Ortopedia Deformidades angulares de esqueleto apendicular em cães – revisão Angular appendicular skeletal deformities in dogs – review Desvíos angulares de los miembros en perros – revisión Clínica Veterinária, Ano XXIII, n. 135, p. 38-47, 2018
Fernando B. da Silva Sobrinho
Resumo: Desvios angulares e rotacionais dos membros locomotores são condições ortopédicas comuns em cães. Essas deformidades são mais comumente descritas em rádio e ulna de animais da espécie canina, tendo como principal etiologia o traumatismo local, levando à interrupção do crescimento da ulna, ao tempo em que o rádio continua o crescimento. Esta revisão busca mostrar a importância do planejamento cirúrgico nas deformidades angulares, por meio da metodologia do centro de rotação da angulação (Cora), bem como da aplicação das principais técnicas de osteotomias corretivas. As osteotomias corretivas e a fixação de seus fragmentos são técnicas de tratamento relativamente complexas e eficientes na correção de desvios angulares e rotacionais. Unitermos: cirurgia, ortopedia, diagnóstico, osteotomia
MV, residente FMVZ/Unesp-Botucatu fernando-medvet@hotmail.com
Durval Baraúna Júnior MV, mestre, dr., prof. adj. Univasf-Petrolina durvalbarauna@hotmail.com
Cássia Regina Oliveira Santos Médica veterinária HVU/Univasf-Petrolina cassia.santos@univasf.edu.br
Luis Gustavo G. Gonçalves Dias MV, mestre, dr., prof. assist. FCAV/Unesp-Jaboticabal gustavogosuen@gmail.com
Matheus Pinho de Carvalho Xisto MV, aluno de mestrado Univasf-Petrolina matheus.xisto@yahoo.com.br
Bruno Martins Araújo MV, mestre, dr. HVU/UFPI-Teresina bmaraujo85@hotmail.com
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Abstract: Angular and rotational limb deformities are common orthopedic disorders in dogs. These deformities are more commonly seen in the radius and ulna of dogs. The leading cause is local trauma to the distal growth plates of these bones, resulting in interruption of ulnar growth with continued radius growth. Corrective osteotomies with adequate bone fixation are relatively complex but highly successful techniques in the treatment of angular and rotational deviations. This review highlights the importance of surgical planning using the angular rotation center (Cora) methodology in the treatment of angular deformities. Main techniques of corrective osteotomies are reviewed. Keywords: surgery, orthopedics, diagnosis, osteotomy Resumen: Los desvíos angulares y rotacionales de los miembros locomotores son condiciones ortopédicas comunes en los perros. Estas deformaciones se describen con mayor frecuencia en radio y ulna y su origen más común es el trauma local, que provoca la interrupción en el crecimiento del cubito mientras el radio continúa su proceso de crecimiento normal. Esta revisión de la literatura pretende mostrar la importancia del manejo quirúrgico de los desvíos angulares a través del uso del centro de rotación del ángulo (Cora), así como también la aplicación de las osteotomías correctivas. Este tipo de osteotomías y la fijación de los fragmentos son técnicas de relativa complejidad, siendo eficientes para la corrección de los desvíos angulares y rotacionales. Palabras clave: cirugía, ortopedia, diagnóstico, osteotomía
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Introdução As deformidades angulares e rotacionais (DARs) são consideradas afecções cirúrgicas complexas na medicina veterinária de pequenos animais. As deformidades anatômicas de crescimento do antebraço são os tipos mais comuns de deformidades no cão. Existe um fator genético associado às raças com deformidades específicas, tais como valgo do carpo em springer spaniels inglês e genu valgum em dogue alemão, além de deformidades de crescimento herdadas, como as que têm sido relatadas na raças labrador retriever, basset hound, bulldog inglês e dachshund 1. As deformidades podem ser descritas como angulares (flexão), rotacionais (torção) ou a combinação de ambas, sendo caracterizadas como focal ou multifocal (Figura 1) e afetando significativamente toda a extensão óssea 1. Normalmente, os sinais clínicos nos pacientes com fechamento prematuro parcial ou completo das fises incluem claudicação, membro encurtado, deformidade angular, valgo (que é a angulação lateral do segmento distal do osso) ou varo (angulação medial do osso), rotação, desconforto, crepitação e amplitude de movimento restrita 2.
