revista de educação do colégio medianeira NÚMERO 23
Mais alto do
que o céu
Inácio de Loyola recriado pela arte
Ética
Ela permeia todas as
disciplinas
Em nome da leitura um discurso apaixonado
ANO VIII
ISSN 1808-2564
Terceira idade
Educar-se é preciso mediação 1
Fotos: Paulinha Kozlowski
MIL M2 DE ÁREA VERDE NO COLÉGIO MEDIANEIRA.
M2 ESTÃO RESERVADOS PARA O SEU FILHO.
O Colégio Medianeira está instalado em 147 mil metros quadrados de área verde. São 60 metros quadrados de contato com a natureza por aluno. Com 56 anos, o Medianeira faz parte da Companhia de Jesus, presente no mundo todo e que atua no Brasil desde 1549. Ao todo, os jesuítas reúnem aproximadamente 1500 unidades de ensino em mais de 60 países, com mais de 2 milhões e 500 mil alunos. Colégio Medianeira: excelência humana e acadêmica.
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mediação
jesuitasbrasil.com
(41) 3218-8000 | www.colegiomedianeira.g12.br
COMPANHIA DE JESUS
Diretor Pe. Rui Körbes, S.J.
Diretor Acadêmico Prof. Adalberto Fávero
Diretor Administrativo Gilberto Vizini Vieira
Coord. Comunitário e de Esporte Prof. Francisco Alexandre Faigle
Coordenação Editorial
sumário
expediente
Revista de educação editada e produzida pelo Colégio Medianeira ISSN 1808-2564
Cezar Tridapalli
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Em nome da leitura
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A autonomia ética dos saberes
Paulo Venturelli
Alexandre Martins
Revisão Cezar Tridapalli
Redação Diego Zerwes
Projeto Gráfico Liliane Grein
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Cinema e escola Patricia Melo
Ilustração e imagens Shutterstock, Carlos Dala Stella e Paulinha Kozlowski
Colaboraram nesta edição Paulo Venturelli, Alexandre Martins, Patricia Melo, Celso Luis Podlasek, Eloy Fassi Casagrandre Júnior, Valdemiro Ruppenthal, Carlos Dala Stella, Flávio Stein, Ana Paula Abranoski, Edilson Ribeiro, Leonora Comego, Francisco Carlos Rehme.
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O design emocional Celso Luis Podlasek e Eloy Fassi Casagrandre Júnior
Tiragem 3500
Papel Capa: Papel reciclato 180g Miolo: Papel reciclato 90g
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Hepatites: um informe esclarecedor
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Fragmentos de um Inácio
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Sobre o [duplo] desafio da mediação de leitura
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A educação para a terceira idade
Valdomiro Ruppenthal
Numero de Páginas 52
Impressão Gráfica Radial Tel: 3333-9593
Equipe Pedagógica
Carlos Dala Stella
Supervisão Pedagógica Claudia Furtado de Miranda, Danielle Mari Stapassoli, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy e Fernando Guidini
Educação Infantil e E. Fundamental de 1º a 5º ano Coordenação Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro
Flávio Stein
Ensino Fundamental de 6º e 7º ano Coordenação Profª Eliane Dzierwa Zaionc
Ensino Fundamental de 8º e 9º ano Coordenação Profª Ivana Suski Vicentin
Ana Paula Abranoski
Ensino Médio Coordenação Profº Marcelo Pastre
Coordenação de Pastoral Pe. Guido Valli, S.J.
Coordenação de Midiaeducação Cezar Tridapalli
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Faxinais, desenvolvimento sustentável e escola: Edilson Ribeiro e Leonora Comegno
Comunicação e Marketing Vinícius Soares Pinto
Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.
