lesões que sugerissem complicações associadas à doença ou que pudessem estar relacionadas à sua patogênese. Os cães foram classificados apenas como macho ou fêmea – independentemente de serem castrados ou não –, e suas faixas etárias foram computadas, de acordo com a literatura internacional 11,12, em: filhotes (até um ano de idade), adultos (de um a nove anos de idade) e idosos (dez anos de idade ou mais). Para isso, foi realizada uma média dos valores limítrofes de idade descritos para cada porte de cão. Apenas os cães de raças puras foram classificados pelo porte. Conforme a confederação cinológica internacional, o porte do cão pode ser determinado pela raça ou pelo peso corporal 13, mas o peso não constava em nenhum dos protocolos revisados. Resultados Nos arquivos do LPV-UFSM que abrangiam o período de janeiro de 1965 a dezembro de 2004, foram encontrados 4.844 protocolos de necropsia de cães. Desses, 56,5% correspondiam a cães
machos e 43,5% a fêmeas. Do total de cães, 37,8% foram incluídos como filhotes, 43,2% como adultos e 19,0% como idosos. Em relação às raças, 46,5% não tinham raça definida e 53,5% eram de raça pura. A partir das raças informadas nos protocolos, esses cães foram distribuídos, conforme o porte, em grandes (58,3%), pequenos (24,8%), gigantes (10,1%) e médios (6,8%). Dos 4.844 protocolos de necropsia, 159 (3,3%) apresentavam evidências de
morte natural ou por eutanásia em decorrência de alguma doença cardíaca; destas, 72 (45,3%) foram diagnosticadas como endocardite valvar. Dos 72 cães com endocardite, 50 (69,4%) eram machos e 22 (30,6%) fêmeas. A idade dos cães afetados variou de quatro meses a 17 anos; três (4,2%) eram filhotes, 36 (50,0%) eram adultos e 33 (45,8%) eram idosos. Trinta e três desses cães (45,8%) não tinham raça definida e 39 (54,2%) eram de raças puras: pastor alemão (11/39 [28,2%]), pointer (6/39 [15,4%]), collie (6/39 [15,4%]), dogue alemão (5/39 [12,8%]), doberman (5/39 [12,8%]), São Bernardo (1/39 [2,6%]), fila brasileiro (1/39 [2,6%]), cocker spaniel (1/39 [2,6%]), dogue de bordeaux (1/39 [2,6%]), pequinês (1/39 [2,6%]) e terrier brasileiro (1/39 [2,6%]) (Figura 1). Figura 1 - Distribuição de freqüência (em %) das raças de cães com endocardite valvar Assim, dos 39 cães de
Dos 4.844 protocolos de necropsia avaliados, o número de cães machos era superior ao número de fêmeas, em uma relação da ordem de 1,3:1. Já em re la ção à endocardite, os machos foram afetados 2,3 vezes mais do que as fêmeas. A maior predisposição de cães machos a essa doença já havia sido descrita 4,16,17, embora não tenha sido atribuída a alguma causa específica. É interessante observar que a incidência dos distúrbios ginecológicos ou andrológicos exsudativos foi muito semelhante neste estudo (14,0% versus 18,6%, respectivamente), o que exclui o foco inflamatório primário como fator de predisposição de cães machos à endocardite. Os cães com endocardite deste estudo inseriam-se em diferentes faixas etárias, mas a grande maioria era constituída por animais adultos (50%) e idosos (45,8%). Dessa forma, embora a endocardite possa acometer pacientes de qualquer idade, a predisposição para a doença é maior em cães idosos, principalmente quando se considera que estes representavam apenas 19% da população total dos 4.844 cães avaliados. Além disso, como os cães com menos de um ano de idade correspondiam a 37,8% de todos os indivíduos deste levantamento, o fato de a doença ter sido diagnosticada em filhotes em apenas 4,2% dos casos sugere que, nessa faixa etária, a endocardite é pouco prevalente, embora
filhotes com estenose subaórtica sejam mais predispostos a desenvolvê-la 17,18,19. Dos 72 cães com endocardite avaliados, 39 (54,2%) eram de raças puras e 33 (45,8%) não tinham raça definida, ou seja, uma relação de 1,2:1. Entretanto, embora possa parecer que essa pequena diferença seja significativa, cabe lembrar que 53,5% dos 4.844 cães que compunham a população eram de raças puras, o que resulta em uma relação idêntica à anterior, qual seja, de 1,2:1. Um fato interessante, e que vai ao encontro do que é descrito na literatura internacional 4,16,17,20 e nacional 21 é que, quando considerados apenas os cães de raças puras, 92,3% da população com endocardite estudada pertencia a raças consideradas grandes ou gigantes. Os sinais clínicos apresentados pelos 72 cães com endocardite valvar avaliados neste estudo retrospectivo são muito similares àqueles constantes da literatura internacional 1,2,4,8,9,10, mas a prevalência de sopro cardíaco (37,5%) foi muito mais baixa do que a prevalência relatada em outro grande estudo (74,0%) 1. Embora não se possa determinar com certeza o motivo real de tal achado, é bastante provável que boa parte desses cães não tenha sido devidamente avaliada no que tange aos aspectos cardiológicos do exame clínico. Um fato que vai ao encontro dessa hipótese é que em nenhum desses 72 cães havia suspeita clínica de endo-