Figura 1 – Desenho esquemático ilustrando deformidades radiais multifocais em membro torácico de animal da espécie canina. Mensurações dos Coras do rádio
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Principais causas de desvios angulares Embora as fraturas do terço distal do rádio e da ulna, em cães esqueleticamente imaturos, em geral cicatrizem rapidamente, uma complicação potencial de tais fraturas é o fechamento prematuro da placa de crescimento ulnar distal 7. As deformidades de crescimento ósseo do antebraço de animais da espécie canina são decorrentes da fusão prematura em qualquer uma das três epífises: ulnar distal, radial distal ou radial proximal 8. Quando a deformidade está localizada na epífise ulnar distal, frequentemente apresenta uma lesão de Salter-Harris tipo V, resultando no fechamento fisário completo 4. As deformidades adquiridas estão associadas a traumatismos, dietas ricas em cálcio que ocasionam alterações no desenvolvimento ósseo, exercícios 40
excessivos e consolidação inadequada de fraturas 9. As deformidades de crescimento ósseo do membro torácico dos cães ocorrem mais frequentemente em consequência da fusão da epífise distal da ulna (Figura 2), pois sua configuração cônica, com metáfise pontiaguda projetando-se em um recesso epifisário, a torna mais suscetível às fraturas de Salter-Harris do tipo V 10. Estes tipos de deformidades são particularmente graves, pois essa fise contribui com 75% a 85% do crescimento longitudinal da ulna 1. Essas alterações são responsáveis pela apresentação de certas afecções, como a subluxação da ulna 8. Distúrbios de crescimento fisário do membro pélvico são raramente relatados na literatura veterinária, sendo que 12% afetam os membros pélvicos e apenas 4% envolvem a tíbia 11. A etiologia desta deformidade esquelética é o crescimento assimétrico fisário distal 12. Diagnóstico O exame radiográfico é o método de imagem mais comumente utilizado para determinar a presença de deformidades ósseas e uma possível degeneração articular 13. Muitos animais apresentam deformidade angular unilateral de membro. Assim, uma imagem radiográfica com bom posicionamento do membro, bem como a radiografia do membro contralateral, devem ser consideradas para comparação e posterior avaliação de alterações radiográficas mais importantes para um correto planejamento Fernando B. S. Sobrinho
O fechamento prematuro da fise ulnar distal e as deformidades subsequentes são as complicações mais frequentes das lesões fisárias do membro torácico, representando 83% dos distúrbios de crescimento nos membros anteriores em cães 2,3. Nos casos em que se apresentam deformidades angulares, pode ocorrer crescimento excessivo compensatório da fise restante no osso afetado ou na fise do osso longo adjacente. A sobrecarga desigual das articulações pode resultar em desenvolvimento anormal, como acontece na hipoplasia do côndilo femoral, que predispõe à ruptura do ligamento cruzado cranial (RLCC) e a lesão meniscal, que são possíveis sequelas à carga anormal nos joelhos e que geram inevitavelmente, dor, incongruência articular, instabilidade articular, osteoartrite secundária e encurtamento do membro 1. As deformidades podem resultar de anomalias do crescimento (fechamento fisário prematuro) ou de má união de fraturas, induzindo consideráveis problemas funcionais nos membros, como subluxação, claudicação, osteoartrite e dor, sendo classificadas como valgo, varo, antecurvado e recurvado, podendo ocorrer alterações rotacionais e translacionais 4. Por meio da metodologia de estudo baseado no Cora, torna-se possível classificar as deformidades com base no seu plano frontal, verificando a presença ou a ausência de deformação do plano sagital e transversal 3-5. Várias estratégias operatórias têm sido propostas objetivando a correção anatômica do membro. A correção cirúrgica tem sido recomendada para melhorar a funcionalidade do membro e a aparência estética e minimizar a ocorrência de osteoartrite 6. O propósito do presente trabalho é caracterizar as deformidades angulares em cães e os métodos de estudo para classificá-las, ressaltando a importância do planejamento cirúrgico correto, bem como os principais métodos de tratamento em cães, no intuito de fornecer subsídios ao médico veterinário para que as melhores técnicas sejam empregadas a fim de corrigir as deformidades apresentadas pelos pacientes.