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O hipopótamo e a restinga Francisco Carlos Rehme
Linha Verde - Av. José Richa, nº 10546 Prado velho - Curitiba/PR fone 41 3218 8000 Fax41 3218 8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediação@colegiomedianeira.g12.br
mediação
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editorial
C
aro leitor
O número 23 da Revista Me-
diação chega até suas mãos (e à sua tela) buscando levar conteúdos que contribuam para tecer a sempre inacabada teia do conhecimento. E, nesta edição, trazemos assuntos muitíssimo variados, mas, esperamos, unidos pela ideia de que educação é tema vasto, vastíssimo como o mundo de Drummond, com rimas, problematizações e, vá lá, algumas soluções.
mentário a respeito das etapas da criação). Também em primeira mão, publicamos o discurso de posse do escritor e ex-professor do Medianeira, Paulo Venturelli, na Academia Paranaense de Letras. Um discurso comovido e comovente que mostra como a leitura transformou a vida do menino tímido e aparentemente sem perspectivas. Ainda no sempre fértil terreno da leitura,
O que passa na cabeça de um
Flávio Stein fala sobre o papel do
artista em pleno processo de cria-
mediador. Entre o leitor iniciante e
ção? Teremos o privilégio de ler os
o livro, que função teria um tercei-
fragmentos de Carlos Dala Stella
ro elemento, o mediador?
enquanto elaborava o belíssimo mural Inácio de Loyola, instalado no início de 2013 dentro do Colégio Medianeira. Junto com suas elaborações discursivas, acompanhe desenhos, esboços do que mais tarde iria se transformar na obra em cimento estrutural com mais de 20 metros quadrados
Você também encontrará uma bela experiência de utilização da linguagem do cinema e do vídeo na escola pública e uma reflexão acerca do design emocional, que, em vez de estimular o consumo sem freios, pode reverter a descartabilidade dos objetos.
(uma dica preciosa: vá até o you-
No campo da Filosofia, o pro-
tube.com e digite “Mural Inácio de
fessor Alexandre Martins questio-
Loyola”. Veja um pequeno docu-
na os porquês de a Ética ficar con-
finada a uma disciplina e separada da vida e dos outros saberes. Ética, afinal, deve permear todas as relações e as diferentes disciplinas. Você sabe o que é um faxinal? Aprenda aqui e veja o quanto, por meio do envolvimento de alunos e dos educadores Edilson Ribeiro e Leonora Comegno, é possível melhorar a qualidade de vida da população. Hepatite, uma doença comum, mas pouco conhecida, e a educação de idosos em um país que está envelhecendo são outros artigos que nos fazem pensar e ressignificar temas conhecidos, porém pouco aprofundados. Para encerrar, como cereja no bolo, uma crônica deliciosa que viaja na geografia e na relação de um pai com seu filho. Uma boa leitura e escreva pra gente. Um abraço cordial. Cezar Tridapalli
Envie sugestões e comentários para:
mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Procure as edições anteriores, que podem ser lidas na íntegra, no nosso
www.midiaeducacao.com.br
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Cartas
Olá, Informo que recebi os dois
para o lixo de pia, como as de
exemplares, parabenizo a equi-
mercado para o lixo de banheiro
pe pelo comprometimento com
ou da cozinha, e as sacolas gran-
a Educação e o empenho da
des de lojas para o lixo reciclável,
organização, produção da Re-
que é maior.
vista... Muito feliz em ter nosso artigo contemplado nesse número 22...
Por esse motivo, acredito que o melhor não seria banir as sacolas plásticas, mas investir na educa-
Estamos divulgando...
ção das pessoas quanto à sua
Grande abraço e também meu
utilização, assim como é feito
muito obrigada.
com a separação do lixo.
Daniele Melo
Sei que não é fácil, mas tenho minhas dúvidas quanto à co-
Olá, Sei que já faz algum tempo desde a publicação, mas só agora tive tempo para comentar o artigo sobre o uso das sacolas plás-
brança pelo uso das sacolas. O texto se refere ao custo que isso significa na contabilidade dos hipermercados, mas sinceramente, alguém acredita que esse valor será abatido do valor
ticas (Mediação 22).
dos produtos?
