Revista Mediação - Número 18

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ISSN 1808-2564

REVISTA DE EDUCAÇÃO EDITADA E PRODUZIDA PELO COLÉGIO MEDIANEIRA Diretor Pe. Rui Körbes, S.J. Diretor Acadêmico Prof. Adalberto Fávero Diretor Administrativo Gilberto Vizini Vieira Coord. Comunitário e de Esporte Prof. Francisco Alexandre Faigle Coordenação Editorial Nilton Cezar Tridapalli Luciana Nogueira Nascimento (MTB 2927/82v) Revisão Nilton Cezar Tridapalli Projeto Gráfico e Diagramação Sonia Oleskovicz Ilustrações Marcelo Cambraia Sanches Colaboraram nesta edição Adalberto Fávero, Adriana Sartoretto Moreno, Ana Luísa de Siqueira Callegari, André de Meijer, Beatriz Arruda Valença, Carolina Boscarino, Claudia Furtado de Miranda, Felipe Diogo Pedroso dos Santos Chaves, Ilza de Souza Morais, Isadora Souza Rocha, Jean G. Valencia, Larissa da Cunha de Assis, Lethícia S. Gaertner, Mateus Almeida Pedrosa, Natália Sosnitzki da Cunha, Pedro H. Sprenger, Odenir Nadalin Júnior, Otávio Socachewsky, Rosane Cardoso de Araújo. Tiragem 3000 exemplares Papel Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo) Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa) Número de Páginas 48

EQUIPE PEDAGÓGICA Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries Coordenadora Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries Coordenadora Profª Eliane Dzierwa Zaionc Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries Coordenadora Profª Roberta Uceda Ensino Médio Coordenador Prof. Marcelo Pastre Coordenador de Pastoral Pe. Guido Valli, S.J. Coordenador de Midiaeducação Nilton Cezar Tridapalli Assessoria de Comunicação e Marketing Luciana Nogueira Nascimento Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

Linha Verde • Av. José Richa, 10546 Prado Velho • Curitiba • Paraná fone 41 3218-8000/ fax 41 3218-8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

A pesquisa na escola de Ensino Básico – um dialogismo necessário com a realidade em que vivemos Claudia Furtado de Miranda ............................................................................................................ 5

Nanotecnologia e saúde humana Isadora Souza Rocha, Jean G. Valencia, Lethícia S. Gaertner, Natália Sosnitzki da Cunha e Pedro H. Sprenger ....................................................................................................................................... 9

Pré-socráticos Otávio Socachewsky .....................................................................................................................

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Avanços tecnologicos na prevenção e do tratamento do câncer de mama Adriana Sartoretto Moreno ...........................................................................................................

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O Jovem de Curitiba e a política Ana Luísa de Siqueira Callegari, Beatriz Arruda Valença, Felipe Diogo Pedroso Dos Santos Chaves, Larissa da Cunha de Assis e Mateus Almeida Pedrosa ...............................................

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Que corpo é esse? Odenir Nadalin Júnior ...................................................................................................................

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O que fica para toda a vida Carolina Boscarino .........................................................................................................................

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Encontros com o saci-pererê André de Meijer ............................................................................................................................

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Educação e despolitização: um ensaio Adalberto Fávero ..........................................................................................................................

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A música na escola: algumas justificativas Rosane Cardoso de Araújo ...........................................................................................................

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O Natal do Colégio Medianeira Ilza de Souza Morais ......................................................................................................................

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A voz e a vez dos nossos alunos Quando a revista Mediação lançou seu primeiro número (que, curiosamente, chamamos de número 0, por se tratar ainda uma tentativa, uma sondagem para ver se ia dar certo), lá no final de 2004, toda a equipe de articulistas era formada por educadores do Colégio Medianeira. Educadores da instituição falando para pais e alunos, nosso públicoalvo exclusivo de então. Com o passar do tempo, pessoas ligadas a pessoas ligadas ao Medianeira, ex-alunos, instituições de ensino foram conhecendo nossa revista. Fomos formando uma rede maior, que lançava suas teias cada vez mais longe. Além de ampliarmos nosso público leitor, começamos a abrir espaço também para novos articulistas que desejassem discutir educação no seu sentido mais amplo. A partir de então, pais de alunos, educadores de outras instituições, ex-alunos e profissionais de diversas áreas já povoaram nossas páginas espalhando modos de ver o mundo. A expansão não parou por aí. Todos conhecem o ditado “Se cair da rede é peixe”? Em 2009, Mediação virou peixe. Foi parar na internet – em versão integral on-line – dentro de nosso blog (www.midiaeducacao.com.br). Daí para se estender para as redes sociais foi um pulo (ou um mergulho). Já em 2010, cada novo número ia parar no blog, no Twitter e no Facebook. Pessoas de outros estados também já marcaram presença escrevendo para nós. Mas, por que todo esse histórico? Pra dizer que, nesse número 18, mais um personagem importante se junta definitivamente à revista para tecer diálogos com ela: o aluno do Medianeira. Ele já havia aparecido por aqui em algumas edições, mas é que agora mais da metade desse número é composta por textos de alunos. Concessão? Bondade? Nada disso. Nossos alunos suaram a camisa para, ao longo de 2010, pesquisar o mundo a sua volta e tecer conhecimento. Os antigos trabalhinhos escolares são agora pesquisas feitas ao longo de um ano, com linhas de pesquisa e professores orientadores, culminando

com apresentações escritas, em vídeos e exposições orais. Um pequeníssimo recorte dessas pesquisas aparece aqui, neste número 18 de Mediação. Você encontrará artigos feitos a partir do trabalho de pesquisa da instituição e artigos de alunos selecionados pelo PIBIC Jr (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio), que é um programa realizado pela PUCPR. São mostras de que a pesquisa na educação básica é uma realidade não só possível como desejável e fundamental. Além da presença maciça de alunos, um interessante resgate da produção paranaense aparece no artigo sobre o saci-pererê, pássaro que diz muito sobre a relação entre a comunidade de Guaraqueçaba, no litoral paranaense, e sua ligação com o sobrenatural. Também trazemos uma reflexão sobre o processo sistêmico dentro da escola, como ele deve se estabelecer a fim de garantir a humanização do conhecimento e das relações entre as pessoas. Ainda sobre educação escolar, a música marca território, mostrando como o seu ensino pode contribuir para a educação estética e cognitiva dos alunos. A escola, sabemos, é lugar privilegiado para a construção de valores individuais e coletivos, mas isso não significa que seja a única a fazer isso. Em um contexto de mudanças na estrutura das antes sólidas instituições, que papel tem a família no desafio de educar os filhos? Trazemos um artigo sobre essa questão. Por fim, falamos de prejuízos, ou, para esclarecermos mais, falamos de pré-juizos, aquele julgamento que fazemos dos atos e fatos mesmo sem sabermos de detalhes e circunstâncias. Entenda como, juridicamente, não se deve colocar a carruagem na frente dos cavalos. Saiba como a justiça atua para, de fato, fazer justiça. Esperamos que a leitura seja agradável e contribua para a expansão das nossas formas de ver o mundo. Um abraço.

Nilton Cezar Tridapalli

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pesquisa ESCOLA na

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ENSINO BÁSICO – um dialogismo necessário com a realidade em que vivemos

Por Claudia Furtado de Miranda

De certa maneira, conhecer é saber mais do que se vê. É a capacidade de receber e dar sentido, de produzir e de reconstruir novos sentidos e aprendizagens. Assim, a atribuição do sentido social e político ao que se estuda define também a concepção de ciência e de conhecimento que se estabelece no contexto escolar. 5


Mas os caminhos do mundo não estão traçados. Ainda que haja muitos desenhados nas cartografias, emaranhados nos atlas, todo o viajante busca abrir caminho novo, desvendar o desconhecido, alcançar a surpresa ou o deslumbramento. A rigor, cada viajante abre seu caminho, não só quando desbrava o desconhecido, mas inclusive quando redesenha o conhecido. “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”. (Octavio Ianni, 2003, p. 29. Grifo do autor)

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Se todas as formas de vida são dependentes umas das outras, por que não cuidamos de todos os seres vivos? O que existe no fundo da terra e no alto além do céu? Se Deus criou o mundo, quem criou Deus? Como as pessoas chegaram a ser tão diferentes e tão parecidas ao mesmo tempo? O quê? Quando? Como? Por quê? As perguntas impulsionam o ato de desvelamento do mundo em que vivemos e revelam o interesse pelo desconhecimento, em querer saber mais. De certa forma, a pesquisa no contexto escolar pode ser referendada como método de ensino em cuja perspectiva crítico-dialética tanto o professor quanto o aluno são sujeitosautores do processo de investigação e de construção do conhecimento. Neste sentido, o conceito de pesquisa escolar é muito mais amplo que a pesquisa formal/acadêmica (com temas e roteiros) porque trata da atitude de investigação que pode ocorrer durante os estudos que se desenvolvem em uma aula, na leitura de jornais e periódicos, na leitura de um livro de literatura, na pesquisa de um tema em diversas fontes midiáticas... enfim, o campo de pesquisa é amplo e quase sempre começa com uma ou várias perguntas e, nem sempre, se encerra com uma única resposta. A educação pode tornar evidente, no processo de tessitura do conhecimento, o contexto, o global, o multidimensional e o complexo. Num contexto permeado pela crise de identidade, de valores, de modelos, de ética, de mercantilização da educação e de desconstrução das metanarrativas, a responsabilidade dos educadores na formação de alunos reflexivos, indagadores e pesquisadores da realidade em que vivem é imprescindível.

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Deste ponto de vista, aprender e conhecer faz parte da dinâmica de questionar e questionar-se, de argumentar e confrontar o próprio conhecimento com a realidade presente e viva. Isto ocorre pela dialogia pensamento-conhecimento-realidade. A pesquisa em qualquer área do conhecimento e em qualquer etapa da educação é uma grande viagem de desbravamento por entre um conhecimento novo. A realidade1 histórica e social pode, no contexto escolar, fazer parte da reflexão sobre o conhecimento que alicerça os conteúdos das disciplinas. Mesmo que a realidade seja conhecida pelo pesquisador (aluno e professor), a sua incompletude e constante transformação justificam a investigação e demarcam as diferenças e as singularidades do contexto histórico, transformando seus autores pela condição simultânea de objeto e sujeito. O que isto significa? Significa que a pesquisa escolar precisa estar integrada à vida e ao conhecimento, pois “[...] só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, com o que pode, por isto mesmo, reinventálo; aquele que é capaz de aplicar o aprendidoapreendido a situações existenciais concretas” (Paulo Freire 1992, p.27-28). Em outras palavras, não se aprende sem rever aquilo que uma vez foi aprendido e só se aprende desgarrando-se do que já se aprendeu. O dialogismo entre o que se aprende de cada “matéria” com o que se vê, ouve, lê e interage, possibilita tanto para o aluno quanto para o professor a tessitura de significados e de sentidos para o levantamento de hipóteses e de investigações que motivem a pesquisa como meio de compreender a constante tensão entre o singular e o plural, a permanência e a ruptura, a teoria e a prática (práxis), presentes quando procuramos relacionar o conhecimento acadêmico com a realidade histórico-social.


Neste sentido, ensinar e aprender por meio da pesquisa é muito mais abrangente do que o “trabalho de pesquisa”, embora esta experiência pedagógica seja muito importante na união dos encaminhamentos metodológicos e do conhecimento entre as diversas disciplinas e professores de cada série. Do ponto de vista dialético, a prática de investigar, questionar, sintetizar, criticar e tomar posição é uma atitude de pesquisa que se aprende, principalmente, durante a vida escolar. A pesquisa como método de ensino permite que o aluno seja mais que um ouvinte ou um reprodutor de conhecimentos cujos significados e relações são elaborados exclusivamente pelo professor. Esta perspectiva de educação indica rupturas com o paradigma tradicional de educação, mobilizando as reflexões pedagógicas e “[...] indicando novas formas de organização dos currículos, de compreensão dos espaços de aprendizagem de sala de aula, de incorporação das narrativas de vida como elemento de ancoragem dos novos saberes, nas alterações da relação teoria-prática, do ensino-pesquisa, cultura-ciência, para nomear algumas dimensões fundamentais” (CUNHA, 2004, sem paginação). De certa maneira, conhecer é saber mais do que se vê. É a capacidade de receber e dar sentido, de produzir e de reconstruir novos sentidos e aprendizagens. Assim, a atribuição do sentido social e político ao que se estuda define também a concepção de ciência e de conhecimento que se estabelece no contexto escolar. A pesquisa no contexto escolar tem como objetivos elaborar e orientar os estudos de temas de relevância humana e social com abrangência teórica (base conceitual e de informações) para viabilizar – pela ação pluridisciplinar – a formação de sujeitos pesquisadores/investigadores críticos e comprometidos com seu tempo. Para tanto, as leituras, as atividades de campo (aulas práticas), as linguagens do cinema, do teatro, da música, da internet, das revistas e jornais são importantes fontes e transitam nos diferentes campos de investigação por meio das múltiplas linguagens e interações societárias. É por isto que toda a teoria é social

e histórica e, portanto, possui estreita relação com a vivência do aluno e desta com a realidade local e global, desafiando constantemente a sua compreensão para além da interpretação da mídia. Ensinar a pesquisar exige que se vá além do que ouvimos e vemos, exige que se estudem as diferentes fontes e interpretações sobre o mesmo fato e também exige, com o passar do tempo e da escolaridade, posicionamento e criticidade sobre o conhecimento pesquisado. É como se as respostas encontradas estivessem impregnadas das pessoas que a investigaram. É por isto que qualquer pesquisa é um ato simultaneamente solitário e coletivo, a atitude investigativa liga todas as pessoas que fazem parte do grupo de estudo e realimenta de maneira diferente cada integrante. Será muita pretensão da pesquisa escolar? Pensamos que não! O que será que acontece quando os alunos investigam o corpo humano no 5º ano e o entendem como um sistema interligado entre si e o mundo? E quando o 6º ano aprende na aula de campo de astronomia as primeiras noções de que somos um microcosmos no estudo do tempo-espaço da Física? E quando estudamos na Jornada Curytibana e Paranaense sobre o quanto a história local está atrelada a tantas outras histórias? E quando cuidamos do ambiente pesquisando que a cidadania local é um grande passo para a cidadania planetária (estudo sobre reciclagem, ética e cidadania, ambiente e preservação, espaço urbano no contexto do século XXI, ética e bioética, ciência e tecnologia...)? E quando ensinamos que a literatura pode constituir a pessoa no mundo em diferentes relações de pertença? Todas estas perguntas são fundamentais para que percebamos que a atitude de pesquisa deve ser incentivada em todas as dimensões e espaços da vida das crianças e adolescentes e, principalmente na escola, procurando aliar a formação de sujeitos leitores com a formação de pesquisadores inquietos para conhecer o que se passa ao redor, no mundo em que se vive.

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Pesquisar e pensar nas ambiguidades e paradoxos do nosso tempo é uma possibilidade de criar os caminhos para inovar e pensar simultaneamente o presente e o futuro. Sem dúvida, ensinar a cultura do sentido com ênfase no respeito de si e no respeito pelos outros é uma busca constante da educação, ou seja, de pessoas capazes de pensar a relação entre passado, presente e futuro e de estabelecer uma relação de pertença e compromisso com uma sociedade mais justa e igualitária. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

N O T A 1

A realidade são os fatos e os acontecimentos que ganham movimento e sentido por meio do agir humano em sua capacidade de reflexão. A realidade educacional faz parte de um contexto histórico global (econômico, social, cultural, político...) e de um contexto específico (história regional, cultura da escola e a prática educativa).