Figura 2 – Desenho esquemático de deformidade de crescimento ósseo do antebraço de animal da espécie canina. A) Fusão da epífise distal da ulna e linha de crescimento regular da epífise distal do rádio. B) Forças mecânicas vetoriais exercidas no osso gerando deformidade angular
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cirúrgico 1,14. Esse método utiliza os referidos termos para descrever o sentido de angulação em cada um dos planos (varo e valgo para o plano frontal, procurvatum e recurvatum no plano sagital) e torção interna e externa para o plano axial 14. O ângulo de anteversão do colo do fêmur pode ser definido como o ângulo formado entre o plano dos côndilos femorais e um plano passando através do centro do colo e cabeça femoral. Pode ser determinado com o uso de tomografia computadorizada (TC), radiografia axial ou fluoroscopia 14. Os valores relatados para o ângulo de anteversão são bastante amplos, variam entre os estudos publicados e não há valores normais determinados para raças específicas, sendo que a média relatada em um estudo é de 27 graus, podendo ter variações de 12 a 40 graus 15. A tomografia computadorizada (TC) proporciona imagens transversais do membro em todos os eixos, e vários segmentos podem ser reconstruídos para melhorar a visibilização da imagem tridimensional do membro. Ela fornece importantes informações adicionais em comparação com a radiografia convencional 1. Para quantificar com maior precisão a magnitude das deformidades consideradas graves, a TC permite a reconstrução volumétrica, tornando-se uma opção mais desejável para o planejamento pré-cirúrgico 5,16. A modelagem estereolitográfica (impressão em 3D) de ossos acometidos fornece oportunidade de estudo para o cirurgião planejar e fazer um ensaio do procedimento cirúrgico em uma réplica exata do osso deformado, o que permite melhorar a precisão e reduzir a morbidade dos pacientes e o tempo cirúrgico 1,14,16,17.
Planejamento cirúrgico baseado no Cora A primeira etapa para avaliar um osso consiste na determinação dos eixos. Definidos como anatômicos ou mecânicos, os eixos podem ser estabelecidos para um membro ou para determinado osso 21. O eixo mecânico é definido como uma linha reta que liga o centro das articulações distais e proximais do osso nos planos frontal ou sagital, enquanto o eixo anatômico é definido como a linha que passa pelo centro do osso através das epífises, metáfises e diáfise do osso longo nos planos frontal ou sagital 18. Comumente, o eixo anatômico é facilmente utilizado para avaliar os ossos que são normalmente retos em um determinado plano (por exemplo, o rádio canino no plano frontal), sendo o eixo mecânico mais utilizado em ossos longos normalmente curvos no plano frontal; ambos fazem interseção com as linhas de orientação articular, que representa a orientação de dois pontos anatômicos de uma articulação em um plano, tendo como função determinar desvios anatômicos 14 (Figuras 5). Fernando B. S. Sobrinho
Definição do centro de rotação da angulação (Cora) A metodologia Cora foi adaptada primeiramente a partir da medicina humana e começou a ser aplicada a cães para fornecer um sistema de classificação das deformidades angulares e planejamento pré-operatório. O centro de rotação da angulação (Cora) tem como definição, um sistema pelo qual é possível avaliar ossos longos quanto à deformidade angular de acordo com a orientação articular 14. O Cora permite a identificação da deformidade e planejamento cirúrgico pré-operatório, de forma a identificar o local e a magnitude da(s) deformidade(s) angular(es) 14. A radiografia é o método mais utilizado de triagem de investigação das deformidades de crescimento. O RX permite avaliar o centro de rotação de angulação ou Cora 1. Para a determinação do Cora são realizadas radiografias ortogonais (de 90° de uma em relação à outra) que priorizam o alinhamento das articulações, uma vez que a orientação delas é o ponto a partir do qual o alinhamento ósseo e do membro é determinado pelos eixos que formam os ângulos estudados. Algumas raças, como labrador retriever, golden retriever e rottweiler apresentam valores estabelecidos 18,19. Um osso identificado com dois Coras é classificado
como deformidade biapical (Figura 3A), e se existirem mais de dois Coras, a deformidade é considerada multiapical 5 (Figura 3B). Se dois eixos em um osso têm direções opostas, ou seja, não convergem como representado pelas linhas vermelha com seta da figura 4A, a deformidade é classificada como parcialmente compensada; e se os eixos têm a mesma direção, ou seja, se eles se cruzam em um determinado ponto, a deformidade é classificada como não compensada 20 (Figura 4B). Quando dois eixos Coras, representados na figura 4C pelas linhas vermelhas, não se cruzam dentro dos limites corticais do osso, devem-se determinar eixos adicionais (linha azul) para classificar a deformidade 20.