Entendo perfeitamente o artigo,
Da minha parte acho apenas
mas gostaria de dizer que não
que vou ter que comprar os sa-
acho que as sacolas plásticas
cos de lixo que hoje aproveito
sejam as vilãs. O problema é o
das compras.
uso que se faz delas, ou a falta
Entendo que muitas pessoas
dele. Sempre que vou ao super-
deixarão de usar as sacolas devi-
mercado pego sacolas plásticas,
do ao valor, mas ainda acho que
apenas não deixo pela metade
direcionar o uso seria a melhor
como muitos. Encho o suficien-
solução.
te para não arrebentarem, e uso TODAS, sem exceção, como sacos de lixos, desde as pequenas
Um abraço, Eliane Debarba.
mediação
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artigo
Em nome
da LEITURA
Inesquecível professor de Literatura do Colégio Medianeira, o escritor Paulo Venturelli agora é membro da Academia Paranaense de Letras. E Mediação transcreve o seu discurso de posse, uma defesa apaixonada da leitura em suas múltiplas potencialidades. Por Paulo Venturelli
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enho de longe. Venho de
um menino encurralado pelos maus tratos físicos e psicológicos. Um menino frágil, tímido e gago como o garoto de Mishima em O Pavilhão Dourado. Um menino que devaneava, sentado numa forquilha de uma alta goiabeira no terreiro de sua casa, sonhando o mundo, pelo pedaço de Brusque que conhecia. Ali aquele menino, sem saber, aprendia um exercício fundamental para quem quer escrever: observar os detalhes, as cores, as nuances do entorno. Venho de um menino recolhido num internato católico onde a repressão imperava sobre todos os quesitos da mente e do corpo. O pecado era o grande espantalho a nutri-lo de culpas que nunca foram apagadas de todo. Mas, como a realidade é dialética, foi neste inferno que o menino conheceu o céu. Por meio de um professor de português, o menino descobriu a literatura e a leitura. E de tanto ler, com a mente prenhe de imagens, começou a escrever. Seus textos eram bem vistos e o menino, pela primeira vez em sua curta vida, teve aprovação social para o que era e o que fazia. Então o menino levantou a cabeça do fosso onde sempre rastejara e decidiu ser escritor, por ver na literatura não só um caminho, mas um modo de vida que se coadunava com a sua forma tímida e reclusa de ser. Este menino gostava de ir até o rio e contemplar o verde e o azul das águas batendo nas rochas, prolongando o exercício que
aprendera no alto da goiabeira e antecipando o que o adulto faria: isolar-se para pensar, para analisar, para fazer analogias e assim alimentar a mente que depois se extravasa nos textos diários.
mista e hedonista, a quebrar e
Louvo este menino corajoso que optou pela arte num meio hostil e totalmente filisteu. Que optou pela arte num ambiente que a renegava porque só quem sabia jogar futebol tinha valor ali e para tais tarefas práticas o menino era emperradamente inepto.
o teatro pronto do mundo e des-
Venho de longe. Do menino que se negou a crescer desde que descobriu que, fruindo a arte, podia também fazer alguma coisa em arte, ainda tudo muito canhestro e primitivo, mas valia o empenho para fugir da massa, para não ser acomodado como todos, para não se contentar com a pobreza e a estreiteza de um cotidiano chão, chulo e limitado.