REFERENCIAIS

BIBLIOGRÁFICOS

CUNHA, Maria Isabel. Sala de Aula: espaços de inovações e formação docente. Revista Educação da PUCRS, ano XXVII, n. 3, n. 53, set/dez. 2004. FREIRE , Paulo. E x t e n s ã o o u c o m u n i c a ç ã o . 1 0 e d . R i o d e Janeiro: Paz e terra, 1992. 27 e 28 p. IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. MIRANDA, Claudia Furtado. Os referenciais epistemológicos da prática na formação continuada de professores da 1ª fase do Ensino Fundamental. Curitiba, 2008. ________, A complexidade nas relações entre aprendizagem e conhecimento. Curitiba, Colégio Medianeira, 2006. MORIN, E. A c a b e ç a b e m - f e i t a : r e p e n s a r a r e f o r m a , r e formar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

Cláudia Furtado de Miranda é Formada em História (UFPR), especialista em Currículo e Praticas Educativas (PUCRJ) e mestre em Educação (PUCPR). No Medianeira, é Supervisora Pedagógica da 5ª. série ao Ensino Médio.

MORIN, Edgar. Por uma Reforma do Pensamento. Em: PENA-VEGA, Alfredo. & NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. O Pensar Complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.

A RELIGAÇÃO DOS SABERES

EDUCAR PELA PESQUISA AUTOR: PEDRO DEMO Editora VOZES Trabalha a conexão entre pesquisa e educação, argumentando que a educação própria da escola e da universidade é aquela mediada pela reconstrução do conhecimento. Mostra a importância de não separar qualidade formal, da qualidade política. Ressalta a importância profissional do saber pensar e do aprender a aprender.

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AUTOR: EDGAR MORIN Editora BERTRAND BRASIL Religar ciências da natureza e ciências da cultura constitui um problema de amplas dimensões; por isso, Morin reuniu um renomado grupo de intelectuais franceses em torno dessa discussão. Se parece óbvio, pelo menos no plano cognitivo, que nenhuma sociedade é capaz de se pensar a si mesma com sabedoria e autonomia sem a religação, as instituições educacionais, do ensino fundamental à universidade, incumbidas que estão de preservar e recriar o patrimônio cultural do planeta, continuam a fortalecer o modelo da fragmentação, da especialização e da disciplinarização em todo o mundo.


Fazendo jus ao tema de nossa capa e ao artigo anterior, apresentamos agora seis artigos de alunos do Colégio Medianeira. Os artigos nasceram de trabalhos em sala, do trabalho de pesquisa desenvolvido ao longo do ano (e que culmina com a Feira do Conhecimento) e da pesquisa feita por alunos selecionados para o PIBIC Jr (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio), da PUCPR. Eis uma demonstração de como a pesquisa no ensino básico faz todo o sentido, seja pelo aprendizado metodológico, seja pela ação de não deixar a curiosidade hibernar. Sair atrás de costuras para o mundo por meio do conhecimento é princípio básico da atitude investigativa.

NANOTECNOLOGIA e saúde humana

Por Isadora Souza Rocha, Jean G. Valencia, Lethícia S. Gaertner, Natália Sosnitzki da Cunha e Pedro H. Sprenger

Nanorrobô alcança a hemácia

Dando início à série de pesquisas elaboradas pelos alunos do Colégio Medianeira, trazemos ao palco o tema da nanotecnologia, objeto de estudos de um grupo de 7ª. série. A nanotecnologia está modificando tanto a qualidade dos produtos quanto o processo de produção das fábricas e vem causando uma revolução nos âmbitos econômicos, políticos e sociais.. 9


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A nanotecnologia é um novo campo da ciência e tecnologia capaz de criar coisas a partir do menor, colocando cada átomo e molécula no lugar desejado, criando partículas com um tamanho entre 0,1 e 100 nanômetros. A palavra “nano” deriva do grego antigo e significa “anão”, sendo que um metro equivale a um bilhão de nanômetros e suas dimensões são 100 mil vezes menores do que um fio de cabelo. Richard Feynman foi quem sugeriu pela primeira vez a possibilidade da organização de átomos da maneira desejada. Porém, sua ideia recebeu adesão apenas 30 anos depois. A nanotecnologia foi definida como “o processamento, a separação, a consolidação e a deformação de materiais por um átomo ou uma molécula” pelo professor Norio Taniguchi, da Universidade de Tóquio, em 1974. Um dos maiores problemas relacionados à nanotecnologia é o fato de não se saberem ao certo as consequências de seu uso e os problemas futuros relacionados com a mesma. A nanotecnologia está modificando tanto a qualidade dos produtos quanto o processo de produção das fábricas e vem causando uma revolução nos âmbitos econômicos, políticos e sociais. Os governos e as indústrias estão investindo cada vez mais em nanotecnologias. Em 2004, eles investiram o montante de 10 bilhões de dólares.

Nanorrobô atuando

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Só o governo brasileiro, no ano de 2005, investiu 70 milhões de reais. A partir desses dados, percebe-se que uma parte dos impostos que chegam ao governo, são consequentemente nela investidos. Um de seus usos é na medicina. Ela vem tornando os diagnósticos mais precisos, rápidos e eficazes, e tem proporcionado novos tipos de tratamento. Em breve, nanorrobôs poderão ser introduzidos no corpo humano identificando e destruindo células cancerígenas ou infectadas por vírus e regenerando tecidos. Esta poderá ocorrer graças a nanoestruturas que provavelmente poderão aumentar a penetração de moléculas através da pele até a região onde deverá atuar. Existem dois tipos de nanorrobôs sendo estudados: os orgânicos e os inorgânicos. Os orgânicos serão fabricados de maneira a se assemelharem com vírus e bactérias programadas. Poderão identificar e destruir bactérias e vírus. Os inorgânicos serão revestidos com estruturas de diamantes e poderão realizar cirurgias nãoinvasivas e enviar medicamentos a células e órgãos específicos. Alguns exemplos de nanorrobôs em desenvolvimento são: plaquetas mecânicas; reparadores de vasos; gastronanorrobôs (detectarão infecções no estômago) e caçadores de micróbios (imita leucócitos detectando, capturando e eliminando micróbios). Cientistas americanos da Universidade Northwestern conseguiram sintetizar o HDL (HighDensity Lipoprotein), conhecido como “bom colesterol”. Criaram essa molécula a partir de um nanômetro de ouro revestido por lipoproteínas com cerca de 18 nanômetros, que possui grande semelhança com o HDL natural e APOA1, que é a principal proteína do HDL natural. Essa molécula poderá combater o LDL, conhecido como o “colesterol ruim”. Podemos considerar esse fato como um grande avanço na medicina, pois poderá ajudar pessoas que possuem a doença do colesterol alto, que afeta grande parte da população mundial. Controlada por um campo magnético, as novas “pílulas-câmera robótica” podem ser engolidas transmitindo imagens do interior do corpo


lubrificantes feitos com as nano moléculas fazem menos atrito e a pintura do carro, desta forma, não sofre tantos arranhões, corrosão e acúmulo de sujeira. Futuramente, espera-se que, com a nanotecnologia, os carros sejam mais seguros, limpos e econômicos, graças a catalisadores que poderão melhorar a conversão dos gases e dos lubrificantes que durarão mais. Espera-se também que os combustíveis sejam mais econômicos e ambientalmente sustentáveis. Além disso, graças à nanotecnologia, os instrumentos eletrônicos são mais rápidos e consomem menos energia e os plásticos são mais resistentes e mais leves. Usos da nanotecnologia

humano. Elas podem ser controladas de maneira a pararem quando necessário e até mudarem de posições. Isso ocorreu graças a uma equipe do Instituto Fraunhofer, na Alemanha. Essa câmera pode ficar até dez minutos no esôfago, obtendo de duas a quatro fotos por segundo. Pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) descobriram que utilizando nanopartículas de ouro, pode-se fazer transporte de medicamentos dentro do corpo humano, liberando diversas drogas no local adequado e com o tempo controlado. O nome do sistema de transporte é drug delivery, e ele poderá futuramente ser utilizado para dar um maior controle às aplicações de quimioterapias, evitando os efeitos colaterais típicos deste processo. Existem também sistemas de “drogas inteligentes”, capazes de liberar dois medicamentos ao mesmo tempo. Além disso, existe um novo sistema que pode ser controlado externamente e pode carregar três ou quatro medicamentos. Esses sistemas funcionam quando as nanopartículas respondem a diferentes fontes de luzes infravermelhas. A nanotecnologia está cada vez mais presente em nosso cotidiano, e suas inovações são muitas. Nos carros, por exemplo, os componentes do motor que antes eram feitos de aço ou de alumínio (coletores de admissão), podem agora ser feitos de plástico. Os faróis são mais transparentes e podem mudar o tom da luz. Os

A nanotecnologia poderá gerar produtos que podem contribuir para amenizar o problema da falta de água, bem como aparelhos que armazenam energia solar, permitindo assim a utilização do sol como fonte de energia. Por mais que muitas pessoas pensem que a nanotecnologia trará apenas vantagens, ela poderá trazer problemas também. Um exemplo é a nanopoluição, que é gerada pelos nanomateriais ou por sua confeccção. Composta por nanopartículas, a nanopoluição pode ser mais perigosa que a poluição normal, pois pode flutuar pelo ar por grandes distâncias. Como na natureza não existem nanopoluentes, as células dos humanos provavelmente não conseguirão combatê-las, e os danos que isso poderá causar ainda não são conhecidos. Comparação de uma formiga e um objeto

Outra desvantagem é nanométrico. que, pelo menos inicialmente, a nanotecnologia terá um preço elevado, podendo ser de difícil acesso às pessoas com menos recursos. Ela poderá também ser motivo de discórdia entre países, pois poderá possibilitar vantagens nas guerras para aqueles que a possuírem. A nanobiotecnologia também possui seus riscos, pois dependendo do diâmetro e do material de suas nanoestruturas, estas podem acumu-

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lar-se em diversos órgãos, causando danos nos tecidos e podendo até acumular-se no cérebro. Não se sabe ao certo quais são as consequências e os problemas futuros relacionados à nanotecnologia, pois esta ainda se encontra em desenvolvimento. Porém, sua importância para o mundo e para os seres humanos é tão grande que ela é considerada por muitos cientistas e pessoas que são experientes no assunto como uma quarta revolução industrial. Perante todas as informações que coletamos, chegamos à conclusão de que a nanotecnologia revolucionará o comércio, a economia e a expectativa de vida das pessoas. Todavia, ainda não temos como saber se ela vai causar revoluções positivas ou negativas; afinal, existem muitas preocupações relacionados à mesma. Chegamos também à conclusão de que juntamente com as células-tronco, a nanotecnologia alterará por completo a medicina e consequentemente a saúde humana. Por estar presente em roupas, não as deixando amassar, entre outros exemplos, a nanotecnologia poderá alterar também o ritmo de vida das pessoas, facilitando determinados trabalhos, como os domésticos. Por ela ainda estar em desenvolvimento, muitas pessoas precisarão estudá-la, buscando desenvolvêla e aperfeiçoar-se em seu ramo. No entanto, os riscos relacionados à produção, comercialização e descarte das nanopartículas também devem ser motivo de preocupação por parte dos governos e dos grupos de pesquisa que trabalham com estas novas tecnologias. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Isadora Souza Rocha, Jean G. Valencia, Lethícia S. Gaertner, Natália Sosnitzki da Cunha e Pedro H. Sprenger são alunos da 7ª. série do Colégio Medianeira e este artigo é parte do trabalho de pesquisa realizado ao longo do ano sob a orientação dos professores Daniel Bussolaro, Danielle Sotta Ziliotto, Douglas Benedito Pereira e Patricia Bonilauri.

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REFERENCIAIS

BIBLIOGRÁFICOS

http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=pilula-comcamera&id=020110080716; acessado em 16 de Julho de 2008; Redação do Diário da Saúde – HDL sintético: cientistas criam bom colesterol em laboratório; acessado em 13 de Janeiro de 2009; http://euroresidetes.com/futuro/nanotecnologia/ nanotecnologia_responsavel/riscos; acessado em 14 de Junho de 2010 às 16:50; http://www.brasilescola.com/informatica/nanotecnologia.htm; acessado em 14 de Junho de 2010 às 20:29; http://www.cienciaviva.org.briarquivo/cdebate/012nano/ index.html; acessado em 14 de Junho de 2010 às 20:39; http://www.discoverynaescola.com/docentes/ docentes_giosario_91.shtml; acessado em 14 de Junho de 2010 às 21:27; http://www.metodista.br/cidadania/numero31/nanotecnologiae-aposta-do-futuro/; acessado em 17 de Junho de 2010 às 12:30; http://wnews.vol.com.br/site/noticias/ materia_especial.php?id_secao=17eid_conteuco=532; acessado em 25 de Junho de 2010 às 16:50; http://proavirtualg36.pbworks.com/avan%c3%a705-na-medicina; acessado em 27 de Junho de 2010 ás 17:30 h t t p : / / w w w . i h u o n l i n e . u n i s i n o s . b r / ndex.php?option=com_content&viwe=article&id=1668&secao=252; acessado em 20 de Setembro de 2010;

A ENCRUZILHADA DA NANOTECNOLOGIA INOVAÇÃO, TECNOLOGIA E RISCOS AUTOR: PETER SCHULZ Editora VIEIRA & LENT O que é uma inovação tecnológica? O que vem a ser risco tecnológico? O que podemos esperar de fato da nanotecnologia? O que o passado nos ensina sobre tudo isso? Mais importante como podemos nos informar e criar opiniões sobre esses temas e decidir de maneira mais consciente o que pensar a respeito da nanotecnologia? E, afinal, qual é a relevância da percepção pública e de sua opinião nisso tudo? Esses temas são abordados neste livro, que se utiliza de exemplos de várias áreas do conhecimento.


pré-

SOCRÁTICOS

Por Otávio Socachewsky

Com diversas perguntas, cada filósofo présocrático se destacou por um motivo. Todos, no entanto, se interessavam principalmente pela natureza e pelos processos naturais, buscando, sobretudo, o princípio (arkhé). Com respostas distintas, às vezes se opondo uns aos outros, fizeram isso sem recorrer aos mitos, como era a tradição grega.

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Introdução Surgia na Grécia do século VI a.C. uma nova mentalidade, que passa a substituir as antigas construções mitológicas pela aventura intelectual, expressa através de investigações científicas e especulações filosóficas (SOUZA et al., 1996).

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Antes do surgimento dessa nova forma de pensar, todas as perguntas dos homens haviam sido respondidas pelas diferentes religiões, com explicações passadas de geração para geração através dos mitos (GAARDER, 1995). As pessoas encaravam os fenômenos à sua volta de forma não-metódica, assistemática e ingênua, como define Ribeiro 1: “todos os conhecimentos necessários ao dia-a-dia eram empíricos. [...] A explicação da grande maioria dos fenômenos era puramente mítica”. Sobretudo, os mitos explicavam o que os homens não entendiam. No caso dos gregos, as histórias dos deuses foram sendo passadas sem documentação escrita, até boa parte da mitologia grega ser registrada nas obras de Homero e Hesíodo, por volta de 700 a.C. Como resultado das invasões dóricas, a partir do século XII a.C, os gregos fundaram muitas cidades-Estados na Grécia e em suas colônias no Sul da Itália e na Ásia Menor, para onde são forçados a emigrar pequenos aqueus, fugindo aos invasores e tentando salvaguardar suas tradições. Cidades formadas pelos Jônios, como Mileto e Efeso, se transformaram em grandes centros econômicos e culturais (SOUZA et al., 1996). Nelas, os escravos faziam todo o serviço braçal e os cidadãos livres podiam dedicar-se exclusivamente à política e à cultura. Ocorreu, sob essas condições de vida, um salto no pensamento humano, visto que era possível cada indivíduo opinar sobre como a sociedade deveria ser organizada e formular suas questões filosóficas sem ter que recorrer à tradição dos mitos (GAARDER, 1995). Importante perceber que a passagem da mentalidade mítica para o pensamento crítico e filosófico não ocorreu de forma repentina (um salto

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num momento exato) e única (apenas da Grécia), como descreve o “milagre grego”.