cardite valvar. A maioria dos estudos sobre endocardite valvar nas diferentes espécies animais demonstra que as valvas do lado esquerdo do coração são mais freqüentemente afetadas do que aquelas do lado direito 4,21,22,23, mesmo porque o lado esquerdo do coração apresenta maior pressão e, conseqüentemente, aumenta a possibilidade de dano endotelial 5. Além disso, a maior predisposição das valvas atrioventriculares – em relação às valvas semilunares – para desenvolver a lesão é nítida 20. Diferentemente do que ocorre nas outras espécies, nos bovinos, a endocardite é mais comum na valva tricúspide do que na mitral 24. No que se refere às valvas afetadas nos 72 cães com endocardite aqui descritos, a prevalência é muito semelhante àquelas constantes da literatura 1,2,4,14,16,20,25. Durante muitos anos, foi postulado que a IVC decorrente de endocardiose 5 ou de anomalias valvares congênitas 4,17 predispunham os cães a desenvolver endocardite. Entretanto, há um estudo 1 no qual não foi encontrada qualquer correlação entre endocardite e IVC, ou entre endocardite e valvopatias congênitas, embora seja bem estabelecido que cães com estenose subaórtica 17,18,19 e, menos comumente, com ducto arterioso persistente 8, desenvolvem endocardite valvar. Apenas um dos 72 cães com endocardite descritos neste artigo apresentou lesões valvares primárias que pudessem sugerir uma possível
previamente eliminada pelo paciente, que desenvolve o quadro por uma respostaexacerbadaàinfecçãojácontrolada 2. Os relatos existentes na literatura veterinárianãoapontampredisposiçãoà doença relacionada à idade, raça ou sexo 4. Ossinaisclínicossãoascite 1,4,6,11,borborigmos 2, hepatoesplenomegalia 6, emaciação 11 emassapalpávelemabdômen 3,4. Vômito, anorexia e depressão também podem ocorrer 1,3,4,6.A ascite é umsinalmaisfreqüentenoscãesdoque nossereshumanos,nosquaissinaisde obstruçãointestinal(principalmentedor abdominal e vômitos) são mais freqüentes 1,4. Osexamesdeavaliaçãoporimagem, comoasradiografias,aultra-sonografia eatomografiacomputadorizadapodem serúteisnodiagnóstico 3,5,8,9,masalaparotomiaexploratóriaprovêodiagnósticodefinitivo,porquepermiteaobservaçãodosórgãosaderidosentresiecontidosemumabolsamembranosacircundada por fluido. Os exames laboratoriais(hemograma,urináliseebioquími-
ca)quasesempreapresentamresultados normais,excetoseháumagenteinfeccioso envolvido ou o paciente estiver desidratado 1,11. O líquido abdominal apresenta características de transudato modificado 2,4,11,porvezescompresença de macrófagos e células mesoteliais 4,6. Na avaliação histológica do envoltório membranoso,verifica-sequeesteéformado por tecido fibroso compatível à peritonitecrônica 2,3,6,8,10. Otratamentopreconizadoparaaperitoniteencapsulanteemsereshumanos écirúrgico.Otecidoconectivofibrosoé excisado, as aderências são desfeitas e os órgãos abdominais são recolocados emsuaposiçãoanatômicanormal,além da remoção da causa primária, quando houver 1,3,4,9,7.Entretanto,otratamentocirúrgicoparaoscãestemsemostradoinsatisfatório, pois seu sucesso depende da precocidade do diagnóstico, da gravidadedadoençaedograudeaderência entreosórgãosabdominais 1.Alémdisso, são relatadas complicações cirúrgicas, como a contaminação da cavidade peritoneal por perfuração intestinal de-
vido à dificuldade de desfazer as aderências, a sepse e a morte 1,3. Ainda assim,resultadosatisfatóriofoialcançado em um paciente submetido à remoçãoparcialdasaderências,àcolocação de drenos de Penrose e a curativos abdominaiscompressivosparareduziro espaçoformadoapósadrenagemdolíquidoascítico 11. Tambémépossíveltentaraassociação entre o tratamento médico e a administração de fármacos imunossupressores – preferencialmente prednisona–parareduzirainflamação,controlar a ascite e retardar a progressão dadoença 4,7,8,10,12,14.Empacienteshumanos,otratamentocomoutrosfármacos imunossupressores,comootamoxifem ouaazatioprinaapresentoubonsresultados 7,14. Os cães acometidos por essa doença têmumprognósticoruim 1,2,4,6:amaioria delesésubmetidaàeutanásiaemdecorrênciadascomplicaçõescirúrgicasouda asciterecidivante,daemaciaçãoedador abdominal 1,2.Hárelatosdeanimaisque sobreviveramcomboaqualidadedevida