto crítico do livre pensar. A constituição também trata desse Direito à Informação, como direito fundamental da cidadania no seu art.37, § 3º, inciso II, e no art. 216, §2º. Não é diverso o que também estabelece o artigo 220 da CF/88, que dispõe:

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“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Ditos dispositivos da Constituição Federal só foram regulamentados através da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) que só entrou em vigor em 16/05/2012, onde se busca concretizar a garantia constitucional do acesso à informação no Brasil. Nessa linha de entendimento, ao nosso olhar o país deve ser pensado em primeiro lugar, e não os interesses das corporações, dos sindicatos, dos partidos políticos etc. Deve-se aqui, como já está a ocorrer na Europa, baseado no Direito Constitucional, que tem o aluno a obter informações despartidarizadas, a explicação do que seja a construção de uma coalizão social em favor do Brasil, em benefício da sociedade como um todo, formando cidadãos livres e críticos de doutrinação ideológica partidária, que não tenha um viés político 22


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socialista, sindicalista e anticapitalista, como sendo este último o “símbolo do mal”, e aquele como o “símbolo do bem”, sem pontuar que a democracia, ao permitir a alternância do poder, indica caminhos escolhidos pelo povo que deve ser instruído para ter essa compreensão. As convicções e as crenças ideológicas dos professores nas universidades devem ser pessoais e individuais, entretanto, não sendo correto que estes transformem a sala de aula em local de catequese partidária, de um mundo que tenha sua própria visão, entre “capitalistas malvados versus heróis da resistência”, na expressão do professor Fernando L. Schüler, em artigo de sua lavra (É ético usar a sala de aula para “fazer a cabeça” dos nossos alunos?), publicado no site da Revista Época atualizado em 26/10/2016. Fernando Schüler é Professor em tempo integral no Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa, Brasil), em SP. Possui Doutorado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007), com pós-doutorado pela Columbia University, NY, e ao fazer uma análise de dez livros didáticos das mais diversas editoras do país, afirma que “100% têm um claro viés ideológico”. Diz ele, “(...) Não encontrei, infelizmente, nenhum livro ‘pluralista’ ou particularmente cuidadoso ao tratar de temas de natureza política ou econômica. Talvez livros assim existam, e gostaria muito de conhecê-los. Falo apenas dos que me chegaram às mãos. (...) E sempre para o mesmo lado”. Seguindo a velha máxima “a história é contada do ponto de vista dos vencedores”. Os livros apresentam-se de maneira unilateral com enfoque anticapitalista, com interesses seletivos dos fatos históricos, onde aponta a globalização neoliberal e os governos anteriores aos do Partido dos Trabalhadores como fonte de todo o mal econômico-social”. “Os livros ainda definem movimentos como o MST e o Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, como bastiões da verdade e da justiça, entidades quase “messiânicas”. 23


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Afirma o citado professor, ainda: “a doutrinação torna-se ainda mais aguda quando passamos dos livros de história para os manuais de sociologia. Em plena era das sociedades de rede, da revolução maker, da explosão dos coworkings e da economia colaborativa, nossos jovens aprendem uma rudimentar visão binária de mundo, feita de capitalistas malvados x heróis da ‘resistência’. Em vez de encarar de frente o século XXI e suas incríveis perspectivas, são conduzidos de volta a Manchester do século XIX” (sem grifos no original). Digo eu, o texto na íntegra encontra-se disponível para pesquisa no endereço(http://epoca.globo.com/colunaseblogs/fernandoschuler/noticia/2016/02/e-tudo-livro-manco-e-adivinha-para-qual-lado.html), e vale a pena ser conferido. Nossa visão de mundo é pluralista, é de questionar sempre, é racional, o que abre a mente e mostra o oceano que é o conhecimento do mundo real, do dia a dia, do que acontece à nossa volta, sem as fantasias ideológicas já ultrapassadas no presente. É um direito constitucional dos alunos, fundamentado nos dispositivos já indicados da Constituição Federal, ter individualmente como ser humano livre, o direito de ter postura crítica quanto ao que lhe é ensinado. Partindo dessa premissa constitucional, a tese que defendemos é a de que o professor deve ensinar aos seus alunos a ter uma visão histórica de todas as ideologias políticas, econômicas e sociais, independentemente daquelas suas convicções pessoais e por eles defendidas, que não podem ser impostas aos alunos. É dever dos mesmos ensinar aos alunos a conhecer, em profundidade, todas as ideologias para que possam adquirir algo salutar que é ter uma visão crítica sobre as mesmas, como um direito constitucionalmente adquirido, que é o da livre manifestação de pensamento e do direito de informação. Essa posição livre evitará o recrudescimento dos extremismos como os dos Neofacistas e Neonazistas, ambos nacionalistas extremados de direita e contrários à Democracia. 24


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O professor, nessa visão constitucional, tem o dever de tão somente fazer a exposição de todas essas ideologias sem, entretanto, fazer a partidarização, mas, a politização renovada da sociedade, sem a imposição de suas ideias pessoais. Encontramos, na verdade, virtudes e defeitos tanto na denominada “esquerda” quanto na “direita”. A sociedade precisa ser politizada, mas, não na ideia tradicionalista entre esquerda e direita, mas, uma nova politização em que se mostrem os defeitos e as qualidades dos sistemas criados pelo homem, para que se façam novas escolhas políticas, que não escravizem o próprio homem em guetos e campos de concentração. No Brasil, é costume de alguns intelectuais tomarem posição sem analisar a realidade dos fatos, mas, apenas por sua própria ideologia. É preciso uma percepção crítica dessa realidade, para se entender o que ocorre ao redor do mundo.

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Cabe ao professor contribuir com isenção para a formação de seus alunos como cidadãos, mas, sem fazer uma doutrinação dentro de sua visão pessoal partidária e politizada de sua escolha, deixando ao aluno que tem livre-arbítrio a fazer sua própria escolha do caminho a seguir. Desta forma, estaria ajudando na construção do seu senso crítico, que é a capacidade humana de questionar e analisar o que lhe é ensinado; o aluno poderia com isso buscar a verdade real, ante sua capacidade de fazer julgamentos críticos, como um direito constitucional que tem, de obter informações isentas das ideologias dos seus professores. Não é correto, a meu ver, ensinar tão somente uma ideologia que na visão do professor lhe pareça, seja ela qual for (de direita ou de esquerda ou de centro), como sendo a correta. Precisa-se ver na realidade o que essa ideologia produziu e se ela se sustentou e foi em benefício da sociedade como um todo e não de grupos. 25


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Ao contrário, o que deve ser ensinado ao aluno, é que o mesmo tenha um pensamento crítico, livre de doutrinamento dialético, em que não se defenda o poder totalitário de um governo contrário aos princípios da liberdade, igualdade, propriedade privada, livre mercado e liberdade de expressão, que são as bases do direito individual numa sociedade democrática, e esta é diversa do pensamento totalitário. Esse, ao nosso pensar, pedindo vênia aos que pensam de forma divergente, deve ser o comportamento das Universidades ao lecionar seus saberes. Ao que se percebe, contudo, é que a velha esquerda ensina o pensar velho, o passado, a luta de classes como solução para um mundo melhor, quando deveria ensinar o livre pensar, posto que, ditas teorias estão todas elas, ultrapassadas pela realidade econômica do mundo atual.

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Veja-se, por exemplo, a queda do “Muro de Berlim”, em 1989, e a posterior derrocada da União Soviética, que se desintegrou em dezembro de 1991, pondo fim a utopia comunista. A esse propósito vale a pena a leitura de Artigo de Max Seitz, de 25 de dezembro de 2016, na BBC Mundo (Os seis motivos que levaram o império soviético à ruína de maneira surpreendente). Citando Archie Brown, professor emérito de Política e especialista em temas soviéticos da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que estudou com outros especialistas o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mostrando as seis razões para explicar o colapso dessa superpotência, oficializada no Dia de Natal de 1991, por Decreto de Gorbachev, para servir de fonte histórica, para que nós no Brasil, não repitamos aqueles erros apontados (1. Autoritarismo e Centralização; 2. O “inferno” da burocracia - tudo era questão de documentos - gerando um estado ineficiente; 3. A falência da economia planificada que fortaleceu um mercado paralelo; 4. A melhoria da educação, 26


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criou entre os jovens universitários um maior conhecimento sobre o mundo; 5. As reformas de Gorbachev - acreditava que a iniciativa privada impulsionaria a inovação, permitiu que pessoas e cooperativas fossem donos desses negócios, permitindo, também, investimentos estrangeiros em empresas soviéticas; 6. Revoluções e movimentos separatistas de algumas repúblicas do bloco que declararam sua independência). Deve-se falar em inovação, em tecnologia que cria empregos, em igualdade de oportunidades pela inteligência, pelo mérito, pelo talento, única forma de se adquirir capacitação pessoal para enfrentar o desemprego na atualidade. Expor o Socialismo, Marxismo, Leninismo, Trotskismo, como socialismo de esquerda, levado aos seus extremismos pelo autoritarismo de Stalin. O socialismo de direita se encontra no fascismo de Benito Mussolini e no nazismo de Adolf Hitler (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães). Hitler após seu fracassado golpe de assumir o poder na Alemanha, concluiu não ser esse mais o caminho. O caminho seria pela democracia, pelo voto popular, e ao assumir o poder e seu controle seu propósito maior seria destruir a democracia e instituir sua ditadura, como ocorreu. Todos os populistas pensam dessa forma, é preciso se manter e defender a democracia pois ela permite a alternância de poder, pelo voto do povo. É sempre um não aos ditadores que se dizem, mentirosamente, defensores da democracia. Veja o que vem ocorrendo na América Latina com a tentativa de um Socialismo de esquerda, comunista na sua reta final, só muda a ideia de um Poder com base em estatais comandando os meios de produção. É o que ocorre em Cuba, Venezuela e tentou-se no Brasil, levando-o á maior recessão de sua história moderna. A imagem que se faz do empresário e do empreendedor é de uma pessoa desonesta, explorador dos trabalhadores, e não aquele que cria empregos e movimenta a economia. 27


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Jeferson Fonseca de Moraes

Estes devem ser ensinados como fatos históricos decorrentes das humilhações aplicadas aos vencidos da primeira guerra mundial, e dos ressentimentos que deram origem à segunda guerra mundial e as consequências da aplicação de postulados extremistas daquelas ideias. Mas quando não dizem que tais sistemas são contrários à democracia e as liberdades de pensar, não estão a respeitar o direito à liberdade de expressão e de informação que tem os alunos das universidades! Quando éramos estudante da velha Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe, nos idos de 1964/68, não se falava criticamente desses sistemas, mas, o que se via era o ensinar ideológico e partidarizado. Era modismo entre os estudantes de então, e de parte da intelectualidade sergipana ser de “esquerda”; ser de “direita”, era algo semelhante a um “palavrão”, e, ainda continua sendo esse pensar por grande parte da nossa intelectualidade, pelos sindicatos e por tantos outros. É preciso, no momento em que vivemos pontuar as diferenças existentes entre essas tendências. Esclarecer aos alunos que ser de Centro não é nem ser uma coisa nem outra; o ser de Centro, que pode ser de Centro-Esquerda, como aqueles que pregam como solução dos problemas, a receita de uma economia liberal que acredita em programas sociais que beneficiem a sociedade como um todo, e não somente aos mais pobres, como acontece na Alemanha com Angela Merkel. Angela Merkel, considerada a mulher mais poderosa do mundo venceu pela quarta vez consecutiva a eleição e vai governar a Alemanha com um detalhe amargo na vitória: das 709 cadeiras do novo Parlamento os democratas-cristãos de Merkel conseguiram apenas 246, 65 a menos que na eleição anterior. Pontuar que o ser de Centro-Direita se dá com aqueles que acreditam na economia liberal, de Mercado, na abertura do 28


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país a investimentos internacionais, e que a pobreza será beneficiada com investimentos na educação, principalmente na tecnológica, com a qualificação pessoal dos jovens, adquirindo empregos com bons salários e se tornando classe média, tudo isso, em escala, sendo estes mais conservadores do que os de Centro. Nessa vertente de liberdade de escolha é dever também explicitar que, diversamente daquela, a Direita, na atualidade, é dividida em Direita Moderada que é Conservadora, e Direita Extremista, que é populista, prega o nacionalismo e a não cooperação nas relações internacionais, sendo seu exemplo na Europa, Marine Le Penn, de ultradireita. Uma parte dessa direita é antissemita, contrária aos imigrantes, e acha que estes devem voltar aos seus países de origem. O pior é que esta visão está se disseminando na Europa, chegando até a Holanda, na área rural com pregações conservadoras e autoritárias de um Estado forte. A esquerda denuncia a todos como sendo de direita extrema para recriar um estilo impopular. Essa politização das imigrações contra os estrangeiros, de um modo geral, se faz com intolerância a estes. Prega-se contra a globalização na Europa, como fez a Grã-Bretanha, sem expor os progressos e as conquistas da União Europeia, que são desprezadas pelos extremistas. Na verdade, ao nosso pensar, cometeu-se o equívoco de não se fazer uma regulamentação da expansão da globalização nesses 20 anos, encontrando-se agora uma grande oposição dos extremistas que são localistas e nacionalistas exacerbados, a exemplo da já referida Le Penn. Pregam como lema: “Minha Pátria Acima de Tudo”, formando-se uma “Grande Onda”. A história nos ensina sobre esse “Filme que o Mundo já viu”, o perigo dos ultranacionalistas, que é o do “Nós contra Eles”, ocorrido com Adolf Hitler na Alemanha. 29


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Isso cria uma onda de políticos populistas na Europa, e vai se disseminando por todos os países do mundo. É um perigo para a democracia! Na Rússia, nessa “Grande Onda”, temos Vladimir Putin, que a nosso ver é de direita e comanda interesses de ver uma Europa dividida, porque atende a seus interesses expansionistas nas Repúblicas do seu entorno, sem uma reação europeia como um bloco hegemônico de poder militar. O que pensa, na verdade, é o retorno de uma “grande União Soviética”. No momento, seu representante maior nos Estados Unidos é o presidente norte-americano, uma incógnita para o mundo! Vejo o mundo com grandes preocupações, razão pela qual estou a escrever este Capítulo. Entende essa Direita que o país deve se fechar aos imigrantes, que são acusados de tomar os empregos dos americanos, pregando uma xenofobia, que na verdade é a desconfiança, o temor ou a antipatia por pessoas estranhas ao seu meio ou a quem vem de fora do seu país. Essa posição também, como já dissemos, está chegando à Europa, confundindo os refugiados como pessoas ligadas ao fundamentalismo islâmico, quando na verdade são pessoas que fogem das guerras, não tendo a religião em si qualquer culpa com os atos terroristas que ocorrem no mundo. É verdade que muitos se aproveitem das religiões, como no passado dela também se aproveitaram, como no tempo das Cruzadas, para explicar o que acontece no presente entre o Ocidente e as divergências com os Países do Oriente Médio. A nosso ver, todas essas questões devem ser lecionadas nas universidades sem que se faça o proselitismo e a defesa ideológica daqueles sistemas, nem sua partidarização, mas, mostrando-se os seus erros e acertos, em certos momentos da sua história. É o utilizar-se dessas experiências para a construção de um mundo mais fraterno e justo entre todas as classes sociais e a 30


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permissão de sua ascensão, movendo para cima, elevando-se pela educação e pelo trabalho livre na escala social pelo mérito de cada um, sem luta de classes! Quando se falar de ideologias, deve-se, de igual modo, tratar, por exemplo, da social-democracia, devendo esta ser ensinada como uma cisão interna dentro do socialismo. Ensinar que esta se diferencia declaradamente do socialismo por sua defesa do estado do bem-estar social, que tem bases liberais sustentadas no capitalismo, enquanto o socialismo é a passagem dialética para o comunismo na visão marxista, conforme está posto no “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels, em que prega a “Ditadura do Proletariado”. A social-democracia politicamente se localiza como partido de Centro, se diferenciando da Direita pela primazia que sustenta, a exemplo da defesa das liberdades civis, do meio ambiente, dos direitos trabalhistas e dos empresários. Sustenta uma convivência de convenções coletivas de trabalho, com força de lei que harmoniza as relações entre patrões e empregados, bem como na regulamentação do mercado pelo Estado, sem sua interferência, sendo avessos aos extremismos. “São Países com maior tradição social-democrática, a Alemanha, Holanda, Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Bélgica” (Fonte: BETONI, Camila. Social-Democracia. Disponível em: <http:// www.infoescola.com/politica/social-democracia>. Acesso em: 11 fev. 2017. O que se vê no mundo de hoje é o avanço dos extremos; a extrema direita se encaminhou no passado para o nazismo e o fascismo, que são sistemas autoritários e fechados, sendo contrários à globalização, porque entendem que esta tira empregos da classe média, e com tendência ao nacionalismo exacerbado. Não obstante, também sejam politicamente imperialistas, ao visarem conquistar terras onde vivesse uma parcela da população que tivesse origem na Itália ou na Alemanha, fato que ocasionou 31


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a Segunda Guerra Mundial, tendo produzido maus resultados para a humanidade, não sendo por demais aqui repetir-se! A extrema esquerda tem como rumo o socialismo e o comunismo, se apoiando no nacionalismo e na intolerância às diferenças, sejam políticas, sociais, não vivenciando a democracia como nós a conhecemos, diante do autoritarismo dos seus governos, da existência de partido único, embora mesmo assim, se digam democratas. Os extremistas não toleram a democracia, que embora não seja um sistema perfeito, porém, o gênero humano não criou, até hoje, um sistema melhor de convivência entre os diferentes, diante da alternância do poder, pela escolha do povo de seus governantes. Ao nosso pensar crítico, todos os sistemas existentes e anteriormente indicados devem ser lecionados nas universidades, destacando-se os valores da democracia. A democracia como o governo da maioria que respeita as minorias, que deverá sempre ter sua revitalização, sua renovação, pois a vida não é estática, demanda sempre por mudanças ou transformações. Possibilita esta a mobilidade social aos mais pobres, desde que estes aproveitem as oportunidades que as portas do conhecimento abrem ao ser humano através da educação. Nessa visão transformadora, já se fala numa mudança na própria democracia, no pensamento que começa a ter eco na Dinamarca com os denominados neodemocratas. Nessa nova visão, deve-se ter em mente a utilização do que melhor seja para a liberdade humana, como as coisas boas existentes em cada sistema em benefício da sociedade como um todo, eis que esta se renova continuamente, e não tão somente de determinada classe que se sobreponha aos interesses da coletividade. Os neodemocratas aproveitam algumas ideias do Socialismo, mas discordam da sua finalidade precípua, que é a de ser uma via 32


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de passagem ou uma etapa para se chegar ao Comunismo, que prega ao final a “Ditadura do Proletariado”, que seria dialeticamente a síntese histórica da visão socialista, com o controle dos meios de produção pelo Estado, sendo este, ao final, antidemocrático. É preciso ensinar a ter senso crítico a qualquer sistema de partido único; a unicidade partidária é sempre autoritária, pois não garante o direito à liberdade de imprensa, do livre pensamento, como se constatou no antigo sistema comunista da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Como historicamente se constata, após a derrubada do Muro de Berlim em 1989, marco do processo de dissolução daquelas repúblicas, que culminou em 1991 com sua ruína, quando aqueles Estados da Federação Russa se tornaram países independentes. O que se viu foi o perecimento do sistema comunista; este deve ser ensinado, apenas, como um fato histórico da humanidade, de um sistema de governo já experimentado e como algo que não deu certo; e não como algo que ainda possa ser aplicado aos povos, na visão de muitos intelectuais que não compreenderam que o passado não retorna ao presente. Aquelas ideias românticas que tive na juventude e paguei o preço por elas, com a minha prisão em 1968, no 28º Batalhão de Caçadores, unidade do exército, em Aracaju, após colar grau em Direito, sucumbiram; a prática demonstrou sua insustentabilidade, diante das necessidades pessoais dos indivíduos, que é consumista, da realidade dos mercados, e justamente por ser contrária à maior conquista do homem no plano político no planeta: a democracia! É preciso que se tenha um Estado em constante transformação que vise o bem-estar social, que não seja paquiderme, pesado, ineficiente, controlador da economia, que não dê subsídios aos seus escolhidos, pois estes geram déficit, recessão, inflação e desemprego. 33


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Um Estado que não atenda a tais exigências precisa ser revisto urgentemente, caso contrário, entrará em declínio, ocasionando o sofrimento de suas populações. Veja que a confiança nos governos despenca em todo o mundo, porque estes não demonstraram capacidade para encontrar soluções aos problemas sociais, políticos e econômicos do país. Dessa forma, o povo se volta contra seus governantes, por que o bipartidarismo, entre esquerda e direita, falhou em todo o mundo, como se constata no noticiário dos comentaristas da imprensa internacional nos dias de hoje. A polarização entre esquerda e direita não mais se sustenta; o que se vê, são governos de coalizão. Isso é o que deve ser mostrado na educação, como novos saberes, que devem ser ensinados pelos professores e aprendidos pelos alunos, diante da realidade mundial. Vivemos numa época em que o Parlamento ganha força e nenhum governo consegue governar sem ele, não obstante, não tenha aquele como este, a devida credibilidade entre a população em razão da corrupção envolvendo grande quantidade de políticos do nosso país, e empresários supostamente nela envolvidos e já indiciados na denominada Operação Lava Jato, no Brasil. Com efeito, é preciso reinventar a função do Estado no mundo atual, considerando que a tecnologia tem gerado um grande número de desempregados, posto que, os empregos tradicionais, a exemplo dos frentistas de postos de combustíveis, na Europa e nos Estados Unidos não mais existem. Esse tipo de emprego ficou obsoleto em face da tecnologia que hoje é de autoatendimento. Todas as funções repetitivas que eram desempenhadas por trabalhadores nas fábricas, em todo mundo, hoje são realizadas por vários robôs, que lhes tirou seus empregos, mormente na indústria automobilística os obrigando a ter uma nova qualificação. E isso não pode ser evitado devido ao progresso. 34


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É isso que vai ocorrer com outras profissões que serão substituídas pelo avanço tecnológico. A automação robótica é uma realidade no mundo desenvolvido, e no Brasil, já acontece na automação das diversas montadoras de automóveis; temos um exemplo disso, também, no caso dos cortadores de cana de açúcar, dos ceifadores de trigo, que perderam seus empregos em razão do uso de máquinas colheitadeiras que fazem todo o serviço automaticamente com mais rapidez, eficiência e economicidade do que aqueles homens faziam. O erro, a nosso ver, está no nosso sistema educacional, que não qualifica aqueles trabalhadores para essa nova realidade mundial de inovação; que os jovens estudantes das universidades possam, segundo as leis de mercado, ocupar novos postos de trabalho, e diante disso, sem culpar a globalização como sendo a responsável por tais desempregos, mas, sim, o nosso sistema educacional como ele é, fora da realidade dos mercados. É verdade que a globalização tem pontos negativos, considerando que cria empregos em localidades em que a mão de obra é mais barata, como se vê na Ásia em geral, por força de indústrias que investem fora da sua sede de origem, porque nesta, a mão de obra é mais cara e o número de consumidores é em menor escala do que o da população asiática, além dos impostos serem menores. O Brasil, diversamente daqueles países, tem a maior carga tributária da América Latina, isso tira a competitividade dos nossos produtos, e por via de consequências, não cria empregos (Fonte: Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/3946654/ brasil-tem-maior-carga-tributaria-da-america-latina-diz-ocde>. Acesso em: 13 fev. 2017. Essa visão esclarecedora deve ser ensinada nas universidades nessa quadra de tantos problemas que são enfrentados no mundo inteiro. 35


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No Brasil, salvo algumas exceções, vive-se como se o país fosse uma ilha, fora do contexto mundial, se pensa como se pensava há 50 anos e não se quer mudanças; basta ver que, no mundo, a legislação trabalhista tem sofrido flexibilização visando sua adequação para que esta seja uma fonte criadora de empregos no mercado de trabalho. Entre nós, todavia, a nossa Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é velha, pois é do ano de 1943, enquanto no contexto mundial, várias são as transformações operadas para que seus produtos sejam mais competitivos no mercado mundial. Esta legislação no Brasil, inclusive, já foi recentemente alterada para que o país pudesse deixar de ser emergente e, aos poucos, entrasse no processo de desenvolvimento para poder criar empregos, e harmonizar as relações entre capital e trabalho mediante convenções coletivas, equalizando os interesses das partes envolvidas, com força de lei, como já foi dito anteriormente. Tanto é verdade essa afirmação que, em julho de 2017, o número de desempregados atingiu 13,7% da massa trabalhadora, que corresponde a mais de 13 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Contudo, alheios a essas fontes de informações, o que se vê é que a maioria dos intelectuais e de políticos da chamada “esquerda caviar”- que gosta de bons whiskies, bons vinhos, restaurantes de primeira, fumar charutos cubanos, e resolver em papos etílicos os problemas do mundo, não apontam nenhuma solução diversa a tais problemas. Continuam defendendo aquelas mesmas ideias antigas de Marx e Engels, que já se mostraram superadas na realidade mundial. São sempre bons de discursos e simpáticos, se postam como defensores do povo menos favorecido, quando, na verdade, defendem seus próprios interesses! Veja-se como exemplo a última lista de Janot, a delação premiada dos donos e dos executivos da Odebrecht, envolvendo 36


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uma infinidade de políticos acusados de corrupção, de todas as partes do país, e mais recentemente, dos donos da JBS, uma “bomba atômica” na política brasileira. As esquerdas não apresentam soluções, indicam apenas o que consideram como defeitos dentro de sua concepção de mundo. Os educadores devem elucidar aos estudantes todas essas mudanças que vêm ocorrendo no mundo atual, tornando compreensível para estes, que os partidos socialistas europeus no ano de 2016/2017, estavam com os menores índices de aprovação popular em sua programação de governo. Tanto que, na França, conforme foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação, foi atingido naquele ano algo em torno de 8% de sua população para suas hostes, para as novas eleições, sendo eleito como novo Presidente da República, Emmanuel Macron, alguém que não pertencia aos partidos tradicionais. A Grécia, que é conduzida por um governo de esquerda, não pode cumprir as promessas eleitorais, de gastar apenas o que produz, e não gastar o que não tem em políticas sociais, como fixado pela política de austeridade da União Europeia, e por isso perdeu sua popularidade. O país está quebrado, e sem a ajuda financeira da União Europeia, e sua adequação a medidas impopulares, o país se torna inviável. Portugal, por sua vez, elegeu em 2016 um Presidente da República de origem social democrata, de base conservadora, tendo mais de 52% dos votos dos portugueses. Os candidatos de esquerda tiveram uma votação entre 22% e 10% do eleitorado. A Espanha segue de igual modo o programa fixado pela União Europeia, que é o de diminuir seu déficit, reequilibrando suas contas, gastando no limite dos seus rendimentos. Vive um Governo liberal de coalizão com um mosaico de partidos de direita e de esquerda, sem o qual o Primeiro-Ministro do país não teria como se eleger. 37


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O que se observa no programa de estabilidade econômica naqueles países é uma receita sofrida, mas, de sucesso, tendo como foco o comércio de exportação, que gera muitos empregos; a abertura econômica que traz mais investimentos, facilidade no turismo, e o não protecionismo. A ideia de que o Estado pode gastar livremente não se sustenta, porque gera déficit, cujo o dinheiro para sustentar tudo isso, ao final, vai sair do bolso do povo, que terá que pagar mais impostos, o que o cidadão não mais suporta, inclusive por gerar inflação, recessão e desemprego. Diversamente da compreensão do contexto mundial, no Brasil, o discurso das esquerdas ainda continua sendo o mesmo do passado, nos dias atuais. Pensa-se como se estivessem vivendo num mundo ainda não globalizado, mas, não há como o Brasil fugir dessa realidade do mundo atual.

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Dizem as esquerdas mais extremistas que a culpa de tudo que acontece de ruim no mundo é obra dos países ricos ou desenvolvidos e do capitalismo liberal, que agora é chamado de neoliberal. Mas, esse discurso não traz qualquer solução que modifique nossa realidade. Essas ideias populistas eram simpáticas aos estudantes e gozavam de prestígio no meio acadêmico e entre grande número de professores das Universidades, em minha época, como ainda hoje gozam! Eu também assim pensava, quando era jovem, antes de participar de um seminário sobre desenvolvimento na então Alemanha Ocidental, antes da queda do Muro de Berlin, em 1988. Eu vi o Muro de Berlim ainda de pé. Era horrível! Visitei também o outro lado do Muro, a República Democrática Alemã (RDA), a cidade de Berlim Oriental, completamente decadente, ante a pujança da outra Berlim democrática! 38


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Tais ideias daqueles postulados só serviam e continuam servindo, na verdade, para esconder os interesses pessoais de alguns, principalmente de uma grande gama de políticos de esquerdas e sindicalistas, ante uma sociedade que não lê, viaja pouco, por falta de possibilidades, para ver o que está acontecendo ao redor do mundo. E, por isso, se vê ignorante, no sentido de ser míope a uma realidade dos fatos sociais e econômicos existentes no dito primeiro mundo desenvolvido, que é basicamente capitalista nos seus fundamentos econômicos, mesmo por parte dos atuais socialistas europeus. É preciso que tais intelectuais brasileiros, alguns professores das Universidades, entendam que a ideologia política como praticada no passado, com sua partidarização, está morta por uma realidade política e econômica da globalização. Os governos populistas, ao invés de terem investido os recursos financeiros advindos de suas commodities em infraestrutura, criando empregos, o que dá dignidade ao povo pobre, que poderá ascender a ser integrante da classe média consumidora da produção nacional, usufruindo destes investimentos, fazem tudo ao contrário do que fazem os países desenvolvidos, como ocorre atualmente na decadente Venezuela que já foi um país rico num passado anterior a Hugo Chávez e Maduro. Na verdade, a maioria dos nossos governantes, tem somente uma visão social, e não econômica e fiscal do país, diversamente da visão que se tem, na Alemanha, Inglaterra, França, e Países Nórdicos, como Suécia, Dinamarca e Finlândia. Estes aplicam o produto de suas riquezas na infraestrutura do país, em sua base organizacional para criar novas riquezas, gerando empregos qualificados, que liberta o povo da ignorância cultural, política e financeira. Na América Latina o populismo só subsistirá enquanto o preço das commodities dos produtos lhes for favorável, a exemplo 39


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de minérios de ferro, aço e petróleo, exportados para outros países, por preços que permitam o financiamento de seus programas ditos sociais, para manter os seus políticos no poder! Aqui, ao contrário, esses recursos são aplicados em programas sociais populistas voltados aos mais pobres que, entretanto, continuam, nessa condição e classe social sem qualquer mobilidade de ascensão. E assim têm os votos dos descamisados como defendia Peron, quando era presidente da Argentina. O Brasil tem que gastar mais em educação, em treinamento técnico e em robótica como já faz a Alemanha com seus cursos técnicos para atender a demanda do mercado, fazendo isso, há mais de 30 anos passados, como presenciei quando lá estive participando de um seminário internacional. O país precisa urgentemente melhor qualificar seus professores para que estes melhores qualificados possam qualificar em melhor nível seus alunos; deve ainda dar aos professores uma melhor remuneração para que a profissão seja economicamente mais atrativa aos jovens. É preciso se fazer investimentos em setores básicos, como por exemplo construir mais escolas, laboratórios e postos médicos. Dar Bolsa Família não é investimento suficiente, é assistencialismo, que é outra coisa. Explicar que a China, não obstante, seja um país politicamente de partido único, dito comunista, entretanto, economicamente é capitalista. Transformou em 20 anos, segundo avaliação de Roberto Abdenur, que foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China e acompanhou a primeira missão comercial da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) ao gigante asiático, realizada de 11 a 19/10/2010, 400 milhões de pessoas pobres foram transformadas em classe média 40


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(Fonte: Disponível em: <https://safe. amcham.com.br/eventos/regionais/ amcham-sao-paulo/noticias/2010/roberto-abdenur-brasil-ganha-ao-explorar-mais-negocios-coma-china/?searchterm=None. Acesso em 13 fev. 2017). Essa classe média passou a ter condições de comprar qualquer produto do seu desejo para seu próprio consumo, gerando desenvolvimento ao país como um todo. Países desenvolvidos têm que ter uma classe média forte, que compra o que é produzido no país; e como isso cria empregos para todas as classes, de acordo com o nível de escolaridade de cada um, e das necessidades do mercado por uma mão de obra cada vez mais qualificada. É preciso mudar a educação como ela vem sendo praticada no Brasil, como têm feito os países do primeiro mundo, com a criação de cursos técnicos formando mão de obra que atenda às necessidades das demandas do mercado. A nosso ver, não existe outro caminho! Na América Latina, esses recursos financeiros, gerados pelas commodities dos minerais e do petróleo, foram aplicados pelos governantes populistas de forma diversa do que se fez na China e nos dos países desenvolvidos, que fizeram a aplicação desses recursos na infraestrutura do país. Na América Latina, contudo, se fez com tais recursos uma distribuição de renda aos mais pobres, é verdade, porém com a construção de “guetos” populares, transformando-os em seus eleitores pelas benesses dadas, ao invés de criar empregos, que é o que liberta o homem, através do seu trabalho, dando-lhe dignidade, e não uma “esmola”, que humilha o cidadão, como dizia o nosso cancioneiro Luiz Gonzaga. Essa é a política atual brasileira, que precisa urgentemente ser modificada, pois somos um país rico, mas que tem a maior concentração de riqueza individual e com o maior nível de desigualdade econômica social, ante os países desenvolvidos. 41


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O melhor para o país é ter um povo que possa consumir o produzido pelo seu PIB (Produto Interno Bruto), girando a economia do Brasil. A América Latina, nessa política populista e socialista, em alguns países, não soube aproveitar os altos preços favoráveis dos seus produtos de exportação, a exemplo do petróleo, dentre outros, para aplicar os lucros das vendas internacionais, na infraestrutura do país, e com isso gerar empregos qualificados para os mais pobres adquirirem liberdade e independência no momento de votar. Como o preço do petróleo na atualidade (2016/2017) vem caindo e variando, em torno aproximadamente em um pouco mais de 50 dólares o barril, quando em passado recente atingiu o preço de 140 dólares, o ferro e o aço com preços em dólares também baixos, gera nesses países processo de inflação e recessão, com uma massa de desempregados. Essa massa representando, hoje, 13% da população economicamente ativa é uma lástima produzida pela política centralizadora estatal, que se estabeleceu nos últimos anos pelo Governo Federal, com a presença centralizadora e controladora pelo Estado das forças de mercado. O que se viu foi o controle dos preços dos derivados do petróleo, mantendo-se artificialmente o controle da inflação que, sem uma política de controle de gastos e de estabilidade, está nos levando a ser um país quebrado. Mas em parte, alguns intelectuais vêm mudando de há muito aquela visão centralizadora de governo, no que concerne à defesa da democracia e contra o autoritarismo comunista, mesmo entre notórios e famosos socialistas, a exemplo do português Mário Soares. Antes de ser um dos fundadores do Partido Socialista Português, manteve relações estreitas com o maior líder comunista de Portugal, que foi Álvaro Cunhal. 42


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Álvaro Cunhal lecionou no Colégio Moderno, tendo ali conhecido Mário Soares, do qual foi seu professor, entretanto, depois romperam politicamente; Cunhal era integrante do Partido Comunista Português (PCP), Soares embora o admirasse, com ele rompeu. Combateu a ditadura de Salazar, e do seu sucessor, Marcelo Caetano, e naquele período, viveu exilado em Paris, e só retornou ao nosso querido Portugal quando da Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, participando do novo governo socialista. Muito contribuiu para a entrada de seu país na Comunidade Econômica Europeia, hoje União Europeia. Mário Soares faleceu no sábado dia 07 de janeiro de 2017, em Lisboa, aos 92 anos de idade, sendo um grande amigo do Brasil! Foi Presidente da República e primeiro-ministro, por duas oportunidades. Outro que mudou de visão, agora no Brasil, foi o poeta de esquerda, Ferreira Gullar, falecido em 4 de dezembro de 2016. No início foi marxista, perseguido pela ditadura militar, viveu como exilado político, na União Soviética, no Chile na época de Salvador Allende, de onde foi despejado pelo golpe do general Augusto Pinochet, partindo dali, para a Argentina. O tempo passou, o antigo comunista deixou de sê-lo, e se tornou num dos intelectuais que mais criticou as esquerdas brasileiras, e estas puseram nele, por pensar agora de forma diferente, a pecha de “reacionário”, como sempre fazem com os seus divergentes. Perdeu o Brasil, um grande filho, que aprendeu a pensar e a ser crítico, lúcido aos 86 anos de idade, quando faleceu no Rio de Janeiro aquele grande maranhense. Que muitos mudem como o fez o poeta Ferreira Gullar, e outros tantos, para a construção de um mundo melhor, e sem ditaduras. 43


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É preciso evoluir no pensamento crítico, como está a fazer o escritor peruano Mario Vargas Llosa, que critica as esquerdas tradicionais, o populismo, as ditaduras, e a corrupção endêmica na América Latina, e no Brasil. Esse Prêmio Nobel da Literatura tem um pensamento crítico no que se refere aos males do populismo e das ditaduras, fazendo sempre, a defesa que faz da democracia. Enquanto isso, escritores mais à esquerda, mesmo na velhice, a exemplo do notável Prêmio Nobel colombiano, Gabriel García Márquez, embora brilhante, no campo da literatura, mantinha, enquanto vivo uma posição de amizade pessoal com os poderosos, e quanto ao ditador cubano Fidel Castro, uma posição acrítica a este e à sua ditadura que encarcerou nas suas masmorras todos aqueles que pensavam diferente dele. Seu irmão, Raul Castro, que o substituiu, embora um pouco melhor, continua tão ditador quanto àquele! E o que é pior, é que na juventude fui admirador de Fidel Castro, pelo seu romantismo, mas que se tornou um ditador como os demais, encarcerando em suas prisões os que pensavam diferente dele, inclusive velhos companheiros de revolução que lutaram em “ Sierra Maestra”, ao seu lado.

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De suas ideias também me afastei, até porque, ao final os ditadores, todos caem, valendo, para a nossa reflexão o que disse o Mahatma Gandhi a esse propósito, o que transcrevemos textualmente: “Houve tiranos e assassinos... E, por um tempo, eles parecem invencíveis... Mas, ao final, sempre caem. Pensem sempre nisto. Os fortes só o são por um instante, como o sonho de uma tarde que dura apenas um momento. No final, são sempre destroçados. São como poeira ao vento. O amor é a força mais sutil do mundo”. 44


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Coisas como essas devem ser ensinadas nas nossas universidades, mas, parte de nossos intelectuais de esquerda, poetas e cantores festejados da música popular brasileira, muitos deles, salvo poucas exceções, nunca criticaram o “Velho Fidel”, nem defenderam os prisioneiros que viviam e vivem nas prisões cubanas, por pensarem de forma diversa do que pensava o Governo da Ilha. Mas, aqui, no Brasil, ainda hoje, grande parte da juventude universitária brasileira continua, em sua grande maioria, defendendo o socialismo utópico de Cuba, porque a estes está sendo ensinada uma ideologia política e não o livre pensar crítico, que faz o homem ser livre e defensor da democracia, da alternância do poder pela via popular de eleições livres.

ISBN 978-85-64495-02-09

Em abril de 2018, falando no 1º Encontro Anual do Parlamento Europeu, a jornalista, ativista e cientista política da Guatemala, Glória Alvarez definiu de forma “arrasadora” o socialismo e os males que causou e vem causando na América Latina. Em seu pronunciamento ela defendeu o desaparecimento do socialismo como forma de promover o desenvolvimento e o livre mercado na América Latina. “Não há como vocês nos ajudarem dizendo que o socialismo funciona na Europa, mas não na América Latina porque temos uma cultura onde o socialismo sempre é corrompido”, disse ela. Fazendo uma associação entre socialismo e corrupção, afirmou: “O socialismo sempre leva à corrupção. Primeiro vem o socialismo, depois a corrupção, porque o socialismo dá poder absoluto. E o que acontece com o poder absoluto? Bem, corrupção absoluta. E isso sempre leva aos mesmos resultados: barreiras comerciais, regras distintas, dando privilégios a alguns comerciantes em relação a outros empreendedores que não possuem esses privilégios”. Mais adiante, Glória Alvarez foi mais contundente: “Coletivismo, capitalismo de laços, oligopólios artificiais, leis 45


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trabalhistas insanas, onde os sindicatos tornam-se bem mais exploradores dos trabalhadores do que aqueles que, supostamente, estão ofertando seus empregos”.

Em outro momento do seu pronunciamento, ela afirmou: “Em 1989, a União Soviética desaba. O braço marxista da América Latina e seus grupos socialistas, percebem que estão em apuros, porque agora eles não têm mais o dinheiro da União Soviética para financiar guerrilhas violentas. Mas, ainda assim, almejavam o poder. Então, o quê fizeram? Bom, Fidel Castro se juntou a Lula da Silva e criaram o 1º Foro de São Paulo. O Foro de SP é um congresso que a cada ano se reúne para avançar a agenda socialista na região. Começaram a operar em 1990. Em1998, elegeram seu 1º presidente: Hugo Chávez. Isso foi um alívio para Cuba. Porque o dinheiro que a União Soviética já não mais transferia, era recebido agora graças ao petróleo Venezuelano. E, com a queda acentuada do preço do petróleo, esperam que a Colômbia avance a agenda dando às FARC, a narcoguerrilha marxista da América Latina, posições no poder. O que precisamos entender é que essa estratégia regional não foi apenas colocada em prática na Venezuela. Foi colocada em prática no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Nicarágua e El Salvador.

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E Glória Alvarez concluiu: “Nos lugares onde não tomaram o poder, possuem pessoas esperando para chegar lá”. O socialismo faliu como sistema; veja-se o aumento da pobreza no mundo, e a diminuição da classe média, esta sim é que ocasiona desenvolvimento, porque é consumista, alavancando a economia de mercado. Com efeito, deve o sistema financeiro internacional ser revisto, com a criação de um novo modelo de capitalismo com um novo viés. 46


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Outro ponto, a ser pensado sobre a universidade pública, é que ela só deveria ser gratuita para os pobres, para os que não têm condições financeiras de pagar a respectiva anualidade. Mas, para aqueles que podem, deveriam estes pagar seus custos, no mínimo, para poder com esse dinheiro, subsidiar o pagamento daqueles que não têm condições financeiras para tal. É o que ocorre, na Europa, por exemplo, na Universidade de Lisboa, em Portugal, que é pública, mas, não é gratuita. Naquela Universidade, os mais pobres pagam uma anualidade, ou taxa que lá é chamada de “propina”, e que fica em torno de 1.000 euros; o que dá uma média equivalente a R$350,00 – por mês, a preço de hoje. O governo português subsidia o pagamento dos professores, da infraestrutura, e da parte tecnológica da Universidade. Sei disso porque conheço aquela Universidade de perto, onde minha irmã fez seu Doutoramento; frequentei suas instalações, almocei no seu restaurante, onde uma refeição para estudantes custa 5 (cinco) euros, enquanto para os professores e visitantes, 10 euros. Nada é gratuito. Enquanto nas universidades públicas, a exemplo da UFS, os estudantes pagam ainda nos dias de hoje R$ 1,00 para almoçar. Isso não paga o custo do alimento. Não há universidade que aguente isso, nem o Governo suporta esses custos que são pagos com a cobrança cada vez maior de impostos arrancados do povo - que somos todos nós! Ao nosso pensar, a sala de aula é o melhor espaço para o exercício da democracia, da aceitação das diferenças de ser e de pensar, local onde deve se dar a evolução mental e espiritual das pessoas. Devem ali aprender a crescer como tal, tornando-se sujeito responsável do seu destino, sobrevivendo por si mesmos na nossa sociedade capitalista, que é cada vez mais competitiva, sendo acirrada a conquista de um lugar ao sol nesses nossos dias. 47


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Nossos jovens devem ser preparados para esse mercado competitivo, que é real e não num mundo utópico que é irreal. Essa é uma das verdades, o resto é um sonho dos que não querem enxergar a realidade e a compreensão do ser humano como tal, dentro deste novo contexto mundial, de um mundo globalizado. Podemos dizer ao final, que o populismo no Brasil criou a situação política e econômica que estamos vivendo nesses dias, em que os políticos em sua grande maioria e os empresários corruptos quebraram o país! A corrupção tornou-se uma praga, um projeto político de perpetuação de poder contra os interesses da sociedade como um todo. Lamentável é que o povo não enxerga isso! A única esperança do Brasil é educar o povo, pois só assim este escolherá melhor os governantes. Mas tudo isso tem seu preço. Como se diz, não há almoço de graça, e alguém, ao final tem que pagar a conta, como sempre o povo, com o aumento dos impostos, e a criação de novos, a volta da inflação e o desemprego. O Governo Federal precisa continuar a financiar a educação, inclusive com subsídios de parte dos juros, apenas aos estudantes pobres, para que estes possam se firmar, evitando-se com isso, que as dívidas decorrentes, tornem-se impagáveis. Os bancos privados podem participar desse financiamento, com uma parte dos depósitos compulsórios que é obrigado a fazer no Banco Central e com juros civilizados, e não escorchantes, e com um percentual dos seus lucros voltados para ações sociais afetas à educação dos jovens pobres, melhorando o país. Os estudantes pobres não podem deixar de estudar nas Universidades, como já vem ocorrendo, inclusive até nos Estados Unidos da América. É preciso repensar o modelo financeiro mundial praticado pelos bancos. 48


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Sugiro que os educadores brasileiros que assistam ao Documentário “TORRE DE MARFIM: A Crise Universitária Norte-Americana”, para aprenderem com eles, de forma crítica e sustentável, o que deve ser feito na universidade brasileira. Não devem praticar o uso das utopias de nossa juventude, que ainda são por nós vivenciadas nos dias de hoje, com o ensino público e gratuito para todos, mas, para aqueles que não podem pagar, que são os pobres! Diante disso, precisamos urgentemente de uma renovação de todos os saberes que são ensinados nas Universidades do Terceiro Mundo, diante da globalização em que se vive, pois só haverá empregos nessas empresas transnacionais para os mais qualificados. O resultado daquela política populista estamos vendo hoje: aumento de impostos, desemprego, recessão, dívida pública, inflação alta, serviços públicos cada vez piores, os transportes públicos sucateados, porque as tarifas são defasadas e não correspondem aos custos das empresas para manutenção desses serviços com qualidade. E o povo não compreende nada disso, e vai às ruas contra qualquer aumento nas passagens desses transportes, como estamos a ver nas passeatas que se sucedem em todo país, como se isso resolvesse as coisas. Tocam fogo nos ônibus, como protesto, e ficam sem transporte. Estão dando um “tiro no pé”, como se diz. O populismo é um mal ao livre pensar, às ideias novas, pois estas podem transformar e inovar as concepções do passado, contribuindo para fazer surgir algo de moderno na condução de nossas vidas e em benefício de uma sociedade mais democrática; enquanto o populismo é sempre autoritário. O discurso em minha época, e ainda nos dias atuais, prega a divisão da sociedade, como se necessário fosse uma luta de classe entre ricos e pobres. Do chamado pelos populistas de “nós (todos e todas) contra eles”... 49


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Os intelectuais de esquerda esqueciam e continuam a esquecer que o que faz um país crescer é a existência de uma classe média forte, consumidora; isso é o que cria novos empregos para os mais pobres, com investimento de capital em novas empresas que vão nascendo e criando desenvolvimento. Dia desses ouvi uma notória professora filósofa da USP, muito festejada pela esquerda do país, dizer uma bobagem em um discurso político, mas, mesmo assim, foi muito aplaudida pela cúpula do seu partido: ... “Odeio a classe média...”. Esquecendo-se, todavia, que essa classe média é quem tem o maior poder de aquisição para comprar a produção de bens e serviços, e como consumidora, paga com seus impostos, inclusive, o salário dessa professora que ainda vive com ideias que não têm sustentabilidade na atualidade, como ficou provado com a derrocada do sistema comunista na velha União Soviética...! Mas ainda pensam nesse sistema na América Latina.

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Cabe à universidade brasileira, ao nosso olhar, repensar nossa educação, posto que ela é, salvo exceções, a maior difusora e reprodutora dessas ideias apresentadas neste Capítulo, fazendo uma autocrítica e que adote uma agenda de coalizão social, com ideias que atendam aos interesses do país como um todo, e não de determinadas classes sociais. Para que isso ocorra, é preciso que a universidade ensine o livre pensar crítico, que é um direito constitucional que a ele tem todos os estudantes, como previsto nos dispositivos de nossa Lei Fundamental explicitado no início do presente Capítulo. O direito não deve ser ensinado como um sistema simbólico de dominação de uma classe social por outra, mas, produzindo conhecimento para sobrevivência desses jovens, sem uma função ideológica ilusória, mas, capacitando os mesmos para sobreviver no mundo real que é economicamente global e que exige qualificação para obter as vagas de trabalho ofertadas pelo mercado. 50


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Tanto é assim que as universidades europeias, percebendo essas mudanças, assinaram em 19 de junho de 1999, aquilo que ficou conhecido como Declaração de Bolonha, por 29 países europeus, com o objetivo de promover maior integração do ensino superior na Europa, facilitando o intercâmbio de conhecimento entre seus alunos. As mudanças nas grades curriculares dentro dessa nova visão são conhecidas como o Processo de Bolonha, que está sendo objeto de estudo e pesquisas para adequar a academia a estes novos tempos. O Brasil precisa urgentemente se adequar a essas mudanças, em que se valorizam as aptidões de cada aluno individualmente, para carreiras específicas, diante das necessidades da realidade mundial, que busca mão de obra qualificada para trabalhar nas empresas transnacionais, pois, o mundo é global. A nosso ver, a grande contribuição da universidade brasileira seria mostrar os modelos políticos e econômicos que dirigiram o mundo, aqueles que foram superados pela realidade mundial, e aqueles que presidem o momento atual, ou seja: a globalização ou o nacionalismo. O capitalismo e a democracia devem sofrer mudanças contínuas, visando seu aperfeiçoamento, tal qual o homem. Não é deixando de existir ricos, nem uma classe média forte, que o mundo será mais justo, ao contrário; o que se precisa combater é a existência de miseráveis, de pessoas que vivam abaixo da linha de pobreza, como ocorre em todo mundo; a estes é necessário o auxílio do Tesouro do Governo e não da Previdência Social. Esta é contributiva, e aquele é um auxílio social. É preciso qualificar os que se encontram nessa linha de pobreza, através do ensino, para que estes saiam dessa condição, e possam sobreviver do seu trabalho, que é humanamente saudável, contribuindo para o contexto do equilíbrio social que 51


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deve presidir as relações humanas em direção ao bem-estar comum da sociedade. Não é transformando os ricos em pobres, ou vice e versa, que teremos uma sociedade justa e igualitária, mas, promovendo o acesso de todos através da educação, à conquista de melhores níveis na pirâmide social. Infelizmente, a realidade nos mostra, que não vivemos em um mundo perfeito e este não é utópico, como ficou provado com a queda do sistema comunista na União Soviética e em demais países que haviam adotado esse modelo político e econômico, nas suas respectivas sociedades, tendo, todavia, esse sistema falido, vivendo no momento seus estertores, em poucos deles! Não tome o leitor o contido neste Capítulo como um ataque à Universidade brasileira, nem à sua desvalorização, pois grande tem sido sua contribuição em todos os campos do conhecimento, mas, uma crítica construtiva para que esta possa se adequar a esses novos tempos em que estamos vivendo, olhando sempre para o que ocorre nos países desenvolvidos, adotando o que deu certo neles, para a melhoria da nossa educação e da sociedade como um todo. O sistema comunista faz o apequenamento do indivíduo e a exaltação do Estado como “o todo poderoso”, o máximo, diante da concepção dos seus teóricos, representado pela vontade do ditador. Mas, ao final, como disse Ghandi: “Todos eles caem”! É preciso ensinar sobre isso, que a liberdade se sobrepõe ao Estado. A nação brasileira precisa de um novo começo diante da corrupção endêmica que avassala o país. O Brasil precisa ser sério e levado a sério, por si e pelo mundo, e para isso precisa restaurar valores morais que não mais são praticados nem pela família como a base social de tudo isso, como pela escola centro condutor e complementar da educação. 52


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A realidade cultural brasileira tem engendrado dentro dela, como dito anteriormente, no pensamento do nosso povo, “o tirar vantagem de tudo”, como uma característica própria, mormente quando se trata dos bens públicos. Nesse caso, as pessoas não fazem distinção entre o que é público ou privado. É como se os bens públicos fossem coisa de ninguém e a qualquer um fosse dado o direito de deles se apropriar. Veja-se o que está acontecendo na Lava Jato e do que ocorreu nas empresas dos irmãos Batista, que usaram bilhões de dólares do BNDES, para enriquecimento próprio e a pobreza do país, conforme tem noticiado a imprensa brasileira, levando em consideração a “delação premiada” daqueles na Operação Lava Jato. Precisamos nos desapartar de tais conceitos e, para tanto, demanda algumas gerações, ensinando-se aos jovens e ao povo, o conceito do certo e do errado, para criar no futuro cidadãos honrados. Serão eles que saberão no futuro escolher por essa natureza quem deva nos governar e nos representar no parlamento nacional, como sendo uma coisa comum, como ocorre na Dinamarca e nos países nórdicos da Europa.

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Ao nosso olhar, essa é também, dentre outras, uma das missões da Universidade! A Universidade precisa ser modernizada, atualizada, dentro da realidade mundial. O mundo não está mais divido entre a tradicional direita e esquerda, e tanto isso é verdade que há uma mistura entre eles, na disputa nas eleições europeias e, em consequência, a formação de governos de coalizão, como está a ocorrer nesse momento na França. O mundo atual está dividido entre os que são favoráveis à globalização ou os que são contra aquela, defendendo um nacionalismo populista. O pensamento da globalização é favorável 53


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à abertura dos mercados e na defesa dos integrantes da União Europeia, com transformações econômicas competitivas entre seus membros. Defendem a redução da burocracia e dos impostos, e pregam a unificação entre os diferentes sistemas de previdência dos países e a diminuição dos gastos públicos. O nacionalismo deseja um país fechado, fora da União Europeia, como está a ocorrer no momento, com a Inglaterra, no denominado “Brexit”, que é a saída do Reino Unido da União Europeia. Esse sistema estabelece regras rígidas contra os imigrantes sem qualificação profissional e sem plano de saúde. É o mesmo movimento que levou Donald Trump a ser eleito presidente dos Estados Unidos. Cabe à Universidade, com fundamento no Direito de Informação que tem o aluno, ensinar não o conflito ou luta de classes, pregado pelas esquerdas no passado, pois essa visão está superada, como comprova a realidade mundial.

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Aos professores das universidades cabe, a nosso ver, suas respectivas atualizações, com conhecimento desse novo cenário mundial, posto como dizem alguns historiadores, está terminando o tempo da sociedade industrial, e começando um período de transição denominado sociedade do conhecimento. Nessa nova sociedade, o futuro não é mais igual ao passado, que se repetia no presente; mas, trata-se de um mundo em que a sociedade precisa adaptar-se, aprender a evoluir nesse novo sistema vivo, que não é mais como era no passado, pois este está em constante movimento adaptativo com a realidade mundial. Por isso, dentre nós, torna-se necessária a existência de uma segurança jurídica, no que for acordado entre empresários e empregados, que não possa ser modificado pelo Poder Judiciário Trabalhista, como forma de atrair capitais e investidores 54


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para o nosso país, única forma de se criar emprego para os mais de 14 milhões de desempregados como está a ocorrer em maio de 2017, no Brasil. Nesse sentido, o especialista na questão trabalhista, professor Hélio Zylbertstajn, professor da USP, e pesquisador da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em entrevista concedida à Revista Exame (edição 1138, ano 51, nº 10, de 24/05/2017), afirma que “Será uma verdadeira Revolução no Trabalho”. A reforma que tramitou no Congresso Nacional, alterando a CLT, no seu ponto de vista, será uma oportunidade para melhorar o funcionamento do mercado com ganhos entre empregadores e trabalhadores, em suas relações de modernização da legislação que regula tais relações, destacando a prevalência do que é negociado sobre o que está na legislação. Ele acha importante, de igual forma, a criação da representação dos empregados na empresa, pois, em qualquer lugar do mundo, “(...) qualquer sistema de negociação começa dentro da empresa, tratando dos conflitos não só de salários, mas, do conflito do dia a dia”, sem necessidade de sua judicialização na Justiça do Trabalho. A nosso pensar, cabe à Universidade, como já dissemos anteriormente, ensinar o que está ocorrendo no mundo nesses novos tempos, sem se aferrar às ideologias do passado, pois o mundo está a mostrar que elas já se exauriram na atualidade. É preciso se adaptar a essa nova realidade, sem a qual não se sobrevive no mundo atual que é de transição entre conhecimentos velhos e os novos, e os que estão sendo construídos nessa época de transição que é de coalizão da compatibilização dos interesses entre capital e trabalho. A denominada esquerda e direita não mais existe, faz parte da história, de um passado que não mais se sustenta diante da realidade do mundo atual, embora, no Brasil, ainda se mantém 55


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esse sonho, sem mostrar a nova visão de mundo em que se vive no presente. De outra parte, cabe à família e à Universidade restaurar valores que nos foram ensinados em passado recente, e não compactuar com a corrupção, quando nela estejam supostamente envolvidos os denominados “companheiros” de partidos políticos que roubaram e ainda roubam a nação, bem como os demais partidos, que cometem os mesmos assaltos às estatais brasileiras. Todos os acusados se dizem inocentes! É como se o povo fosse bobo, sem memória. O Brasil não é uma ilha fora do contexto mundial; o progresso e as inovações presentes no mundo desenvolvido devem ser a regra a ser seguida, desgarrando-se de uma posição utópica socialista, que os fatos econômicos e jurídicos demonstraram nos dias de hoje, que aquelas não mais se sustentam, pois não se pode na vida retornar ao passado como se fosse o presente. Ser moderno não é defender a ideia romântica pregada pelo socialismo, e sim, o ser de centro, como se constata pelo resultado das últimas eleições realizadas na Europa, onde os extremistas foram derrotados nos últimos pleitos realizados. O eleitorado priorizou candidatos que procuram um ponto de equilíbrio entre o bem-estar social e a economia de mercado, que cria empregos, desapartando-se da visão nacionalista de um mercado fechado ou protecionista. A “Educação pelo exemplo” deve ser seguida como explicitado pelo saudoso professor Antonio Candido, sociólogo e professor da USP, e um dos maiores críticos literários do país, que mesmo sendo um dos fundadores de um partido político de esquerda, sempre respeitou a posição dos diferentes ou divergentes de suas ideias políticas. Tanto que dizia ser preciso ter “a coragem de flutuar. Flutuar no sentido de mudar livremente de posição e no de circular caprichosamente entre as ideias, esposando as mais diversas 56


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formas de interpretação e reivindicando o direito da diferença constante (...)” (In: A Educação pela Noite & Outros Ensaios, pág. 128, Editora Ática, Ed. 1989). Essa é a provocação proposta por esse capítulo, ou seja, questionar os modelos usuais da compreensão do mundo pelas universidades, visando o ensinar a pensar de forma crítica, discutindo ideias divergentes, e que devem ser ensinadas de maneira isenta na busca de soluções para o país, no mundo cada vez mais de avanços tecnológicos, porque, não há nenhuma segurança de permanência das profissões tradicionais; tudo está em ebulição, mudando, e isso é preciso ser compreendido. São essas mudanças que devem ser ministradas na universidade brasileira, uma educação pelo exemplo, na expressão do mestre citado, não obstante suas posições ideológicas, das quais divergimos, e não nos tira a admiração a esse notável professor e pensador brasileiro. É preciso como contraponto aos ideais socialistas de Marx, o ensino daqueles que o combateram, a exemplo do filósofo e economista Ludwig Von Mises, da chamada “Escola Austríaca de Economia”, que escreveu mais de 20 livros, sendo pouco difundido pela Academia Brasileira. Interessante é que só conheci Mises, através de meu neto Ítalo Luiz, que com apenas 16 anos de idade me apresentou esse pensador e suas obras, como contraponto ao marxismo. Fiquei fascinado! Ítalo, é meu primeiro neto, tem o nome do meu falecido filho, nos damos muito bem, e por essas e outras, dentre elas falar inglês, tornou-se nosso companheiro de viagem para a Europa, sendo nosso intérprete. Ele é muito cuidadoso conosco, seus avós maternos. Um jovem carinhoso, que gosta de conviver conosco, mesmo com tanta diferença de idade: É o amor! Aos outros netos mais jovens lhes digo: Estudem e aprendam inglês que um dia também viajarão conosco, é só nossa idade permitir. O professor Mises, em seu livro “A Mentalidade Anticapitalista” (2ª ed. – outubro de 2015, Campinas: Vide Editorial, 57


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2015. Tradução de: Adelice Godoy), expressa que a palavra “capitalismo” é a expressão mais odiada do mundo, quando, na verdade, o capitalismo é um criador de riquezas, posto que estas, não existem prontas na natureza, mas, são transformadas pelo poder criador do homem. Seria, portanto, de bom alvitre, a leitura desse filósofo e economista nas universidades, em paralelo as ideias socialistas, no sentido de incentivar o pensar questionador e crítico do Estado, que nada produz, mas que fica com boa parte da produção, via impostos, nem sempre distribuídos em benefício da sociedade como um todo, mas, aos grupos de pressão, como tem noticiado a imprensa brasileira, recentemente, inclusive, com Medidas Provisórias, beneficiando empresas do setor automotivo, com prejuízos para o país, diante de corrupção supostamente existente como denuncia a imprensa. Na minha visão, não pode o ensino nas universidades ser eivado de proselitismo, em nome de partidos políticos, ou de ideologias de seus professores, em respeito à pluralidade democrática do ensino, sob pena de desrespeito à diversidade cultural que deve formar pessoas para que estas adquiram senso crítico de escolha do que melhor seja ao país, sem esquecer as lições da história, a exemplo do nazismo que culminou no holocausto de seis milhões de judeus, e na Rússia, com o comunismo, quando Stalin assassinou mais de sete milhões de pessoas, apenas por estas discordarem de suas ideias, os enviando para os Gulags da Sibéria. Como disse LUDWIG VON MISES, “o capitalismo e o socialismo são padrões distintos de organização social. O controle privado dos meios de produção e o controle público são noções contraditórias e não meramente contrárias”. Quanto ao intervencionismo, não é um sistema misto, embora, em certo momento tenha sido defendido por MARX E ENGELS, no caminho do comunismo, mas torna as coisas piores, com subsídios aos apaniguados, gerando recessão, desemprego e inflação, 58


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como sustenta Mises, na sua obra já citada. É preciso que se estude esses contrapontos, para se saber quais as consequências produzidas por esses sistemas em benefício do povo com a criação de mais empregos e progresso para a humanidade.

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Participei do movimento estudantil pós 1964 e fui preso pelo AI-5, em 1968. Hoje, mais maduro, realista, viajando muito, enxergando o mundo real, sou favorável a um Estado que regulamente as atividades financeiras, remessa de capitais e o mercado, para que estes não se tornem grandes monstros que nos devorem. Defendo as privatizações como antídoto para a corrupção no Brasil. Na verdade o Estado nada produz. Explora os que produzem e os consumidores, cobrando impostos absurdos e injustos de todos nós. Invadem nossas casas, pisam nas flores dos nossos jardins, como dizia o poeta russo Mayakowisk, mas roubam o país e as nossas esperanças de ter uma convivência pacífica e decente. E ainda existem aqueles “cegos” que não querem ver o fundo do poço em que chegamos levados por uma corrupção escancarada e quase incontrolável.

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Capítulo II A Operação Navalha da Polícia Federal e o Tribunal de Contas de Sergipe

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Seus Reflexos no Tribunal de Contas de Sergipe. Suposto envolvimento de um dos seus Conselheiros. Da Apuração dos Fatos pela Corte de Contas: aspectos jurídicos dos procedimentos administrativos de apuração dos fatos denunciados. Do Procedimento Administrativo – PPA. Do Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD.

INTRODUÇÃO - HISTÓRICO DO CASO Os jornais e as cadeias de televisão haviam noticiado: “A OPERAÇÃO NAVALHA NO BRASIL havia sido deflagrada pela POLICIA FEDERAL, resultando dela, no dia 17 de maio de 2007, na prisão de empresários, políticos, agentes e servidores públicos, acusados de suposto envolvimento num esquema de desvio de verbas públicas por meio de presumíveis fraudes em licitações em diversos Estados do país”. 60


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As notícias davam conta, naquela manhã, que as prisões haviam sido autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça, por determinação da então Relatora da Ação Penal (APn 536/BA), cujo processo tinha origem em Inquérito da Polícia Federal e Denúncia do Ministério Público Federal, como seu Autor. Afirmava-se “que foram presas 47 pessoas dos mais altos escalões da República Brasileira, inclusive, de Sergipe”, conforme noticiado pela imprensa na época. Ao que constava, “segundo a Polícia Federal, o suposto esquema se fundamentava no superfaturamento de obras públicas que estavam sendo realizadas, e que envolviam grandes construtoras que operavam no país”. Dizia-se que “entre os prováveis envolvidos, estavam nomes de ex-governadores, governadores, senadores da República, ministros de Estado, secretários de Estado”; tendo tudo isso sido destacado nas redes de televisão e nos jornais do país. A Ação Penal que apurava os fatos acima indicados tramitava no Superior Tribunal de Justiça, e pelas normas legais vigentes, enquanto os supostos envolvidos estivessem ocupando cargos que tivessem o denominado foro privilegiado, como ocorria com um dos Conselheiros da Corte de Contas de Sergipe, como um dos vários indiciados no País, o foro para a apuração da Matéria Penal seria o do Superior Tribunal de Justiça, como acontece até a atualidade, enquanto possível apuração dos fatos em processo administrativo tramitaria no âmbito do próprio Tribunal de Contas, com sua operacionalização. E, na hipótese desse foro privilegiado ser perdido por um dos indiciados, se fosse o caso, durante a tramitação da ação penal, esta seria desmembrada no STJ, e a ação penal seria remetida para ser julgada pela Justiça Federal de primeiro grau dos seus respectivos Estados. Com efeito, sem o foro privilegiado, o processo penal deixaria a esfera do STJ, e passaria para o foro do local onde os 61


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fatos ocorreram, onde os processos passariam a tramitar, no seu devido tempo. No caso de Sergipe, como os supostos envolvidos já não têm mais foro privilegiado, no momento em que escrevo esse texto, em janeiro de 2017, tais processos criminais já saíram da esfera do Superior Tribunal de Justiça, pelos motivos anteriormente referidos. BASTA A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE ILÍCITOS PARA INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE APURAÇÃO DOS FATOS, NÃO SE EXIGE A COMPROVAÇÃO DE CULPA DOS ENVOLVIDOS NESSE MOMENTO. Trataremos aqui, neste Capítulo, apenas, dos Procedimentos Administrativos que apurou o caso do suposto envolvimento de um Conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe, no que pertine ao “modus operandi” desenvolvido pela Corte na criação de rotinas utilizadas naqueles procedimentos instaurados com a assessoria jurídica do autor destes escritos, pois, na época, não havia qualquer precedente desse tipo de procedimento que não tivesse como fundamentos a aplicação dos dispositivos da LOMAN. Neste capítulo, está delineado como devem ser feitos os procedimentos administrativos (PPA e PAD), tal como uma rotina a ser seguida para evitar-se a nulidade do Processo Administrativo Disciplinar por ilegalidades formais cometidas durante esse procedimento, e que venham a ser observadas pelo Poder Judiciário em Mandado de Segurança, anulando os atos. O que aqui se contém é uma espécie de Manual a ser seguido. Antes de adentrar no tema específico, torna-se necessário o esclarecimento aos operadores do Direito nessa área, dizer que para a abertura do procedimento administrativo disciplinar basta somente a existência de indícios mínimos 62


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praticados quanto ao ilícito de comportamento indevido do servidor público e sua autoria. Nesse momento inicial do procedimento administrativo, não se exige a comprovação de culpa dos envolvidos. É o que se vê, sustentando a afirmativa anterior, nos precedentes recentíssimos nesse sentido do STF, no “Mandado de Segurança 32759, do qual foi relatora a Ministra Cármen Lúcia. Ela observou que a abertura de processo administrativo disciplinar não exige a existência de conclusão definitiva quanto à culpa dos envolvidos, sendo necessário apenas indícios mínimos quanto ao ilícito e sua autoria (Justa Causa), como citado esse precedente, pelo Ministro Gilmar Mendes, ao negar o Mandado de Segurança nº 30072, impetrado por magistrada em face de PAD instaurado contra esta pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), para apurar suposto comportamento desta quando exercia funções como Juíza de Direito do TRF-1ª Região. DA OPERAÇÃO NAVALHA EM SERGIPE. DA CRIAÇÃO DE UM MANUAL DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA APLICAÇÃO NO TRIBUNAL DE CONTAS TENDO EM VISTA O SUPOSTO ENVOLVIMENTO DE UM SEU CONSELHEIRO NAQUELA OPERAÇÃO. Como se disse anteriormente, um conselheiro do Tribunal de Contas havia sido preso na indicada operação da Policia Federal, por ordem da Ministra Relatora da Ação Penal 536/BA, que tramitava no STJ, autuada naquela Corte Superior de Justiça, em 21/11/2006. Diante desse fato, dias depois da indicada prisão, um cidadão comum, que fora deputado estadual em Sergipe, protocolou uma denúncia escrita, na Corte de Contas contra o conselheiro em questão, requerendo que o suposto envolvimento 63


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daquela autoridade fosse apurado com rigor, e, enquanto isso, pedia que o Tribunal de Contas promovesse seu afastamento do exercício do cargo.