Os primeiros filósofos Surgem, então, os primeiros filósofos, os présocráticos, que viveram por volta dos séculos VII e VI a.C., portanto, anteriores a Sócrates. Serão destacados aqui Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, Xenófanes, Parmênides, Heráclito, Empédocles, Anaxágoras, Pitágoras e Leucipo e Demócrito. Os primeiros filósofos estavam interessados principalmente na natureza e nos processos naturais. Eles buscam explicar o princípio (arkhé), o que dá ordem ao mundo, o elemento constitutivo de todas as coisas, as transformações na natureza, de onde procede o mundo, sem recorrer aos mitos, ou seja, sem explicações religiosas. O interesse deles está ligado do campo da metafísica – estudo do ser absoluto e dos primeiros princípios, chamada por Aristóteles de filosofia primeira (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 485); “a parte da filosofia que procura se indagar sobre os pontos mais fundamentais da realidade” (DROIT, 2005).


TALES DE MILETO O primeiro a receber o nome de sábio foi Tales de Mileto (640-548 a.C.) – astrônomo, matemático e primeiro filósofo. Foi o primeiro a não recorrer à religião e identificar a arkhé, explicando que a água é o elemento primordial de todas as coisas.

ANAXIMANDRO DE MILETO Anaximandro (610-547 a.C.), também de Mileto, acreditava que o mundo surge de alguma coisa e dissolve nela, o infinito, ilimitado, que seria o ápeiron. O nosso mundo seria apenas um dos muitos mundos. Diferente de Tales, Anaximandro não imaginava uma substancia determinada, mas sim uma matéria indeterminada, ilimitada, que dá origem a todos os seres materiais.

ANAXÍMENES DE MILETO Para Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.), o ar ou o sopro de ar é o elemento originante de todas as coisas2. Para ele, água, terra e fogo surgem do ar – um elemento vivo, que constitui as coisas através de condensação e rarefação. A água é o ar condensado, comprimido, e, se essa água fosse ainda mais comprimida, se transfor-

maria em terra. O fogo também tem origem no ar, o ar rarefeito.

XENÓFANES DE CÓLOFON Xenófanes de Cólofon (séc. IV a.C.) descreve que o elemento primordial é a terra. É conhecido por seus ataques à religião tradicional dos poetas maiores da Grécia, Homero e Hesíodo e também por criticar o senso comum e os aspectos antropomórficos dos deuses míticos, tentando responder o que são ou como são os deuses – defende um Deus único, distinto do homem, não-gerado, eterno, imóvel, puro pensamento e que age através de seu pensamento (BORNHEIM, 2005).

PARMÊNIDES A questão que surge posteriormente é como uma substância primordial –descrita, sobretudo, pelos três filósofos de Mileto –, seja ela qual for, é capaz de se modificar e se transformar em alguma totalmente diferente. É nesse contexto que surge Parmênides (c.544-450 a.C.), o mais conhecido entre os “eleatas” (nascidos na colônia grega de Eleia, no Sul da Itália, onde viveram alguns filósofos). Para os gregos, tudo que existe no mundo sempre existiu, e assim pensava Permênides. Segundo ele, nada pode surgir do nada e nada que existe pode se transformar em nada. Também considerava impossível qualquer transformação real das coisas, ou seja, nada pode se transformar em algo diferente do que já é. Apesar de saber das transformações da natureza, não acreditava nelas, pois, entre confiar nos seus sentidos ou na sua razão, escolhia a razão3. Segundo ele, os sentidos nos fornecem uma visão enganosa do mundo, que não está em conformidade com o que nos diz a razão (GAARGER, 1995). Era, então, racionalista4.

HERÁCLITO Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.C.) viveu uma geração após Xenófanes, ao qual se opôs, e uma geração antes de Permênides, seu principal opositor. A característica mais fundamental da natureza, para ele, são as constantes transformações, diferente de Permênides. “Tudo flui”, dizia Herá-

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clito. “Tudo está em movimento e nada dura para sempre” (GAARDER, 1995, p. 47). Heráclito acredita que sem a constante interação dos opostos, como bem e mal e doença e saúde, o mundo não existiria. Pelas suas oposições internas, define o seu mundo como múltiplo. Segundo ele, existe algo que dirige todos os fenômenos da natureza (chamados de acidentes), uma razão universal (essência) a partir da qual todos se orientam, apesar de não pensarmos todos da mesma forma. (GAARDER, 1995).

EMPÉDOCLES A discordancia entre Permênides e Heráclito é bastante explicita. Mas Empédocles (483-430 a.C.) acredita que ambos tinham razão em uma de suas afirmações e engano em outra. Para ele, Permênides tem razão quando dizia que nada se transformava, e Heráclito quando diz que devemos, sim, confiar nos nossos sentidos. Propõe não apenas um elemento formador, mas sim quatro elementos básicos, chamados por ele de raízes: a terra, o ar, o fogo e a água, e que todas as transformações ocorrem em função da combinação destes elementos. O que faz com que os elementos se combinem para dar origem a uma nova vida? (GAARDER, 1995, p. 50). Para esta questão, Empédocles explica a atuação de duas forças na natureza, amor e disputa. A primeira é a que une e a segunda a que separa.

ANAXÁGORAS Anaxágoras (499-428 a.C.) não acredita que apenas estes quatro elementos pudessem se transformar em todas as coisas. Afirma que a natureza é composta por partículas invisíveis a olho nu, que têm um pouco de tudo, e tudo é capaz de ser dividido em partes cada vez menores. Procura, a partir disso, explicar a natureza do múltiplo dizendo que em cada coisa há uma porção de cada coisa5. Como essas partes eram unidas para formar um todo? Anaxágoras acredita no que deu o nome de inteligência, força responsável pela or-

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dem e criação das coisas – homens, animais, flores e árvores.

PITÁGORAS DE SAMOS Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.) pertence mais ao mundo da lenda que à realidade (BORNHEIM, 2005). Alguns até afirmam que Pitágoras não existiu, principalmente devido ao fato de que não restou nenhum fragmento escrito dele. Diferentes dos demais pré-socráticos, Pitágoras se preocupa principalmente com a forma como o mundo se ordena e não com o princípio das coisas. Para ele, o mundo é ordenado pelos números.

LEUCIPO E DEMÓCRITO Leucipo (séc. V a.C.) e Demócrito (c.460-c. 370 a.C.) são atomistas, pois consideram o elemento primordial – do que são constituídas as coisas? – constituído por átomos: partículas indivisíveis, eternas e imutáveis. Explicando as transformações da natureza, afirmam que os átomos de um corpo morto e que se decompõe, por exemplo, também são capazes de serem reaproveitados para dar origem a outros corpos. Não existia, porém, uma “força”, como propunha Empédocles, ou “inteligência”, como Anaxágoras chamou sua força. A única coisa que existia eram os átomos e o vácuo, sendo que o movimento dos átomos é regido pelas leis permanentes da natureza. A teoria de Demócrito também explica que nossas percepções sensoriais se devem ao movimento dos átomos no espaço. Questionou-se do que a alma é constituída e acredita que ela também é constituída de átomos.

Conclusão Spinelli (1998) define a importância dos présocráticos no seguinte trecho: Foram eles que elaboraram os grandes temas da Filosofia posterior, de tal modo que o estudo das obras de Platão e Aristóteles requer esse retorno [aos filósofos pré-socráticos]. [...] Trazidos pelo curso do tempo, eles


deixaram de representar indivíduos concretos para se transformar na representação de um determinado tipo de saber ou ciência. (Spinelli, 1998, p. 10).

Com diversas perguntas, cada filósofo pré-socrático se destacou por um motivo. Todos, no entanto, se interessavam principalmente na natureza e nos processos naturais, buscando, sobretudo, o princípio (arkhé). Com respostas distintas, às vezes se opondo uns aos outros, fizeram isso sem recorrer aos mitos, como era a tradição grega. O surgimento desta nova mentalidade, momento às vezes chamado de “milagre grego” (de forma não completamente correta, como descrito na seção 1.2), fez com que a filosofia se libertasse da religião. Gaarder (1995) descreve que “os filósofos

da natureza deram os primeiros passos na direção de uma forma científica de pensar”. Com isso, iniciaram o desenvolvimento de todas as ciências naturais, que surgiram posteriormente. Pela primeira vez foram formuladas questões, problemas e condições da ciência e da filosofia, que permanecem significativas até hoje. A grandeza dos pré-socráticos está nesse fato, e não tanto no fato de com eles ter iniciado a filosofia (GUERREIRO; OLIVA, 2000). Seria esta, portanto, a principal importância dos pré-socráticos: a participação na passagem da consciência mítica para a consciência filosófica na civilização grega, significando os primeiros passos para o desenvolvimento das ciências. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

N O T A S 1

http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0189

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Fragmento 1 - "Como nossa alma, que é o ar, nos governa e sustém, assim também o sopro e o ar abraçam todo o cosmos." (BORNHEIM, 2005, p. 28). Em sentido geral, faculdade de conhecimento intelectual, entendimento (em oposição à sensibilidade). Faculdade do pensamento discursivo; faculdade de raciocinar, de alcançar o conhecimento do universal. (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 459).

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Aquele que tem grande confiança na razão humana enquanto fonte de conhecimento do mundo (GAARDER, 1995, p. 47).

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Fragmento 11 - "Em cada coisa, há uma porção de cada coisa, exceto no Espírito; em algumas, contudo, também há Espírito." (BORNHEIM, 2005, p. 95).

REFERENCIAIS

Otávio Socachewsky é aluno do 1º. Ano do Ensino Médio e desenvolveu seu trabalho de pesquisa na área de Filosofia, orientado pelo professor Carlos Renato Moiteiro.

BIBLIOGRÁFICOS

RIBEIRO JR., W. A . Os filósofos da natureza. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Disponível em: <www.greciantiga.org/ arquivo.asp?num=0189>. Acesso em: 29 set. 2010. GAARDER, Jostein (1995). O mundo de Sofia: Romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das letras, 2009, 555 p. CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das letras, 2007, 539 p. GUERREIRO, Mário; OLIVA, Alberto. Pré-Socráticos: a invenção da filosofia. São Paulo: Papirus, 2000, 222 p. BORNHEIM, Gerd. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 2005, 128 p. SOUZA, José Cavalcante de. (Superv.). Os pré-socráticos: vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os Pensadores, v. 1). SPINELLI, Miguel (1998). Filósofos pré-socráticos: primeiros mestres da filosofia e da ciência grega. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, 392 p. REALE, Giovanni. Metafísica de Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005, 699 p. DROIT, Roger-Pol. A filosofia explicada à minha filha. São Paulo: Martins Fontes, 2005, 101 p. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2009, 479 p.

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DOS PRÉ-SOCRÁTICOS A ARISTÓTELES AUTOR: MARILENA CHAUÍ Editora COMPANHIA DAS LETRAS Nesta série, Marilene Chauí acompanha o trajeto da cultura filosófica desde os pré-socráticos até os pensadores modernos. O objetivo é oferecer informações básicas sobre a história do pensamento filosófico, dirigidas aos leigos e aos que se iniciam nos estudos de filosofia.

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Avanços tecnológicos na

PREVENÇÃO e TRATAMENTO do

câncer de mama

Por Adriana Sartoretto Moreno

Além desses tratamentos conhecidos, alguns estão em fase de teste ou prestes a serem lançados. Dois exemplos são a vacina contra o câncer de mama e o chamado “IORT”, um tratamento realizado através de emissões de radiação.

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A

A cada dia, surgem novas tecnologias para o melhoramento de nossas vidas. Na medicina não é diferente. É muito comum lermos notícias sobre testes de tratamentos contra determinadas doenças. Um exemplo é o câncer de mama. Novos tratamentos e até vacinas estão em fase de teste, e, pelos resultados obtidos, poderão ser utilizados futuramente. As vacinas são substâncias que estimulam o sistema imunológico a reagir contra algo ou algum organismo invasor do nosso corpo. O objetivo dela, ao contrário do que muitos pensam, não é banir este organismo estranho de nos infectar, mas sim de fazer com que nosso corpo já esteja preparado para determinado tipo de invasão e reaja com mais eficácia, evitando consequências piores. Dra. Annick Beaugrand, Oncologista Pediátrica e pesquisadora de novos quimioterápicos em pediatria do INSTITUT GUSTAVE-ROUSSY de Paris, participou do XII Congresso de Oncologia Pediátrica realizado em Curitiba no final do mes de setembro deste ano, onde apresentou resultados de suas recentes pesquisas na prevenção do câncer. Entrevistada por alunos do 2º. ano do Ensino Médio do Colégio Medianeira para seu trabalho de pesquisa, Beaugrand afirmou que “o conceito de vacina é intimamente ligado às respostas do sistema imunológico humano. O sistema genético humano é capaz de produzir proteínas que estão ou estarão relacionadas a receptores, que por sua vez farão com que haja um estímulo para uma resposta. O organismo responde ao estímulo inicial e essa resposta desencadeia um sinal que faz com que outras reações ocorram.” Dessa maneira, os estímulos continuam ocorrendo, devido à formação de respostas para eles. Sucintamente, as vacinas programam respostas que dependem do próximo fator desencadeante. Ao serem iniciados estudos para desenvolvimento de uma vacina, há vários passos a serem seguidos até chegarem ao ponto de testes em seres humanos. Um deles é avaliar os riscos e os benefícios que este novo agente pode causar.