Figura 3 – Desenhos esquemáticos classificando a deformidade angular em biapical (A) e multiapical (B)
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Figura 4 – Desenhos esquemáticos classificando a deformidade angular em parcialmente compensada (A) e não compensada (B). Deformidade biapical parcialmente compensada com varo proximal e valgo distal (C). Deformidade valgo biapical não compensado (D). A linha azul representa eixos adicionais
Figura 5 – Imagem radiográfica de cão, ilustrando as diferenças entre eixo anatômico e eixo mecânico. E) fêmur esquerdo, a linha vermelha representa o eixo anatômico; linha que passa pelo centro do osso através das epífises, metáfises e diáfise do osso longo. D) fêmur direito, a linha vermelha representa o eixo mecânico determinado pela linha que corre do centro da cabeça femoral para o centro dos côndilos femorais
Úmero Poucas são as informações disponíveis relativas à avaliação da deformidade do úmero de animais da espécie canina 19. Um estudo estabeleceu um método de determinação do eixo ósseo, a linha de orientação comum e os valores reportados para os ângulos de orientação articular distal no plano frontal 23. O eixo mecânico é elaborado a partir do centro da cabeça umeral para o centro do côndilo umeral, e assim o ângulo umeral distal lateral mecânico (mLDHA) é mensurado 23. 42
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Rádio O eixo anatômico é determinado por meio de uma linha que inicia a partir da linha de orientação articular, atravessando o rádio e seguindo pela região metafisária e diafisária, sendo os ângulos medidos para as extremidades proximais e distais do rádio, ângulo radial proximal medial anatômico (aMPRA) e ângulo radial distal lateral anatômico (aLDRA) (Figuras 6), no plano frontal e no plano sagital. O rádio tem um procurvatum fisiológico; como resultado, são necessárias duas linhas de eixos para determinar o eixo anatômico, sendo uma para a metade proximal do osso que forma o ângulo radial proximal caudal anatômico (aCdPRA) e outra para a metade distal do osso que forma o ângulo radial distal caudal anatômico (aCdDRA) 5,22 (Figura 7).
Figura 6 – Imagem radiográfica de um rádio de cão ilustrando o eixo anatômico; os ângulos medidos nas extremidades proximal e distal do rádio são o ângulo radial proximal medial anatômico (aMPRA) e o ângulo radial distal lateral anatômico (aLDRA), nos planos frontal e sagital
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Figura 8 – Desenho esquemático ilustrando o eixo anatômico determinado por uma linha ao longo do fêmur que conecta pontos selecionados na diáfise em 33% e 50% Fernando B. S. Sobrinho
Figura 7 – Imagem radiográfica em projeção médiolateral de cão ilustrando o rádio com deformidade angular devido ao fechamento prematuro da linha de crescimento da epífise distal da ulna (cabeça de seta). Determinação do eixo anatômico, sendo um para a metade proximal do osso, formando o ângulo radial proximal caudal anatômico (aCdPRA), e outro para a metade distal do osso, formando o ângulo radial distal caudal anatômico (aCdDRA)
Fêmur Um método padronizado de avaliação do fêmur de animais da espécie canina no plano frontal tem sido descrito na literatura 24. Semelhante aos outros ossos longos, o fêmur deve ser posicionado em projeção craniocaudal e paralelo à mesa para ser medido com precisão, sendo o eixo anatômico determinado pela linha que conecta pontos selecionados em 33% e 50% abaixo da porção proximal do colo do fêmur, entre as duas corticais desse osso 25 (Figura 8). As características de bom posicionamento do fêmur para calcular os ângulos incluem a visibilização da fossa intercondilar e do osso sesamoide, que se situa na cabeça lateral do músculo gastrocnêmio, e leve protrusão do trocânter menor 26 (Figura 9). Tíbia Para avaliação no plano frontal, o cão deve estar em decúbito dorsal, com o fêmur, a patela, o tendão patelar, a tuberosidade tibial e o eixo longo da tíbia orientados paralelamente à mesa de radiografia, o que permite uma adequada avaliação de deformidades angulares 27. A concavidade do côndilo tibial medial e lateral é usada como referência anatômica para a linha de orientação comum da tíbia proximal 19. No plano sagital, os pontos estabelecidos 44
Figura 9 – Imagem radiográfica em projeção ventrodorsal de cão, ilustrando características de bom posicionamento do fêmur para calcular os ângulos (a linha vermelha representa o eixo anatômico). Visibilização da fossa intercondilar (seta maior), osso sesamoide que se situa na cabeça lateral do músculo gastrocnêmio (cabeça de seta) e leve protrusão do trocânter menor (seta menor)
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para a formação da linha de orientação comum da tíbia proximal são a epífise cranial e a epífise caudal do côndilo tibial medial. O eixo mecânico no plano sagital é determinado pelo ponto médio entre os ápices das duas eminências intercondilares da tíbia e o centro do círculo criado no tálus 19 (Figura 10).