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A DENÚNCIA DE UM CIDADÃO CONTRA UM CONSELHEIRO. Alegava o cidadão em questão que, as razões expostas na sua denúncia eram suficientes para motivar um procedimento para afastar o conselheiro de suas funções, enquanto em curso o processo criminal no Superior Tribunal de Justiça contra aquela autoridade, em face do seu suposto envolvimento em Sergipe naquela operação. DA PRISÃO DO ENTÃO CONSELHEIRO. A Prisão do Conselheiro pela Polícia Federal provocou um grande choque na sociedade sergipana, tendo em vista que o mesmo era pessoa muito educada e de fino trato com todos e, no Tribunal que integrava, não era diferente; sua prisão ocasionou uma grande perplexidade e tristeza nas pessoas que o conheciam e com ele conviviam, quer no trabalho, quer socialmente, pois tinha sido Secretário de Estado de vários Governos de Sergipe. O momento era de burburinho, havia comentários de todas as ordens na sociedade, um “disse me disse”, o que gerava um profundo desconforto entre as pessoas que o conheciam. O caso passou a ter uma dimensão muito maior, diante dos fatos noticiados na imprensa, que eram graves, e a sociedade cobrava a apuração deles, e a punição dos culpados, se houvesse. O presidente do Tribunal de Contas de então tinha solicitado ao STJ que enviasse para aquela Corte as provas apuradas pela Polícia Federal, se existentes, envolvendo o dito conselheiro da Corte estadual. 64


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A relatora da ação penal atendeu ao pedido e enviou as peças com as supostas provas coligidas, inclusive, as próprias escutas telefônicas, com as conversas entre os interlocutores, gravadas em disquetes para uso da Corte de Contas, nos procedimentos instaurados, que seriam utilizadas como prova emprestada. (vide Súmula 591 do STJ: é permitida a “Prova Emprestada” no Processo Administrativo Disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa) Naquele momento, ocorreu, todavia, um fato novo que foi a vacância da presidência do Tribunal de Contas. Foi escolhido, diante desse fato novo, um substituto para ser o novo presidente da instituição, recaindo a escolha no nome do conselheiro Heráclito Guimarães Rollemberg. O novo Presidente do TCE nos convidou para ser o Coordenador Jurídico da Corte, com o objetivo de dar sustentação legal ao procedimento administrativo que seria aberto.

NÃO HAVIA NO BRASIL, ATÉ ENTÃO, AO QUE SABEMOS, PRECEDENTE DE CASO SEMELHANTE, NEM MANUAL JURÍDICO A SER SEGUIDO COMO ORIENTAÇÃO TÉCNICA. Era algo novo, nossa missão era dar sustentação jurídica ao processo administrativo que deveria ter sua continuidade, diante da denúncia daquele cidadão, que havia sido Deputado Estadual e era empresário no Estado. Aceitei a nomeação de Coordenador Jurídico da Corte de Contas, naquele delicado momento, como uma tarefa eminentemente técnica de caráter jurídico, como tantas outras que patrocinei, como advogado no curso da minha vida profissional, e, tão somente. Nada pessoal contra quem quer que fosse! 65


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Sempre militei na advocacia pública e privada desde que colei grau em Direito e me inscrevi na OAB-SE; sou ex-professor de Direito da Universidade Tiradentes e da Faculdade São Luís de França, em Aracaju; Procurador do Estado de Sergipe, de carreira, estando aposentado há mais de 20 anos; também sou ex-presidente da Junta Comercial de Sergipe; ex-Diretor-Geral do Tribunal de Contas (Secretário-Geral), e seu Coordenador Jurídico em duas oportunidades, bem como ex-conselheiro da OAB-SE e seu Secretário-Geral. ,

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Utilizava-se o advogado do Conselheiro, quase que semanalmente, de todos os meios processuais que a Lei lhe possibilitava na defesa de seu cliente; o que fazia com maestria e eficiência, postulando os mais diversos incidentes processuais, que precisavam ser respondidos, diante do princípio jurídico do contraditório e da ampla defesa, dentre outros constitucionalmente assegurados. Uma batalha de recursos e mais recursos! Varei várias noites, contando sempre com minha equipe de valorosos assessores do Tribunal de Contas, para dar conta desse trabalho com diligência, em face dos prazos exíguos para as respostas. Percebia que o objetivo era a criação de possíveis nulidades para posterior alegação de que algo havia sido ferido, violando o princípio da legalidade. Diante disso, era preciso estar muito atento! O trabalho realizado pelo advogado do conselheiro contava, ainda, com a assessoria de dois grandes escritórios de advocacia do país, um deles em São Paulo, que tinha como um dos seus integrantes um conhecido advogado que havia sido Ministro da Justiça; e um outro de Brasília, sendo liderado por um dos advogados mais brilhantes do país, que havia assessorado um ex-governador do Estado de Sergipe. O conselheiro em causa tinha sido trazido do Rio de Janeiro para Sergipe, para ser assessor de um então Governador do 66


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Estado, ocupando cargo em comissão de relevo, por muitos anos, inclusive, em outros Governos posteriores, em face de sua competência reconhecida, até ser alçado ao cargo de conselheiro do Tribunal de Contas! Como já dissemos anteriormente, era muito bem relacionado, tanto que quando de sua escolha para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas, pela Assembleia Legislativa, obteve a unanimidade dos votos dos senhores Deputados da Casa. O PRIMEIRO PROBLEMA A SER ENFRENTADO. Teria que rever a posição anterior de um Parecer do então coordenador jurídico da Corte de Contas que havia me precedido e havia pedido o arquivamento do caso... Ao seu entendimento, o cidadão denunciante não tinha legitimidade para oferecer denúncia contra o conselheiro em causa, fundamentando seu entendimento em dispositivo da LOMAN. Ao se manter aquele Parecer, não se daria continuidade ao processo administrativo, para apurar os fatos denunciados, tendo como consequência o arquivamento da denúncia. Esse era o primeiro óbice a ser enfrentado, reexaminar o Parecer do coordenador jurídico anterior, que havia entendido, com base na legislação da magistratura (LOMAN), que o cidadão comum, não integrando o rol daquelas pessoas nominadas como legitimados na lei em questão, não tivesse a necessária legitimidade para oferecer a denúncia contra um conselheiro do Tribunal de Contas. Nossa posição, entretanto, era contrária àquele posicionamento do Parecer anterior. A nossa divergência se dava em face da Constituição Federal e da Constituição Estadual que apoiavam em seu texto a legitimidade do cidadão para fazer a denúncia como havia ocorrido. 67


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O Parecer em análise precisava ser examinado sob a visão de sua constitucionalidade ao nosso pensar, para que se pudesse concluir ou não, pela revisão do mesmo, e se isso era juridicamente possível, àquela altura. Nós discordávamos do Parecer anterior, e em sede de preliminar, no nosso Parecer, com base no fato de que a administração pública tem o dever e o poder discricionário de rever seus próprios atos, para atender a conveniência pública, e fazer sua adequação dos fatos ao que reza a Constituição Federal, revimos o Parecer anterior, para concluir, em divergência, pela legitimidade do cidadão para oferecer a denúncia como houvera feito. Entendemos nós que faltava ao Parecer anterior base constitucional na sua interpretação da legislação utilizada, pois estava de acordo para a apuração do caso, nas normas da Constituição, como será aqui demonstrado.

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É que, ao nosso sentir, diante da nova ordem da Lei Fundamental da República, a Constituição Federal de 1988, e da própria Constituição do Estado de Sergipe, estas legitimavam o cidadão a agir como agiu. A LEGITIMIDADE DO CIDADÃO ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO. Nossa posição divergente no plano constitucional criava uma reviravolta no caso. Não obstante, não havia outro caminho a ser seguido que não fosse esse. Dissentimos do Parecer anterior em questão, para lançar um novo Parecer, COJUR/TCE-SE, no Processo Administrativo nº 025/2007. Assentamos nossa posição jurídica tendo como base a CF/88, a Constituição de Sergipe e as normas legais específicas, fixadas para o regular processamento da denúncia do cidadão contra o conselheiro em causa. 68


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Na oportunidade, inclusive, oportunizando a este último, o direito à ampla defesa e ao contraditório, pois, ao conselheiro denunciado, sequer, isso lhe havia sido oportunizado até então, posto que o Parecer anterior sequer havia chegado a essa fase, pois pedira, simplesmente, o arquivamento da denúncia do cidadão. Constava da acusação, originada na Polícia Federal, ser o indigitado conselheiro, suposto operador em favor de determinada empresa indicada no inquérito; dizia ser ele elemento de ligação com diversas autoridades públicas, e que se utilizava do cargo para, supostamente, conseguir vantagens e favores para a empresa em questão junto a terceiros e a órgãos públicos; era essa a denúncia. Sustentava ainda a denúncia do cidadão, com base nos fatos noticiados na imprensa, e na decretação da prisão do conselheiro pelo STJ, que o afastamento deste de suas funções se fazia necessário para que se apurasse o seu envolvimento ou não, naquele escândalo da Operação Navalha. Alegava o denunciante que, diante da gravidade dos fatos, estes precisavam de uma apuração e de uma resposta à sociedade, tendo em vista o clamor público noticiado pela imprensa. Nossa posição era eminentemente técnica e de caráter jurídico; dar sustentação aos procedimentos administrativos para apurar os fatos e evitar a sua nulidade por qualquer problema formal. Atuamos com absoluta isenção, mormente, levando-se em conta que “Sergipe é pequeno e todos se conhecem”, na expressão que se diz à “Boca Pequena” ser de um ex-governador do Estado, para mostrar como é difícil ser isento de posição no nosso Estado. Grandes dificuldades foram enfrentadas na busca de uma posição isenta. Era de suma importância que a Assessoria Jurídica da Corte observasse os princípios constitucionais da legalidade, do contraditório, da ampla defesa, da impessoalidade, para evitar 69


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com isso, como ocorre na maioria dos casos no Brasil, em que bons escritórios de advocacia buscam filigranas jurídicas para promover a nulidade de procedimentos daquela espécie, sem adentrar no mérito da causa. Isso eu queria evitar! É comum, nesses casos, que os advogados dos denunciados não entrem no mérito da questão, fugindo ou negando-se em adentrar aos fatos articulados contra o denunciado, apenas, negando o envolvimento do seu cliente. Vemos isso, todos os dias, sendo noticiado pela imprensa, no atual escândalo da Operação Lava Jato. Todos se dizem inocentes! Essa é uma técnica que leva quase sempre à nulidade do processo e à absolvição do suposto denunciado, quando se fere o princípio da legalidade: e esta ocorre, quando alguma coisa fixada na Lei do procedimento aplicado tenha deixado de ser observado. O Brasil é um país de uma burocracia jurídica enorme! Procuram essas defesas, agulhas no palheiro, para anular o processo. Eu, como um velho advogado, sabia disso! Sustentam tais advogados, na maioria dos casos, ontem e hoje, que o direito de defesa do seu cliente está sendo violado, que as liberdades individuais não estão sendo respeitadas. Afirmam, nessa linha de defesa, que tais fatos, representam um perigo ao estado democrático de direito; argumentam, também, que os condutores do procedimento não estão sendo imparciais contra o denunciado, sem, contudo, indicar fatos concretos de alegadas supostas arbitrariedades praticadas. Num passado não remoto, essas questões formais, quase sempre, levavam à impunidade dos acusados que anulavam o processo e ficavam livres. A jurisprudência brasileira, todavia, após o escândalo do Mensalão, e, recentemente com o escândalo de corrupção na Petrobras, o denominado “Petrolão”, ou “Operação Lava Jato”, e a indignação da sociedade brasileira com a corrupção no País, têm mudado. 70


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Aquelas perorações preliminares de defesa têm sofrido reveses nos Tribunais Superiores, e novas teses vêm sendo assentadas, para punir os culpados, ou absolvê-los, quando inocentes. A Justiça Brasileira não mais se apega a essas questões de filigranas ou “Chicana Jurídica”, como é chamada no jargão processual. O que vale agora é apresentar provas e fatos, argumentos, e não discurso, palavrório, que não se sustentam diante das provas apuradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público em casos similares, como estamos a ver agora recentemente na Operação Lava Jato!

DO PROCEDIMENTO PRÉVIO ADMINISTRATIVO-PPA, PARA VERIFICAR A LEGITIMIDADE DO CIDADÃO COMO PARTE DENUNCIANTE.

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É bom que os estudiosos do Direito observem sempre, para evitar nulidades, que antes de se iniciar o Processo Administrativo Disciplinar (PAD), tem que se fazer, antes dele, previamente, o “Procedimento Administrativo Preliminar, denominado PPA”. Se isso não for feito, o Processo subsequente, o PAD, que é o principal, poderá ser considerado nulo, por violação ao princípio da legalidade. Todo cuidado é pouco! Aquele foi o primeiro procedimento (PPA) que instauramos. Nele, sustentava a defesa do conselheiro, em sede de preliminar, que o cidadão comum não teria legitimidade para fazer a denúncia contra qualquer conselheiro, nos termos da legislação que deveria ser aplicada ao caso, a LOMAN, e daí que o procedimento deveria ser arquivado. 71


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A tese utilizada para esse pronto socorro tinha como base o que estava previsto no caput do art.27 da Lei Complementar Federal nº 35, de 14 de março de 1979 (LOMAN). Esta Lei, na verdade, não permitia o acesso ao cidadão comum, a ter legitimidade de denunciar magistrado, porque aquele não estava incluído na relação dos indicados entre aqueles que dita lei tinha como legitimados para fazer denúncia contra magistrados, e essa legislação dava sustentação ao entendimento do defensor do conselheiro. A defesa afirmava, naquela oportunidade, que o cidadão não teria legitimidade para pedir a instauração de representação para a perda do cargo de conselheiro, pois este, como tal, teria as mesmas prerrogativas dos Desembargadores. E em casos que tais, somente o Governador do Estado como Chefe do Poder Executivo, o Presidente da Assembleia, como Chefe do Poder Legislativo, e o Ministério Público ou o Conselho Federal ou Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, é que poderiam fazê-lo. E como o cidadão não estava incluído na relação dos legitimados que a lei fixava para prestar aquela denúncia, esta deveria ser arquivada! Esse foi o primeiro enfrentamento que ofereceu a defesa prévia do denunciado, para que a Coordenadoria Jurídica da Corte de Contas se manifestasse, dando, com efeito, fundamentos para aqueles que iam julgar o caso tivessem segurança jurídica para fazê-lo! Parecer novo já referenciado, e que nós oferecemos nos autos, haviam sido indicadas as bases legais para que o presidente e os demais membros do Tribunal de Contas pudessem ter embasamento jurídico para suas decisões. Tinham que ter esta sustentação jurídica, levando-se em consideração que a Corte de Contas não é um Tribunal Judiciário, e sim, um Tribunal Administrativo, composto por membros de diversas profissões, e não só por advogados, entretanto, são 72


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obrigados a fazer as coisas nos termos ditados pela lei, sob pena de nulidade de seus atos administrativos. A composição do Tribunal de Contas não é feita somente de juristas, advogados, mas de administradores, contadores e outras profissões, daí a relevância dessa Orientação Jurídica aos membros da Corte, por parte da sua coordenadoria jurídica, evitando, desta forma, que os advogados de defesa encontrassem o que mais procuram em sede de preliminar, ilegalidades, irregularidades formais, para com isso anular o processo. A primeira pergunta que se fazia era do porquê aplicar-se a um conselheiro de Tribunal de Contas a Legislação do Poder Judiciário (LOMAN) quando, na verdade, aquele Tribunal Administrativo não integra aquele Poder. Outra pergunta que se fazia era se a relação dos legitimados pelo art. 27 da LOMAN, que não elenca o cidadão para fazer aquela denúncia, se era taxativa ou não, uma vez que aquela disposição era do ano de 1979, portanto, anterior à Constituição Federal de 1988, e se dita norma teria sido ou não recepcionada, pelo atual texto constitucional. Ao nosso entender, a LOMAN deveria, naquele caso, à época, ser aplicada apenas como norma procedimental, no que se refere quanto ao procedimento administrativo a ser seguido a exemplo do procedimento da defesa prévia do acusado ainda no PPA, e não no PAD, pois este último só seria instaurado e tão somente, após a conclusão do PPA; essa era nossa posição jurídica sustentada. E não teria sua aplicação quanto à legitimidade do cidadão porque a norma da LOMAN, quanto a esse aspecto, violava a Constituição de 1988. A nosso ver, apenas quanto ao procedimento a ser instaurado, a norma da LOMAN não se conflitava com a Constituição Federal, tendo em vista que o art. 27, § 1º, da LOMAN, 73


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determina que a Defesa Prévia precederá à instauração do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra magistrado. E a norma indicada lhe assegurava o Contraditório e a Ampla Defesa; entretanto, em relação à falta de legitimidade do cidadão denunciante, esta norma não deveria ser aplicada, pois este último, o cidadão, tem legitimidade para fazer a denúncia, conforme lhe assegura a Constituição Federal de 1988 e a Constituição do Estado de Sergipe, expressamente nos termos dos dispositivos oportunamente indicados. A Defesa Prévia, nos termos daquela lei, é exercida no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data da entrega da cópia do Teor da Representação (da acusação) e das provas existentes, contra o denunciado, para que este sobre estas se manifeste. Contudo, a norma da LOMAN, quanto ao cidadão, não poderia impedir a sua participação como legitimado para fazer a representação ou a denúncia contra conselheiro, diante do atual texto da Constituição Federal e Estadual que permitem a participação do cidadão como denunciante. O porquê de tais disposições da LOMAN serem aplicáveis aos magistrados e também aos conselheiros do Tribunal de Contas se dá por disposição do art. 71, § 2º da Constituição do Estado de Sergipe. É que o conselheiro do TCE/SE goza das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, pela disposição legal anteriormente citada da Constituição Estadual. Repita-se, e saliente-se, que o dispositivo questionado da LOMAN (art. 27), é norma legal anterior à CF/88, que dispõe de forma proibitiva, que o cidadão estaria impedido de denunciar fatos supostamente ilegais atribuídos a agentes políticos, porque não o relaciona na lista dos legitimados a fazê-lo, como indicado 74


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pela LOMAN, mas em confronto com disposições da Constituição Federal, conforme se verá. Todavia, tal dispositivo, no ponto limitativo ao cidadão, é norma inaplicável na espécie porque não foi, ao nosso entender, recepcionada pela Constituição Federal de 1988. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CIDADÃO PARA DENUNCIAR. Com efeito, dizemos nós, que mesmo se a LOMAN fosse posterior à Carta Magna de 1988, só para argumentar, estar-se-ia, no caso, diante de uma norma inconstitucional, no que se refere a proibir o cidadão de exercer como legítimo integrante de um poder maior, ou seja, como um dos integrantes do povo, o direito de oferecer denúncia contra qualquer autoridade da Administração Pública, como legitima a atual Constituição (§ 2º, do art. 74 CF/88, c/c o art. 72, § 2º da Constituição do Estado de Sergipe). Isto porque, mesmo que aquela norma tivesse a vontade de limitar o direito do cidadão em poder denunciar qualquer autoridade pública, diante de supostas irregularidades por aquelas praticadas, o que tornaria o dispositivo em questão, de igual modo, inaplicável, por ferir a Constituição Federal vigente que permite que o cidadão fiscalize dita autoridade. Assim o é, porque é essencial na prática democrática no estado de direito, a visibilidade, a transparência do exercício do poder pelo cidadão que, como um dos membros do povo, é titular dessa legitimidade, até porque a matriz constitucional estabelece que: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Negritos nossos). 75


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No regime democrático, não pode prevalecer a possibilidade de se impedir que o cidadão denuncie supostas práticas de atos ilegais contrários à administração pública, por magistrados que tem o dever de ter condutas irrepreensíveis na vida pública e particular (art. 35, inciso VIII, LOMAN). O Sistema Constitucional Brasileiro, após 1988, não recepcionou o rol taxativo dos legitimados do art.27 da LOMAN que impedia que o cidadão pudesse denunciar um magistrado, e, por simetria, um conselheiro da Corte de Contas. Assim o é, posto que o art. 74, § 2º da Carta da República, permite a qualquer cidadão ser parte legítima para denunciar, perante o Tribunal de Contas da União, qualquer prática de delitos tipificados nos artigos 312, ‘caput’ (peculato), 317, § 1º (corrupção passiva) e 319 (prevaricação), dentre outros, do Código Penal ou por infringências a normas administrativas, e conduta incompatível com o cargo exercido. Transcrevo o citado dispositivo da Constituição Federal, in verbis:

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“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: §2º. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidade perante o Tribunal de Contas da União”.

Assim, por simetria, aplica-se aos Tribunais de Contas dos Estados, por extensão, de igual forma, aquela norma da Constituição Federal, ajustável ou cabível ao Tribunal de Contas da União, como aplicáveis aos Tribunais de Contas dos Estados. Transpondo para o âmbito Estadual, é também o que dispõe o art. 72, § 2º da Constituição do Estado de Sergipe que reza: “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para apresentar denúncias ao Tribunal de Contas sem a necessidade de lei regulamentadora”. 76


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Fica, portanto, esclarecidos os questionamentos quanto à legitimidade do cidadão, em poder denunciar supostas ilegalidades ou irregularidades praticadas por servidor público ou agentes Políticos perante o Tribunal de Contas. Embora, em caso concreto, essa ilegitimidade possa ser suscitada como preliminar, na defesa prévia, porém, esta tese de defesa procedimental não se sustenta diante dos fundamentos já explicitados acima pela nossa antítese dialética, fincada na Constituição Federal e na Constituição do Estado de Sergipe. De outra parte, é de se dizer, que a denúncia do cidadão não necessita ser técnica. Esse é outro aspecto relevante no que diz respeito, que a denúncia formulada pelo cidadão que não há de ser técnica, com a indicação dos artigos de determinada legislação, que tenham sido supostamente infringidos pelo conselheiro denunciado, para que tenha a denúncia o condão de legalidade. Cabe ao cidadão apenas denunciar o fato, cabendo à autoridade competente aplicar o direito ao fato denunciado. É equivocado, com efeito, o entendimento que se deva exigir do cidadão que explicite a qualificação jurídica do fato imputado na denúncia, porquanto, essa tarefa não lhe pertence. Fundamenta nossa posição doutrinária o precedente do Superior Tribunal de Justiça, no RMS n. 11.841/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, in DJ de 28.05.2007, p. 401, ao afirmar: “... o servidor acusado se defende dos fatos que configuram a infração, e não de sua capitulação”. A capitulação do dispositivo da lei violada é uma incumbência da autoridade administrativa, do julgador, como “juízo natural” que, diante dos fatos narrados e das provas que forem produzidas durante o processo preparatório (PPA), que lhe deu convencimento para posterior instauração ou não de Processo Administrativo Disciplinar – PAD, em face de Conselheiro investigado, deve disso se desincumbir. 77


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NA ÉPOCA E AINDA EM MAIO/2017, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL SÓ PERMITE EM CASOS COMO AQUELE A APOSENTADORIA COMPULSÓRIA COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS, E TÃO SOMENTE. Quando escrevo esta parte do Livro, a Constituição Federal em vigor estabelece que, mesmo estando comprovados os fatos da denúncia, o denunciado não pode ser demitido por via administrativa, sem qualquer remuneração, pois, a pena máxima aplicável nesses casos de processo administrativo disciplinar é o da aposentadoria compulsória, com remuneração proporcional ao tempo de serviço prestado pelo Conselheiro, como afirma a Constituição Federal. Isso aos olhos do povo é visto como um prêmio e não como uma punição, e, é verdade, também, ao nosso pensar! Mas, para ser diferente, tem que ser mudada a Constituição Federal no seu texto atual, como se encontra redigida. Na verdade, a demissão propriamente dita de magistrado do Poder Judiciário e de conselheiro de Tribunal de Contas só pode ocorrer por sentença judicial transitada em julgado e, somente nesse caso, será sem remuneração. Essa é, até agora, uma garantia constitucional a quem ocupa esses cargos. É o que determina a Constituição Federal, como a Lei Máxima, no Brasil. E como o TCE não é Poder Judiciário, no plano administrativo, a pena máxima a ser provisoriamente fixada, inicialmente seria a da suspensão do Conselheiro de suas atividades. E, posteriormente, se julgada procedente a denúncia é que se daria a aposentadoria compulsória daquele, por interesse público, caso ficasse comprovada as acusações, mesmo assim, com direito à remuneração proporcional ao seu tempo de serviço. É assim que está na Constituição Federal no seu art. 93 e no art. 95, inciso I, não se podendo fazer de outra forma, porque seria ferir a 78


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Lei Fundamental, por mais absurdo que isso pareça ao povo; e o conselheiro poderia se socorrer do Poder Judiciário, para anular o ato porque este teria se dado em desconformidade com o previsto nos artigos acima indicados da Constituição, senão se lhe desse a aposentadoria compulsória. Não há ainda, até os dias de hoje (2017), na Constituição Federal, nenhuma outra punição mais grave em processo administrativo disciplinar, que não seja a aposentadoria compulsória. No Brasil, graças ao sistema processual vigente, não conhecemos nenhum caso de condenação penal ou de ação judicial própria, transitada em julgado nesse sentido, em relação a magistrados ou conselheiros de Corte de Contas. Todos os casos ainda estão em grau dos mais variados recursos no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, já decorrido quase uma década daquele caso aqui narrado e objeto desse estudo jurídico que estamos fazendo neste texto. E tanto isso é verdade que, para mudar esse quadro, tramita no Congresso Nacional proposta de Emenda à Constituição (PEC), permitindo demissões de magistrados em processo administrativo. As instituições de classe da magistratura, entretanto, são contra essa PEC sob a alegação de que ficariam desprotegidos. Somente quando houver essa alteração na Constituição Federal é que será possível que magistrados e conselheiros dos Tribunais de Contas possam a vir a perder o cargo sem qualquer remuneração, quando praticar qualquer ato de improbidade. Assim o é, pois, ainda vigora, enquanto escrevemos esse trabalho, o disposto no art. 95, inciso I da CF/88, que explicita: “Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado”. (Grifos nossos). 79


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É de ser dito, repita-se que, enquanto não houver mudanças do atual texto da Constituição de 1988, administrativamente, dita aposentadoria compulsória será legalmente a pena máxima a ser aplicada em Processo Administrativo Disciplinar, em casos como o especificado. É essa a penalidade máxima aplicável, como ocorreu em Sergipe, no referido caso, e que se encontrava, ainda, em apreciação no Poder Judiciário em seus Tribunais Superiores, quando escrevemos este capítulo. A tese que sustentamos no TCE/SE, para suspender o conselheiro de suas funções e posteriormente aposentá-lo compulsoriamente, foi a mesma que depois de nós foi aplicada pelo próprio STJ, para aposentar um dos seus ministros. Aquela aposentadoria do ministro foi em recurso administrativo aprovado pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em Processo Administrativo Disciplinar (Processo nº. 000153377.2007.2.00.0000), julgado em 03/08/2010, na 109ª sessão ordinária. Por decisão unanimidade dos seus membros, onde se rejeitaram as preliminares e, no mérito, julgou procedente o pedido e aplicou a penalidade de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais aos magistrados requeridos, nos termos do voto do relator, tal como ocorrera aqui em Sergipe no caso do Tribunal de Contas. Na decisão mencionada, ficou assentado que, não basta ao magistrado ter atuação aparentemente escorreita, cabe-lhe ter uma “conduta irrepreensível”, mantendo-se ao largo de qualquer ato ou fato que possa comprometer a independência e a respeitabilidade da função. Comportamento que levante dúvidas acerca da independência e, como consequência da imparcialidade do Juiz, caracteriza o não cumprimento do disposto no art. 35, incisos I e VIII da LOMAN, conforme consta da decisão daquele processo. 80


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Irrelevante, juridicamente falando, nos moldes do texto constitucional, tal qual ele se encontra redigido, se os proventos decorrentes da aposentadoria proporcional ao tempo de serviço fosse esse ou aquele, ou justo ou injusto, o fato é que não há outra saída diante do atual texto da Constituição Federal, que não seja a aposentadoria compulsória por interesse público para casos que tais.

MANUAL PARA REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO PRÉVIO ADMINISTRATIVO (PPA) OU PREPARATÓRIO INSTAURADO EM FACE DE CONSELHEIRO DE TRIBUNAL DE CONTAS. Os escritos aqui contidos decorrem de experiência própria e adquirida nesse caso concreto, e vivenciado na consultoria jurídica prestada, razão pela qual decidimos escrever sobre o tema, apenas, no seu sentido técnico, porém numa linguagem compreensiva a todos, especificamente aos estudantes de Direito, advogados, e demais operadores do Direito, pela lacuna do tema em doutrina. O que havia sobre o assunto estava sendo construído muito mais pela jurisprudência do que pela doutrina, havendo, apenas, aqui e ali, alguns artigos escritos, sendo poucos os estudos específicos até então existentes, naquela época, pela doutrina jurídica do País. O que se constatava eram, apenas, defesas processuais ou procedimentais, versando sobre preliminares, e não a defesa da questão de mérito ou de fundo propriamente dito. Dita defesa consiste em utilizar os mais diversos recursos processuais, a exemplo de agravos de instrumento, embargos de declaração de qualquer decisão, com o propósito de impedir o desenvolvimento regular da apuração dos fatos. O “empurrar com a barriga”, como o povo diz. 81


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A defesa não tem pressa, não quer o andamento do procedimento com maior rapidez, sendo tais recursos utilizados, na maioria das vezes, como um mero expediente procrastinatório do andamento regular dos procedimentos administrativos, para que estes se eternizem, não chegando à parte nenhuma para, no final, postularem a nulidade do processo por decurso de prazos. Ademais, é de se ver que todos os atos administrativos praticados pela autoridade nesses processos têm a sua submissão ao crivo do Poder Judiciário via Mandado de Segurança, para auferir se foram assegurados ao denunciado todos os direitos e garantias impostas pela Constituição Federal em favor do mesmo. Esse, portanto, deve ser o cuidado dos assessores jurídicos, de orientar os presidentes destas Cortes e seus integrantes, quando tiverem sob suas responsabilidades questões que tais, para evitar a nulidade do procedimento administrativo prévio, no seu nascedouro, gerando as impunidades. Dois momentos processuais que devem ser observados, em casos dessa ordem, envolvendo na denúncia o nome de conselheiro de Tribunal de Contas, a saber: PROCEDIMENTO PRÉVIO ADMINISTRATIVO – PPA. O primeiro deles é o do (i) Procedimento Prévio Administrativo – PPA, ocasião onde deverá ser oportunizada a defesa prévia do conselheiro, sendo momento este anterior, à instauração do propriamente dito (ii) Processo Administrativo Disciplinar – PAD, que é o segundo momento. Na maioria das vezes, esse processo administrativo-PPA, que chamamos de preparatório, tem início com uma simples representação ou denúncia de qualquer pessoa do povo, devendo ser esta escrita e assinada pelo denunciante. 82


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É de ser observado que, nessa fase do procedimento, só é exigível a existência apenas de indícios mínimos de ilícitos praticados, e não quanto à culpa dos envolvidos. Nesse sentido, trago a colação decisão do STF no Mandado de Segurança 32.759, da relatoria da Ministra Cármen Lúcia, quando esta observou que a abertura de Processo Administrativo Disciplinar não exige a existência de conclusão definitiva quanto à culpa dos envolvidos, sendo necessário apenas indícios mínimos quanto ao ilícito e sua autoria (Justa causa). A citação da decisão acima referida foi feita pelo Ministro Gilmar Mendes, recentemente, nos autos do Mandado de Segurança nº 30.072/MG, ao negar o mencionado MS e cassar liminar anteriormente deferida que havia suspendido a instauração de PAD em face de desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por suposto favorecimento em decisões proferidas quando ela era titular da 11ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG).

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No mérito, ao negar o Writ, ministro observou que o acórdão do CNJ aponta condutas elencadas no procedimento avulso que indicam possível descumprimento de deveres funcionais ao liberar parcelas do FPM em favor dos municípios indicados. No caso concreto do TCE, a Polícia Federal e STJ na ocasião do fato, apontavam os supostos indícios que por si só autorizavam a abertura do procedimento administrativo que fora feito pela Corte de Contas. Na oportunidade da denúncia, o denunciante deve juntar os documentos existentes em seu poder, que comprovem os fatos denunciados contra a autoridade, sendo esta denúncia protocolada no Tribunal de Contas do Estado e encaminhado em seguida pelo servidor da Casa ao presidente da Corte. 83


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A denúncia deve trazer nela a descrição dos fatos, como faltas disciplinares supostamente praticadas e que possam ser caracterizadas como delitos administrativos. Essa denúncia é peça meramente informativa, e não técnica, pois, não se exige nela a participação de advogado, como condição de sua admissibilidade. O âmbito de competência para processar a denúncia do cidadão está assim delineado: (i) O Superior Tribunal de Justiça processa e julga o conselheiro do TC, por sua competência criminal, por prerrogativa de função deste, mediante denúncia do Ministério Público, e o (ii) Tribunal de Contas processa e julga o conselheiro, por sua competência administrativa. Há, portanto, um procedimento administrativo autônomo, e um procedimento penal, cada um deles, em tribunais distintos. Esse entendimento encontra orientação em precedente no STJ na Reclamação nº 1.153-CE, Corte Especial, relator Ministro Ari Pargendler, in DJ 28.02.2005, página 174, in RT vol. 836, p.120. O STJ decidiu, naquele caso, ser competente o Tribunal de Justiça local para processar e julgar desembargadores por faltas disciplinares, enquanto o Superior Tribunal de Justiça é competente apenas para o julgamento de desembargador no âmbito da competência criminal. Transmudando-se para o conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe, este goza das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos desembargadores do Tribunal de Justiça, por força do disposto na Constituição Estadual (art. 71. Os Conselheiros do Tribunal de Contas serão nomeados entre brasileiros que atendam aos seguintes requisitos: (...) § 2º. Os Conselheiros do Tribunal de Contas terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Desembargadores do Tribunal de Justiça...). 84


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Portanto, é de ser observado, por simetria jurídica, ressalvadas as peculiaridades funcionais, a aplicação da mesma regra já indicada e estampada na decisão proferida na Reclamação nº 1.153-CE do STJ, acima já referida. Diante disso, é competente o TCE para instaurar procedimento administrativo em face de conselheiro, mediante a votação da maioria absoluta dos membros do Tribunal.

DO JULGAMENTO: COMO DEVE SER FEITO O CÁLCULO PARA SE ENCONTRAR A MAIORIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL. Esse aspecto é de importância vital para se evitar possível nulidade do Processo Administrativo Prévio (PPA). É que, na averiguação da conta, no cálculo da computação dos votos, deve ser levado em consideração, nessa conta, a totalidade dos membros do Tribunal, e não apenas sobre os membros aptos a votar (Precedente nesse sentido do STF: RCL 19.722/PB, Rel. Min. Rosa Weber). Da decisão dessa totalidade dos membros do Tribunal, é que tem que ser encontrada a sua maioria absoluta, isto é, metade mais um, e não mais dos 2/3 (dois terços) dos seus membros, como ocorria antes da EC-45/2004. Nesse passo, é de ser observada sempre a contagem da totalidade dos votos dos membros do Tribunal, para a aplicação da pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, de magistrado do Judiciário ou de conselheiro do Tribunal de Contas, e não apenas, sobre os membros da Corte aptos a votar. Na verdade, essa nova realidade foi motivada por decisões posteriores do STF, após a Emenda Constitucional 45/2004, que indica que os votos dos membros do Tribunal respectivo devem ser 85


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apurados, e se os votos favoráveis à aposentadoria compulsória correspondem à maioria absoluta da Corte. Como se vê, desde a referida EC-45/2004, não mais é de 2/3 (dois terços) dos membros da Corte, o número de votantes para determinar a aposentação, como acontecia antes, por determinação do parágrafo único do art. 45 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), tendo em vista, repita-se, a nova redação que a Emenda Constitucional n° 45/2004, deu ao art. 93, VIII e X, da Constituição Federal. Isto porque, segundo afirma a nossa Suprema Corte, ao referendar, em parte, a liminar concedida na ADIN 4.638/DF, ajuizada pela AMB-Associação dos Magistrados Brasileiros, contra a Resolução 135/2011 do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, o STF conferiu interpretação conforme o § 1º do art. 21 da indicada Resolução, para estabelecer que “(...) deve haver votação específica de cada uma das penas disciplinares aplicáveis a magistrados até que se alcance a maioria absoluta dos votos”. (Grifos nossos). Nesse ponto específico, ressai a constitucionalidade do indicado dispositivo declarada pelo STF; sendo este o ponto que interessa ao presente estudo, nessa parte. Com efeito, a Resolução Nº 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao Procedimento Administrativo Disciplinar aplicável aos magistrados, acerca do rito e das penalidades, e dá outras providências, e, no ponto em questão, teve, repita-se, sua constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal, estando, pois vigente. A redação da indicada Resolução nº 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no seu artigo 21 e seu parágrafo único, que se transcreve in verbis é a seguinte: “art. 21. A punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial”. “Parágrafo 86


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único. Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar-se-á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos”. Esta posição, de que a decisão depende do voto da maioria absoluta do Tribunal respectivo ou de sua Corte Especial, já foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal, na Liminar concedida na ADIn 4.638/DF, relator ministro Marco Aurélio, ao conferir interpretação conforme ao § 1º do art. 21, parágrafo único, da Resolução 135 do CNJ, pela sua constitucionalidade, como dito anteriormente. Os ministros do STF mantiveram a competência administrativa disciplinar originária e concorrente do CNJ, inicial e terminativa. Tem, pois, competência originária disciplinar revisional e terminativa, nos termos do artigo 103-B, § 4º, III e § 5º, I, II e III, da Constituição Federal.

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Tal competência, no âmbito disciplinar, lhe é outorgada para investigar magistrados de Tribunais de Justiça, como previsto no artigo 12 da Resolução 135/2011, deste Conselho, sem prejuízo da competência disciplinar e de correição (ato de corrigir) dos respectivos Tribunais locais, de forma concorrente. Em outro precedente, nessa mesma linha, de que deve ser observada sempre, a maioria absoluta de votos, o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática da ministra Rosa Weber, proferida em 24 de março de 2015, nos autos da Reclamação (RCL) nº 19.722, deferiu medida cautelar para suspender os efeitos de decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba, que havia imposto pena de aposentadoria compulsória a uma Juíza estadual, sem essa observância dos votos da maioria absoluta da Corte. Pesquisando junto ao Supremo Tribunal Federal, vê-se que, no dia 05 de maio de 2015, o Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco, lançou nos autos da 87


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Reclamação nº 19.722 – Paraíba, acima referida, seu Parecer pela procedência da reclamação, afim de que o processo retorne ao Tribunal de Justiça da Paraíba, para que ali se defina, com a maioria absoluta do Tribunal, como exigido por lei, a aplicação da modalidade da sanção apropriada ao magistrado de que trata aquela Reclamação. Portanto, o Ministério Público Federal entende tal qual deferido na medida cautelar, que o quórum qualificado para estabelecer a sanção é o da maioria absoluta dos integrantes do Tribunal, como se vê do contido na indicada Reclamação que tem como relatora a Ministra Rosa Weber. Dizemos nós que a decisão do Tribunal local representava a não observação do quórum constitucional, e, por isso, em exame preliminar, foi concedido pela Ministra Relatora medida acauteladora para suspender os efeitos da decisão reclamada até o julgamento do mérito da reclamação. A juíza estadual sustentou que a decisão do Tribunal em questão teria afrontado o entendimento firmado pela Suprema Corte na ADI 4.638/DF (mantém competência do CNJ para investigar magistrados), fixando que a pena de aposentadoria compulsória de magistrado se dá por maioria absoluta dos membros da Corte respectiva. Alegou a reclamante, magistrada estadual, na Reclamação nº 19.722/PB, que havia sido aposentada compulsoriamente, pelo Tribunal do Estado da Paraíba, sem que esta Corte observasse o quórum de maioria absoluta como previsto no artigo 93, incisos VIII e X, da Constituição Federal, o que tornava nula aquela decisão. Esse dispositivo teve sua redação alterada pela EC-nº 45/2004 e no art.21, parágrafo único, da Resolução nº 135, do CNJ, bem como da liminar concedida pelo STF na ADI nº. 4.638/DF, no mesmo sentido, fato que embasava a Reclamação da Juíza de Direito ao STF. 88


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Diante daquela citada decisão, os Tribunais devem observar tal entendimento, assim como os demais operadores do Direito, como consultores, tendo em vista que antes da EC45/2004, a decisão do Tribunal respectivo podia ser por 2/3 (dois terços) dos membros da Corte, como estava previsto no art. 45, parágrafo único da LOMAN. Portanto, desde que este dispositivo teve sua inconstitucionalidade incidentalmente declarada pelo STF no RE º 103.7008/MG, Rel. Min. Sydney Sanches, essa norma da LOMAN deixou de ser aplicada. Confira-se que esta posição ficou assentado no Recurso Extraordinário nº. 103.700-8/MG, da relatoria do Ministro Sydney Sanches, e que este declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 45, parágrafo único da LOMAN, que possibilitava a redução do “quórum” mínimo de votos concordes, correspondente a 2/3 dos membros efetivos do Tribunal competente, não computando nesse número os impedidos, suspeitos ou licenciados por motivo de saúde. Com efeito, diante da inconstitucionalidade declarada daquele dispositivo, tem-se que a decisão de qualquer Tribunal deve ser tomada sempre, desde aquela época, pela maioria absoluta dos seus membros. E a expressão, maioria absoluta, deve ser compreendida, considerando-se o total de membros do Tribunal Pleno. Considera-se, pois, que a maioria absoluta é representada pelo número inteiro seguinte à metade dos membros da Corte. Essa é a forma de cálculo ou de conta para se encontrar o “quórum” mínimo a ser observado para funcionamento do Tribunal (metade mais um) em casos de aposentadoria compulsória de um desembargador do Tribunal de Justiça ou de conselheiro do Tribunal de Contas.

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DA RELATIVIZAÇÃO DO QUÓRUM. Há no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) relevante discussão quanto à possibilidade de relativização do quórum qualificado quando os Tribunais não contam com a integralidade de seus membros ou quando estes não tenham condições de votar, como diz a ministra Rosa Weber (RCL 19.722/PB). Traz a ministra Rosa, em colação na RCL 19.722/PB, decisão proferida no Recurso Extraordinário nº. 103.700/MG, da relatoria do Ministro Sidney Sanches, no qual o Plenário da Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 45 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que estabelecia o quórum de dois terços dos membros efetivos do Tribunal para determinação de remoção ou disponibilidade compulsória de magistrado deve ser “(...) apurado em relação ao número de Desembargadores em condições legais de votar, como tal se considerando os não atingidos por impedimentos ou suspeição e os não licenciados por motivo de saúde.”

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E diz a ministra Weber: “(...) Naquela ocasião, ficou assentado que o número de votos para aplicação da penalidade administrativa de remoção deveria corresponder a dois terços da totalidade dos membros efetivos do respectivo tribunal, incluídos, no cômputo, os desembargadores impedidos, suspeitos e licenciados. Dizendo ainda, “consoante bem destacou em seu voto o ministro Marco Aurélio, ao apreciar o MS 31.357”: “Após exaustiva discussão sobre o tema, foi assentado que a Lei Orgânica da Magistratura não poderia mitigar a exigência constitucional para a aplicação da sanção. O Tribunal consignou que o estatuto funcional vulneraria a garantia insculpida na Carta da República, ao permitir a imposição de punição disciplinar a magistrado a partir de votação na qual observado quórum inferior ao referido, declarando inconstitucional o dispositivo”. 90


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E continuando, afirma a ministra Rosa Weber que “já no Mandado de Segurança (MS) 25.118, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence, em que se discutia o quórum para eleição de lista tríplice para promoção de juízes, o Plenário do STF concluiu pela possibilidade de redução da totalidade de 27 para 21 desembargadores, para cumprimento do quórum de julgamento, excluídos do cálculo dois cargos vagos em decorrência de aposentadoria, um em razão de posse de desembargador no Superior Tribunal de Justiça, e três decorrentes de afastamento por decisão judicial, disse a ministra Rosa Weber, trazendo em colação o julgado acima mencionado, para sustentar sua decisão na RCL 19.722/PB. No referido julgamento, a Suprema Corte firmou entendimento de que, em casos excepcionais, nos quais desfalcada a composição do Tribunal, poderia ser utilizado como parâmetro para a definição da maioria absoluta o universo de votos válidos, na dicção da Ministra Rosa Weber, na sua decisão na RCL 19.722/PB.

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“Prevaleceu o entendimento de que o legislador constituinte, ao prever quórum qualificado para recusa de promoção, partira da premissa de que o Tribunal teria sua composição afastamentos eventuais e não eventuais, a compreensão de os cargos vagos e os afastamentos não eventuais não devem ser computados na composição do quórum da sessão de julgamento (Weber-RCL 19.722/PB)”.

PASSO A PASSO DO PROCEDIMENTO: DA DENÚNCIA AO JULGAMENTO FINAL DO PROCEDIMENTO. Esclarecidas as questões anteriores, adentramos, agora, de como fazer-se a periodização do procedimento, com seu passo a passo, desde a “denúncia” feita pelo cidadão, até seu julgamento final. 91


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Naquele caso concreto, diante de tudo quanto foi até aqui exposto, dizemos nós, que caberá ao Presidente do Tribunal dar conhecimento da denúncia ao Tribunal Pleno, em Sessão, fazendo, na oportunidade, a leitura da respectiva denúncia. A leitura da denúncia será feita em Sessão do Tribunal, onde se fará “um juízo prévio de sua admissibilidade”. E caso sejam encontrados indícios ou provas para se instaurar ou não Processo Administrativo Disciplinar, será oportunizado ao denunciado que apresente sua Defesa Prévia, contra os fatos alegados, no prazo de 15 (quinze) dias, ainda no PPA, posto que só após a defesa prévia, é que será ou não, instaurado o Processo Administrativo Disciplinar (PAD). É o que determina o disposto no art. 27, § 1º da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 - LOMAN, aplicável à espécie. Então, somente após escoado o prazo da Defesa Prévia é que o Presidente da Corte, no dia útil imediato à apresentação da Defesa Prévia, deverá convocar o Tribunal Pleno para que em Sessão decida sobre a Instauração do Processo Administrativo Disciplinar, nos termos do art.27, § 2º da LOMAN. Esse Procedimento Administrativo Prévio é denominado de PPA - Processo Prévio Administrativo, e precede o Processo Administrativo Disciplinar - PAD, propriamente dito.

DA INSTAURAÇÃO DO PPA: 1 – DO ATO DELIBERATIVO DO TRIBUNAL PLENO NO PPA O Tribunal necessita fazer um Ato Deliberativo. Esse Ato Deliberativo é constituído de uma Ementa, contendo, em seu Rosto a síntese do caso, autorizando ao Presidente do Tribunal de Contas oportunizando ao conselheiro (indicando seu nome) 92


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a apresentação de sua defesa prévia, acerca dos fatos articulados na denúncia de que trata o Protocolo sob número tal, na Corte. Deve ser explicitado no indicado Ato, que o Tribunal está no uso das suas atribuições constitucionais, legais e regimentais, especialmente o art. 5º, LIV e LV e art. 93, X, da Constituição Federal de 1988; Deve constar, também, do Ato Deliberativo seus mais diversos “Considerandos”, a exemplo:

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(i) Considerando que o art. 71, § 2º da Constituição do Estado de Sergipe concede aos Conselheiros do Tribunal de Contas o gozo das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe; (ii) Considerando que o art.27, § 1º da LOMAN determina que a defesa prévia precederá, ou seja, é anterior à instauração do Processo Administrativo Disciplinar contra magistrado, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes; (iii) Considerando que o Superior Tribunal de Justiça decidiu, com base no art. 93, IX da CF/88, que “todos os julgamentos serão públicos e fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes” (Precedente no MS nº 13.358/PB, DJ 02/06/2003, pág. 306); (iv) Considerando que ditas disposições aplicáveis aos magistrados são também aplicáveis aos conselheiros do Tribunal de Contas, por disposição constitucional.

Assim, após cada “Considerando”, vem, a parte da Deliberação, com a indicação dos respectivos dispositivos, a exemplo, DELIBERA: 93


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Art. 1º- Fica assegurado ao Conselheiro fulano de tal a oportunidade de oferecer, em querendo, defesa prévia, acerca dos fatos articulados por fulano de tal, na denúncia protocolada sob número tal, nos termos do art. 27, § 1º da LOMAN, em garantia ao Princípio do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa, como prevê a CF/88, no seu art.5º, incisos LIV e LV. Art.2º - Para a apresentação da defesa prévia, conceder-se-á um prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data da entrega da cópia do teor da denúncia e das provas existentes. Art.3º - O Presidente deste Tribunal remeterá, mediante ofício ao Conselheiro fulano de tal, cópia do teor da acusação ou denúncia e das provas existentes na Corte, conforme dispõe o art. 27, § 1º da LOMAN. Art.4º - O Processo Administrativo Disciplinar, nos termos do art.27, § 2º da LOMAN, somente será instaurado após a defesa prévia referida no art. 1º deste Ato e deliberação deste plenário. Art.5º - Este Ato Deliberativo entrará em vigor nesta data. Art.6º - Ficam revogadas quaisquer disposições em contrário. Sala das Sessões do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, em Aracaju, data do dia da Sessão e assinatura de todos os Conselheiros da Corte, com exceção do denunciado.

2 – DA DEFESA PRÉVIA E SUAS ALEGAÇÕES NO PPA: Como já dito anteriormente, a defesa prévia sustenta em regra, a preliminar de ilegitimidade ativa do cidadão que fez a denúncia, ao fundamento de que a representação para a perda do cargo só pode ser postulada pelo Poder Executivo, pelo Ministério Público ou pelo Conselho Federal da OAB ou sua Seccional Estadual (art. 27, caput, da LOMAN), como ocorreu no nosso caso concreto. 94


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Também, alega a Inépcia de Denúncia, ao entendimento de ser exigido que, além da denúncia ser objetiva e circunstanciada, o fato atribuído seja tipificado com a indicação de dispositivo legal supostamente imputado ao denunciado pelo denunciante, com base em princípios da legalidade e da segurança jurídica, sem o que a denúncia seria nula. Afirma-se, de igual forma, que aplicando-se ao conselheiro as normas da LOMAN (art.26 ,I e II, letras “a”, b” e “c”), este somente perderá o cargo se houver ação penal por crime comum ou de responsabilidade. E, em procedimento administrativo, nas seguintes hipóteses: exercício, ainda que esteja em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um cargo de magistério superior, público ou particular; recebimento, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de percentagens ou custas nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento; exercício de atividade político-partidário. Só nesses casos é possível, afirma a defesa. Sustenta-se, na defesa prévia, a inexistência de conduta típica das elencadas nessa lei, por isso, faltaria justa causa para instauração de processo administrativo disciplinar e o lógico seria o arquivamento da denúncia. É o que a denúncia sustenta, no caso específico. Outra alegação é a da falta de provas, e da ilegalidade de escutas telefônicas, pois estas são limitadas no tempo e no espaço, não podendo ter seu uso para fins não específicos ou aleatórios. Sustenta-se, ainda, na Defesa Prévia, que a Lei 9.296/1996 não autoriza a intercepção telefônica, nos termos do seu artigo 2º, incisos I, II e III, e seu parágrafo único, quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: (I)- não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; (II)- a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; (III)- o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. 95


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Finalmente, que em qualquer hipótese deve a denúncia ser descrita com clareza, inclusive com a indicação e qualificação do investigado, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. Postula-se, também, diante de tais fundamentos que não é só invocando a aplicação da lei pura e simples, que se obtém autorização judicial para a escuta telefônica ou pela via da internet. Sustentam, também, que sem a ocorrência na denúncia, da qualificação do investigado, a demonstração da necessidade da escuta telefônica e a indicação dos meios que serão empregados, torna-se a escuta ilegal e nula de pleno direito. Repisam em outra vertente, que o auditor do Tribunal de Contas não pode integrar a Corte para julgar conselheiro porque este, assim como o Juiz de Direito de primeiro grau, quando convocado para compor o Tribunal de Justiça, não pode julgar desembargador em processo administrativo em face da hierarquia existente entre um e outro. Sustentam que a prova emprestada de outro processo não pode ser usada no processo administrativo, e, quando utilizada, macula aquele processo, eivando o mesmo de nulidade. Finalmente, sustentam que o auditor só pode ser convocado para substituir conselheiro somente com a ocorrência de cargo vago. Esse entendimento foi recentemente espancado pelo Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar na ADI 5698/RJ, relator ministro Luiz Fux. Trata-se de caso envolvendo a prisão de conselheiros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, presos por suposto envolvimento de corrupção. A liminar concedida permite ao TCERJ funcionar com auditores como substitutos daqueles conselheiros. A Lei 63/1990 do Estado do Rio de janeiro que não permitia a substituição por mais de um auditor. Essa lei foi considerada inconstitucional por afastar-se do regime constitucional do art. 73, § 4º da 96


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CF/88, que não faz qualquer restrição a que sejam feitas tantas substituições que sejam necessárias em caso de afastamento de conselheiros. Ao ver do conselheiro acusado, no caso concreto objeto desse estudo, como aquele cargo que ocupava não estava ainda vago, pois naquele momento se cuidava apenas do seu afastamento do cargo, não podia ser convocado um auditor para substituí-lo em seu julgamento. Aduzia, nessa linha, que não tendo o conselheiro sido penalizado com a aposentadoria, quando do seu afastamento das funções, não haveria, naquele momento, como indicar que o seu cargo já estivesse vago. No mérito, defendeu que a denúncia não se sustenta por ausência de justa causa, eis que ausente prova de conduta delitiva ou, no mínimo, de indícios. E por fim, negava qualquer envolvimento nos fatos articulados na denúncia, sem entrar, na questão de fundo. Essa técnica processual muitas vezes funciona quando a consultoria jurídica do Tribunal não espanca com fundamentos essas questões, como ocorreu no caso em comento. 3 – DA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DO PLENO DO TC. Decorrido o prazo de 15 dias da apresentação ou não da defesa prévia, eis que é o 1º dia útil após o término do referido prazo, deve o Presidente da Corte convocar SESSÃO EXTRAORDINÁRIA do Plenário da Corte de Contas (Art. 39, § 2º do RI do TCE) a fim de que este delibere sobre a instauração ou não de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), em face do conselheiro, inclusive sobre o afastamento ou não deste do exercício de suas funções (art. 27, §§ 2º e 3º, da LOMAN), diante da denúncia já referida, isto, ainda durante o PPA. 97


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Após a apresentação da defesa prévia pelo denunciado, a Corte determina a ouvida de sua Coordenadoria Jurídica para oferecer Parecer, sendo essa manifestação na tramitação no Processo Prévio Administrativo (PPA), que será encaminhado a todos os conselheiros, oportunidade em que farão análise da parte fática e jurídica do caso que lhe será apresentado em Sessão Extraordinária do Tribunal Pleno. Constará do Parecer, um Relatório, com a exposição sobre a Denúncia, além do que fora articulado na Defesa Prévia, a exemplo da análise das Preliminares Suscitadas, uma a uma, com fundamentação jurídica adequada, em sua desconstrução, posto que, embora o Parecer não seja uma decisão, mas tão somente um opinativo, entretanto, é um Ato Administrativo, e como tal deve ser fundamentado, como manda a Constituição Federal. Quanto à Preliminar de ilegitimidade de parte do denunciante, por ser cidadão comum, a matéria já foi explicitada em Item especifico anterior, no início do Capítulo, e, pelos fundamentos ali aduzidos, nossa opinião é que a Corte deve rejeitar tal preliminar, por não figurar o denunciante na relação dos legitimados indicados no caput do art. 27 da LOMAN, diante do novo ordenamento constitucional como já explicitado anteriormente. Essa foi a posição do nosso Parecer. 4 – A SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DO PPA DEVE SER SECRETA OU PÚBLICA. Não obstante, o § 2º do art. 27 da LOMAN indique que esta sessão extraordinária seja secreta, é de ser salientado que a Sessão Extraordinária do Pleno deve ser pública em face do que dispõe nesse ponto, a CF/88. Isto porque dito dispositivo da LOMAN, que fundamentava ser a sessão secreta, não fora recepcionado pela Constituição Federal de 1988, no que se relaciona à expressão “sessão secreta”, 98


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tendo em vista a alteração do texto do artigo 93, IX e X, trazidos com a Emenda Constitucional nº 45/2004, in verbis:

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“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”. (grifos nossos). “X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.

A vedação à realização de “sessão secreta”, ressai das alterações indicadas, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 452.709-0/SP, Rel. Min. Carlos Britto, in DJ de 02.02.2007, p. 115. Este é, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça como decidido no RMS nº 24.915/PA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, in DJ de 17.12.2007, p. 230. É de bom alvitre que o Presidente da Corte faça Convocação de dois auditores para suprir eventual necessidade da obtenção de “quórum”, como substitutos de conselheiros, que possam faltar por motivo justificado, como está disposto no art.42, § 2º do Regimento Interno do TCSE, em casos que não se trate de vacância do cargo. O Presidente da Corte deve também, notificar, por ofício ao conselheiro denunciado, como interessado, da realização da 99


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referida Sessão Extraordinária, em atenção ao disposto no art.5º LIV e LV da CF/88, como orientado pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 452.709 -0/SP, Rel. Min. Carlos Britto, in DJ de 02.02.2007, p.115). E de igual sorte é a orientação do Superior Tribunal de Justiça (RMS nº 13.358/PB, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 26.06.2006, p.306), podendo o conselheiro comparecer pessoalmente ou ser representado por advogado regularmente constituído. 5 – DA ABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD Da escolha do relator. No caso do Tribunal Pleno ter decidido pela abertura do Processo Administrativo Disciplinar – PAD e pelo afastamento do conselheiro de suas funções, ainda no PPA, deverá na mesma sessão do Pleno, fazer-se o sorteio para escolha do Relator desse processo disciplinar, dentre os conselheiros da Corte de Contas, ou seus substitutos. Restará ao presidente expedir a correlata Portaria de Instauração do PAD, cumprindo, com isso, a decisão do Pleno, que o autorizou a fazê-lo, oportunidade em que descreverá os fatos imputados ao conselheiro (motivação do ato: art. 93, X da CF/88). Esclareça-se que o Processo Administrativo Prévio ou PPA não é tecnicamente, ainda, o Processo Administrativo Disciplinar específico. Servindo o PPA, apenas, para atender ao desiderato da denúncia do cidadão, sendo o meio instrumental para agrupar e organizar documentos a partir da denúncia que deu origem aos fatos que serão apurados. 100


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Assim sendo, decidindo o Tribunal Pleno pela instauração do Processo Administrativo Disciplinar, deverão os documentos carreados como Processo Administrativo – PPA, migrar integralmente para os novos autos que receberão autuação própria na Corte como PAD. Portanto, é ainda durante o PPA, na Sessão Extraordinária, onde será apreciada a denúncia do cidadão, que será decidido o pedido de afastamento do conselheiro do exercício de suas funções, para salvaguardar o nome da Instituição. Isto se houver indícios quanto aos fatos que atinjam sua conduta na vida pública e particular, diante da repercussão que o caso possa ter na sociedade, envolvendo o nome da Corte de Contas e do conselheiro. O afastamento se faz necessário para atender ao clamor da ordem pública, para assegurar maior liberdade e isenção de animus na apuração dos fatos, sem o que ficaria comprometida essa apuração, se o conselheiro denunciado continuasse no exercício de suas funções na Corte. Após as providências quanto à autuação do PAD, seguindo o rito imposto pela parte final do § 2º, do art.27 da LOMAN, cabe ao presidente encaminhar os autos do PAD ao conselheiro relator, que fora escolhido mediante sorteio naquela Sessão Extraordinária, para que este prossiga na instrução do feito, coletando as provas requeridas ou as que entender necessárias, ao teor do que determina o § 4º do art. 27 da LOMAN. 5.1 – DAS RAZÕES FINAIS NO PAD Finda a instrução, com a coleta das provas, inclusive daquelas existentes em processo judicial diverso, como prova emprestada, o conselheiro relator dará vistas dos autos ao Ministério Público Especial que funciona na Corte de Contas para que este opine, lançando suas respectivas razões finais sobre o PAD. 101


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A competência do Parquet Especial que funciona como Órgão naquela Corte, para emitir razões finais no PAD, se encontra no artigo 71, § 2º da Constituição do Estado de Sergipe, bem como na Lei Complementar Estadual nº 36/97 (Lei Orgânica do Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas de Sergipe). Essa atuação do Ministério Público Especial se dá como Custos Legis, fiscal da lei, e defensor da ordem jurídica para um julgamento justo e imparcial, nunca como parte. Após o oferecimento daquelas razões finais pelo MPE, o relator determinará que o conselheiro, querendo, apresente suas RAZÕES FINAIS. Nas razões finais, são ratificadas as preliminares deduzidas na defesa prévia, bem como outras motivações que entender necessárias na substância da sua defesa. Após as razões finais, caberá ao relator requerer ao Presidente da Corte a inclusão em pauta do PAD para seu julgamento pelo Tribunal Pleno. 5.2 – DO JULGAMENTO DO PAD PELO TRIBUNAL PLENO. O Processo Administrativo Disciplinar que está sendo objeto deste capítulo decorre de estudo de caso concreto, em razão de denúncia protocolada por um cidadão comum, em 01 de junho de 2007, dando conta de que um conselheiro estaria supostamente envolvido em negócios de uma empresa de renome nacional, conforme apontado anteriormente. Concluímos ser da própria Corte de Contas a competência para ordenar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em face de Conselheiro, em reunião do Pleno do Tribunal de Contas, em Sessão Extraordinária, com quórum qualificado, em que este acolhe ou não a denúncia formulada pelo cidadão, mediante Ato Deliberativo. 102


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A base legal para que seja por ato deliberativo, que deve inclusive, ser assinado por todos os conselheiros do Tribunal, e por seu presidente, se dá em face do que dispõe as atribuições constitucionais, legais e regimentais, especialmente o artigo 5º, LIV e LV, e artigo 93, X, da CF/88. Aplica-se no caso, o próprio Regimento Interno do Tribunal de Contas, o que será explicado no ponto, oportunamente, do porquê.

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É de ser lembrado que o ato deliberativo deve conter no seu texto que o Presidente do Tribunal, após a expedição da portaria deverá determinar outras providências, a saber: I- A autuação do Processo Administrativo Disciplinar – PAD, sendo a portaria do presidente a sua peça inaugural; II- A anexação dos documentos constantes do Processo Administrativo inicial que se instaurou antes do Processo Administrativo Disciplinar; III- O encaminhamento dos autos do Processo Administrativo Disciplinar ao conselheiro relator do PAD, que fora designado em decorrência de sorteio realizado no momento da sessão do ato deliberativo; IV- É o próprio Tribunal Pleno, na mesma sessão extraordinária em que se deu a elaboração do ato deliberativo da Corte, que pode determinar ou não o afastamento do conselheiro do exercício de suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens inerentes ao seu cargo, como autoriza o artigo 27, § 3º, da Lei Complementar Federal nº 35, de 14 de março de 1979 (LOMAN); V- Deve constar ainda do ato deliberativo que este entra em vigor na data de sua elaboração, bem como, que ficam revogadas quaisquer disposições em contrário.

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DA PORTARIA DO PRESIDENTE QUE INSTAURA O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PAD. A Portaria do Presidente do Tribunal de Contas, para que, em cumprimento ao ato deliberativo referenciado, se instaurasse o Processo Administrativo Disciplinar (PAD), será autorizado pelo Pleno, como já se disse. O ato deliberativo determinou, em face da denúncia, não só a instauração do Processo Administrativo Disciplinar, bem como a designação de um relator que seria um auditor em substituição a um conselheiro que havia suscitado seu impedimento para funcionar em todos os atos relativos àquele processo do caso concreto, objeto do presente Capítulo. É de ser designado também um revisor. O ato deliberativo determina também o afastamento do conselheiro do exercício de suas funções, enquanto se apuram os fatos, sem prejuízos dos vencimentos e das vantagens inerentes ao seu cargo, como autoriza o art. 27, § 3º, da Lei Complementar Federal nº 35, de 14 de março de 1979 (LOMAN).