Esta etapa é dividida em três fases, sendo elas: “fase um” (testes sobre a toxicidade da droga), “fase dois” (se a toxicidade da droga for aceitável, inicia-se uma avaliação sobre o efeito da droga em relação ao câncer) e “fase três” (são chamados de “duplo cego”, em que uns pacientes receberão a substância e outros um placebo1). Todo este processo dura anos até a vacina ser posta em mercado e iniciar sua utilização, até porque cada indivíduo possui uma reação diferente perante essa substância. No caso do desenvolvimento de vacinas contra câncer, é um processo mais complicado, pois as vacinas foram produzidas para agir contra vírus ou outros organismos que invadem nosso corpo. Como o câncer é um crescimento desordenado de células já presentes dentro de nós, seria como fazer o organismo atacar algo que faz parte dele mesmo. Apesar de haver complicações, não é impossível. Vamos falar mais especificamente sobre câncer de mama, mas para isso precisamos entender um pouquinho mais sobre ele. O câncer de mama é um tumor maligno que se encontra no tecido da mama. Pode ocorrer em homens ou mulheres, sendo mais frequente em mulheres mais velhas e menos comum nos homens, sendo eles 1% dos casos relatados. Esta variedade de câncer não é contagiosa e nem causada por lesões. Como a maioria dos cânceres não causa sintomas em sua fase inicial, ocorre o mesmo com o câncer de mama. Por isso, é necessário fazer testes regularmente, os mais utilizados são exames clínicos da mama e mamografia. No exame clínico, o médico examina a mama e a região em baixo dos braços para checar se há caroços ou outras alterações que possam ser sinal de câncer. Já a mamografia é um raio-X da mama, que geralmente pode detectar um câncer muito pequeno que a mulher ou o médico sentir. Segundo o National Cancer Institute, dos Estados Unidos, recomenda-se a mamografia em: • Mulheres acima dos 40 anos (devem fazer mamografia a cada um ou dois anos); • Mulheres que têm maior risco para sofrer com o câncer de mama (devem procurar orienta-

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ção médica para saber se devem iniciar a mamografia antes dos 40 anos e a frequência). Caso seja necessário fazer outro exame para ter a real certeza de presença de câncer, o mais utilizado é a biopsia, em que uma pequena quantidade de fluido ou tecido da mama é retirada para diagnóstico. Se o resultado for positivo, a próxima etapa é o tratamento deste tumor. Há várias opções para tratamento, e a escolha depende da idade, saúde geral, estágio do câncer, entre outros fatores. É importante iniciar o tratamento o mais rápido possível, pois quanto mais cedo, melhor será o resultado. Os tratamentos padrões para câncer de mama são:

mama, o tratamento a ser utilizado pode ser a quimioterapia e depois a cirurgia, em que o médico reduz o tumor pela quimioterapia e depois o remove cirurgicamente, evitando a utilização da mastectomia. Porém, se o câncer se espalhou para outros locais do corpo, o tratamento utilizado pelo paciente pode ser quimioterapia e/ou terapia hormonal, para destruir as células maléficas e controlar o câncer. A radioterapia pode ser uma ferramenta para controlar o tumor nas outras regiões corporais. Além desses tratamentos conhecidos, alguns estão em fase de teste ou prestes a serem lançados. Dois exemplos são a vacina contra o câncer de mama e o chamado “IORT”, um tratamento realizado através de emissões de radiação. A vacina, como dito anteriormente, é um processo complicado, e que demora até ser totalmente aprovada. Até junho deste ano, os testes em humanos ainda não haviam começado, mas estavam tendo ótimos resultados em ratos. Segundo o imunologista Vincent Tuohy, do Cleveland Clinic Learner Research Institute, que chefiou a pesquisa realizada nos Estados Unidos, “se funcionar em humanos da mesma forma como em ratos, vai ser monumental. Poderíamos eliminar o câncer de mama”.

• Cirurgia para remoção;

• Quimioterapia, que utiliza medicamentos anticâncer para matar as células cancerosas.

Para a realização dessa pesquisa, foram utilizados ratos com grande potencial para desenvolvimento de câncer de mama. Uma parcela deles recebeu vacinas que continham a droga a-lactalbumina e a outra parcela recebeu vacinas que continham uma droga sem essa substância. O resultado obtido foi que os que receberam tal substância não desenvolveram o câncer, enquanto os demais apresentaram o tumor.

Caso esteja nos períodos iniciais da doença, o tratamento mais utilizado é a lumpectomia, juntamente com a radioterapia. A lumpectomia é uma cirurgia que preserva o seio da mulher – o médico remove apenas o tumor e pequena quantidade de tecido que o circunda. A taxa de sobrevivência para mulheres que escolhem a lumpectomia combinada com radioterapia é similar àquelas que fazem mastectomia (remoção total da mama). Se o tumor se espalhou somente pela

Enquanto os resultados em humanos ainda não são obtidos e revelados, a busca por outros tratamentos continua. O “IORT” é um que está mais perto de ser “aprovado”. Este tratamento é utilizado após a retirada do tumor, para matar células que podem ter restado. É colocado dentro do seio um aparelho, do tamanho e forma de uma bola de gude, no local onde estava presente o câncer, durante a cirurgia para retirada do mesmo. Este aparelho propaga uma dose cons-

• Terapia hormonal, para evitar que as células do tumor obtenham os hormônios de que necessitam para se desenvolver e continuar vivas; • Radioterapia, que utiliza raios de alta energia para matar as células cancerosas;

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tante de radiação, determinada pelo médico, ao redor do local onde estava o tumor. As células morrem por causa da grande concentração dessa radiação no seu interior. Esse procedimento faz com que as sessões de radioterapia após a cirurgia sejam reduzidas, de cinco em seis semanas para apenas uma de meia hora. Outro benefício seria o econômico, pois o tratamento encurtado, além de ter menor custo que o tratamento convencional, possibilita a volta mais rápida do paciente ao trabalho e às atividades diárias, além de não haver dependência de acompanhante para traslado pelos cerca de 45 dias do tratamento. Até março deste ano, na terceira fase dos testes, 77 pacientes haviam participado no Reino Unido, Alemanha e Austrália. Deste total, em apenas dois, com idade média de 66 anos, o câncer de mama cresceu novamente, segundo médicos do University College, em Londres. A equipe de pesquisadores, liderada pelo oncologista Michael Baum, afirma que, assim que os resultados forem publicados no final do ano, será possível iniciar o seu uso. Segundo Baum, o aparelho custa em torno de 300 mil libras (342 mil euros) e é portátil, o que facilita para mulheres que moram longe das unidades de radioterpia. Portanto, é de fundamental importância que sejamos pacientes e estejamos cientes de tal importância da medicina e seus estudos em nossas vidas. A demora de tais procedimentos é para garantir o melhor funcionamento dos tratamentos contra doenças e, assim, melhorar nossa saúde e condições de vida. Desse modo, cada vez mais, surgem novos e mais eficazes procedimentos para nos auxiliar.

(Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Adriana Sartoretto Moreno é aluna do 2º. ano do Ensino Médio, no Colégio Medianeira e, ao longo de 2010, fez seu trabalho de pesquisa em cima do tema “O futuro das próximas gerações em relação à Biotecnologia”, do qual esse artigo faz parte. O trabalho foi orientado pelo professor Cezar Luiz Czarny.

REFERENCIAIS

BIBLIOGRÁFICOS

BROMBERG Silvio Eduardo, Uso da radioterapia intra-operatória (IORT) como protocolo de investigação no tratamento do câncer de mama inicial: resultados parciais do Hospital Israelita Albert Einstein, 2007 http://www.divirta-se.uai.com.br, acesso em 17 de Outubro de 2010 http://www.estadao.com.br/noticias - Acesso em 04 de Outubro de 2010 http://www.copacabanarunners.net/ - Acesso em 04 de Outubro de 2010 Entrevista com Dra. Annick Beaugrand, oncologista pediátrica, em 18 de Outubro de 2010. Dicionário Michaelis online, http://michaelis.uol.com.br

N O T A S 1

placebo: substância ou preparado inativo, utilizado em estudos controlados para determinar a eficácia de substâncias medicinais.

A BIOLOGIA DO CÂNCER AUTOR: ROBERT A. WEINBERG Editora ARTMED Esta obra destaca-se pela maneira organizada, direta e profunda com que aborda o assunto, em um projeto gráfico colorido cuidadosamente desenvolvido. Os experimentos-chave complementam o texto, o que dá aos leitores uma sensação de descoberta e proporciona reflexões sobre os fundamentos conceituais que suportam a biologia moderna do câncer.

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O

JOVEM de Curitiba e a

política

Por Ana Luísa de Siqueira Callegari, Beatriz Arruda Valença, Felipe Diogo Pedroso Dos Santos Chaves, Larissa da Cunha de Assis e Mateus Almeida Pedrosa

O jovem deve ser visto pela sua capacidade inovadora de articular soluções criativas para os problemas que assolam a sociedade e a impedem de progredir em busca de uma realidade mais justa e igualitária. Ele deve ser visto pelo que ele é agora, pelo que ele tem a oferecer nessa fase peculiar que se destaca de todas as outras.

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Os jovens brasileiros não acreditam nos políticos, mas acreditam na política.” Frase retirada da pesquisa “Juventude Brasileira e Democracia”

S

Ser cidadão é respeitar, participar e se interessar por questões que envolvam o coletivo. É refletir sobre a sociedade e buscar soluções para os problemas e impasses presentes nela, sempre se utilizando da política. Ela está em constante construção, refletindo os pensamentos de determinado período. Torna-se, portanto, um referencial de conquistas da humanidade por meio daqueles que sempre lutam pelo equilíbrio social, a igualdade e as garantias (justas) individuais. A política refere-se a ações coletivas, decisões que envolvam todo um grupo – afetando-o direta e/ou indiretamente. Trata-se de ver, observar, analisar e discutir a realidade – sempre buscando melhorá-la. Ela não é praticada apenas por meio do voto: encontra-se presente em qualquer discussão, situação ou ação que envolva o coletivo – também de forma direta e/ou indireta – buscando sempre soluções melhores e criativas para os problemas que afetam o nosso bem-estar e qualidade de vida dentro da comunidade.

Atualmente, vivemos em nosso país um regime democrático – isto é, por meio do instrumento de voto, elege-se (tendo como princípio a opinião e visão predominante dos eleitores) um representante da população. Este deverá representar os interesses da mesma na hora de discutir decisões que cheguem a afetá-la. Temos hoje o maior número de jovens na história do Brasil. De acordo com dados do IBGE, no período da década de 1980, a população estimada de jovens entre 10 e 29 anos correspondia a cerca 32% da população do país – 38 milhões. As estimativas feitas para 2010 indicam que o número aumente para 66,5 milhões – 35% da população brasileira. Com isso, é possível observar que se trata de uma parcela considerável da população e que, portanto, tem grande importância nas decisões e políticas voltadas ao campo nacional e regio-

nal. Porém, dados da mesma pesquisa revelam que a participação da juventude na política tradicional – no caso dos eleitores – diminuiu na faixa onde é possível haver oscilação nas estatísticas – 16 e 17 anos, quando o voto ainda é uma ação optativa (a partir dos 18 anos torna-se obrigatório). De acordo com dados providenciados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), houve uma retração – em 2010 – de mais de 25% do número de jovens de 16 a 17 anos alistados como eleitores, em relação às eleições de 2006. Isto é, um quarto dos jovens que possuem título eleitoral deixou de votar. Um número que certamente poderia mudar os resultados da votação. O trabalho a seguir desenvolveu-se em cima dessa questão, buscando entender o poder de transformação social dos jovens a partir de sua participação na política da cidade. Será abrangida a faixa etária de 16 a 17 anos, uma idade em que ocorre um processo de transformação por meio do qual adquirem maior autonomia e responsabilidade sobre suas ações. Além disso, nessa idade não é obrigatória a retirada do título eleitoral – o jovem o adquire por vontade e interesse próprio, um fato que ajuda a verificar o interesse que este possui em relação à política.

A Visão dos Políticos Pelo fato de a juventude ser um produto de contextos sócio-históricos, ela pode ser vista tanto como um agente de transformação social como uma classe manipulável. As representações sociais estabelecidas são geradas a partir do uso do senso-comum, imagens e concepções de mundo individuais – que por sua vez decorrem das experiências pessoais vividas e ideias compartilhadas ou desenvolvidas e discutidas. Na tese “Percepções sobre Juventude entre membros do Ministério Público de Curitiba-PR”, realizada por Rafaela Barbosa Arruda de Oliveira com o intuito de adquirir o grau de Mestre em Sociologia, encontramos uma análise detalhada

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sobre a visão de alguns funcionários do Ministério Público (Promotores e Procuradores de Justiça – sem identificação). Depois de ter analisado a concepção entre 6 membros do MP, a autora classifica a maioria das definições tidas pelos operadores jurídicos como adultocêntricas. Isto significa que não é possível perceber o jovem em sua condição presente com suas características peculiares e ideias inovadoras – pensa-se apenas que ele deva tornar-se um cidadão planejado, aquilo que deve ser um ideal estimado e almejado pela sociedade. É só ao atingir a fase adulta – quando transcender a fase de amadurecimento – que poderá se tornar um cidadão pleno e consciente, pronto para exercer seus direitos e obrigações como cidadão integrado. O jovem deve ser visto pela sua capacidade inovadora de articular soluções criativas para os problemas que assolam a sociedade e a impedem de progredir em busca de uma realidade mais justa e igualitária. Ele deve ser visto pelo que ele é agora, pelo que ele tem a oferecer nessa fase peculiar que se destaca de todas as outras; a fase em que começa a desenvolver seus próprios pensamentos e raciocínios, buscando destacar-se da multidão já afetada pela rotina. Os adolescentes são sujeitos plenos e de direitos, cuja força deve ser aproveitada para auxiliar na busca do equilíbrio social. Como exemplos das conquistas dos jovens, é possível citar movimentos contra a ditadura militar (o “Diretas Já”), os “Caras Pintadas” e – principalmente – as instituições e documentos criados a partir de sua necessidade real; podese citar a carteira de estudante como um dos documentos que reconhece o jovem como um estudante que possui acesso a determinadas vantagens. Dentre as instituições, destacamos a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UPE (União Paranaense dos Estudantes). Também podemos mencionar a criação e o direito à formação de Grêmios Estudantis sem a interferência de quaisquer outras instâncias administrativas (Lei do Grêmio Livre). Com isso, fica garantida a possibilidade de criar entidades nas quais

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os alunos realizam uma atividade política, sendo um lugar onde todos têm direito de exercer sua cidadania.

Curitiba e seus Jovens Eleitores Panorama No ano de 2006, segundo dados da Justiça Eleitoral, houve uma renovação na consciência e percepção política da parcela mais jovem da população. Nos últimos quatro anos, o número de jovens da faixa etária de 16 e 17 anos (sem a obrigação de votar) que tiraram o título eleitoral aumentou 39,3%. Uma marca histórica para os números que vinham caindo desde 1992. Porém, não são todos os jovens que optam por tirar seus títulos eleitorais antes dos 18 anos (idade na qual o voto é obrigatório). Segundo Marcos Motta (no artigo “Meu Primeiro Título Eleitoral”, escrito por Samantha Costa), estudante de 17 anos, a incerteza e a falta de segurança nos políticos o fazem não ter vontade de tirar o título de eleitor. Ele completa 18 anos neste ano, diz que o fará por obrigação. “Infelizmente, eu não sei muito sobre política, há tanta corrupção, que parece que meu voto será sempre em vão”, afirma. A participação do jovem curitibano (em âmbito geral) é, em termos gráficos, negativa – já que há uma baixa participação dos mesmos no campo político da cidade e nas discussões que


se referem ao coletivo. Um dos motivos de não haver uma participação muita ativa por parte dos jovens curitibanos é que os mesmos não acreditam em nenhum político.

QUESTIONÁRIO Sexo: Feminino ( ) Masculino ( ) Idade:__________________

A Pesquisa Aqui neste espaço será mostrada a pesquisa com alunos de 16 e 17 anos, buscando identificar quantos têm o título eleitoral e o utilizam; quantos possuem o título e não o utilizam (e por que razão) e quantos não possuem o título e por quais motivos.

Dados Foram entrevistados 75 jovens, todos alunos do Ensino Médio. A seguir mostraremos o modelo do questionário, diversos gráficos e análises dos entrevistados, cujas idades estão entre 16 e 17 anos.

1) Possui título eleitoral? Sim ( ) Não ( ) 2) Se não o possui, diga qual o motivo? ______________________________________________________________________________ 3) Se você possui o título, você o utiliza? Sim ( ) Não ( ) 4) Se você respondeu não à pergunta anterior, explique o motivo.

A partir dos gráficos, é possível perceber que a participação dos jovens não é alta. Isto é, apesar de possuírem idade eleitoral, apenas 12 jovens (de 75) fizeram e utilizaram o título eleitoral. Dentre os de 16 anos, apenas 4 têm e utilizam o documento (duas mulheres e dois homens). Isso representa apenas cerca de 7,6% dos 52 entrevistados com essa idade. Por outro lado, entre os jovens de 17 anos (apesar de estarem em menor número), 8 deles (3 do sexo feminino e 5 do masculino) têm e utilizam o título. Isso representa cerca de 34,7% dos 23 entrevistados dessa faixa etária. Os motivos mais citados para o fato de não o terem foram: 14,6% não tiveram tempo para fazer; 33,6% não quiseram fazer o título este ano por falta de confiança ou de interesse; 10,6% não fizeram porque atingiram a idade eleitoral (16) depois do prazo; 6,6% preferiram esperar até que o documento se torne obrigatório e 34,6% tiveram outros motivos. Como resposta para a última pergunta feita (“Em sua opinião, qual a importância da política?”), foram obtidas várias resposta que mostraram – apesar do número reduzido de jovens que fizeram o título eleitoral – a presença de certa consciência política. Cerca de 8% dos entrevistados afirmaram não ter opinião formada; 21,3%

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viam a política como instrumento para mudar a realidade; 32% viam-na como forma de organização e desenvolvimento do ser humano e 32% tiveram outra opinião.