para cães imaturos, com deformidades de crescimento ósseo. Deve-se considerar ainda a importância de um diagnóstico precoce, já que tanto o diagnóstico como o tratamento rápido podem evitar a gravidade em relação ao progresso da deformidade 1. As osteotomias são classificadas em cunha aberta, cunha fechada, circular e em cúpula 19, sendo as osteotomias em cúpula consideradas as que oferecem maior dificuldade de execução técnica 1. A osteotomia em cunha fechada (Figura 12A) se faz com base na angulação do eixo de correção na superfície convexa do osso, exigindo a retirada de fragmento ósseo em formato de cunha para reangular os dois segmentos. Esta técnica é ideal para a aplicação de placa óssea e parafusos, obtendo compartilhamento de carga, porém ocorrerá encurtamento ósseo após a osteotomia. Em casos em que o ângulo não parece estar correto no momento da cirurgia, serão necessárias osteotomias adicionais para corrigir qualquer deformidade residual. As osteotomias transversais são indicadas para a correção de deformidades rotacionais na ausência de uma deformidade angular 1,2. A osteotomia em cunha aberta (Figura 12B) é feita com base na angulação do eixo de correção, criando lacuna óssea (gap ósseo) na superfície côncava do osso para reangular os dois segmentos. Utilizam-se placa e parafuso, entre outros implantes, para correções agudas, ou fixador esquelético externo circular para correção progressiva (que pode ser considerada menos invasiva) 19. As vantagens da técnica da cunha aberta incluem sua versatilidade e facilidade de conclusão 19.
Osteotomias corretivas Devem ser realizadas no ponto de máxima curvatura (obtido pelo Cora), a fim de conseguir o melhor ajuste das superfícies articulares e o alinhamento do membro 1. Um problema encontrado no planejamento de osteotomias corretivas (Figura 11) é a quantificação da deformidade angular 28. A avaliação da deformidade requer conhecimento profundo do alinhamento anatômico normal e rotacional, sendo geralmente o membro contralateral usado como referência, correlacionando às radiografias, para melhor avaliação das deformidades 29. Os principais questionamentos do ponto de vista do cirurgião, no que se refere ao planejamento cirúrgico de cães adultos com deformidade angular e rotacional, são 1: • Quando uma osteotomia corretiva deve ser realizada ? • Que tipo de osteotomia deve ser realizado (em cunha, circular ou em cúpula) ? • Qual o grau de correção angular e/ou rotacional necessário ? • A deformidade deve ser corrigida em um tempo cirúrgico (ex.: placa e parafusos) ou de maneira progressiva (ex.: fixador externo circular de Ilizarov) ? • Qual o local exato da osteotomia ? Esses questionamentos devem ser relevantes também
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Figura 10 – Imagem radiográfica em projeção médiolateral ilustrativa do eixo mecânico no plano sagital (linha vermelha), determinado pelo ponto médio entre os ápices das duas eminências intercondilares da tíbia e o centro do círculo criado no tálus canino
Figura 11 – Imagem radiográfica (projeção craniocaudal). Evidencia-se a representação do planejamento de osteotomia corretiva em cunha no fêmur distal direito; (⺠= ângulo em graus), identificação do ângulo de exérese óssea em graus, por meio do eixo anatômico (linha branca) e da linha de orientação comum; (c = cunha), localização lateral da cunha para ostectomia parcial do fêmur, sendo o â° = c
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Figura 12 – Desenho esquemático ilustrativo simplificando o passo a passo da osteotomia em cunha fechada (A) e cunha aberta (B) para correção de deformidade varo distal femoral. Estabilização realizada com placa bloqueada de contato limitado e parafusos