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5.4 – DA PARTICIPAÇÃO DE AUDITOR NO PAD COMO CONSELHEIRO SUBSTITUTO. LEGALIDADE. Sempre defendemos a presença de auditores substituindo conselheiros naquele Processo Administrativo Disciplinar (PAD) como sendo legal, posto que o mesmo seja o substituto eventual daquele, a nosso ver. No Tribunal de Contas da União, o auditor é chamado pela denominação de Ministro Substituto. Não discrepam desse entendimento, também por simetria, os Tribunais de Contas dos Estados, onde o auditor é denominado de conselheiro substituto. 104


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Naquele PAD, se quis anular o processo, porque nele atuou um auditor como conselheiro substituto. Sustentou-se a tese que o auditor era semelhante ao Juiz de Direito, portanto alguém do primeiro grau que era convocado para substituir desembargador no Tribunal de Justiça, podendo o Juiz nesses casos julgar como tal qualquer processo judicial, mas não podia julgar processo administrativo em face de desembargador, porque hierarquicamente um inferior não podia julgar um superior. Essa tese estaria certa no âmbito do Poder Judiciário, porque previsível no seu Regimento Interno, mas, inaplicável ao caso do Tribunal de Contas, por falta de previsibilidade no Regimento Interno deste; foi o que defendi naquela ocasião. SITUAÇÕES DIFERENTES ENTRE O AUDITOR E O JUIZ DE DIREITO DE PRIMEIRO GRAU. Espancamos que não havia entre estes nenhuma similitude, não eram iguais, tendo em vista se tratar de situações diferentes, a saber: não se queira comparar o auditor do Tribunal de Contas como sendo semelhante ao Juiz de Direito de primeiro grau do Tribunal de Justiça, quando este é convocado para integrar aquele Tribunal, não podendo o Juiz, como tal, julgar desembargadores, por ser hierarquicamente inferior a este. Não é o que ocorre com o auditor, que não é subordinado hierárquico de conselheiro. Isto porque não há semelhança entre o juiz de direito e o auditor do Tribunal de Contas, como fora sustentado, pois, ao nosso entender, em primeiro lugar, porque não há simetria entre os cargos e as respectivas funções. Em segundo lugar, porque não há também similitude entre a função de conselheiro com a de juiz de direito; nem o auditor é hierarquicamente subordinado ou inferior ao conselheiro, 105


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como ocorre no caso do Juiz de Direito de Primeiro Grau, este sim, inferior hierarquicamente, não pode julgar disciplinarmente um desembargador, que ocupa cargo superior na hierarquia administrativa do Poder Judiciário. Com efeito, entendamos que há diferença entre o juiz de direito e o auditor do TCE, para que se possa compreender a tese jurídica que sustentamos que era diversa da defesa, e que se tornou vencedora, tanto no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe quanto no Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista os seguintes fundamentos: Primeiro, porque o juiz de direito tem uma carreira, na qual ele é promovido pelo critério de merecimento ou por antiguidade até chegar ao seu último nível da carreira de magistrado que é ser desembargador. O juiz de direito segue uma gradação na carreira e é regido por uma hierarquia de subordinação. A decisão do juiz de direito pode ser revista pelos desembargadores através do competente recurso. Portanto, não há qualquer margem de dúvidas sobre esse escalonamento hierárquico. Já quanto ao auditor do Tribunal de Contas, não pode este ser comparado ao juiz de direito de primeiro grau, porque o auditor não segue uma carreira específica como o juiz de direito que vai progredindo na sua carreira de degrau em degrau, até chegar ao topo que é ser desembargador. O auditor será sempre auditor, dentro da carreira dele, até o final do seu tempo de serviço público, quando se aposenta. O auditor não recebe promoção como acontece no caso do juiz de direito. E tanto isso é verdade, que o auditor é nomeado por concurso público para esse cargo, que é isolado e de provimento vitalício. 106


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O auditor entra na Corte de Contas, como auditor, e como tal se aposenta; e como não galga postos de promoção nesse cargo porque não há carreira a ser percorrida, não pode ser comparado com o juiz de primeiro grau. Haverá de se perguntar: e quando existe vaga, por aposentadoria de um conselheiro, cuja vaga subsequente seja da auditoria, como prevê as Constituições Federal e Estadual, o auditor será promovido, ou nomeado, porque trilhou uma carreira e chegou “ao topo” do Tribunal de Contas como conselheiro? Ao nosso entender, no caso do auditor, este é nomeado para o cargo de conselheiro, sua nomeação não se dará por promoção, repita-se, como ocorre no caso com do juiz de direito quando é promovido a desembargador; mas, por uma nova nomeação para aquela vaga que a Constituição assegura aos auditores, como ocorre no caso do Quinto Constitucional, quando advogados podem alçar a ser desembargadores, bem como os representantes do Ministério Público, quando concorrem ao Quinto Constitucional no Poder Judiciário.

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Trata-se, apenas, de uma nomeação para uma vaga que a Constituição lhe assegura, da mesma forma que acontece com a vaga como previsto para o Ministério Público Especial que integra o Tribunal de Contas. Ademais, resta ainda lembrar, ao nosso olhar, que não existe a carreira de auditor, mas, tão somente o respectivo cargo de provimento isolado, pois, não há como em outras carreiras, e dentro delas, uma progressão. Por isso mesmo, haverá apenas a nomeação, quando for o caso, para ocupar a vaga de conselheiro quando esta for aberta vaga para a auditoria. A escolha dos nomes será feita pelo Tribunal Pleno da Corte de Contas, dentre os três auditores mais antigos da Corte, levando em consideração, para essa escolha, o critério de antiguidade. 107


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Será, com a escolha desses nomes, formada uma lista tríplice, pelo Pleno, cabendo ao Presidente do Tribunal encaminhá-la, mediante Ofício, ao Governador do Estado, para que este escolha o nome de um dos três dos integrantes da mesma Corte, fazendo a respectiva nomeação para o cargo de conselheiro e não, como sendo, uma promoção do auditor. Trata-se de uma vaga específica fixada pela Constituição Federal para auditores, do Tribunal de Contas da União, e por simetria, no dos Estados Federados, por suas respectivas Constituições Estaduais, como é assentado na Constituição de Sergipe. E, no caso, não há que se falar em promoção, porque promoção não haverá, mas sim a nomeação para um novo cargo, tanto que será escolhido em lista tríplice, pelo critério de antiguidade, compondo essa lista os nomes dos três auditores mais antigos, como dito acima, cabendo ao governador a escolha de um deles. O auditor, no plano de seu cargo, é, todavia, o substituto do conselheiro durante suas férias ou em casos de doença, dentre outros, por previsão constitucional e legal. O auditor não tem carreira, como já disse alhures, daí, para ele se tornar conselheiro vitalício, o seu nome deve constar de uma lista tríplice, na vaga que for aberta para a auditoria, quando for o caso, e se houver vaga específica para aquele cargo de Conselheiro. O auditor, na falta ou na ausência de um conselheiro, em caso concreto é convocado para a sessão como conselheiro substituto, atuando, naquela oportunidade, como tal, e não como auditor. Tanto no processo de contas dos gestores públicos, quanto em processo administrativo disciplinar, na ausência ou na falta do Conselheiro, quem é o conselheiro substituto é o auditor. No caso dos Tribunais de Justiça, é completamente diferente. Lá um juiz de direito convocado para compor o pleno do tribunal não pode julgar um Processo Administrativo Disciplinar contra um 108


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desembargador, porque esse juiz de direito é hierarquicamente inferior ao desembargador. É o que está contido no Regimento Interno do Tribunal de Justiça. No caso do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, o Regimento Interno e sua legislação complementar não fazem qualquer vedação à possibilidade de um auditor quando investido na função de conselheiro substituto, em matéria disciplinar, julgar um conselheiro, porque não há hierarquia entre eles, dizemos nós. O Regimento Interno do Tribunal de Contas reza que o substituto natural de conselheiro é o auditor; e, como conselheiro substituto, vincula-se ao processo que estiver sendo submetido a julgamento, valendo a regra do “juízo natural”. Assim, quando aquele processo retornar a julgamento, a exemplo do retorno por ocasião de um pedido de vista, o mesmo auditor, como conselheiro substituto, é convocado a integrar o colegiado e julgá-lo como conselheiro. No caso do Tribunal de Contas, o conselheiro não é superior hierárquico do auditor. São posições diferentes. Não há carreiras semelhantes. São cargos isolados de provimento vitalício, gozando, todavia, das mesmas prerrogativas, assentadas na Constituição. Nos Tribunais de Justiça, se todos os desembargadores, num Processo Administrativo Disciplinar, se julgarem impedidos, o processo será remetido para o Superior Tribunal de Justiça, que fará o julgamento como se fosse o Tribunal de Justiça de origem, e não em grau de recurso. Enquanto, em relação ao Tribunal de Contas, ele é Tribunal administrativo originário e único, pois não existe Superior Tribunal de Contas, nem Supremo Tribunal de Contas, como ocorre no Judiciário, para revisar decisões de tribunais originários. 109


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Portanto, não se pode utilizar do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Sergipe, para solucionar questão interna do Tribunal de Contas do Estado, como articulado pela defesa no caso objeto do nosso estudo, em razão do princípio da legalidade e da autonomia das instituições. Ao nosso pensar, a referida regra regimental do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, não pode, por analogia, ser aplicada ao Tribunal de Contas, por ser aquela norma uma regra de exceção, regra especial, não sendo norma geral. A analogia só é aplicada para casos envolvendo normas gerais, não se utiliza a analogia para as regras especiais. Poder-se-ia aplicar essa mesma regra ou norma no Tribunal de Contas, se lá houvesse norma expressa nesse mesmo sentido. No âmbito do Tribunal de Contas, não se pode usar aquela norma do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, para resolver uma questão interna daquela Corte de Contas. Esse é o sistema processual. A visão que tínhamos, quando se deu o caso da Operação Navalha, era a de que o auditor substituía o conselheiro automaticamente. Nesse sentido, recentemente o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, na ADI 5698/RJ, deferiu liminar suspendendo dispositivo legal que impedia a atuação de mais de um auditor em substituição de conselheiro no Plenário do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Entendeu o Ministro Fux que a restrição contida na Lei Orgânica do TCE-RJ não condiz com a Constituição Federal, nem com a jurisprudência do Supremo, assentando o funcionamento do TCE-RJ, com Auditores como substitutos dos Conselheiros. Sugiro a leitura do contido do site “Notícias STF”, quarta-feira, 03 de maio de 2017, sobre o título: “Liminar permite ao TCE-RJ funcionar com auditores substitutos”. 110


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GRAVAÇÕES TELEFÔNICAS, LEGALIDADE E POSSIBILIDADE DE USO (como prova emprestada) A utilização de gravações telefônicas, como prova emprestada, tal qual fora feito no caso concreto, é possível, eis que o ordenamento jurídico não veda seu uso, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF). Esse precedente está assentado pelo Supremo Tribunal Federal, ao examinar as questões contidas na colheita dessa prova no citado procedimento: Inquérito 2424/RJ, (Questão de Ordem), Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 20/06/2007, Tribunal Pleno, in DJ 18.10.2007. No mesmo sentido, as decisões do STJ: MS 11.965/DF, Terceira Seção, julgado em 08.08.2007, DJ 18.10.2007; MS 10.292/ DF, Terceira Seção, julgado em 22.08.2007, DJ 11.10.2007. Outra questão sustentada fora a de que o conselheiro tem a prerrogativa de agendar dia e hora para sua oitiva. O sentido era ganhar tempo, e nada mais. Fundamentava a tese da defesa no contido nos artigos 411, IX e parágrafo único combinado com o 344 do Código de Processo Civil/73. Em contraponto, sustentamos a tese da inexistência de nulidade, em razão de que tais dispositivos tinham que ser vistos em combinação com o artigo 33 da LOMAN, que fixa essa prerrogativa do magistrado, apenas, quando for ouvido como testemunha, o que não era o caso, pois, no caso, o conselheiro era denunciado e não testemunha. MAIORIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL DE CONTAS Outra questão era sobre a composição da maioria absoluta do Tribunal de Contas. Constitucionalmente o Tribunal é 111


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composto por 07 (sete) membros. No caso concreto de Sergipe, um deles era o representado, e outro conselheiro havia se declarado impedido ou suspeito, restavam, portanto, 05 (cinco) membros, na sua composição, sendo esse número suficiente para formar a maioria absoluta que, no caso, é de 04 (quatro) membros. Todas essas questões foram apreciadas em sede de Mandado de Segurança (Processo n.º 2008116276 – Recurso n.º 0237/2008, 3ª Escrivaria) pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, que decidiu pela legalidade do Processo Administrativo Disciplinar, rejeitando as nulidades aventadas e denegando o Mandado de Segurança, conforme se vê, da ementa do seu acórdão que sugiro sua leitura. A VISÃO DO STJ- AUDITOR COMO RELATOR NO PAD. CONSELHEIRO SUBSTITUTO. LEGALIDADE. PARTICIPAÇÃO DE AUDITOR CONVOCADO COMO SUBSTITUTO DO CONSELHEIRO AFASTADO. INEXISTÊNCIA DE VACÂNCIA DE CARGO. ILEGALIDADE. NOVO JULGAMENTO No caso concreto objeto do presente estudo, a parte interessada, diante da decisão assentada no acórdão do TJ/SE, acima indicado e trazido à colação, uma vez vencido, posto que espancadas as impugnações que fizera quanto à legalidade do Processo Administrativo Disciplinar, manejou recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça (RMS nº 3.6496/SE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma), para dirimir a controvérsia, como parte vencida. Dita irresignação do conselheiro, visava, a reforma da decisão do Tribunal de Justiça local e, por via de consequência, a anulação do Processo Administrativo Disciplinar que tramitara na Corte de Contas, e seu retorno ao Tribunal. 112


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Todavia, o STJ manteve a decisão do Tribunal de Justiça local, decidindo pela legalidade do Processo Administrativo Disciplinar, ressalvado, apenas, no ponto de que não teria havido ainda, naquela oportunidade, a vacância do cargo do conselheiro denunciado no PAD, no momento do julgamento. E que por isso, o auditor convocado para atuar em seu lugar não poderia ser convocado, tão e simplesmente porque não teria ainda havido, a vacância do cargo do conselheiro investigado.

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Diante desse fato, determinou o STJ que o Tribunal de Contas fizesse um novo julgamento, mantendo, todavia, como legal o afastamento do conselheiro, como determinara a Corte de Contas local, e todos os seus atos administrativos como sendo legais. Manteve, com efeito, o STJ, a tese de que o auditor é conselheiro substituto e, por isso, podia integrar o Tribunal Pleno, para julgamento de processo administrativo contra conselheiro, inclusive como seu relator, como ocorrera naquele caso concreto, mantendo hígidos todos os demais atos administrativos daquele PAD. O STJ manteve o conselheiro em questão afastado de suas funções, e como regular todos os atos anteriores praticados no PAD, todavia, entendeu que o cargo do conselheiro investigado, na oportunidade do julgamento, como ainda não estava tecnicamente vago, e diante disso, anulou a decisão vergastada, tão somente no ponto dessa substituição por aquele auditor, do exercício do cargo que ainda não estava vago, determinando que se fizesse um novo julgamento. Entretanto, manteve como válido o processo ter tido como relator o auditor que funcionou como tal, no feito. O Superior Tribunal de Justiça considerou que o auditor que estava substituindo o conselheiro investigado não poderia ter participado da votação do PAD, porque o cargo do 113


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investigado não estaria ainda vago, e, nessa linha, anulou o Processo Administrativo Disciplinar somente na questão da inexistência de vacância, e a partir dele, mantendo todos os demais atos administrativos daquele PAD, conforme se vê do RMS nº 36496/SE, Rel. Min. Humberto Martins. Houve a oposição de Embargos de Declaração com efeitos infringentes, no recurso ordinário no Mandado de Segurança nº 36.496/SE, Rel. Min. Humberto Martins, que restaram rejeitados. Outro tema de real relevo é o da utilização em Processo Administrativo Disciplinar da prova emprestada de um Processo Penal em andamento, envolvendo como parte um Conselheiro de Tribunal de Contas. Sustentamos a tese dessa possibilidade. No entanto, a defesa do conselheiro supostamente acusado na época divergia dessa tese sustentada. Opunha argumentos que a seu ver desbordava da sua legalidade, o que levaria à nulidade dessas provas obtidas pela Polícia Federal em Inquérito Policial que envolvia grandes figuras do empresariado do país. Diversas Autoridades de vários Estados da Federação Brasileira, em face de escutas telefônicas gravadas pela Polícia Federal, de conversas entre os supostos envolvidos naquele escândalo de repercussão nacional, traziam como um deles um Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. DA UTILIZAÇÃO DA PROVA EMPRESTADA DE PROCESSO PENAL EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POSSIBILIDADE Essa foi outra grande questão. No PAD objeto do tema, o Tribunal de Contas havia se utilizado de prova emprestada do processo penal que tramitava no Superior Tribunal de Justiça 114


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contra aquele conselheiro, como um dos fundamentos para decidir diante daquelas provas colhidas, que culminou no seu afastamento do cargo e na aposentadoria compulsória do mesmo. A prova emprestada em causa havia sido solicitada pelo Presidente do Tribunal de Contas à relatora do Processo Penal já referido, ministra Eliana Calmon que, atendendo aquela solicitação, determinou a remessa de cópias do mesmo ao Presidente do Tribunal de Contas de Sergipe. Ditos documentos serviram para instruir o Processo Administrativo Disciplinar em face de conselheiro daquela Corte de Contas, tendo em vista o mesmo ter sido denunciado pelo Ministério Público Federal, cuja denúncia fora aceita pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, transformando o Inquérito Policial em Ação Penal. A defesa do conselheiro por seus advogados no processo administrativo e no processo penal discutiam muito sobre a validade da utilização daquelas provas que haviam sido produzidas pela Polícia Federal na “Operação Navalha”, e pela CGU – Controladoria Geral da União, apontadas irregularidades em diversas obras públicas neste Estado e em outros. Apontou a ministra Eliana Calmon, na ação penal, diversos acórdãos do TCU, segundo, ela, com a constatação da existência de irregularidades, nas obras da adutora do São Francisco, fazendo, inclusive, recomendações para sanar as irregularidades ali apontadas. É de ser esclarecido que o Tribunal de Contas de Sergipe, apenas utilizou-se das provas emprestadas colhidas na APN nº 536/BA, para o processo administrativo disciplinar, porque nele estava supostamente envolvido um conselheiro de sua Corte. É de ser relembrado que no acórdão já referenciado acima, que o Superior Tribunal de Justiça validou no mesmo a utilização de prova emprestada de processo penal em Processo Administrativo Disciplinar em face de conselheiro de Corte de Contas. 115


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DO NOVO JULGAMENTO DO PAD PELO TRIBUNAL DE CONTAS Entretanto, a determinação do Tribunal de Contas que havia impositivamente concluído pelo afastamento do conselheiro do seu cargo, e imposto ao mesmo sua aposentadoria compulsória, sofreu um revés, por decisão do STJ no RMS 36.496/ SE, Rel. Min. Humberto Martins, em razão de ter participado do julgamento feito pelo TC, de um auditor, quando não havia ainda a vacância do cargo daquele conselheiro, determinando, apenas, um novo julgamento, mas, validou todos os seus atos no PAD, como dito anteriormente. O Tribunal de Contas do Estado de Sergipe promoveu um novo julgamento, fato ocorrido em 30/04/2015, nos autos do processo tombado sob o nº 000424/2008. Em face da decisão acima apontada do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas fez um novo julgamento e, o Conselheiro foi aposentado compulsoriamente tendo em vista o Processo Administrativo Disciplinar instaurado na época em que fomos coordenador jurídico do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, e que teve sua conclusão depois de nossa saída daquela Corte. O que tramita na Justiça Federal é a Ação Penal, um processo criminal, que é diverso do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que tratou da aposentadoria compulsória do Conselheiro, por entender que o mesmo teve comportamento incompatível com o cargo quando do seu exercício. São, pois como se sabe, processos diferentes; um é administrativo e o outro é criminal, sendo, com efeito, procedimentos autônomos, independentes, portanto. No plano do Tribunal de Contas, o processo administrativo disciplinar, encontra-se concluído, tendo o Conselheiro sido aposentado, por interesse público, com remuneração compatível 116


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ao tempo de serviço que tinha como servidor público, incorporando, inclusive, o tempo de serviço da iniciativa privada, como permite a legislação de regência. Esse Capítulo representa o estudo do caso concreto do ocorrido no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

ATUALIZAÇÃO DO CONTEXTO DO CASO ATÉ OS DIAS ATUAIS. DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE APROVA A DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS CONSIDERANDO LEGAL O PROCESSO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA 0237/2008 - PROC N°. 2008116276. Tendo o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe considerado que o processo administrativo disciplinar em face de conselheiro tinha seguido todos os procedimentos legais para aposentar o conselheiro em questão, denegando o Mandado de Segurança nº 2008116276, que havia sido impetrado por este, decidiu o STF na Reclamação 8490/SE, que tendo embargos de declaração opostos ao referido acórdão já foram rejeitados, denegado o MS, não mais subsiste a liminar concedida naquela Reclamação, e, a decorrência jurídico-processual é a prejudicialidade, por perda superveniente de objeto, da reclamação constitucional, sendo extinto o processo, conforme se vê do constante na indicada reclamação referenciada. O Recurso Extraordinário nº 821.717/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, que tramitava no STF, não mais tramita na Suprema Corte, tendo em vista pedido de desistência já devidamente homologado. É de bom alvitre, a leitura do Acórdão nº. 20117571, Mandado de Segurança 0237/2008, Processo 2008116276, do TJ-SE 117


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onde consta a manutenção das decisões do Tribunal de Contas atinente ao tema do presente capítulo. Registro a continuidade dessa questão, mesmo após a nossa saída do Tribunal de Contas, nas pessoas do Procurador do Estado, Dr. Marcus Cotrim de Carvalho Melo, bem como do Dr. Marcos Torres de Brito, que me substituiu como coordenador jurídico no Tribunal de Contas. Merece, de igual forma, meu pessoal reconhecimento ao talento do advogado que patrocinou a causa do conselheiro, com a maior competência possível e o brilhantismo que lhe é afeto, merecendo o nosso elogio pelo seu denodo. No curso da demanda, quando o Superior Tribunal de Justiça, em processo de suspensão de segurança nº 1919/SE suspendeu decisão deferida pelo relator do MS 0237/2008, do TJ/SE, que havia deferido liminar contra o Tribunal de Contas, suspendendo a aposentadoria compulsória do Conselheiro, foi manejado por seu advogado a reclamação nº. 8490 MC-AgR-ED/SE, no STF, relator ministro Gilmar Mendes, tendo este suspendido os efeitos da decisão proferida pelo Presidente do STJ, nos autos da SS 1919/SE, de modo a restabelecer a liminar proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe nos autos do MS nº. 0237/2008, mantendo-se, porém, o reclamante afastado de suas funções de conselheiro da Corte de Contas, isto em 10/07/2009. Entretanto, em 08/11/2011, nos autos da Rcl 8490/SE, o ministro Gilmar Mendes, tendo em vista a Petição formulada no STF nº. 79143/2011, juntando aos autos inteiro teor de acórdão do Tribunal de Justiça de Sergipe, que denegou a ordem impetrada pelo conselheiro em causa, no mandado de segurança nº 2008116276 requereu a extinção da reclamação de que se cuida. O ministro pontuou que, verificando que os embargos de declaração opostos ao referido acórdão já foram rejeitados, 118


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nos termos do § 3º do art. 7º da Lei nº. 12.016/2009, denegada a ordem, não subsiste a liminar objeto do pedido de contracautela. A decorrência jurídica processual é a prejudicialidade, por perda superveniente de objeto, da reclamação constitucional e pedido de suspensão que lhe deu causa. Nesses termos, o relator julgou extinto o processo sem resolução de mérito. Havia, entretanto, ainda, no STJ a interposição de um recurso extraordinário nos EDcl no Recurso em Mandado de Segurança nº. 36.496-SE, que foram admitidos e remetidos ao Supremo Tribunal Federal em 04/06/2014. No STF o Recurso Extraordinário tomou o nº. 821.717DF, sendo seu relator o ministro Roberto Barroso. Neste recurso, a petição nº 43219/2015, o seu recorrente desistiu do recurso extraordinário 821717/DF, tendo este pedido de desistência sido homologado, em 15/09/2015, estando ainda pendente para apreciação recurso extraordinário interposto pelo Estado de Sergipe. O nosso alento é que este trabalho possa servir de pesquisa ou como se fosse um Manual para o aprofundamento do tema jurídico aqui abordado no presente capítulo, que retrata o enfrentamento de ondas gigantes e procelosas nas quais o barco do Direito navegou numa Odisseia até chegar ao porto em que chegou, ao final, à legalidade da aposentadoria de um conselheiro, deve-se dar seguindo-se tudo o quanto aqui fora relatado, para que seja considerada legal pelo Poder Judiciário, como ocorreu nesse caso.

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Capítulo III Da Privatização de Estatais no Brasil.

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Da privatização de empresas estatais da União e dos Estados Federados no Brasil. Sua constitucionalidade e legalidade.

Dizem os opositores das privatizações de empresas estatais no Brasil, em primeiro lugar, que esse processo de venda do patrimônio público é inconstitucional e ilegal. Nessa linha, sustentam uma posição ideológica, e não jurídica, a nosso ver, de que a nossa Lei Fundamental não permite que se façam essas privatizações. Nos tribunais, defendem essa posição para impedir que as privatizações de estatais se concretizem, conforme será demonstrado em Capítulo diverso quando trataremos sobre a privatização da Energipe, empresa estatal de energia elétrica já privatizada. Em segundo lugar, alegam, também, que estas privatizações representam um grande prejuízo ao país e aos Estados 120


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Federados, pois se estaria vendendo um patrimônio público que pertence ao povo. Em terceiro plano, verbalizam, também, que o patrimônio da empresa estaria sendo vendido a grupos privados por preço inferior ao seu valor de mercado, contrário, portanto, naquele olhar, aos interesses da coletividade. Com todo respeito aos que assim pensam, deles divirjo, demonstrando, em primeiro lugar, a tese da constitucionalidade das privatizações, sua legalidade, e das vantagens, tanto para o país, quanto para os Estados Federados, inclusive no plano econômico financeiro, o que será oportunamente demonstrado isoladamente, em capítulo próprio, como já dito acima. Afirmamos que o aspecto jurídico primordial da questão é o de que as estatais só podem ser privatizadas ou vendidas por licitação pública, na modalidade de leilões de ações ou de quotas, conforme seja a natureza jurídica da empresa em questão, desde que tenham para isso lei específica que autorize a privatização dessa determinada empresa. A lei específica deve autorizar a privatização de serviços públicos prestados por pessoas jurídicas sob seu controle direto ou indireto, com a outorga de nova concessão. Resolvemos escrever sobre a privatização de estatais como uma das soluções apontadas pelo Governo Federal, recentemente, como contrapartida exigida pela União, para suspender a cobrança de dívidas dos Estados pelos próximos três anos, em decorrência da crise financeira que se estabeleceu no Estado do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, e Sergipe, dentre outros Estados. O Governo Federal, na atualidade, exige que os Estados Federados só consigam empréstimos junto à União se e quando promover a privatização de suas estatais, que inclusive são deficitárias e necessitam de aportes do Tesouro Nacional e 121


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do Tesouro Estadual para sua sobrevivência, sem o qual não se sustentam. Nossa experiência nessa matéria foi adquirida quando se fez a privatização da empresa de energia elétrica de Sergipe (Energipe), onde atuamos no Judiciário em defesa daquela privatização, como advogado do Estado de Sergipe, na condição de seu Procurador. Nessa esteira, a primeira questão levantada é sobre a Constitucionalidade e Legalidade Infraconstitucional, dessas privatizações, tanto no plano Federal, quanto nos Estados Federados, no Brasil. DA CONSTITUCIONALIDADE DAS PRIVATIZAÇÕES DE EMPRESAS ESTATAIS DA UNIÃO. Nossa afirmação quanto à constitucionalidade e legalidade das privatizações tem como fundamento decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1582/DF, Rel. Min. Carlos Velloso. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) havia proposto Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.582-DF, Rel. Min. Carlos Velloso), com pedido de liminar em que sustentava a inconstitucionalidade do art. 27 e seus incisos I e II, da Lei 9.074/95, de 07/07/1995, em face do art. 175, caput, da Constituição Federal, para impedir a privatização de empresas estatais no país, cuja ação foi julgada improcedente em 7 de agosto do ano de 2002. Ao entendimento da OAB, pelos dispositivos impugnados e acima referidos, o leilão de ações ou quotas implica na transferência, via delegação, pelo Poder Público, da concessão ou permissão de serviço público à empresa privada, sem a devida observância constitucional da exigência de licitação prévia para transferência da concessão. 122


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Requereu naquela oportunidade, o Conselho Federal na dita ADIn, medida cautelar para suspender os efeitos do art. 27, I e II, da Lei 9.074/95, tendo esse pedido sido indeferido por unanimidade em 28/04/97, pelo Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária (fls. 51/62). Sustentava, além disto, que o art. 175 da CF/88, não específica qual a espécie ou modalidade de licitação a ser adotada para concessão de serviços públicos. Na oportunidade, a Presidência da República sustentou a constitucionalidade da lei impugnada, afirmando que a alegação de inconstitucionalidade se fundamenta em incorreta interpretação do art. 175, da Constituição Federal, por confundir licitação, gênero que comporta várias espécies ou modalidades, com concorrência pública, que é uma dessas espécies. Por sua vez, a Presidência do Congresso Nacional sustentou a “constitucionalidade dos dispositivos ora impugnados, uma vez que, o inciso I do art. 27 da Lei nº. 9.074/95 socorre-se, em suas previsões, da figura do leilão para viabilizar a venda de quantidades mínimas de quotas ou ações que garantam a transferência do controle societário”. Afirmando ainda que, “Logo, ressalta evidente que o leilão é recurso plenamente válido e legal para o desiderato da norma reputada como inconstitucional, visto que integra, de acordo com a Lei 8.666/93 (e também, como visto, quando vigente o Decreto-Lei nº. 2.300/86) o gênero ‘licitação”. Sustentava ainda, que “o silêncio do art.175, caput, da C.F. no tocante às modalidades de licitação representa a adoção de boa técnica legislativa, na exata medida em que “a especificação e detalhamento de cada modalidade licitatória, bem assim as hipóteses para o regular uso de cada uma delas, é tarefa afeita ao legislador infraconstitucional”. E concluiu, naquela oportunidade, o Presidente do Congresso Nacional, afirmando que “a hipótese abordada pelos 123


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dispositivos impugnados é a venda de quotas ou ações...” de propriedade do Estado, tanto quanto baste para que se perfaça a transferência do controle acionário. Sendo tais bens de natureza móvel, o leilão, em verdade, é, por força de lei (art. 22, § 5º, da Lei 8.666/93, a modalidade licitatória correta para que se perfaçam tais alienações”. A norma objeto da arguição de inconstitucionalidade foi o art. 27, I e II, da Lei nº. 9.074/95, “que trata a privatização de pessoa jurídica sob controle direto ou indireto da União, prestadora de serviço público, com a outorga de nova concessão ou com a prorrogação das concessões existentes, salvo quanto aos serviços de telecomunicações, poderá ser feita na modalidade de leilão, observada a necessidade da venda de quantidades mínimas de quotas ou ações que garantam a transferência do controle societário. Poderá a União fixar, previamente, o valor da quota ou ações de sua propriedade a serem alienadas, e proceder a licitação na modalidade de concorrência” (In Voto do Ministro Carlos Velloso, Relator da ADI 1.582/DF). A norma impugnada naquela ADIn, é o art. 27, I e II, da Lei nº. 9.074/95, que tem a seguinte redação: “Art. 27. Nos casos em que os serviços públicos, prestados por pessoas jurídicas sob controle direto ou indireto da União, para promover a privatização simultaneamente com a outorga de nova concessão ou com a prorrogação das concessões existentes, a União, exceto quanto aos serviços públicos de telecomunicações, poderá: I- utilizar, no procedimento licitatório, a modalidade de leilão, observada a necessidade da venda de quantidades mínimas de quotas ou ações que garantam a transferência do controle societário; II- fixar, previamente, o valor das quotas ou ações de sua propriedade a serem alienadas, e proceder a licitação na modalidade de concorrência. (...)”. 124


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Não obstante, haja muitos opositores, ao processo de privatização de estatais no Brasil, apontando sua inconstitucionalidade e ilegalidade, é de se dizer que, tal oposição no plano jurídico da constitucionalidade, já se encontra superada desde o ano de 2002, quando o Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre sua constitucionalidade na já referida ADIn. 1.582/ DF, que tem a seguinte Ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.582-6 DISTRITO FEDERAL EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRIVATIZAÇÃO. VENDA DE AÇÕES: LEILÃO. Lei 9.074/95, art. 27, I e II. C.F., art. 175. Lei 8.666/93, arts. 3º e 22. I. – Constitucionalidade do art.27, I e II, da Lei 9.074, de 7.7.95, por isso que a Constituição Federal estabelece, no art. 175, que a concessão e a permissão para a prestação de serviços públicos serão precedidos de licitação e o conceito e as modalidades da licitação estão na lei ordinária, Lei 8.666/93, artigos 3º e 22, certo que o leilão é modalidade de licitação (Lei 8.666/93, art.22). II. – Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. Brasília, 07 de agosto de 2002. Ilmar Galvão – Presidente. Carlos Velloso – Relator”. Colho do Voto do Ministro Carlos Velloso, o que assentou naquela oportunidade: “Com acerto, opina a Procuradoria-Geral da República, no Parecer oferecido pelo Professor Geraldo Brindeiro: (...) 5. Os dispositivos legais atacados na peça exordial não contrariam a Constituição da República. 6. Não se vislumbra afronta ao preceito constitucional inserto no artigo 175 da Carta Política (‘Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, 125


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a prestação de serviços públicos’). O equívoco presente na arguição de inconstitucionalidade reside na confusão entre gênero e espécie. Com efeito, licitação entendida como ‘procedimento administrativo mediante o qual a administração pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse’, é gênero do qual o leilão é espécie. De fato, a licitação compreende diversas modalidades: concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão, bem assim o recente pregão. 7. Destarte, quando o texto constitucional determina que a concessão ou permissão de serviço público se faça sempre por meio de licitação, sem pormenorizar a espécie pela qual ela se efetive, deixa espaço ao legislador ordinário que a estabeleça, com vistas ao interesse público, a modalidade a ser observada. É o que ocorre no caso em exame. O detalhamento acerca da modalidade licitatória coube ao legislador infraconstitucional, a tarefa da qual se desincumbiu com a edição da lei ora atacada. 8. Diga-se, por oportuno, que a Lei Maior não estabelece qual a modalidade a ser observada, no que tal escolha resta delegada às normas infraconstitucionais, observando-se mormente o interesse público e os princípios pelos quais deve pautar-se a Administração Pública na contratação com particulares. Ainda, impende sublinhar que a fixação da modalidade de leilão coaduna-se com as disposições contidas no inciso V e no § 5º, ambos do art. 22 da Lei n° 8.666/93 (...)”.

É de bom alvitre, ainda, para deixar bem esclarecido sobre a constitucionalidade das privatizações, o que colhemos do Voto do Ministro Carlos Velloso, a saber: “(...) Quando o Supremo Tribunal Federal, unanimemente,

indeferiu a cautelar, os eminentes Ministros Marco Aurélio, então relator, e Nelson Jobim, acentuaram: O Ministro Marco Aurélio: 126


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“(...) A Carta Federal não define, em si, a modalidade a ser observada. Apenas indica como próprio o procedimento gênero que é o da licitação. (...) Atente-se para o objetivo visado pela norma constitucional, que outro não senão, em certame no qual guardada absoluta equidistância, venha-se, em face à participação igualitária de terceiros, chegar-se à concessão ou permissão, afastando-se, destarte, tratamento diferenciado e passível de contrariar interesses públicos. Quer a alienação do controle acionário ocorra via leilão, quer mediante concorrência (incisos I e II do artigo 27 da Lei nº 9.074/95), tem-se a respeito à norma constitucional indicadora da necessária adoção do processo licitatório”. O Ministro Nelson Jobim: “(...) O problema citado, examinado e enfrentado pela Lei 9.074, especificamente pelo art. 27 e seus incisos, diz respeito à privatização de pessoa jurídica sob controle direto ou indireto da União, que presta serviço público, cujo valor de mercado da empresa tenha como elemento integrante os próprios serviços públicos prestados. A solução dada pela lei foi exatamente uma licitação, de acordo com a linha do art. 175 da Constituição, que envolva, simultaneamente, o controle da empresa e a outorga ou prorrogação da concessão. É a única forma de uma empresa pública, exploradora de serviço público, ser privatizada. Uma vez respeitado o processo de licitação para outorga do serviço público, evidentemente só há o caminho do leilão ou da concorrência. (...) A exigência constitucional é a licitação para a outorga do serviço público. Cabe ao legislador ordinário a fixação das modalidades da licitação. Em face das circunstâncias específicas do caso, ele o fez de acordo com o art. 27 da Lei 9.074, exatamente dentro dos parâmetros constitucionais – ou seja, a licitação -, estabelecendo-se uma das duas modalidades: concorrência ou leilão”.1.582-6/DF, foi julgada improcedente e declarado pelo STF a constitucionalidade do art. 27, incisos I e II, da Lei 9.074 de 07/07/1995. 127


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Como se vê, o Supremo Tribunal Federal já assentou a legalidade e a constitucionalidade da privatização de empresas estatais no Brasil. DA CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DAS PRIVATIZAÇÕES DE EMPRESAS ESTATAIS DOS ESTADOS FEDERADOS. Os Estados Federados quando forem tratar de privatização de suas estatais, devem, obrigatoriamente, seguir os princípios da legislação federal anteriormente referida quando se tratou da privatização de bens ou serviços da União. Tem que seguir o que dispõe a Constituição Federal, a Constituição Estadual, elaborando uma lei ordinária específica que autorize a privatização da empresa desejada. Isso se dá em face do “Princípio da Simetria Constitucional”. Tal princípio é aquele fixado na Constituição Federal, que exige que os Estados e o Distrito Federal adotem, em suas Constituições, os fundamentos e as regras de organização existentes na nossa Lei Fundamental, principalmente no que tange à estrutura de governo, à forma de aquisição e exercício do poder, bem como à organização de seus órgãos, e aos limites de sua atuação. Aplicando-se esses mesmos princípios nas Leis Orgânicas dos Municípios que é como se fosse a Constituição destes. A base legal para qualquer privatização é essa, para se evitar que se faça nas batalhas judiciais que normalmente são travadas em juízo por aqueles que pensam não ser a privatização o melhor caminho a ser seguido.

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DA PRIVATIZAÇÃO DA ENERGIPE - BASE LEGAL. Em Sergipe, quando se fez a privatização da Energipe, a empresa estatal de energia elétrica, seguiu-se a orientação apresentada anteriormente. O Governo do Estado da época enviou um Projeto de Lei à Assembleia Legislativa, juntando a este Projeto um Parecer Técnico da Secretaria de Planejamento, mostrando da viabilidade financeira da privatização tendo em vista que o Estado não possuía condições financeiras para investir naquela estatal e que a mesma, além de não prestar um bom serviço à coletividade, era deficitária. Daí aquele Projeto de Lei deu origem à Lei Estadual Nº. 3.725/96, que dispõe sobre a Privatização da ENERGIPE. Esta Lei instituiu o Programa de Reforma do Estado, e deu providências correlatas, fixando na parte final de sua ementa que anuncia tratar-se de lei específica para autorizar a privatização da ENERGIPE, tanto que – no corpo mesmo da referida lei – há o seguinte dispositivo:

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“Art. 3º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a proceder, obedecidas as normas contidas nesta Lei, às ações necessárias para: I - abertura do Capital da ENERGIPE a investidores particulares e alienação de participação societária do Estado ao setor privado e agências de financiamento e investimentos”.

Veja o que disse o Relator da Apelação Cível nº. 284.856/ SE do TRF-5ª Região, quando do seu Voto desconstituindo Sentença do Juízo Federal de Primeiro Grau que havia impedido a privatização da ENERGIPE, acolhendo aquela a tese de que a Lei em questão não era específica: “Como se percebe de uma leitura mais atenta do art. 25, inciso XIV, da Constituição daquele Estado, os critérios de comprovação de relevante 129


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interesse público em parecer fundamentado do órgão estadual de planejamento, constante da parte final do dispositivo se refere – apenas e tão somente – à aprovação da lei específica pelo Poder Legislativo daquele Estado, jamais pelo Poder Judiciário”. E, continuando, afirma em outro giro no seu Voto o que se lê: “(...) sem, em nenhum momento, examinar qual o pretenso prejuízo econômico trazido para o patrimônio público com essa privatização, com o que deixou de apreciar – na forma recomendada pela doutrina e exigida pela jurisprudência, como acima comentado – a ocorrência da lesividade, quando, na esteira de um dos inúmeros precedentes transcritos, exatamente o último: “A Lei nº 4.717/65 condiciona a declaração de nulidade dos atos administrativos à conjunção de dois requisitos: a irregularidade e a lesão ao Estado”. A base legal da privatização da ENERGIPE se encontra na Lei Estadual nº 3725/96, no art. 25, inciso XIV, da Constituição do Estado de Sergipe, além do art. 5º, inciso XXI, da Constituição Federal. Tanto o Tribunal Regional Federal da 5ª Região quanto o Superior Tribunal de Justiça julgaram que a privatização da ENERGIPE foi legal e constitucional, conforme se vê da decisão proferida na Apelação Cível nº. 284.856/SE do TRF-5ª Região, em seu acórdão que teve como Relator o Desembargador Federal Francisco Wildo, bem como no STJ, no Recurso Especial nº. 861.433/SE Relator Ministro Francisco Falcão. No plano Federal, a constitucionalidade das privatizações já foi definida pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1.582/ DF, Rel. Carlos Velloso.

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Capítulo IV Da Privatização da Energipe.

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Legalidade e Constitucionalidade. A Batalha Jurídica nos Tribunais. Sua História.

Resolvi escrever sobre a matéria, tendo em vista a situação de calamidade financeira vivida atualmente pelo Estado Brasileiro como um todo, não fugindo a essa regra, o Estado de Sergipe. As privatizações servem ao nosso olhar como de ajuda ao País para uma das questões dos Estados Federados, que é o de suas estatais ineficientes. Mostramos aqui, da legalidade e da constitucionalidade que já se firmou, quando se fez ao final, a privatização da Energipe. O Poder Judiciário confirmou a privatização da Energipe, não obstante a oposição a esta pelas chamadas esquerdas de Sergipe que ficaram vencidas nos tribunais. 131


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Essa é sua história para que não se perca o nela contido, e por mim sustentado na sua defesa, como Procurador do Estado na ocasião! Em Sergipe, temos ainda, duas estatais, o Banco do Estado de Sergipe (BANESE), e a DESO, que presta serviços no campo de fornecimento de água e tratamento de esgotos. Essa é, portanto, uma colaboração jurídica que prestamos ao escrever sobre esse tema. É preciso, porém, que se faça uma avaliação real do preço de qualquer uma estatal, por um Sistema Nacional e Internacional, para que o bem público possa ser vendido pelo seu valor real de mercado, considerando que a água no futuro será tão importante quanto o petróleo tem sido até o momento. Somos favoráveis à privatização dessas estatais em razão da ineficiência do Estado como gestor, das Diretorias presenteadas aos políticos sem a devida competência, e da corrupção que se vê quando a Polícia Federal começa a fazer investigações internas nessas estatais, como ocorre no momento no país, na Operação Lava Jato. Todavia, o Estado não deve abrir mão de fazer uma dura Regulamentação dos serviços, inclusive quanto aos investimentos obrigatórios na infraestrutura e com a previsão da existência de uma cota mínima nos preços do custo da água, com a garantia mínima, desse preço social nessa linha de sua distribuição aos mais pobres, que deve ser subsidiado pelos mais ricos. Antes de se adentrar especificamente no que foi a batalha jurídica travada no Poder Judiciário, para se fazer a privatização da Energipe, faz-se necessária a demonstração de que tal fato tinha como seus defensores aqueles que pensavam numa economia liberal de mercado. E, como seus opositores, aqueles que tinham um pensamento ideológico de esquerda, com um viés voltado para a 132


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estatização dos meios de produção que, ao seu entendimento, devem pertencer ao Estado como unidade política. Defendiam que a estatização é o que há de melhor para o Brasil, não obstante estas só produzam, na maioria delas, déficits para o país e altos preços dos seus serviços, sem qualquer benefício direto ao cidadão comum. Vejamos os preços da gasolina para o cidadão no Brasil. As Estatais são quase sempre deficitárias, portanto, não dão lucro, e o prejuízo que ocasionam anualmente é suportado pelo próprio povo, via tarifas, impostos, e preços exorbitantes dos seus produtos e serviços. A então Energipe, hoje denominada Energisa, e que se encontra nas mãos da iniciativa privada desde dezembro de 1997, seria hoje uma estatal quebrada, se não tivesse sido vendida pelo Estado de Sergipe, em Leilão Público na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, pelo então Governador Albano Franco, seu artífice. A Energipe foi privatizada, com as ações vendidas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, sendo, adquirida pelo grupo mineiro Cataguazes-Leopoldina, que comprou seu Capital, por mais de R$ 577 milhões de reais, com ágio de 96,06% sobre o preço mínimo de sua avaliação, superando os demais competidores que haviam se candidatado a participar daquela venda por licitação pública. Na época foi o maior ágio obtido em um leilão de privatização do setor elétrico brasileiro (Fonte: Jornal do Estado de São Paulo, data, 04/12/1997, Coluna de Suzana Santos e Mônica Magnavita - ENERGIPE é vendida com ágio de 96,06% ). A BATALHA JURÍDICA DA PRIVATIZAÇÃO DA ENERGIPE Estamos a falar de algo que aconteceu em 1997, portanto, decorridos mais de 20 anos, até aqui, em janeiro de 2017, 133


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quando escrevo sobre o processo judicial que culminou com a privatização da Energipe. Participei na defesa da sua privatização como já disse na condição de Procurador do Estado de Sergipe, perante o Poder Judiciário em razão de ações que foram propostas na Justiça Federal para impedir sua realização. Os opositores da privatização tinham, na época, pensamento econômico, político e jurídico diverso do nosso; como tal de matiz sindicalista, porque acreditavam que o melhor para Sergipe seria a preservação de estatais, acreditavam nisso, uma opção do livre pensar, que respeito, mas que se vem mostrando equivocada no país! Não sei se aqueles, diante da realidade do mundo atual, continuam a pensar como pensavam naquela época. A AÇÃO POPULAR. LEGITIMIDADE DO CIDADÃO. Foi esse o tipo jurídico de ação a escolhida para tentar evitar que a privatização da então Energipe fosse concretizada. Dita ação é um grande e valioso instrumento jurídico, posto à disposição do cidadão, enquanto eleitor, como parte legítima e ativa, para propor esse tipo de ação no exercício do seu direito cívico. Serve para atacar atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, praticados pelos gestores da administração governamental, no seu sentido mais amplo, quando ficar provado que o interesse público foi violado. A nosso ver, esse não era o caso da privatização da Energipe, que tinha amparo legal e constitucional como será oportunamente demonstrado.

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Este tipo de ação está prevista no inciso LXXIII, do art. 5º, da Constituição Federal, que prescreve textualmente:

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“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

A Lei de regência da Ação Popular no seu o art. 1º – LAP (Lei 4.717, de 29.6.1965) estabelece que “qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos”. O Autor da Ação era um cidadão, portanto, tinha legitimidade de ser parte, para sua propositura tendo em vista que agia nessa qualidade e atendia, também, outra exigência, qual seja a de ser eleitor (Súmula 365 do STF). Na atualidade, o STF temperou a exigência da ilegalidade e lesividade, assentando que basta a ilegalidade, dispensada a lesividade, que se presume (Precedente: RE 120.768/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão). A posição da Doutrina não discrepa desse entendimento, conforme se vê da posição de Luiz Roberto Barroso, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, que transcrevo, na parte específica “(...) Ultimamente a jurisprudência tem se orientado no sentido de que basta a demonstração da ilegalidade, dispensada a lesividade, que se presume” (Cadernos 135


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de Direito Constitucional e Ciência Política – Ação Popular e Ação Civil Pública: Aspectos comuns e distintivos – julho – set – 1993, nº. 4, pág. 236). O PARECER JURÍDICO DE UM PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA UNIVESIDADE FEDARAL DE SERGIPE ERA CONTRÁRIO À PRIVATIZAÇÃO DA ENERGIPE, E SUSTENTAVA SUA INCONSTITUCINALIDADE. Defendia o Parecer em questão, em substanciosas 56 laudas, que se encontram nos Autos do Processo Nº. 970006324-0 Ação Popular - que tramitou perante a 2ª Vara da Justiça Federal do Estado de Sergipe, folhas 49/104, que havia a presença naquele processo de privatização, de inconstitucionalidade e ilegalidade, por não haver Lei Específica, ou seja, monotemática que autorizasse a privatização da Energipe, era o que sustentava. Isso significava, no pensar do ilustre professor, que a Lei em causa deveria ter um só conteúdo fático e que não comportava assuntos correlatos, como teria ocorrido ao seu entender com a Lei Estadual nº. 3.725/96, que tratava da Privatização em questão. A nosso ver, a sustentação, de ser dita Lei eivada de inconstitucionalidade, não procedia; a tese era “um véu” político, um pano de fundo ideológico, de pensamento socialista de esquerda, que na sua substância é contrário a qualquer privatização, na sua essência, quando se fez a privatização da Energipe em 1996, que respeito, pelo senso crítico em defesa do livre pensar! Entretanto, no governo Lula, a realidade das privatizações chegou também ao seu governo, não obstante como o nome de “Concessões”, a exemplo das Concessões de Florestas Públicas para a produção sustentável, à iniciativa privada, como contido na Lei 11.284/2006, que dispõe sobre a gestão destas florestas. 136


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Também deu prosseguimento ao sistema de privatizações que haviam sido iniciadas com Fernando Henrique Cardoso, não obstante com o nome de Concessões, eis que demonizaram sempre a expressão “privatização”. O governo de Dilma Rousseff, no ano de 2015, diante da crise já instalada no país, resolveu também fazer privatizações, usando, entretanto, o nome de Concessões, para entregar à iniciativa privada obras em portos, aeroportos, rodovias e estradas, como um novo plano de seu governo. Entretanto, em 1996, quando ocorreu a privatização da Energipe, não era do pensamento daquele partido ser favorável às privatizações. Naquela época, defendiam somente um viés socialista, talvez esta tenha sido a motivação para que o citado professor constitucionalista, que emitiu Parecer contrário à privatização da Energipe, tivesse defendido aquela posição, pelos vínculos político-ideológicos que sustentava. Dizíamos nós que a tese defendida e sustentada no Judiciário se baseava, como sempre acontece nesses casos, em filigranas jurídicas que visavam supostamente impedir a realização da mencionada privatização sob a alegação da inconstitucionalidade da Lei que autorizou a privatização daquela estatal, e do prejuízo que o Estado teria, eis que seu preço não acompanhava o valor real de mercado daquela estatal, mas, não apresentavam qual seria o preço justo para a venda daquela empresa. Entretanto, a nosso ver, a Lei era constitucional, e isto ficou demonstrado, ao final do processo judicial, pelas decisões do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que reformou a sentença do Juiz Federal que havia impedido inicialmente a realização da citada privatização da Energipe através de uma liminar. Ficou também provado nos autos que justo teria sido o preço da venda, eis que atingiu números superiores aos de sua avaliação. 137


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Posteriormente, a sentença de mérito do Juiz Federal que dirigiu o processo fora a confirmação da Liminar anterior, quanto ao mérito, decidindo pela anulação da privatização que já havia, inclusive, sido realizada em face de Decisão Liminar do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O Tribunal Regional Federal, anteriormente citado, considerou constitucional, e legal todo o processo de privatização daquela empresa, hoje denominada Energisa, tendo dita decisão sido mantida pelo Superior Tribunal de Justiça. Com toda vênia, ao saber do ilustre professor, que honra as tradições jurídicas da cultura sergipana, e também nacional, ficou, no entanto, judicialmente provado que este estava, com todas as vênias que merece, equivocado na tese que defendera. Admirado e festejado por todos, inclusive por mim, mas, ao meu livre pensar, fundamentado nas razões e argumentos anteriormente expendidos neste capítulo, dele discordei, sustentando nos Tribunais minha posição, que repasso para estas páginas, por ter sido este, um dos casos emblemáticos de minha carreira profissional, como advogado público. Sustentei no Judiciário, tese diversa daquela do citado professor, sobre aquele caso, com fundamentos e argumentos jurídicos lançados na contestação feita na ação proposta, que representava pensamento diverso do mestre, bem como das razões assentadas no nosso recurso de apelação contra a decisão de 1º Grau do Juiz Federal de Sergipe, que havia impedido a privatização daquela empresa. Isso não sombreia o livre pensar daquele professor, nem suas ideias, que respeito, mas, que delas, nesse ponto especifico discordei, ante tudo quanto aqui escrevo nesta assentada. Em específico, quanto à legalidade e à constitucionalidade da privatização da Energipe, como está escrito na Contestação que subscrevemos e que se encontra às folhas 469/496, dos 138


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autos da referida ação popular e nos recursos subsequentes, que poderão servir aos interessados sobre a matéria no seu plano técnico-jurídico, como fonte científica de pesquisa. Sustentamos, naquela contestação, que o Parecer que o embasava, trazia aos autos fundamentação política e ideológica, para justificar sua fundamentação jurídica da qual lançamos nossa divergência, mantendo, entretanto, o máximo respeito ao seu autor, por seu pensar contrário ao meu. Mostramos da legalidade da privatização, desenvolvida em conformidade com o art. 5º, inciso XXI, da CF/88, e do art. 25, inciso XIV, da Constituição do Estado de Sergipe, e especificamente, da Lei Estadual nº. 3.725, de 23 de maio de 1996, específica para o caso concreto. Ficou demonstrado que a Lei 3.725/1996, que cuidava da privatização da Energipe era Lei Específica, diversamente do que pensava o Parecer em questão, que entendia que referida lei não poderia tratar em seu bojo da reforma do Estado como um todo, pois, a seu ver teria que ser monotemática no pensar do festejado professor. Diversamente do seu ponto de vista, dissemos nós, que a lei em questão era específica, pois essa especificidade está no objeto do que ela tratava; se fosse se atender ao Parecer em questão, no plano do Governo Federal, que tinha na época em torno de quinhentas estatais, seria necessário mandar para o Congresso Nacional mais de 500 Projetos de Lei para se fazer as privatizações. Só assim se obteria uma Lei Individual, para a privatização de cada empresa estatal; não se privatizaria nunca no Brasil. Era algo profundamente burocrático e sem razoabilidade que não se podia sustentar pela práxis jurídica constitucional que nós sustentávamos. Nas discussões desses projetos, ao final, não se privatizaria empresa nenhuma, vez que as discussões legislativas seriam sem 139


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fim, e isso feriria de morte o princípio da economicidade prevista no art. 70, da CF/88, e da razoabilidade. Ao nosso entender, o autor da ação popular confundia o significado do vernáculo de especificidade com quantidade, e, assim fazendo, no mundo das quantidades, não se atina para o princípio da economicidade que tem no seu âmago a relação de custo benefício, que é a síntese das condições com critérios ensejadores de obtenção de resultados, em harmonia com os fins públicos. Isto é o que é ser específico, ao nosso pensar discordante daquele. A lei é específica, sustentávamos, quando no seu parágrafo único do art. 3º, autoriza ao Governador do Estado a abrir o capital da Energipe a investidores particulares e a alienar a participação do Estado nessa empresa ao setor privado. Maior especificidade, impossível! A lei é especifica também, quando registra no seu art. 3º, o que é considerado desestatização para efeitos desta lei, a alienação, pelo Estado, de direitos que lhe asseguram, diretamente ou através de empresas mantidas ou controladas, preponderâncias nas deliberações societárias e poder de eleger a maioria dos respectivos administradores, bem como a alienação das participações minoritárias diretas e indiretas do Estado, no capital social e quaisquer outras sociedades (art. 2º, § único da Lei 3.725/96). A lei é específica, de igual forma, quando faz presente no seu art. 3º, estabelecendo nos seus incisos que a desestatização será executada mediante as seguintes formas: (i) – alienação de participação societária, inclusive de controle acionário; (ii) – abertura de capital; (iii) - aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direito de subscrição; (iv) – transformação, incorporação, fusão ou cisão; 140


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(v) – alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens, direitos instalações; (vi) – dissolução da sociedade ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a consequente alienação de seus ativos.

Além da especificidade que acima se contém, a lei em causa, é ainda por redundância, igualmente específica, quando no seu inciso I, do parágrafo único do seu artigo 3º, diz textualmente:

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“Art. 3º - A desestatização será executada mediante as seguintes formas: (...) Parágrafo único – Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a proceder, obedecidas as normas contidas nesta Lei, as ações necessárias para: I – abertura do Capital da ENERGIPE a investidores particulares e alienação de participação societária do Estado ao setor privado e agências de financiamento e investimentos”. Especificidade maior, do que está contida na Lei, é impossível.

Outro equívoco do autor da ação popular foi o dizer que não havia Parecer fundamentado sobre a desestatização do órgão estadual de planejamento, comprovador do relevante interesse público na desestatização ou privatização das estatais sergipanas, a exemplo da Energipe. O Parecer em causa existe, e encontra-se anexado ao Projeto de Lei nº. 11/96, de 13 de março de 1996, que deu origem à Lei 3.725/96, conforme se vê do Ofício nº. 165/96, do então Secretário de Estado de Planejamento e da Ciência e Tecnologia da época, e dirigido ao então Presidente da Assembleia Legislativa, conforme do Ofício que se encontra às folhas 497/509, da referida Ação Popular, e da Declaração de folhas 510, da Assembleia Legislativa, confirmando a sua existência. Não obstante essa nossa sustentação jurídica, o Magistrado que presidiu o Processo Originário, na Segunda Vara Federal 141


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de Sergipe, concedeu Liminar suspendendo o Leilão da privatização, criando-se, com isso, grandes dificuldades na área do Governo, mas esse era seu livre convencimento, direito assegurado ao magistrado. Imediatamente, elaboramos, na Procuradoria-Geral do Estado, Pedido de Suspensão de Liminar (SL 1836-SE) - Proc. nº. 0042762-60.1997.4.05.0000 - tendo como requerente o Estado de Sergipe e requerido o autor da ação. O Estado foi representado em Recife na distribuição desse Pedido em 02/12/1997, tendo o mesmo sido deferido pelo Presidente do TRF-5ª Região, em decisão de 04/12/1997, às 14h45, conforme consta dos autos daquela ação popular.

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Este fato ensejou a realização do Leilão no dia determinado, graças também ao trabalho da Procuradora do Estado, Lucia Maia, naquela oportunidade, que retornou para Aracaju, trazendo em mãos a suspensão da liminar concedida pelo Desembargador Federal Presidente do TR-5ª Região, que havia permitido a realização do Leilão da Energipe na Bolsa de Valores no Rio de Janeiro. A SUSPENSÃO DA LIMINAR FOI ENTREGUE AO GOVERNADOR O Governador do Estado de Sergipe, com isso, compareceu ao local da realização do leilão, sendo esta uma grande vitória jurídica naquela oportunidade da Procuradoria-Geral do Estado de Sergipe, na pessoa do seu Procurador-Geral, Dr. Roberto Eugênio da Fonseca Porto, de quem éramos o Procurador-Chefe de sua Assessoria Jurídica e que nos deu “carta branca” na condução daquela privatização no Poder Judiciário. Posteriormente, após a realização do leilão, e a venda da Energipe, o Juiz da Segunda Vara Federal de Sergipe, na 142


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indicada ação popular (Proc. nº. 00063244619974058500), proferiu sentença de mérito anulando a venda da Energipe.

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Essa foi outra Batalha. A sentença do Juiz da 2ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, que se encontra nos autos da ação popular já referenciada, às folhas 942/947, julgou a ação procedente para declarar a nulidade de todo o processo de privatização da Energipe, como requerido pelo autor daquela ação. DA APELAÇÃO PARA O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL Sustentamos, na apelação, tudo quanto havia sido deduzido anteriormente na contestação, cujos fundamentos para pesquisa dos interessados encontram-se às folhas 969/994, dos autos da ação popular, que está arquivada na Justiça Federal, na sua 2ª Vara. Quando da apelação do Estado de Sergipe, fizemos juntar, naquela oportunidade, o Parecer n°. 15/98, da Procuradoria-Geral de Justiça, da lavra do Dr. Darcilo Melo Costa, Procurador de Justiça, datado de 05 de março de 1998, proferido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 02/97, que tinha como autora a OAB-SE, como prova emprestada, ante seus fundamentos que se abraçava com os meus. Dita ADin tramitou no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, na época, cuja pretensão do seu autor visava impedir a licitação para a alienação da Energipe, sob a alegação de inconstitucionalidade da Lei nº. 3.725/96, proibindo o leilão da desestatização da Energipe. Tinha como base, também, o mesmo parecer técnico-jurídico, do eminente professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Sergipe, um dos mais brilhantes de Sergipe, tendo o citado parecer sido utilizado na mesma linha daquela utilizada na Ação Popular. 143


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O Parecer do Ministério Público Estadual, na indicada ADin, acatou a tese sustentada pelo Estado de Sergipe, por nosso intermédio, de que não fora demonstrado que a Lei em questão tenha violado dispositivo algum da Constituição Federal ou da Constituição do Estado de Sergipe, concluindo por sua improcedência, por não ser inconstitucional a Lei nº. 3.725, de 23 de maio de 1996. O Parecer da PGJ encontra-se nos autos da ação popular, às folhas 995/1006, daqueles autos. Registro para a História que dita ação popular foi manejada, tendo como seu advogado um jovem brilhante, que posteriormente se tornou Presidente da OAB-SE, sendo eleito em três oportunidades, para conduzir os destinos daquela Instituição. A ação popular fora protocolada, em 01/12/1997, perante a 2ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal de Sergipe, (Proc. nº 97.0006324-0), contra a União Federal, Eletrobras, BNDES, o Estado de Sergipe, e a própria Energipe, tendo como seu autor um jovem e idealista advogado que chegou a eleger-se, por méritos próprios, da família e de uma vasta gama de amigos ligados à Igreja Católica a Deputado Federal, pelo Estado de Sergipe. Os nomes de todas as pessoas ligadas ao processo da privatização não estão sendo explicitados, tendo em vista o pensar do escritor que deva preservar suas identidades e privacidades, tendo em vista que a falta desses dados não causa qualquer prejuízo à parte técnica-jurídica do texto. SUSPENSÃO DE LIMINAR EM AÇÃO POPULAR Nº. 1836/SE. Entretanto, o leilão foi realizado diante de decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que determinou a suspensão da liminar anteriormente concedida pelo Juiz Federal citado, que havia impedido sua realização. 144


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SUSPENSÃO DE LIMINAR EM AÇÃO POPULAR Nº. 1830/SE. A União Federal, que era também parte na ação popular, pleiteou como houvera feito o Estado de Sergipe, em outro momento diverso, ao Presidente do TRF-5ª Região, com fundamento no art. 4º, da Lei Federal nº 8.437/92, a suspensão da liminar concedida anteriormente nos autos de outra ação popular acima referenciada (fls. 205/209, da ação popular). A outra ação popular, Processo nº. 97.6323-2-classe 05026, foi proposta por um cidadão ligado ao sindicalismo do PT, cuja liminar pedida foi indeferida pelo Juiz da 1ª Vara, conforme se vê em cópia que reside às folhas 456/459, dos autos da 1ª ação popular proposta.

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A CONTESTAÇÃO FEITA PELO ESTADO DE SERGIPE NA AÇÃO POPULAR. A contestação sustentava da legalidade da privatização, da plena regularidade do leilão, em face da existência de lei específica (Lei 3.725, de 23 de maio de 1996), que atende ao disposto no inciso XIV, do art. 25, da Constituição do Estado de Sergipe, esta última que se transcreve para sua conferência, in verbis: “Art. 25 - ... XIV – a criação, transformação, fusão, cisão, incorporação, privatização ou extinção da empresa pública, autarquia, sociedade de economia mista ou fundação pública, assim como de suas subsidiárias, dependerão da lei especifica aprovada pela Assembleia Legislativa, após obedecidos os critérios de comprovação de relevante interesse público em parecer fundamentado do órgão estadual de planejamento;”

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A tese da contestação à ação popular, em contraponto ao sustentado naquela ação, era a de que a Lei 3.725/96 era Lei Específica, posto que no seu inciso I, do parágrafo único, do seu art. 3º, diz textualmente essa especificidade, conforme se vê in verbis: “Art. 3º - A desestatização será executada mediante as seguintes formas: (...) Parágrafo único - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a proceder, obedecidas as normas contidas nesta Lei, as ações necessárias para: I- abertura do capital da ENERGIPE a investidores particulares e alienação de participação societária do Estado ao setor privado e agências de financiamento e investimentos”.

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Especificidade maior do que essa assinalada na Lei da Privatização é impossível de existir. SENTENÇA NA AÇÃO POPULAR FOI JULGADA PROCEDENTE PELO JUIZ DA 2ª VARA FEDERAL. Não obstante, como demonstrado anteriormente, a Lei Estadual 3.725/96, já indicada, e objeto da ação em questão, foi considerada pela sentença do Juiz Federal em Primeiro Grau, como sendo uma lei não específica. Ao seu ver, a Lei não tratava da privatização da Energipe em primeiro plano, e que não era a privatização dessa empresa o seu ponto primordial. Aqui, a nosso entender, o primeiro equívoco cometido pela sentença de folhas, com a vênia devida. Sustentava a Sentença, que o ponto primordial da lei em exame é o Programa de Reforma do Estado, escrevendo às folhas 944 dos autos, o que se lê: “(...) Somente no inc. I do parágrafo 146


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único do art. 3º é que, enfim, vem a autorização da privatização da Energipe, ...” Como se vê, há um contrassenso entre o que se tem como fundamento da sentença e o que afirma a própria sentença, na expressão acima: “(...) enfim, vem a autorização da privatização da Energipe”. Ora, é a própria sentença, portanto, que reconhece expressamente ter havido autorização para privatização da Energipe como está consignado no inciso I, do parágrafo único do art. 3º, da Lei 3.725/96, embora, tenha o contrassenso de sustentar que, mesmo havendo esta autorização, não se tratava de lei específica. Sustentava a sentença em foco que, não obstante estar expressa autorização da privatização da Energipe indicada na referida lei, mesmo assim, entendia aquela, que não se tratava de lei específica, porque a privatização proclamada não era o ponto primordial da lei em foco, mas, apenas, um meio a ser tomado para a consecução dos objetivos daquele diploma legal. Entendendo a sentença de piso, com efeito, que a lei em questão não era específica porque não era o ponto central da lei, como houvera sustentado o parecer jurídico do já citado professor, dando-lhe razão. A nosso ver, se tratava de uma firula jurídica, ou a busca inteligente de procurar encontrar, como se diz popularmente, à falta de algo sustentável, para com isso, evitar a privatização da Energipe. Claro que a lei era e é específica, pois essa especificidade está no objeto tratado por esta, que era a privatização da Energipe como estava especificamente normatizado na lei indicada. Nosso entendimento se sustentava no voto do eminente ministro Ilmar Galvão, proferido na ADin 562/DF, que transcrevo no ponto, trazendo-o à colação o que fora escrito naquela oportunidade: 147


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Sustentamos, nessa mesma linha, em grau do recurso de apelação, trazendo também à colação, a posição do jurista Marcos Juruena Vilela Souto, o que afirma em seu livro sobre desestatização, privatização, concessão e terceirização, terceira edição, nas páginas 28 e 29, comentando a Lei Federal que dispõe sobre o Plano Nacional de Desestatização. Ele comenta, inclusive, da desnecessidade de lei específica para o procedimento de privatização de empresas federais, quando afirma:

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“Ora, a lei não precisa nomear uma a uma as empresas privatizáveis, eis que já há autorização para tanto; ao Chefe do Poder Executivo cabe, tão somente, incluir as empresas no processo administrativo de avaliação e modelagem”.