Considerações Finais A política para muitos pode parecer demasiadamente distante do nosso contexto, mas a verdade é que qualquer ato de representação ou visão e reflexão crítica sobre a realidade (com o intuito de melhorá-la) é um ato político. Nosso próprio posicionamento com relação ao caminhar da sociedade é uma manifestação desse ato. Com isso é possível verificar a proximidade desse instrumento com nosso cotidiano. Por essa razão, coloca-se como necessária uma maior compreensão dela e do fato de ser vista como formadora de uma cidadania plena. Só a partir do reconhecimento de nosso valor na construção da história de uma civilização é que se torna possível ajudar o outro e mudar a realidade para melhor.

Assim, é possível verificar que (por saber a importância da política) muitos jovens preferem esperar até obter um maior amadurecimento para realizar decisões corretas que acabam envolvendo o coletivo. Ao reconhecer a política como ação, o jovem se coloca como um dos fatores responsáveis pela organização da sociedade, suas mudanças e seu caminhar. Pode ser que muitos ainda não tenham feito o título, mas é possível verificar que a grande maioria destes não se posiciona de forma alheia à realidade ao seu redor e às pessoas que o rodeiam. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Ana Luísa de Siqueira Callegari, Beatriz Arruda Valença, Felipe Diogo Pedroso Dos Santos Chaves, Larissa da Cunha de Assis e Mateus Almeida Pedrosa são alunos do 1º. Ano do Ensino Médio do Colégio Medianeira e fizeram seu trabalho de pesquisa dentro do tema “Cultura Juvenil”. O trabalho foi orientado pelos professores Carlos Renato Moiteiro e Marcelo Gorges.

POLÍTICA SOCIAL, FAMÍLIA E JUVENTUDE: UMA QUESTÃO DE DIREITOS ORGANIZADORES: MARIA CRISTINA LEAL, MIONE APOLINÁRIO SALES, MAURÍLIO CASTRO DE MATOS Editora CORTEZ O que pode ser mais relevante e estratégico do que as políticas públicas dirigidas á infância e à adolescência? Onde está o presente-futuro da sociedade brasileira? Como este livro exige recordar, além de fases da vida, a infância e a adolescência são constituídas por pessoas, com seus sofrimentos, esperanças, carências objetivas e subjetivas. São realidades históricas e ainda, de imediato, urgências sociais. Porém como definir e defender políticas dirigidas ao “outro”, numa sociedade tão desigual e excludente? Sem ouvi-lo, sem trazê-lo para a esfera pública, sem interrogar e comprometer as instituições sociais como o Estado e a família, é impossível. Com diferentes abordagens os autores demonstram ser indispensável que o respeito devido à infância e à adolescência reflita-se em metas de desempenho do Estado e em práticas profissionais comprometidas com a justiça social e a garantia de direitos básicos de cidadania.

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QUE

corpo É ESSE? Por Odenir Nadalin Júnior

Com Merleau-Ponty, o corpo não está reduzido aos fisiologismos e às funções orgânicas como outrora, mas traduz em si gestos carregados de intencionalidade. Assim, o corpo é um espaço expressivo dotado de intenções que não é apenas o reflexo do ser no mundo, mas é o veículo da existência.

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D

Definir o corpo é um grande desafio se procurarmos entendê-lo por uma visão sistêmica. Convenhamos que o corpo não pode estar reduzido ao seu aspecto biológico. Ele existe enquanto natureza física, química, religiosa, ética, moral, espiritual, filosófica... Da mesma forma, compreender o que o corpo significa para o sujeito e para o mundo é um questionamento que permeia o ser humano desde muito tempo. Já os primeiros filósofos quiseram separar a realidade sensível da realidade inteligível, transmitindo a ideia platônica de corpo como “cárcere da alma”. Ora, contemplar é ver com os olhos do espírito e filosofar é, primeiramente, ir além da experiência ingênua do mundo. Ao longo da História, isso significou, muitas vezes, renegar o aspecto corporal da nossa existência e a percepção. Assim, o século XVII representou a culminância de um processo em que se subverteu a imagem do ser humano e do mundo que o cerca. O paradigma da modernidade, cujo pai foi o filósofo René Descartes (1596-1650), foi influenciado pelo contexto cultural em transformação, em que o mundo burguês emergia e a Física se desenvolvia, de modo a se exprimir matematicamente. Por fim, apesar da revolução científica e da quebra da inteligibilidade aristotélica, cai-se novamente numa filosofia que vai além da physis. Nesse contexto, o novo olhar lançado sobre o corpo é o olhar da consciência secularizada, da qual se retira o componente religioso para considerar, apenas, natureza física e biológica. O corpo passa, então, a ser objeto de ciência. A filosofia cartesiana contribuiu para a dessacralização do corpo, instituindo um dualismo psicofísico. Descartes afirmou: “Deus fabricou nosso corpo como uma máquina e quis que ela funcionasse como um instrumento universal, operando sempre da mesma maneira segundo suas próprias leis”. Esse filósofo, fundamentando sua filosofia no sujeito pensante, parte da busca de uma verda-

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de primeira, convertendo a dúvida em método. Duvida do senso comum, das autoridades, dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e de seu próprio corpo. Ao enunciar sua máxima “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”) estabelece um sujeito que é puramente pensamento, uma res cogitans. Em contrapartida, a realidade corporal foi colada em dúvida, inaugurando uma realidade puramente material, a res extensa. A partir, então, da existência indubitável do ser que pensa, Descartes fundamenta sua racionalidade no dever da busca de ideias claras e distintas que, para ele, são inatas ao espírito, e por isso estariam livres das distorções dos sentidos. Desse modo, percebemos que o filósofo modernista valoriza incontestavelmente a razão, o entendimento, o intelecto. Resultante dessa filosofia, esse cogito trouxe consequências, sendo uma delas, em especial, relevante para o que viriam a ser as discussões filosóficas dos próximos dois séculos: esse dualismo psicofísico ou dicotomia corpo-consciência. Essa separação resultante da máxima cartesiana traz a noção de que o ser humano é um ser duplo, composto de substância pensante – o pensamento – e substância extensa – o corpo, totalmente distintas entre si. Desse antagonismo, conclui-se cartesianamente que o corpo é uma realidade física e fisiológica, apenas. Como tal, possui massa, extensão no espaço e movimento, bem como desenvolve atividades como digestão, alimentação, etc. Isso significa que, enquanto no pensamento reside a liberdade, o corpo está em uma condição determinada pela natureza. Trata-se de uma máquina e que, por ser tal, é apenas a somatória de peças funcionando de forma isolada de maneira que garanta o funcionamento desse todo. Contudo, no que esse corpo-máquina infere? A subjetividade passa a ser considerada apenas em função do pensamento. Admite-se que o corpo é regido exclusivamente pelas leis da Física. Já o comportamento é considerado fator do de-


terminismo, em que não há intervenções de ordem subjetiva ou não-fisiológica, mas processos físico-químicos passíveis de lei geral. Dessa maneira, os pressupostos mecanicistas da corporeidade representam, no século XIX, empecilhos para o desenvolvimento das ciências humanas, em virtude da dificuldade de se estabelecer a ponte entre as duas res constituintes do ser humano (corpo e consciência). Nesse contexto, surge o francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), um dos mais importantes filósofos do século XX e representante da Fenomenologia. A principal problemática desse filósofo é a oposição à evolução filosófica da modernidade, momento de ruptura radical do homem com seu corpo. A sua filosofia empenha-se, portanto, na superação da noção cartesiana de corpo-máquina: perspectiva linear, que privilegia a causalidade na explicação dos processos corporais. Para essa transição, Merleau-Ponty encara a noção de corporeidade (seus aspectos físicos e neuromotores), expandindo-a do campo físico ao campo fenomenal. O ponto de partida do filósofo é a volta do pré-reflexivo, como redescoberta da forma, mediante a Teoria da Gestalt (do alemão, forma), com a qual Merleau-Ponty tem contato. A partir dessa teoria, fica evidente que o sujeito estrutura o pensamento na maneira de ver o que está representado. Podemos exemplificar essa afirmativa no exemplo gráfico sobre a Lei da Semelhança. Nesse caso, ao sermos questionados sobre “como percebemos a imagem”, provavelmente digamos que se trata de figura disposta em colunas verticais de quatro quadrados. Seria muito difícil alguém, em relance, dizer que percebe uma imagem de quadrados e círculos distribuídos oito a oito em linhas horizontais. Assim, o agrupamento se dá pelos caracteres semelhantes, e, conforme enuncia a lei, pode ocorrer tanto nos estímulos visuais quanto nos

Partindo, então, dessa redescoberta, fica perceptível que em suas obras Estrutura do Comportamento e Fenomenologia da Percepção, mais especificamente no capítulo sobre o corpo, Merleau-Ponty supera a noção cartesiana através da Teoria do Corpo Próprio – teoria da primeira fase merleaupontyana, acerca da corporeidade, em diálogo com a filosofia de Descartes. Nessas obras, o filósofo utiliza-se de “categorias” (espécies de exemplos) por meio das quais explica seu pensamento e desenvolve sua tese. São elas: a questão da motricidade (movimento), a sexualidade, a linguagem e a experiência do membro fantasma. Para esse artigo, escolhi a experiência pré-reflexiva do membro fantasma como viés de explicação do pensamento de Merleau-Ponty, para que fique simples de entender a superação das antíteses ontológicas. Primeiramente, um questionamento: o que é o membro fantasma? Inúmeras pesquisas com amputados (sugestão: verificar dados, tabelas e informações no site da Associação Paranaense de Amputados acerca do membro fantasma) relatam que esses continuam a sentir os membros próprios e o mundo através desses membros depois de seres extirpados do todo. Diante desse resultado, então, logo nos surge um segundo – e bastante pertinente! – questionamento: como compreender o motivo da dor de um membro inexistente? Para essa última questão, exponho três formas de entendimento. Para uma perspectiva mecanicista, aos moldes do pensamento cartesiano, trata-se de uma energia ou um campo energético que se cria em função dos condutos de sangue que vão até o coto. Uma perspectiva intelectualista entende como uma ilusão. Já uma perspectiva de Merleau-Ponty é inovadora. Vamos exemplificar, fazendo uma breve ginástica mental: Caso você, leitor, seja destro, imagine seu braço direito; caso contrário, imagine seu braço esquerdo. Imaginou? Perceba que esse seu braço adquire diversas funções em sua vida. Você utiliza-o para manusear as coisas, para pentear o cabelo, para alimentar-se, para abrir uma porta, para tocas as coisas... Enfim, esse seu braço é possui-

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dor de intenções para você, sujeito.

a experiência do membro fantasma.

Agora, imagine que você venha a perder esse seu braço, e o tenha seccionado do seu corpo. A perda desse braço (direito ou esquerdo, depende) não significa, contudo, a perda das intenções suas, sujeito, de manusear as coisas do mundo. Também não significa que o mundo vai deixar de exigir que você, sujeito, manuseie as coisas.

Assim, a filosofia merleaupontyana inaugura um corpo fenomenal, que será a base de uma nova filosofia: a Fenomenologia, que, assim como o cartesianismo trouxe – e continua trazendo – diversos impactos, trará consequências no que concerne ao desenvolvimento das chamadas ciências humanas.

Dessa forma, a partir dessa experiência, fica muito compreensível a superação que MerleauPonty realiza. Retomando a percepção (que é a experiência direta), ele estabelece a compreensão da existência a partir da vivência corpórea.

Dessa forma, possuidores desse corpo fenomenal, Merleau-Ponty está nos dizendo que nossa relação com as coisas não é uma relação distante, mas que as coisas falam ao nosso corpo e à nossa vida na medida em que esse mesmo corpo fenomenal integra o corpo e a mente; o eu, o outro e as coisas.

Nesse sentido, o corpo não está reduzido aos fisiologismos e às funções orgânicas como outrora, mas traduz em si gestos carregados de intencionalidade. Assim, o corpo é um espaço expressivo dotado de intenções que não é apenas o reflexo do ser no mundo, mas é o veículo da existência. Portanto, fica evidente que Merleau-Ponty supera a objetividade científica, mais especificamente a teoria mecanicista sobre o corpo. De forma sucinta, essa ponte estabeleceu-se pela integração da existência ao corpo, mediante um exame da vivência pré-reflexiva do corpo próprio, tal como

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Odenir Nadalin Júnior é aluno do segundo ano do Ensino Médio no Colégio Medianeira. Participou do PIBIC Jr (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio), que é um programa realizado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) destinado a promover projetos de pesquisa para jovens em várias áreas do conhecimento. Sua pesquisa foi na área de Ciências Humanas – Filosofia.

FENOMENOLOGIA E ONTOLOGIA EM MERLEAU-PONTY AUTOR: MARCUS SACRINI FERRAZ Editora PAPIRUS Neste livro, o autor percorre todo o legado de Merleau-Ponty para rastrear a transformação da filosofia fenomenológica dos anos 1940 na ontologia do ser bruto, do final de sua obra. A fim de contribuir para o entendimento dos caminhos trilhados pelo filósofo para superar suas limitações e formular uma reflexão que renovasse um dos problemas centrais da tradição filosófica ocidental - a compreensão do ser , Marcus Ferraz explora as críticas do próprio Merleau-Ponty dirigidas a seu projeto inicial. O livro traz ainda um apêndice com notas inéditas de Merleau-Ponty, em sua língua original.

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O que fica para

TODA A VIDA Por Carolina Boscarino

S

Ser tirado de sala pelo coordenador geralmente não é um bom sinal. Foi a primeira coisa que eu pensei quando fui chamada, junto com dois colegas, pelo coordenador. O caminho da minha terceira carteira até a porta foi uma angústia: revirei todo meu histórico escolar em busca de alguma coisa muito ruim que eu tivesse feito, qualquer coisa que eu tivesse deixado passar por algum motivo. Mas nada encontrei. Por sorte, me tranquilizei ao perceber que apenas os bons alunos do colégio haviam sido chamados.

Um relato sobre a aventura intelectual da pesquisa, exemplo prático de excelência humana e acadêmica.