A popularização das osteotomias circulares ocorreu com o advento do procedimento de osteotomia de nivelamento do platô tibial, quando comercialmente as lâminas de serra cilíndrica se tornaram disponíveis no mercado. Esse fator trouxe facilidade para o cirurgião, devido à versatilidade na correção angular sem a necessidade de cortes adicionais, bem como a manutenção do comprimento do osso, aposição e excelente resistência a cargas de cisalhamento – porém, com desvantagem na correção angular, por ser essa operação realizada somente em um único plano 19. A osteotomia circular apresenta limitações quando a deformidade angular estiver associada a desvios rotacionais e torções, sendo necessária uma osteotomia transversal para a rotação do fragmento antes da fixação com placas 30. Já a osteotomia em cúpula permite correção em três planos com uma simples operação, pois não há alteração de comprimento do membro, promovendo boa aposição óssea e rápida cicatrização; a desvantagem consiste na utilização limitada em ossos não uniformes 19. Métodos de estabilização A seleção do método de fixação baseia-se em vários fatores, como características do osso afetado, localização, número e tipo de osteotomias requeridas, idade do paciente, se o alongamento do osso é necessário, grau de contratura simultânea dos tecidos moles e a preferência do cirurgião 19. Para as deformidades angulares e rotacionais dos membros, existem diversos relatos que descrevem a utilização de diferentes modalidades de fixação, incluindo a fixação 46
interna com placas ósseas 31, fixadores esqueléticos externos lineares 32-34, fixadores esqueléticos externos circulares 35,36 e híbridos 37. Considerações finais As deformidades angulares e rotacionais do crescimento ósseo são relativamente frequentes na rotina clínica cirúrgica de cães e podem resultar de anomalias do crescimento (fechamento fisário prematuro), induzindo consideráveis problemas funcionais nos membros 1. Quando diagnosticadas e tratadas precocemente, evita-se uma série de alterações ósseas e articulares que repercutem na qualidade de vida do paciente 1. O centro de rotação da angulação Cora, método alternativo de classificação e investigação das DARs, constitui método padronizado de planejamento cirúrgico baseado em radiografias criteriosas e nomenclatura universal 14. As osteotomias corretivas e a fixação de seus fragmentos são técnicas de tratamento relativamente complexas e eficientes para os desvios angulares e rotacionais decorrentes principalmente do fechamento prematuro da epífise distal da ulna 16. Vários tipos de implantes ainda têm sido desenvolvidos e melhorados a fim de serem utilizados por cirurgiões veterinários; no entanto, nenhum deles é totalmente perfeito, e cada um apresenta vantagens e desvantagens em sua utilização 1. Vale salientar que a taxa de sucesso cirúrgico está fortemente correlacionada à habilidade e à experiência do cirurgião com as deformidades angulares. Referências 01-McKEE, M. Growth deformities of the long bones in dogs. In Practice, v. 32, n. 7, p. 282-291, 2010. doi:10.1136/inp.c3914. 02-PIERMATTEI, D. L. ; FLO, G. L. ; DeCAMP, C. E. Correções de crescimento e consolidação ósseas anormais. In:___. Ortopedia e tratamento de fraturas de pequenos animais. 4. ed. Barueri: Manole, 2009. p. 850-880. ISBN: 978-85-204-2705-7. 03-O´BRIEN, T. R. ; MORGAN, J. P. ; SUTER, P. F. Epiphyseal plate injury in the dog: a radiographic study of growth disturbance in the forelimb. Journal of Small Animal Practice, v. 12, n. 1, p. 1936,1971. doi: 10.1111/j.1748-5827.1971.tb05631.x. 04-JOHNSON, A. L. Tratamento de fraturas específicas. In: FOSSUM, T. W. Cirurgia de pequenos animais. 4. ed. Rio de Janeiro: Mosby Elsevier, 2014. p. 1106-1214. ISBN: 978-85-352-6991-8. 05-KNAPP, J. L. ; TOMLINSON, J. L. ; FOX, D. B. Classification of angular limb deformities affecting the canine radius and ulna using the center of rotation of angulation method. Veterinary Surgery, v. 45, n. 3, p. 295-302, 2016. doi: 10.1111/vsu.12460. 06-RADASCH, R. M. ; LEWIS, D. F. ; McDONALD, D. E. ; CALFEE, E. F. ; BARSTAD, R. D. Pes varus correction in Dachshunds using a hybrid external fixator. Veterinary Surgery, v. 37, n. 1, p. 71-81, 2008. doi: 10.1111/j.1532-950X.2007.00350.x. 07-DENNY, H. R. ; BUTTERWORTH, S. J. Rádio e ulna. In:___. Cirurgia ortopédica em cães e gatos. 4. ed. São Paulo: Roca, 2006. p. 300-315. ISBN: 978-85-7241-644-3. 08-EGGER, E. L. Fraturas do rádio e ulna. In: SLATTER, D. H. Manual de cirurgia de pequenos animais. 3. ed. São Paulo: Manole, 2007. p. 2057-2079. ISBN: 978-8520422724. 09-JOHNSON, A. L. Fundamentos de cirurgia ortopédica e tratamento
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