E conclui o autor citado: “Afinal, nos termos do art. 84, II, da Constituição Federal, a ele cabe exercer a direção superior da Administração Federal, o que implica dizer que a ele cabe definir a estrutura dos serviços centralizados e a técnica de descentralização-mantendo entidades na Administração Indireta ou contratando com particulares o desempenho de atividades de interesses públicos, sob sua fiscalização”. Isso é o que ocorria no plano federal. 148


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Citamos, também na apelação, a posição da Procuradoria-Geral da República, que se posicionou na ADin 562-6, no plano da nossa tese, trazendo em seu socorro a posição do professor Celso Ribeiro Bastos, quanto ao ponto, ao dizer: “É bom frisar que o próprio texto constitucional não faz exigência de lei para extinção, limitando-se a exigi-la para a criação. Ante tais circunstâncias, quer-nos parecer que uma disposição, ainda que de caráter genérico, mas condicionada à ocorrência de fatos que especifica, pode perfeitamente produzir os efeitos extintivos colimados” (Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, 1993, 3º vol. – tomo III, pág. 140).

E conclui o já referido parecer da Procuradoria-Geral da República:

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“(...) Pelas razões aduzidas, não exigindo a regra constitucional prevista no artigo 37, inciso XIX e XX, o consentimento específico do legislador para extinção ou privatização, caso a caso, dos entes estatais a que se refere, o Parecer é no sentido de se julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade”.

De tudo quanto foi dito anteriormente, só nos cabe a seguinte conclusão: a locução da lei específica, contida no inciso XIX, do art. 37 da Constituição Federal, deve ser interpretada sob a acepção de um ato normativo que estabeleça tais e quais entidades estatais se pretendem extinguir, não importando o número de tais entidades. Portanto, a especificidade da lei prevista no indicado inciso do art. 37 da CF/88, anteriormente citado acima, refere-se ao ente estatal que pretende criar ou extinguir e não à unicidade de lei para cada um desses entes. 149


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O segundo fundamento da sentença é de que o parecer a que se refere à Constituição Estadual seria sucinto, e que não é somente sobre a privatização da Energipe que ele fala, é sim sobre a necessidade da reforma do Estado, dentro do qual a Energipe foi incluída; e por isso não atendia na sua forma e conteúdo ao que a Constituição Estadual denomina de Parecer Fundamentado. A nosso pensar, data vênia, não tem razão a sentença, que confunde o que é ser lei específica com lei exclusiva ou única. Em reproche à sentença, que hostilizamos no recurso de apelação já indicado, nesse aspecto, trouxemos naquela oportunidade, e o fazemos agora nesses escritos, nos socorrendo em fundamento a nosso entendimento, o que escreveu o Procurador de Justiça, Professor Darcilo Mello Costa, no já citado parecer na Adin 562-6, que tramitou pelo egrégio Tribunal de Justiça de Sergipe. Não obstante esse aspecto, a nosso ver, não é da competência do judiciário ser contra ou a favor de um sistema político-econômico que permite a privatização como a solução que estava sendo utilizada e continua a ser, em todo o planeta, para resolver os problemas financeiros dos estados modernos atuais. A competência do judiciário, na semântica constitucional, é apreciar se a privatização seguiu ou não os ditames da lei que a autoriza. Quanto ao último fundamento da sentença, de que não ficou demonstrado que a privatização em foco atenderia ao relevante interesse público, fato não demonstrado no parecer que acompanhou o projeto de lei que autorizou a privatização, padece, com todas as vênias, também nesse aspecto, de falta de razão. Primeiro porque o relevante interesse público está patenteado no ato da própria venda da Energipe. Esta empresa terminou sendo vendida como já dito anteriormente, com ágio 150


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superior a 96% do seu valor de avaliação, quando o preço mínimo estipulado era de R$ 242,3 milhões, quando atingiu a venda o preço superior a R$ 577 milhões. O que estamos a ver nos dias de hoje é que os Estados brasileiros não estão tendo dinheiro para no fim do mês pagar aos servidores públicos, em dia, inclusive parcelando suas remunerações, quanto mais para investir financeiramente em estatais como aquela. Alguns Estados, como o de Sergipe, tiveram que conceder um abono salarial aos servidores, na quantia que estes teriam que pagar de juros junto ao BANESE, como empréstimo pessoal correspondente ao seu 13º salário, tanto no ano de 2015, quanto em 2016. Medidas como esta demonstram e comprovam por si só que o Estado brasileiro está quebrado financeiramente, sendo um doente na UTI de há muito tempo. Não tem capacidade financeira para investir em suas atividades essenciais. Isso nós dizíamos em dezembro do ano 2000, ao apresentar nosso recurso de apelação em face da sentença de Primeiro Grau que havia impedido a realização da privatização da Energipe. APELAÇÃO CÍVEL N°. 284.856/SE (2002.05.00.007447-0) NA AÇÃO POPULAR (Proc. nº. 976324-0) NO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO (Recife/PE). Fora sorteado como seu Relator o Desembargador Federal, Francisco Wildo, que em seu voto sustentou que a douta sentença laborou em equívoco, ao entendimento de que esta estaria irremediavelmente comprometida, ao entendimento de que a Lei 3.725/96, não seria lei específica para a privatização da Energipe. 151


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Afirmando o relator o inverso do que afirmara a sentença de piso, pois é exatamente na parte final da ementa que se anuncia tratar-se de lei específica, tanto que existe essa especificidade no artigo 3º da indicada lei, como assentou o eminente desembargador. Colho do voto do desembargador citado, o que escreveu Sua Excelência, às folhas 1260, daqueles autos:

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“(...) Além disso, a douta sentença se lastreou no equívoco de exigir, para a privatização, aquilo que serviria para desfechar o processo legislativo para lei específica de desapropriação a ser aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe. Como se percebe de uma leitura mais atenta do art. 25, inciso XIV da Constituição daquele Estado, os critérios de comprovação de relevante interesse público em parecer fundamentado do órgão estadual de planejamento, constante da parte final do dispositivo se refere – apenas e tão somente- à aprovação da lei específica, pelo Poder Legislativo daquele Estado, jamais pelo Poder Judiciário”.

Essa foi a grande batalha jurídica travada entre os que eram favoráveis à privatização e aqueles que pensavam que a melhor forma era aquela, do passado, de se manter a presença do Estado, como proprietário de estatais. Se pensava que deveria prevalecer sempre a supremacia deste ente, à revelia de uma realidade que não se pode impedir, posto que é evidente, que com a globalização do planeta, esta não pode mais ser evitada, como está a ser demonstrado na atualidade. Havia, com efeito, duas visões sustentadas pelos juristas que tiveram participação naquela privatização, o Estado Máximo e o Estado Mínimo; que eram na época inconciliáveis, e continuam sendo nos dias de hoje. 152


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A venda da Energipe foi considerada pelos oposicionistas como tendo sido lesiva aos cofres públicos, e que “todo o processo de privatização teria se dado de forma ilegal e inconstitucional, a começar pela avaliação feita pelo Governo, muito abaixo do valor de mercado”, diziam. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, entretanto, em grau de recurso de apelação, reformou a sentença do Juiz de Direito da 2ª Vara Federal de Sergipe, assentando a constitucionalidade da privatização da Energipe, conforme se vê, do contido no Relatório e Voto (folhas 1253/1268 daqueles autos) do Desembargador Federal Francisco Wildo, seu relator. Da decisão acima apontada, o autor da ação popular, inconformado com aquela, manejou na própria Corte Regional, embargos de declaração, que foram rejeitados conforme se vê, da ementa do acórdão que se encontra às folhas 1.282 dos mesmos autos. O Ministério Público Federal, inconformado com as decisões, interpôs Recurso Especial que se encontra às folhas 1.286/1.294, oferecendo suas razões de recurso para que a matéria fosse objeto de decisão do Superior Tribunal de Justiça. No STJ, o recurso especial (REsp 861.433/SE) que fora manejado, teve seu seguimento negado, por decisão do ministro Francisco Falcão, seu relator, em decisão monocrática. Assentou o relator, nos fundamentos de sua decisão, que “os argumentos trazidos pelo Ministério Público Federal, em suas razões recursais, são estranhos ao que decidido pelo julgado a quo, cuja fundamentação, para fins de reforma da sentença, firmou-se na inteligência da Lei Estadual nº. 3725/96 e do art. 25, inciso XIV, da Constituição do Estado de Sergipe, além do art. 5º, inciso XXI, da Constituição Federal. Incidência da Súmula nº. 282/STF. (...)”. Inconformado com a decisão, negando seguimento ao Recurso Especial, referenciado acima, interpôs o Ministério 153


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Público Federal, Agravo Regimental aos Ministros da 1ª Turma do STJ, que foi levado em mesa, para julgamento. O relator, mantendo a mesma fundamentação da decisão agravada, em seu voto, negou provimento ao agravo. A Primeira Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Votaram com o relator, os ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado. Ausente, justificadamente, o ministro Luiz Fux (Fls 1416 dos autos). O Ministério Público Federal, inconformado, ainda, com a decisão proferida no agravo regimental referido, opôs Embargos de Declaração contra o acórdão, tendo o Ministro Relator, Francisco Falcão, Negado Seguimento. O Ministério Público Federal, diante disso interpôs Agravo Regimental, para que lhe fosse dado provimento e analisado os embargos de declaração anteriormente opostos. O Agravo Regimental fora acolhido para julgar os embargos de declaração, que havia sido considerado intempestivo pelo relator, nos termos do voto-vista do ministro Luiz Fux, conforme se vê do acórdão que reside às folhas 1439/1440 daqueles autos. Entretanto, ao julgar os EDcl no AgRg no RECURSO ESPECIAL 861.433/SE, ao acórdão proferido por aquela mesma 1ª Turma do STJ, a Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração do Ministério Público Federal, conforme se vê do acórdão que reside às folhas 1477/1448 dos autos, cujo acórdão sugiro a leitura, deixando de transcrevê-lo como tantos outros. O acórdão acima transitou em julgado, com a remessa do processo em sua integralidade, em cinco volumes, ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em 09 de maio de 2008, conforme se vê da certidão ali constante e de folhas 1450 dos autos. 154


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Dita ação encontra-se no Setor de Arquivo da Justiça Federal em Aracaju, com baixa definitiva, desde 04/06/2008, no pacote 4724, sendo requerido seu desarquivamento pelo ora autor deste livro, para realização de pesquisas objetivando a construção deste Capítulo do livro ora escrito. Entendemos que a privatização da Energipe foi uma grande batalha jurídica, que traduzia o seu aspecto político no melhor dos sentidos, entre aqueles que pensavam ser melhor a não privatização. O que se fazia forte no passado, quando o mundo era divido em dois blocos políticos, enquanto nós entendíamos ser melhor a privatização das estatais, posto que estas, como tais, se tornaram ineficientes e prejudiciais ao país, a nosso entendimento, não obstante, o respeito que nos merece aos que pensam divergentemente.

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Ao meu pensar, a privatização de estatais é um dos caminhos contra a corrupção endêmica que se instalou no Brasil. As dificuldades passadas pelo Governador Albano Franco, para privatizar a Energipe, em Sergipe, foram as mesmas enfrentadas pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, posto que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, também, promoveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1582-DF) que fora em 15/04/1997, distribuído no Supremo Tribunal Federal, em face da “Lei nº. 9.074/95, na parte onde estabelece que a União Federal poderá utilizar a modalidade de leilão de ações ou quotas para a privatização de serviços públicos prestados por pessoas jurídicas sob seu controle, direto ou indireto, com a outorga de nova concessão”. “O artigo 27 da Lei 9.074/95- e seus incisos I e II- foram questionados em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1582) ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos 155


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Advogados do Brasil (OAB). A entidade alegou que o dispositivo fere o artigo 175 da Constituição Federal. Isso porque, permite no leilão de ações ou quotas a transferência da concessão ou permissão do serviço público à empresa privada, sem observar a licitação específica estabelecida pelo artigo constitucional”. “Segundo relator da matéria, ministro Carlos Velloso, a OAB se equivocou ao interpretar o artigo 175 da Constituição Federal. Para o relator, a Constituição não especifica qual a modalidade de licitação a ser adotada para a concessão de serviços públicos. O conceito de licitação e suas modalidades, disse o ministro, estão na lei 8.666/93 que estabelece o leilão como modalidade de licitação, não mencionando a venda de ações”. “O ministro Carlos Velloso sustentou que o equívoco reside na confusão entre gênero e espécie. ‘A licitação entendida como procedimento administrativo é gênero, do qual o leilão é espécie. Como a licitação compreende diversas modalidades-concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão, ou pregão-, sem pormenorizar a espécie, fica o espaço para que o legislador estabeleça a modalidade a ser observada”. (In Notícia STF de Quarta-feira, 07 de agosto de 2002). A ADI 1582-DF-Rel. Min. Carlos Velloso, anteriormente referida, por decisão do Supremo Tribunal Federal, em 07/08/2002, por seu Pleno, julgou improcedente o pedido formulado na inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade e declarou a constitucionalidade do artigo 27, incisos I e II, da Lei nº. 9.074, de 07 de julho de 1995. CONCLUSÃO Não é jurídica a posição sustentada por sindicatos e nacionalistas exacerbados, de que a privatização de empresas estatais no Brasil seria inconstitucional, como defendem. 156


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Tanto que o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da Privatização da Energipe, como vimos anteriormente na decisão trazida à colação por aquela Corte, que assentou pela sua constitucionalidade. Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal, quanto às empresas estatais da União (ADI 1.582-DF), decidiu pela constitucionalidade das privatizações referenciadas. Dizemos nós, ainda, tendo em vista a atual experiência pela qual está passando o nosso país, no plano da Operação Lava Jato, que a privatização das estatais é uma das formas que se tem de combater a corrupção no país, ao nosso livre pensar, posto que os cargos de direção de tais empresas não são ocupados por técnicos da própria empresa, e sim por indicações políticas. Ademais, tais empresas não são autossustentáveis, pois, vivem em déficit. Registro para a posteridade a nossa participação naquela privatização, bem como, a de que o STF, na ADIN citada, reconheceu como constitucional a privatização na forma como vem sendo feita no país. Outro caminho de fórmula anticorrupção é a defendida pelo jurista Modesto Carvalhosa, ex-professor da Faculdade de Direito da USP que, aos seus 83 anos de idade, ainda continua ensinando ao país, quando explicita que casos de corrupção como os da “Lava Jato” poderiam ser evitados com a adoção de um mecanismo em vigor nos Estados Unidos desde 1897. Lá “toda empresa que ganha uma licitação para tocar uma obra do Governo é obrigada a contratar uma seguradora que será responsável tanto pela fiscalização dos trabalhos quanto pela garantia de sua conclusão no prazo devido”. Naquele sistema americano, os governos não mantêm qualquer entendimento com as empreiteiras, como ocorre no nosso país. 157


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Esse mecanismo que acaba com a relação direta entre as empreiteiras e os gestores públicos, ao colocar uma seguradora para intermediar essa conexão, é o que os americanos denominam “performance bond”. Mas vejam se querem adotar esse sistema no Brasil?! Ninguém toca no assunto...! A imprensa nacional que deveria tratar desse tema, diante dos escândalos que estamos vivendo, envolvendo empreiteiras e governantes, a ele não se refere. Somente a Revista Veja é que na sua edição 2467, de 02 de março de 2016, nas páginas Amarelas, entrevistou o velho professor quando este tratou do tema “performance bond”. Por essas e outras, registro nossa continuada admiração ao velho professor Modesto Carvalhosa, que continua a nos brindar com sua inteligência, aos 83 anos de idade, a exemplo da entrevista concedida à Revista Veja. Nenhuma outra Revista, ao que sei, ou as redes de televisão, deram a real importância e relevo a um assunto dessa importância, para o país, no combate à corrupção que se alastra entre nós. Homens como o professor Carvalhosa nos fazem continuar a ter esperanças de um Brasil melhor e de continuar lutando o bom combate, como fizemos em relação à privatização da ENERGIPE, hoje ENERGISA. Embora não tenha pertinência com o tema jurídico da questão, muitas pessoas sabedoras que foi o Procurador do Estado que deu assessoria jurídica à privatização da Energipe, fazem indagações do que teria sido feito com o dinheiro daquela privatização. Nas minhas pesquisas, feitas a este propósito, de saber o que fora feito com aquele dinheiro, encontrei no Jornal “O Estado de São Paulo”, na coluna das jornalistas Suzana Santos 158


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e Mônica Magnavita, as explicações do então Governador Albano Franco, ao dito jornal, em 04/12/1997, que transcrevo, in verbis:

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“Destino – o governador Albano Franco informou que R$ 48 milhões, dos R$ 577 milhões arrecadados com venda da Energipe, serão utilizados para rolagem da dívida mobiliaria do Estado, de R$ 355 milhões. O acerto já está assinado. ‘A dívida fica para 30 anos’. Outros R$ 35 milhões servirão para pagar o 13º salários dos funcionários do Estado. Franco disse que cerca de R$ 185 milhões serão deduzidos do total para pagamento de antecipações feitas pelo BNDES e pela Eletrobras para financiar a reestruturação e o saneamento da Energipe. Sobrarão cerca de R$ 309 milhões para investimentos em infraestrutura e na área social, segundo Franco. Serão aplicados R$ 30 milhões na malha rodoviária e R$ 8 milhões num novo programa de combate ao trabalho infantil”.

Na nossa compreensão, se a privatização da Energipe não tivesse sido realizada, teríamos hoje, uma empresa sucateada por falta de investimentos financeiros por parte do Governo Estadual, que não tem recursos para tal, bem como, não teríamos em nossas casas, no comércio e na indústria, energia suficiente para movimentar a infraestrutura do Estado de Sergipe, pois, o Estado não teria dinheiro para fazer os investimentos necessários. Tanto isso é verdade, que o Governo atual não paga o funcionalismo público em dia, parcelando a remuneração dos ativos, e quanto aos aposentados, sobre estes nem se fala quando o pagamento ocorrerá. Pobres dos velhos do meu Estado, choro por eles e por mim também, pela insensibilidade dos homens públicos!

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Capítulo V

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Da capacidade processual dos Tribunais como parte em juízo. Capacidade Processual dos Tribunais de Justiça como Parte, no STF. Capacidade dos Tribunais de Contas e das Câmaras Municipais nos Tribunais de Justiça dos Estados. Defesa de suas Prerrogativas Institucionais. Da capacidade postulatória de Assessor Jurídico do Tribunal de Contas com inscrição na OAB, como seu Advogado em Juízo e não por Procurador do Estado. Possibilidade. Conflito de interesses.

Depois de exercer o cargo de Secretário-Geral (Diretor-Geral) do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, e, posteriormente, em duas oportunidades, o cargo de seu coordenador jurídico, uma espécie de Procurador-Geral da Corte de Contas, nos deparamos com causas que enfrentamos e que se tornaram objeto do título deste Capítulo, pelo seu relevo. 160


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Todos sabem que os Tribunais não têm personalidade jurídica, e sim, capacidade processual ou judiciária, sendo esta uma construção jurisprudencial dos Tribunais Superiores. E isto lhes dá o direito de ser parte em juízo, todavia, somente em causas em que estiver a defender suas prerrogativas institucionais, e tão somente, podendo nesses casos constituir advogado para representá-lo em juízo, independentemente da Procuradoria-Geral do Estado por seus respectivos procuradores de carreira, quando houver conflito de interesses com o Governador do Estado. Naquela época, entretanto, tal posição ainda não estava plasmada como uma verdade axiomática, isso foi sendo adquirido por construção paulatina da nossa Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça, como ocorre na atualidade, em que não mais se tem qualquer dúvida. Tivemos que enfrentar essa questão, tanto em sede de mandados de segurança, impetrados em face do presidente do Tribunal de Contas, como em ações ordinárias, nas quais dito tribunal figurava como parte. Preliminares eram suscitadas nesses processos onde se sustentava a tese de que o TC/SE não poderia ser parte naquelas ações, ao dizer dos demandantes, porque não possuía personalidade jurídica. Essa era a tese defendida por todos aqueles que demandavam ou eram demandados em face do Tribunal de Contas. Sustentava-se que o Tribunal de Contas deveria ser representado pela Procuradoria-Geral do Estado em todos os casos. Dita tese seria, naquela visão, de que a Corte de Contas era parte ilegítima para figurar nos autos de qualquer processo judicial, quer como autor, quer como réu pois, como órgão auxiliar do Poder Legislativo, deveria ser representado pela Procuradoria-Geral do Estado, na qualidade de órgão integrante do Estado de Sergipe e auxiliar do Poder Legislativo, era o que se dizia. 161


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Dita alegação em sede de preliminar mataria no nascedouro qualquer ação em tramitação no judiciário por violação aos artigos 7º e 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973, vigente a época, em que escrevi este texto, envolvendo o Tribunal de Contas. Hoje, o Novo CPC/2015, traz dispositivos nos artigos 70, 485, nos incisos IV e VI. Entretanto, uma inquietação se fazia presente no nosso entendimento, que era diverso daquela tese sustentada de que o Tribunal de Contas não podia comparecer em juízo quer como autor, réu ou litisconsorte. Em contraponto, a nossa antítese sustentada era de que os Tribunais de Contas têm personalidade jurídica ou judiciária, procedimental ou processual e, por isso, poderiam ser parte formal em juízo, em nome próprio, representados por advogado constituído por estes, na defesa de suas prerrogativas institucionais, e tão somente. Nossa tese era a de aqueles Tribunais de Contas e os Tribunais de Justiça, para que pudessem figurar nas relações processuais como parte interessada, precisavam demonstrar que estavam agindo na defesa dos seus direitos institucionais fixados na Constituição Federal e na Constituição Estadual naquilo que tivesse simetria com a CF/88.

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Isto porque a Constituição Estadual não pode acrescentar em seu texto mais do que conste no texto da Constituição Federal. Por isso é que O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1º prescreve: “Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Na verdade, não sendo os tribunais “pessoas” propriamente ditas, entretanto, mesmo assim, são possuidores de personalidade judiciária e, como tal, podem residir em juízo como partes na defesa de seus direitos institucionais. 162


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A personalidade judiciária dos tribunais, é a de que não obstante as Cortes de Contas e os demais tribunais não sejam pessoas jurídicas, entretanto, são personalidades judiciárias, quando estiver em jogo a defesa institucional de suas prerrogativas constitucionais. Podendo, nesses casos, defender suas prerrogativas em juízo, independentemente de representação da Procuradoria-Geral do Estado, mas através de procuradores constituídos por estes tribunais para tal fim. E tão somente, na defesa de suas prerrogativas, pode, diante dessa construção doutrinária, que já se encontra amparada pela ordem jurisprudencial do STF, ser parte em juízo, tendo, portanto, legitimidade para defender seus interesses institucionais assegurados pela Constituição. Esse entendimento decorre da interpretação que se dá, inicialmente, ao contido no artigo 7º do Código de Processo Civil/73, que rezava: “art.7º- Toda pessoa que se ache no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.

Essa norma também se encontra assentada na sua correspondência ao que dispõe o art. 70 do NCPC/2015, in verbis:

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“Toda pessoa que se encontra no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.

Na época da discussão, essa norma anterior era complementada pelo artigo 267, VI, que dispunha: art. 267 do Código de Processo Civil – “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) VI- quando não ocorrer qualquer das condições da ação, como possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”. Antiga norma, tem sua correspondência no NCPC/2015, estando fixada no art. 485, incisos IV e VI. 163


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No caso concreto, dar-se-ia a extinção do processo sem resolução de mérito, como alegado por aqueles que sustentavam que não sendo o Tribunal de Contas uma pessoa jurídica, não poderia este ser parte em juízo. Essa tese, todavia, a nosso ver, está superada, não se sustentando, pois, diante da jurisprudência dos Tribunais Superiores, como oportunamente será demonstrado. Entretanto, no Tribunal de Justiça de Sergipe, havia entendimento de que o Tribunal de Contas não podia ser parte em juízo, e fomos nós que levamos essa questão ao Superior Tribunal de Justiça, em pedido de suspensão de segurança, oportunamente analisado. Nessa vertente, não poderiam aqueles tribunais constituir procuradores ou advogados, para que os representassem em juízo, em qualquer circunstância, mesmo quando fosse para defender direitos institucionais; essa era a tese à qual me contrapus. Então, diante disso, eu me perguntava: o que aconteceria, quando houvesse um conflito de interesses entre o Governador do Estado e o Tribunal de Contas e os Tribunais de Justiça, especificamente no caso, quando o Poder Executivo deixasse de fazer o repasse do duodécimo mensal, fixado na Constituição, como direitos daqueles ao pagamento de suas despesas orçamentárias ou quando em defesa de outros direitos institucionais? ISBN 978-85-64495-02-09

Eles teriam que se valer da Procuradoria-Geral do Estado? Ao meu entendimento, acredito que não, pois presente o conflito de interesses entre o Poder Executivo, e o Tribunal de Contas, mesmo sendo este último órgão vinculado ao Poder Legislativo, por si mesmo, como ente estatal, poderia ser parte em juízo para defender suas prerrogativas institucionais, e nesse mesmo trilhar, os Tribunais de Justiça poderiam também ser parte em juízo nessa mesma linha, junto ao Supremo Tribunal Federal, e não no próprio tribunal local. 164


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Entendo que, ao ser mantida a tese, de que os tribunais não tendo personalidade jurídica, não teriam, portanto, possibilidade de ser parte em juízo, estes sofreriam graves lesões em seus direitos, e não poderiam ficar silentes diante do Poder Executivo. Com efeito, estes tribunais não poderiam ser representados por advogados constituídos por aqueles, e sim, representados pela Procuradoria-Geral do Estado; era óbvio de que esta posição não estava correta, diante do conflito de interesses. É de se dizer que, ao se dar guarida a tal entendimento, aqueles tribunais ficariam nas mãos do Poder Executivo, e dependentes da Procuradoria-Geral do Estado. É claro que, sendo a PGE subordinada ao Governador do Estado, que nomeia seu Procurador-Geral, estaria quebrado, o princípio da separação dos Poderes e da independência do Poder Judiciário, e do Tribunal de Contas como órgão auxiliar vinculado ao Poder Legislativo Estadual, conquanto autônomo em suas decisões, posto que o Procurador-Geral do Estado, não iria demandar contra os interesses do Governador que o nomeou. Nesse caso, estaria evidente a presença de um grande conflito de interesses entre aquelas partes. E, diante desse conflito de interesses, como dito anteriormente, nossa inquietação se tornou maior, fato que nos motivou a estudar o assunto com mais especificidade, encontrando sua solução, na jurisprudência esparsa dos Tribunais Superiores, fonte de Direito, como se demonstrará oportunamente. A falta de personalidade jurídica dos tribunais, entretanto, a nosso ver não poderia ter esse caráter absoluto ou geral, que impossibilitasse os tribunais de ser parte em juízo, na defesa de direitos institucionais garantidos pela Constituição Federal e/ou Estadual. Contudo, constatamos que havia uma exceção a aquela regra geral, qual seja, quando presente a existência de conflitos de interesses 165


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com o Poder Executivo poderiam aqueles tribunais virem a residir em juízo para proteger seus direitos institucionais, base de suas próprias existências. Nesse caso, os tribunais que tinham personalidade judiciária ou processual, para figurar como partes em juízo, especificamente no uso do instituto do mandado de segurança, estariam legitimados para demandar contra o Governador do Estado, ou contra decisão judicial que o impedia de ser parte em juízo, conforme caso concreto abaixo indicado. DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA NÚMERO 1.919/SE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Essa questão da legitimidade do Tribunal de Contas de não poder ser parte em juízo, foi definida sua impossibilidade em sede do mandado de segurança nº 0237/2008 (2008116276), no Tribunal de Justiça de Sergipe, atendendo impetração por parte de um conselheiro daquela Corte contra decisão da mesma que o havia afastado das suas funções naquele tribunal administrativo. No writ manejado pelo conselheiro da Corte, este obteve liminar acolhendo a tese da ilegitimidade do Tribunal de Contas de ser parte naquela ação, que tramitava à época no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, para sustar decisão final do Tribunal de Contas no Processo Administrativo Disciplinar nº. 00424/2008, que envolvia o conselheiro daquela Corte de Contas. A decisão do desembargador relator do indicado mandado de segurança do TJ-SE era a de que a Corte de Contas não teria legitimidade para ser parte em juízo, mesmo objetivando defender a própria competência interna de punir um de seus membros e de proteger a instituição. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, por pedido por nós manejado naquela Corte suspendeu a decisão do 166


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relator do mandado de segurança já referido, no Tribunal de Justiça de Sergipe, restaurando a possibilidade do Tribunal de Contas de ser parte em juízo, validando, inclusive, o Processo Administrativo Disciplinar n° 00424/2008 daquela Corte de Contas, que havia afastado de suas funções aquele conselheiro por suposto envolvimento na Operação Navalha da Polícia Federal. PRESIDENTE DO STJ RECONHECE LEGITIMIDADE DO TCE/SE DE SERPARTE EM JUÍZO. O Ministro César Asfor Rocha, Presidente do STJ, mantém decisão do TCE/SE, que aposentou Conselheiro (Processo SS nº.1.919/SE). Muitos entendem falecer ao Tribunal de Contas legitimidade para recorrer em Processos Judiciais de Decisões ali proferidas. Isto porque as Cortes de Contas, por serem Órgãos Auxiliares do Poder Legislativo, não teriam personalidade jurídica para residir em juízo e, por via de consequência, recorrer das decisões, posto que isso deveria ser feito pelo Estado, através da sua Procuradoria Geral, especificamente em mandado de segurança, no qual caberia ao Tribunal, apenas, prestar as informações de estilo, e nada mais. Esse entendimento, todavia, com toda vênia, não é o correto, isto porque o Tribunal de Contas tem legitimidade para residir em juízo e recorrer, desde que esteja na defesa de interesses peculiares à suas prerrogativas políticas. Exemplo disso é o caso em que exista uma contenda interna corporis, o que se lhe abre a via judicial para poder figurar no polo passivo de ações e, consequentemente, recorrer das decisões proferidas. A jurisprudência trilha dois caminhos bifurcados a serem seguidos para a solução dos casos concretos. Explico. 167


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É certo que, via de regra, quando se tratar de decisões dos Tribunais de Contas relativas a matérias afetas à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, (1º) Tribunais de Contas não podem estar em juízo (ativa ou passivamente) para defender essas decisões, pois isso compete à Pessoa Jurídica da qual seja integrante, conforme remansosa jurisprudência. Aí, a negativa de poder litigar e defender, por exemplo, um Parecer Prévio ou uma decisão em exame de processo licitatório, justifica-se pela ausência de personalidade jurídica desses Tribunais. Essa é a primeira das vias apontadas na jurisprudência pela qual o julgador poderá trilhar o seu decisum, e pela qual, no caso da aposentadoria compulsória por interesse público de um Conselheiro da Corte de Contas, adentrou o Desembargador Relator para não conhecer do recurso de agravo regimental manejado pelo TCE/SE com o fito de enfrentar uma liminar que suspendia a aposentadoria referenciada. Entretanto, não é esse o caso dos autos! Não obstante exista esse caminho, data vênia, equivocou-se o julgador ao adotá-lo como solução, posto que inadequado para a quizila, eis que o caso dos autos não é o de matérias afetas à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, repise-se. Contudo, há outro caminho na jurisprudência. (2º) Quando os Tribunais de Contas estiverem na defesa de suas prerrogativas ou direitos que lhes são próprios, indesjungíveis dos seus fins constitucionais, aí poderão residir em juízo e litigar em face de outros órgãos ou de Poderes do Estado, que é o que aconteceu junto ao Egrégio Tribunal de Justiça de Estado de Sergipe. Já nesse segundo caso, a permissão para litigarem está sedimentada na personalidade judiciária. Essa é a segunda via da bifurcação apontada, que permite aos Tribunais de Contas estarem em juízo. 168


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Diante desses dois caminhos, o nobre Desembargador Relator não vislumbrou que o TCE/SE estava em juízo defendo suas prerrogativas, decidindo por sua ilegitimidade de parte, abraçando a tese da primeira vertente. Data máxima vênia, a via eleita pelo Relator não é adequada ao caso em comento, pois nele o Tribunal de Contas do estado de Sergipe está sim a defender suas prerrogativas de processar, julgar e punir um dos seus Membros, por meio de Processo Administrativo Disciplinar – PAD, como ocorreu. Some-se a isso, ainda, o fato de que essas prerrogativas de processar, julgar e punir um dos seus Membros possui um sentido de proteção à Instituição, e, porque não dizer, à ordem pública. A contenda não gira em torno de matéria relativa ao exercício ordinário do Tribunal de Contas, no julgamento das matérias afetas à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, repita-se. Muito menos se trata de exame de aposentadoria de servidor público do Estado de Sergipe, pelo implemento de idade e contribuição, por exemplo, o qual se perfaz com o exame perante os Tribunais de Contas, posto que ato complexo [aposentação perante o órgão ao qual é vinculado e exame posterior, para fins de registro, perante TCE/SE]. O caso em exame é o de processar, julgar e punir um dos seus Membros, por meio de Processo Administrativo Disciplinar – PAD, cuja regência se dá pela LOMAN. Deve ficar claro, ainda, que o fato de ter-se aposentado compulsoriamente por interesse público um Conselheiro não pode levar a questão à vala comum de exame de aposentadoria, como ato complexo, o que já se explicou. Aqui se trata de uma aplicação de punição em Processo Administrativo Disciplinar – PAD, cuja sanção máxima é uma 169


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aposentadoria compulsória por interesse público matéria interna corporis, prerrogativa constitucional e infraconstitucional do Tribunal de Contas, o que permite ao Órgão estar em juízo, ante a sua personalidade judiciária, para defender o seu Ato. É preciso que não se confunda a personalidade jurídica com a personalidade judiciária. Veja-se: ‘Toda pessoa jurídica tem, necessariamente, capacidade processual, mas órgãos há que, embora sem personalidade jurídica, podem estar em Juízo, em seu próprio nome, por que são titulares de direitos subjetivos susceptíveis de pretensão judicial quando relegados ou contestados. Nessa situação se encontram órgãos dos Poderes, aos quais se atribuem funções específicas, prerrogativas funcionais e direitos próprios inerentes à instituição. Desde que estes órgãos têm direitos subjetivos, hão de ter meios judiciais e capacidade processual para defendê-los e torná-los efetivos’ (RF, vol. 200, págs. 232/233, in REsp nº. 121. 053/PB, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, STJ). Portanto, cabe à Corte de Contas demandar em juízo quando algum outro órgão do Estado ou um dos Poderes interfira no seu funcionamento, ou na realização de suas atividades, ou lhe suprima ou minimize algumas de suas prerrogativas ou direitos subjetivos (STJ: REsp nº. 121. 053/PB, Rel. Min. Demócrito Reinaldo). Esse entendimento, de que o TCE/SE na defesa de suas prerrogativas, pode estar, consequentemente, em juízo, está plasmado na decisão do Ministro César Asfor Rocha, na época Presidente do Colendo STJ, proferido no Pedido de Suspensão de Segurança nº. 1.919/SE, patrocinada pelo Autor deste Artigo, como advogado, cujo ponto que se afigura de relevante interesse abaixo se lê, ipsis litteris: ‘Registro, inicialmente, que o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe tem legitimidade para apresentar a presente 170


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suspensão de segurança, objetivando defender a própria competência interna de punir seus membros e de proteger a instituição. Sobre o tema confira-se a SS nº. 3.182/TO, no Supremo Tribunal Federal, relatada pela em. Ministra Ellen Gracie, decisão publicada em 21.6.2007. (...) O Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, por sua vez, dentro de sua competência institucional, processou o feito administrativo disciplinar, segundo alega, por 7 (sete) meses e permitindo ao investigado à ampla defesa’.

É de se vê que a decisão do Tribunal de Justiça de Sergipe (MS 0237/2008), que não havia reconhecido legitimidade do Tribunal de Contas para figurar no polo passivo de uma ação de mandado de segurança, como legitimado para recorrer de decisão que lhe foi desfavorável, foi suspensa pelo Presidente do STJ, o Ministro César Asfor Rocha, na SS nº. 1.919/SE, que reconheceu a legitimidade da Corte de Contas para defender suas prerrogativas institucionais, sob pena de violação ao disposto nos art. 25, §1º, art. 73, §4º, e art. 75, ambos da Constituição Federal. O TCE/SE postulou ao STJ em razão de Liminar deferida em mandado de segurança pelo Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ/SE), que suspendeu a predita aposentadoria do Conselheiro, até o julgamento do mérito. A Corte de Contas argumentou que o Conselheiro é investigado em ação penal que tramita perante o STJ, sob a relatoria da Ministra Eliana Calmon, decorrente de operação policial, sob a acusação de que o Conselheiro intercedeu em favor da empresa (...) de propriedade de (...), em diversos negócios financeiros desta com a Administração Pública do Estado de Sergipe. (...) Consta da decisão do STJ o seguinte: ‘O tribunal argumenta que o PAD foi instaurado no TCE para apuração dos fatos, 171


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procedimento no qual foi assegurada a defesa prévia ao conselheiro. Ao final deste, em sessão extraordinária realizada em 17/09/2008, ficou decido que seria aplicada ao Conselheiro a pena máxima prevista, ou seja, a aposentadoria compulsória por interesse público. Dessa decisão o Conselheiro recorreu ao TJ/SE com pedido de liminar em mandado de segurança. O pedido foi deferido, o que suspendeu a aposentadoria. Agora, no pedido de Suspensão de Segurança ao STJ, o TCE argumenta que a liminar concedida contraria e nega vigência à matéria infraconstitucional e que o relator é incompetente para decidir o mandado de segurança, tendo em vista que outro Desembargador já estaria apto a julgar o caso. O tribunal alega que a liminar ‘obstou o regular exercício da atividade administrativa do TCE/SE, a quem compete processar e julgar administrativamente os seus membros’. Ao examinar a pretensão, o Ministro César Asfor Rocha ressaltou que o TCE tem legitimidade para apresentar o pedido de suspensão de segurança a fim de defender a própria competência interna de punir seus membros e de proteger a instituição. O Ministro relata que o TCE decidiu aposentar o Conselheiro, que, permanecendo na atividade, continuaria a julgar as contas do Estado de Sergipe e dos respectivos municípios, aí incluindo a verificação da legalidade de licitações e de atos e contratos administrativos de várias espécies. Para o Ministro, ‘a ordem pública está sim, em perigo, diante da liminar deferida no mandado de segurança, baseado em questionáveis indícios de irregularidades no tramite do procedimento administrativo que podem gerar a nulidade’. O Ministro enfatiza que a suspensão de segurança visa garantir o interesse público, que se sobrepõe ao interesse particular. ‘A decisão administrativa, se, por ventura, considerada nula ao final do mandamus (mandado de segurança) tem efeitos 172


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reversíveis e eventuais prejuízos financeiros dela decorrentes podem ser facilmente ressarcidos’. Acrescenta que a manutenção do Conselheiro no cargo enseja desconfiança e instabilidade, consequências que dificilmente se restauram e podem comprometer as atividades do Tribunal de Contas Estadual. Com base nessa argumentação, o Ministro deferiu o pedido do TCE que havia sido suspenso por decisão do Relator em mandado de segurança no TJ/SE para manter a decisão da aposentadoria compulsória daquele Conselheiro de sua Corte. Por força da decisão referenciada proferida na SS 1.919/ SE, entendemos caber ao insigne Relator do mandado de segurança em tela, diante dessa decisão superveniente e superior do STJ, em seu cumprimento, acolher a legitimidade do TCE/ SE para figurar como parte legitima no MS 237/2008, assim como no Agravo Regimental nº. 46/2008, podendo manejar qualquer recurso, posto que a decisão do STJ, nesse ponto (legitimidade do TCE/SE) é substitutiva da decisão do TJ/SE, proferida no mencionado Regimental. Isto porque aquela decisão do STJ reconheceu ser flagrante que o TCE/SE, no Agravo Regimental nº. 46/2008 pretendeu defender a própria competência interna de processar, julgar e punir um de seus Membros e proteger a instituição, preservando a ordem pública, na dicção do eminente Ministro César Asfor Rocha, Presidente do STJ. A matéria enfrentada pelo STJ na SS 1919/SE foi de cunho infraconstitucional. Contudo, a outro viés, de caráter constitucional e infraconstitucional intrinsecamente ligado à legitimidade do TCE/SE estar em juízo, posto que também ligado às suas prerrogativas. A propósito do tema – legitimidade do Tribunal de Contas – o Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal em 173


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decisão proferida naquela Corte na Suspensão de Segurança nº. 1.197/PE, na condição de Relator, exteriorizou o mesmo entendimento acima indicado, assim sedimentando, in verbis:

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“(...) entendo que órgãos não-personificados, como os Tribunais de Contas, dispõem de legitimidade para pleitear a suspensão de segurança, desde que o façam com o objetivo de preservar as suas prerrogativas institucionais. (...) Daí o magistério autorizado de HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data”, p. 61, 14ª ed., 1992, Malheiros), que também reconhece legitimidade ativa aos órgãos não-personificados, para a providência excepcional da suspensão da liminar ou da segurança: “A redação deste dispositivo é, evidentemente, defeituosa, porque não só a entidade pública como, também, o órgão interessado têm legitimidade para pleitear a suspensão da liminar ...” (grifei).

Esse entendimento doutrinário, por sua vez, tem o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da SS nº 936-PR (AgRg), Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, deixou consignado: “A exemplo do que se consolidou com relação ao mandado de segurança, é de reconhecer-se a legitimação, para requerer-lhe a suspensão, ao órgão público não personificado, quando a decisão questionada constitua óbice ao exercício de seus poderes ou prerrogativas” (grifei). Bem por isso, assiste plena razão ao eminente Procurador-Geral da República, quando, em seu douto parecer, rejeita essa específica questão preliminar suscitada pelo impetrante (fls. 95): “Primeiramente, cumpre dizer que não procedem as preliminares arguidas pelo impetrante, no tocante à ausência de capacidade processual e legitimação do requerente para a suspensão de segurança, eis que, inobstante tratar-se de órgão estatal não personalizado, está o Tribunal de Contas 174


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do Estado a exercer defesa de sua competência constitucional, albergada no art. 30, inciso I, da Constituição do Estado de Pernambuco (...). De igual modo, o Tribunal de Contas do Estado veio representado por seu Conselheiro-Presidente, razão porque não há que se falar em ausência de representação legal.”

Nessa linha, digo eu, indubitável que o TCE/SE está a defender seus poderes e suas prerrogativas, tendo em vista, data vênia, o óbice causado pela decisão fustigada, que ofende o regular exercício do poder e da prerrogativa sua que tem de processar, julgar e punir, administrativamente, seus Membros, compondo o seu Pleno por convocação de Auditores da própria Corte de Contas, como o fez, abrindo-se destarte, a via para recorrer daquela decisão. É de se ver, portanto, que a decisão vergastada do TJ/SE já referida, data vênia, é diametralmente oposta ao que decidiu o Ministro César Asfor Rocha na SS nº. 1.919/SE, bem como desobedece o contido nas decisões do STF sobre a legitimidade da Corte de Contas para defender suas prerrogativas institucionais, violando o disposto nos art. 25, §1º, art. 73, §4º e art. 75, todos da Constituição Federal. Nesse sentido são, ainda os seguintes precedentes: SS nº. 2.911/MA, Min. Ellen Gracie, DJ 10052006, p. 26; e AgRg SL 112/TO, Min. Ellen Gracie, DJ 24.11.2006. Esse entendimento está plasmado também no Acórdão proferido no REsp nº. 121.053/PB, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, publicado no DJ de 27.10.1997, do STJ, citado inclusive pelo eminente Desembargador Relator do mandado de segurança objeto do pedido de suspensão, que, entretanto, com todas as vênias, permita-me dizer, que o aplicou de forma equivocada, utilizando-o no ponto que não se fraterniza com o caso levado à baila, como demonstrado e reconhecido pela suspensão de segurança nº. 1.919/SE. 175


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Sedimentado está, nessas breves linhas que pacífico é o entendimento de que os Tribunais de Contas possuem legitimidade para defender em juízo suas prerrogativas e atribuições constitucionais, a exemplo de processar e julgar seus Membros em Processo Administrativo Disciplinar – PAD, compondo o seu Pleno por convocação de Auditores para substituir Conselheiros na eventualidade da falta deste último, conforme dispõe a CF/88, no art. 73, §4º”. A decisão proferida no pedido de suspensão de segurança nº 1.919/SE, pelo Tribunal de Contas de Sergipe, tendo como seu advogado o autor destes escritos, visava como já se disse decisão liminar proferida pelo desembargador relator do mandado de segurança nº 2008116276 do Tribunal de Justiça de Sergipe, que tinha como impetrante, conselheiro da Corte de Contas, que fora suspenso pelo Relator, ministro César Asfor Rocha, do STJ. O conselheiro em questão, inconformado com a decisão monocrática proferida na suspensão de segurança 1.919/SE, manejou naqueles autos agravo regimental, sendo este, por unanimidade dos ministros integrantes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, não conhecido nos termos do voto do ministro relator, mantendo-se assim a suspensão de segurança. Houve, ainda, a interposição de recurso extraordinário nos autos de embargos de declaração no agravo regimental no AgRg na suspensão de segurança nº 1919/SE, também indeferido liminarmente o seu processamento pelo ministro Felix Fischer do STJ, sepultando o tema sobre a legitimidade do Tribunal de Contas para residir em juízo nos casos aqui aventados. Sugiro a leitura da Decisão em sua integralidade (SS nº. 1.919/SE do STJ).

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OUTRO TEMA DE REAL INTERESSE DOS TRIBUNAIS DE CONTAS E DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA, DIZ RESPEITO SOBRE A PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DOS TRIBUNAIS E O REPASSE DO DUODÉCIMO DE QUE TRATA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NO SEU ARTIGO 168 Sobre o tema, tínhamos grande inquietação a respeito dessa questão do duodécimo e dos tribunais interessados em receber tais repasses, nesses tempos atuais, em que Estados Federados brasileiros, a exemplo do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, dentre outros que já não pagam no próprio mês a remuneração dos seus servidores públicos, pudessem questionar os governadores dos Estados, em juízo, sobre o tema. Encontramos um acalanto em nossa inquietação, ao pesquisar que essa questão da personalidade judiciária, já estava superada por decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que dão sustentação ao nosso entendimento, o de que os Tribunais de Justiça poderiam ser parte em juízo naqueles casos acima apontados, conforme se vê de precedentes indicados anteriormente, e outros que passaremos a indicar oportunamente. Agora, um novo assunto merecia meu debruçar sobre ele, qual seja, o repasse do duodécimo pelo Chefe do Poder Executivo aos demais poderes e órgãos auxiliares. O STF, nas decisões que se indica, reconhece essa legitimidade dos tribunais de ser parte em juízo, bem como da competência do Supremo Tribunal Federal de ser o juízo natural da causa, dando a última palavra no que concerne ao repasse do duodécimo, que deve ser mensalmente enviado aos demais poderes e seus órgãos quando a litigância ocorrer entre Tribunal de Justiça local, e o Governador do Estado. É o que se vê do contido na decisão ínsita no pedido de suspensão de liminar em mandado de segurança envolvendo esses 177


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poderes em relação aos repasses mensais dos duodécimos ao Poder Judiciário, como determinado no art. 168 da Constituição Federal, conforme abaixo será explicitado. A LITIGÂNCIA ENTRE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O GOVERNADOR DO ESTADO É DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA PARA DIRIRMIR A CONTROVÉRSIA DO STF Nesse sentido, é o que se constata do PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR nº 802/AP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Está ali assentado que tendo os Tribunais de Justiça personalidade judiciária, por construção da jurisprudência, é de ser verificado com base nesta, que a competência para dirimir qualquer controvérsia envolvendo os Tribunais de Justiça com o Poder Executivo, este representado pelo Governador do Estado, no que se refere a matéria constitucional do repasse do duodécimo mensal, só pode ser dirimido pelo STF e não pelos Tribunais de Justiça. Não pode o Tribunal de Justiça dos Estados, promover este julgamento via mandado de segurança, contra o ato do Governador. Isto porque tem o Tribunal de Justiça interesse na causa, representada nas pessoas dos seus desembargadores e seus servidores, posto que tal verba orçamentária serve para o pagamento de remuneração dos próprios juízes e desembargadores. Com efeito, não pode, pois, repita-se, o Tribunal de Justiça local, nesse caso concreto, quando evidente seu interesse, por se tratar de remuneração própria o que está em jogo, fazer julgamento dessa espécie, com a concessão de liminar deferida por desembargador do próprio Tribunal de Justiça, mas sim pelo Supremo Tribunal Federal, primeiro porque todos os membros da magistratura são interessados e não podem decidir em uma causa em que evidenciado está o interesse do julgador. 178


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Em segundo lugar, porque envolve matéria de cunho constitucional, e nesse caso a competência originária é do STF. Nesse diapasão, temos precedentes do próprio STF no pedido de suspensão de liminar nº 802, formulado pelo Estado do Amapá, contra decisão proferida por desembargador relator daquele Tribunal de Justiça. A SL 802/AP, acima indicada, aponta como precedente àquela decisão o mandado de segurança 21.450-3/MT. Na SL 802/AP, acima citada, julgada em 29/07/2014, seu relator sustenta a existência de precedente neste sentido, desde os idos do ano de 1992, trazendo em colação o mandado de segurança nº 21.450-3/MT, rel. ministro Octavio Gallotti, e como impetrante o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, e impetrado o Governador daquele Estado. A competência do STF, em matéria constitucional, se dá quando os desembargadores do Tribunal local sejam impedidos por ter interesse no assunto posto em litígio, conforme está consignado no acórdão no Mandado de Segurança nº. 21.4503-Mato Grosso, Rel. Min. Octavio Gallotti. EMENTA: - Repasse duodecimal determinado no art. 168 da Constituição. Garantia de independência, que não está sujeita à programação financeira e ao fluxo de arrecadação. Configura, ao invés, uma ordem de distribuição prioritária (não somente equitativa) de satisfação das dotações orçamentárias, consignadas ao Poder Judiciário. Mandado de Segurança deferido para determinar a efetivação dos repasses, com exclusão dos atrasados relativos ao passado exercício de 1991 (Súmula 271)”.

Colho do voto do ministro Octavio Gallotti, o que escreveu Sua Excelência no indicado Writ, afirmando ser da competência 179


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do Supremo Tribunal Federal processar e julgar dita ação, bem como da legitimidade do Tribunal de Justiça, para ser parte naquele processo, conforme se vê in verbis.

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“(...) A competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar esta ação parece-me certa. Em principio, compete ao próprio impetrante julgar Mandados de Segurança contra atos do Governador do Estado (art. 96, inc. I, alínea g, da Constituição estadual, combinado com o art. 125, §1º, da Constituição da República). No entanto, como o Tribunal não pode pedir a si próprio a prestação jurisdicional, é evidente que a regra geral não incide, no caso.

A competência é do STF porque, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “n”, da Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente a “ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”. A questão a ser discutida no STF aponta que a causa atinge os interesses de todos os membros da magistratura do tribunal estadual, isto porque envolve o repasse de duodécimos, e estes servem para a execução do pagamento de suas respectivas remunerações, daí serem todos eles interessados. É por este motivo que nenhum dos desembargadores poderia ser juiz de si mesmo, para tomar decisão que envolve matéria dessa natureza, conforme aconteceu no caso do mandado de segurança impetrado no próprio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá em relação ao repasse do duodécimo que havia deixado de ser feito pelo Governador daquele Estado, e que fora objeto do pedido de suspensão 802/AP no STF. Quanto à legitimidade do Tribunal de Justiça de ser parte para figurar como tal na defesa de seus direitos institucionais, 180


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impetrando mandado de segurança contra o Governador do Estado, colho o que escreveu sobre essa legitimidade do Tribunal de Justiça o que disse, em seu voto, o ministro relator do MS.21.450-3, Octavio Gallotti, anteriormente referido, na decisão transcrita:

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“E mais: embora a garantia do art. 168 da Carta seja compartilhada pelo Poder Judiciário com o Legislativo e o Ministério Público, não se pode afastar a existência de interesse peculiar ao Judiciário como Poder do Estado. A legitimação do Tribunal de Justiça para ajuizar ação como esta já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, como salienta Vossa Excelência no despacho liminar” (MS nº 21.450-3 – Mato Grosso)”.

A decisão acima indicada e trazida à colação foi por votação unânime, nos termos do voto do ministro relator Octávio Gallotti, que reconheceu a legitimidade do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, de impetrar no Supremo Tribunal Federal mandado de segurança contra o Governador do Estado, para que este promovesse o repasse imediato da duodécima parte da dotação orçamentária do Poder Judiciário para o exercício como indicado no orçamento. Reconheceu o STF que os Tribunais de Justiça podem ser parte em processos judiciais perante a Suprema Corte, para defender suas prerrogativas institucionais, eis que detêm personalidade processual ou judiciária, não obstante não seja pessoa jurídica. Essa foi a solução encontrada na jurisprudência para contornar a situação, não deixando que os Tribunais ficassem sob a tutela do Poder Executivo para casos que tais. Naquela oportunidade, conheceu-se do Writ e, por via de consequência da legitimidade do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, para figurar como parte impetrante naquele mandado 181


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de segurança, eis que detentor de capacidade processual ou judiciária, embora não seja aquele Tribunal uma pessoa jurídica. Essa exceção admite que tanto o Tribunal de Contas, como o Tribunal de Justiça possam, em caso referente ao repasse do duodécimo já referido, postular em juízo a defesa de suas prerrogativas institucionais. Para isso, podem os tribunais constituir advogado inscrito na OAB para o fim de impetração de mandado de segurança, contra a autoridade coatora do Governador do Estado, quando este deixar de fazer os repasses orçamentários fixados pela Constituição, sem a necessidade de para isso, precisar bater às portas da Procuradoria-Geral do Estado, para ser representado por esta, em face do notório conflito de interesses. Com efeito, o Presidente de cada Tribunal poderá constituir advogado para sua representação em juízo para esse fim, não ficando a depender da representação de procuradores do Estado, diante da presença indiscutível de interesses conflitantes destes Tribunais com o Governador do Estado no caso de repasses constitucionais. Isto porque a falta de repasse dos duodécimos mensais que o Governador do Estado está obrigado a fazê-lo até o dia 20 de cada mês a esses Tribunais, como Chefe do Poder Executivo, obedece à norma ínsita no o artigo 168 da Constituição Federal de 1988. Esse repasse duodecimal é uma garantia de independência daqueles tribunais, que não ficam sujeitos à programação financeira e ao fluxo de arrecadação do Estado. Configura, ao invés, uma ordem de distribuição prioritária (não somente equitativa) de satisfação das dotações orçamentárias consignadas ao Poder Judiciário. Com efeito, é o que se vê no precedente no mandado de segurança nº 21.450-3, MT, Rel. Min. Octávio Gallotti, do Supremo Tribunal Federal. 182


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No paradigma anteriormente indicado, estariam os tribunais legitimados a defender o seu direito-função ou de prerrogativa, quando profanados por ato coator do Governador do Estado como Chefe do Poder Executivo, na hipótese de sustar, por exemplo, o repasse dos recursos financeiros e orçamentários, referentes aos duodécimos que recebem daquele poder, até o dia 20 (vinte) de cada mês e que serve para o pagamento de suas respectivas despesas. A única diferença é que, sendo parte interessada o Tribunal de Justiça local, o mandado de segurança deverá ser processado no Supremo Tribunal Federal, enquanto que sendo impetrante o Tribunal de Contas, este será processado perante o Tribunal de Justiça Estadual. Isto ocorreu, tendo em vista ao repasse a menor, por parte do Poder Executivo do Estado do Amapá, por determinação do Governador, de valor do duodécimo devido ao Tribunal de Justiça para mês indicado. O desembargador relator daquele mandado de segurança em questão, e que tramitava na Corte local, determinou ainda “o imediato bloqueio nas contas do estado do Amapá e consequente sequestro do valor devido ao impetrante”. O Supremo Tribunal Federal isso não tolerou, porque seria julgar em causa própria. A determinação do Tribunal do Amapá, que julgou em benefício próprio, era evidentemente, ilegal e abusiva, pois aquela Corte estadual não tinha competência para julgar aquele mandado de segurança contra o Governador do Estado no caso do repasse do duodécimo mensal, gerando por parte do Governador do Estado, o pedido de suspensão de liminar 802/AP, no STF. Naquele caso, o Governador do Estado do Amapá, representado pela Procuradoria-Geral, promoveu pedido de suspensão de liminar no Supremo Tribunal Federal (SL 802/AP), sustentando que a decisão do Tribunal local provocava grave lesão à ordem 183


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e a economia públicas, pois o bloqueio de recursos expressivos dos cofres estaduais imporia sérios gravames de ordem financeira, requerendo, ao final, a suspensão dos efeitos da liminar combatida. O ministro Ricardo Lewandowski, na ocasião, Presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, verificando a grave lesão à ordem jurídica, consubstanciada na flagrante violação da competência originária do Supremo Tribunal Federal, insculpida no art. 102, I, n, da Constituição Federal, deferiu o pedido para suspender os efeitos das liminares concedidas nos autos do mandado de segurança 0001060-62.2014.8.03.0000, em curso no Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, isto em 29/07/2014.

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Trago, por oportuno, a decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, proferida na SL 802/AP, no ponto que nos interessa, e que tem pertinência temática com o que estamos a escrever, o que está ali assentado: “(...) Consigno, inicialmente, que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para apreciar questão cujo fundamento jurídico ostente natureza constitucional, conforme a jurisprudência consolidada desta Casa. No caso concreto, toda a discussão travada gira em torno da previsão contida no art. 168 da Carta Magna. Noto, ademais, que os diplomas que tratam do instituto da suspensão (Leis 12.016/2009, 8.437/1992 e 9.4994/1997) autorizam o seu deferimento em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Bem examinados os autos, detecto, de plano, flagrante lesão à ordem pública, em seu aspecto jurídico-constitucional, suficiente, pela sua gravidade, a justificar o deferimento da medida de contracautela ora pretendida.” 184


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E continuando, leciona o Presidente do STF, escrevendo ainda, in verbis: “É que, conforme relatado, as decisões liminares ora examinadas foram proferidas por membros do Tribunal de Justiça do Amapá nos autos de mandado de segurança impetrado por aquela Corte estadual na busca do resguardo da sua prerrogativa especifica de ver cumprida a legislação orçamentária e o dever constitucional de repasse de suas dotações orçamentárias (arts. 99 e 168 da Carta Magna). Contudo, esta Casa, por meio de diversos precedentes, estabeleceu que essa situação específica atrai a competência originária do STF descrita no art. 102, I, n, da Constituição Federal, uma vez que ‘o Tribunal não pode pedir a si próprio a prestação jurisdicional’ em situação em que ‘não se pode afastar a existência de interesses peculiar ao Judiciário como Poder do Estado,’ (MS 21.450-3/MT, Rel. Min. Octavio Gallotti)”.

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E ao final, arremata o Presidente da Suprema Corte: “Assim, trata-se de questão cuja apreciação é de

competência originária desta Corte, nos termos do art. 102, I, n, da Carta Magna, detendo o Tribunal de Justiça, segundo a diretriz jurisprudencial fixada pelo Plenário do STF, ‘legitimidade ativa para pleitear, mediante Mandado de Segurança, o repasse dos duodécimos, de que trata o art. 168 da C.F.’, e ‘o Governador do Estado legitimidade passiva, pois é a autoridade responsável por essa providência (MS 22.384/GO. Rel. Min. Sydney Sanches)’”.

Nesse caso específico, vê-se que o Tribunal de Justiça tem legitimidade ativa como parte, para buscar no Supremo Tribunal Federal, via mandado de segurança, a salvaguarda daquele direito constitucional, referente ao duodécimo mensal, e sua restauração, por se tratar de direito subjetivo violado e perpetrado pelo 185


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Governador do Estado, como autoridade coatora, mas não no próprio Tribunal de Justiça local. O Supremo Tribunal Federal, afirma em suas decisões que o recebimento do duodécimo é direito líquido e certo a ser recebido no dia designado pela Constituição Federal, independentemente do fluxo da arrecadação mensal do Poder Executivo. Nesse mesmo sentido, é a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se vê in verbis: “ADI 1.974-6 RO (Medida liminar) (data de julgamento: 25/11/1998) “Somente lei complementar poderá definir os critérios e prazos para o repasse dos recursos a que alude o artigo 168, da Constituição Federal”.

MS 21.291 (data do julgamento: 12/04/1991)

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“A norma inscrita no art. 168 da CF reveste-se de caráter tutelar, concebida que foi para impedir o Executivo de causar , em desfavor do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público, um estado de subordinação financeira que comprometesse, pela gestão arbitrária do orçamento – ou, até mesmo, pela injusta recusa de liberar os recursos nele consignados –, a própria independência político-jurídica daquelas Instituições.”

MS 22.384-7/GO “É inegável, portanto, que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás possui direito líquido e certo ao repasse dos recursos correspondentes à sua dotação orçamentária até o dia 20 de cada mês, não havendo falar, outrossim no caso, em impossibilidade concreta de cumprir o dever constitucional à míngua de recursos. ”

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MS 21.450/MT, Rel. Min. Octavio Gallotti EMENTA: - Repasse duodecimal determinado no art. 168 da Constituição. Gratia de independência, que não está sujeita à programação financeira e ao fluxo da arrecadação. Configura, ao invés, uma ordem de distribuição prioritária (não somente equitativa) de satisfação das dotações orçamentárias, consignadas ao Poder Judiciário. Mandado de segurança deferido, para determinar a efetivação dos repasses, com exclusão dos atrasados relativos ao passado exercício de 1991 (Súmula 271).

DECISÃO RECENTE NO MESMO SENTIDO: É a decisão de 22/12/2015, do Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente do STF, em sede do Mandado de Segurança nº. 33.969/ DF, tendo como Impetrante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e como Impetrado o Governador daquele Estado.

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MINISTRO LEWANDOWSKI DETERMINA GOVERNADOR FAZER REPASSE DE RECURSOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. DO FATO. No caso concreto, foi deferido o pedido liminar que lhe fora formulado naqueles autos acima referidos, “para determinar que o Governador do Estado do Rio de Janeiro, em ainda não o tendo feito, efetue o repasse, como vem realizando nos últimos meses, do valor do duodécimo do mês de dezembro de 2015, correspondente aos recursos das dotações orçamentárias destinadas ao Poder Judiciário estadual para o exercício financeiro vigente, nos termos da legislação em vigor”. “Assim sendo, comunique-se, com a máxima urgência, a autoridade apontada como coatora, notificando-a para que preste informações no prazo de dez dias (art. 7º, I, da Lei 12.016/2009). Dê-se ciência desta impetração à Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, 187


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enviando-lhe cópia da petição inicial e desta decisão (art.7º, II, da Lei 12.016/2009. Publique-se.)”. A indicada decisão determina que o Governador do RJ repasse o valor do duodécimo ao Judiciário Estadual, correspondente aos recursos das dotações orçamentárias destinadas aquele Poder, em cumprimento do artigo 168 da Constituição Federal, que impõe essa obrigação ao Poder Executivo, que deve fazê-lo até o dia 20 de cada mês.

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A RECENTE JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA INDICA SER COMPETENTE O STF. O STJ, apreciando Pedido de Suspensão de Segurança envolvendo o repasse do duodécimo determinado por Tribunal de Justiça local, se disse ser a competência do STF, tanto que faz a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal. É o que ocorreu no caso concreto de pedido de suspensão de liminar e de sentença n° 2.100-AL, de que trata o processo n° 2015/031229-6, que tramitou no Superior Tribunal de Justiça. A decisão é de 17/12/2015, do min. Francisco Falcão, então Presidente daquela Corte, cujo pedido não fora conhecido, sendo determinando a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, para seu exame, por conter matéria de índole constitucional. DOS FATOS O Município de Arapiraca/AL pugnava pela suspensão de decisão proferida em sede do Agravo de Instrumento nº 080477572.2015.8.02.000, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, interposto pelo Município de Delmiro Gouveia/AL, pelo qual foi deferido pedido para que a Secretaria da Fazenda acrescentasse ao Valor Adicionado Fiscal (VAF) do então agravante, o 188


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montante de antecipação de receita no valor ali indicado, percebido pela Concessionária de Eletricidade CHESF. O Município de Arapiraca, diante da decisão do Tribunal de Justiça de Alagoas, indicada no agravo de instrumento mencionado anteriormente, que lhe foi desfavorável, protocolou no Superior Tribunal de Justiça, pedido de suspensão de liminar e de sentença – Processo nº 2.100-AL (2015/0312296-6), sustentando no seu pedido, a suspensão liminar da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, até o trânsito em julgado da decisão final que julgar a ação originária, sustentando que a matéria tinha cunho constitucional e infraconstitucional. No entendimento do Presidente daquela Corte, a competência do STJ para deliberar acerca de pedidos de suspensão de decisão está vinculada à fundamentação de natureza infraconstitucional da causa, ao que dispõe o artigo 25 da Lei nº. 8.038/90:

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“Art.25 – Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de Mandado de Segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal”.

Entretanto, naquele caso sob seu exame, havia matéria constitucional e infraconstitucional, (recálculo do índice de participação no produto da arrecadação do ICMS do Município de Delmiro Gouveia/Al). Este decorre do disposto nos arts. 155 e 158, inciso IV e parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal. O segundo, do art. 3º da Lei Complementar nº 63/1990. Nesse caso, o pedido deveria se dar no âmbito do Supremo Tribunal Federal. 189


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Colho da decisão do Ministro Francisco Falcão, no indicado Processo de Pedido de Suspensão de Liminar e de Sentença nº 2.100/AL, ocorrido em 18/12/2015, o que ali escreveu Sua Excelência:

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“Sobre a competência para o exame do pedido suspensivo, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu: Vale ressaltar, ainda, ser irrelevante, para fixação da competência desta Suprema Corte, o fato de, no pedido de suspensão, ter sido suscitada ofensa a normas constitucionais. É que, ‘para a determinação da competência do Tribunal, o que se tem de levar em conta, até segunda ordem, é - segundo se extrai, mutatis mutandis, do art. 25 da Lei 8.038/90 - o fundamento da impetração: se este é de hierarquia infraconstitucional, presume-se que, da procedência do pedido, não surgirá questão constitucional de modo a propiciar recurso extraordinário’ (Rcl 543, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 29.09.1995) (SS n.º 2.918/SP, relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 25/05/2006. Sem destaque no original.)”

No entendimento do Ministro Francisco Falcão, “no tocante à competência para o processamento do pedido de suspensão de liminar, já decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que, “havendo concorrência de matéria constitucional e infraconstitucional, o entendimento desta Corte é no sentido de que ocorre a vis atrativa da competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal” (AgRg na SS n.º 1.730/MA, relator o ministro Barros Monteiro, DJ de 6/8/2007)”. Ainda neste sentido: “PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. CAUSA COM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Se a causa petendi é de natureza constitucional, nada importa a dimensão infraconstitucional que lhe tenha dado o juiz ou o tribunal local, nem o fundamento do pedido de suspensão; a vocação dela é a de ter acesso ao Supremo Tribunal Federal. 190


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Agravo regimental: não provido (AgRg na SLS n.º 1.372/ RJ, relator Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, DJe de 23/09/2011.)”

E conclui sua decisão assentando: “PEDIDO DE SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. COMPETÊNCIA. ‘Havendo concorrência de matéria constitucional e infraconstitucional, o entendimento desta Corte é no sentido de que ocorre vis attractiva da competência de Em. Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal’ (SLS n.º 823, RS, DJ de 14.02.2008). Agravo regimental não provido (AgRg no AgRg na SLS n.º 1.334/ MG, Corte Especial, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 13/08/2012.) Por todo o exposto, não conheço do presente pedido de suspensão, determinando a imediata remessa dos autos ao eg. Supremo Tribunal Federal. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 17 de dezembro de 2015. Ministro Francisco Falcão - Presidente”.