Nesse dia me convidaram a participar de um tal de PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica). Eu nunca tinha ouvido nem falar disso. Então explicaram que se parecia com o Projeto de Pesquisa realizado no colégio desde a quinta série. Passava por ter um tema, informar sua relevância, pesquisar sobre ele e apresentar resultados e alguma conclusão. Porém, na sala, havia dezoito brilhantes pessoas e apenas oito vagas para o nosso colégio. Fomos informados de que a seleção seria feita pela universidade que coordenava o projeto: a

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Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC). Para fazer parte do programa, recebemos uma apostila com os campos de pesquisa abertos pela instituição dos quais escolheríamos três opções e escreveríamos um texto justificando cada uma de nossas escolhas. Esse texto seria avaliado e os melhores seriam escolhidos para participar do projeto. Todos estavam empolgados, era uma oportunidade diferente. Não obstante, havia um problema por trás daquilo: os textos deveriam ser entregues no dia seguinte. Não me lembro quantas vezes reescrevi o mesmo texto aquele dia, mas foram várias. Na manhã seguinte, eu estava com tudo pronto, era só entregar. Melhor, era só entregar e esperar que saísse o resultado. Para ser sincera, eu não me lembro o dia que me contaram que eu havia sido escolhida. Lembro da palestra que fizeram na PUC; nesse dia conheci a Letícia, minha orientadora: uma mulher adorável. Também soube algo mais sobre o Projeto, sobre a instituição, regras básicas, etc. Duas semanas depois, recebi uma mensagem do meu novo colega em meu celular. Nos encontramos na universidade e, nesse dia, me explicaram exatamente como seria o trabalho. Não era nada fácil, não apenas por ser trabalhoso, ter que aplicar entrevistas, e coisas do estilo. Mas porque, na bibliografia, encontrei palavras e conceitos com que eu nunca havia me deparado antes. Isso gerou um pouco de medo em mim, eu não sabia se ia dar conta de tudo. Por sorte, eu contei com a ajuda de dois colegas – também participantes do PIBIC – porém alunos de Arquitetura da PUC: Fábio e Jackie. Além de pessoas especiais, estavam ali todas as vezes que eu precisei – que não foram poucas. Trabalhar com eles era diferente para mim, já que tinham uma visão mais ampla, mais conhecimento, enfim, para mim foi muito bom no sentido de conviver com pessoas que aumentaram o meu próprio saber. Minha pesquisa foi voltada à área de gestão urbana, tendo como objetivo analisar o sistema antrópico e natural do Parque Tingui para propor subsídios à sua gestão. Eu fiquei bastante tempo fazendo um embasamento teórico-conceitual, não tanto porque era parte obrigatória do trabalho, mas porque eu mesma precisava daquilo para poder entender do que minha pesquisa tratava, o que significava

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cada um dos termos importantes, etc. Depois eu li o plano de manejo do Parque, o Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano de 1985, e várias outras bibliografias que me fizeram sentir que eu realmente estava fazendo o que os cientistas fazem: pesquisa. Mas não aquela pesquisa da Internet, a que todos têm acesso. Uma pesquisa em uma biblioteca de uma universidade, com livros que não estão em qualquer lugar, e isso para mim foi muito especial. Porém, a melhor parte da pesquisa – sem sombra de dúvida – foi a aplicação dos questionários no Parque. Foi cansativo, sim. Mas eu me diverti muito, as pessoas parecem envolver-se com a pesquisa. Parecem felizes que alguém preste atenção e queira saber a opinião delas. Bom, nem todas. Mas foi algo único para mim, muito embora, nas palavras do Fábio: “Contar resultados de questionários é um trabalho que não rende”, eu adorei ficar contando. Como disse anteriormente: fez com que eu me sentisse parte de algo maior, de que eu nunca havia participado antes. Depois de entregar meu trabalho pronto, com a conclusão, discussão, referências bibliográficas, apresentar, ver meus amigos apresentando, sentir um orgulho tremendo, eu voltei para casa. E, nesse momento, nasceu em mim um sentimento enorme de nostalgia, um pouco inexplicável, já que eu estava muito orgulhosa de tudo o que eu havia feito e como havia feito. Então comecei a pensar sobre isso e percebi que sentia falta da necessidade de procurar algo novo, de precisar aplicar alguma entrevista, sentia que aquele espírito de pesquisadora ainda estava ali dentro. Ao constatar isso, descobri que por toda minha vida eu levaria essa vontade de realizar algo que algum dia se some aos conhecimentos de outra pessoa, podendo, assim, fazer a diferença de alguma forma. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br) Carolina Boscarino é aluna do segundo ano do Ensino Médio no Colégio Medianeira. Participou do PIBIC Jr (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio), que é um programa realizado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) destinado a promover projetos de pesquisa para jovens em várias áreas do conhecimento. Carolina participou de pesquisa na área de Gestão Urbana com um trabalho sobre o Parque Tingui, que se encaixa num projeto maior chamado “Paisagem Solidária”.


Encontros com o

SACI-

PERERÊ

S Por André de Meijer

Veja que interessante estudo sobre a convivência com o sobrenatural presente nos moradores de Guaraqueçaba (PR) na década de 1970 e a relação com a fauna e a flora na qual os habitantes estão mergulhados.

Para quem gosta da boa leitura, ser confrontado com um texto mal-escrito pode ser bem frustrante. Da mesma forma, a descoberta inesperada de uma obra-prima pode gerar um sentimento de grande felicidade. A última experiência tive logo na minha chegada no Paraná, em 1979. Naquele ano, a UFPR lançou Guaraqueçaba – mar e mato, a meu ver uma das melhores publicações paranaenses da década de 1970. Neste livro de dois volumes, combina-se ciência com arte: um dos volumes consiste totalmente de desenhos. O livro apresenta os resultados obtidos pelo jovem casal espanhol Júlio e Janine Alvar num trabalho de campo feito em 1974. Naquela época, a intelectualidade europeia tendia a evitar o Brasil, mas talvez pela razão que os Alvares tinham sido criados sob o jugo franquista, não se espantavam tanto com a ditadura militar brasileira. Hoje o seu belo livro tem se tornado obra rara. Seria muito importante tê-lo reimpresso em fac-símile, para que pudesse ser distribuído a todas as escolas e bibliotecas do litoral paranaense.

O meu capítulo favorito do livro é Etnografia descritiva. Lá os autores passam para o leitor um

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sentimento de profundo respeito pelos moradores nativos da região. A humildade dos autores, na interpretação dos dados obtidos, fica manifesta no magnífico Vocabulário, onde optaram por citar literalmente a fala das pessoas entrevistadas. Como exemplo disso reproduzirei a seguir as informações apresentadas por eles para os vocábulos relacionados ao “saci” e “saci-pererê” (estão entre parênteses as iniciais da pessoa citada, cuja identidade os autores respeitosamente mantêm em sigilo). FEMFÉM • Considera-se pássaro maléfico e a crença popular pensa que não morre; por isto não é caçado (BO). FIM-FIM • Pássaro que não é caçado (PC). O mesmo que FEM-FÉM. Ver: SACI-PERERÊ. SACI • Ave considerada maléfica. “Pode ser pássaro sem-fim ou fim-fim, que grita fim-fim. Outros dizem que grita ‘fim-saci-pererê’. Uns contam que não se consegue matar, outros que tem sete olhos. Mentira” (RB). SACI • “Um moleque pretinho; feio. Surra a gente. Briga com cachorro. Amarra rabo de cavalo. Assobia de noite. O moleque vira fenfém; não se pode negar. É perigoso” (GR). “A gente sabe que é coisa ruim. Tem gente que não pensa que é o diabo. Um moleque malandro que surra os que provocam ele e deixa quase morto” (RB).

SACI-PERERÊ • “Demônio que xinga a gente” (BAR). “Assobia às vezes” (BE). “É um passarinho; fenfém não morre” (BO). “Esse tem, ouvi assobiar de noite” (G). “A gente tem medo de ouvir falar de fem-fém”. “Ninguém mata ele; é passarinho do demônio, maligno” (PC). “Assobia pelo mato para assustar”(S). SACI-PERERÊ • Espírito do mal do mato (AÇ). “Como um mangueiro (cachorro-do-mato) de só um pé. Não se consegue pegar. O rastro era de só um pé. O senhor viu ele, não conseguiu pegar. Desapareceu no mato” (T). “Espírito do mal, ‘do mato’, que diz seu nome, assusta a gente, surra os cachorros” (AR). SEM-FIM • O mesmo que SACI. “SEM-FIM é um passarinho” (LA).

O casal Alvar tinha uma boa razão para escolher o município de Guaraqueçaba para o seu estudo etnográfico: previam que nesta região tão isolada a população tinha desenvolvida uma cultura bem própria, que, como consequência da abertura da PR-405 recém-inaugurada (1970), logo sofreria alterações profundas. Eles compuseram para as entrevistas uma ficha etnográfica, que continha também perguntas sobre religião e crenças em entidades sobre

Tabela 1. A distribuição das igrejas pelo município de Guaraqueçaba, em 1974. (1)

Tipo de igreja

% (2)

Católica

33

85

Batista

15

38

Pentecostal (Assembleia)

12

31

Adventista

10

26

Congregação Crista do Brasil

4

10

"Saravá" (Umbanda)

4

10

Sabatistas

1

3

Testemunhas de Jeová

1

3

Igreja de Filadélfia

1

3

(1) Fonte: Alvar & Alvar 1979, Vol. 1 (pp. 117, 125). (2) Total de comunidades investigadas: 39.

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Número de comunidades com seguidores da igreja


Seria interessante alguém levantar a distribuição atual das igrejas pelo município de Guaraqueçaba. Será que mudou muito, no terço de um século que passou desde que os Alvares fizeram a sua pesquisa? Tabela 2. A distribuição da crença em entidades sobrenaturais no município de Guaraqueçaba, em 1974. (1)

Tipo de entidade

Número de comunidades onde se acredita na entidade

Porcentagem do total das comunidades investigadas (n=39)

saci, saci-pererê

15

38

lobisomem

12

31

cavalo-semcabeça, mulasem-cabeça

10

26

Descrição (2)

"Etnogr. Uma das mais populares entidades fantásticas do Brasil, negrinho de uma só perna, de cachimbo e com barrete vermelho (fonte, este último, de seus poderes mágicos), e que, consoante a crença popular, persegue os viajantes ou lhes arma ciladas pelo caminho; saci, saci-cererê, matimpererê, martimpererê, matintapereira, matintaperera e matitaperê." "Folcl. Homem que, segundo a crendice vulgar, se transforma em lobo e vagueia nas noites de sexta-feira pelas estradas, assustando as pessoas, até encontrar quem, ferindo-o, o desencante." "Bras. Folcl. Conforme a crendice popular, concubina de padre, que, metamorfoseado em mula, sai, certas noites, cumprindo o seu fadário, a correr desabaladamente, ao fúnebre tilintar de cadeias que arrasta, amedrontando os supersticiosos." (fadário = destino talhado por poder sobrenatural)

boitatá

9

23

bruxa

5

13

fantasma

5

13

"(Denominação popular do) fogo-fátuo: inflamação espontânea de gases emanados de sepulturas e de pântanos; fageréu." "Bras. GO Folcl. A última das sete filhas de um mesmo casal que não foi batizada pela irmã mais velha, e que vira coruja, e, à noite, entra pelo telhado e pelas janelas para chupar o sangue de crianças, bebe cachaça e pia forte, voando e soltando gargalhadas." "Suposto reaparecimento de defunto ou de alma penada, em geral sob forma indefinida e evanescente, quer no seu antigo aspecto, quer usando atributos próprios, como sudário, cadeias, etc."

(1) Fonte: Alvar & Alvar 1979, Vol. 1 (pp. 117, 205, 207). (2) Fonte: Ferreira 1999.

Vivendo na área rural de Antonina, próxima à divisa com o município de Guaraqueçaba, e conversando regularmente com moradores nativos, percebo que a crença em entidades sobrenaturais não tem perdido a força, pois todas as informações apresentadas no Vocabulário dos Alvar valem até os dias de hoje: a crença nas entidades sobrenaturais listadas em Tabela 2 continua viva no imaginário da população rural adulta. Assim, não deve surpreender que, devido ao meu hábito de vagar sozinho pelas estradas isoladas da região, a população sussurra que sou a última encarnação do lobisomem. Para não apanhar, tenho de permanecer em casa nas noites de sexta-feira. Frequentemente, fico impressionado com o grande conhecimento que muitos moradores nativos possuem da natureza local. Atualmente,

a caça está totalmente proibida, mas não se pode negar que os inveterados caçadores do passado hoje são as pessoas com mais conhecimento da fauna regional. Trata-se de um saber autêntico, proveniente da observação direta e de informações transmitidas do pai para filho. Já que muitas dessas pessoas lêem pouco e não possuem livros, o seu conhecimento não sofreu influência pela palavra escrita. Alguns deles hoje trabalham como guarda-parques nas três reservas naturais da SPVS, em Antonina e Guaraqueçaba. Eles costumam assistir e ajudar estudantes universitários que desenvolvam pesquisas nessas reservas. É interessante que, nos quase dez anos de convívio com acadêmicos, esses guardas não perderam as suas crendices. Sobre as entidades sobrenaturais, eles continuam con-

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tando os mesmos detalhes há trinta anos listados pelo casal Alvar. Agora, acontece que esses guardas acrescentaram um detalhe muito importante, que me motivou a escrever essa carta. Segundo eles, o “sem-fim” é uma ave, cujo canto consiste em duas sílabas (“sa-ci”), enquanto o “saci-pererê” é um espírito da floresta, cuja vocalização consiste de quatro a cinco sílabas (“sa-ci-pe-re[-rê]”). Eles dizem que no passado o último (o espírito) era mais comum do que hoje.

Nasci e me criei na Holanda, onde ocorre no verão uma ave de voz bissilábica (“cu-co”) conhecida também pelos brasileiros, pois existe um relógio de parede que imita este canto ao dar as horas. Essa ave, o cuco (Cuculus canorus) tem o costume notório de por os seus ovos nos ninhos de outras aves para que estas os choquem. O mesmo tipo de parasitismo ocorre em três parentes brasileiros do cuco(a), todos ocorrentes no Paraná. Os nomes vulgares dos últimos são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3. Nomes vulgares, segundo a literatura, dos três cuculídeos parasitos brasileiros.

Fonte dos nomes

Tapera naevia (Linnaeus, 1766)

Dromococcyx phasianellus

(Pelzeln, 1870)

(Spix, 1824)

CBRO 20096

saci

peixe-fritopavonino

peixe-fritoverdadeiro

Ferreira 1999

saci, crispim, fenfém, peitica, peito-ferido, peixe-frito, piririguá, roceira-planta, sede-sede, seco-fico, sem-fim, tempo-quente

peixe-frito

peixe-frito

Frisch 1981

saci

saci-pavão

saci-da-mata

Scherer-Neto & Straube 1995

saci

peixe-frito; saci-pererê

peixe-fritogrande

Sick 1985

saci, tico-tico-de-três-cabeças (SC), sem-fim, peitica, tempo-quente, peixe-frito (BA), pitica (PA), peixe-frito-seu-veríssimo (nome aplicado a indivíduos que usam a estrofe prolongada)

peixe-fritopavonino

peixe-fritoverdadeiro

saci

peixe-frito

Straube et al. 2009

Todas essas espécies ocorrem no Paraná: Tapera naevia é comum no estado todo, também Dromococcyx pavoninus ocorre em todo o estado, mas é rara e D. phasianellus ocorre somente no Terceiro Planalto, onde é rara. Como se vê na tabela, os nomes vulgares mais amplamente usados para as duas espécies ocorrentes no leste do Paraná são saci para a primeira e peixe-fritopavonino para a segunda. São esses os nomes que usarei daqui em diante. O saci e os peixes-fritos têm em comum com o referido parente europeu o fato de que são mais

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Dromococcyx pavoninus

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facilmente ouvidos do que vistos. Pessoalmente já vi o saci um bom número de vezes, mas em nenhuma destas ocasiões estava vocalizando. Algumas vezes vocalizava um pouco antes ou um pouco depois da visualização, em local próximo, e assim pude deduzir que o canto bissilábico era proveniente desta espécie. Não há dúvida que o “sem-fim” dos residentes do litoral norte do Paraná se trata do saci dos livros de aves citados. Resolver o mistério do peixe-frito-pavonino foi muito mais difícil para mim. Sick (1985) descreve a sua vocalização em palavras e a tecnolo-


gia de hoje permite que essa voz seja escutada por qualquer um, acessando a página da Internet <www.wikiaves.com.br/> (clicar em Sons). Nos meus sete anos de residência no litoral, tenho escutado a voz do peixe-frito-pavonino várias vezes e para mim não existe mais dúvida de que essa ave represente o misterioso saci-pererê dos residentes locais. No mesmo período, visualizei a ave apenas uma vez, dentro da floresta, e ele não estava vocalizando (b). Assim, sem os meus livros e sem o referido recurso da Internet, não teria conseguido relacionar aquela ave com a voz escutada em outros momentos. Já que se trata de uma ave rara, restrita à floresta e de hábitos sigilosos, é bastante compreensível que os moradores do litoral paranaense e de outras regiões do Brasil não tenham conseguido resolver o enigma e acabaram concluindo que se trata da voz de um espírito. Tenho escutado a vocalização do peixe-fritopavonino somente no período de julho a dezembro, o que não necessariamente significa que a espécie é migratória; pode simplesmente não vocalizar no período de janeiro a junho e assim passar despercebida. Canta principalmente de madrugada e à noite, apenas em dias muito nublados também durante o dia. Também o saci canta frequentemente à noite, segundo Sick do poleiro (Sick 1985: 321). Imagino que o peixefrito-pavonino também está empoleirado quando canta à noite, mas a sua voz ventríloqua pode causar a impressão que está se deslocando pela floresta na escuridão, como aconteceu no seguinte relato: “Tinha uns quinze anos de idade quando saí para caçar macuco no crepúsculo. A gente aproveitava o costume dessa ave de piar em resposta, não só durante o dia, mas também quando empoleirada para a noite, neste último caso se tornando alvo fácil. Estava escurecendo quando de repente escutei um bando de pombas pousar na copa da árvore ao meu lado. Olhei para cima, mas não consegui descobrir pomba alguma! “Aí tem coisa”, pensei, o que foi logo confirmado, pois lá veio aquela voz horripilante do saci-pererê. Resolvi me mandar! Andei apressado e só quando alcancei a margem da floresta respirei aliviado, pois se sabe que o saci-pererê não gosta de entrar em terreno aberto. Foi aí que ele cantou novamente, essa vez bem ao meu lado! O danado

tinha me perseguido pelo percurso todo!”. (Depoimento obtido de João Maria dos Santos, que viveu essa aventura na antiga fazenda Bom Jesus, na altura da PR-405 km 8, numa picada que hoje corresponde à Trilha da Rede, da Reserva Natural do Rio Cachoeira.