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Examinando o sítio do STJ, de Consulta Processual, constata-se no mesmo, a remessa do processo acima indicado, com sua saída na mesma data da decisão, para o Supremo Tribunal Federal. FALTA DE SEGURANÇA JURÍDICA. DIVERGÊNCIA NO MESMO TRIBUNAL A posição do Superior Tribunal de Justiça, no que tange ao tema, não é pacificada, tanto que, no caso do “recurso em mandado de segurança nº 10.181/SE (1998/0065964-1), Rel. Min. José Delgado (data do julgamento: 14/11/2000), tratando de tema, envolvendo matéria constitucional, que houvera sido julgada pelo 191


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Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, sobre repasse de dotações orçamentárias pelo Poder Executivo aos demais Poderes, envolvendo como impetrante o prefeito municipal de Malhador e Câmara Municipal, esta última como Recorrente ao STJ, sendo a matéria a mesma prevista no art. 168, da CF/88, decidiu a matéria sem fazer sua remessa ao STF. O assunto tratado era que o Chefe do Executivo não pode repassar valor menor do que aquele fixado na Lei Orçamentária, não fazendo, entretanto, a remessa daqueles autos ao STF, o mantendo no STJ, como se vê da decisão que se transcreve in verbis: “EMENTA CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REPASSE DE DOTAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS PELO PODER EXECUTIVO AO LEGISLATIVO. BLOQUEIO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Mandado de segurança impetrado contra v. Acórdão que denegou segurança objetivando a liberação de dotação orçamentária, ao entendimento de que o repasse do duodécimo do Poder Legislativo pelo Executivo deve ser proporcional à receita efetivamente arrecadada, não podendo ultrapassar esse limite, sob pena de comprometer a disponibilidade financeira do município. 2. O repasse das dotações orçamentárias pelo Poder Executivo aos demais Poderes, nos termos previstos no art. 168, da Carta Magna de 1988, não pode ficar à mercê da vontade do Chefe do Executivo, sob pena de se por em risco a independência desses Poderes, garantia inerente ao Estado de Direito. 3. Tal repasse, feito pelo Executivo, deve observar as previsões constantes na Lei Orçamentária Anual, a fim de garantir a independência entre os poderes, impedindo eventual abuso de poder por parte do Chefe do Executivo. 192


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4. O quantum a ser efetivado deve ser proporcional à receita do ente público, até porque não se pode repassar mais do que concretamente foi arrecadado. (Sem grifos no original). 5. In casu, inexistem justificativas plausíveis por parte da autoridade coatora - Prefeito municipal, que motivem a insuficiente arrecadação municipal, não legitimando, desse modo, a diminuição do repasse dos duodécimos devidos à Casa Legislativa que deveriam corresponder, dessa forma, às previsões orçamentárias. 6. Decisão objurgada que configura ilegalidade ou abuso de poder a ferir direito líquido e certo da impetrante. 7. Recurso provido” (RMS nº. 10.181/SE).

DO FATO ENVOLVENDO A DECISÃO ACIMA APONTADA. O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe havia denegado mandado de segurança impetrado pela Câmara Municipal de Malhador/SE, contra o Prefeito Municipal, ao fundamento da ausência de direito líquido e certo do impetrante pois, segundo acórdão, o repasse do duodécimo ao Poder Legislativo pelo Executivo deve ser proporcional à receita efetivamente arrecada, não podendo ultrapassar esse limite, sob pena de comprometer a disponibilidade financeira do município. Sustentava em contraponto a Câmara Municipal de Malhador/SE, no indicado recurso ordinário em mandado de segurança, contra o acórdão do TJSE, de que este estava em dissonância com a Constituição Federal, que assegura o direito líquido e certo nos termos previstos no art. 168, da CF/88, de receber integralmente as verbas previstas na lei orçamentária. Aduzia, ainda, que não obstante a deficiente arrecadação de receita pelo município, não pode o Poder Legislativo abrir mão da parcela a ele destinada, por se constituir em receita já aprovada por lei orçamentária anual. 193


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Pediu a Câmara, liminarmente, bloquear as contas da Prefeitura Municipal de Malhador, no Banco do Brasil referente, ao FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e no Banese, referente ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), em conformidade com o orçamento anual da Câmara. O Ministro Relator, José Delgado, no âmbito daquele recurso (RMS 10.181/SE), adotou o Parecer do Ministério Público, que opinou pelo provimento do mesmo, adotando como razão de decidir o que nele se continha, cujo Voto, no ponto específico, indico sua leitura em sua integralidade.

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A decisão dos ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, deu-se por unanimidade da Corte, com o provimento do recurso, reformando, em consequência, o acórdão do TJ/SE. Fica, pois, consignado, que é obrigatório o repasse pelo Executivo, ao Legislativo de dotações orçamentárias previstas em lei, compreendidos os créditos suplementares e especiais, conforme previsto no art. 168 da Constituição Federal, devendo tal repasse obedecer a sistema programado de despesas, mediante parcelamento anual, denominado duodécimos, se não houver justificativa de uma arrecadação menor do que aquela prevista no orçamento. Tal repasse de verbas orçamentárias pelo Executivo deve observar as previsões constantes na Lei Orçamentária anual, a fim de garantir a independência entre os poderes, impedindo eventual abuso de poder por parte do Chefe do Executivo. A matéria ainda demanda controvérsia no âmbito do próprio Superior Tribunal de Justiça, haja vista o ponto de divergência em relação ao repasse orçamentário do duodécimo e a arrecadação concreta efetivada, que deve ser a base do indicado repasse, conforme se vê das decisões indicadas (RE 189.146/RN, Rel. Min. Milton Luiz Pereira - data do julgamento: 06/08/2002). 194


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Não obstante, as decisões acima apontadas do STJ, a nosso ver, como o Supremo Tribunal Federal no nosso sistema constitucional detém a última palavra nessa questão, significa que cabe ao Poder Executivo encontrar recursos financeiros e cumprir o que estabelece o orçamento, como ordem constitucional, não nos parece ser a posição mais adequada. Os duodécimos devem ser repassados mensalmente para Tribunal de Contas e para o Tribunal de Justiça dos Estados no dia 20 de cada mês para que estes possam efetuar o pagamento de suas despesas orçamentárias, bem como pelo prefeito municipal para a sua respectiva Câmara de Vereadores. É o que determina a Constituição Estadual, que reproduz o art. 168 da Constituição Federal, transcrita in verbis:

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“Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentarias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º (Redação da EC 45/2004)”.

Em caso do não repasse dessas verbas, estará tanto o Tribunal de Contas individualmente representado por seu Presidente, bem como o Tribunal de Justiça, de igual forma, legitimados e com capacidade postulatória ou judiciária para impetrar mandado de segurança contra o Governador do Estado por advogado próprio, bem como o presidente da Câmara de Vereadores do município em face do Prefeito, como Chefe do Poder Executivo Municipal. Essa seria a exceção à regra a legitimar a capacidade postulatória do Tribunal de Contas, como parte contra o Governador do Estado, devendo aplicar-se esses mesmos fundamentos aos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação. 195


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A nosso ver, no caso de ser impetrante o Tribunal de Contas contra ato do Governador do Estado, o mandado de segurança será da competência do Tribunal de Justiça do Estado para a defesa dos direitos institucionais daquela Corte de Contas, pois mesmo sendo essa matéria de índole constitucional, não obstante, possa o STF dar a última palavra sobre o tema em procedimento próprio, a exemplo do pedido de suspensão de liminar ou de decisão da Corte local. Caso o ato do Governador do Estado, como autoridade coatora, seja em face do Tribunal de Justiça do Estado, a competência para julgar mandado de segurança é do Supremo Tribunal Federal, no tocante à matéria referenciada, posto que, o Tribunal Local, por um dos seus membros não pode julgar em causa própria, levando em consideração, ter interesse pessoal na contenda, como já definiu o STF. LITIGÂNCIA ENTRE O GOVERNADOR DO ESTADO E O TRIBUNAL DE CONTAS: COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO PARA DIRIMIR O CONFLITO. PRECEDENTES: STJ-Recurso Especial n. 178.904/Acre, Rel. Min. Nancy Andrighi. Como dissemos anteriormente, a competência para dirimir conflito entre o Governador do Estado e o Tribunal de Justiça, é do Supremo Tribunal Federal, e não do próprio Tribunal de Justiça local. Todavia, é competente, o Tribunal de Justiça Estadual para dirimir conflitos institucionais entre o Governador do Estado e a Corte de Contas. Diversamente do conflito entre o Governador do Estado e o Tribunal de Justiça local, em questões constitucionais, quando a competência para a solução do litígio é do Supremo Tribunal 196


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Federal, porém, será em foro diverso, mesmo quando houver similitude factual do caso. Especificamente, em relação aos duodécimos mensais, que devem ser repassados para essas Cortes, quando o interessado seja o Tribunal de Contas, nesse caso, o foro competente será o Tribunal de Justiça local a quem cabe dirimir o conflito entre aquela Corte de Contas e Governador do Estado. Cumpro esclarecer de inicio, que a Tese sustentada, encontra seu fundamento na jurisprudência dos Tribunais, emergindo dela de que a Corte de Contas é detentora de legitimidade ativa ou passiva de ser parte em juízo, diante de sua personalidade judiciária ou processual, não obstante, não tenha personalidade jurídica própria. Em princípio, compete ao próprio Tribunal de Justiça local, julgar mandados de segurança contra atos do Governador do Estado (art. 106, I, letras “d” e “e” da Constituição do Estado de Sergipe, combinado com o art. 125, §1º, da Constituição Federal), nos termos da Constituição Estadual, conforme se vê dos dispositivos que se transcrevem in verbis: “Art. 106. Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça:

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I - processar e julgar originariamente: d) o habeas-corpus nos termos da Constituição Federal, e o habeas-data quando a autoridade coatora ou a responsável pelos dados sejam o Governador do Estado, os Prefeitos Municipais, os Secretários de Estado, o juiz de direito, o Procurador Geral de Justiça, o Procurador Geral do Estado e o Presidente da Assembleia Legislativa; e) o mandado de segurança contra atos das autoridades mencionadas na letra d, do Presidente de Comissão Parlamentar (Sem negritos no original) de Inquérito, de membro da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Contas, de Desembargador Relator e Corregedor.” 197


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Isso decorre do que dispõe, por simetria, o artigo 125, §1º, da Constituição da República: “Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. (Sem negritos no original).

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A legitimidade do Tribunal de Justiça local é evidente, como competente, para dirimir o litígio dessa natureza envolvendo o Tribunal de Contas e o Governador do Estado. Como se vê, não há nenhum óbice que impeça que, tanto o Tribunal de Justiça, quanto o Tribunal de Contas, como órgãos despersonalizados da administração pública, possam atuar diretamente no juízo competente, na defesa de suas prerrogativas institucionais. É o que já está assentada na Jurisprudência, tanto do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, como se vê do contido nos arestos trazidos anteriormente à colação, como nos que se verá também em seguida. Nesse sentido é o que consta da decisão proferida no mandado de segurança n° 21.239/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, onde afirmou-se que: “(...) entre os direitos públicos subjetivos, incluem-se os chamados direito-função, que tem por objeto a posse e o exercício da função pública pelo titular que a detenha, em toda a extensão das competências e prerrogativas que a substantivem: incensurável, pois, a jurisprudência brasileira, quando reconhece a legitimação do titular de uma função pública para requerer segurança contra ato do detentor de outra, tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade de seus poderes ou competências”. “Assim o é, porque conforme já afirmado, está assentado na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de 198


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Órgãos despersonalizados da Administração Pública, em defesa de prerrogativas institucionais, atuarem em juízo em nome próprio (MS nº 21.239/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, publicado no DJ, pág. 237, em 23/04/1993)”.

No mesmo sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça, de que o Tribunal de Contas, conquanto não tenha personalidade jurídica, tem, entretanto, nesses casos apontados, personalidade judiciária, sendo, portanto, legitimado para figurar no polo tanto ativo quanto passivo em mandado de segurança, na hipótese em que defenda prerrogativas institucionais (STJ, Resp. nº 178.904-Acre,Relatora Ministra Nancy Andrighi , in DJ de 03/04/2000). Com efeito, o Tribunal de Contas é parte legitima para figurar no polo das ações, em duas circunstâncias, a saber:

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a) a primeira delas, em mandado de segurança, para defender seus atos, como por exemplo, no caso concreto em Processo Administrativo Disciplinar contra integrante da Corte de Contas, como ocorreu no caso da aposentadoria compulsória de conselheiro da Corte, onde o Tribunal figurou como parte legítima no mandado de segurança, processo nº 2008.116.276/TJSE. Bem como no STJ, no RMS nº. 3.6496/SE.

Bem como no Pedido de Suspensão de Segurança nº 1919/ SE, no STJ, onde foi reconhecida a legitimidade do TCE/SE, de ser parte em Juízo. b) o segundo deles, também, em sede de Mandado de Segurança, para obrigar a Fazenda Pública Estadual a fazer o repasse dos duodécimos a que tem direito, como já explicitado anteriormente, nos prazos fixados constitucionalmente pelo artigo 168 da Constituição Federal.

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Com efeito, é o mandado de segurança impetrado por um dos legitimados no artigo 168 da CF/88, o remédio jurídico “ contra omissão do Governador do Estado quando não fizer os repasses dos duodécimos, sempre até o dia 20 de cada mês” (Precedente do STF, MS 22.384, relator min. Sydney Sanches, DJ de 26/09/1997), in A Constituição e o Supremo, Verbete ao Art. 168. É o que está assentado em Precedente do STF no MSAQO - agravo regimental em mandado de segurança- questão de ordem, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, publicado no DJ, página 36.331, em 27/10/1995. Esta decisão foi citada em colação pela Ministra Nancy Andrighi do STJ, no recurso especial nº 178.904/Acre. A competência do Tribunal de Justiça local para processar e julgar o mandado de segurança parece-nos certa, pois compete a esse tribunal julgar mandados de segurança contra atos do Governador do Estado (art. 106, inciso I, alínea “é” da Constituição do Estado de Sergipe combinado com o art. 125,§ 1º, da Constituição Federal), como assentado nos seguintes precedentes: resp. nº 178.904/Acre, Rel. Min. Nancy Andrighi. RE nº 106.923/RS, Rel. Min. Sidney Sanches. DA CAPACIDADE POSTULATORIA DE ASSESSOR JURÍDICO DO TRIBUNAL DE CONTAS COM INSCRIÇÃO NA OAB, COMO SEU ADVOGADO EM JUÍZO. POSSIBILIDADE Não obstante estabeleça o art. 30, inciso I, do Estatuto dos Advogados (Lei nº 8.906/1994), que são impedidos de exercer a advocacia os servidores da Administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou a qual seja vinculada a entidade empregadora daqueles servidores, há, todavia uma exceção a essa regra conforme será demonstrado. 200


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Essa exceção se dá no caso em que o subscritor de mandado de segurança, seja advogado que tenha inscrição na OAB, e esteja no exercício de cargo de assessor jurídico da Presidência de Tribunal de Contas ou sendo o seu coordenador jurídico. Em uma primeira leitura, poderia parecer de que aqueles que exercem tais cargos estariam impedidos de advogar contra o Estado ou o Governador deste, à luz da Lei nº 8.906/94, em defesa da instituição em que esteja exercendo o cargo, mesmo sendo este em comissão. Nesse caso, poderia parecer que a solução correta seria suspender o curso do processo para que o Tribunal de Contas contratasse um novo advogado em substituição ao anterior. Posição esta da qual discordamos e sustentamos tese diversa nos tribunais, onde, em casos concretos, nossa tese foi vencedora. Impossibilidade de exercício do Jus Postulandi de Procurador do Estado como advogado do Tribunal de Contas em caso de duodécimo. Tendo em vista o conflito de interesses envolvidos, razão pela qual não poderia representar o Tribunal de Contas. A nosso ver, essa posição é a correta, porque presente a existência de conflito de interesses entre o Tribunal de Contas e o Governador do Estado, especificamente, no caso de repasse dos já referidos duodécimos mensais. Não é tão simplista dizer-se, de plano, que a substituição daquele assessor jurídico por um novo advogado seria a melhor solução. Em relação ao mandado de segurança que tem como impetrante a Corte de Contas e como impetrado o Governador do Estado, desde quando presente o conflito de interesses, não seria de bom senso se exigir que o Estado fosse obrigado a contratar advogado particular, arcando, inclusive, com seu ônus, para defender o Tribunal de Contas, nem que este 201


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último fosse representado por um procurador do Estado, quando a Corte tivesse em seus quadros advogado exercendo cargo comissionado. Poderia até se pensar que sendo o Tribunal de Contas um órgão auxiliar da Assembleia Legislativa, a rigor, quem deveria estar em juízo propugnando a defesa de seus interesses seria o Estado, através da Procuradoria-Geral, mas, não é bem assim. Aqui é que está o imbróglio da questão: o mandado de segurança quando impetrado contra ato do Governador do Estado, que tem como advogado natural deste o Procurador-Geral do Estado, se estaria, nesse caso, inexoravelmente, na presença de um conflito de interesses entre essas partes, quando se tratar da questão do repasse do já mencionado duodécimo mensal. E, nesse caso, ao nosso olhar, cabe à Corte de Contas, ou quando o interessado seja o Tribunal de Justiça, atuar por meio de advogado próprio, respectivamente, constituído, por cada um desses Entes do Estado, e não por representação de um procurador do Estado, visando, dessa forma, se manter, em casos dessa natureza a paridade de armas entre os litigantes, posto que presente um conflito de interesses. Dizemos nós que, estando presente esse conflito de interesses, expresso no fato de que teria a autoridade coatora deixado de repassar o duodécimo mensal cabível ao Tribunal de Contas, situação essa “sui generis”, porque estaria, tanto no polo ativo como no passivo o próprio Estado Federado, e nesse caso, não caberia sua representação em juízo à Procuradoria-Geral do Estado, mas a advogado próprio e por aqueles constituídos para defender, respectivamente, seus interesses em face da presença escancarada de um conflito de interesses com o Governador do Estado. Com efeito, diante dessa situação fática, não seria possível convocar um procurador do Estado para atuar em favor do 202


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Tribunal de Contas ou do Tribunal de Justiça em desfavor do Governador do Estado diante do que acima já fora dito. Estamos em face de uma situação como aquele vivenciada pelo Rei Salomão, quando duas mulheres se diziam mãe do mesmo filho, e pediam Justiça. Todos sabem que a verdadeira mãe preferiu o sacrifício de perder seu filho para aquela que não era efetivamente a mãe, quando o Rei apontou como solução dividir a criança, a fio de espada, entregando a cada uma delas, parte do corpo. Em razão das características do caso, em que o assessor jurídico do Tribunal de Contas estava a exercer a advocacia no âmbito de suas atividades institucionais, assessorando o órgão presidencial da Corte de Contas, e não no patrocínio de uma causa em nome de um particular, contra o Estado. O advogado do Tribunal de Contas estaria em juízo em defesa de direitos próprios do seu órgão, direitos estes inerentes a instituição que o remunera, sendo nesse caso, possível sim, que aquele assessor possa atuar como advogado daquela Corte de Contas, exigindo-se, apenas, para tal, que esteja inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Essa solução é a mais sensata, considerando que o objeto do Writ visa assegurar direito próprio, inerente ao Tribunal de Contas. A nosso ver, não vemos como se vislumbrar no caso concreto, o impedimento do advogado subscritor do mandado de segurança, que somente em razão do cargo que exerce na Corte de Contas, impetraria Mandado de Segurança contra o Governador do Estado, como advogado da Corte respectiva. A solução encontrada para dirimir essa controvérsia foi salomônica, e partiu da sempre lúcida ministra Nancy Andrighi, em decisão assentada no recurso especial nº 178.904/Acre, da qual foi relatora, cuja decisão será oportunamente transcrita. 203


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Essa tese nós já defendíamos desde o ano de 2008, no STJ, na suspensão de segurança em mandado de segurança nº. 1919/SE, da qual foi seu relator o Ministro Presidente César Asfor Rocha, onde atuamos como advogado do Tribunal de Contas de Sergipe, em face de decisão de relator em Writ da Corte de Justiça Estadual local, que assentara que a Corte de Contas não tinha capacidade de estar em Juízo, tendo dita decisão sido suspensa no Superior Tribunal de Justiça, que reconhecera a legitimidade daquele. Ao ler dita decisão, lembrei-me das lições do sempre culto e eficiente desembargador Manuel Pascoal Nabuco D’Ávila, do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, de quem fui chefe de sua assessoria, quando este exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado, a expressão de sua lavra que tomei como lição para a advocacia: “uma das coisas mais difíceis no Direito é colocar o Direito como tal, no Caso concreto, e achar a solução legal para dirimir o conflito”. Encontramos, pois, a sustentação de nossa tese no que já fora anteriormente plasmado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 178.904/ACRE, Rel. Min. Nancy Andrighi. Fora aplicado, no caso narrado, o contido no pensamento do desembargador Pascoal Nabuco, acima referido, quando a indicada ministra do STJ, ao interpretar o art. 30, inciso I, da Lei nº. 8.096/94, não viu qualquer configuração de impedimento de que assessor do Tribunal de Contas possa figurar com capacidade postulatória na defesa de prerrogativa institucional daquela Corte; ainda que o patrocínio da causa fosse contra o Estado, tendo em vista a colisão de interesses, conforme se vê do seu acórdão.

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DO FATO ENVOLVENDO A DECISÃO ACIMA APONTADA O Estado do Acre havia se insurgido contra a representação processual do Tribunal de Contas daquele Estado no mandado de segurança (resp. nº 178.904-Acre), que havia impetrado no Tribunal de Justiça local, contra o Governador do Estado para perceber o repasse dos duodécimos (art. 168 da C.F/88) sem nenhuma glosa institucional. O mandado de segurança fora da lavra de assessor da Presidência da Corte de Contas, cargo em comissão, exercido por bacharel em Direito, inscrito na OAB, mas que estaria impedido de atuar contra o Estado que o remunera, na compreensão deste último. O Tribunal de Justiça do Estado do Acre já havia examinado a questão da inexistência de irregularidade postulatória e de representação do patrono da Corte de Contas, por um seu assessor jurídico, entendendo de que este não estava sujeito ao alcance do impedimento do artigo 30, inciso I, da Lei nº. 8.906/94, no âmbito de suas atividades institucionais. Aplicou-se, ao caso concreto, o artigo 29 da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se transcreve in verbis: Art. 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.

Ficou assentado que o Tribunal de Contas podia ser representado por um assessor jurídico dos seus quadros, como advogado, que embora este mantenha vínculo funcional com entidade da administração pública estadual, venha a patrocinar causa de interesse contrário desta, exercendo a advocacia no âmbito de suas atividades institucionais na Corte de Contas. 205


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O Tribunal de Contas não poderia permanecer inerte, sem acesso ao Poder Judiciário, quando estivesse em conflito prerrogativa institucional ameaçada de sucumbir frente ao próprio Estado. CONCLUSÃO Quanto ao mérito da questão, repise-se: o Tribunal de Contas como órgão auxiliar do Poder Legislativo goza de independência político-administrativa, devendo receber prioritariamente os valores duodecimais da dotação orçamentária, não estando, portanto, o repasse referido determinado pela Constituição Estadual, sujeito à programação financeira ao fluxo da arrecadação feita pelo Poder Executivo. De outra parte, pode o Tribunal de Contas ser representado em juízo por assessor jurídico comissionado, desde que inscrito nos quadros da OAB. Quanto à tese do repasse do duodécimo, se é sobre o bruto ou do líquido, daquele valor fixado pelo orçamento anual, ainda está sendo objeto de divergência nos tribunais, como já demonstrado. Não obstante, em face da crise financeira pela qual passa o país em 2017, mormente nos casos dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, é possível que o Supremo Tribunal Federal modifique o entendimento anterior, para assentar que o repasse deverá ser sobre o valor líquido arrecadado pelo Estado e não sobre o valor bruto consignado no orçamento Estadual. De igual modo, pode e deve o Tribunal de Justiça dos Estados impetrar mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, contra ato do Governador do Estado quando este último deixar de repassar ao Poder Judiciário Estadual recursos do orçamento correspondentes aos duodécimos previstos no art. 168, da CF/88, que estabelece o repasse – até o vigésimo 206


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dia de cada mês – dos duodécimos orçamentários dos demais poderes e instituições constitucionais. Foi o que fez recentemente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ) que impetrou o mandado de segurança (MS) 33969, no Supremo Tribunal Federal, contra o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, quando aponta que o governador não teria cumprido o art. 168 da CF/88, correspondente ao mês de dezembro de 2015, como já nos referimos anteriormente. O governador do Estado do Rio de Janeiro alegou a existência de crise financeira e orçamentária por que passa aquele Estado, não obstante, dita alegação, o Ministro Lewandowski entendeu ao examinar o pedido de liminar de que estava presente no mandamus o risco de que a demora na concessão da medida pudesse provocar danos para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e que, no pedido liminar, estava também presente a plausibilidade nas alegações do impetrante quanto a uma possível omissão do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro, de modo a comprometer a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário daquele Estado-membro, assegurada de forma categórica, nos artigos 99 e 168 d Constituição Federal. Nesse sentido, recentíssima decisão proferida no dia 22 de dezembro de 2015, durante o recesso do Supremo Tribunal Federal, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente da Suprema Corte, no MS/33969 - MANDADO DE SEGURANÇA que tem como Relatora sorteada a Ministra Cármen Lúcia, como se vê no ponto específico que se transcreve abaixo: “[...] Isso posto, defiro o pedido liminar formulado, para determinar que o Governador do Estado do Rio de Janeiro, em ainda não o tendo feito, efetue o repasse, como vem realizando nos últimos meses, do valor do duodécimo do mês de dezembro de 2015 correspondente aos 207


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recursos das dotações orçamentárias destinadas ao Poder Judiciário estadual para o exercício financeiro vigente, nos termos da legislação em vigor. Assim sendo, comunique-se, com a máxima urgência, a autoridade apontada como coatora, notificando-a para que preste informações no prazo de dez dias (art. 7º, I, da Lei 12.016/2009). Dê-se ciência desta impetração à Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, enviando-lhe cópia da petição inicial e desta decisão (art. 7º, II, da Lei 12.016/2009). Publique-se.”

Na liminar deferida no mandado de segurança nº 34.483/ RJ, o ministro Dias Toffoli assentou que a matéria repasse de duodécimo, tanto para o Poder Judiciário Estadual, tanto para Assembleia Legislativa, e quaisquer órgãos, envolvendo remuneração de servidores públicos, representados por seus órgãos de classe, não é da competência da Justiça Estadual, tanto que suspendeu decisão do Juiz de Direito da 8ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, proferidas no processo nº 00062449264.2016.8.19.0001 e processo nº 0029307-352016.8.190001, para anular os atos reclamados, reconhecendo a competência da Suprema Corte para julgar matéria relacionada pelo Tesouro Estadual. É de bom alvitre a leitura da decisão liminar proferida no MS 34.483/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli. A Segunda Turma do STF, por votação unânime, referendou a decisão liminar assentada e acima indicada, bem como o acordo convencionado, conforme termo de audiência. Como se vê, em se tratando de repasse de duodécimo, a competência para dirimir o conflito entre o governador do Estado, o Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas, é do Supremo Tribunal Federal, por se tratar de matéria constitucional.

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SUSPENSAS DECISÕES QUE DETERMINAVAM O REPASSE ORÇAMENTÁRIO INTEGRAL DE DUODÉCIMOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO E AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE.

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O Supremo Tribunal Federal tem deferido quer em sede de mandado de segurança (MS 34483/RJ), quer em pedido de suspensão que determinava repasse integral de duodécimos ao Ministério Público do Rio Grande do Norte, em face da crise financeira pela qual passam os Estados Federados no momento, mantido que o pagamento tem que ser feito até o dia 20 de cada mês, entretanto, é possível que, havendo frustração de receitas a menor do que aquela prevista no orçamento, o repasse se dê não sobre o valor integral, mas, sobre o quanto da receita líquida efetivamente arrecadada. Quanto ao pedido de liminar do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a íntegra do voto do relator, ministro Dias Toffoli no MS 34483, onde reconhece a competência originária do STF, quando houver interesse econômico por parte dos membros do tribunal de origem em relação ao repasse do duodécimo, onde concedeu medida cautelar no indicado Mandado de Segurança (Precedentes: MS nºs 21.450/MT, 22.384/GO, 23.267/SC e AO nº 311/AL). “Mais recentemente, entretanto, em julgamento do MS nº 31.671/ RN - submetido ao Plenário (porquanto anterior à alteração implementada pela Emenda Regimental nº 45/2011, em especial art. 9º, I, g, do RI/STF) -, os ministros desta Suprema Corte, ao menos em sede cautelar, passaram a ponderar a necessidade de se adequar a previsão orçamentária à receita efetivamente realizada/arrecada pelo Poder Executivo para fins do direito ao repasse dos duodécimos aos demais Poderes e órgãos autônomos, sob o risco de se chegar a um impasse em sua execução”. (Sem grifos no original) 209


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O Ministro Dias Toffoli decidiu levar o exame da Liminar para a Segunda Turma, devido a grave situação financeira do Estado do Rio de Janeiro. A Segunda Turma do STF deferiu parcialmente a Liminar pedida pelo TJRJ para que procedesse o repasse do duodécimo até o vigésimo dia de cada mês, conforme Voto do Relator, já indicado. O repasse, entretanto, poderá não ser o valor integral previsto na Lei Orçamentária para o TJRJ; a decisão faculta ao Executivo aplicar um desconto uniforme de 19,6% da receita corrente líquida prevista na Lei Orçamentária anual, que corresponde esse percentual ao déficit na arrecadação (MS 34483). Como se vê, o STF passou a ponderar a necessidade de uma adequação da previsão orçamentária à receita efetivamente realizada para fins do repasse dos duodécimos aos demais poderes e Órgãos autônomos (Ministério Público e Tribunal de Contas). Isto porque, com efeito, a Lei Orçamentária declara uma expectativa do montante da receita a ser realizada, podendo esta vir acontecer ou não (Precedente do STF: MS 31671), conforme determinou o Plenário, de forma semelhante. SUSPENSA DECISÃO QUE DETERMINAVA REPASSE INTEGRAL DE DUODÉCIMOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE. No mesmo sentido da decisão anterior, a Presidente do Supremo Tribunal Federal deferiu cautelar no Pedido de Suspensão de Segurança (SS 5157), ajuizada pelo Estado do Rio Grande do Norte, contra liminar deferida pelo TJRN, que havia determinado o repasse integral, até o dia 20 de cada mês dos duodécimos destinados ao Ministério Público Estadual pela Lei Orçamentária Anual (MS nº 2016.016335-6 do TJRN), conforme se vê da Ementa da Decisão da Ministra Cármen Lúcia, Presidente do STF: 210


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“MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 5.157 RIO GRANDE DO NORTE DECISÃO MEDIDA LIMINAR NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA. FRACIONAMENTO DO REPASSE DE DUODÉCIMOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE. FRUSTRAÇÃO DE RECEITAS. REDUÇÃO DOS REPASSES DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS. NECESSIDADE DE REDUÇÃO DOS LIMITES DE EMPENHOS. COMPROVADO RISCO DE LESÃO À ORDEM ADMINISTRATIVA E ÀS FINANÇAS PÚBLICAS ESTADUAIS. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA”.

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Indico a leitura da decisão em sua integralidade para compreender porque da mudança de entendimento do STF diante da atual crise financeira pela qual passam os Estados brasileiros.

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Capítulo VI Das multas aplicadas pelo Tribunal de Contas ao Gestor Público.

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Da aplicação de multas ao Gestor. Possibilidade. Constitucionalidade. Inconstitucionalidade de sua cobrança pelo próprio Tribunal via Procuradoria Geral do Estado em benefício próprio. A multa pertence ao Ente Público do qual o Gestor faz parte e não ao Tribunal de Contas.

Trocando ideias com um antigo Assessor Jurídico da Corte de Contas do Estado de Sergipe, disse-me ele que aquela Corte havia firmado um convênio com a Procuradoria-Geral do Estado, para que esta pudesse promover a cobrança ou a execução de multas impostas pelo próprio Tribunal à autoridades municipais, ou estaduais, por irregularidades no uso de bens públicos, cujos recursos financeiros seriam divididos entre aquela Corte e a Procuradoria-Geral, que aplicaria os recursos financeiros decorrentes dessa cobrança na modernização da Escola de Contas e na Biblioteca daquela Procuradoria. 212


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Achei estranho que pudesse o Tribunal de Contas, via Procuradoria Geral do Estado, promover execução judicial, para cobrança de multa imposta pelo próprio Tribunal a Agente Público, e em benefício daquele. Em defesa da postulação, o referido assessor argumentava que, por se tratar de uma multa sancionatória e não indenizatória, a seu ver, não havia qualquer ilegalidade, em que houvesse a reversão da multa para o órgão fiscalizador que aplicava esses recursos na sua Escola de Contas, na aquisição de livros, material tecnológico para sua modernização, e outros benefícios para a instituição com os valores financeiros de tais multas e parte dela era dirigida para o mesmo fim à Procuradoria-Geral do Estado. Disse-lhe que, quando exerci o cargo de coordenador jurídico daquela Corte, nunca permiti que se desse azo a esse entendimento porque, na matriz da Constituição Federal de 1988, não havia autorização para esse procedimento, e, nessa linha, não havia a simetria naquela para que pudesse a Constituição Estadual fixar como fixou essa possibilidade, que a nosso ver, é inconstitucional. Fiquei de estudar a matéria e a transformei no presente Capítulo. Na verdade, a Constituição do Estado de Sergipe, no seu art. 68, XI, autoriza aquela Corte de Contas a executar suas próprias decisões. Autoriza, também, com base nos incisos II e VIII do art. 71 da CF/88, caber a tais Cortes a aplicar aos responsáveis por irregularidades no uso dos bens públicos, as sanções previstas em Lei, entre elas o ressarcimento do prejuízo causado ao erário e a fixação de multa proporcional ao dano sofrido pela Fazenda Pública em decorrência de atos do gestor público. É certo que as condenações fixadas pelo TCE, como as anteriormente indicadas, se constituem em título executivo (nos termos do art. 71, §3º da CF/88), com eficácia plena. 213


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Nesse sentido, transcrevo o art. 68, XI, da Constituição do Estado de Sergipe, que atribui ao Tribunal de Contas competência para “executar suas próprias decisões, que impliquem imputação de débito ou multa”, conforme se vê in verbis:

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“Art. 68. A Assembleia Legislativa exercerá o controle externo com auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete: (...) VII – aplicar aos responsáveis, em casos de ilegalidade de despesas ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos erários: (...) XI – executar suas próprias decisões que impliquem imputação de débito ou multa: (...) Parágrafo 3º - As decisões finais do Tribunal de Contas de que resulta imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo, independentemente de inscrição na dívida pública”.

Sob tal fundamento, juízes de Primeiro Grau de jurisdição haviam refutado a alegação de ilegitimidade do Tribunal de Contas, para executar suas próprias decisões, quando tais cobranças chegavam a ser judicializadas em suas comarcas. Todavia, a nossa tese é da ilegitimidade para fazer tal cobrança, porque a Constituição Federal não lhe autoriza, e, por via de consequência não podia a Constituição Estadual fazer esta autorização, daí a sua inconstitucionalidade. Percebi que essa matéria já havia sido apreciada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em sede de apelação, quando reformou Sentença de um juiz de Primeiro Grau para declarar a inconstitucionalidade do art. 68, XI, da Carta Estadual, por incompatibilidade com o art. 71, §3º, da CF/88. 214


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O Tribunal de Justiça de Sergipe, portanto, reconheceu a ilegitimidade ativa do Tribunal de Contas para promover execução de cobrança de multas por este fixadas. No entendimento da Corte de Justiça Local, o verdadeiro credor dos débitos imputados pela Corte de Contas não era a própria Corte de Contas, mas o ente público prejudicado (o município, ou o Estado), seja ele da administração direta ou indireta mantida pelo poder público, por atos do gestor. Nessa linha, os titulares do crédito que têm origem a partir de decisão da Corte de Contas, que fixava multa, seriam das próprias pessoas jurídicas referidas, e não do próprio Tribunal de Contas. Esses entes públicos seriam representados judicialmente por seus próprios advogados ou procuradores, como representantes destes, pois, apenas estes, são legitimados a propor a execução daquelas multas. Não pode a Corte de Contas executar crédito que pertence a outrem, em nome próprio, por lhe faltar legitimidade e interesse imediato e concreto. Até que se poderia se pensar, na possibilidade de o Ministério Público Especial, junto ao Tribunal de Contas da União, ter legitimidade para propor as execuções em causa. Mas, conforme decidiu o STF no julgamento da ADI 789-DF, Rel. Min. Celso de Mello, in Dj de 19/12/94, isso não é possível, porque o Ministério Público Especial compõe o próprio Tribunal de Contas, fazendo parte da estrutura deste, não podendo atuar na esfera do Poder Judiciário para aquele fim. Em havendo omissão por parte do ente público, seria o caso dessa legitimidade ser exercida pelo Ministério Público Comum, que atuaria no Judiciário, repita-se. A nosso ver, quando o próprio município ou o Estado deixar de executar as decisões dos Tribunais de Contas, que fixar multa contra os gestores públicos, ficando omissos, a legitimidade 215


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passaria para o Ministério Público Comum, e esta se faz presente, por omissão daqueles entes públicos, que deixaram de propor as ações de execuções fiscais daquelas multas. Com efeito, essas decisões que fixam multas não podem ter sua execução por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público Especial, ou por parte da Procuradoria-Geral do Estado, por ilegitimidade de todos estes. O Tribunal de Contas não pode, sob qualquer ângulo, se constituir em titular de um direito decorrente de multa fixada pelo próprio Tribunal, pois seria beneficiar-se de sua própria decisão, de um direito que pertence a um terceiro. Na verdade, a ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, isto mesmo, e tão somente pelos procuradores do ente público, no caso, o município do qual faz parte o gestor que receberá os valores financeiros decorrentes daquela condenação. PRECEDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE. É de ser ressaltado, nessa linha de pensar, que o próprio Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe decidiu e o Supremo Tribunal Federal manteve a decisão originária da Corte local, assentando no recurso extraordinário nº. 223.037-1/Sergipe, Rel. Min. Maurício Corrêa, que a norma da Constituição Estadual, que permitia a essa Corte Administrativa de executar as multas por este fixadas para si próprio, é inconstitucional. Nesse mesmo sentido, decisão mais recente do STF, de 18 de junho de 2013, no agravo regimental no recurso extraordinário nº. 580.943/Acre, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Veja-se no mesmo sentido, no sítio do STF, no Informativo nº. 851 de 12 a 19 de dezembro de 2016, decisão ainda não publicada do Acórdão até a data da elaboração do texto. 216


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Capítulo VII O câncer e a luta pela isenção do Imposto de Renda no Judiciário

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O câncer e a isenção do Imposto de Renda. Da Lei Federal nº 7.7713/1988 (art. 6º, inciso XIV). A isenção do Imposto de Renda incide apenas sobre proventos dos aposentados e não sobre rendimentos durante a atividade. Jurisprudência do STJ. Da burocracia e da insensibilidade da fonte pagadora no reconhecimento administrativo da isenção. Da Via Judiciária para seu reconhecimento e obtenção.

No Brasil, lamentamos dizer que as leis não são feitas para serem cumpridas de forma rápida, prática, eficiente e adequada, solucionando os conflitos jurídicos entre as pessoas do povo e o Estado Brasileiro de maneira simples em relação ao câncer, como deveria ocorrer. A JORNADA BUROCRÁTCA. Ao contrário, o que se tem é uma verdadeira guerra jurídica contra a União Federal e os 217


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Estados para se obter a isenção do imposto de renda que a lei concede aos portadores dessa moléstia, sobre seus proventos de aposentadoria. É uma grande jornada burocrática a que são submetidos os que sofrem desse mal, posto a insensibilidade com a dor do outro, por parte do Ente Estatal, que se recusa em reconhecer o direito à isenção do imposto de renda dos portadores do câncer, que quase sempre só o conseguem na solidariedade humana do Poder Judiciário, última esperança e bastião dos que sofrem com esse terrível mal.

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Na maioria dos casos, a posição do Poder Executivo é a de conceder no plano administrativo a isenção do imposto de renda, apenas por 5 anos, mediante LAUDO PERICIAL MÉDICO OFICIAL da Junta do Estado que funciona na Secretaria de Administração. A partir daí, o mais rápido é a Judicialização, pois a Procuradoria do Órgão Previdenciário resiste à isenção, bem como a Procuradoria-Geral do Estado, como aconteceu em Sergipe até a bem pouco tempo, em 20/01/2016, conforme se vê da ata da centésima quadragésima segunda reunião ordinária do Conselho Superior da Advocacia Geral do Estado, no processo administrativo nº 010.000.00326/2015-8, com repercussão geral, tendo como interessado o servidor público aposentado Eduardo Roberto Sobral e Farias. Mesmo com a Judicialização da ação, o Estado e a Previdência Social encarregada de efetuar o pagamento dos proventos aos seus aposentados, estes continuam a resistir na contestação contra a isenção, promovendo mesmo depois do julgamento da causa, recursos processuais disponíveis, como meio procrastinatório, até porque sabem da posição dominante da jurisprudência do STJ, que é favorável à concessão da indicada isenção aos aposentados, nesses casos. 218


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A LEI FEDERAL 7.713/1988, BASE LEGAL DA ISENÇÃO. Os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados Federados julgam, salvo exceções, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que considera os rendimentos da inatividade dos servidores públicos isentos do imposto de renda, como autorizado pela precitada lei. Aqueles que ainda se encontrem na atividade, a lei em questão não os protege, ou seja, estes não fazem jus à isenção do imposto de renda sobre seus rendimentos. A nosso ver, a posição da lei é injusta, tornando-se necessário a elaboração de um Projeto de Lei para estender os mesmos direitos dos aposentados aos que se encontram na atividade, trabalhando, isso em face do princípio constitucional da isonomia, mas essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça em face da lei. Não se admite a interpretação extensiva do texto da Lei. 7.713/88. Essa é a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que assentou entendimento consolidado de ser incabível a interpretação extensiva dessa norma em favor dos portadores de câncer, que se encontrem ainda em plena atividade. Veja-se, nesse sentido, recurso especial nº 1.116.620 - BA (2009/0006826-7), Rel. Min. Luiz Fux, que trouxe à colação os precedentes que citou neste recurso, conforme se vê in verbis: “EMENTA TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88 COM ALTERAÇÕES POSTERIORES. ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. 219


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Jeferson Fonseca de Moraes 1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal. 2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas. (grifos e negritos do autor) 3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedente do STF: RE 233652 / DF - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ 18-10-2002. Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp 957.455/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 09/06/2010; REsp 1187832/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010; REsp 1035266/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 04/06/2009; AR 4.071/CE, Rel. Ministro TEORI 220


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ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 18/05/2009; REsp 1007031/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 04/03/2009; REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006)”.

DA JUDICIALIZAÇÃO. Entre nós, as coisas simples se tornam muito difíceis de serem resolvidas em razão da forte burocracia que nos administra, e da qual não conseguimos, lamentavelmente, nos libertar. Muitos portadores de câncer morrem sem conseguir alcançar a efetividade desse direito, diante dos entraves burocráticos que são criados pela administração pública. O câncer é uma doença que causa profundo sofrimento físico e moral ao doente, que se vê a cada dia emagrecer em grande escala e, se não tiver uma fé profunda na vida e na espiritualidade, não resiste por muito tempo. É preciso muito força e fé para conviver com esta terrível doença. Ela não atinge somente o doente, mas a sua família de um modo particular, e os amigos de um modo geral. Por isso, se diz que as pessoas precisam ser solidárias no câncer, mas nem sempre é o que acontece na administração pública com seus servidores aposentados. A doença atinge ricos, pobres, jovens, crianças, idosos, poderosos ou não, enfim, a todos de forma violenta. Ninguém está livre de ser atingindo por ela, o saudável de hoje pode ser o doente de amanhã, portanto, sejamos solidários uns com os outros! Quase sempre, o cidadão na busca de proteção, quando portador dessa doença grave, precisa, na maioria das vezes, fazer a judicialização de sua pretensão, para obter um direito que deveria 221


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alcançá-lo de forma mais célere e efetiva pela própria administração pública, sem necessidade de se bater às portas da Justiça. O cidadão, então, busca a proteção e a efetividade do seu direito, na segurança da Justiça, propondo a respectiva ação judicial. É assim que se repete diuturnamente. O bom é que vigora entre nós o salutar princípio constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, na dicção do que dispõe o Artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, conforme se vê, in verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

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Fazer a judicialização é bater às portas do Poder Judiciário, antes de qualquer providência, na busca da efetividade do cumprimento do direito normativo fixado na lei, tendo em vista que vige no Brasil o “princípio da inafastabilidade da jurisdição”. Isso significa que o cidadão tem o direito de ação ou de acesso à Justiça, requerendo que esta resolva seus conflitos com a administração pública, sem antes mesmo ter que postular essa solução na via administrativa, quando nesta não for atendido a contento. Pode o cidadão fazê-lo diretamente perante o Judiciário, sem ter a obrigação de, para conseguir seu desiderato, promover requerimentos perante a via administrativa, repita-se, quando perceber as dificuldades que lhe forem criadas pela administração pública. Esse princípio é uma bênção! 222


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A NORMA LEGAL QUE REGE A ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA para os portadores de doenças dessa natureza, como disse alhures, é a Lei nº. 7.713/1988, norma jurídica federal que trata da legislação do imposto de renda, fixando em seu art. 6º, quais são os rendimentos constantes nos incisos desse artigo isentos do imposto, conforme se vê da indicada norma especificamente em seu inciso XIV, a saber:

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“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004) (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência)“ (grifos do autor).

Esta lei, todavia, como já dissemos anteriormente, só ampara aposentados e reformados. A norma é injusta com os não-aposentados porque não acolhe essas pessoas que ainda estejam em atividade, ou seja, trabalhando, mas não há outra solução no momento para estes últimos que não seja pressionar seu deputado federal para que este, através de Projeto de Lei, venha promover sua alteração em favor dos portadores dessa doença que ainda se encontram trabalhando. Os que estejam ainda em atividade, mesmo que tenham as mesmas despesas financeiras, com acompanhamento médico, 223


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exames variados, medicação diversa, para fortalecer o corpo e a alma, na busca de uma maior sobrevida, não possuem tal direito, o que soa injusto. A EXTENSÃO DOS DIREITOS ALBERGADOS NA LEI N. 7.713/1988 AOS SERVIDORES PÚBLICOS E TRABALHADORES DE UM MODO GERAL, EM ATIVIDADE, pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, foi considerada ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça ao dar interpretação extensiva a essa Lei, aos que se encontram na ativa. É que, no caso existente, a Fazenda Nacional, alegando divergência jurisprudencial e ofensa ao art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 e ao art. 11, do Código Tributário Nacional (CTN), naquela decisão do indicado Tribunal, em Grau de Recurso, sustentou, em suma, que a isenção em questão não se aplica aos rendimentos percebidos quando o contribuinte estiver em atividade.

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A Fazenda Nacional, nesse ponto, restou vencedora no recurso especial nº 1.535.025/AM, tendo como relator o ministro Herman Benjamin, cujo julgamento se deu no dia 23 de junho de 2015, conforme se vê da Ementa que se transcreve in verbis: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE, PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88. BENEFÍCIO RECONHECIDO A PARTIR DA APOSENTADORIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 incide somente sobre os rendimentos da inatividade, não se aplicando sobre o que recebido na ativa. 2. Recurso Especial provido. (STJ, SEGUNDA Turma, por unanimidade, deu provimento ao Recurso, nos termos do Voto do Ministro Relator). 23 de junho, de 2015 (data do julgamento)”. 224


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Retornando, dizemos nós que o acórdão cuja ementa acima está transcrita é uma das mais recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, no ponto ao lado de outras assentadas no mesmo sentido, a exemplo do RMS 31.637/CE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 14/02/2013, cuja Ementa se transcreve, in verbis: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. ART. 6º, INCISO XIV, DA LEI 7.713/88. SERVIDOR EM ATIVIDADE QUE RENUNCIOU À APOSENTADORIA. BENEFÍCIO FISCAL QUE SE INTERPRETA LITERALMENTE. 1. A pessoa física que, embora seja portadora de uma das moléstias elencadas, recebe rendimentos decorrentes de atividade, vale dizer, ainda não se aposentou não faz jus à isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. 2. Descabe a extensão do aludido benefício à situação que se não se enquadre no texto expresso da lei, conforme preconiza o art. 111, II, do CTN. 3. Recurso em Mandado de Segurança não provido”.

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No recurso especial nº 1.535.025-AM, o relator deste, ministro Herman Benjamin, em fundamento ao seu voto e à decisão ali contidos, traz em colação outros precedentes na mesma linha, a saber: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE, PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88. BENEFÍCIO RECONHECIDO A PARTIR DA APOSENTADORIA. ART. 462 DO CPC. APRECIAÇÃO DE JUS SUPERVENIENS EM INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. A isenção tributária é concedida somente mediante a edição de lei formal específica, nos termos do art. 97, VI, 225


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do CTN, cujos requisitos devem ser observados integralmente, para que se efetive a renúncia fiscal. 2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7713/88, é explícito ao conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores de moléstia grave. 3. Consectariamente, tem-se a impossibilidade de interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de descaber a extensão do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedentes: REsp 778.618/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 28.04.2006 ; RMS 19.597/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ 20.02.2006; REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, DJ 04.08.2006) 4. In casu, verifica-se que o benefício de isenção foi pleiteado quando em atividade o recorrente, razão pela qual não se enquadra na hipótese de incidência da norma isencional. 5. Entrementes, posteriormente à subida do recurso especial, o recorrente protocolou petição junto ao STJ, juntando farta documentação comprobatória de sua aposentação, ocorrida em 05/12/2006 - fato novo, nos termos do art. 462, do CPC -, reiterando o pedido declinado na inicial. 6. Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior tem admitido a apreciação do fato ou direito que possa influir no julgamento da lide, ainda que em instância extraordinária, desde que não importe a alteração do pedido ou da causa de pedir, porquanto a análise do jus superveniens pode ocorrer até a prolação da decisão final. (Precedentes: REsp 614771/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJ 01.02.2006 ; REsp 688151/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 08.08.2005; AgRg no Ag 322635/ MA, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA 226


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TURMA, DJ 19.12.2003; REsp 12673/RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 21.09.1992). 7. Nesse diapasão, na ausência de qualquer alteração no pedido (isenção de IRRF sobre os proventos de aposentadoria cumulada com a restituição dos valores indevidamente recolhidos desde 09/10/2002) ou na causa de pedir (ser portador de moléstia grave), óbice não há ao reconhecimento do direito à isenção pretendida a partir do momento em que o recorrente teve concedida a sua aposentadoria. 8. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 9. Recurso especial parcialmente provido, tão-somente para reconhecer o direito à isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria a partir de 05/12/2006, na forma da fundamentação expendida. (REsp 907.236/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe 01/12/2008). Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial. É como Voto.”

OS ESTADOS FEDERADOS PRECISAM CUMPRIR OS PRECEDENTES DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ, INDEPENDENTEMENTE DA PROPOSITURA DE AÇÕES JUDICIAIS. Há, entretanto, um descumprimento dessa jurisprudência quanto ao câncer e à respectiva isenção do imposto de renda sobre os proventos dos servidores aposentados, especificamente no Estado de Sergipe, por parte da fonte pagadora, tendo o autor destes escritos movido ação no Juizado Espacial 227


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da Fazenda Pública (proc. nº 201440902825), para obter a efetividade de tal direito, tendo a mesma sido julgada procedente. O Estado e a fonte pagadora, que é o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Sergipe – Sergipeprevidência, inconformados, manejaram recurso inominado, que tramitou pela Turma Recursal da Fazenda Estadual sem, entretanto, lograr êxito (proc. n. 201501007918), posto que, a Turma Recursal manteve a decisão do Juízo de Primeiro Grau em favor do Recorrido, na linha da jurisprudência citada. É evidente a má vontade dos órgãos do Governo, em todas as esferas de poder, sempre em detrimento do cidadão, mormente, quando fixam, inclusive, uma isenção do imposto de renda sobre proventos, no máximo por 05 (cinco) anos, quando a lei de regência não fixa qualquer prazo, sendo assim, por tempo indeterminado.

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NEOPLASIA MALIGNA RECONHECIDA NÃO SE EXIGE DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS, NEM DA COMPROVAÇÃO DE RECIDIVA DA DOENÇA, NEM DA VALIDADE DE POSTERIOR LAUDO PERICIAL OFICIAL, PARA QUE O CONTRIBUINTE FAÇA JUS À ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. O contido no título acima representa a posição do Judiciário brasileiro, na jurisprudência do STJ, entretanto, como dito anteriormente, o Poder Executivo, seus Entes e alguns poderes outros, continuam a exigir dos seus servidores aposentados o que a lei que rege a matéria não exige, sendo necessário, muitas vezes para a solução definitiva da querela sua judicialização, o que é desumano e lamentável. É lastimoso que isso tenha ocorrido, inclusive, com uma servidora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, aposentada 228


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e portadora de câncer, mas, mesmo assim, o Tribunal local continuava a exigir novas perícias, a cada período. Esse fato, digno de dó, tristeza, obrigou a uma servidora aposentada daquele Tribunal de Justiça a promover impetração de mandado de segurança contra ato do presidente daquela Corte, que exigia a realização de perícias por sua equipe médica temporariamente, com o objetivo da suposta alegação de que seria necessário a verificação da contemporaneidade dos sintomas e a comprovação da recidiva da doença. Exigência que a lei não pede. Uma ilegalidade, portanto. O Tribunal em questão denegou a segurança, tendo aquela servidora como impetrante, ao fundamento de que podia revisar o ato concessivo do benefício, pela possibilidade do seu poder de autotutela. A servidora inconformada manejou recurso ordinário em mandado de segurança contra a decisão do Tribunal Estadual referido, cujo acórdão tem a seguinte Ementa:

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“Mandado de Segurança. Servidora Pública Aposentada. Revisão do Ato Concessivo do Benefício. Possibilidade. Poder de Autotutela de a Administração Pública Rever seus Atos. Possibilidade de Declaração de Invalidade. Observância do Devido Processo Legal. Segurança Denegada, por Maioria”.

Dizemos nós ser lamentável a posição da Corte Estadual, tendo em vista que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é tranquila no sentido de que, em se tratando de neoplasia maligna, não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção do imposto de renda sobre seus proventos, como previsto no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com a redação dada pela Lei 11.052/2004, em relação ao rol de doenças nesta lei elencadas. 229


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O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em boa hora, REFORMOU a decisão acima apontada do Tribunal de Justiça do Rio do Sul, no recurso em mandado de segurança nº 32.061/RS (2010/0078267-2), Relatora Ministra Eliana Calmon, cuja ementa do acórdão se transcreve, in verbis: “EMENTA ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO - NÃO OCORRÊNCIA - OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - IMPOSTO DE RENDA - ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/1988 – NEOPLASIA MALIGNA - DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS - DESNECESSIDADE. 1. Inexistência de ofensa ao devido processo legal, considerando que a impetrante foi devidamente cientificada da necessidade de realização de nova perícia. Conquanto tenha justificado a sua ausência na data marcada pelo Departamento Médico do Tribunal, não consta ter a impetrante feito o mínimo esforço para se submeter à perícia em outra data, mesmo ciente dos efeitos que o seu não comparecimento poderia implicar. 2. Reconhecida a neoplasia maligna, não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. Precedentes do STJ. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança provido. (STJ, Segunda Turma, decisão unânime, Brasília-DF, 10 de agosto de 2010 (Data do Julgamento), Data da publicação: DJe 20/08/2010)”.

A Ministra Eliana Calmon, no indicado RMS nº 32.061/RS, em fundamentação ao seu voto, trouxe em colação vários precedentes que citou, assentando ali o que se transcreve in verbis: 230


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“(...) Cito precedentes: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PORTADOR DE NEOPLASIA MALIGNA. ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. APOSENTADORIA. DESNECESSIDADE DE LAUDO MÉDICO OFICIAL E DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. PRECEDENTES. I - É considerado isento de imposto de renda o recebimento do benefício de aposentadoria por portador de neoplasia maligna, nos termos do art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88. (...) IV - Ainda que se alegue que a lesão foi retirada e que o paciente não apresenta sinais de persistência ou recidiva da doença, o entendimento dominante nesta Corte é no sentido de que a isenção do imposto de renda, em favor dos inativos portadores de moléstia grave, tem como objetivo diminuir o sacrifício do aposentado, aliviando os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e medicações ministradas. Precedente: REsp 734.541/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2.2.2006, DJ 20.2.2006 (REsp nº 967.693/DF, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJ de 18/09/2007). V - Recurso especial improvido. (REsp 1.088.379/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe de 29/10/2008) TRIBUTÁRIO – AÇÃO MANDAMENTAL – IMPOSTO DE RENDA INCIDENTE SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA – NEOPLASIA MALIGNA – LEI N. 7.713/88 – DECRETO N. 3.000/99 – NÃO-INCIDÊNCIA – PROVA VÁLIDA E PRÉ-CONSTITUÍDA – EXISTÊNCIA – CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS – DESNECESSIDADE – MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO – PRECEDENTES. 1. Cinge-se a controvérsia na prescindibilidade ou não da contemporaneidade dos sintomas de neoplasia maligna, para que servidor 231


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o público aposentado, submetido à cirurgia para retirada da lesão cancerígena, continue fazendo jus ao benefício isencional do imposto de renda, previsto no artigo 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88. (...) 4. Ainda que se alegue que a lesão foi retirada e que o paciente não apresenta sinais de persistência ou recidiva a doença, o entendimento dominante nesta Corte é no sentido de que a isenção do imposto de renda, em favor dos inativos portadores de moléstia grave, tem como objetivo diminuir o sacrifício do aposentado, aliviando os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e medicações ministradas. Precedente: REsp 734.541/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2.2.2006, DJ 20.2.2006. (...) (REsp 967.693/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 4/9/2007, DJ de 18/9/2007) TRIBUTÁRIO. RESTITUIÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. NEOPLASIA MALIGNA. LEI N.º 7.713/88. DECRETO N.º 3.000/99. PROVA DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS. DESNECESSIDADE. 1. Controvérsia que gravita em torno da prescindibilidade ou não da contemporaneidade dos sintomas de neoplasia maligna para que servidora pública aposentada, que sofreu extirpação da mama esquerda em decorrência da referida doença, continue fazendo jus ao benefício isencional do imposto de renda previsto no artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88. 2. Os proventos da inatividade de servidora pública, portadora de neoplasia maligna, não sofrem a incidência do imposto de renda, ainda que a doença tenha sido adquirida após a aposentadoria, a teor do disposto no artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88. No mesmo sentido, determina o artigo 39, inciso XXXIII, do Decreto n.º 3.000/99, que regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, ao tratar dos rendimentos isentos ou não tributáveis das pessoas físicas. 232


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(Precedentes do STJ em casos análogos: REsp 673741/PB, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 09.05.2005; REsp 677603/PB, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de 25.04.2005; RESP 184595/CE, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ de 19.06.2000; REsp 141509/ RS, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, DJ de 17.12.1999; e REsp 94512/PR, Relator Ministro Peçanha Martins, Segunda Turma, DJ de 31.05.1999). 3. Acórdão calcado na tese de que a Lei 7.713/88, com a redação dada pela Lei 8.541/92, isenta do imposto de renda os proventos de aposentadoria ou reforma percebidos pelos portadores de neoplasia maligna, desde que a enfermidade seja contemporânea à isenção, corroborando esse entendimento a exigência de prazo de validade do laudo pericial, no caso de moléstias passíveis de controle, consubstanciada no § 1º, do artigo 30, da Lei 9250/95.

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4. Deveras, “a regra insculpida no art. 111 do CTN, na medida em que a interpretação literal se mostra insuficiente para revelar o verdadeiro significado das normas tributárias, não pode levar o aplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de interpretar e aplicar as normas de direito, de se valer de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico que integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas” (RESP n.º 411704/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 07.04.2003). 5. O Sistema Jurídico hodierno vive a denominada fase do pós-positivismo ou Estado Principiológico na lição de Norberto Bobbio, de sorte que, na aplicação do direito ao caso concreto, é mister ao magistrado inferir a ratio essendi do princípio maior informativo do segmento jurídico sub judice. 6. Consectariamente, a aplicação principiológica do direito implica em partir-se do princípio jurídico genérico ao específico e deste para a legislação infraconstitucional, o que revela, in casu, que a solução adotada pelo Tribunal a quo destoa do preceito constitucional da defesa da dignidade da pessoa humana. 233


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Jeferson Fonseca de Moraes 7. Deveras, a isenção do imposto de renda, em favor dos inativos portadores de moléstia grave, tem como objetivo diminuir o sacrifício do aposentado, aliviando os encargos financeiros relativos ao tratamento médico. 8. Restabelecimento da sentença de primeiro grau, segundo a qual “a questão acerca de a autora ser ou não portadora de doença que isenta de imposto de renda é eminentemente técnica. O perito afirma, sem possibilidade de qualquer dúvida, que a autora é portadora da doença. Assim, para a improcedência seria preciso que o réu trouxesse elementos técnicos capazes de afastar o laudo, e, no entanto, em primeiro lugar - diversamente do que fez o assistente da autora (fl. 316) - nada trouxe a confirmar a sua afirmação de que ‘são considerados, pelos critérios médicos atuais ... como livres da doença quando atingem 10 (dez) anos do diagnóstico, sem evidenciar qualquer sinal de progressão da mesma’, e em segundo lugar o afirmado por sua assistente técnica não se sustenta já que o que afirma é nada menos do que o seguinte: ‘existem chances de cura, após o período preconizado de acompanhamento e tratamento, caso não surjam recidivas e metástases’ (sic), isto é, o paciente pode ser considerado curado, desde que a doença não volte...” (fls. 366/367). 9. Acórdão recorrido que, em algumas passagens do voto-condutor, reconheceu que: 1) “a cura, em doenças com alto grau de retorno, nunca é total; organismos que apresentam características favoráveis ao desenvolvimento da doença podem sempre contraí-la de novo, mas será eventualmente um novo câncer, não aquele câncer anterior”; 2) “a questão não é definir se a autora está definitivamente curada”; 3) “o que se pode dizer é que, no momento, em face, de seu histórico pessoal, não apresenta ela sintomas da doença - em outras palavras, não é portadora da doença, não está doente”; e 4) “a autora não é, no momento e felizmente, portadora de câncer nem sofre da moléstia. Não faz jus, em que pese o sentido humano de seu pedido e o sofrimento físico e psicológico por que vem passando nesses longos anos, à isenção pretendida”. 10. Outrossim, consoante jurisprudência da Corte, “a revaloração da prova delineada no próprio decisório recorrido, suficiente para a solução do caso, é, ao contrário do reexame, permitida no recurso especial” (REsp 723147/RS, Relator Ministro Felix Fischer, 234


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Quinta Turma, DJ de 24.10.2005; AgRg no REsp 757012/ RJ, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de 24.10.2005; REsp 683702/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 02.05.2005). 11. Recurso especial provido. (REsp 734.541/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 2/2/2006, DJ de 20/2/2006)”.

DOS FATOS NO RIO GANDE DO SUL: Tem-se, na origem, mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, consubstanciado na anulação de ato administrativo que concedia à impetrante, servidora pública aposentada acometida de doença grave (neoplasia maligna), isenção do imposto de renda sobre seus proventos. A servidora aposentada daquele poder, que fazia jus à isenção do imposto de renda sobre seus proventos, por ser portadora de neoplasia maligna, conquanto esta isenção tenha sido deferido pela Presidência do TJRS, teve o benefício posteriormente cancelado porque, na data fixada para uma nova perícia, a servidora não compareceu para tanto, embora tenha justificado sua ausência por estar em viagem. Como anteriormente referido, a Segunda Turma do STJ, no indicado processo, RMS 32.061/RS, tendo como relatora a ministra Eliana Calmon, cuja decisão foi publicada in DJe de 20/08/2010, ao examinar essa questão que lhe chegou via recurso ordinário em mandado de segurança, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que havia decidido de forma contrária, deu provimento ao recurso ordinário, para conceder a segurança, determinando a cessação dos descontos relativos ao imposto de renda sobre os proventos da impetrante. 235


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Veja-se que a Lei Federal isentiva do imposto de renda sobre os proventos, também não exige a necessidade de demonstração, por parte do servidor aposentado, de contemporaneidade dos sintomas, nem comprovação de recidiva da doença para a manutenção da regra da isenção sobre os valores recebidos a título de proventos da aposentadoria, como já se disse, repita-se. Vejamos em seguida decisão posterior àquela, agora do ano de 2015, portanto, mais recente, e na mesma linha daquela, conforme indicado abaixo: LAUDO MÉDICO OFICIAL NÃO VINCULA O JUIZO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO EXCLUSIVA DE MOLÉSTIA GRAVE PERANTE JUNTA MÉDICA OFICIAL. COMPROVAÇÃO DE OUTRAS FORMAS. POSSIBILIDADE. Precedentes do STJ: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 691.189/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, in DJe: 27/05/2015, in verbis: “(...) EMENTA PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. MOLÉSTIA GRAVE. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO PERANTE JUNTA MÉDICA OFICIAL. MOLÉSTIA GRAVE COMPROVA DE OUTRAS FORMAS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83 DO STJ. 1. A questão a ser revisitada em agravo regimenta consiste no reconhecimento da isenção de imposto de renda à contribuinte acometido de cardiopatia grave. 2. O Tribunal de origem manifestou-se no mesmo sentido da jurisprudência do STJ, quanto à desnecessidade de laudo oficial para a comprovação de moléstia grave para fins de isenção de imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente provada a doença. 236


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3. É de se reconhecer a incidência, na hipótese, do óbice da Súmula 83 do STJ, também aplicável quando o recurso especial é interposto com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional. 4. Agravo regimental não provido” (Acórdão da Segunda Turma do STJ, decisão unânime, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, in DJe: 27/05/2015).

No caso acima, o agravante foi o Estado de Minas Gerais, em que seu agravo interposto, foi conhecido, porém para negar seguimento ao Recurso Especial, nos termos do art. 544, §4º, II, “B”, do CPC/73. Argumentava o Estado de Minas no agravo regimental, que a decisão recorrida invocava dois acórdãos do STJ, da Segunda Turma: Resp 675.484/SC e o Resp 628.114/PE, ambos julgados em 2004, portanto, já superados nesse entendimento.

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Os dois acórdãos citados eram isolados da Segunda Turma, e que há precedentes contrários àquele entendimento. Colho do VOTO do Ministro Mauro Campbell Marques (Relator), espancando os argumentos do agravante, o que escreveu na oportunidade, a saber: “(...) Conforme já consignado na decisão impugnada, o acórdão a quo manteve a sentença no ponto em que concluiu, com base nas provas constantes dos autos, que o demandante possui direito à isenção do imposto de renda sobre proventos desde a data da constatação de que estava acometido de cardiopatia grave, qual seja, desde julho de 2010. No particular, o Tribunal de origem entendeu pela desnecessidade de comprovação perante junta médica oficial, uma vez que a moléstia havia sido provada nos autos de outra maneira. Ora, o Tribunal de origem manifestou-se no mesmo sentido da jurisprudência quanto à desnecessidade de laudo 237


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Jeferson Fonseca de Moraes oficial para a comprovação de moléstia grave para fins de isenção de imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente provada a doença. Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IRPF. ISENÇÃO. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/1988. INTERPRETAÇÃO LITERAL. CEGUEIRA. DEFINIÇÃO MÉDICA. PATOLOGIA QUE ABRANGE TANTO O COMPROMETIMENTO DA VISÃO BINOCULAR QUANTO MONOCULAR. 1. No caso é incontroverso que a parte não possui a visão do olho direito, acometido por deslocamento de retina. Inaplicabilidade da Súmula 7 do STJ. 2. É assente na jurisprudência do STJ o entendimento no sentido da desnecessidade de laudo oficial para a comprovação de moléstia grave para fins de isenção de imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente provada a doença. Precedentes do STJ. 3. A isenção do IR ao contribuinte portador de moléstia grave se conforma à literalidade da norma, que elenca de modo claro e exaustivo as patologias que justificam a concessão do benefício. 4. Numa interpretação literal, deve-se entender que a isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 favorece o portador de qualquer tipo de cegueira, desde que assim caracterizada, de acordo com as definições médicas. Precedentes: REsp 1.196.500/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 2/12/2010, DJe 4/2/2011; AgRg no AREsp 492.341/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/5/2014, DJe 26/5/2014; AgRg nos EDcl no REsp 1.349.454/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 17/10/2013, DJe 30/10/2013. 5. Recurso Especial provido. (REsp 1.483.971/AL, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 11/2/2015) (grifei) 238


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TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO E MOLÉSTIA GRAVE. COMPROVAÇÃO. LAUDO OFICIAL. DESNECESSIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte sedimentou-se no sentido da desnecessidade de laudo oficial para a comprovação de moléstia grave para fins de isenção de imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente provada a doença. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 506.459/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 25/6/2014) (grifei)”. E continuando, em seu indicado VOTO, escreve o Ministro Mauro Campbell Marques: “Assim, é de se reconhecer que o acórdão recorrido se manifestou no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte, pelo que incide na hipótese a Súmula nº 83 do STJ, in verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”. Registro que a Súmula nº 83 desta Corte também é aplicável quando o recurso especial é interposto com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, conforme se verifica dos seguintes precedentes: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CURADOR ESPECIAL. ENCARGO DO ENTE ESTATAL. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL PREDOMINANTE NESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83 DO STJ. I. De acordo com a orientação jurisprudencial predominante no STJ, são devidos honorários de advogado ao curador especial, pela parte sucumbente ou pelo Estado, quando não houver Defensoria Pública. Precedentes do STJ (AgRg no REsp 1453363/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 239


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Jeferson Fonseca de Moraes 13/06/2014STJ; AgRg no REsp 1421617/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 07/03/2014; AgRg no REsp 1457379/ MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/09/2014 ). II. Com efeito, o Tribunal de origem decidiu a causa em consonância com a orientação jurisprudencial predominante neste Tribunal, pelo que incide, na espécie, a Súmula 83/STJ, enunciado sumular aplicável, inclusive, quando fundado o Recurso Especial na alínea a do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. III. Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1.465.214/MG, Segunda Turma, Rel. Ministra Assusete Magalhães, DJe 31/10/2014) (grifei) AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - GARANTIA DO JUÍZO - IMPRESCINDIBILIDADE - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA DA COMPANHIA TELEFÔNICA. 1. Esta Corte Superior tem entendimento consolidado no sentido de que a garantia do juízo é pressuposto para o processamento da impugnação ao cumprimento de sentença, nos termos do art. 475-J, § 1º do CPC. Precedentes. 2. A Súmula 83 do STJ, a despeito de referir-se somente à divergência pretoriana, é perfeitamente aplicável à alínea “a” do art. 105, III, da Constituição Federal. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 289.903/SC, Quarta Turma, Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe 25/9/2014) (grifei) Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental. É como voto”.

A nosso ver, secundado pela orientação da jurisprudência trazida em colação, entendemos que o beneficiário da isenção do 240


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imposto de renda deve se submeter ao serviço médico oficial para comprovar a moléstia, como condição do reconhecimento da isenção do imposto, como previsto no art. 30, da Lei 9.250/1995, somente, quando do Processo Administrativo. Todavia, se for fixado no laudo médico oficial que o prazo é apenas de 05 anos, como o do benefício, deve este, ao se aproximar esse prazo promover a Judicialização da questão para preservar seu direito, eis que este não tem prazo fixo. Ou no caso de negativa pela Junta Médica Oficial do seu direito, pode promover a judicialização do seu caso, juntando na Petição Inicial da Ação a ser proposta, Laudos de Médicos Particulares. Essa é a jurisprudência, porque o Juiz não está adstrito ao laudo médico oficial, como indicado pela jurisprudência do STJ. É de bom alvitre que os advogados, quando promoverem a “Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica Tributária (isenção de imposto de renda), com pedido de tutela antecipada, o faça em face do ente federativo, no caso o Estado de Sergipe, por exemplo, mas, é de bom alvitre que o faça também contra a fonte pagadora (SergipePrevidencia), como Litisconsorte, para que esta última não alegue que, não tendo sido parte do processo, não está obrigada ao cumprimento da sentença. Aí seria uma “Vitória de Pirro” para o aposentado, um “ganha e não leva”! Quando se tratar de Servidor Público Federal, a ação será proposta em face da União. Na estrutura da ação a ser proposta, deve se observar, o contido no REsp nº 951.360/AL, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 27/11/2007, conforme disponibilizado no informativo n. 0340 do STJ, o abaixo transcrito: “IR. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. LAUDO PERICIAL. O art. 30 da Lei n. 9.250/1995 dispõe que a existência de laudo pericial emitido por serviço médico oficial e comprobatório da mo241


Jeferson Fonseca de Moraes léstia grave é condição do reconhecimento da isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV e XXI, da Lei n. 7.713/1988. Contudo, isso não vincula o juiz, que é livre para apreciar as provas acostadas aos autos pelas partes (arts. 131 e 436 do CPC). No caso, o Tribunal a quo entendeu comprovada a neoplasia maligna contraída pelo recorrido por outros elementos probatórios carreados durante a instrução, daí que a Turma negou provimento ao recurso da Fazenda Nacional. Precedentes citados: REsp 749.100-PE, DJ 28/11/2005; REsp 894.721-RS, DJ 28/2/2007, e REsp 673.741-PB, DJ 9/5/2005. REsp 951.360-AL, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 27/11/2007”.

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Veja-se, a integralidade da Ementa do referido recurso especial nº 951.360/AL, publicado no DJ: 12/12/2007, in verbis: “EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. ART. 111 DO CTN. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. LAUDO PERICIAL. DISPENSABILIDADE. PODER DE LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS ACOSTADAS AOS AUTOS. 1. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial (Súmula 211 do STJ). 2. É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação suficiente, ainda que não exatamente a invocada pelas partes, decide de modo integral a controvérsia posta. 3. Embora o art. 30 da Lei nº 9.250/95 imponha, como condição para a isenção do imposto de renda de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6° da Lei n° 7.713/88, a emissão de laudo pericial por meio de serviço médico oficial, “não vincula o Juiz, que, nos termos dos arts. 131 e 436 do Código de Processo Civil, é livre na apreciação das provas acos242


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tadas aos autos pelas partes litigantes” (REsp nº 673.741/ PB, Ministro João Otávio de Noronha DJ de 09/05/2005). 4. Recurso especial a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda, José Delgado e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília, 27 de novembro de 2007. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI Relator”.

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DOS FATOS CONTIDOS NO ACÓRDÃO 951.360/AL. No caso acima, tratou-se de recurso especial interposto pela Fazenda Nacional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que, em mandado de segurança, visando à inexigibilidade do imposto de renda em razão de isenção indeferida pela autoridade administrativa, negou provimento à apelação e à remessa oficial, mantendo sentença de concessão da ordem. O aresto atacado restou assim ementado: “TRIBUTÁRIO. APOSENTADORIA. PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE (NEOPLASIA MALIGNA). ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. - Apelo da sentença que reconheceu o direito do impetrante à isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria, dada a condição de portador de moléstia grave (neoplasia maligna). - Doença constante do rol de isenções previstas na Lei 7713, de 22.12.88, com redação modificada pela lei 8541/92. - Apelação e remessa improvidas (fl. 158)”. 243


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DA ELUCIDAÇÃO DA DECISÃO DO STJ NO RESP Nº. 951.360/AL, QUANTO AO LAUDO MÉDICO OFICIAL. Para a melhor compreensão do contido na Decisão indicada, torna-se necessário adentrar no voto do relator, ministro Teori Zavascki, no que concerne ao ponto fulcral do Recurso da Fazenda Nacional, o que ali está escrito:

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(...) “ 3. A recorrente opôs embargos de declaração com o propósito de obter do Tribunal pronunciamento sobre o art. 30 da Lei nº 9.250/95, ao argumento de que o reconhecimento da isenção pleiteada depende de comprovação da moléstia por laudo pericial emitido por serviço médico oficial. O dispositivo tido como violado dispõe que: “A partir de 1º de janeiro de 1996, para efeito de reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo art. 47 da Lei nº 86.541, de 23 de dezembro de 1992, a moléstia deverá ser comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Esta Corte, interpretando o mencionado artigo, já decidiu que o Magistrado, na apreciação da prova, não se encontra vinculado ao resultado da perícia oficial. Cita-se, exemplificativamente, o seguinte aresto: “PROCESSUAL CIVIL – ALÍNEA “A” E “C” – ARTIGO 334 DO CPC - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – ISENÇÃO – MOLÉSTIA GRAVE – INÍCIO DO BENEFÍCIO – LAUDO MÉDICO OFICIAL – DESNECESSIDADE – COTEJO ANALÍTICO CORRETAMENTE REALIZADO – PRECEDENTES. 244


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1. A Corte a quo não analisou a matéria recursal à luz do dispositivo legal apontado como violado, qual seja, o artigo 334 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a prescindibilidade de prova dos fatos notórios. Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF. 2. Em sede de ação judicial, em que prevalecem os princípios do contraditório e da ampla defesa, o magistrado não está adstrito aos termos do mencionado dispositivo legal, uma vez que é livre na apreciação das provas. Por conseguinte, não está adstrito ao laudo médico oficial, podendo valer-se de outras provas produzidas no curso da ação cognitiva. 3. A regra insculpida no art. 30, da Lei n. 9.250, resta atendida quando o beneficiário do favor fiscal é submetido à perícia e atestada a doença por médicos da União, como os da Previdência Social, hipótese dos autos. 4. Precedentes: REsp 673.741/PB, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 9.5.2005 e REsp 677.603/PB, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 25.4.2005.

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Recurso especial conhecido em parte, pela alínea “c”, e provido.” (REsp 894721/RS, 2ª T., min. Humberto Martins, DJ de 28.02.2007)

DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PELO MAGISTRADO. No mesmo sentido, sinalizando o poder de apreciação da prova pelo magistrado, encontra-se julgado decretando a possibilidade de reconhecimento da isenção até quando ausente exame pericial oficial, vejamos os precedentes nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PORTADOR DE NEOPLASIA MALIGNA. ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. APOSENTADORIA. DESNECESSIDADE DE LAUDO MÉDICO OFICIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 245


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DO CPC. AFASTAMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. SÚMULA Nº 07/STJ. I - O Tribunal a quo realizou a prestação jurisdicional invocada, pronunciando-se sobre os temas propostos, tecendo considerações acerca da demanda, tendo se manifestado acerca da suficiência dos documentos acostados à inicial, com a juntada de laudo médico, para fins de obtenção da isenção do imposto de renda sobre a aposentadoria da recorrida, portadora de doença grave. II - É considerado isento de imposto de renda o recebimento do benefício de aposentadoria por portador de neoplasia maligna, nos termos do art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88. III - Ainda que o art. 30 da Lei nº 9.250/95 determine que, para o recebimento de tal benefício, é necessária a emissão de laudo pericial por meio de serviço médico oficial, a “norma do art. 30 da Lei n. 9.250/95 não vincula o Juiz, que, nos termos dos arts. 131 e 436 do Código de Processo Civil, é livre na apreciação das provas acostadas aos autos pelas partes litigantes” (REsp nº 673.741/PB, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA DJ de 09/05/2005, p. 357). IV - Sendo assim, de acordo com o entendimento do julgador, esse pode, corroborado pelas provas dos autos, entender válidos laudos médicos expedidos por serviço médico particular, para fins de isenção do imposto de renda. V - O recurso especial não é a via recursal adequada para se conhecer da violação ao artigo 1º da Lei nº 1.533/51, porquanto, para aferir a existência de direito líquido e certo, faz-se necessário o reexame do conjunto probatório, o que é vedado pelo óbice insculpido na Súmula nº 07, deste Tribunal. VI - Recurso especial improvido.” (REsp 749100/PE, 1ª T., min. Francisco Falcão, DJ de 28.11.2005) 246


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No caso dos autos, o acórdão recorrido afirmou taxativamente que “o autor é portador de neoplasia maligna, incluindo-o no rol de isenções previstas na lei 7.713, de 22.12.88, com redação modificada pela lei 8541/92” (fl. 154). Portanto, o Tribunal de origem entendeu estar comprovada, mediante os elementos probatórios carreados durante a instrução, a moléstia do ora recorrido, independentemente de apresentação do laudo médico oficial. Desta forma, desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para a comprovação da moléstia, sob pena de violação ao princípio da livre apreciação das provas, assegurado por esta Corte nos arestos acima citados. 4. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto”.

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Dizemos nós que está esclarecido que o Juiz, no julgamento da ação, não está adstrito exclusivamente ao laudo médico oficial, podendo valer-se de outras provas, a exemplo de laudo médico expedido por médicos particulares que assistem ao portador dessa doença. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL OU DA JUSTIÇA ESTADUAL A competência sobre quem vai julgar a ação judicial proposta é outro assunto de real importância para o portador da doença, posto que não pode a ação ser distribuída para um Juiz que não seja o competente. Para não restar configurada a ilegitimidade manifesta da União (Fazenda Nacional) para atuar no feito proposto, quando fosse caso de compor a lide a Fazenda Estadual no seu polo passivo, ou vice-versa. Se a ação tiver sido proposta ainda sob o rito do CPC/1973, seria caso de aplicar-se o disposto no art.267,I, c/c o art.295,IV,do indicado Código, a saber: 247


Jeferson Fonseca de Moraes “Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: I- quando o juiz indeferir a petição inicial; Art.295. A petição inicial será indeferida: (...) II- quando a parte for manifestamente ilegítima;”

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Quando o Juiz da causa reconhecendo a manifesta ilegitimidade passiva ad causam da União (Fazenda Nacional), deverá na PARTE DISPOSITIVA da SENTENÇA, indeferir a petição inicial, pelos fundamentos legais acima indicados. Se as custas do processo já tiverem sido recolhidas quando da propositura da ação e não tiver sido formada a relação processual com a União, não deverá haver condenação em honorários de advogado, por não haver sucumbência. Cabe ao advogado ter o cuidado dessa sabença, para evitar que a ação manejada seja extinta sem julgamento de mérito, por ter sido protocolada perante a Justiça Federal, quando deveria sê-lo na Justiça Estadual ou vice-versa. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. A competência da Justiça Federal está distribuída entre os incisos I, II, III, VIII, X e XI, do artigo 109, da Constituição Federal de 1988. As previsões tratadas nos indicados incisos possuem autonomia própria. Dispõem a CF/88, no indicado artigo 109, I, o que se lê: “Art. 109. Aos juízes federais competem processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e às sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”. 248


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Como se vê no dispositivo acima, torna-se necessário que esteja presente na lide um dos requisitos ali indicados, bem como a demonstração da existência de interesse jurídico a ser examinado pelo Juízo Federal, como preconizado nas Súmulas 150, 224 e 254 do Superior Tribunal de Justiça. É preciso, pois, dizer-se, que compete - com exclusividade - ao Juiz Federal decidir sobre a existência ou não de interesse jurídico de uma daquelas entidades relacionadas no art. 109, da CF/88, não podendo essa decisão de exclusão ser examinada pelo Juízo Estadual, como indicado na Súmula 254 do Superior Tribunal de Justiça: “A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual”.

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DO IMPOSTO DE RENDA À LUZ DO ART. 157, I, DA CF/88. Embora a União Federal detenha competência constitucional para instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, quando estes proventos forem recebidos por servidores públicos estaduais aposentados, em decorrência de moléstia grave que o acomete, a exemplo da neoplasia maligna, e tantas outras relacionadas na lei específica de regência, tal circunstância, ao ver da Justiça Federal, não qualifica a União (Fazenda Nacional), como parte legítima, e sim a Justiça Estadual. Essa compreensão se dá à luz do que dispõem o art. 157, I, da CF/88, ao tratar da repartição das Receitas Tributárias, que assim estabelece, in verbis: “Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal: I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;”. 249


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Com efeito, sendo o Estado Federado ou o Distrito Federal o destinatário final do produto do imposto de renda incidente sobre os proventos pagos a seus servidores aposentados, atrai a legitimidade Estadual como parte da ação judicial a ser proposta. Ademais, o Estado é fonte pagadora e responsável pela retenção desse imposto, quando do pagamento de tais proventos aos seus servidores aposentados. “Posto assim, não obstante a União detenha a competência para instituir o tributo em causa, não tem ela a qualidade de responsável pela retenção e recolhimento do tributo, nem é ao final destinatária do produto dessa arrecadação, de forma a restar caracterizado a sua legitimidade para compor o polo passivo da lide, sendo legítimo nesse caso o Estado ou Distrito Federal”.

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Nesse sentido, veja-se a posição da jurisprudência trazida em colação no Processo nº 0802364-53.2014.4.05.8500, que tramitou perante a Seção Judiciária do Estado de Sergipe – 1ª Vara – , em Decisão da lavra da Juíza Federal, doutora Telma Maria Santos Machado, onde se contém, in verbis:

“Outro não é o entendimento da Jurisprudência sobre a matéria (...): PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. RESTITUIÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. 1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta. 2. O STJ pacificou o entendimento de que a União não possui 250


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legitimidade passiva em demandas promovidas por servidores públicos estaduais com o objetivo de obter isenção ou não incidência de imposto de renda retido na fonte, porquanto, nessas hipóteses, por força do que dispõem o art. 157. I, da Constituição Federal, pertencem aos Estados da Federação o produto da arrecadação desse tributo. Precedentes: RMS nº. 10.044/RJ, 1ª Turma, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 17.04.2000; Resp nº. 296.899/ MG, 1ª Turma, Min. Garcia Vieira, DJ de 11.06.2001; EDcl no RMS nº. 5.779/RJ, 2ª Turma, Min. Laurita Vaz, DJ de 04.11.2002; AgRg no Ag nº. 356.587/MG, 2ª Turma, Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 30.06.2003; Resp nº. 477.520/MG, 2ª Turma, Min. Franciulli Netto, DJ de 21.03.2005; AgRg no Resp nº 710.439/MG, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 20.02.2006; Resp nº. 594.689/MG, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 05.09.2005. 3. Recurso Especial a que se dá parcial provimento (STJ – Resp 874759/SE – 1ª Turma – Rel. Min. Teori Albino

Zavascki, J. 07/11/06, pub. DJ de 23/11/2006, p.235)” (Sem grifos no original).

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A Juíza Federal já referenciada traz em colação na sua decisão, ainda, os seguintes precedentes de jurisprudência, a saber: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO SOBRE A RENDA – FONTE INSENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. FAZENDA NACIONAL. ILEGITIMIIDADE PASSIVA. 1. Pedido de restituição dos valores indevidamente descontados e recolhidos a título de Imposto sobre a Renda – IR (fonte), dos proventos de aposentadoria de servidor público estadual portador de cardiopatia grave. 2. Apesar desse imposto ser da competência da União, os valores que são retidos na fonte e cuja restituição se pretende, ingressam nos cofres do Estado-Membro- art. 157, I, da Carta Federal vigente. 3. Ilegitimidade da Fazenda Nacional para figurar no polo passivo da relação processual. Precedente. Sentença anulada. Remessa dos Autos ao Juízo competente. Apelação e Remessa Necessária 251


Jeferson Fonseca de Moraes providas. Recurso Adesivo Prejudicado (TRF – 5ª Região – Ac 446175/RN – 3ª Turma – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano, j. 10/07/2008, pub. DJ 22/08/2008, p. 723)”.

E, ao término de sua decisão, traz ainda em colação outra decisão do TRF – 5ª Região, no AC 397657/PE – 1ª Turma – rel. des. fed. Francisco Wildo, j. 26/10/2006 e pub. no DJ 21/12/2006, p. 274, que se transcreve, in verbis:

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“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA EXCLUSIVA DA FAZENDA ESTADUAL. EXTINÇÃO SEM EXAME DO MÉRITO. ART. 157, I, CF. ART. 119 DO CTN. ART. 267, VI, DO CPC. - O autor, na condição de servidor público estadual aposentado, busca a isenção do imposto de renda sobre os seus proventos ao argumento de que, sendo portador de cardiopatia grave, estaria amparado pela regra contida no art. 6º, da Lei nº. 7.713/88. - Muito embora a UNIÃO tenha a competência legislativa exclusiva sobre o imposto de renda, o produto da arrecadação deste imposto incidente sobre os proventos da aposentadoria do autor pertence à Fazenda do Estado de Pernambuco, não havendo que se falar em interesse processual da UNIÃO para compor o polo passivo da presente demanda, porquanto a importância descontada não se destina a seus cofres, cabendo a ela, tão-somente a instituição do tributo (inteligência do art. 157, I, da CF/88, e do art. 119 do CTN). - A competência para conhecer e julgar a presente é da Justiça Estadual e a legitimidade para compor a lide do polo passivo é exclusiva da Fazenda do Estado de Pernambuco. - Extinção do processo, sem exame do mérito, nos termos do Art. 267, VI, do CPC. Apelação e Remessa Oficial prejudicadas (TRF – 5ª Região, no AC 397657/PE – 1ª Turma – Rel. Des. Fed. Francisco Wildo, j. 26/10/2006 e pub. no DJ 21/12/2006, p. 274)” (Sem grifos no original). 252


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DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS E DAS VARAS FEDERAIS COMUNS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. É preciso, também, observar se a ação em referência deverá ser proposta no âmbito da competência dos Juizado Especial Federal, ou se deve ser protocolado para Distribuição numa VARA FEDERAL comum da SEÇÃO JUDICIÁRIA da Justiça Federal de Primeira Instância do Estado de Sergipe. O VALOR DA CAUSA. A fixação dessa competência se dará pelo valor da respectiva causa. A Competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta quando se tratar de causas até o valor de 60 salários mínimos. Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial Cível, será levado em consideração a soma de doze parcelas que não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput, dessa indicada lei. Se a causa for superior a esse valor o processo será numa das Varas comuns da Justiça Federal. Essa competência está definida no artigo 3º da Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001: - Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, in verbis: “Art. 3º. Compete ao Juizado Especial Federal Civil processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”.

No § 1º do artigo da Lei 10.259/2001, está fixado as causas que não se incluem na competência do Juizado Especial Cível.

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DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. Quando o portador de câncer e das demais doenças relacionadas na Lei Federal já referida for servidor público estadual aposentado, deverá a “Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica Tributária”, para obter a Isenção do Imposto de Renda, ser proposta, tendo no polo passivo dessa ação, o ESTADO DE SERGIPE, como PARTE, e, como LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA, no caso, o SERGIPEPREVIDÊNCIA, fonte pagadora do proventos do aposentado, como partes requeridas perante a Justiça Estadual, pelos motivos anteriormente explicitados. Essa competência, em relação aos servidores aposentados do Estado de Sergipe, e de outros entes da federação, decorre da disposição firmada pelo artigo 157, inciso I, da CF/88, quando trata da repartição das receitas tributárias. Deve a inicial trazer nele esses fundamentos citados. Vê-se, assim, que o Estado de Sergipe e o seu ente autárquico previdenciário, por repasse do primeiro, são os destinatários finais do produto do Imposto de Renda incidente sobre os proventos do seu servidor. É também o Estado de Sergipe o responsável pela retenção desse imposto, quando do pagamento de tais proventos ao servidor público. Relembramos que esse imposto, embora da competência da União, pertence a cada Estado Federado por disposição constitucional, conforme já vimos alhures. Corroborando com tudo quanto já exposto, o STJ pacificou esse entendimento de que a União não possui legitimidade passiva em demandas promovidas por servidores públicos estaduais com o objetivo de obter isenção ou não incidência de imposto de renda retido na fonte, conforme precedentes já citados anteriormente. 254


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PROCESSO NA JUSTIÇA ESTADUAL. DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ARACAJU. Lei Federal nº 9.099/1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais criados pelos Estados Federados e Distrito Federal. VALOR DA CAUSA. A competência dessas causas não poderá ter valor superior a 40 vezes o salário mínimo, e sua competência está determinada no artigo 3º da Lei 9.099/95, fixando ali o rol das causas. PROCESSO JUSTIÇA ESTADUAL COMUM: VARA FAZENDA PÚBLICA. Quando o valor da causa for superior a 40 vezes o salário mínimo, a competência do Juízo deixará de ser a do Juizado Especial cível da Fazenda Pública, e será de uma das Varas Comuns da Fazenda Pública Estadual. O valor da causa será encontrado pela soma de 12 meses dos proventos mensais do servidor e aplica-se sobre este valor a faixa incidente do imposto de renda. Por exemplo, se o servidor em questão estiver na faixa do imposto de 27,5%, incidente sobre seus proventos brutos, aplica-se esse percentual sobre a soma dos proventos para se encontrar o valor da causa. No caso de um servidor que tivesse proventos brutos de R$ 24.924,91, (vinte e quatro mil, novecentos e vinte quatro reais e noventa e um centavos) o valor da causa arredondado seria de R$ 83.000,00 (oitenta e três mil reais). Como dito anteriormente, ele seria de 27,5% sobre os proventos brutos do requerente que é de R$ 24.924,91 mensais, multiplicando-se o valor encontrado por 12 meses, este será o total o valor da causa acima consignado, incluindo-se as parcelas vincendas dos valores que seriam descontados a título de imposto de renda. 255


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É o que ocorreria ao fundamento dos artigos 258 e 260 do Código de Processo Civil de 1973, e ocorre hoje, utilizando-se o disposto no art. 291 e art. 292 do Novo Código de Processo Civil (LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.), que é seu equivalente àquele anterior, em redação, conforme se vê in verbis:

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“Art. 291. A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível”. “Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: (...) § 1o Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2o O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3o O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar”.

DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA: REQUERIMENTO DO AUTOR. É fundamental que o beneficiário da isenção do imposto de renda postule na ação judicial requerimento para antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela, para que não sofra descontos em seus proventos do indicado imposto. Como se sabe, ações desse tipo têm uma longa duração, e, se não se postular essa pretensão continuará recebendo seus proventos e pagando imposto de renda. Esse é um direito antecipado daquilo que obteria somente no final da ação, após a sentença e os recursos respectivos, o que se traduziria em prejuízo ao servidor que estaria pagando um imposto indevido. 256


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Como estamos no alvorecer do Novo Código de Processo Civil, para facilitar a compreensão dos leitores, resolvemos utilizar ainda o disposto nos artigos específicos do Código de Processo Civil de 1973, que não está mais em vigor, mas, o seu respectivo equivalente no Novo CPC, nos artigos 294, 296, 298, 300, 304, 305 e 311. Com efeito, o pedido de antecipação de tutela não mais terá o art. 273 e seguintes do CPC/1973, mas os indicados artigos 294, 296, 298, 300, 304, 305 e 311, do NCPC (LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015), que entrou em vigor em 18 de março de 2016. Pelo disposto no Código de 1973, o artigo aplicado a espécie era o que se transcreve abaixo: O artigo 273 do CPC ao tratar do tema da tutela antecipada dispõe in verbis: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;

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(Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)” (Sem grifos no original).

O artigo 273 do CPC, que disciplina o Instituto da Tutela Antecipada, nos indica, com base na posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, a respeito do tema, da necessidade de que o Autor da ação faça Requerimento na Petição e nos próprios autos do processo, sem abertura de apenso, conforme se transcreve, in verbis: “(...)‘A outorga de antecipação de tutela depende de requerimento, não podendo a antecipação ser concedida de ofício (o juiz poderá, a 257


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requerimento da parte ...). A parte a que se refere a primeira proposição do caput do artigo é não apenas o autor, como também o Ministério Público, ou o terceiro interveniente. Aludindo à antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial e a verossimilhança da alegação, obviamente a que fundamenta o pedido, o artigo exclui a possibilidade de requerimento pelo réu (...) (Sérgio Bermudes, in A Reforma do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1995, págs. 35-36)”.

Vê-se ser caso da concessão da antecipação da tutela, posto que presente os requisitos previstos no art. 273, do CPC para o caso postulado. O deferimento da tutela antecipada é para que o Juiz a defira para determinar a não retenção de valores referente ao imposto de renda incidente sobre os proventos de aposentadoria do portador de câncer, diante da inteligência do art. 6º, inciso XIV, da Lei n.º 7.713/88, e da prova acostada comprovando ser o mesmo portador dessa doença, sustentando nos seus argumentos que a jurisprudência dos tribunais, como os acórdãos anteriormente trazidos em colação, concedem em casos que tais, a proteção que o autor da ação está a pretender. Diferentemente da tutela cautelar, que pede a comprovação do simples fumus boni juris, o instituto da tutela antecipada, além da exigência do requerimento do autor, pretendida no pedido inicial, torna-se necessário que o mesmo faça a prova da verossimilhança do direito alegado. Obviamente, é importante considerar que o elemento nuclear do deferimento da antecipação da tutela, significa a existência prévia de prova inequívoca da alegação, que não se confunde com o requisito do fumus boni juris e do periculum in mora, específico (inerente a tutela cautelar), como já mencionado. O laudo oficial da perícia médica de órgão estatal comprova ser o autor portador de câncer. 258


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Os laudos médicos e os relatórios médicos anexados como prova da efetiva existência do direito alegado, bem como, os exames de biópsia, tanto da época da cirurgia, como atuais, inclusive, afirmando que o câncer não tem cura definitiva, mas apenas, controles da doença, se constituem em prova inequívoca, evidente, manifesta da alegação do autor, com tanta intensidade que comprovam que estas são verossímeis, verdadeiras, como razão que deve nortear o convencimento do Juiz, de modo claro e preciso, para conceder a tutela antecipada. Como se vê, presentes se encontrando o fundado receio de que ocorrerá dano irreparável ou de difícil reparação se a tutela jurisdicional for outorgada ao final do processo, posto que daqui a cinco meses, como foi o caso exemplificado, já teria decorrido os cinco anos da isenção do imposto de renda, como anteriormente concedido, e, levando-se em consideração a duração processual de uma ação ordinária. A ação poderá vir a ser julgada em prazo posterior, diante do acúmulo de ações do judiciário, e aí incidiria o imposto de renda, o que se caracteriza como situação de perigo contra o autor que estaria compulsoriamente vendo a incidência sobre seus proventos do imposto de renda, quando todas as decisões dos tribunais, em casos iguais ao seu, são pela isenção do indicado imposto. É de se dizer, nas palavras do Ministro Teori Albino Zavascki, “as medidas antecipatórias e as medidas cautelares têm um objetivo e uma função constitucional comuns: são instrumentos destinados a, mediante a devida harmonização, dar condições de convivência simultânea aos direitos fundamentais da segurança jurídica e da efetividade da jurisdição. E é, nesta função instrumental concretizadora que ditas medidas legitimam-se constitucionalmente” (Antecipação de tutela, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 69). Ademais, a discussão teórica acerca da distinção entre as duas técnicas acabou por perder grande parte da sua importância prática, diante da alteração legislativa que reconheceu 259


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a fungibilidade entre elas, aproximando os dois institutos (art. 273, § 7º, do CPC). É de ser concedida liminar em favor do autor, posto que como já se disse alhures, “Reconhecida a Neoplasia Maligna, não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do Laudo Pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88. Precedentes do STJ. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido. (ROMS 201000782672, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe, de 20/08/2010. Como se vê, consoante o entendimento jurisprudencial do STJ, afigura-se ilegal a revogação ou a suspensão de tais benefícios porque, mesmo sem apresentar atividade, a doença persiste não se podendo afirmar que o autor esteja curado, mas, sim, apenas, a não apresentação de sintomas, posto que a submissão a tratamento cirúrgico não afasta a incidência da lei isentiva (Apelreex 200984000034003, des. federal Manoel Erhardt, TRF5, Primeira Turma, DJe – Data: 14/07/2011, p. 336). Quanto ao fato de estar consignado no laudo pericial oficial que o prazo de validade da isenção do imposto de renda sobre os proventos do autor da ação seria apenas de 05 anos, não assiste razão ao Laudo, uma vez que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 5ª Região já consolidou entendimento em sua jurisprudência, segundo o qual a neoplasia maligna é mal incurável, não sendo exigível a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial ou a existência de recidiva do câncer para que o contribuinte faça jus à isenção do imposto de renda sobre seus proventos. Nesse sentido, colho do VOTO da desembargadora federal Margarida Cantarelli, relatora da apelação cível nº 556432-RN, o que está ali assentado a esse propósito, in verbis: 260


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“(...) Quanto à ausência do prazo de validade no laudo pericial, não assiste razão nas alegações do apelante, uma vez que a jurisprudência pátria já consolidou entendimento segundo o qual a neoplasia maligna é mal incurável, não sendo exigível a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda.

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Acerca do tema, observe-se julgado do Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO - NÃO OCORRÊNCIA - OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - IMPOSTO DE RENDA - ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/1988 - NEOPLASIA MALIGNA - DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS - DESNECESSIDADE. 1.Inexistência de ofensa ao devido processo legal, considerando que a impetrante foi devidamente cientificada da necessidade de realização de nova perícia. Conquanto tenha justificado a sua ausência na data marcada pelo Departamento Médico do Tribunal, não consta ter a impetrante feito o mínimo esforço para se submeter à perícia em outra data, mesmo ciente dos efeitos que o seu não comparecimento poderia implicar. 2. Reconhecida a neoplasia maligna, não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. Precedentes do STJ. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.”

Ainda nesse sentido, vejam-se precedentes deste E. Tribunal Regional da 5ª Região: 261


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Jeferson Fonseca de Moraes “TRIBUTÁRIO. IRPF. ISENÇÃO. NEOPLASIA MALIGNA – CARCINOMA BASOCELULAR. COMPROVAÇÃO. CONCLUSÃO DE MEDICINA ESPECIALIZADA. ART. 6º. DA LEI 7.713/88 (REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.052/04). LAUDO DE JUNTA MÉDICA OFICIAL. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS. VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIA. REDUÇÃO. 1. Cuida-se de remessa oficial e apelação cível interposta pela Fazenda Nacional contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 5ª. Vara da SJ/PE, que julgou procedente o pedido formulado na exordial, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, de modo a conceder ao autor a isenção total do imposto de renda, nos moldes do art. 6º., XIV da Lei 7.713/88, com redação dada pela Lei no. 11.052/04, julgando-se, em consequência, o processo com resolução do mérito, com fulcro no art. 269, I do CPC. 2. O art. 6º. Da Lei 7.713/88, com redação dada pela Lei 11.052/04, isenta do imposto de renda os proventos de aposentadoria percebidos pelos portadores de neoplasia maligna, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a aposentação. 3. Na hipótese, o demandante comprovou, por meio de parecer oficial especializado emitido pelo Hospital de Aeronáutica de Recife, que foi diagnosticado com carcinoma basocelular (item g da seção III), sendo “considerado portador de neoplasia de pele não melanoma” (item b da seção IV). 4. Esta egrégia 1ª. Turma já se manifestou acerca da concessão de isenção do Imposto de Renda para portadores do mesmo tipo de câncer que acometeu o demandante, qual seja, o carcinoma basocelular. Precedente: PROCESSO: 00080180520104058400, APELREEX20443/RN, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 09/02/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 16/02/2012 - Página 186. 5. 262


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O STJ consolidou o entendimento de que, sendo a neoplasia maligna mal incurável, não se exige comprovação de sintomas da doença para se reconhecer o direito à isenção do IR, não havendo que se falar em prazo de validade do laudo; considerando-se que a própria norma isentiva (art. 6º. da Lei 7.713/88, com redação dada pela Lei 11.052/04) não exige a contemporaneidade dos sintomas, sendo este o entendimento consolidado do STJ (RMS 32061/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 20/08/2010; REsp 1.088.379/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe de 29/10/2008). 6. Cuidando-se de matéria com pequena complexidade fática e jurídica, reduzo os honorários advocatícios de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 20, parágrafo 4º, do CPC. 7. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.” (AC 00184725320104058300, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::14/11/2012 - Página::273.) “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. APOSENTADORIA. MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º, LEI 7.713/88. NEOPLASIA MALIGNA. PODERJUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli 4 AC556432-RN 14\ CÂNCER DE PRÓSTATA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CONTEMPORANIEDADE DOS SINTOMAS DA ENFERMIDADE. - O art. 6º, Lei 7.713/88 determina a isenção de imposto de renda para os aposentados portadores de doenças graves, dentre as quais neoplasia maligna (câncer). - O juízo de primeira instância entendeu que o impetrante não comprovou continuar em tratamento contra câncer de próstata, motivo pelo qual não mais seria cabível a isenção requerida. - “Reconhecida a neoplasia maligna, não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo 263


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pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. Precedentes do STJ.”(RMS 32.061/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 20.8.2010). - A isenção deverá ser aplicada a partir de setembro de 2005, data do diagnóstico da enfermidade do impetrante, de acordo com atestado médico de fl. 33. - Apelação provida.” (AC 00062064320104058200, Desembargador Federal Paulo Gadelha, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::16/02/2012 - Página::310.) “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. PORTADORA DE DOENÇA GRAVE. NEOPLASIA MALIGNA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECOLHIDOS. PRAZO PRESCRICIONAL. LC Nº 118/05. 1-Não conhecimento de parte do Apelo, em razão do Princípio da Congruência Recursal. 2-A Lei 7.713/88, em seu art. 6º, inciso XIV, isenta do imposto de renda os proventos percebidos por portadores de moléstia grave, com base em conclusão médica especializada. 3-Tratando-se de neoplasia maligna, a jurisprudência do STJ consolidou-se na tese de que, para efeito da isenção de imposto de renda, prevista no art. 6º, inciso XIV, da Lei 7.713, não é necessária a presença contemporânea dos sintomas da doença, nem a indicação da validade do laudo, nem tampouco a prova de recaída da doença. 4-A isenção do imposto de renda sobre os proventos de pessoa portadora de moléstia grave busca preservar os ganhos do aposentado, considerando os dispendiosos gastos com o tratamento da enfermidade, razão finalística da norma isentiva. 5-É entendimento desta corte a inaplicabilidade, de forma retroativa, do disposto na Lei complementar 118/05, respeitado o limite temporal de cinco anos após a vigência da referida Lei (RESP1002932/SP). 6-Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial não providas.” (APELREEX 200481000242811, Desembargador Federal Marcelo Navarro, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::14/06/2011 - Página::136.) Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto”. 264


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O PERICULUM IN MORA se faz presente uma vez que o autor da ação só teve deferida a Isenção do Imposto de Renda conforme consta do laudo médico da perícia do Estado de Sergipe, já referido no processo administrativo do pedido de isenção até a data de 16/12/2014, quando completaria 5 anos da isenção indicada. Ora, quando se propôs a ação, já se estava em 30/10/2014, faltando pouco mais de 2 (dois) meses para o encerramento da isenção segundo o prazo estabelecido pelo laudo pericial. No caso, se a tutela antecipada não fosse concedida, tratando-se de ação ordinária, cujos prazos são elásticos, causaria prejuízos de difícil reparação ao autor da mesma, o qual já vinha recebendo a isenção do Imposto de Renda sobre seus proventos, não se tratando de uma nova receita financeira para o autor da ação, mas de valores que já estava a receber por quase 05(cinco) anos. A supressão dessa isenção caracterizaria o Periculum In Mora. No caso concreto, o Magistrado concedeu a tutela antecipada, conforme se vê de sua sentença abaixo transcrita, deixando-se, apenas, de nominar o nome do autor da ação, por uma questão de caráter legal:

Vistos, etc... O autor (...), “qualificado nos autos, por seu advogado, ajuizou a presente Ação Declaratória de Inexistência de Relação Tributária cumulada com Pedido de Tutela Antecipada em face do ESTADO DE SERGIPE E DO SERGIPREVIDÊNCIA. Aduz inicialmente o Autor que teve pedido de isenção de imposto de renda sobre seus proventos perante a Secretaria de Estado da Administração, em decorrência do câncer, sendo fixado o prazo de 5 (cinco) anos 18/12/2009 e 16/12/2012. Acrescenta que a Secretaria de Estado da Administração em decorrência do indicado laudo pericial comunicou o fato à Receita Federal que acatou a isenção. 265


Jeferson Fonseca de Moraes Alega o autor que é portador de câncer ou neoplasia de retossigmoide (câncer de reto). A demanda é de pequena complexidade, sendo a matéria exclusivamente de direito, devendo ser analisado o regramento do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei nº 11.052/2004, onde de forma explícita concede o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores de NEOPLASIA MALIGNA. O Autor submeteu-se em 02/01/2010 a uma INTERVENÇÃO CIRURGICA e diante de intercorrências que surgiram no pós-operatório, foi ainda submetido, no período de 60 dias, a outras 5 intervenções cirúrgicas, encontrando-se hoje com colostomia no abdômen em caráter definitivo, com o uso de uma bolsa própria por onde excreta as fezes, submetendo-se a cada ano a exames para o controle do câncer.

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Ressalte-se que através de diversos relatórios médicos, atestados médicos, exames de videocolonoscopia, o Autor foi diagnosticado como portador de tumor maligno, tendo a médica indicado a realização de cirurgia para a retirada do referido tumor por ser maligno, canceroso. Analisando o pedido de TUTELA ANTECIPADA diante dos documentos trazidos pelo Autor, de início impende verificar se é o caso de TUTELA ANTECIPATÓRIA, onde os requisitos para a sua concessão são mais exigentes que os de simples concessão de cautelares. Aqui, não basta apenas a “fumaça do bom direito” e o “perigo da demora”, exige-se a verossimilhança diante de prova inequívoca do alegado e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. No caso sob exame não resta dúvidas quanto ao cabimento da TUTELA ANTECIPATÓRIA, pois a prova produzida pelo Autor é inequívoca quanto aos fatos e direito alegados, e exsurge de maneira cristalina o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação que consiste na melhoria da condição imediata para o seu tratamento com a isenção do Imposto de Renda. 266


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ISTO POSTO, CONCEDO “inaudita altera pars” a TUTELA ANTECIPADA requerida em todos os seus termos, determinando que os Requeridos procedam imediatamente a isenção do Imposto de Renda sobre a remuneração do Autor enquanto durar a lide e até o julgamento final do mérito da ação. Intimem-se, na forma da lei. Aracaju/SE, 31 de outubro de 2014 (...) Juiz(a) de Direito”.

DA SENTENÇA DE MÉRITO. Nessa mesma linha da competência da Justiça Estadual, tramitou no Juizado Especial da Fazenda Pública, o Processo nº 201440902825, cuja sentença da lavra do Juiz de Direito, foi pela procedência da ação proposta, que isentava do imposto de renda o autor da ação dos valores correspondentes aos proventos daquele servidor público aposentado, que pela sua qualidade e humanidade merece ser transcrita, nos mesmos termos, tal como está escrita, “ipsis literis”: “SENTENÇA

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EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. PORTADOR DE NEOPLASIA. ISENÇÃO DE IMPOSTO D0E RENDA. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 7.713/1988, ART. 6º, INCISO XIV. DESNECESSIDADE DE SINTOMAS CONTEMPORÂNEOS DA DOENÇA. RELATÓRIOS MÉDICOS E ATESTADOS SÃO SUFICIENTES PARA A CONCESSÃO DA ISENÇÃO. A LIMITAÇÃO DO BENEFÍCIO SOMENTE NO PERÍODO DOS SINTOMAS E COMPLICAÇÕES 267


Jeferson Fonseca de Moraes OFENDE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA INSERTA NO ART. 1º, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Vistos, etc... Dispensado o relatório conforme o art. 38, da Lei Federal 9.099/95. O Requerente ajuizou a presente ação com a finalidade de ver declarada a inexistência de relação jurídico-tributária consistente na isenção de imposto de renda do seu benefício previdenciário em razão de ser portador de NEOPLASIA DE RETOSSIGMOIDE, e que a própria Secretaria de Estado da Administração (proc. nº 015.000.00809/2010-9) em sede administrativa lhe deferiu a isenção no prazo de 05 anos, de 18 /12/2009 a 16/12/2014. Alega o Requerente de que o prazo fixado pela Administração Pública não existe previsão legal, até porque a vítima desse tipo de doença pode a qualquer tempo sofrer uma recaída, sem contar que terá que passar o resto da vida tomando remédios e fazendo check up’s para detectar com antecedência qualquer alteração na sua saúde.

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O laudo pericial jamais poderia fixar um prazo de cinco anos, ainda que os seus membros fossem dotados de poderes de vidência. Há precedentes no STJ, como: AGARESP 201201388934, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 09/04/2013 e AGARESP 201200377250, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 04/06/2012. Os relatórios médicos dos doutores Nelma Maria Barbosa da S. Santana, de 02/07/2014 e Juvenal da Rocha Torres Neto, de 26/06/2014, são categóricos em afirmar que o Requerente e paciente continua em tratamento e que pode a qualquer momento sofrer uma recidiva, sendo considerado um paciente sob controle mas não livre da doença. 268


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O SERGIPEPREVIDÊNCIA contestou tão somente alegando que não é parte legítima. O ESTADO DE SERGIPE não ofereceu contestação e, portanto, decorrido o prazo para esta finalidade, decreto a sua revelia. O Ministério Público instado a se manifestar também não o fez deixando fluir o prazo legal. As provas com relação a situação fática da periclitação da saúde do Requerente em face da neoplasia são claras e insofismáveis. Quanto ao regramento jurídico, nos parece básico e incontroverso diante da clareza da Lei Federal 7.713/1988 que deve ser iluminada pela DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, princípio fundamental da República Federal positivada no inciso III, do art. 1º, da Constituição Federal. Indefiro o pedido de exclusão do SERGIPEPREVIDÊNCIA como Requerido em razão da sua personalidade jurídica própria por se tratar de autarquia estadual e, ainda, por ser responsável pelo processamento e pagamento da aposentadoria do Requerente, donde logicamente tem interesse processual ainda que seja como litisconsorte necessário. Diante do exposto, e sem mais delongas, JULGO PROCEDENTE a presente ação para declarar a inexistência de relação jurídico-tributária em face do imposto de renda sobre o benefício da aposentadoria do Requerente sem limitação temporal, ficando o Estado de Sergipe e o SERGIPEPREVIDÊNCIA proibidos de a qualquer tempo proceder a desconto de imposto de renda sobre os proventos e benefícios do Requerente, conforme o inciso XIV, do art. 6º, da Lei Federal 7.713/1988. Sem custas e sem honorários de sucumbência. P.R.I. Aracaju, 21 de maio de 2015 (...) Juiz(a) de Direito”. 269


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O Estado de Sergipe e seu Órgão Previdenciário, partes na ação acima indicada, inconformados com o que fora decidido pelo Juiz de Direito, recorreram à Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, recorreram daquela decisão mediante recurso inominado - processo nº 201501007918, cuja decisão foi favorável ao servidor aposentado, conforme se vê da ementa abaixo transcrita: “EMENTA SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. PORTADOR DE NEOPLASIA. ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 7.713/1988, ART. 6º, INCISO XIV. DESNECESSIDADE DE SINTOMAS CONTEMPORÂNEOS DA DOENÇA. RELATÓRIOS MÉDICOS E ATESTADOS SÃO SUFICIENTES PARA A CONCESSÃO DA ISENÇÃO. A LIMITAÇÃO DO BENEFÍCIO SOMENTE NO PERÍODO DOS SINTOMAS E COMPLICAÇÕES OFENDE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA INSERTA NO ART. 1º, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal do Estado de Sergipe, por unanimidade, em conhecer dos recursos interpostos para negar provimento aos recursos, mantendo-a inalterada a sentença em seus demais termos. Condeno os recorrentes ao pagamento de custas e honorários advocatícios no valor de 10% (dez) para cada um sobre o valor da causa. Aracaju, 02 de Dezembro de 2015. (a) Juiz(a) Relator(a), Juiz(a) Membro e Juiz(a) Membro”.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO ESTADO. Inconformado ainda, com a decisão acima transcrita, o Estado de Sergipe, inconformado, opôs embargos de declaração, que, entretanto, não foram acolhidos, conforme se vê do acórdão que se transcreve abaixo: EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO COLEGIADA PROLATADA EM CONSONÂNCIA COM A PROVA DOS AUTOS. SENTENÇA CONFIRMADA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, NOS TERMOS DO ART. 46, SEGUNDA PARTE, DA LEI 9.099/95. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS”.

Para maior compreensão do porquê do não acolhimento dos embargos de declaração opostos pelo Estado de Sergipe, transcrevo, integralmente, o voto do Juiz Relator, que, inclusive, fora acompanhado por unanimidade pela Turma Recursal, conforme se vê in verbis: “O(a) Senhor(a) Juiz(a):

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Cuidam os autos de embargos de declaração interpostos pelo ESTADO DE SERGIPE em face da decisão colegiada que negou provimento aos recursos inominados interpostos pelas partes demandadas. Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço o recurso. O art. 48 da Lei 9.099/95, é elucidativo ao trazer as hipóteses que justificam a oposição de embargos de declaração, como aquelas previstas no Código de Processo Civil. Desta forma, nos termos do art. 1.022 do diploma processual civil, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, 271


Jeferson Fonseca de Moraes para suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, assim como para corrigir erro material.

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Na espécie, o embargante/reclamado alega que houve omissão no julgado que deixou de se manifestar sobre questões de fato e de direito levantadas em sede recursal. Não lhe assiste razão. A decisão colegiada manteve a decisão recorrida pelos próprios fundamentos, conforme autoriza o art. 46 da Lei 9.099/95, por entender que a sentença deveria permanecer incólume e as teses levantadas pela parte recorrente não mereciam guarida. O citado dispositivo legal dispensa, desta forma, a análise de todos os argumentos levantados em recurso, nos casos em que a sentença recorrida está completa e encontra-se em conformidade com o entendimento a ser adotado pela Turma Recursal, de modo que sua aplicação não importa em omissão. Assim, no caso em comento, a embargante/reclamado pretende apenas rediscutir matéria fática já abrangida pela decisão. Ocorre que os embargos não se constituem em instrumento jurídico adequado para revisão do mérito do julgado devendo o embargante vale-se dos recursos previstos na legislação processual para esta finalidade. Destarte, não há nos embargos de declaração opostos pelo reclamante a presença dos requisitos de tal meio de impugnação das decisões, previstos no art. 48, Lei 9.099/95 c/c art. 1.022 do CPC. Ante o exposto, REJEITO os embargos de declaração opostos por não existir omissão a ser sanada. Aracaju, 23 de Junho de 2016. (...) Juiz(a) Relator(a)”. 272


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Na hipótese de que aqueles embargos de declaração houvessem sido acolhidos, com a pretensão de levar o caso ao Supremo Tribunal Federal, haveria de ser sustentado, como preliminar para que o suposto recurso não fosse conhecido, e, considerado prejudicado, com sua extinção, seria sustentado pelo portador de câncer os argumentos que abaixo se vê: PERDA DE OBJETO E SUPERVINIENTE FALTA DE INTERESSE RECURSAL POR PARTE DO ESTADO. RECURSO PREJUDICADO. REPERCUSSÃO GERAL. EXTINÇÃO DO RECURSO. Traga-se à lume que a Procuradoria-Geral do Estado de Sergipe, através do seu Conselho Superior da Advocacia-Geral, adotou, em data de 20 de janeiro de 2016, nos autos do processo nº 010.000.00326/2015-8 (administrativo), com outra parte, posição idêntica à tese defendida pelo autor da ação no processo judicial, anteriormente referido. A nova posição adotada pelo Conselho da PGE está estratificada na sua ata da centésima quadragésima primeira reunião extraordinária. Esse novo entendimento da PGE é o de que a Lei Federal nº 7.713/1988 é aplicável aos servidores estaduais, e que não é necessário a demonstração de contemporaneidade dos sintomas ou comprovação de recidiva da enfermidade para a manutenção da regra da isenção do imposto de renda sobre os proventos da aposentadoria. Nessa linha, a PGE acaba por acatar a linha da jurisprudência do STJ. Com efeito, a nosso ver, tendo a Procuradoria-Geral do Estado de Sergipe acolhido essa tese, terminou por causar a perda de objeto superveniente, por falta de interesse recursal, estando prejudicados aqueles embargos de declaração opostos, antes referidos. 273


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EXPLICANDO O CASO ADMINISTRATIVO NO CONSELHO SUPERIOR DA PGE. Naquele processo administrativo, tendo como parte interessada o servidor aposentado Eduardo Roberto Sobral e Farias, ficou assentado por aquele Conselho, com status de Repercussão Geral, o seguinte, in litteris:

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“(...) Por maioria (...), nos termos do voto vistas, foi deferido o pleito postulado nos autos do processo administrativo nº. 010.000.00326/2015-8, uma vez que a lei isentiva nº. 7.713/1988, de natureza federal, pode ser aplicada aos servidores estaduais e não é necessária a demonstração de contemporaneidade dos sintomas ou comprovação de recidiva da enfermidade para a manutenção da regra isencional. Vencida a Cons. (...), que entendeu pelo indeferimento do pleito formulado”.

Registro, por oportuno, que prevaleceu naquela decisão a posição do voto-vista do conselheiro que sustentava o deferimento do pleito, sendo seguido pelos votos dos conselheiros que formavam a maioria, que, no ato, aprovou as deliberações do Conselho, tomadas naquela sessão, nos termos do artigo 7º, inciso XIV, da Lei Complementar Estadual 27/1996, restando vencida a relatora. ALERTO que, em RELAÇÃO AOS SERVIDORES DA ATIVA, ficou decidido pelo citado Conselho, que a isenção do imposto de renda prevista no artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988 não incide sobre aqueles, mas tão somente sobre os rendimentos da inatividade. Essa posição conduz à indubitável conclusão da superveniente ausência de pressuposto recursal genérico, qual seja a falta de interesse recursal e a superveniente perda de objeto dos embargos de declaração opostos pelo Estado de Sergipe, 274


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no indicado processo, defendendo posição diversa e superada pela nova posição adotada pelo Conselho da PGE. Em assim sendo, no caso específico do autor desses escritos, restava peticionar à Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, nos autos dos embargos de declaração no recurso inominado nº 201501007918. Nele, foi dada ciência da superveniente decisão do Conselho da PGE, contida na ata da centésima quadragésima primeira reunião extraordinária, requerendo a juntada da indicada ata, como documento novo e superveniente, para em face dele seja considerado prejudicado o recurso de embargos de declaração, com sua consequente extinção, com fundamento no art. 493 do Novo Código de Processo Civil de 2015. Explico. Como cediço, já se tinha, desde o antigo Código de Processo Civil, que vigorou de 1973 até o dia 18/03/2016, no seu art. 462, onde está consignado o que se transcreve, in verbis:

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“CPC - Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973 Institui o Código de Processo Civil. Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”.

Nesse sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme se vê, no ponto, o que assentou o REsp 540.839/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ, quinta turma, DJ 14/5/07, devendo, a propósito, ser conferido o seguinte excerto daquele julgado, que transcrevo in verbis: (...) “O fato constitutivo, modificativo ou extintivo de direito, superveniente à propositura da ação deve ser levado em consideração, de oficio ou a requerimento das 275


Jeferson Fonseca de Moraes partes, pelo julgador, uma vez que a lide deve ser composta como ela se apresenta no momento da entrega da prestação jurisdicional” (REsp 540.839/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 14/5/07).

A MATÉRIA NO NOVO CPC. Por seu turno, o que era tratado no já indicado art. 462 do antigo CPC, continua tendo o mesmo significado daquele, na REDAÇÃO ATUAL DO NOVO CPC, no seu art. 493 (Lei Nº. 13.105, de 16/03/2015), que abaixo se transcreve, in verbis:

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“Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”.

Como está claro, o reconhecimento pela Procuradoria-Geral do Estado e, por via de consequência, do Sergipeprevidência, como Autarquia Estatal obediente daquela decisão tomada pelo Conselho Superior, conduz à indubitável conclusão da superveniente ausência de pressuposto recursal genérico, qual seja, o interesse recursal nos citados embargos de declaração, em razão da decisão em processo administrativo do Conselho Superior da Procuradoria-Geral do Estado, que reconheceu a aplicação da Lei nº 7.713/1988, que trata da isenção do imposto de renda aos servidores inativos portadores de câncer, presente ou não seus sintomas. E, justamente, em consequência da superveniente perda do seu objeto (art. 493 do NCPC - Lei nº. 13.105, de 16/03/2015), em face de manifesta ausência de interesse de agir, nos termos do art. 503 do CPC anterior (em vigência ao tempo da oposição dos Embargos) e art. 1.022 e seguintes do Novo CPC, deve ocorrer a extinção do recurso, sem julgamento do mérito, 276


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nos termos do que se fazia pelo art. 267, VII, do CPC de 1973 e, hoje, faz-se ao fundamento do art. 485, VI, do NCPC. Entretanto, tudo isso está superado, porque a última decisão da Turma Recursal naqueles embargos de declaração opostos pelo Estado, e já referenciados, transitaram em julgado desde 1º de agosto de 2016, conforme se vê do contido na resenha do processo 201501007918.

ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA: AÇÃO ADEQUADA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Noutros tempos, em que vigia o Código de Processo Civil de 1973, a base legal da “Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica Tributária (Isenção de Imposto de Renda) Cumulada com Tutela Antecipada” estava no que dispunham os art. 282 e seguintes, art. 4º, inciso I, art. 273, caput, e seu inciso I, e seguintes, no que aplicável, todos do CPC/1973, combinado com o art. 6º, inciso XIV, da Lei nº. 7.713/1988, bem como no art. 5º, XXXV, da CF/88. A AÇÃO NO NOVO CPC. Contudo, tendo em vista a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015), no dia 18 de março de 2016, conforme interpretação dada pelo Conselho Nacional de Justiça, atendendo requisição do Conselho Federal da OAB, para a definição da data, os fundamentos de ação dessa natureza, encontram-se, agora, estampados no art. 319 do NCPC, que estabelece, in verbis: “Art. 319. A petição inicial indicará: I - o juízo a que é dirigida; II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da 277


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Jeferson Fonseca de Moraes Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. § 1o Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção. § 2o A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu. § 3o A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça. Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial”.

É de ser esclarecido que, na maioria das vezes, os autores dessas ações não têm como recolher todas as informações relativas ao réu. Por isso, em boa hora, o NCPC, já prevendo 278


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essa situação, criou um sistema que possibilita ao advogado do autor da ação solicitar ao Juiz que promova os atos necessários para obter as informações relativas ao réu que o autor não possuir em seu poder, quando da sua propositura. Nesse sentido, veja-se o que está indicado nos §§ 1º ao § 3º, do art. 319, do NCPC, acima transcrito. Percebe-se que, caso o juiz julgue que a obtenção das informações seja de difícil acesso e torne oneroso o processo, não poderá indeferir a inicial de plano, devendo conceder prazo de 15 dias para a emenda da inicial, nos termos do art. 321, do NCPC, essa é outra inovação.

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O que estava disposto no art. 4º, do CPC de 1973, como o anterior fundamento da ação, agora está previsto nos arts. 19 e 20, do NCPC. CONCLUSÕES FINAIS. Resta incontroverso, portanto, o fato de ser ilegal a restrição temporal imposta de cinco anos aos indicados no rol das doenças previstas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº. 7.713/88, pelos entes estatais ou seus poderes, para que estes sejam sujeitos de direito da isenção de imposto de renda sobre seus proventos. De igual modo, resta claro que, para o deferimento ou manutenção da isenção de imposto de renda em decorrência das doenças referidas no dispositivo legal anteriormente mencionado, não se faz necessária a contemporaneidade dos sintomas, nem a recidiva da doença. Por último, é de se dizer que, uma vez constada uma das doenças relacionadas na indicada lei, o autor da ação judicial não precisa se submeter à nova avaliação médica oficial, para ter assegurado o seu direito ao benefício tributário, conforme tudo quanto foi já explicitado anteriormente. 279


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Capítulo VIII O novo divórcio litigioso e a partilha de bens na EC 66/2010

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O divórcio litigioso na Constituição Federal em face das mudanças advindas da Emenda Constitucional n° 66/2010. A separação judicial permanece como instituto jurídico não tendo sido extinta, continua em vigor, como opção das partes de fazer a separação ou o divórcio direto. Precedente nesse sentido, decisão do STJ da Quarta Turma, de 22/03/2017.

É nosso propósito, quando escrevemos este livro, utilizar do estilo de um contador de histórias de casos em que neles participamos na condição de advogado de uma das partes, trazendo, ao final a posição da própria justiça, assentada na sentença ou no respectivo acórdão quando a matéria chega aos tribunais. Os capítulos anteriores destes escritos têm esta mesma característica própria do seu escritor, sendo sua linguagem em 280


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alguns momentos mais coloquial do que técnica, para que todos entendam os casos postos, sem perder a sua natureza técnica jurídica. A CULPA COMO CAUSA DO DIVÓRCIO. Ao nosso pensar, não mais se discute nos dias de hoje, como se fez no passado, sobre a existência da culpa de um dos cônjuges como causa motivadora para a decretação do divórcio direto como procedimento judicial próprio. Na verdade, o que houve entre o casal foi o fim de uma relação que se desgastou em decorrência do tempo, eis que nesse interregno o amor deixou de ser cultivado por ambos, independentemente de culpa. A culpa, portanto, deixou de ser, a nosso ver, uma exigência ou causa para a decretação do divórcio. Ela não necessita ser provada, desde a edição da Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010, que deu nova redação ao § 6º, do art. 226 da Constituição Federal. Essa é a nova interpretação jurídica decorrente da indicada Emenda Constitucional, ao tratar do divórcio litigioso direto no Brasil. Não obstante, em casos específicos, a exemplo de doenças sexualmente transmissíveis (DST), alguns doutrinadores defendem a culpa do ocasionador como causa do divórcio, sendo uma exceção à regra. Assim o é, porque a Emenda Constitucional indicada ao dispor sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio suprimiu o requisito da prévia separação judicial por mais de 01 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 02 anos, como estava previsto no texto anterior, conforme se vê da indicada Emenda, que se transcreve in verbis: 281


Jeferson Fonseca de Moraes “EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66, DE 13 DE JULHO DE 2010. Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 226.......................................................................... § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”(NR) Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

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Brasília, em 13 de julho de 2010”.

Com efeito, o que se vê do texto indicado é a exclusão da parte final da norma constitucional, das exigências anteriores, não havendo mais nenhuma restrição para a concessão do divórcio, a exemplo da prévia separação e do prazo fixado anteriormente para tal, posto que a norma simplesmente estabelece: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. No exercício da advocacia, tivemos um caso concreto de divórcio litigioso, em que a autora pedia a decretação do divórcio por culpa exclusiva do seu cônjuge, bem como a indenização por danos morais e a partilha de bens. Pedia ainda, cumulativamente a condenação de honorários de advogados no percentual máximo de 20% sobre o valor da causa, tudo isso na ação do divórcio. Alegava a esposa que o demandado teria descumprido os deveres matrimoniais indicados no artigo 1.566 do Código 282


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Civil de 2002, em razão de ter havido, por parte do cônjuge varão, a prática de adultério. Assentava a autora que havia culpa do marido e que por isso este deveria ser condenado como indicado artigo 1.566 do Código Civil de 2002, que dispõe textualmente:

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“Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos”.

Na contestação, sustentamos que a partir da EC-66/2010, não mais havia a exigência da culpa como causa motivadora da responsabilização do cônjuge para findar uma relação jurídica matrimonial. Essa exigência só era possível quando ainda vigia no país a velha e superada separação judicial ou cartorária, anterior à indicada emenda. Tendo, entretanto, a separação referida, sido excluída pela nossa Constituição Federal do ordenamento jurídico como causa motivadora para o divórcio, temos como consequência o desaparecimento da culpa, como era prevista no art. 1.572 do Código Civil, porque passou a ser desnecessária sua comprovação para a decretação do divórcio direto como estabelecido pela EC 66/2010. O Direito de Família Moderno passou a dar um maior valor à afetividade do casal, não devendo o casamento se sustentar quando faltar essa afetividade, não obstante o Código Civil de 2002, no dispositivo acima indicado, ainda conste a culpa como motivadora da separação mediante imputação de violação dos deveres conjugais e outros comportamentos assentados no dispositivo citado. 283


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É de se ver que a emenda à Constituição Federal consagrou o princípio da valorização da pessoa humana, e nessa linha é de bom alvitre trazer à colação a lição de Cristiano Farias, citado em monografia de Thaís de Paula Scheer, na Escola de Magistratura do Paraná,, que transcrevemos abaixo: “Por isso, de lege ferenda, deve o ordenamento jurídico, seguindo as linhas avançadas propostas pela melhor doutrina e jurisprudência, extirpar do direito positivo a culpa como elemento de dissolução do casamento, adequando a norma infraconstitucional (arts. 1572 e 1573, do CC/02) aos novos paradigmas principiológicos constitucionais, atendendo à preservação da dignidade humana, para submeter a extinção matrimonial a um único fundamento: a vontade do cônjuge”. (FARIAS, Cristiano Chaves. “Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (Casar e permanecer casado: eis a questão). In: Rodrigo da Cunha Pereira (coord.) Afeto, ética, família e Novo Código Civil Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 110).

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Como se vê, ainda na monografia de Thaís de Paula Scheer, a culpa como causa do divórcio vem perdendo sua importância, conforme explicita a desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “A perquirição da causa da separação vem perdendo prestígio, ainda quando tenha havido a indicação da responsabilidade do demandado pela insuportabilidade da vida em comum. Seja porque é difícil atribuir a só um dos cônjuges a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, seja porque é absolutamente indevida a intromissão na intimidade da vida das pessoas, tal motivação vem sendo desprezada pela jurisprudência”. (DIAS, Maria Berenice. In: “Da separação e do divórcio”. In: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coords). Direto de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.71). 284


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Aliás, essa é a solução acolhida no avançado direito alemão, reconhecendo como sendo um direito material ao divórcio, sua decretação, tendo como única causa o fracasso da união conjugal, acolhendo, por conseguinte, o princípio da ruptura em substituição ao duvidoso princípio da culpa, como lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenval, no seu Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 108. Com efeito, dizemos nós, baseado no paradigma do desamor, no qual ninguém é obrigado a viver com aquele que não ama e, por consequência, não é feliz, e não faz o outro feliz, é que se constrói o pensamento jurídico da extinção da culpa para a concretização da dissolução da sociedade conjugal, tese defendida por ilustres juristas, como os acima citados. É o que defende a “Teoria da Deterioração Factual”, que é baseada na liberdade de escolha, no princípio da autodeterminação que os cônjuges possuem para decidir pela constituição, manutenção e extinção da entidade familiar. Essa teoria é verdadeiramente o instrumento de proteção ao direito a uma vida digna, à vida privada, ao direito de liberdade e à intimidade das pessoas individualmente. A jurisprudência contemporânea já adota esse posicionamento no país, senão vejamos: “APELAÇÃO. DIREITO DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO JUDICIAL. CULPA. DESUSO. DESNECESSIDADE DE AFERIÇÃO. A tarefa de distribuir culpa numa separação é subjetiva, e inevitavelmente termina por provocar uma falsificação da realidade matrimonial. A culpa afigura-se como um instituto arcaico e em desuso na realidade jurídica pátria”. (TJMG. 2008. AC 1.0051.05.013985-9/001, relator: DÁRCIO LOPARDI MENDES).