Um outro residente local também me forneceu um relato de primeira mão: “De repente, os meus cachorros começaram a latir. Saí da casa para ver o que estava acontecendo. Logo descobri. Um tamanduá-mirim tinha acabado de escapar da minha cachorrada, subindo num pé de café. Não entendi como este animal lento tinha conseguido evitar ser estraçalhado pelos cachorros. Acendi a minha lanterna poderosa (Três pilhas!), que misteriosamente apagou de imediato. Isso me espantou e voltei para dentro da casa, onde contei o acontecimento a minha esposa, que exclamou: ‘Que Jesus nós protege!’. Peguei coragem e fui fazer outra espiada no quintal. Lá os cachorros continuavam de guarda no pé de café, mas agora estavam quietos e... o tamanduá tinha milagrosamente desaparecido! Então entendi: tinha sido o saci-pererê assumindo a forma de tamanduá!”. (Depoimento de Paulo Pereira, residente do PR-340 próximo ao rio do Nunes).

Esses dois acontecimentos me foram relatados com toda sinceridade: os homens não estavam zombando de mim. Acho fantástico que esta crença consegue sobreviver na era do rádio e da televisão! Agora gostaria de dar uma sugestão aos professores atuantes no litoral paranaense: tentem resgatar relatos como esses, através dos seus alunos, que podem entrevistar os seus próprios pais e avós. Se juntar essas histórias e ilustrá-las pelos nossos artistas paranaenses, pode dar um livro magnífico! Iniciei essa carta declarando o meu amor à “Guaraqueçaba – mar e mato”. Assim, nada mais natural do que fechar essa carta com uma citação dessa obra: “O mito e sobrenatural são necessários para que um povo subsista. Talvez, mais do que nunca, apesar de tudo o que se diz, dentro da nossa civilização mecanizada e privada de toda crença em um mundo melhor, o homem se aferra a alguns ídolos que se convertem em mito, desumanizando-os, ao dissolver-se na massa. É preciso conhecer essa terra e havê-lo vivido para poder esboçar, por arte e magia, algo que não se apalpa,

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mas que se percebe nos ruídos da noite, no murmúrio do amanhecer ou nas cores do ar. Quantas coisas nos contaram os pescadores e os caboclos de Guaraqueçaba e muito mais ainda poderiam contar, mas que guardaram para si, por receio de falta de cultura, e da qual no entanto são ricos, ou por temer de que percam força e realidade se saírem deles.”

(André de Meijer, 30 de setembro de 2010) (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

André de Meijer é assim apresentado por Guilherme Schühli: André é o Fritz Müller dos Fungos, o que lhe cai bem, mas poucos associariam a imagem. Neonaturalista é desafiador e pertinente.Naturalista Holandês é ótimo mesmo. Que título oferecer a alguém que fugiu à tabela de figuras disponível para ser quando crescer? Que sem vestibular ou faculdade fez melhor do que muito doutor? Sem currículo Lattes, ofereceu contribuições sem tamanho às ciências naturais? O André (e por que não chamá-lo de doutor André?) é sobretudo um poeta que conseguiu a conexão da leitura com a ciência com as entrelinhas da estética. É tudo que a gente quer ser quando criança e do que nos perdemos nas distrações de um mundo lógico (parafraseando o Supertramp em suas desilusões da “Logical song”). Certeiro seria dizer que este André é curioso, e como é bom ser curioso!

N O T A S (a)

Este parasitismo existe também em várias espécies de icterídeos, inclusive duas que ocorrem no litoral norte do Paraná: o irauná-grande (Molothrus oryzivorus), que põe os ovos no ninho de guaxe (Cacicus haemorrhous) e a vira-bosta (Molothrus bonariensis), que põe os ovos no ninho do tico-tico e de muitas outras espécies de aves (Sick 1985).

(b)

Os meus registros de Dromococcyx pavoninus são os seguintes (sempre se tratando de um único indivíduo): • município de Guaraqueçaba: PR-405 km 40 (2007.vii.4). • município de Antonina, Reserva Natural do Rio Cachoeira: Trilha dos Pinheiros n° 0 (2005.viii.5+6; 2006.ix.9+30; 2006.x.3; 2008.vii.21; 2008.viii.7+16+17+18+27+28; 2010.ix.29); Trilha dos Pinheiros n° 4 (2007.xi.25); Trilha dos Pinheiros n° 10 (2008.viii.5); Trilha do Mirante (2006.x.8). • município de Antonina: PR-340 km 30 (2009.xii.30). Destes registros, apenas aquele da Trilha do Mirante foi visual, os outros foram auditivos. Todos aqueles da Trilha dos Pinheiros n° 0 foram feitos a partir da minha casa, que está situada próximo ao local.

REFERENCIAIS

BIBLIOGRÁFICOS

Alvar, J. & J. Alvar. 1979. Guaraqueçaba; mar e mato. Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba. 2 Vol. (Vol. 1: p. 1-207; Vol. 2: lâminas 1-233). CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos). 2009. Listas das Aves do Brasil. Versão 9/8/2009. Disponível em <http:// www.cbro.og.br>. Acesso em: 6 de novembro de 2009. Ferreira, A.B. de H. 1999. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa, Ed. 3. Nova Fronteira, Rio de Janeiro. 2128 pp. Frisch, D. 1981. Aves brasileiras. Dalgas-Ecoltec Ecologia Técnica, São Paulo. 342 pp. Scherer-Neto, P. & F.C. Straube. 1995. Aves do Paraná (História, lista anotada e bibliografia). Ed. dos autores, Curitiba, 79 pp. Sick, H. 1985. Ornitologia Brasileira, uma introdução. Ed. Universidade de Brasília, Brasília. 827 pp., 43 pl. Straube, F.C., E. Carrano, R.E.F. Santos, P. Scherer-Neto, C.F. Ribas, A.A.R. de Meijer, M.A.V. Vallejos, M. Lanzer, L. KlemannJúnior, M. Aurélio-Silva, A. Urben-Filho, M. Arzua, A.M.X. de Lima, R.L.M. Sobânia, L.R. Deconto, A.Â. Bispo, S. de Jesus & V. Abilhôa. 2009. Aves de Curitiba. Coletânea de registros. Prefeitura Municipal de Curitiba, Curitiba, 280 pp.

GUARAKESSABA - PARANÁ-BRASIL: PASSADO, PRESENTE, FUTURO AUTOR: MIGUEL VON BEHR Editora EMPRESA DAS ARTES Situada no litoral norte do estado do Paraná, Guaraquessaba é uma das mais complexas áreas protegidas do litoral brasileiro. Compreende o Parque Nacional de Superagui, a Reserva Natural Privada do Salto do Morato, uma Estação Ecológica e duas áreas de Proteção Ambiental. Abrange ainda regiões tombadas e é parte da Reserva da Biosfera. O livro apresenta um traçado ecológico e histórico da evolução da região e propostas de crescimento e preservação para o futuro.

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EDUCAÇÃO e

despolitização: UM ENSAIO

A

A insistência na necessidade de inserção da escola no contexto macro (mundo e país) e micro (a cultura da própria escola) na perspectiva de percepção das mudanças vertiginosas da atualidade e suas múltiplas exigências prolifera nas páginas de revistas, nos livros e nos jornais. A transição e as mudanças são as palavras de ordem.

Por Adalberto Fávero

“Não havendo um bote salvavidas do tamanho que coubesse a todos, a opção foi um colete individual centrado no autointeresse e na auto-realização.” (Z. Bauman)

Destaque-se, entre autores diversos, o trabalho de Boaventura de Sousa Santos, com sua perspectiva de um Conhecimento prudente por uma vida decente; os estudos da Teoria da Complexidade a partir de Morin, Capra, Maturana/Varela, Mariotti, Ardoino, Prigogine, Nicolescu; as publicações de Dreifuss, entre elas A época das perplexidades; a análise de Hobsbawm (A Era dos Extremos, por exemplo); outros autores como Lipovetsky, Bauman, Rifkin, Forrester (certamente guardando as suas especificidades de enfoques sobre essa questão)... Todos apontam para a urgência de um pensar aberto às mudanças e para um paradigma capaz

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de incorporar a verdade como transitória e relativa ao tempo e espaço em que é tecida. Nessa mesma perspectiva, aponte-se para a intransferível necessidade da tessitura (nas escolas) de um currículo aberto e dinâmico, de matriz transdisciplinar com sua base de pensar definida, de clara opção epistemológica centrada no pensamento complexo, dos cuidados com a aprendizagem, com a avaliação, com as relações, com os limites... Nesse mesmo quadro de percepções, situamse as propostas da formação de professores e a formação de formadores na escola do ensino básico, bem como naquelas universidades voltadas às preocupações com a formação da pessoa toda e de todas as pessoas. Penso ser importante trazer para essa reflexão alguns temas e/ou tendências atuais de estudos, entre eles o debate acerca do multiculturalismo e a temática da diversidade, destacando as várias nuances desses enfoques. De modo especial, aponte-se a forte tendência de descaracterizar os reais conflitos de classe, bem como a política e a tendência de centrar toda reflexão na cultura e na questão da identidade. Não se trata aqui do não reconhecimento das singularidades ou da negação da história de dominação e de luta que também está no bojo dessa problemática. Nem se pretende negar a importância das questões de gênero, por exemplo. Trata-se, isso sim, de retomar o foco social? político? econômico? cultural em sua amplitude, bem como suas implicações no trabalho com a educação e com a formação de pessoas que atuam e/ ou atuarão na formação de novos referenciais pessoais e coletivos dentro da/na educação. Antes de entrar na discussão acerca de inferências do multiculturalismo/identidade e seus corolários, destaque-se um dos paralelos desses novos enfoques: o detergenciamento das relações, da linguagem e das categorias até pouco tempo capazes de servir de modelo explicativo às situações diversas da realidade e do trato com o conhecimento, como refletem Bauman, Lipovetsky e Rifkin.

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A cultura contemporânea tem tornado sem sentido ou descaracterizado conceitos e princípios relacionais até então imprescindíveis para todos nós, tais como direita e esquerda ou a questão de classe social. O sujeito histórico da vertente materialista dialética, o intelectual orgânico de Gramsci, o Outro de Levinas... parecem estar mortos ou foram jogados no limbo na desconstrução fragmentária da cultura atual. Impera Narciso e um narciso, como diria Lipovetsky, que não é mais apenas a sensação suprema de se ver no espelho e se deliciar no seu próprio eu supremo e solitário. Não se trata mais e apenas de admirar o próprio umbigo. O narciso atual reflete-se, por exemplo, nos skinheads, grupo que pensa igual e que se lê com identidade própria e repetitiva... É o culto ao igual e/ou à reprodução de si mesmo. Uma certa clonagem às avessas. O Outro não mais me revela e/ou me questiona, o Outro não mais me constitui. O outro e o sujeito parecem mortos, detergenciados e/ ou liquefeitos. Em vertente “paralela”, o Joãozinho da sala de aula, o incapaz de ficar parado, o falante e perturbador da ordem, o doente com nome definido... todos receberam uma linguagem psicológica que, indiferente à necessidade de percebê-los como singulares, liquefez e detergenciou os sentidos. Agora nós temos DA, TDH, DM, ANE... tudo altamente justificado e justificável, mas estéril de sentidos como insistem Rifkin e Lipovetsky. A discussão da igualdade e da diferença desviou-se para o gênero e para a psicologização das relações num imaginário vinculado à categoria de identidade muito própria do campo cultural de análise. O caminho é próximo daquelas experiências da história das mentalidades e do cotidiano ou da história cultural e da identidade descoladas das questões estruturais e conjunturais e seus processos histórico-sociais. Se o materialismo dialético centrara todo o peso na economia como base da estrutura, nos modos de produção e no trabalho como centro


do dinamismo e da produção dos sentidos, por seu turno a vertente cultural liquefez a base estrutural dos processos sociais, o tempo, o espaço, os sujeitos e a história. Nesse conjunto de discussões é que a atual defesa e a mobilização multicultural e de gênero podem esconder o real conflito de classe e impedir uma mobilização social efetiva da sociedade civil e/ou “organizada”. Não é possível discutir inclusão, por exemplo, desfocada de uma sociedade que prima pela descartabilidade dos trabalhadores, do emprego tradicional, dos países periféricos e de continentes inteiros, agora desnecessários. Por um lado, não é suficiente pensar em mão de obra de reserva, pois a cada dia é mais dispensável o trabalho “produtivo” e também o trabalhador, com a automação e o avanço e supremacia dos serviços. Por outro lado, o avanço científico, as pesquisas biogenéticas e a velocidade da informação colocam as pessoas não apenas à margem da possibilidade de serem incluídas e sim fora da pirâmide social para serem descartadas. Descartáveis são o terceiro e o quarto mundo, exceção feita para o consumo e ampliação de mercados. O atual discurso político e social é conservador, preconceituoso e ultrajante. Nunca se detestou tanto o malabarista ou o vendedor do semáforo, o motorista com seu carro velho, a greve do trabalhador, os movimentos sociais, o “analfabeto” na presidência, o morador de rua... Os emails e as correntes na internet mostram-se espantosamente criativas nesse discurso conservador e preconceituoso. No entanto, a pobreza no quadro da parede, no cinema de Hollywood, na minissérie de tv e na letra da música continua pop. Discutir a cotas na universidade ou o Prouni já é motivo de raiva e desaprovação veemente nas rodas dos bem vividos e em muitos debates “de intelectuais bem sucedidos”. Afinal, nesse caso, o privilégio não é questão de cor, mesmo que 85% a 90% dos pobres no Brasil sejam descendentes de negros, embora isso não esgote a discussão.

Vera Maria Candau fala na necessidade de uma didática atravessada e na educação pela inculturação para se conseguir ir à frente nesses debates, enquanto Garcia e Moreira apontam para a necessidade de uma percepção da diferença além, contra e interior para que se possam superar as mesmices consagradas como certas. Diga-se, de passagem, que mesmo esse discurso da diferença é estranho. Para se falar em diferença não é necessário supor um igual ou um padrão definido como certo? Penso que o momento atual, mais que nunca, exige não refletir a questão a partir do igual ou do homogêneo e buscar na educação um trabalho de religação social e humana. Talvez seja urgente a religação por nova reflexão/ação política em seu sentido amplo e mais genuíno. Os processos de hominização e humanização oportunizam um aprendizado insubstituível sobre a integração entre o homem e o meio. Mais que isso, a história do universo (ainda tão pouco conhecido) e a história tão mais recente da terra em relação ao universo impõem uma nova consciência sistêmica que exige a superação da separação, da segregação, do desperdício de vida e dos reducionismos aceitos como absolutos. Expressões como transversalidade, transfuncionalidade, sistêmico, interdependência e afins deveriam se referir a essa perspectiva de religação entre o bio-phisis-antroposocial, entre a matéria e a não matéria, entre o sujeito e o objeto, entre a causa e o efeito, entre o fato e a consequência, entre o uno e o múltiplo, entre o específico e a totalidade, entre a ordem e a desordem, entre o homem e a terra, entre o saber científico e o senso comum, entre a academia e a escola básica, entre o indivíduo e a sociedade, entre o eu e o outro...

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Uma educação pensada e tecida coletivamente nessa perspectiva precisará ser dinâmica, aberta e transdisciplinar, ao ponto de religar os conhecimentos intra e extra sala de aula, indisciplinando as disciplinas não com sua eliminação ou mudança de nome e sim com a religação por concepções comuns, essenciais à defesa da vida e do planeta.

Nessa direção, parece ser necessário formar pessoas para trabalhar com a tessitura de ambientes e processos formativos consistentes, permanentes e dinâmicos nas escolas, em nossas casas e em nossos locais de trabalho; tecer concepções, sentidos e práticas de autonomia solidária no ser pessoal e coletivo, no pensar aberto, dinâmico e criativo, no agir individual e solidário.

No pressuposto de que a escola é espaço do trato da formação humana dentro da tradição histórica da humanidade e situada em tempo definido, o conhecimento – nas suas especificidades e na sua totalidade – precisa de uma vertente epistemológica aberta e estruturante dessa religação; precisa de dinâmica na capacidade de unir a multiplicidade e a diversidade na unidade pelo antagonismo, simultaneidade e complementaridade; precisa garantir a unidade na multiplicidade e também ser tecida nos limites do pensar e do ser, não limitada à lógica formal...

Impõe-se uma organização escolar voltada para o compromisso com uma vida, um país e um mundo mais decentes e capazes de promover o contradiscurso à organização escolar voltada à mera preparação para o mercado de trabalho ou centrada em atender a vontade do cliente ou, ainda, voltada apenas para a transmissão. Esse tipo de educação vê o conhecimento como produto em prateleiras do supermercado e somente se compromete com os resultados numéricos dos rankings e das pesquisas de mercado.

A educação no caminho do pensar complexo organiza e desconstrói portos seguros, sem cair no relativismo absoluto, reconhecendo a verdade em seu tempo e espaço. Uma educação de cunho transdisciplinar com essa vertente de pensamento, no entanto, exigirá educadores e formadores com uma atitude de protagonismo frente ao mundo e ao conhecimento que os mobilize e que conduza os seus alunos a transformar o conhecimento em saber para uma vida pessoal e coletiva digna de ser vivida, não solitariamente, mas solidariamente.

Importa caminhar tecendo caminhos. Esse caminho parece ser o desafio, a dificuldade e o sonho, dialogicamente em movimento de tessitura. Ou não?! (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br)

Adalberto Fávero é diretor acadêmico do Colégio Medianeira. Formado em Pedagogia, História e Teologia, é especialista em Currículo e Práticas Educativas (PUC-RJ) e mestre em Educação (PUCPR).

MODERNIDADE LÍQUIDA AUTOR: ZYGMUNT BAUMAN Editora JORGE ZAHAR A modernidade imediata é ‘leve’, ‘líquida’, ‘fluida’ e infinitamente mais dinâmica que a modernidade ‘sólida’ que suplantou. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana. Zygmunt Bauman cumpre aqui sua missão de sociólogo, esclarecendo como se deu essa transição e nos auxiliando a repensar os conceitos e esquemas cognitivos usados para descrever a experiência individual humana e sua história conjunta. Este livro complementa e conclui a análise realizada pelo autor em ‘Globalização - as conseqüências humanas’ e ‘Em Busca da Política’. Juntos, esses três volumes formam uma análise das condições cambiantes da vida social e política.

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A

MÚSICA na

ESCOLA:

algumas justificativas

Por Rosane Cardoso de Araújo

Para que a música esteja cada vez mais presente na escola, algumas orientações têm norteado a prática dos educadores, como a utilização de valores musicais, ou seja, argumentos que valorizam a música pelo seu próprio conteúdo, e os valores extramusicais, isto é, argumentos que indicam os efeitos benéficos que a música pode produzir no indivíduo.

N

No Brasil – país que possui uma rica e diversificada tradição musical – a prática do ensino da música nas escolas é um significativo componente da educação nos mais variados níveis, uma vez que este ensino é compatível com a finalidade do ensino básico e com os objetivos do ensino fundamental, ou seja, a formação íntegra do cidadão, mediante “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade” (BRASIL; LDB, 1996, Art. 32, inciso II). Para os professores, o ensino da música frequentemente é associado a diferentes argumentos que justificam este ensino no cotidiano escolar. Assim, para que a música esteja cada vez mais presente na escola, algumas orientações têm norteado a prática dos educadores, como a utilização de valores musicais, ou seja, argumentos

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que valorizam a música pelo seu próprio conteúdo, e os valores extramusicais, isto é, argumentos que indicam os efeitos benéficos que a música pode produzir no indivíduo.

Valores musicais Ao justificar o ensino da música pelo seu próprio conteúdo, pode-se argumentar que a música possui uma forma de linguagem própria, cujos conteúdos e elementos devem ser apresentados e compartilhados com todas as pessoas por meio da Educação Musical. Dominar conteúdos da música para compreender a diversidade de obras artístico/musicais é um direito do indivíduo e uma forma de garantir o acesso a uma significativa produção cultural da humanidade, pois o ensino da música proporciona o acesso à diversidade de práticas e manifestações musicais de diferentes culturas. Ressaltando o aspecto social do ensino da música na escola, Maura Penna (1990) defende esta prática como uma oportunidade de democratizar esse campo de aprendizagem que frequentemente tem sido privilégio de alunos mais favorecidos economicamente: Recuperamos a musicalização como um processo educacional orientado que visa desenvolver os instrumentos de percepção, expressão e pensamento necessários à decodificação da linguagem musical, como forma de promover, em todos os alunos, a competência artística (especificamente no campo musical) destinada socialmente a uma minoria (PENNA, 1990, p. 43).

Para Keith Swanwick (2000), numa sociedade multicultural e dinâmica, o professor de música deve ser um agente cultural, ou seja, o educador musical é eficaz quando estabelece o propósito educacional observando o sentido de intenção da música. Segundo ele, o professor não precisa ser um virtuoso musical, mas sim um crítico sensível que possa levar os alunos a alcançar um objetivo básico da educação musical, que é o desenvolvimento da apreciação: “Tal apreciação oferece prazer instantâneo, contribui para o sentido de uma vida que vale a pena viver, oferecenos insights ao reino dos sentimentos humanos” (SWANWICK, 1993, p.29).

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Valores extramusicais Para muitos educadores, é consenso a ideia de que a música contribui para o desenvolvimento emocional, cognitivo, psicomotor, para a construção de valores sociais e pessoais. Forquin e Gagnard (1982) consideram o ensino da música como um inestimável benefício para a formação, o desenvolvimento e o equilíbrio da personalidade da criança e do adolescente. E, seguindo essa abordagem, Liane Hentschke (1995) menciona razões significativas para que a educação musical faça parte do currículo escolar, destacando o desenvolvimento da sensibilidade artística e estética, o desenvolvimento da imaginação e do potencial criativo, o desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor e o desenvolvimento da comunicação verbal e não-verbal. Assim, valores extramusicais têm sido cada vez mais utilizados, e considerados para esta modalidade de ensino. A música, portanto, tem reconhecidamente a função de desenvolver potencialmente o indivíduo nos mais diferentes aspectos: cognitivos, motores, sociais e psíquicos.

Outras considerações A música nas escolas é necessária para a formação geral da criança e do jovem; enfim, de todos os indivíduos, considerando-se os valores musicais e extramusicais atribuídos. Assim, verificando-se que a educação do indivíduo é um elemento essencial para a realização da cidadania, observa-se que o ensino da música deve fazer parte deste processo, sendo oferecido para a população brasileira por meio das redes de ensino. Atualmente, embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira indique que o ensino da Música é um componente obrigatório do currículo, ainda não temos uma satisfatória sistematização deste ensino nas escolas. No texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino da Arte, encontram-se algumas indicações significativas para orientar o ensino da música nas escolas. De acordo com este documento, para que a aprendizagem da música possa ser fundamental na formação de cidadãos, é necessário que:


(...) todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da sala de aula. Envolvendo pessoas de fora no enriquecimento do ensino e promovendo interação com os grupos musicais e artísticos das localidades, a escola pode contribuir para que os alunos se tornem ouvintes sensíveis, amadores talentosos ou músicos profissionais. Incentivando a participação em shows, festivais, concertos, eventos da cultura popular e outras manifestações musicais, ela pode proporcionar condições para uma apreciação rica e ampla onde o aluno aprenda a valorizar os momentos importantes em que a música se inscreve no tempo e na história (BRASIL; PCNs – Arte, 2000, p.77).

O ensino da música, portanto, torna-se parte do processo de formação do cidadão, pois esta prática propicia não só a transmissão dos bens culturais da humanidade, como também traz outros benefícios ao educando. No entanto, a educação musical como um direto do cidadão, ou seja, um direito expresso pelo simples fato de que todos devem ter a oportunidade de compartilhar da produção cultural da sociedade, ainda necessita de uma ampla difusão nas escolas. Tal difusão passa pelos aspectos legais – como uma maior gestão e sistematização do ensino em nível nacional, estadual e municipal – e por aspectos específicos deste processo, como o gerenciamento deste ensino nos currículos escolares e o cuidado para com a formação do professor.

Por fim, a música nas escolas deve ser orientada de forma que proporcione aos alunos a oportunidade de manter um rico contato com o universo sonoro, oferecendo-lhes inúmeras atividades de crescimento pessoal e social, para que todos possam experimentar, como escreveu Snyders (1982), o prazer das “alegrias da música”. (Comente este artigo em mediacao@colegiomedianeira.g12.br) Rosane Cardoso de Araújo é doutora em Música pela UFRGS e professora dos cursos de Educação Musical e Mestrado em Música da UFPR / Departamento de Artes. REFERENCIAIS

BIBLIOGRÁFICOS

BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação. Rio de janeiro: Casa Editorial Pargos, 1997. (Apres. Esther Grossi). BRASIL. MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA; SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Arte. 2.ed.,v.4. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. FORQUIN, J.C.; GAGNARD, M. Por um desenvolvimento da educação musical. In: PORCHER, L. Educação artística luxo ou necessidade? São Paulo: Summus, 1982. HENTSCHKE, Liane. Educação Musical: um tom acima dos preconceitos. In: Presença pedagógica, Belo Horizonte, ano 1, n.3, p.28-35, mai./jun. 1995. PENNA, M. Reavaliações e buscas em musicalização. São Paulo: Loyola,1990. SNYDERS, Georges. A escola pode ensinar as alegrias da música? São Paulo: Cortez, 1992. SWANWICK, K. Musica, pensamiento y educación. 2º ed. Madrid: Ediciones Morata, 2000. _________________Permanecendo fiel à música na educação musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 2., 1993, Porto Alegre. Anais. Porto Alegre, 1993, p.19-32.

MÚSICA NA ESCOLA: A CONTRIBUIÇÃO DO ENSINO DA MÚSICA NO APRENDIZADO E NO CONVÍVIO SOCIAL DA CRIANÇA AUTOR: HANS GÜNTER BASTIAN Editora PAULINAS De 1992 a 1998, sob orientação do professor Hans Günther Bastian, foi realizada uma pesquisa em sete escolas de ensino fundamental de Berlim (Alemanha), com crianças de 6 a 12 anos, sobre a influência da educação musical no desenvolvimento individual e social dos estudantes. Sem perder de vista que a música, assim como demais manifestações artísticas, deve proporcionar a alegria pelo belo, pelo lúdico e pela criatividade, o grupo de pesquisadores pôde constatar que o ensino da música atua beneficamente nas habilidades cognitivas, psicomotoras, sociais, estéticas e criativas das crianças. As crianças que tiveram educação musical, sistematicamente, estavam mais integradas, social e emocionalmente, do que aquelas que não tinham acesso à disciplina (foram pesquisadas cinco turmas como grupo modelo e duas turmas como grupo de controle). No primeiro capítulo, Bastian lança a pergunta - precisamos de música? Para responder à questão, o autor recorre às diversas fundamentações (antropológica, pedagógico-cultural, ontológica, teórico didáticas, político educacionais, terapêuticas, entre outras).

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O NATAL DO COLÉGIO

MEDIANEIRA Por Ilza de Souza Morais

Hoje eu quero homenagear

A escola é animada

Quem reclamar desse Colégio

O Colégio Medianeira

Porque tem sempre diversão

Não pode ter o seu "perdão"

Porque nele as crianças

Nela não tem a rotina

Porque ele é tão importante

Têm estudo de primeira

De só ver televisão

Que não tem nem explicação

Todos os seus Professores

As crianças fazem programas

É um Colégio exemplar

Ensinam bem a aula inteira

Para a sua educação

É o melhor da região

Só não aprende quem não quer

Sempre aprendem algo novo

Em Curitiba não existe

Ou se a criança for bagunceira.

Para a sua formação.

Nenhum que tenha comparação.

Esse Colégio é uma benção O projeto do Colégio

Porque aprendem religião

Quem estudar nesse Colégio

Ele é sensacional

As crianças lêem a Bíblia

Terá uma grande admiração

As crianças são alegres

E a professora dá uma mão

Porque as pessoas são unidas

E valorizam o Natal!

De onde veio a criação

Com muito amor no coração

O Colégio faz Presépio

De todo homem e a mulher

Aqui existe o respeito

E ele é muito legal

E como existiu Adão.

E muita consideração E as pessoas se dedicam

Porque é o Padre Guido Que prepara o material.

As aulas são bem explicadas

Cada um na sua profissão.

E quem errar tem correção Ninguém sai se tiver dúvida

Agora eu vou terminar

Porque senão não passa não

Com emoção essa canção

Até uma sala de reforço

Porque as pessoas irão ver

Pra quem não tem condição

Que não estou mentindo não

De conseguir a sua média

Porque trabalho no Colégio

Porque Professores têm à disposição.

E tenho grande gratidão Por todos os seus funcionários E toda a sua direção!

Feliz Natal Colégio Medianeira Ilza de Souza Morais é educadora do Colégio Medianeira, atua no serviço de limpeza.

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