Hoje, um dos cônjuges basta dizer que não quer mais continuar casado com o seu consorte, apenas porque não quer, 285


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guardando para si suas próprias motivações, que é de foro íntimo, pessoal. A culpa só é objeto de discussão quando há pretensão para que o Juízo condene em alimentos o outro cônjuge e apenas quando este não tem meios decorrentes do seu trabalho para bancar seu próprio sustento, e ainda em casos de violência física, ou de transmissão de doenças sexuais. A nosso ver, são essas as exceções.

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A CULPA SE ENCAIXA NO CAMPO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E NÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA, COMO NOVA DOUTRINA JURÍDICA. Mas, tais condutas praticadas nesses casos de culpa, constituem atos ilícitos que saem do campo do Direito de Família e passam para a esfera cível comum, como caso de responsabilidade civil, com nexo de causalidade, como fixado no art. 186 e 927 do vigente Código Civil, caracterizados como ato ilícito que tem viés diferente daqueles princípios que tratam do fim do vínculo matrimonial, estes de Direito de Família e não aqueles. Compartilhamos desse entendimento, na companhia dos doutrinadores abaixo citados. O hoje ministro do STF Luiz Edson Fachin, em sua obra, “Elementos Críticos do Direito de Família”, na página 379, escreve: “(...) Não tem mais sentido averiguar a culpa como motivação de ordem íntima, psíquica. Objetivamente é possível inferir certas condutas, não raro atribuídas, de modo preconceituoso, mais à mulher que ao homem. A conduta, porém, pode ser apenas sintoma do fim”.

No mesmo sentido, é a posição doutrinária da desembargadora Maria Berenice Dias, em artigo de sua lavra, publicado em seu sítio, intitulada “Casamento: nem diretos nem deveres, só afeto”, quando escreve: 286


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“(...)Vincular a separação ao rígido pressuposto da identificação de um responsável justificava-se no sistema originário do Código Civil pretérito, que consagrava a insolubilidade do vínculo matrimonial. Sequer o desquite – que só era admitido ante a comprovação de causas taxativamente previstas na lei – desfazia o casamento. Após a consagração do divórcio, é imperioso reconhecer a absoluta dispensabilidade do reconhecimento da culpa pelo rompimento do vínculo afetivo. Tanto que cada vez mais vêm a doutrina e a jurisprudência – atenta à realidade social e muito à frente da estática legislação – desprezando a perquirição da culpa para chancelar o pedido de separação. Já tive a oportunidade de sustentar em sede doutrinária e em vários julgamentos. Essa postura acabou prevalecendo ao menos no Tribunal gaúcho, que abandonou a vã tentativa de punir alguém, passando a considerar dispensável a perquirição da culpa”.

HONORÁRIO DA SUCUMBÊNCIA NO DIVÓRCIO LITIGIOSO. IMPOSSIBILIDADE. Dizemos nós que todos esses deveres estatuídos no indicado dispositivo perderam sua razão de ser a partir da Emenda Constitucional nº 66/2010, em razão de não mais se discutir na Ação de Divórcio Direto Litigioso, a culpa para a sua decretação, nem do pagamento de Honorários Advocatícios de sucumbência, senão àqueles contratualmente devidos pela parte aos seus próprios patronos, individualmente, como contratado. Com efeito, para a parte se divorciar, basta o querer de um dos cônjuges, independentemente do outro aceitar ou não, portanto, não há vencedor, nem vencido na decretação do divórcio, e por via de consequência, não há sucumbente, daí não haver a condenação em honorários de advogado, por força do art. 86 do Novo CPC/2015: “Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Parágrafo único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários”. 287


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Neste sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal que se transcreve in verbis: “Honorários de advogado, constituindo encargo do inventário, devem ser deduzidos do monte da herança. Porém, se há dissídio entre herdeiros e inventariante, cada interessado pagará os honorários de seu advogado (Recurso Extraordinário nº 93.881-8, Segunda Turma, Rel. Min. Djaci Falcão, j.em 13.3.1981, in RT 552/262)”.

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Com efeito, após a Emenda Constitucional nº 66/2010, dando nova redação ao artigo 226, § 6º da Constituição Federal, restou clara que a demonstração de culpa está superada como motivação para o Divórcio, não mais se exigindo sua comprovação. Ao nosso pensar, o que transborda na verdade das entre linhas daqueles que defendem a permanência da culpa, nada mais é do que a revelação de mágoas e ressentimentos de um longo casamento que foi se decompondo pelo quotidiano, sem que o casal reciprocamente tivesse condições de contornar esses ressentimentos de parte a parte, culminando no desamor, como causa da separação. O desgaste da relação se tornou responsável para que as coisas chegassem a um ponto final, fato que por certo contribui para que a vida em comum de um casal se torne insuportável de continuar, por falta de percepção de ambos em evitar a deterioração do casamento. Essa é a causa motivadora e verdadeira das separações que estão a ocorrer na estressante vida atual dos casais, e não o que muitas vezes se alega em momento de emoções explosivas que embotam a sensatez humana. Não há a necessidade de se assacar contra o homem/mulher, companheiro(a) de tantos anos, fatos que desbordam desse caminho, mormente em relação a quem sempre foi 288


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correto com sua família, pois a atual legislação constitucional não exige que se decline qualquer motivação para ser decretado o divórcio como era exigido no passado. Isto porque, diante do estatuído na nova redação dada ao artigo 226, § 6º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 66/2010, não há na espécie de ação de divórcio litigioso nem vencedor nem vencido, e, por via de consequência, não há sucumbente; esse é o nosso entendimento. Daí não haver a condenação em honorários de advogado, por força do art. 21 do CPC/73 (Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas. Parágrafo único. Se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários). O Código de Processo Civil de 2015 segue a mesma linha do anterior, estabelecendo no seu art. 86, que se transcreve in verbis:

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“Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Parágrafo único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários”.

ALIMENTOS E DIVÓRCIO. Quanto a alimentos, aplica-se a regra do artigo 1.695 do Código Civil de 2002, apenas quando a mulher não está impossibilitada para o trabalho e pode prover o seu sustento, conforme princípio constitucional de igualdade entre homem e mulher que hoje vigora com matriz constitucional, conforme se vê in verbis: 289


Jeferson Fonseca de Moraes “Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

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Não é de bom alvitre se adentrar na intimidade e na privacidade da vida do casal, porque o que ocorre em quatro paredes não deve ser objeto de exposição pública em respeito ao direito a intimidade, à dignidade e à privacidade da pessoa humana, inclusive, também em relação à vida pessoal, que não mais precisa ser investigada, como se fazia no passado para a comprovação de se saber quem era o culpado de ter posto fim ao casamento. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE DANOS MORAIS EM SEDE DE AÇÃO DE DIVÓRCIO, MAS, EM AÇÃO DISTINTA. A nosso ver são incabíveis em sede de ação de divórcio a concessão de danos morais ao cônjuge que se achar ofendido; entretanto, o pedido de danos morais pode ser discutido em ação própria para esse fim, diversa daquela, portanto, fora da ação de divórcio, que é de Direito de Família. Na ação indenizatória de danos morais, esta de caráter ordinário e autônoma da ação de divórcio, o ofendido terá de comprovar que o outro cônjuge praticou ato ilícito, a exemplo de conduta vexatória, humilhante e que fira a dignidade de um deles, isso durante a vigência do casamento. Há, portanto, a necessidade dessa prova, do nexo de causalidade, o que não pode ser discutido em sede da ação de divórcio. O pedido de ressarcimento indenizatório por danos morais só pode ser ajuizado em ação indenizatória autônoma, isto porque na ação de divórcio a discussão é sobre Direito de Família, 290


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que envolve a intimidade do casal e a impossibilidade de discussão a quem atribuir a culpa pelo fim do relacionamento. Ao passo que o objeto das ações indenizatórias por supostos danos morais ocorre em área diversa da do Direito de Família, ou seja, adentra no campo do Direito das obrigações por ato ilícito. O dano moral não depende, pois, da existência de casamento, a responsabilidade civil decorre de uma atitude ilícita e não de uma relação conjugal que é de direito de família. Caberá ao cônjuge ofendido formalizar uma ação indenizatória, não como casado, parceiro, mas sim como vítima de agressor, devendo a ação de reparação civil ser proposta no juízo cível, quando o caso demonstrar a existência de nexo de causalidade. Com isso, deixaram-se para trás anacronismos legais que causavam dor e sofrimento àqueles que almejavam se ver livres do vínculo conjugal e tinham que discutir a intimidade entre quatro paredes, em juízo, quando esta só interessava ao casal. Em face da nova ordem constitucional a respeito do divórcio, a Teoria prevalecente é a do Desamor ou da “Deterioração factual da relação conjugal”, em razão da Constituição Federal ter como princípio a preservação da intimidade e da vida privada das pessoas, conforme o agasalho previsto no art. 5º, inciso X, e inciso LIV, da Constituição Federal. É indiscutível a prevalência da Teoria do Desamor ou da Ruptura (ou ainda da deterioração factual), em virtude da obediência ao princípio constitucional da preservação da intimidade e da vida privada das pessoas, que deve prevalecer sobre outros Direitos. A propósito da inadmissibilidade de indenização por danos morais em sede de ação de divórcio, mas, em ação própria, trazemos à colação, decisão proferida pela Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, sendo relator o des. Marlan de Moraes Marinho, na 291


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Apelação Cível nº 14.156/98 (acórdão de 13 de maio de 1999), que assim já vinha decidindo antes da Emenda Constitucional nº 66/2010, conforme se vê, in verbis:

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“EMENTA - DIVÓRCIO. DANOS MORAIS. REPARAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. Admitindo-se que o casamento é um contrato, não se pode deixar de notar que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes de sua eventual dissolução não podem ser solucionadas com regras próprias das obrigações. Recurso improvido”. “(...) Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 14.156/98, em que é apelante MCFMPR e apelado CPR, ACORDAM os Desembargadores da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação”.

Afirmo, portanto, com fundamento no precedente indicado, que não são cabíveis danos morais em ação de divórcio, porque a matéria nela discutida é de Direito de Família e não de direito das obrigações. Se um dos cônjuges eventualmente descumprir obrigações decorrentes do casamento, as sanções que lhes são aplicáveis são de Direito de Família, a exemplo a obrigação ou a exoneração de prestar alimentos, a obrigação de dividir os bens partilháveis, observando-se nesse caso, o regime de casamento entre eles, a perda da guarda dos filhos e finalmente o direito de uso do nome do cônjuge. Ademais, não sendo provenientes do divórcio, mas causados por um dos fatos que serviram de causa ao mesmo, tais danos não seriam indenizáveis, segundo lição de ANTUNES VARELA (In Direito de Família, Lisboa: Livraria Petrony, pág.500). 292


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DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO DE PRONTO, INDEPEDENTE DA PARTILHA DOS BENS. Caberá ao juiz decretar o divórcio, de pronto, inclusive, antecipando os efeitos da tutela, puro e simplesmente, prosseguindo-se no mesmo processo em atos posteriores, com a discussão sobre os bens em inventário nos mesmos autos do divórcio, nada impedindo que o divórcio seja previamente decretado antes que se faça a partilha dos bens. Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal, que se transcreve in verbis:

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“Honorários de advogado, constituindo encargo do inventário, devem ser deduzidos do monte da herança. Porém, se há dissídio entre herdeiros e inventariante, cada interessado pagará os honorários de seu advogado (Recurso Extraordinário nº 93.881-8, Segunda Turma, Rel. Min. Djaci Falcão, j. em 13.3.1981, in RT 552/262)”.

DA PARTILHA DE BENS NA AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. A pergunta que se faz é se é possível, no curso da ação de divórcio litigioso o juiz decretar o divórcio do casal antes de fazer a partilha dos bens comuns, ou seja, partilhar os bens posteriormente à decretação do divórcio. A resposta é, sem qualquer engano, que sim, posto que prevista essa hipótese no art. 1.581 do Código Civil, que se transcreve in verbis: “Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”. A questão, inclusive, está prevista na Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça que, por ser oportuna, transcrevemos textualmente: STJ Súmula nº 197 - 08/10/1997 - DJ 22.10.1997. Divórcio Direto - Partilha dos Bens. “O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens”. 293


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É comum o (a) demandante explicitar na petição inicial do divórcio litigioso, na relação de bens que compõe o patrimônio do casal, seus valores como sendo aqueles indicados na Declaração Anual de Imposto de Renda, não obstante, tais valores não representem o valor de mercado; é que no imposto de renda, o valor dos imóveis é o da data de sua aquisição, e que somente terá seu valor atualizado quando da venda, oportunidade em que incidirá o imposto de renda devido ao Governo. É de bom alvitre que se faça na petição inicial essa observação, arrematando, entretanto, qual o valor de mercado de tais bens. LOTES DE BENS NO ESBOÇO DE PARTILHA. Costumo elaborar lotes de bens, no esboço da partilha, mostrando a boa fé, no que tange ao valor de cada lote. Assim, cada cônjuge pode escolher um ou outro lote, segundo sua conveniência, porque seus valores são semelhantes. Na maioria das vezes, essa experiência tem dado certo, e a partilha de bens, que seria litigiosa, por divergência de interesses, se transforma em partilha amigável, pondo com isso o fim da querela. Todavia, em caso de divórcio em que falte o consenso dos cônjuges sobre a partilha dos bens, estes deverão ser avaliados pelo avaliador judicial da Vara por onde tramita a ação. A nosso entender, se não houver essa avaliação dos bens, e um dos cônjuges divergir do valor dos bens como posto por um deles, cabe ao juiz excluir da sentença a partilha dos bens, mandando as partes para as vias ordinárias ou dar prosseguimento ao feito nos mesmos autos do divórcio. No caso em que não haja consenso nem avaliação do patrimônio, impõe-se a adoção do que é indicado pelo artigo 1.121 do Código de Processo Civil de 1973, não obstante 294


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essa disposição esteja reservada à separação consensual, mas, é “intuitivo que idêntica norma terá que ser seguida, como tem sido, em se tratando de inventário decorrente de separação judicial” (CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 453). O entendimento acima explicitado tem como base legal o já indicado art. 1.121 do CPC/73 e a regra do art. 1.775 do Código Civil, para se preservar a recomendação que sempre se faz de que “A condição principal da boa partilha é a igualdade”. (Carvalho Santos, CCB interpretado, 13ª ed., XXIV – 387, in: Embargos de Divergência em RESP nº. 1.046.130-MG, Publicação, DJ 14/03/2011, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/18458507/eresp-1046130).

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Agora, o dispositivo processual civil anterior tem como seu equivalente, para efeito de sua equiparação o disposto no Art. 731 do NCPC, que se transcreve in verbis: “Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges; III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658 ”.

Como se vê, continua sendo possível fazer-se a decretação do divórcio e posteriormente cuidar-se da partilha dos bens entre as partes. 295


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Entretanto, caso o magistrado que presidiu o processo de divórcio litigioso tenha julgado a ação procedente e decretado o divórcio do casal e a partilha dos bens, com fundamento no art. 7º e §§ da Lei nº 6.015/77, regular a pensão, a guarda e as visitas relativas a filhos do casal, a parte inconformada pode apelar, alegando em sede de preliminar, a nulidade da sentença porque a partilha dos bens nela definida não corresponde à real situação dos bens quanto aos seus valores. Se o Tribunal de Justiça estadual mantém a sentença de primeiro grau, como já ocorreu em caso concreto, cabe a oposição de embargos declaratórios para pré-questionar a matéria visando a interposição de recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, por violação ao disposto no artigo 1.121 do CPC/73 (que corresponde ao art. 731 do NCPC) e art. 1.775 do Código Civil, para excluir da sentença a partilha dos bens do casal. O recurso especial deverá ser fundado no art. 105, III, letras “a” e “c” da Constituição Federal.

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Esse é o caminho a ser seguido pela parte que se julgar prejudicada com a decisão que desconsiderou o consenso entre os cônjuges, sobre a partilha dos bens do casal. A solução concreta apontada acima tem respaldo em precedente do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Recurso Especial nº. 46.626-1/PI, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 30/08/1994, pelos ministros da 4ª Turma, por unanimidade, conforme se vê da Ementa do recurso referenciado que se transcreve, in verbis: “Ementa: SEPARAÇÃO JUDICIAL. Partilha. Divergência. Inexistindo consenso entre os cônjuges sobre a partilha dos bens, ainda não avaliados, aplica-se a regra do art. 1.121 do CPC. Recurso conhecido em parte e provido para excluir da sentença a partilha dos bens”. 296


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No judiciário sergipano, nosso escritório já patrocinou caso em que o magistrado de primeiro grau acolheu a tese defendida no presente capítulo, e decretou por sentença o divórcio previamente, deixando a partilha para posterior momento, nos mesmos autos do divórcio. Em fase posterior, as partes concordaram com a avaliação dada aos bens, que atendia ao valor de mercado, e foram indicados em lotes individuais, para a escolha de qualquer um desses lotes por um dos cônjuges. Isso feito em audiência, na presença do Juiz, produziu bons resultados práticos, para pôr fim ao litígio, e, dias depois, o magistrado proferiu sentença homologando a partilha tal qual a escolha dos lotes. Após a Emenda Constitucional 66 que modificou o art. 226 da CF/1988, havia uma polêmica, se a figura da separação judicial teria sido abolida por esta. A separação judicial continua no nosso ordenamento jurídico na visão do Superior Tribunal de Justiça. Transcrevo aqui, o que foi publicado no site do STJ, na sua página Notícias de 22/03/2017 referente ao tema:

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“Quarta Turma define que separação judicial ainda é opção à disposição dos cônjuges A entrada em vigor da Emenda Constitucional 66, que modificou o artigo 226 da Constituição Federal para deixar de condicionar o divórcio à prévia separação judicial ou de fato, não aboliu a figura da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, mas apenas facilitou aos cônjuges o exercício pleno de sua autonomia privada. Ou seja: quem quiser pode se divorciar diretamente; quem preferir pode apenas se separar. O entendimento foi firmado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso 297


Jeferson Fonseca de Moraes especial interposto por um casal que, em ação de separação, buscava a homologação pelo juízo das condições pactuadas, como recebimento de pensão, regulação de visitas ao filho, partilha de bens e alteração de sobrenome. Supressão de requisito O juízo de primeiro grau, por entender que a EC 66 aboliu a figura da separação, concedeu prazo de dez dias para adequação do pedido, e o Tribunal de Justiça manteve a decisão. No STJ, a relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, entendeu pela reforma do acórdão. Segundo ela, a única alteração ocorrida com EC 66 foi a supressão do requisito temporal e do sistema bifásico para que o casamento possa ser dissolvido pelo divórcio. “O texto constitucional dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, imprimindo faculdade aos cônjuges, e não extinguindo a possibilidade de separação judicial. Ademais, sendo o divórcio permitido sem qualquer restrição, forçoso concluir pela possibilidade da separação ainda subsistente no Código Civil, pois quem pode o mais, pode o menos também”, disse a ministra.

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Liberdade de escolha Isabel Gallotti também fez considerações sobre os dois institutos. Segundo ela, a separação é uma modalidade de extinção da sociedade conjugal que põe fim aos deveres de coabitação, fidelidade e ao regime de bens. Já o divórcio extingue o casamento e reflete diretamente sobre o estado civil da pessoa. “A separação é uma medida temporária e de escolha pessoal dos envolvidos, que podem optar, a qualquer tempo, por restabelecer a sociedade conjugal ou pela sua conversão definitiva em divórcio para dissolução do casamento”, disse a relatora. 298


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Segundo a ministra, o estado não pode intervir na liberdade de escolha de cônjuges que queiram formalizar a separação a fim de resguardar legalmente seus direitos patrimoniais e da personalidade, preservando a possibilidade de um futuro entendimento entre o casal. A ministra acrescentou ainda que o novo Código de Processo Civil manteve em diversos dispositivos referências à separação judicial, a exemplo dos artigos 693 e 731, o que, em sua opinião, demonstra a intenção da lei de preservar a figura da separação no ordenamento jurídico nacional. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial”.

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Acessado em 23/08/2017, in: <http://www.stj.jus.br/ sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/ noticias/Not%C3%ADcias/Quarta-Turma-define-quesepara%C3%A7%C3%A3o-judicial-ainda-%C3%A9op%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-disposi%C3%A7%C3%A3odos-c%C3%B4njuges>

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Capítulo IX O Direito do Nascituro e sua Defesa em juízo.

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Um Caso Concreto de Defesa dos direitos do nascituro em juízo.

Quando estudante de Direito, jovem e inexperiente com as coisas da vida, assistindo a uma aula sobre o tema do presente capítulo, pensei com “meus botões”: Por que o professor nos ensina com tanta profundidade um tema de pouco uso, e que talvez jamais seja por nós utilizado na vida prática, no dia a dia profissional, num caso concreto? Assim são os jovens, inquietos. Ledo engano, na verdade, na vida, tudo que se aprende é útil. E não é que um dia tive que enfrentar esse tema para resolver uma questão de uma cliente! Lembrei-me daquela aula, que havia sido ministrada na década de 1960, pelo saudoso professor de Introdução à Ciência 300


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do Direito, da vetusta Faculdade Federal de Direito de Sergipe (UFS), desembargador Luiz Pereira de Melo. Era fevereiro de 2006, quando entrou em nosso escritório uma mulher frágil, em soluços comoventes, e nos pedindo socorro; afirmava que seu marido havia falecido em um acidente de bicicleta, atropelado por um automóvel e que o causador do acidente teria se evadido, sem prestar socorro. Afirmava ser pobre, dizia não ter ninguém no mundo, e que estava grávida! O acidente ocorrera, quando seu marido trafegava de bicicleta, com ela na garupa, tendo este falecido no local, no bairro Rosa Elze, em São Cristóvão. Explicou que, com a morte do seu companheiro, e estando grávida e desempregada, ficou sem condições de pagar o aluguel de um pequeno quarto, onde anteriormente vivera com ele e que, por isso, aceitou o convite de sua sogra para voltar a residir com a mesma em sua casa. Pensou se tratar de uma questão humanitária; teria aquela ficado sensibilizada com a morte do filho, e do sofrimento e da pobreza da nora grávida! Entretanto, nos disse que havia chegado a uma conclusão diversa, que a verdade era bem outra! O que a sogra pretendia não era oferecer sua assistência solidária à mulher do seu filho, mas sim obter os documentos deste que se encontravam na posse da sua nora, para pleitear, em nome próprio, direitos decorrentes do falecimento do seu filho e não qualquer benefício para aquela sofrida mulher e do neto, que estava ainda no ventre materno. De posse dos documentos do seu filho, a sogra procurou a empresa empregadora deste, para receber os valores em dinheiro, correspondente aos direitos trabalhistas respectivos. 301


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Alegou, na oportunidade, que seu filho era solteiro, e que não tinha ninguém na vida, a não ser ela própria, como mãe, e mais dois irmãos. Dissera à sua nora que esta, não sendo casada no civil, não teria como receber os direitos trabalhistas do marido, ela era apenas sua companheira, nem o seu filho que ainda se encontrava no seu ventre, tinha qualquer direito, enquanto não nascesse! Ao olhar da sogra, essa era a melhor forma para resolver os problemas e receber o dinheiro existente e as vantagens decorrentes do emprego do filho. O plano exposto, concluiu depois a nora, visava lesar não somente àquela pobre viúva, companheira de seu filho, mas, também, seu próprio neto. COLOCANDO O DIREITO NO FATO. A viúva só queria informações e proteção; foi quando lhe dissemos que o seu filho, embora ainda em gestação, no seu ventre materno, tinha direitos que o protegiam. Mas que para sua efetividade, necessitava que se propusesse uma ação na Justiça e que ela, como futura mãe, não precisava da sogra para tomar as providências necessárias para isso; inclusive, junto à Previdência Social para o recebimento de uma pensão para si, como companheira, e para seu filho, mesmo antes de nascer. Não obstante o fato de a criança ainda se encontrar no ventre materno, e por isso mesmo ainda não tivesse personalidade civil, porque, na pessoa física, esta só começa com o nascimento com vida; entretanto, a lei brasileira protege o direito do nascituro, ou seja, do feto ainda em gestação. O Código Civil de 1916, que vigorou até o ano de 2002, quando um novo Código entrou em vigor, já punha a salvo o 302


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direito do nascituro, desde a sua concepção, embora a personalidade civil do homem só comece do nascimento com vida, conforme assentava naquela época, seu art. 4º, abaixo transcrito: “Art. 4º A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.

O DIREITO DO NASCITURO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002. No Código Civil de 2002, mudou-se apenas o número do artigo, para o art. 2º, conservando-se, entretanto, o mesmo conteúdo do texto anterior conforme se vê: “Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

O SEGURO DPVAT ERA A FORTUNA PLEITEADA.

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Informou-nos ainda, aquela pobre mulher, que a sogra já tinha providenciado em nome próprio, o recebimento do DPVAT- Seguro Obrigatório de Danos Pessoais por Veículos Automotores, em razão do acidente. A PENSÃO DO INSS. Estava a sogra, de igual forma, nessa mesma linha, providenciando o recebimento da pensão junto ao INSS, pois, ao seu entender, tal direito também lhe pertencia, como mãe do falecido, e não à companheira daquele, e nem ao neto que não tinha nascido. Diante disso, a nora divergiu da sogra, dizendo a esta que precisava conversar com um advogado, para saber se isso era 303


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mesmo o correto pois, ao seu modo de ver, o direito deveria proteger era o seu filho, que estava no ventre materno, e não a avó paterna, como estava ocorrendo. A sogra então lhe respondeu: “Não aceito essa sua ideia e, se continuar com esse entendimento, pode procurar os seus direitos mas, antes, você tem de sair da minha casa!” – disse-me aquela mulher na oportunidade. Ah, meu Deus, que mundo é esse! Pobre daquela mulher, viúva, grávida, sem eira nem beira, e ninguém para lhe ajudar em Aracaju, pois era de Alagoas, e tinha vindo para Sergipe, para ser empregada doméstica na casa daquela mulher que viera a se tornar sua sogra... Coisas da vida e de suas surpresas! A mulher grávida não tinha dinheiro nem para voltar para o local onde estava morando quando nos procurou, quanto mais para retornar depois ao nosso escritório de advocacia, com os papéis necessários para a propositura da competente ação judicial. Tivemos que lhe dar, para isso, o dinheiro necessário naquele dia, não só para passagem de ônibus de retorno à sua casa, como, de igual modo, para voltar ao escritório dias depois, com os documentos que tivesse, e para assinar a procuração nos constituindo como seus advogados. Foi assim que ela chegou ao nosso escritório...! Sua história era comovente, morremos de pena dela, pois não postulava nada para si, mas, tão somente, o que queria era proteger o filho que estava para nascer. Coitada, como são dedicadas as mães! Foi assim que conhecemos aquela mulher, e a lembrança da aula já referida, proferida ainda nos bancos da Faculdade sobre o direito do nascituro, e que agora, nos passava a ser útil. Ela continuava morando com a sogra, porque não tinha condições financeiras para se manter, nem dinheiro para 304


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comprar os remédios receitados pelo médico do Posto de Saúde, para o seu pré-natal. Não era realmente uma ação comum, dessas corriqueiras, como as que são propostas todos os dias nos escritórios de advocacia. Envolvia vários aspectos jurídicos que precisavam de esclarecimentos. Pesquisando, naquele momento, no início do ano de 2007, não encontramos qualquer precedente no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe tratando do tema. E foi assim que nasceu o presente Capítulo, que tenta ser um modesto guia prático para a utilização, pelos advogados, principalmente, e demais operadores do Direito em casos que tais, conforme será demonstrado, e o tipo de ação para enfrentar uma situação dessa natureza. DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DO NASCITURO A ação a ser proposta seria a de investigação de paternidade, que é o meio adequado pelo qual uma pessoa postula judicialmente o reconhecimento de sua filiação. A ação seria cumulada com outros pedidos de proteção ao nascituro, a exemplo de pedido liminar de antecipação de tutela para efeito de bloquear qualquer pagamento do seguro do acidente (DPVAT), assim como da pensão do INSS, que deveria pertencer ao feto enquanto no ventre; e, após seu nascimento, o direito deveria ser deste, e não da avó paterna como pretendido, e o recebimento desses direitos deveria se dar pela representante do nascituro, no caso, sua futura mãe. De igual modo, em relação à restituição dos valores recebidos da empresa em face do falecimento do seu genitor, deveria, também, constar do pedido objeto daquela ação judicial. O feto, na época, encontrava-se com sete meses de gestação no útero materno! 305


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A “Ação de investigação de paternidade de Nascituro, cumulada com outros direitos hereditários com pedido de antecipação de tutela” teve como fundamento na época, o disposto nos §§ 4º e 8º, do art. 226, e do art. 227, caput, e parágrafo 6º, todos estes da Constituição Federal, combinados com os artigos 1º, 2º, 11, 21, todos do Código Civil de 2002, e nos artigos 272 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973. Atualmente, o disposto no art. 272 do CPC/73, seria substituído pelos artigos 294, 300, 311 e 318 e seus parágrafos, do Novo CPC/2015, como fundamento do procedimento. DA AUTORIA DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DE NASCITURO. A PRIMEIRA QUESTÃO A SER ESTUDADA seria sobre a legitimidade ativa ou não do feto ou nascituro para, em nome próprio como tal, figurar como autor da ação a ser proposta, ou se o nascituro teria sua representação na pessoa de sua futura mãe, como autora. Seria uma “Ação de investigação de paternidade de nascituro, cumulada com outros pedidos de direitos hereditários”, como já dissemos anteriormente, ao nosso pensar.

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A segunda questão seria sobre a Legitimidade do Sujeito Passivo da Ação; se seria tão somente a avó materna do feto, como interessada ou os irmãos do falecido, como concorrentes. QUANTO AO POLO ATIVO DA AÇÃO. A primeira questão era mais complexa, pois o Juiz poderia, de plano, entender que ao nascituro faltava legitimidade ‘ad causam’ para postular a ação, ou seja, de que este não poderia ser parte no processo, por falta de legitimidade, e com isso, extinguir o processo no nascedouro, sem julgamento do mérito. 306


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Se isso ocorresse, poderia o magistrado, naquela época, utilizar-se, para tal, como fundamento para decretar a referida extinção do processo, do disposto no art.267, incisos IV e VI do CPC/73:

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“Art.267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) IV- quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; VI- quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”.

No Novo Código de Processo Civil, essa disposição encontra-se no art. 485, incisos IV e VI, que seria aplicado se a ação fosse proposta atualmente. Os magistrados no Brasil, pela nossa formação jurídico-portuguesa e romana, que tivemos nas Faculdades de Direito, quase sempre são muito formalistas e conservadores, na sua grande maioria, entretanto, há exceções, principalmente entre os juízes mais jovens. Isso decorre da formação acadêmica daqueles, ainda presa a formalismos exagerados, resquício do velho direito romano, e do direito português, como ensinado tradicionalmente nas Faculdades e que, por receio de inovar, e ter suas decisões questionadas pelos advogados nos tribunais, e reformadas, continuam a pensar de maneira conservadora. Mas, são esses juízes inovadores, forjados na experiência do dia a dia, que foram advogados, que compreendem a luta destes últimos para proteger seu cliente, e conseguir soluções plausíveis, rápidas, e juridicamente seguras, que fazem a modernidade do Direito. São os advogados, sem sombra de dúvida, os criadores de teses jurídicas, quando postulam perante o poder judiciário, pondo o Direito sobre os fatos jurídicos. 307


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Na maioria das vezes, esses juízes são ainda jovens, têm cultura jurídica, são preparados (teoricamente), fizeram muitos concursos para entrar no Judiciário, mas não viveram com afinco a experiência da advocacia, e, por isso, é que, salvo exceções, são os advogados – verdadeiros desbravadores dessas questões. Alguns juízes, ainda solteiros, e não tendo a experiência da paternidade ou da maternidade, respectivamente, proferem decisões sobre essas questões de mérito, sem a compreensão do sentir o emocional de uma mãe, que vivencia tais problemas, porque não os viveu ainda na própria pele. Entretanto, dizemos nós, ser preciso ter a coragem de inovar, desafiar a escuridão da falta de precedentes, porque isso é o que oxigena a vida do Direito, como acontece quando a jurisprudência dos nossos tribunais fazem enfrentamentos de questões que não são vistas de forma comum no nosso dia a dia. Trazemos, como exemplo, a decisão do Supremo Tribunal Federal ao adaptar ao Direito Penal brasileiro a “Teoria do Domínio do Fato”, do alemão Claus Roxin, utilizada durante o julgamento da Ação Penal 470, mais conhecida como o processo do Mensalão. Sem a adaptação dessa teoria do jurista alemão à realidade brasileira pois, dentre nós, até então, para a prova do fato, havia a necessidade da exigência de documento escrito comprobatório do crime. Se assim continuasse, como era nossa visão do Direito até então, os implicados naquela operação, por certo, estariam livres e ricos, enquanto o povo, como sempre, pagaria a conta da roubalheira mediante aumento de impostos, pois nenhum corrupto ou corruptor deixa documento escrito comprobatório da corrupção. 308


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Os advogados dos acusados, acostumados ao princípio da inocência absoluta até o trânsito em julgado da sentença condenatória, afirmavam que a teoria em questão teria sido desvirtuada na sua aplicação, pelo ministro Joaquim Barbosa, instando, inclusive, o pronunciamento do seu criador quando este esteve no Brasil, participando de um seminário de Direito Penal. A justificativa para a adaptação e utilização da teoria foi a de que os operadores do crime organizado deixam poucos rastros, ou provas, mas, apenas indícios que se somam, todavia, tem estes ao final, o controle sobre as atividades criminosas desenvolvidas, embora não apareçam explicitamente, mas, implicitamente sua presença é perceptível por todos, por ter o halo do poder e do seu comando. A partir daquela decisão do STF, o Direito Penal brasileiro sofreu profundas mudanças, graças principalmente, ao então ministro Joaquim Barbosa, daquela Suprema Corte. Mutatis mutandis, saindo da linha Penal e voltando ao Direito Civil, ao nosso entender, essas inovações também devem ocorrer em todas as áreas do Direito, modernizando um sistema jurídico que por si só é muito conservador. Voltando ao nascituro (feto), dizemos que tem este a devida legitimidade para ser o autor da ação, ou seja, propô-la em seu nome próprio (ação de investigação de paternidade), sem ter que ser representado por sua mãe no processo judicial. O fundamento jurídico para isso, ao nosso pensar, tinha como esteio o direito indisponível que tem o nascituro ao reconhecimento da sua paternidade, como direito constitucional e individual da pessoa humana. Todavia, o pragmatismo nos levou a não propor a ação, tendo o próprio nascituro, individualmente, como seu autor, mas sim, a sua mãe na qualidade de sua representante legal. 309


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Com isso, queríamos evitar um risco muito grande que não deveria ser enfrentado, sustentar sua própria legitimidade como autor da ação, pois, demandaria tempo de estudo, e isso, cabia num estudo doutrinário e acadêmico, e não naquela ação judicial. Estávamos convencidos, doutrinariamente, de que o feto, mesmo sem ter personalidade jurídica, poderia requerer judicialmente os direitos pretendidos, tendo como base, uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em 23 de outubro de 2006, em sede de agravo de instrumento, originário da Comarca de São Bernardo do Campo. Na Primeira Instância, o Juiz da Vara e da Infância de São Bernardo havia indeferido que a ação fosse proposta em nome do feto. Entendia que o pedido deveria ser feito em nome da mãe e que a inicial deveria ser emendada sob pena de indeferimento, regularizando-se o polo ativo e a representação processual. No entendimento daquele magistrado, em se tratando de proteção jurídica ao nascituro, desprovido de personalidade civil, na forma do art. 2º, do Novo Código Civil, incumbia aos seus pais o dever de defender os seus direitos. A questão centrava-se, com efeito, na possibilidade de o nascituro vir a juízo, como eleito para integrar o polo ativo da ação. A Defensoria Pública que patrocinava a causa, em nome do nascituro, recorreu daquela decisão e obteve êxito no Tribunal de Justiça de São Paulo que, no agravo de instrumento, assentou que o feto segundo a jurisprudência daquela Corte, desde o momento da concepção, mesmo desprovido de personalidade jurídica podia pleitear judicialmente aqueles direitos, trazendo em colação, o que fora decidido pelo TJSP – AP. Cível nº 193.648, rel. des. Renan Lotufo, cuja ementa se transcreve: 310


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“Investigação de paternidade – Ação proposta em nome de nascituro pela mãe gestante – Legitimidade ‘ad causam’ – Extinção do processo afastada. Representando o nascituro, pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão do direito material, até então apenas uma expectativa de direito”. José Cardinale, Relator do Agravo.

A MÃE COMO AUTORA DA AÇÃO REPRESENTANDO O NASCITURO. A experiência nos aconselhava, todavia, que a ação devesse ser proposta pela mãe, como Autora, representando o nascituro. Foi isso que fizemos e deu certo. Propusemos a Ação na 1ª Vara de Assistência Judiciária da Comarca de São Cristóvão – SE, Processo nº. 200783300084-, Julgado em 26/06/2007, e que se encontra disponível para pesquisa na Caixa 23/2007, naquele juízo. O polo ativo da demanda, como se vê, era fundamental! Pelas razões já expostas, evoluímos, para a representação processual do nascituro por aquela que seria sua futura mãe, como forma de regularizar, sua representação, vez que incumbe aos pais o dever de defender os direitos dos filhos, nos termos do artigo 2º do Código Civil vigente, na nossa compreensão. Escolhemos seguir o caminho de que o feto seria representado, desde o momento de sua concepção, por aquela que seria sua mãe, pois, o feto, embora desprovido de personalidade jurídica, poderia pleitear por essa via, seus direitos. A ação foi então proposta, tendo como autora, a gestante do nascituro, e Representante deste (legitimada ad causam), forma esta encontrada para afastar uma possível extinção do processo, sem julgamento de mérito, o que poderia ocorrer e deveria ser evitado. 311


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E na verdade, na prática, dava na mesma coisa, pois, o nascituro teria de qualquer forma, seja como autor da ação, seja representado por sua futura mãe, na ação judicial, os mesmos direitos como previsto no já referido artigo 2º do Código Civil. Desse modo, antes mesmo do nascimento com vida, a lei possibilita que o nascituro figure no polo ativo de uma ação para proteger seus direitos. A Professora Maria Helena Diniz, sustenta à luz do Novo Código Civil, que o nascituro pode ser considerado uma pessoa, afirmando in verbis:

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“Os direitos da personalidade podem ser conceituados como sendo aqueles direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade. Surgem cinco ícones principais: vida/integridade física, honra, imagem, nome e intimidade. Essas cinco expressões-chave demonstram muito bem a concepção desses direitos. O nascituro também possui tais direitos, devendo ser enquadrado como pessoa. Aquele que foi concebido mas não nasceu possui personalidade jurídica formal: tem direito à vida, à integridade física, à alimentos, ao nome, à imagem” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000 – O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001).

Dizemos nós que o nascituro, mesmo ainda não tendo personalidade jurídica, pois esta só começa a partir do nascimento com vida, já tem, entretanto, assegurados direitos que lhe garantam um nascimento saudável e digno como pessoa. Isto quer dizer: necessitando a mãe, por sua gravidez complicada, ou por sua situação financeira sofrível, poderá, em nome do nascituro, pleitear em juízo os pedidos que entender necessários para garantir a saúde e a vida do feto, e sua própria. Isso porque, se a mãe vier a morrer, morrerá consigo o filho que tem nas entranhas. 312


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Entendemos que a ação de investigação de paternidade poderá ser proposta em nome do nascituro, com fundamento no Estatuto da Criança e do Adolescente, eis que, consta do seu artigo 26, parágrafo único, o que proclama: “o reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes”. Ora, sabe-se que a gravidez tem uma duração de 9 (nove) meses. Por isso, entendemos que a mãe, para salvaguardar direitos do nascituro, para ajuizar, dentre outros pedidos garantidores de um iminente nascimento saudável, o pedido de declaração de paternidade. Ajuizada a ação, no curso dela poderá produzir a prova pericial do DNA. Nesse sentido, precedente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por sua 7ª Câmara Cível a esse respeito: “17014850 – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – ALIMENTOS – ILEGITIMIDADE DE PARTE DA MÃE – EXTINÇÃO DA AÇÃO – DIREITO DO NASCITURO – ART. 4º - ART. 338 – ART. 339 – ART. 458 – ART. 462 – ART. 384 – INC. V – ART. 385 – CC – ART. 26 – PARÁGRAFO ÚNICO – ART. 27 – ESTATUTO DA CRIAÇA E DO ADOLESCENTE – Civil. Família. Processual. Filiação. Ação de Investigação de Paternidade de nascituro, ajuizada pela mãe, julgada extinta por ilegitimidade de parte. Possibilidade, no Direito Brasileiro, ante normas protetivas do interesse do nascituro (arts. 4º; 338 e 339; 458 e 462, c/c os arts. 384, V e 385, do Código Civil), de ser ajuizada a ação investigatória em seu nome, o que resta admitido pelo parágrafo único do art. 26 do ECA, ao permitir, como o antigo parágrafo do art. 357 do Código Civil, seu reconhecimento, sem distinção quanto à forma. Este consiste ainda, pelo art. 27 do ECA, em direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. Tutela do direito à vida na Constituição (arts. 5º e 227). Nascimento da criança após a Sentença. Recurso provido para ter o feito 313


Jeferson Fonseca de Moraes seguimento, figurando ela, representada pela mãe, no polo ativo. Remessa de peças à Corregedoria-Geral de Justiça por descumprimento do art. 2º da Lei nº. 5.560/92. (TJRJ - AC 1.187/1999 – (Ac. 25061999) – 7ª C. Cív. – Rel. Des. Luiz Roldão F. Gomes – J. 25.05.1999)”.

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Portanto, o nascituro, enquanto permanece dentro da barriga materna (ou ainda in vitro), terá direitos atuais (adquiridos), na definição do art. 2º do Código Civil de natureza jurídica somente de direitos da personalidade. O direito à vida, por exemplo, já seria tutelado desde a concepção, ao fundamento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O nascituro pode, portanto, pleitear danos extrapatrimoniais por violação a um ou alguns dos seus direitos da personalidade. Ainda pertinente a esse estado da pessoa, pode o nascituro propor a ação de investigação da paternidade, consoante acórdãos do sempre avançado Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, conforme se vê in verbis: “Nascituro. Investigação de Paternidade. Nascituro. Capacidade para ser parte. Ao nascituro assiste, no plano do direito processual, capacidade para ser parte, como autor ou como réu. Representando o nascituro, pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito material, até então apenas uma expectativa resguardada. Ação personalíssima, a investigatória somente pode ser proposta pelo próprio investigante, representado ou assistido, se for o caso; mas, uma vez iniciada, falecendo o autor, seus sucessores têm direito de habilitando-se, prosseguir na demanda. Inaplicabilidade da regra do art. 1.621 do Código Civil”. (TJRS, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 583052204 Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, j. 24.04.84). 314


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QUANTO AOS BENS PATRIMONIAIS, O QUE OCORRE. Nessa vertente, nascendo com vida, mesmo por pouco segundos, e morrendo logo em seguida, transmitiria seus bens aos herdeiros. Se natimorto, nenhum patrimonial subsistiria. Como se vê, a concepção é o marco para aquisição da personalidade jurídica plena; portanto, desde a concepção já é possível a aquisição de direitos patrimoniais. Nessa linha, já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme precedente que se traz a colação, in verbis: “Seguro-obrigatório. Acidente. Abortamento. Direito à percepção da indenização. O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. O nascimento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais. Apelação a que se dá provimento”. TJRS, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº. 70002027910, rel. des. Carlos Alberto de Oliveira, j. 28.3.01).

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Depreende-se que o nascituro possui capacidade de direito, mas não de fato (exercício), o que será realizado pelos pais ou, na falta ou impossibilidade, pelo curador (ao ventre ou ao nascituro). Se assim não o fosse, como então aceitar o fato de que o nascituro pode receber bens por doação (art. 524 do NCC) ou por herança (arts. 1.1798 e 1.799, I, do NCC)? POSSE EM NOME DO NASCITURO. E mais, haveria lógica do CPC/73 ter regulado nos artigos 877 e 878, o procedimento cautelar denominado posse em nome do nascituro, se este não tivesse tais direitos? A finalidade desse procedimento cautelar específico é permitir à mulher provar que está grávida, garantindo, desta forma, 315


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os respectivos direitos do nascituro, não havendo, nesse procedimento, decisão a respeito da paternidade que deverá ocorrer e ser objeto da ação de investigação de paternidade. O magistrado deverá nomear um médico para examinar a mulher do seu estado de gravidez, na hipótese de não transparecer ainda o estado de gestação avançado. Esse exame de gravidez poderá ser dispensado se os herdeiros do suposto pai aceitarem a declaração da mãe, de que se encontra grávida, sob o fundamento da economia processual. Comprovada a gravidez, poderá o juiz determinar medidas para proteger os direitos do nascituro, tendo a sentença, nesse sentido, cunho declaratório, investindo àquela que será a futura mãe do nascituro, na posse dos direitos deste, que serão exercidos provisoriamente por sua mãe. O Novo Código de Processo Civil de 2015, não traz consigo artigos correspondentes aos arts. 877 e 878 do CPC/73; isso significa que o Novo Código suprimiu as cautelares nominadas, a exemplo de posse em nome do nascituro, como específica. Todavia, não significa o desaparecimento do instituto. Ele deixou de existir no Novo CPC, como procedimento cautelar específico, em face de uma simplificação no nosso sistema processual civil. TUTELA DE URGÊNCIA. A nosso ver, o instituto ainda pode ser utilizado em Juízo, no NCPC, agora, como tutela de urgência, bastando que se tenha no caso concreto de uma mulher que o companheiro ou esposo tenha, por exemplo, falecido, lhe deixando grávida. Precisa provar, agora, para obter a tutela de urgência, a presença dos requisitos da “aparência do bom direito e do perigo da demora na concessão desse direito ao nascituro”. 316


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Ou seja, basta a presença “do fumus boni juris e o periculum in mora”, para caracterizar a tutela de urgência e a concessão da respectiva liminar pelo juiz da causa, para que a mãe do nascituro o represente, na defesa dos interesses deste último. A tutela de urgência da posse de bens em nome do nascituro só se justifica quando houver bens deixados por seu genitor. Em havendo bens, a eficácia da tutela de urgência se fará presente no inventário do pai, que é a ação principal, onde se transferirá os bens daquele para o nascituro, devendo ser postulado ao juiz a reserva de bens suficientes no inventário, se for o caso, para garantir a parte cabível ao nascituro. Se no curso do procedimento ocorrer a morte do feto, a tutela de urgência perderá sua utilidade ou objeto e será cassada por determinação do magistrado. DO POLO PASSIVO DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. No caso específico aqui tratado, resolvemos que deveria figurar no polo passivo da ação investigatória de paternidade, a avó paterna do nascituro. Isto por força do que dispõe o artigo 1.829 do Código Civil de 2002, sem a participação dos irmãos do falecido, tios paternos do nascituro, porque estes últimos não fazem parte da ordem de vocação hereditária elencada no indicado art.1829 do Código Civil vigente, diante da existência de ascendente, no caso específico tratado, a avó paterna, como entendeu a magistrada do caso específico. É o que se vê do indicado dispositivo do Código Civil que se transcreve in verbis: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 317


Jeferson Fonseca de Moraes I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais (Grifos do autor)”.

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PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA. Adentrando-se no acompanhamento da ação em questão, vê-se consignado, na sua resenha, de que a movimentação processual foi suprimida em razão de segredo de justiça. Dita ação foi julgada procedente. Todavia, como não consta essa proibição na sentença proferida pela, Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, da Comarca de São Cristóvão, na concessão da liminar antecipando os efeitos da tutela, a transcreverei ipsi literis, preservando o nome das partes envolvidas. “Vistos etc. O NASCITURO DE (...), representado pela Sra. (...), alhures conhecida e qualificada nos autos do processo em epígrafe, veio perante este Juízo por conduto de advogado habilitado propor Ação de Investigação de Paternidade c/c Antecipação de Tutela em face de (...), ali também conhecida e qualificada, requerendo a concessão de antecipação de tutela, com intuito de que se fosse exibidos pela requerida os documentos elencados no item c.1 da exordial, bem como bloqueio de qualquer pagamento para a requerida no que se refere a DPVAT, INSS, FGTS e PIS/PASEP. Juntou documentos às fls. 16 usque 29.

Ab initio, cumpre esclarecer eventuais dúvidas acerca do direito do nascituro ao seguros e benefícios pleiteados. 318


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Diz o art. 2º do novo Digesto Civil: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Trata-se de um dispositivo bastante discutido entre os doutrinadores por observarem uma contradição interna neste dispositivo. Discutem eles se o nascituro é pessoa ou uma expectativa de pessoa (spes personae). Se não é pessoa, o nascituro não deveria ter direitos. No entanto, diz a segunda parte: mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos (no plural) do nascituro. Não se trata de simples expectativa de direitos, mas de direitos atuais, dos quais o nascituro goza desde a concepção. O dispositivo do art. 2º do CC garante ao nascituro todos os direitos inerentes à pessoa e, dentre eles, o direito ao patrimônio, mas o nascimento com vida é fundamental para a titularidade de direitos patrimoniais, tendo em vista a existência de condição suspensiva para adquirir o patrimônio que é nascer com vida. É notório que o que está em jogo é o direito patrimonial do nascituro, pois restando comprovado o seu status de filho do falecido, será ele legitimado para receber as verbas que ora pleiteia. Para rechaçar tal entendimento, citamos o art. 9º da lei 5107/66, que trata da criação do FGTS, que diz Falecendo o empregado, a cota vinculada em seu nome será transferida para seus dependentes, para esse fim habilitados perante a Previdência Social, e entre eles rateada segundo o critério adotado para concessão de pensão por morte. A lei 6194/74 que trata sobre o DPVAT aduz em seu art. 4º que A indenização no caso de morte será paga, na constância do casamento, ao cônjuge sobrevivente; na sua falta, aos herdeiros legais. No que tange ao PIS, sendo comprovado que o nascituro é filho do falecido, consequentemente será sucessor por ocasião do falecimento do titular, pois a lei 6858/80 estabelece que as 319


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quantias relativas ao PIS, dentre outras verbas, são devidas aos sucessores na ausência de dependentes habilitados na Previdência Social. A propósito, a Lei Complementar nº 26/1975, em seu art. 4º, caput e §1º, determina a respeito do tema em análise, in verbis:

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Art. 4º As importâncias creditadas nas contas individuais dos participantes do PIS-PASEP são inalienáveis, impenhoráveis e, ressalvado o disposto nos parágrafos deste artigo, indispensáveis por seus titulares. §1º Ocorrendo casamento, aposentadoria, transferência para a reserva remunerada, reforma ou invalidez do titular da conta individual, poderá ele receber o respectivo saldo, o qual, no caso de morte, será pago a seus dependentes, de acordo com a legislação da Previdência Social e com a legislação específica de servidores civis e militares ou, na falta daqueles, aos sucessores do titular, nos termos da lei civil.

Tecendo essas breves considerações, cumpre analisar a existência dos requisitos que autorizam a concessão da medida liminar. Conforme esclarece LUIZ GUILHERME MARINONE, a tutela fundada em cognição sumaria, é uma tutela baseada em prova não suficiente para o Juiz declarar a existência do direito. Se, por exemplo, uma vez ouvir do réu, a prova é suficiente para o Juiz declarar a existência do direito, o caso é de julgamento antecipado do mérito. A não ser que haja receio de dano, hipótese em que a tutela antecipatória poderá ser prestada com base em cognição exauriente. E diz mais: A denominada prova robusta capaz de convencer o Juiz da verossimilhança da alegação somente pode ser atendida como prova suficiente para o surgimento do verossímil, entendido como o não suficiente para a declaração da existência ou da 320


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inexistência do direito. A prova inequívoca é de fato titulo do pedido (causa de pedir). Em face da urgência da medida preventiva, evidentemente não é possível ao Julgador o exame pleno do direito material invocado pelo interessado, até porque tal questão será analisada quando do julgamento do mérito da lide, restando a este, apenas, uma rápida avaliação quanto a uma provável existência de um direito. No entanto, há de se preservar a efetiva existência do bom direito invocado pela Autora, levando-se em conta todos os argumentos explanados nos autos, a fim de que possa caracterizar o requisito ora discutido. Em que pese a autora ter requerido uma antecipação de tutela, entende este Juízo tratar-se de pedido cautelar incidental e, assim sendo pelos princípios da economia processual e fungibilidade analisá-los-á à luz do instituto cautelar. O pedido de sustação das verbas ora pleiteadas tem o condão de garantir proteção ao patrimônio do nascituro da Requerente, prevenindo riscos maiores, que não se confundem com a antecipação meritória. O que se busca aqui é apenas evitar que danos de maior potencial sejam causados, uma vez que a possibilidade de tais verbas integrarem o possível patrimônio do nascituro é hodiernamente resguardada pelo direito contemporâneo, sendo mais prudente que se conceda a medida cautelar pretendida. Como bem já foi explanado, o que a Lei exige não é a prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução. O que se pretende é uma prova ROBUSTA, que embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade de verdade dos fatos. 321


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Ex positis, CONCEDO LIMINARMENTE o bloqueio do pagamento do seguro DPVAT, FGTS e PIS/PASEP, bem como o benefício ou pensão junto ao INSS em nome do Sr. (...). Indefiro o pedido de antecipação de tutela quanto a exibição dos documentos elencados no item c.1, eis que alguns deles já se encontram no processo nº 085-2007 inclusive alguns no original e outros com carimbo que confere com o original. Cite-se a Requerida para que, querendo, apresente sua Defesa no prazo legal. Intime-se. São Cristóvão, 21 de março de 2007. (...), Juíza de Direito”.

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No caso em tela, após a concessão da liminar, houve um acordo entre as partes litigantes, em que fora reconhecida toda a pretensão deduzida na Ação proposta, sendo devidamente homologado esse acordo pela Juíza da causa. Só a título de se saber o que aconteceu com a mãe do nascituro, esta, também a protegemos desde que promovemos naquele mesmo juízo, e em ação própria, no caso declaratória de reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens e outros direitos, que também fora julgada procedente. DANOS MORAIS EM FACE DA MORTE EM ACIDENTE DO SEU PAI. Entendemos também, que o nascituro tem direito e interesse de agir na ação de indenização por danos morais em decorrência da morte em acidente do seu pai, porque esta trará, pela ausência do genitor ao longo da vida do filho, transtornos de ordem psíquicas incalculáveis. 322


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Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça, por decisão de sua Quarta Turma no REsp. nº 399028/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 22.2.02 à unanimidade DOU de 15.04.02, p.232.

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CONCLUSÃO. No início deste Capítulo, fizemos uma ponderação crítica de quando éramos jovens sobre o tema Nascituro, quando ainda não percebíamos a sua importância, salvo quando ocorreu o caso concreto aqui tratado. Na atualidade, os direitos da personalidade passaram a alcançar importância de destaque, tanto que a Lei 10.406/02, que instituiu o Novo Código Civil de 2002, deu ao tema tratamento especial, sendo tratado no seu Capítulo II, nos artigos 11 ao 21. É de se ver, como continua sendo importante a proteção do nascituro no Código Civil, nesses seus 11 artigos agrupados em um capítulo, denominado: Dos Direitos da Personalidade. Com efeito, estudar, sempre vale a pena, ontem, hoje, e sempre...!

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Capítulo X

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Da União Estável Comum. Um novo conceito de família nos dias atuais (2017). Seus requisitos. Direito das sucessões. Meação. Da inconstitucionalidade (não validade) do art. 1.790 do Código Civil que prevê ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles outorgados ao cônjuge pelo art. 1.829 do mesmo Código. Inconstitucionalidade dessa distinção: meação assegurada pelo STF no RE nº. 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em sessão plenária de 10/05/2017, e no RE 646721/ RS, julgado em 10/05/2017, tendo o mesmo relator para o acórdão. O Superior Tribunal de Justiça segue a decisão do STF no Resp. 1.332.773-MS, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, julgado em 27/6/2017 (DJe: 01/08/2017). Bens adquiridos antes da união estável. Ausência de esforço comum. Exclusão dos bens da meação da companheira. Possibilidade: precedente – Resp. 1.472.866/MG (2014/0195022-4) Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe: 20/10/2015. Estende-se a meação de bens, quer as relações sejam heteroafetivas ou homoafetivas, conforme consta das decisões acima indicadas do STF.

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INTRODUÇÃO Breve Histórico da família no Brasil

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Estamos vivendo no século XXI, e presenciando as mais diversas transformações que vêm ocorrendo na sociedade brasileira, aceitando uma nova modalidade de relações interpessoais e afetivas, quer sejam heteroafetiva ou homoafetivas, o que era impraticável sua aceitação como algo comum, como ocorreu com o escritor Oscar Wilde, que foi preso pela acusação de homossexualidade. Nos dias de hoje, essas relações podem ser entre homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher, relações estas amparadas por uma recente adequação do Direito nacional, frente a uma nova realidade social que se apresenta. Esta realidade supera conceitos da família tradicional, com a aceitação social dessas novas famílias que estão surgindo e que são diferentes dos modelos antigos, mas que o Direito, como fato social, precisou protegê-las dentro de um novo contexto que já existia, mas não tinha o reconhecimento legal. No século passado, e mesmo neste, até poucos anos atrás, seria impossível imaginar que fatos jurídicos e sociais dessa natureza pudessem vir à lume na sociedade brasileira. Para que os mais jovens possam entender como era preconceituosa a sociedade brasileira de então, é de se ver que, há pouco tempo, somente ao genitor era dado o direito de ir ao cartório de registro civil, realizar o registro de nascimento dos seus filhos, estes nascidos do casamento, não podendo a genitora ter este mesmo direito, embora fosse a mãe daqueles filhos. O homem casado que tivesse um filho havido de uma relação fora do casamento não podia proceder em relação a este filho, da mesma forma que procedia em relação aos filhos havidos do seu casamento quanto ao registro civil. 325


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Aqueles filhos fora do casamento não podiam ter no seu registro civil o reconhecimento do seu pai, mesmo que este quisesse, tendo em vista ser ele casado com outra mulher. Eu vivi esse tempo! Quanto ao filho nascido fora do casamento, naquela época, este só podia promover ação de investigação de paternidade em face do seu pretenso pai, apenas após o falecimento deste, e não enquanto o mesmo estivesse vivo. As ações eram propostas contra os descendentes daquele ou na falta destes, contra os ascendentes; assim mesmo, aquele filho era denominado à época, de filho ilegítimo, e só herdaria do seu pai, a metade do que o seu irmão – dito legítimo – recebesse por conta da herança, em decorrência da ação judicial proposta. No tempo em que iniciei a advocacia, na década de 1968, os homens casados só podiam separar-se de suas esposas, em união decorrente do casamento civil, mediante o que era chamado à época de desquite. O desquite, como previsto no art. 317 do Código Civil de 1916, só podia se fundamentar nos motivos nele explicitados, a exemplo de adultério, tentativa de morte, sevícia, ou injúria grave, e finalmente, o abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos. Essa norma só foi revogada pela Lei que regulamentou o divórcio no Brasil – Lei nº 6.515/1977. A sociedade brasileira era tão conservadora que, quando da promulgação do Código Civil anterior ao atual, somente os filhos legítimos, que eram aqueles decorrentes do casamento civil, ou os legitimados, é que tinham direito a participar da herança, e aos ilegítimos, entendendo-se como tais os filhos naturais, a herança, era apenas a metade do que coubesse aos filhos legítimos. A isonomia constitucional, com relação à filiação, sem qualquer distinção, quanto aos efeitos pessoal ou patrimonial, só 326


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ocorreu com a Constituição de 1988, que no seu parágrafo 6º, do art. 227, estabeleceu o que nela está consignado: “(...)§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Nos dias atuais, depois da Constituição de 1988, é que qualquer filho pode promover ação de investigação e reconhecimento de sua paternidade, mesmo que seu pai viva na constância do casamento com outra mulher que não seja sua mãe. Garantem-se a esse filho os mesmos direitos e o registro civil específico, a exemplo de alimentos, e todos os direitos sucessórios, não cabendo mais a adjetivação de que seja este legítimo ou ilegítimo, mas, apenas, o nome filho, deve constar no seu registro civil e na respectiva certidão de nascimento. Era o desquite uma das formas de dissolução da sociedade conjugal. Os desquitados não podiam contrair novo matrimônio, nem tampouco registrar os filhos que nascessem de outro relacionamento afetivo.

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Era assim enquanto vigorou o Código Civil de 1916, cuja vigência se estendeu até o ano de 2002, quando entrou em vigor o atual Código Civil. O Código anterior previa no seu art.317, em “numerus clausus”, quais as motivações do desquite, como anteriormente já referenciado. Até então o vínculo do casamento não se extinguia e, desta maneira, os cônjuges desquitados não podiam contrair um novo casamento porque a Constituição Federal previa a indissolubilidade do vínculo do casamento que não se extinguia com o desquite, que era apenas uma separação judicial. Somente após a EC-09/1977 é que foi afastado da Constituição Federal o princípio da indissolubilidade do vínculo do casamento, instituindo-se no Brasil o divórcio. 327


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Vale ressaltar, por dever de Justiça, o nome do senador Nelson Carneiro, que lutou durante muitos e muitos anos, para a implantação do divórcio no país, e, diante disso, podemos chamá-lo de o “Pai do Divórcio no Brasil”. O divórcio, depois da indicada EC-09/1977, foi regulamentado pela Lei nº 6.515/77, a chamada Lei do Divórcio, que alterou o dispositivo da Constituição Federal, decorrente da indicada Emenda Constitucional, quando o desquite passou a ser denominado de separação judicial. Todavia, manteve-se o princípio da culpa de um dos cônjuges ou dos dois, para a decretação da separação do casal. O novo Código Civil de 2002 ainda manteve em seu bojo a preservação do princípio da culpa no novo ordenamento jurídico, conforme se vê do contido no seu artigo 1.572, para que pudesse ocorrer a separação dos cônjuges, mantendo a mesma ideia que norteou o Código Civil de 1916. Era necessário, com efeito, que se comprovasse a culpa de um dos cônjuges ou de ambos, para que o desquite fosse judicialmente decretado. Todavia, o direito evolui e acompanha o pensar e o modo de viver em sociedade em cada época, oportunidade que normatiza a realidade social, aceitando novas formas de convivência, não podendo as normas jurídicas serem retrógradas e de olhos cegos a uma realidade existente. Contudo, mesmo até o ano de 2010, ainda, era muito complicado e burocrático uma pessoa se divorciar no Brasil, mormente quando uma das partes fizesse objeção ao divórcio pretendido, posto que ainda vigorava o entendimento de que, para a procedência da ação litigiosa, tornava-se necessário que se fizesse a prova da culpa de um dos cônjuges ou que houvesse culpa recíproca. Em linha divergente ao entendimento acima referido, novos ventos arejaram o Brasil no ano de 2010, quando ocorreu uma 328


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evolução jurídica, uma nova vertente do divórcio no Brasil, que foi a Emenda Constitucional nº. 66/2010. A Emenda Constitucional nº 66/2010, que entrou em vigor em 13 de julho de 2010, deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, pela qual não mais se exige a comprovação de culpa para a decretação do divórcio, nem a prévia separação judicial. Essa Emenda Constitucional estabeleceu, na oportunidade, a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio. Suprimindo com isso o requisito da prévia separação judicial do casal por mais de um ano ou da separação de fato por mais de dois anos, como requisito para o divórcio, como ocorrera até então, para que um dos cônjuges pudesse se divorciar (vide o Capítulo VIII deste livro que trata da separação e o divórcio litigioso na Constituição Federal).

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Nós chamaríamos a Emenda Constitucional nº 66/2010 de “emenda da prevalência do princípio do sentimento do amor, entre os cônjuges, sobre os demais princípios”. A NOVA REALIDADE DA FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO Desde quando o Supremo Tribunal Federal, nos acórdãos prolatados em julgamentos da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, reconheceu a inconstitucionalidade da distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas do mesmo sexo, deixou de haver obstáculos legais à celebração do casamento entre essas mesmas pessoas. Nessa mesma linha, também é de ser ressaltada a decisão do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do RESP nº 1.183/RS, ao assentar pela inexistência de óbices legais à celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo. 329


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Diante dessa nova realidade jurídico-social, e como as decisões do STF citadas acima foram proferidas com eficácia vinculante, é dever da administração pública e dos demais órgãos do Poder Judiciário determinar seu cumprimento. Tanto é que, em boa hora, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu cumprimento, já fez publicar a sua Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, dispondo sobre a habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. A resolução aprovada pelo CNJ proíbe as autoridades competentes de se recusarem a habilitar ou celebrar casamento civil ou, até mesmo, de converter união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. É de ser salientado ainda que a resolução do CNJ consolida e unifica de forma nacional e sem possibilidade de recurso, o fato de que o casamento ou a conversão de união estável em casamento é uma realidade social e jurídica no país. Por tudo isso, na hipótese de algum cartório de registro civil não cumprir a indicada resolução, o casal interessado poderá levar o caso ao juiz corregedor competente e este determinará ao escrivão do cartório que realize o casamento.

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Poderá, ainda, o magistrado determinar a abertura de processo administrativo contra a autoridade que se negar a celebrar ou converter a união estável homoafetiva em casamento. As uniões homoafetivas passaram a ter cunho jurídico, permitindo, inclusive, a herança entre os parceiros, sejam elas entre homens com homens ou mulheres com mulheres. Desta forma, com aquelas decisões acima citadas, passou a prevalecer no direito civil da atualidade a legalidade das relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo, prevalecendo o amor recíproco entre elas, como fundamento dessas relações. 330


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DA AÇÃO ORDINÁRIA DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DESTA AÇÃO. Nesse tipo de ação, digo eu, deve ser comprovada a existência da união estável bem como sua dissolução mediante a propositura de ação ordinária, conforme o caso. Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil de 2015, a ação ordinária a ser proposta tem como fundamento o artigo 319, e seus incisos, bem como os artigos 19 e 20, e o art. 294 e seguintes, e ainda o art. 320 e seguintes, assim como o art. 17, todos do Novo CPC/2015. Torna-se necessário observar, quando da elaboração da petição inicial, as exigências dos citados dispositivos legais, pois se o juiz verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos artigos 319 e 320 do NCPC, ou que apresente estes “defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito” deverá intimar o autor da ação para que este, no prazo de 15 dias, emende a inicial ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Somente se o autor não cumprir a referida diligência é que o juiz poderá, de plano, indeferir a petição inicial, nos termos previstos no art. 321 do NCPC/2015, e não antes disso. É de bom alvitre a lembrança do disposto no artigo 219 do Novo CPC, fixando que os prazos deverão ser contados em dias úteis, salvo disposição expressa em contrário. A ação ordinária é de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com direitos sucessórios, partilha de bens, direitos previdenciários e outros pedidos. A ação acima indicada deverá ser proposta em face do (a) companheiro (a). Todavia, no caso de falecimento de um (a) dos (as) companheiros (as) ou convivente, a ação deve ser proposta contra os herdeiros do falecido. 331


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Deverá comprovar que conviveu com o (a) ex-companheiro/a até a morte deste/a, no caso de a ação ser proposta contra seus herdeiros. Comprovar, de igual forma, que a convivência entre o casal se deu de forma pública, contínua e duradoura, como marido e mulher, juntando prova escrita, mediante declarações que deverão ser anexadas à inicial, fato este que poderá ser ratificado pelas testemunhas arroladas ao depor, para que estas confirmem, durante a instrução do processo, aquilo contido nas indicadas declarações. Se um dos conviventes era casado, mas separado de fato do cônjuge, deverá comprovar esta separação, devendo aquele ser chamado como litisconsorte para integrar a lide. Nesse caso, deve comprovar que se encontrava separado de fato, e que iniciou publicamente uma nova relação com outra pessoa, que se transformou em união estável, embora continuasse casado com a ex-mulher, mas separado de fato. O autor da ação deve comprovar que passou a apresentar o (a) companheiro (a) aos amigos e à sociedade em geral como sua mulher ou marido, conforme o caso. Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal que se transcreve: “Mandado de Segurança nº. 33.008/DF, Rel. Min. Roberto Barroso: Ementa: DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE PENSÃO POR MORTE PELO TCU. RATEIO ENTRE COMPANHEIRA E VIÚVA DE SERVIDOR PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE RECONHECIMENTO JUDICIAL DE UNIÃO ESTÁVEL E SEPARAÇÃO DE FATO. 1. É possível o reconhecimento de união estável de pessoa casada que esteja separada judicialmente ou de fato (CC, art. 1.723, § 1º). 332


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2. O reconhecimento da referida união estável pode se dar administrativamente, não se exigindo necessariamente decisão judicial para configurar a situação de separação de fato. 3. No caso concreto, embora comprovada administrativamente a separação de fato e a união estável, houve negativa de registro de pensão por morte, fundada unicamente na necessidade de separação judicial. 4. Segurança concedida (STF – Primeira Turma, decisão unânime, julgamento em 03/05/2016, publicação no DJe de 14/09/2016)”.

No caso de dissolução do seu antigo casamento civil com a ex-mulher, iniciando-se com a separação de fato e posterior divórcio judicial, deve fazer essa comprovação. Como se sabe, a dissolução do casamento pelo divórcio rompe, em definitivo, os laços matrimoniais até então existentes com a sua ex-mulher, tendo aquela direito decorrente do antigo casamento, quando o divórcio é decretado e a partilha dos bens também é feita. Daí em diante, a ex-mulher não poderá ser intitulada de ser sua viúva, no caso de o ex-marido já ter falecido. Se a ação for proposta em face dos herdeiros, para comprovar a situação da separação de direito e do posterior divórcio, deve anexar aos autos cópia da antiga certidão de casamento com a anotação existente no verso desta, da averbação da decretação do divórcio feito pelo cartório e a origem do processo em que o mesmo ocorreu. Assim o é porque o divórcio, entre eles, foi causa terminativa da sociedade conjugal, como está especificado no artigo 1.571, caput, e, inciso IV, e seu § 1º, do Código Civil de 2002, que se transcreve in verbis: “Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: IV- pelo divórcio. § 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.” 333


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Comprovado, portanto, diante dos documentos que acompanham a petição inicial, da situação de divorciado de um dos cônjuges com sua ex-mulher, razão pela qual estaria legitimada a autora a propor as medidas anteriormente indicadas na condição de companheira do falecido com quem conviveu em união estável até o falecimento deste, tendo convivido como se casados fossem por vários anos, os quais devem ser indicados. Explicar quanto ao casamento anterior que a partilha dos bens aconteceu entre os então cônjuges, sendo, judicialmente homologada pelo magistrado que presidiu o processo de divórcio. Dissolvendo-se, na oportunidade, a comunhão de bens que se encontrava em condomínio entre eles, posto, que o divórcio já houvera sido anteriormente decretado, pondo fim ao casamento com sua ex-mulher.

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REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, § 3º, reconhece como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher, desde que entre esses não se verifique nenhum impedimento legal à conversão dessa união em casamento, conforme dispositivo que se transcreve, in verbis: “Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

O dispositivo Constitucional acima transcrito tem sua regulamentação atual feita pela Lei n.º 9.278/96, posto que toda a legislação anterior fora revogada por esta, que no seu artigo 1º, conceitua o que seja União Estável entre um homem e uma mulher, conforme se vê, in verbis: 334


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“Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.

Por seu turno, o Código Civil Brasileiro em vigor que é de 2002, portanto, posterior à Lei anteriormente indicada, praticamente repete o que está contido na indicada Lei, conforme se vê no seu art. 1.723, caput que se transcreve, in verbis: “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

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Os requisitos configuradores da união estável como entidade familiar são as contidas na Lei que regulamenta a Constituição Federal, bem como no dispositivo acima indicado, do Código Civil. É o que estampa a doutrina sobre o tema, em texto produzido pelo relator do Código Civil, Ricardo Fiúza, conforme se vê abaixo: “Nessa linha, tem sido dominante a doutrina, ao admitir a característica da continuidade desprovida do elemento “more uxorio”. (...) parceiros com uma só residência podem decidir fixar residência diversa sem quebrar a relação. Subsiste aí a continuidade. A construção jurisprudencial, de há muito, diante da posse do estado de casado, houve de reconhecer a comunidade de vida independente da convivência sob o mesmo teto para a sua integração (...)” (in FIÚZA, Ricardo. O novo Código Civil e a união estável. Jus Navegandi, disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2721>. – Relator do Novo Código Civil, quando Deputado Federal).

São, portanto, nos termos da Lei, os requisitos e as características da união estável, aquelas que ensejam: a) relação afetiva; b) publicidade desta; c) sua continuidade; d) durabilidade; e) objetivo de ser uma família; f) ausência de impedimentos 335


Jeferson Fonseca de Moraes para o casamento; g) observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência mútua, guarda, sustento e educação dos filhos, como se casados fossem nessa relação que era monogâmica e sem qualquer paralelismo com outra pessoa.

É o que se vê do contido no artigo 1.724 do Código Civil de 2002, conforme se vê in verbis:

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“Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão os deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”.

A legislação vigente que regulamenta a união estável, não mais exige tempo de convivência nem esforço comum para a aquisição dos bens, desde que estes não sejam sexagenários (vide Capítulo XI), para que estes integrem a partilha em caso de falecimento de um dos conviventes ou companheiros, nos termos da Constituição Federal, nem prevê também a legislação atual que a regulamenta como se vê do seu art.1º e art.5° da Lei 9.278/1996. Trata-se, portanto, de presunção absoluta que os bens existentes em nome de um dos conviventes pertencem a ambos, se viviam juntos (art. 5º, Lei 9.278/96). Assim o é porque o art. 11 dessa indicada Lei revogou todas as disposições anteriores à existência da Lei 9.278/96, a qual é atualmente a que trata da união estável (Grifos do autor). Esta referida e vigente Lei que regulamenta o parágrafo 3º do art.226 da CF/88 que trata da união estável, revogando o disposto no art.1º da Lei 8.971/94, como se infere do disposto no art.11 da Lei 9.278/96, que expressamente consignou estarem revogadas as disposições em contrário, conforme se vê in verbis: Lei nº 9.278/1996 “Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário”. 336


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Não viver sob o mesmo teto não se constitui em empecilho e nem é condição para a União Estável, conforme tem decido o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ em seus mais recentes precedentes, que serão transcritos oportunamente. Hoje é até moderno pessoas civilmente casadas vivendo bem, porém morando em apartamentos diferentes, entretanto, vivem juntos socialmente, eis que frequentam os mais diversos lugares, bem como restaurantes da cidade, fazendo viagens pelo país, além de viagens internacionais, passeando, andando de lancha, convivendo diariamente, e também frequentando a residência de um e do outro. A Jurisprudência que trata do assunto está abaixo indicada, não exige a convivência sob o mesmo teto, para a caracterização da União Estável, conforme se vê dos acórdãos abaixo indicados: a) REsp 674.176/PE, Rel. por acórdão do min. Hamilton Carvalhido, DJe 31.8.2009:

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EMENTA DO ACÓRDÃO: (...) 1. Em razão do próprio regramento constitucional e infraconstitucional, a exigência para o reconhecimento da união estável é que ambos, o segurado e a companheira, sejam solteiros, separados de fato ou judicialmente, ou viúvos, que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto, excluindo-se, assim, para fins de reconhecimento de união estável, as situações de concomitância, é dizer, de simultaneidade de relação marital(...). b) REsp 1.104.316/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 18.5.2009: EMENTA DO ACÓRDÃO: (...) 1. Para fins previdenciários, há união estável na hipótese em que a relação seja constituída entre pessoas solteiras, ou separadas de fato ou judicialmente, ou viúvas, e que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto. 337


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DOS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS APLICÁVEIS À ESPÉCIE A companheira tem direitos previdenciários por força da Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991, que estabelece em seu § 1º, do art. 16, quem são os beneficiários do regime geral da Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, a companheira, conforme se vê, in verbis:

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“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)” (Grifos do autor).

DIREITOS SUCESSÓRIOS E DE PARTILHA SOBRE OS BENS DO “DE CUJUS”. A Lei 9.278/1996, no seu artigo 5º, no tocante à partilha dos bens resultantes da ruptura da União Estável, estabeleceu uma presunção de que os bens móveis e imóveis adquiridos na constância da União por um ou ambos os conviventes e a título oneroso são considerados fruto do trabalho e colaboração comum, passando desta forma a pertencer a ambos, no sistema de condomínio e em partes iguais, ressalvada a estipulação contrária em contrato escrito. Dispõe, nesse sentido, o artigo 5º da Lei 9.278/1996: “Art.5º Os bens móveis ou imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes na constância da união estável e a título oneroso são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito”. 338


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Esse direito à meação está preservado no art. 1.725 do Código Civil de 2002, ao determinar a aplicação das regras do regime de comunhão parcial de bens nas relações de união estável. Nesse sentido, destaco as seguintes disposições do artigo 1.658 e 1.660 do Código Civil de 2002: “Art.1658 No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes” “Art. 1660. Entram na comunhão: I- os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;”.

A companheira/companheiro tem o direito de concorrer à herança com os filhos herdeiros, como está consignado nos artigos 1.725, caput e no art. 1.790, caput, e inciso II, ambos do mesmo código, conforme se vê das transcrições dos indicados dispositivos, a saber:

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“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.

No caso de falecimento de um dos companheiros, o Código Civil previa que o companheiro sobrevivente teria direitos na linha estabelecida pelo art. 1.790 do CC/2002, apenas a um terço da herança, e não sobre a meação de bens adquiridos na constância da união, conforme se vê do dispositivo abaixo: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 339


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III - se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança” (Grifo do autor).

A grande discussão que se sustentava, era sobre a constitucionalidade desse inciso III, no que concerne ao companheiro sobrevivente, se este teria direito apenas a um terço da herança, quando concorresse com irmãos do falecido, ou concorreria com os mesmos, tendo direito à meação, diante do disposto no art. 1.829 do mesmo Código, combinado com o princípio constitucional da isonomia entre estas partes, ao comando do art. 5º, I, e art. 226, §3º, ambos da CF/88. Em boa hora, no dia 10 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal afastou a diferença até então existente entre cônjuge e companheiro para fins sucessórios, tendo ambos os mesmos direitos no que concerne à meação dos bens, frente ao reconhecimento de forma incidental da inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 pelo STF. Assentou a nossa Suprema Corte que essa equiparação não só se fazia entre cônjuge e companheiro para fins de sucessão, mas também, inclusive, em uniões heteroafetiva (RE 878694/ MG, Rel. Min. Roberto Barroso) e homoafetiva (RE 646721/RS, relator para o acórdão o ministro Roberto Barroso). Na oportunidade, tanto no RE 878694/MG, quanto no RE 646721/RS, foi dado provimento aos recursos extraordinários, reconhecendo, como se disse acima, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, declarando, ainda, o direito de o (a) companheiro(a) sobrevivente, de participar da herança do (a) seu (sua) companheiro(a) em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do CC/2002 (meação). Naquela assentada o STF, vencido o ministro Marco Aurélio (Relator), fixou tese nos seguintes termos: “É inconstitucional a 340


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distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002” (sem grifos no original). A decisão foi modulada para não desconstituir partilhas anteriormente realizadas, antes das decisões acima indicadas, aquelas partilhas anteriores, portanto, se mantêm hígidas ou saudáveis, produzindo seus jurídicos e legais efeitos, não podendo, pois, sofrer qualquer alteração em face da decisão do STF acima referida. Outro aspecto relevante ocorrido é que o STF reconheceu, naqueles casos, a existência de repercussão geral da questão constitucional, e para esse fim foi aprovada a seguinte tese, válida para ambos os processos: “No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferença de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”. Os casos a que se refere são os recursos extraordinários já apontados. Aos jovens advogados é de bom alvitre que tenham a compreensão de que, quando da interposição de um recurso extraordinário para o STF, o cumprimento dos requisitos da repercussão geral deve ser sempre sustentado como uma preliminar de repercussão geral. Sem essa preliminar, o recurso extraordinário pode ser rejeitado pela Corte Suprema, devido ao não atendimento da indicada preliminar. É preciso que o tema analisado no processo tenha reconhecida relevância social, política, econômica ou jurídica para toda a sociedade, e não individualmente, tão somente para a parte recorrente. Devem todos os tribunais do país seguir o entendimento da Corte Suprema, e, com isso, julgar os casos nessa direção, evitando que processos idênticos sejam encaminhados ao STF. 341


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A repercussão geral valoriza a decisão do STF na interpretação que faz da Constituição Federal e do respeito a tais decisões da Suprema Corte, pelos tribunais do país.

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DA COMPREENSÃO DO CASO CONCRETO POSTO NO STF no RE 878694 O juízo de Primeiro Grau, no Estado de Minas Gerais, em caso de falecimento de um companheiro, reconheceu à companheira do falecido o direito desta à totalidade da herança, o direito real de habitação, e a legitimidade para receber a indenização do seguro de vida, excluindo da herança os irmãos do falecido (o de cujus não tinha filhos). Fundamentava-se a pretensão deduzida pela companheira sobrevivente, no disposto no art. 5º, I, e art. 226, §3º, ambos da Constituição Federal, que prevê tratamento paritário entre o casamento e união estável, para conceder tais direitos àquela companheira. No entender do magistrado, a fixação de que o direito da companheira se limitaria a um terço da herança, conforme indicado no art. 1.790, III, do Novo Código Civil, como defendido pelos irmãos do falecido, era inconstitucional, pois violava aquelas normas da Constituição Federal. Como dito anteriormente, dispõe o art. 1.790, III, do CC/2002, o que se lê: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;”.

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Para isso, o Juiz de Direito afastou a aplicação desse artigo 1.790, inciso III, do Código Civil de 2002, por vislumbrar nesse dispositivo, ofensa aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana ante a ótica do referido art. 226, §3º da CF/88, e de que todos são iguais perante a lei nos termos do art. 5º, I, da mesma Constituição. A matéria subiu para apreciação inicialmente da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, mediante apelação do irmão do falecido, que entendia ser seu o direito de herdeiro e que, portanto, aquela companheira do seu irmão só deveria herdar um terço da herança. A Câmara Cível, tendo em vista o disposto no art. 97, da CF/88, suscitou incidente de inconstitucionalidade, visando o exame do art. 1.790 do Código Civil. Este incidente não foi admitido, pois a matéria já teria sido apreciada no tribunal mineiro, no incidente nº 1.0512.06.0322132/002, no qual se concluiu pela constitucionalidade do inciso III, do art. 1.790 do Código Civil.

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Afirmava-se que a previsão de tratamento diferenciado entre casamento e união estável (§3º do art. 226 da CF/88) era constitucional, não havendo equiparação ante regências distintas, devendo-se respeitar a autonomia da vontade de quem assumiu o ônus do casamento e daqueles que preferiram viver em união estável. Retornando o processo à referida Câmara Cível, em razão do reconhecimento da constitucionalidade do inciso III, do art. 1.790 do Código Civil, em virtude da existência de irmãos do companheiro falecido, esta Câmara proveu o Recurso para limitar o direito sucessório da companheira a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. A companheira, uma vez vencida, aviou recurso extraordinário (STF – RE 878694 RG/MG), com fundamento no art. 343


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102, III, alínea “a” da CF/88, para o Supremo Tribunal Federal apontando o desrespeito que o art. 1.790, III, do Código Civil, faz ao art. 5º, caput, e art. 226, §3º da Constituição Federal. Sustentou não haver diferença entre famílias constituídas de fato e as formadas por meio do casamento, merecendo ambas as mesmas proteções e garantias do Estado. Defendeu, ainda, que a Lei nº 8.971/94 previu a concorrência do companheiro somente com ascendentes e descendentes do falecido, tendo o companheiro sobrevivente o direito à totalidade da herança na ausência destes, silenciando sobre o tema a Lei nº. 9.278/96. O recurso extraordinário não foi admitido na origem. Seguiu-se a interposição de agravo ao qual o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, deu provimento, determinando a sua conversão em recurso extraordinário. O relator entendeu possuir a controvérsia, questão constitucional acerca da validade do art. 1.790 do Código Civil, que prevê aos companheiros direitos sucessórios diversos daqueles outorgados ao cônjuge pelo art. 1.829 do mesmo Código Civil. REPERCUSSÃO GERAL O tema necessita ser melhor explicado aos operadores do direito que estão iniciando sua navegação nessa questão processual de importância fundamental como preliminar sustentada, antes de se adentrar no mérito da questão constitucional. É preciso haver a presença de questão de relevância social e jurídica que ultrapassa os interesses individuais e subjetivos da causa, para que a preliminar de repercussão geral seja reconhecida pelo STF. “No caso concreto, decisão de primeira instância reconheceu como já foi dito anteriormente, ser a companheira de um homem falecido a herdeira universal dos bens do 344


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casal, dando tratamento igual ao instituto da união estável em relação ao casamento. O Tribunal de Justiça de Minas (TJ-MG), contudo, reformou a decisão inicial, dando à mulher o direito a apenas um terço dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, ficando o restante com os três irmãos do falecido, por reconhecer a constitucionalidade do artigo 1.790. O relator do caso, Ministro Marco Aurélio, sustentava a Tese do Tribunal Mineiro, tendo o Ministro Luís Roberto Barroso, aberto divergência e votando pela procedência do recurso, sugerindo a aplicação de tese segundo a qual ‘no sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil de 2002’. Barroso lembrou, em seu voto, que o regime sucessório sempre foi conectado à noção de família e que a noção tradicional de família esteve ligada, por séculos, à ideia de casamento. Mas esse modelo passou a sofrer alterações, principalmente durante a segunda metade do século XX, quando o laço formal do matrimônio passou a ser substituído pela afetividade e por um projeto de vida em comum, ressaltou. Por meio das Leis 8.971/1994 e 9.278/1996, o legislador brasileiro estendeu aos companheiros os mesmos direitos dados ao cônjuge, com base no entendimento constitucional de que ambos merecem a mesma proteção legal com relação aos direitos sucessórios, frisou o ministro. Mas aí entrou em vigor o Código Civil, em 2003, um projeto que vinha sendo discutido desde 1975, quando as relações entre homem e mulher ainda tinham outra conotação e vigia um maior conservadorismo, e restituiu a desequiparação entre esposa e companheira, voltando atrás nesse avanço igualitário produzido pelas Leis 8.971 e 9.278, disse Barroso. Para o ministro, a ideia de que a relação oriunda do casamento tem peso diferente da relação havida da união estável é incompatível com a Constituição Federal de 1988, por violação 345


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aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proteção da família. Além disso, o ministro salientou que a norma viola o princípio da vedação ao retrocesso. Desequiparar o que foi equiparado por efeito da Constituição é hipótese de retrocesso que a própria Carta veda, explicou Barroso, que entende que, neste particular, o Código Civil foi anacrônico e implementou retrocesso. O ministro votou no sentido da inconstitucionalidade do artigo 1.790, com modulação dos efeitos da decisão para que não alcance sucessões que já tiveram sentenças transitadas em julgado ou partilhas extrajudiciais com escritura pública. Acompanharam o relator os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia”. (Fonte: Notícias STF, 31 de agosto de 2016).

A decisão do Supremo equipara a herança de uma pessoa em união estável, cujo companheiro faleceu, com a de uma pessoa casada civilmente que perdeu o cônjuge por falecimento. Assim, nas duas situações, é assegurado o direito do sobrevivente ao patrimônio adquirido durante o vínculo da união estável, caso não haja filhos; ou, a metade do patrimônio, se houver filhos do falecido. Abriu divergência do voto do relator o ministro Dias Toffoli, que defendeu a constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, como houvera feito o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Após o voto do Ministro Dias Toffoli, que negava provimento ao recurso extraordinário da companheira do falecido, pediu vista dos autos o ministro Marco Aurélio. Ausente neste julgamento, em 30/03/2017, o ministro Gilmar Mendes. O mecanismo da repercussão geral obriga as demais instâncias do Poder Judiciário aplicar, em casos semelhantes que estiver sobre julgamento, o entendimento do Supremo Tribunal Federal. 346


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Com isso, várias questões pendentes terão que ter esse entendimento após a decisão que o STF tomou. O entendimento do Tribunal mineiro está de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, tanto da TERCEIRA TURMA no Recurso Especial nº 1.117.563 – SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, ACÓRDÃO publicado no DJE de 06/04/2010, que terá que ser revisto em face da recente decisão em contrário do STF. No mesmo sentido decisão da QUARTA TURMA do STJ, ao apreciar o processo de que trata, o recurso especial nº 887.990-PE, relator para acórdão, ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, publicado no DJE de 23/11/2011, portanto, ainda mais recente que o primeiro, cuja ementa se transcreve in verbis: “EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. ARTS. 1.659, VI, E 1.790, II, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. DISTINÇÃO ENTRE HERANÇA E PARTICIPAÇÃO NA SOCIEDADE CONJUGAL. PROPORÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO DA COMPANHEIRA EM RELAÇÃO AO DO DESCENDENTE EXCLUSIVO DO AUTOR DA HERANÇA. 1. Os arts. 1.659, VI, e o art. 1.790, II, ambos do Código Civil, referem-se a institutos diversos: o primeiro dirige-se ao regime de comunhão parcial de bens no casamento, enquanto o segundo direciona-se à regulação dos direitos sucessórios, ressoando inequívoca a distinção entre os institutos da herança e da participação na sociedade conjugal. 2. Tratando-se de direito sucessório, incide o mandamento insculpido no art. 1.790, II, do Código Civil, razão pela qual a companheira concorre com o descendente exclusivo do autor da herança, que deve ser calculada sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência, excetuando-se o recebido mediante doação ou herança. Por isso que lhe cabe a proporção de 1/3 do patrimônio (a metade da quota-parte destinada ao herdeiro). 347


Jeferson Fonseca de Moraes 3. Recurso especial parcialmente provido, acompanhando o voto do Relator. Como já se disse anteriormente, a Lei que regulamenta o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, aplicável ao caso é a Lei n.º 9.278/96, que dispõe em seu artigo 5º, que os bens adquiridos na constância da união estável são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum passando a pertencer aos companheiros em condomínio, em partes iguais, conforme se vê in verbis: “Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito”.

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Já foi confirmada a decisão proferida pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal no RE 878694, onde ficou assentado, por esta maioria a equiparação entre a herança na União Estável com o Casamento, a jurisprudência anteriormente indicada do STJ fica superada porque a decisão do STF tem Repercussão Geral. Isto porque, em 10 de maio de 2017, o Tribunal Pleno do STF ao julgar o RE 878694/MG, assentou Declarada a inconstitucionalidade Incidental, conforme se vê da decisão do Pleno que se transcreve in verbis: “(...) Decisão: O Tribunal, apreciando o tema 809 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, deu provimento ao recurso, para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 e declarar o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que votaram negando provimento 348


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ao recurso. Em seguida, o Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou tese nos seguintes termos: É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. Ausentes, justificadamente, os Ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, que votaram em assentada anterior, e, neste julgamento, o Ministro Luiz Fux, que votou em assentada anterior, e o Ministro Gilmar Mendes. Não votou o Ministro Alexandre de Moraes, sucessor do Ministro Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.5.2017”.

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A mesma decisão foi aplicada no Recurso Extraordinário 646721/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, cuja a decisão ocorrida também pelo Plenário do STF em 10/05/2017, assentou o que se vê abaixo: “Decisão: O Tribunal, apreciando o tema 498 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, que redigirá o acórdão, deu provimento ao recurso, para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 e declarar o direito do recorrente de participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator) e Ricardo Lewandowski. Em seguida, o Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator), fixou tese nos seguintes termos: ‘É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002’. Ausentes, justificadamente, os Ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, e, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.5.2017”. 349


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As decisões acima indicadas preveem a igualdade ou isonomia nas relações indicadas, em face de inconstitucionalidade declarada incidentalmente do artigo 1.790, III, do Código Civil Brasileiro, pelo STF, conforme se vê dos precedentes acima elencados. DIREITOS IGUAIS SÃO APLICÁVEIS TANTO AOS CÔNJUGES QUANTO AOS COMPANHEIROS EM UNIÃO ESTÁVEL Seguindo a mesma posição do STF, como acima demonstrado, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, assentou essa igualdade de direitos entre cônjuges e companheiros em união estável. É o que se vê do Recurso Especial nº. 1.332.773-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, assentando a igualdade entre o cônjuge sobrevivente e a companheira, e afastando da sucessão os parentes colaterais que não têm direitos sucessórios em concorrência com o cônjuge sobrevivente e a companheira, nos termos dos artigos 1.829, 1.830 e 1.839 do Código Civil de 2002. Nessa linha, só se defere a sucessão legítima aos colaterais, se não houver cônjuge sobrevivente, conforme se vê do Voto do Ministro Villas Bôas Cueva em sua parte final que transcrevo in verbis:

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“Assim, ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar da sucessão os parentes colaterais. É o Voto”.

Transcrevo para análise a Ementa do indicado recurso, cuja leitura recomendo em sua integralidade, principalmente o Voto do Relator, que não está transcrito: “RECURSO ESPECIAL Nº 1.332.773-MS (2012/0139674-5) RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Julgado em 27/06/2017). 350


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EMENTA RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INCONSTITUCIONALIDADE. STF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ART. 1.829 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA, PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO AO RETROCESSO. APLICABILIDADE. 1. No sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento sob o rito da repercussão geral (Recursos Extraordinários nºs 646.721 e 878.694). 2. O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do companheiro ou cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002 ofende frontalmente os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade e da vedação ao retrocesso.

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3. Ausência de razoabilidade do discrímen à falta de justo motivo no plano sucessório. 4. Recurso especial provido”.

Na mesma linha, o companheiro passa a ocupar na sucessão legítima a mesma posição do cônjuge, concorrendo com os descendentes no regime de separação parcial; concorrerá com os ascendentes, independente do regime do casamento; e na falta de descendentes e ascendentes receberá a herança sozinho, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, 351


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primos, tios-avôs e sobrinhos-netos), em face de recentíssima decisão da Quarta Turma do STJ, publicada no site do STJ Notícias, DECISÃO de 22/08/2017, que indico sua leitura. Acessado em 23/08/2017, in: <http://www.stj.jus.br/ sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/noticias/Notícias/ Quarta-Turma-equipara-regime-sucessório-entre-cônjuges-ecompanheiros> BENS PARTICULARES ADQUIRIDOS ANTERIORMENTE À UNIÃO ESTÁVEL OU AO CASAMENTO SÃO INCOMUNICÁVEIS Por muitas vezes, pessoas foram casadas ao longo dos anos com separação parcial de bens, adquirindo durante esse interregno um patrimônio imobiliário e financeiro considerável, quando ocorre, depois desse fato, o falecimento de um dos cônjuges. Em decorrência do falecimento de um deles, a solidão leva à constituição de um novo relacionamento, que se converte em união estável, por muitos e muitos anos. Entretanto, o viúvo ou viúva, deixa de regularizar a titularidade daqueles bens imóveis, junto ao registro de imóveis, como proprietário de tais bens, só o fazendo, quando já estava vivendo em união estável com outra companheira, após a morte da sua primeira esposa. Anos depois, dá-se o falecimento do sobrevivente do relacionamento anterior, depois de muitos anos daquela união estável com sua segunda mulher, oportunidade em que esta pleiteia em ação declaratória a participação como meeira naqueles bens. A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, havendo ausência de esforço comum para a aquisição dos bens, dá-se a exclusão de tais bens da meação da companheira. 352


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Isto porque, dispõe o art. 1.659, II, do CC/2002, sobre a exclusão da comunhão “os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares”. Não importa se tais bens, adquiridos antes da união estável, portanto, sem esforço comum, tenham sido registrados no cartório de registro imobiliário somente quando já em curso a união estável com a segunda companheira, porque tais bens foram adquiridos anteriormente a esta segunda relação. Nesse sentido, é a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no resp. nº 1.472.866-MG (2014/0195022-4), Rel. Min. Luis Felipe Salomão, in DJe de 20/10/2015, indicando-se aos pesquisadores a leitura da integralidade do seu acórdão para a compreensão desse caso ocorrido em Minas Gerais, cuja ementa se transcreve in verbis:

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“EMENTA RECURSO ESPECIAL. MEAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA PURA. BENS ADQUIRIDOS EM SUB-ROGAÇÃO DOS BENS PARTICULARES ANTES DO INÍCIO DA UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE ESFORÇO COMUM. EXCLUSÃO DOS BENS DA MEAÇÃO DA COMPANHEIRA. POSSIBILIDADE (...)”.

JURISPRUDÊNCIA EM TESES, EDIÇÃO Nº 50, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2016 DO STJ, SOBRE UNIÃO ESTÁVEL. Com a decisão acima, e considerando a diversidade de decisões divergentes dos tribunais do país sobre a união estável, entendo ser salutar e de bom alvitre trazer à colação sobre o tema o que a Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em boa hora, mediante pesquisas na base de sua jurisprudência, resolveu publicar na página do STJ, 353


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no item “Jurisprudência em Teses”, edição nº 50, de 11 de fevereiro de 2016, o que ali estão indicadas, sobre a união estável, para complementar a conclusão do presente capítulo, conforme se vê textualmente in verbis:

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“UNIÃO ESTÁVEL 1) Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar. Precedentes: REsp 1118937/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 04/03/2015; REsp 1124859/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 27/02/2015; AgRg nos EDcl no REsp 1095588/MG (decisão monocrática) Rel. Ministro RAUL ARAÚJO julgado 07/10/2015 DJe 09/11/2015. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 556)”. “2) A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável. Precedentes: AgRg no AREsp 649786/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 18/08/2015; AgRg no AREsp 223319/ RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/02/2013; AgRg no AREsp 59256/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe 04/10/2012; AgRg nos EDcl no REsp 805265/AL, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 21/09/2010; REsp 1096324/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, 354


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julgado em 02/03/2010, DJe 10/05/2010; REsp 275839/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Relatora para Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/2008, DJe 23/10/2008”. “3) A vara de família é a competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva. Precedentes: REsp 1291924/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 07/06/2013; REsp 964489/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 20/03/2013; REsp 827962/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 08/08/2011. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 524)”. “4) Não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. Precedentes: AgRg no AREsp 609856/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 19/05/2015; AgRg no AREsp 395983/MS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 07/11/2014; REsp 1348458/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2014, DJe 25/06/2014; REsp 912926/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 07/06/2011; AgRg no Ag 1130816/ MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 27/08/2010. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 464)”. “5) A existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, desde que haja separação de fato ou judicial entre os casados. 355


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Precedentes: AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp 710780/ RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 25/11/2015; AgRg no AREsp 494273/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 01/07/2014; AgRg no REsp 1147046/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/05/2014, DJe 26/05/2014; AgRg no REsp 1235648/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2014, DJe 14/02/2014; AgRg no AREsp 356223/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 27/09/2013; REsp 1096539/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 25/04/2012; AgRg no REsp 968572/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 14/02/2012. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 494)”. “6) Na união estável de pessoa maior de setenta anos (art. 1.641, II, do CC/02), impõe-se o regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens adquiridos na constância da relação, desde que comprovado o esforço comum. Precedentes: EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015; AgRg no AREsp 675912/SC, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 11/06/2015; REsp 1403419/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 14/11/2014; REsp 1369860/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 04/09/2014; REsp 646259/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010”. 356


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“7) São incomunicáveis os bens particulares adquiridos anteriormente à união estável ou ao casamento sob o regime de comunhão parcial, ainda que a transcrição no registro imobiliário ocorra na constância da relação. Precedentes: REsp 1324222/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 14/10/2015; REsp 1304116/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 04/10/2012; REsp 707092/ DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 01/08/2005. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 253)”.

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“8) O companheiro sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel no qual convivia com o falecido, ainda que silente o art. 1.831 do atual Código Civil. Precedentes: REsp 1203144/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 15/08/2014; REsp 1156744/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 18/10/2012; REsp 1220838/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 27/06/2012”. “9) O direito real de habitação poder ser invocado em demanda possessória pelo companheiro sobrevivente, ainda que não se tenha buscado em ação declaratória própria o reconhecimento de união estável. Precedentes: REsp 1203144/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 15/08/2014”. “10) Não subsiste o direito real de habitação se houver co-propriedade sobre o imóvel antes da abertura da sucessão ou se, àquele tempo, o falecido era mero usufrutuário do bem. 357


Jeferson Fonseca de Moraes Precedentes: REsp 1184492/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 07/04/2014; REsp 1212121/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 18/12/2013; REsp 1273222/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 21/06/2013; REsp 826838/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2006, DJ 16/10/2006. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 541)”.

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“11) A valorização patrimonial dos imóveis ou das cotas sociais de sociedade limitada, adquiridos antes do início do período de convivência, não se comunica, pois não decorre do esforço comum dos companheiros, mas de mero fator econômico. Precedentes: REsp 1349788/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 29/08/2014; REsp 1173931/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013; REsp 1357432/ SC (decisão monocrática), Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, julgado em 30/06/2015, DJe 03/08/2015 (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA. 533)”. “12) A incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união estável (art. 5º, § 1º, da Lei n. 9.278/96) não afeta a comunicabilidade dos frutos, conforme previsão do art. 1.660, V, do Código Civil de 2002. Precedentes: REsp 1349788/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 29/08/2014”. “13) Comprovada a existência de união homoafetiva, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento. 358


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Precedentes: EDcl no REsp 633713/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 28/02/2014; REsp 930460/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 03/10/2011. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 472)” “14) É inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência daria ao concubinato maior proteção do que aquela conferida ao casamento e à união estável.

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Precedentes: AgRg no AREsp 770596/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 23/11/2015; AgRg no AREsp 249761/ RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 03/06/2013; REsp 874443/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 14/09/2010; EDcl no REsp 872659/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 02/02/2010. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 404)”. “15) Compete à Justiça Federal analisar, incidentalmente e como prejudicial de mérito, o reconhecimento da união estável nas hipóteses em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário. Precedentes: RMS 35018/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 20/08/2015; CC 126489/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 07/06/2013; CC 131529/RS (decisão monocrática), Rel. Ministro REGINA HELENA COSTA, julgado em 359


Jeferson Fonseca de Moraes 02/09/2015, DJe 14/09/2015; CC 139525/RS (decisão monocrática), Rel. Ministro OG FERNANDES, julgado em 03/08/2015, DJe 21/08/2015; CC 137385/GO (decisão monocrática), Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, julgado em 14/04/2015, DJe 23/04/2015; CC 131792/ MG (decisão monocrática), Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, julgado em 21/11/2014, DJe 02/12/2014; CC 136831/MG (decisão monocrática), Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em 24/11/2014, DJe 27/11/2014. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 517)”.

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“16) A presunção legal de esforço comum quanto aos bens adquiridos onerosamente prevista no art. 5º da Lei 9.278/1996, não se aplica à partilha do patrimônio formado pelos conviventes antes da vigência da referida legislação. Precedentes: REsp 959213/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/2013, DJe 10/09/2013 ; AgRg no REsp 1167829/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 06/03/2014. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 556)”.

AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO Uma interpretação literal do art. 8 da Lei 9.278/96, levaria à conclusão que a via adequada para a conversão da união estável em casamento seria a administrativa, e que a via judicial só seria acessível aos contratantes se o pedido extrajuduiacial tivesse sido negado. Entretanto, dizemos nós, que o estabelecimento de uma via exclusiva ou obrigatória, não é o caminho a ser seguido, posto que, a legislação prevê o oferecimento de dua opções: o art. 8º 360


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da Lei 9.278/96 prevê a opção de se obter a conversão pela via extrajudicial, enquanto o artigo 1.726, do Código Civil prevê a possibilidade de se obter a conversão da união estável em casamento pela via judicial. Esta questão, entretanto, não se encontrava pacificada, até 11 de outubro de 2017, tanto que, “(...) A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que extinguiu ação de conversão de união estável em casamento, sem apreciação de mérito, em razão de o casal não ter formulado o pedido pela via administrativa antes de recorrer ao Judiciário. Para o TJRJ, o processo judicial não poderia substituir o procedimento do casamento perante o registro civil, principalmente por não ter sido alegado, em nenhum momento, que houve resistência do cartório competente em relação ao pedido de conversão.

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No STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu que ‘uma interpretação literal’ do artigo 8º da Lei 9.278/96 levaria à conclusão de que a via adequada para a conversão de união estável em casamento é a administrativa e que a via judicial só seria acessível aos contratantes se negado o pedido extrajudicial, ‘configurando verdadeiro pressuposto de admissibilidade’. No entanto, Nancy Andrighi destacou que o dispositivo não pode ser analisado isoladamente no sistema jurídico. Coexistência harmônica Segundo a ministra, a interpretação do artigo 8º deve ser feita sob os preceitos do artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, que estabelece que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Ela destacou também o artigo 1.726 do Código Civil, que prevê a possibilidade de se obter a conversão pela via judicial. 361


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‘Observa-se quanto aos artigos ora em análise que não há, em nenhum deles, uma redação restritiva. Não há, na hipótese, o estabelecimento de uma via obrigatória ou exclusiva, mas, tão somente, o oferecimento de opções: o artigo 8º da Lei 9.278/96 prevê a opção de se obter a conversão pela via extrajudicial, enquanto o artigo 1.726, do Código Civil prevê a possibilidade de se obter a conversão pela via judicial’, disse a ministra. De forma unânime, seguindo o voto da relatora, a Terceira Turma concluiu que ‘o legislador não estabeleceu procedimento obrigatório e exclusivo, apenas ofereceu possibilidades – possibilidades estas que coexistem de forma harmônica no sistema jurídico brasileiro’”.

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A matéria sobre o processo da conversão de união estável em casamento, que também pode ser iniciada na Justiça, como opção à administrativa, está transcrita no acórdão que abaixo se lê: “RECURSO ESPECIAL Nº 1.685.937 - RJ (2016/0264513-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI EMENTA PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO. OBRIGATORIEDADE DE FORMULAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PELA VIA ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA. CONVERSÃO PELA VIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. I. O propósito recursal é reconhecer a existência de interesse de agir para a propositura de ação de conversão de união estável em casamento, considerando a possibilidade de tal procedimento ser efetuado extrajudicialmente. II. Os arts. 1726, do CC e 8º, da Lei 9278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule pedido de conversão de união estável em casamento exclusivamente pela via administrativa. 362


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III. A interpretação sistemática dos dispositivos à luz do art. 226 § 3º da Constituição Federal confere a possibilidade de que as partes elejam a via mais conveniente para o pedido de conversão de união estável em casamento. IV. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 17 de agosto de 2017(Data do Julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora” (In DJe: 22/08/2017).

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Capítulo XI

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Da União Estável de pessoa maior de 70 anos. Da prova do esforço comum na aquisição de bens. Necessidade. União estável de pessoa maior de 70 anos. Separação obrigatória de bens. Sua dissolução. Bens adquiridos: Necessidade de prova do esforço comum para sua aquisição na constância da relação; o que não se presume com a convivência. Partilha de Bens somente dos adquiridos com esforço comum durante a união estável (Art. 1.641, II, do CC/02).

INTRODUÇÃO Ao casamento ou a união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, o Código Civil de 1916, por força do seu art. 258, § único, inciso II, impunha o regime de separação obrigatória de bens. 364


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O Código Civil de 2002, entretanto, no seu art. 1.641, inciso II, que é seu equivalente do Código Civil anterior, alterou a idade dos 60 anos para 70 anos como obrigatório o regime de separação de bens, na redação que lhe deu a Lei 12.344/2010, conforme se vê do seu texto, in verbis: “CC - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002 Institui o Código Civil. SUBTÍTULO I Do Regime de Bens entre os Cônjuges Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

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II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)”.

Enquanto na união estável de pessoas com idade inferior a 70 anos a legislação vigente que regulamenta esta união não mais exige tempo de convivência nem do esforço comum para a aquisição dos bens, para que estes integrem a partilha em caso de extinção da união estável, ou do falecimento de um dos conviventes ou companheiros. É o que prevê o art.1º e art.5° da Lei 9.278/1996. Entretanto, não obstante, esses dispositivos, quando se tratar de relação envolvendo maiores de 70 anos, é necessário a exigência da prova do esforço comum para a aquisição do patrimônio durante essa união. Assim o é porque o art. 11 dessa da Lei nº. 9.278/96, revogou todas as disposições anteriores à existência dessa Lei. Ela é a Lei atual que trata da união estável. Dita Lei regulamenta o parágrafo 3º do art.226 da CF/88 que trata da união estável, revogando o disposto no art. 1º da Lei 8.971/94, como se infere do disposto no art. 11 da Lei 365


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9.278/96, que expressamente indica estarem revogadas as disposições em contrário, conforme se vê in verbis: “Lei nº 9.278/1996 “Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário”.

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Portanto, falecendo um dos companheiros, preserva-se a legítima do herdeiro, devendo a meação pertencer ao companheiro sobrevivente se este conviveu com o falecido até sua morte. Diferentemente, é a situação quando se tratar de maiores de 70 anos, é obrigatória a separação total dos bens, nos termos do art. 1.641, inciso II, do CC/2002, assim como, torna-se necessário, “Na união estável de pessoa maior de setenta anos (art. 1.641, II, do CC/02), impõe-se o regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens adquiridos na constância da relação, desde que comprovado o esforço comum”. No mesmo sentido, confiram-se os precedentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ): “EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015; AgRg no AREsp 675912/SC, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 11/06/2015; REsp 1403419/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 14/11/2014; REsp 1369860/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 04/09/2014; REsp 646259/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010”.

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POSIÇÃO MAIS RECENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) Em casos dessa natureza, o STF editou a Súmula 377, que permite a divisão dos bens adquiridos durante o casamento ou a união estável, mas, para que essa divisão seja efetivada, em casos envolvendo maiores de 70 anos, é necessário que se faça a prova em ação própria no judiciário do esforço comum na aquisição desses bens, segundo recente decisão proferida pelo STJ, nos Embargos de Divergência em Resp. nº. 1.171.820/ PR (2012/0091130-8), relator ministro Raul Araújo, segunda seção, julgado em 26/08/2015, e publicado em 21/09/2015, como se verá oportunamente. “Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula nº 377 do STF” (STJ – REsp 646259, Rel. Min. Luis Felipe Salomão)”. Havia uma grande discussão na doutrina e no próprio Superior Tribunal de Justiça, entre suas turmas, quanto à exigência ou não da comprovação do esforço comum dos conviventes na aquisição de bens para que esses fossem partilhados ou não entre os conviventes. A Terceira Turma entendia que não era necessária a comprovação do esforço comum na aquisição de bens durante essa convivência, porque o esforço comum era presumido pelo art. 5º da Lei nº. 9.278/96. Isto porque o dito dispositivo afirmava que a lei em questão não exigia qualquer comprovação desse esforço comum para a aquisição de bens durante a união estável (REsp 1.171.820/ PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 27/4/2011). 367


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Por outro lado, a Quarta Turma do STJ entendia ser necessária, em caso de união estável de sexagenários, a comprovação da existência do esforço comum na aquisição de bens, para que estes fossem objeto de partilha (Resp. nº 64.625-9/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, data do julgamento 22 de junho de 2010, DJe 24/08/2010). O tema de dissolução da união estável ou de falecimento de um dos conviventes só foi pacificado recentemente, no sentido de que o interessado deverá fazer a comprovação do esforço comum mediante ação judicial própria, conforme decidiu a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça nos embargos de divergência em Resp nº. 1.171.820-PR (2012/0091130-8), Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/08/2015, publicado em 21/09/2015.

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Diante daquela divergência entre as Turmas do STJ acima apontadas, foi manejado, como já se disse, no âmbito do próprio STJ, embargos de divergência em recurso especial nº 1.171.820PR, Rel. Min. Raul Araújo, opostos contra o acórdão da egrégia Terceira Turma, cujos referidos embargos foram conhecidos e providos, tendo estes, a seguinte ementa: “EMENTA EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união 368


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estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial”.

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Da decisão acima apontada, foram manejados embargos de declaração nos embargos de divergência em resp nº 1.171.820-PR, que foram rejeitados nos termos do voto do ministro relator Raul Araújo, como se vê da ementa abaixo transcrita, que se traz à colação, in verbis: “EDcl nos Embargos de Divergência em Resp nº. 1.171.820-PR (2012/0091130-8). EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS QUE ENSEJAM A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO INTEGRATIVO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Nos termos do art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou sanar erro material existente no julgado e, excepcionalmente, atribuir-lhe efeitos infringentes quando algum desses vícios for reconhecido. 2. Tais hipóteses não se verificam no caso vertente, pretendendo a parte embargante, ao alegar a ocorrência de omissão no acórdão embargado, repristinar discussão atingida pela preclusão desde as instâncias de origem. 3. Embargos de declaração rejeitados”. 369


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Capítulo XII

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Epílogo: uma separação que não se concretizou. Postura do Advogado. Uma lição de vida: “Quando o Amor vence as Paixões!” Há muitos anos atrás, certa feita, apareceu um cliente no escritório dizendo que era casado, tinha filhos, e que pensava numa separação, confessando, após certo tempo da conversa mantida, de que estava apaixonado por uma jovem muito mais nova do que ele. Possuía uma situação econômica financeira invejável, vivia parte da semana na sua fazenda no interior do Estado de Sergipe, onde criava gado e produzia produtos agrícolas diversificados. Queria porque queria se separar da esposa, mas ela não aceitava a separação amigavelmente. 370


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Diante disso, dizia ele que a separação tinha que ser litigiosa e rápida, o que, na nossa experiência, significava a falta de racionalidade naquele momento, mas sim, a presença de uma emoção descontrolada, fato comum nos apaixonados que, nesses momentos, ficam sem um guia, perdidos para trilhar pelos melhores caminhos da vida, se tornando, um barco à deriva. Arrogante, firmava que não importava quanto fossem os honorários, ele sabia que se tratava, segundo informações, de um advogado que cobrava bem pelo valor do seu trabalho profissional, mas que ele podia pagar. E que dissesse o preço... Colocava nos meus ouvidos os supostos defeitos da esposa, assinalando, dentre eles, ao seu entendimento, de que ela não mais se cuidava fisicamente, vivia com cabelos desgrenhados, e havia deixado de usar os perfumes que usara no passado, e, ao final e ao cabo, ao seu entender, tinha perdido o frescor da juventude que vinha se apagando, lentamente, durante os longos anos de casamento, dizendo-se não ser mais feliz...! Eu havia aprendido, durante tantos anos de advocacia, que, nesses casos, é preciso deixar que o cliente expresse tudo quanto pensa, e balançava a cabeça, simulando que estava lhe dando razão, essa era a técnica utilizada por mim. Nosso encontro no escritório passou a ser semanal; era para mim como se fosse uma terapia, uma análise de caso individual. Ao meu sentir, aquele homem precisava de alguém que pudesse ouvir sua conversa, seu desabafo cheio de mágoas e rancores, enfim, seu sofrimento, para justificar uma separação. Precisava ser ouvido, compreendido e acolhido, como aprendi, com meus mestres do passado. E foi o que fizemos e nada mais... Naquela época, já tinha muita vivência nessa área do conhecimento humano, das suas emoções, graças ao aprendizado com o meu saudoso amigo, o professor Gélio Albuquerque Bezerra e 371


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dos Cursos de Psicologia que frequentei, a exemplo do Processo Hoffmann da Quadrinidade e do Eneagrama das Personalidades, ambos ministrados por terapeutas de Minas Gerais, dentre outros. Tudo isso me fez entender o caminho do autoconhecimento, e, por via de consequência, da liberdade interior e exterior que o ser humano necessita na sua aprendizagem diária na vida, aprendendo, com a lição socrática: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. Esse é o grande caminho a ser percorrido para o homem se tornar livre. E, voltando ao tema do acolhimento e da compreensão, percebemos, num dos encontros semanais com aquele cliente, depois de certo tempo, que a sua postura anterior de separação se encontrava abalada. Era produto das conversas e mais conversas que tivemos sobre a vida e das peças que ela nos prega de acordo com nossas escolhas, pois somos responsáveis por estas, embora, seja mais cômodo transferir essas responsabilidades para os outros, para não visualizar a própria culpa pessoal.

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Sempre arrematava, ao final desses encontros, que ele não tratasse mal a esposa, que era a mãe dos seus filhos, e o fiz ver, se não havia uma parcela de “alguma culpa” dele para a situação em tela, ou se era somente ela a “culpada” pela derrocada do casamento! Ele confessou que havia muitos anos que não tinha “mais nada” com a esposa. Então, perguntei-lhe: Não será por todos esses acontecimentos que sua mulher deixou de se cuidar, abandonando-se a si mesma, ficando sem atrativos físicos, como se fosse um “grito silencioso” para chamar sua atenção ao que estava havendo, indaguei. Então sugeri: por que não leva um presente para sua esposa. Preferencialmente, algo de que ela tivesse gostado, como um perfume marcante, que lembrasse o tempo quando eles ainda eram jovens, e que pudesse trazer uma boa recordação... 372


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Eu disse que isso poderia facilitar a possibilidade de uma separação amigável, quebrar o gelo existente entre o casal e que o custo financeiro com honorários poderia ser menor para o seu bolso. Ele estranhou essa orientação, mas acabei convencendo-o a fazê-lo. Disse-me na sessão seguinte, que havia seguido a orientação, passou numa loja conhecida, adquirindo um perfume francês, que a mulher gostava, para presenteá-la. Então, perguntei-lhe: E aí, como é que foi com sua esposa depois disso? Respondeu que tinha sido bem recebido pela mesma, que aceitou o presente, inclusive rindo, mostrando grande surpresa e contentamento... Então, fui lhe perguntando: na última vez em que o senhor esteve aqui no escritório, apontou tudo aquilo que considerou como defeitos de sua esposa. Agora, quero que o senhor indique uma relação das coisas boas que ela tem e de suas qualidades. Ele permaneceu calado durante certo tempo. Por isso, então perguntei: Será que ela teria um amante? Ao que ele respondeu: “O que é isso, meu doutor? Isso não, ela é uma mulher honesta e de respeito”. Disse-lhe eu: então essa é uma qualidade, não é? Ele respondeu que sim. E quanto ao tratamento dado aos filhos? Disse que era uma grande mãe e, assim por diante, fomos relacionando as qualidades que a esposa tinha e que estavam sem ser vistas por ele, mas que precisavam ser relembradas, senão ficariam esquecidas. É como diz o velho adágio popular: Pirão comido, pirão esquecido...! A tarde tinha passado, e o cair da noite já se fazia presente na nossa sessão, quando pedi que providenciasse alguns documentos que estavam faltando. 373


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Tudo isso a conta-gotas, papel por papel, e sempre deixando o cliente falar, para poder ganhar tempo, e sua confiança, marcando, em seguida, outra reunião para a semana seguinte, diante da agenda do escritório. Dias depois, conversamos sobre o significado da paixão e do amor nas relações humanas. Expressei, no meu sentir, que paixão e amor são coisas diferentes, que, na maioria das vezes, as pessoas confundem esses sentimentos. Afirmei que “não há amor sem paixão, mas que pode haver paixão sem amor”. E que, em muitos casos, o sentimento da paixão pode ser confundido como sendo amor. Pela experiência profissional no escritório, podia afirmar que já tinha visto muitas pessoas terem se separado, porque estavam apaixonadas por outra pessoa, e o novo casamento não tinha dado certo, tudo por culpa das ilusões das paixões.

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Tinham deixado suas esposas e filhos, para casar com outra mulher, ou vice-versa, mulheres que deixavam seu casamento por outros homens. E que, tempos depois, a paixão acabava, aparecendo, de repente, um grande vazio interior, e o arrependimento pela separação. As pessoas haviam trocado seis por meia dúzia, como diz o adágio. E, quando isso acontece, não tem mais volta. O outro até, muitas vezes, já arranjou um outro companheiro(a), apenas, para se vingar do antigo marido ou da mulher, conforme for o caso. Ele ficou intrigado com toda essa conversa...! Aproveitei sua dúvida momentânea, e lhe perguntei: o senhor não acha melhor dar um tempo, pior é amanhã se arrepender e aí não ter mais volta?! Tirei uma de terapeuta e fui lhe dizendo: é preciso saber diferenciar paixão de amor, para que se possa tomar uma 374


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decisão consciente e não uma decisão apenas emocional, em que se fere de morte a sempre sensata racionalidade, que deve orientar as nossas decisões na vida. E lhe perguntei: o que é que o senhor acha? Ele ficou pensativo e mudo, apenas, balançando a cabeça, num gesto afirmativo. Disse-lhe, em seguida, a paixão é como uma gripe, ela tem seu ciclo, independente dos remédios que você toma, quando estiver doente. O remédio é só para a dor no corpo, a febre, e só isso, o combate das consequências da gripe, e não sua causa. Todavia, o vírus continua no corpo, por um certo tempo, entre 8 a 10 dias, até completar o seu ciclo e morrer, e então a saúde do corpo retorna e a gripe, como a paixão, acaba... Na paixão, acontece a mesma coisa, essa é uma percepção que aprendi no escritório durante esses anos de advocacia. A paixão dura entre 6 meses a 2 anos, concluí, dizendo: se o relacionamento ultrapassar os 2 anos, é possível que a paixão tenha se transformado em amor...! Então, para quê essa pressa... Depois disso, o cliente perguntou: doutor, vou ter que esperar dois anos para ver se o que eu realmente sinto por essa menina é paixão ou amor? Ao que perguntei: Ah! Então você está tendo uma namorada? Um caso? E ela, o ama mesmo, ou é apenas, um namorico de jovem que está experimentando as coisas da vida, como a experiência de ter um relacionamento com um homem mais velho, representação psicológica do próprio pai, coisa passageira, sem futuro, fui dizendo... E ela é tão jovem? Ao que respondeu que sim. Informação esta que eu já sabia existir, diante das conversas anteriormente mantidas, e pela experiência de outros casos. 375


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Disse-lhe eu, em seguida: viva sua paixão, curta a busca da sua juventude perdida. E, se um dia acontecer um “ploft” repentino, dentro de você, então é sinal que a paixão acabou, terminou o seu ciclo, morreu... Se a paixão continuar, ela pode se transformar em amor. Aí, então, compare as qualidades de cada pessoa, veja suas respectivas famílias; como é o comportamento da mãe de sua esposa com o marido dela, e os filhos, e da mãe dessa moça, em iguais condições. Coisas dessa natureza, de um lado e do outro, para ver o que é melhor para você. Ele respondeu de pronto: doutor, já estou percebendo que com essa menina nova, a questão é muito mais física, do que de outra ordem. É como se eu tivesse com ela na rua, o que não mais tenho em minha casa com minha esposa...! Eu lhe disse: a culpa não é sua, é do dia a dia, do cotidiano; mas, podemos mudar isso, e ser felizes durante a vida, pois, envelhecer juntos de forma prazerosa, com a família construída, é algo muito bom.

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A vida é assim mesmo. Veja o exemplo dos casais mais velhos, quando não têm mais presente a figura somente do lado físico, nem por isso deixam de se amar, e se cuidam mutuamente. É um amor diferente, mais sublime, mais puro, um tomando conta do outro, uma velhice sossegada, um amor de cuidados, quase fraterno, e dei o exemplo dos meus pais, tantos e tantos anos juntos, até a morte dele; a presença do carinho mútuo dos meus pais, já velhos, era evidente; até hoje minha mãe exalta as qualidades do meu pai, já falecido. Viveram até que a morte o separou de minha mãe (meu pai faleceu aos 90 anos), que comemorou em novembro do ano de 2017 frutuosos 94 anos de idade, sendo a velha matriarca, fundamento da família, que continua a venerar o bom e velho Otacílio, meu saudoso pai... 376


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Então, retornando ao cliente, disse-lhe, naquela oportunidade: tenha paciência com você mesmo, com sua esposa, vá levando, vamos dar tempo ao tempo que a melhor solução aparecerá, tenha fé... Certo dia, ele quis saber mais, de forma prática, a diferença entre paixão e amor, de uma maneira mais compreensiva ao seu sentir, e que pudesse ser por ele compreendida. Então, eu lhe disse, veja se dá para você entender: a paixão é um sentimento arrebatador, inconsequente, irresponsável até, algo muitas vezes doentio, como já lhe disse certa vez. A paixão é semelhante à queda d’água de uma cachoeira, que derrama milhões e milhões de litros por segundos, sem que nada possa impedí-la, tornando impossível parar essa cachoeira...! E continuei afirmando: só o tempo pode diminuir sua intensidade nos verões da vida. Por exemplo, em um período de seca, esta pode diminuir a quantidade de água, podendo até secar essa cachoeira durante uma grande estiagem. O sentimento da paixão também seca, desaparece, morre..., na maioria das vezes, quando não se transforma em amor. É preciso ter paciência com o tempo, é preciso esperar, para que esse sentimento, ao final, se revele em toda a sua plenitude. E o amor? Foi logo perguntando. O amor é semelhante a um grande lago que se forma depois das cachoeiras, ele é muito grande, vasto, largo e profundo. Suas águas não são revoltas, como as águas das cachoeiras, nem passageiras... São plácidas, calmas, amenas, assim também é o amor... Li para ele a Carta de São Paulo, conhecida como a primeira epístola à igreja em Coríntio. É nesta carta que é encontrada a famosa passagem sobre a importância do amor genuíno, cujo texto do seu capítulo 13, por sua beleza e pertinência é sempre atual. 377


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Ele ouvia atentamente e foi ficando intrigado, percebi seus olhos vermelhos, e uma lágrima a escorrer depois de ouvir o que ensinava São Paulo. Um dia, fez uma comparação: doutor, quando eu tiver 70 anos, daqui a 20 anos, essa menina terá apenas 35 anos, eu já serei um velho e ela ainda estará no furor da vida, o que será de mim...? Eu lhe respondi: não sei, você mesmo é que vai tirar suas conclusões... Se valerá a pena ter deixado a mulher que construiu com você a vida que tem... Ou acreditar numa miragem, numa fantasia criada por você mesmo, pois somos criadores de expectativas em relação ao Outro, e que nem sempre são atendidas. O ser humano é muito complexo... Dias depois, disse-lhe que agora precisava conversar com sua esposa, para ver se conseguia uma separação amigável ou se seria possível reatar o velho casamento, desgastado pelo tempo, esse velho canalha que não nos poupa, mas que nos ensina as sabedorias da vida. Tudo tem dois lados. A vida é como uma moeda, tem duas faces, “Cara e Coroa ”. Difícil são as nossas escolhas.... E pagamos por elas, assim é o curso da vida...!

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Seis meses tinham se passado, e eles continuavam casados. Sua esposa era poucos anos mais nova que o marido. Madura, ainda bonita, mas sua fisionomia não tinha mais o viço da juventude, nem seu frescor. Seus olhos eram ressecados e sem brilho, sua roupa muito simples, uma mulher do lar, como tantas outras que conheci de passagem no escritório em tempos passados; ela fazia-se acompanhar por um punhado de filhos... Conversamos muito, antes mandei que os filhos a aguardassem na sala de espera, enquanto liam algumas revistas e tomavam refrigerantes, e nós, um café... 378


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Perguntei o que estava acontecendo entre ela e seu marido. Não falei sobre a separação. Apliquei a mesma técnica que havia utilizado durante todos aqueles meses com seu esposo. Fiz perguntas e mais perguntas. Ela não apontou qualquer defeito nele; dizia que ele era bom pai, cumpridor dos seus deveres, trabalhador, que em casa não faltava nada, entretanto, não demonstrava mais os afetos do passado, quando foram namorados, noivos e se casaram. Já tinham se passado mais de 20 anos, e ela não tinha percebido o transcorrer desse tempo. Viviam friamente, mas em nome dos filhos, da preservação da família, continuavam casados. Nenhum deles fazia qualquer coisa para mudar aquelas circunstâncias, apimentando a relação do casamento. Perguntei se ainda tinha sentimentos por ele, ao que ela respondeu: claro, era o pai dos seus filhos.

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Então perguntei onde estava aquela jovem bonita que ele conhecera há mais de 20 anos passados, e por quem se apaixonou e casou. E o batom nos lábios, por que não mais o usava? E os olhos, por que não os pintava, para realçar sua beleza? E as unhas, estragadas pelos afazeres da cozinha; e por que não ir a um salão de beleza cuidar delas? Por que não mudar o corte dos cabelos e até sua cor? Por que não mostrar sua beleza, escondida pelo sofrimento da vida, ao seu marido? Por que esse abandono de si mesma? E lhe disse que ela não merecia essa vida! Se ela quisesse continuar casada com o marido, era preciso se mostrar bela a seus olhos, competir com o mundo... E brinquei, dizendo-lhe: a senhora, quando era estudante de história do Brasil, lembra-se do que Dom João VI, Imperador do Brasil, disse ao seu filho Dom Pedro de Alcântara, que estava 379


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então com 5 anos de idade, e o seu pai voltava para Portugal, onde uma crise política se houvera instalado naquele país do qual era rei, e ele que iria ficar aqui aos cuidados de José Bonifácio? “Pedro, põe a coroa sobre tua cabeça antes que algum aventureiro lance a mão sobre ela...”. Ela era uma mulher ingênua, não entendeu nada. Alguém estava tirando sua “coroa” e ela nem percebia, tal era o seu abandono. Eu, então, lhe disse: lute pelo seu marido, defenda seu casamento, antes que outra mulher apareça em sua vida... as aventureiras estão atrás de quem “banque” suas contas.... E os homens são muito bobos, não percebem as interesseiras. Fez-se um grande silêncio e seus olhos se encheram de lágrimas. Como eu tive pena daquela mulher! Como podia eu ser advogado de seu marido, fazer sua separação, contribuir para destruir uma família que durante tantos anos vivera feliz? A formação que tenho me impedia de dar importância maior ao ganho financeiro pura e simplesmente; eu não dormiria tão bem quanto durmo, se fizesse aquela separação, mesmo que o bolso ficasse cheio. E eu disse a mim mesmo: o cotidiano é a realidade da vida, é o canalha que tira a beleza do que está diariamente à nossa volta. Desgasta as relações e destrói os amores. É preciso estar sempre atento, em guarda, evitando-se a rotina. Se nós não estivermos todos os dias nos cuidando, homens e mulheres, podemos de repente, ser substituídos. Em guarda, essa deve ser a posição diuturna. Cada um em sua trincheira, lutando por seu amor, pois nada mais é importante na vida. Ela, na sua simplicidade, disse que não tinha dinheiro para ir a um salão de beleza, cuidar de si mesma, mas que gostaria de seguir tudo quanto eu havia lhe dito naqueles dias. 380


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Dei-lhe algumas aulas de finanças domésticas. Perguntei quem fazia o supermercado, se era por semana ou por mês. Ela respondeu que seu marido lhe dava o dinheiro das compras, toda semana, antes de ir para a fazenda, onde passava a maior parte do seu tempo, no interior, cuidando dos negócios, e que só retornava aos sábados, dizendo-se sempre estar cansado ou com dor de cabeça... Ah, essa tal dor de cabeça, esconde tantas coisas; os homens também tinham aprendido sobre isso para justificar seu desinteresse pelo outro. Então, ensinei-lhe como fazer a feira mais barata, sem que nada faltasse, para que ninguém percebesse o que estava ocorrendo, fazendo economia, para seus gastos pessoais.

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Ela passou a fazer suas compras numa feira livre, nas imediações da rua onde morava. Passou a pedir descontos nos produtos, quando fazia suas compras, a ir para a feira muitas vezes na hora da “xepa”, quando tudo é mais barato. Verificou que sobrava dinheiro, estava economizando entre 30% a 40% do dinheiro que seu marido lhe dava para as compras. Tempos depois, quando já tinha uma boa reserva financeira, e se aproximava o dia do aniversário do seu marido, com o dinheiro das economias que houvera feito na feira, saiu pela tarde, foi a um salão de beleza, cortou e tingiu os cabelos, colocou algumas mechas diferentes entre eles e pintou os olhos. Fez como se diz entre as mulheres: “caras e bocas”. Depois, foi a uma loja de roupas femininas onde tomou um verdadeiro “banho de loja”; comprou um vestido bonito que lhe fazia transparecer suas formas físicas. Como o dinheiro ainda sobrava, procurou comprar um perfume de sua época de juventude que seu marido tanto gostava, mas que não usava há muito tempo. 381


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Preparada, voltou para casa. Antes passou na casa de uma senhora que fazia doces e salgados e comprou o necessário, inclusive uma torta para comemorar o aniversário dele, naquela noite; ele já tinha avisado que gostaria de passar aquele dia em casa com os filhos. Cerveja no congelador para ficar no ponto, sem congelar; era esse o segredo que também lhe ensinei. E muito refrigerante. Ela convidou os pais de seu marido, irmãos e amigos próximos. Pediu ao filho mais velho que cuidasse do pai quando ele chegasse, pois nesse horário estaria tomando um gostoso banho. Nessa arte e engenho as mulheres são insuperáveis. Na hora do aniversário, o marido presente, mesa pronta, todos em volta, e ela sem aparecer. Mais do que de repente, ali estava, roupa nova, perfume diferente exalando no ar. Estava pronta para uma grande festa. E como estava bonita. Ao chegar, trouxe a cerveja mais gelada para o marido e um pratinho com vários salgadinhos, entregando-lhe com um grande sorriso. Sentado, ele estava atônito; era como se não conhecesse aquela mulher, como se ela fosse outra pessoa; tão distinta, e como estava bonita e cheirosa. Muito provocante, assim ele a sentiu. Ela foi o centro das atenções naquela noite, com cruzadas de pernas que ressaltavam suas ainda bonitas formas... Ao final do aniversário, todos foram para suas casas. Na hora de dormir, ele tomou um banho e deitou-se na cama do casal, como se esperasse um milagre acontecer. A luz estava em penumbra; eis que sua esposa chega ainda mais bonita, perfumada, roupa de dormir nova em folha, bem provocante... Passados alguns dias, ele retornou ao escritório, contando a história do seu aniversário, que estava feliz, que havia brigado com a menina, pois a tinha visto de conversa com um jovem 382


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cabeludo e de sua idade, e percebeu que tudo não tinha passado de uma paixão como eu havia lhe dito, e que tinham terminado o relacionamento, e que ele resolvera salvar seu casamento. Assim é a paixão; um dia acaba da mesma forma como começa. Houve, no caso um ‘ploc’, como o explodir de um balão de soprar, desses que as crianças brincam em festas de aniversário. Ficou só a lembrança, uma lição de vida, nada mais. Perguntou sobre meus honorários: nada lhe cobrei, também estava feliz com aquele final... O casamento havia sido preservado. O bom senso e a razão, aliados a sentimentos hibernados pelo tempo, haviam restaurado aquele amor que se encontrava adormecido no casal, e, quando estes revitalizaram o amor, que pensavam estar morto, estava adormecido e fluiu, acordou, vencendo uma paixão momentânea, que nada construía, naquele caso. Deram a volta por cima, reescrevendo sua história e isso me fez feliz... E lá se vão tantos anos, e essa é uma das boas lembranças da profissão de advogado.

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Este livro foi editado pela C&L Editora e Projetos Grรกficos Ltda. e foram usadas as fontes: Garamond, Birch Std, Zurich e Arial. Impresso em off-set pela Grรกfica J. Andrade, papel supremo LD 300g (capa) e papel pรณlen soft LD 80g (miolo).

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