mesmo arriscando a própria cabe-
Desde cedo este menino aprendeu que seria diferente e por esta razão chamaria muita incompreensão sobre si. Que teria uma ordem de valores dificilmente encontrável entre seus pares. Que teria aspirações que iriam muito além daquelas coisas rasteiras que sideravam a todos: carro, dinheiro, roupas de marca e toda a quinquilharia daquilo que ele não sabia chamar-se indústria cultural. Este menino optou por um caminho difícil, no qual nunca encontraria apoio e companhia. Louvo-o por isto. Ele não foi apenas corajoso, foi atrevido, aprendeu aos poucos a superar os rasos paradigmas da sociedade consu-
ultrapassar os tabus, a vencer os preconceitos, a cutucar nas verdades prontas para saber o que havia do outro lado. Este menino, em sua fragilidade, nunca aceitou confiava que nos bastidores poderia haver outros elementos para outras peças. E ele ousou ir até lá e buscar novos arranjos que não corroboravam o que todos acreditavam como a verdade. Este menino, ça, começou a discutir com quem representava o poder – os professores – e sofreu na própria carne as represálias e os boicotes que se estendem até os dias de hoje. Este menino pretendeu crescer. Eu o impedi. Queria manter o seu frescor e a paixão com que se empenhava em tudo, em especial no ler/escrever. E este menino aquiesceu. Ficou lá no meu dentro, mantendo a curiosidade aguçada e sempre fazendo perguntas, quando outros se conformavam ao quietismo das manadas. Se um dia ele resolveu ser escritor, precisaria fazer um curso em que aprenderia a aprofundar as técnicas da arte de escrever. Ilusoriamente, escolheu o curso de Letras, pensando que nele se formaria como escritor, homem de letras. Triste ilusão. Se acreditava que ler tornava as gentes melhores, encontrou no curso a massa pungente de alienados que não tinham no livro seu motor de vida como ele tinha. Encontrou professores que, mesmo lidan-
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do com literatura, eram pessoas azedas, egoístas, mesquinhas, andando nos altos tamancos do narcisismo porque ostentavam títulos e dispunham de uma carreira em que, semideuses, se achavam no direito de ser donos da razão absoluta. O menino, já mais taludinho, também enfrentou e discutiu aquelas aulas medíocres, já que, sempre lendo muito, tinha bom estofo e queria momentos mais suculentos em que pudesse saborear as letras de um ângulo até então inusitado. Eram os anos de chumbo, quando o tacão militar silenciava todas as vozes. O menino gritou, esperneou, teve problemas dentro da Casa dos Estudantes. Como os astros o protegiam, o menino escapou ileso das arapucas que lhe armavam e começou a trabalhar como professor, única profissão que se conciliava com suas ambições literárias. E no magistério, o menino inquieto colocou todas as suas garras de fora e outra vez atrevido resolveu mudar os caminhos que todos trilhavam. Por onde passou, inovou, revolucionou, trouxe novos padrões para o ensino de língua e literatura. No começo, recebeu o espanto, a incredulidade, a apatia daqueles que achavam que mudanças no ensino eram impossíveis. O menino insistiu com denodo, porque descobrira uma nova paixão: ensinar, não conteúdos, mas a prática de leitura, para que outros tivessem a chance de
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passar pelas mesmas venturas e aventuras pelas quais ele passara. Conseguiu algum resultado. Deu exemplo com a própria vida e até hoje há aqueles que lhe agradecem pelos anos de convivência e contato com os textos. Todorov, em livro recente, diz o seguinte: Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. (...) Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Se a literatura enriquece, então aquele menino acumulou riquezas impossíveis de medir pelos olhos viciados num cotidiano chinfrim e rotineiro em que, de cara contra a parede, não sabem o que um livro poderia lhes proporcionar. Terry Eagleton, num pequeno e denso livro afirma que “as obras literárias não são misteriosamente inspiradas, nem explicáveis simplesmente em termos da psicologia dos autores. Elas são formas de percepção, formas específicas de se ver o mundo; e como tais, elas devem ter uma relação com a
maneira dominante de ver o mundo, a ´mentalidade social´ ou ideologia de uma época.” E o menino já havia aprendido isto. Literatura é trabalho, não dom dos deuses, nem inspiração dos céus porque, neste caso, a obra nasceria pronta, não precisando de tanto amadurecimento, de burilar detalhes, as eternas reescrituras que não acabam mesmo depois do livro estar publicado. Se “toda arte surge de uma concepção ideológica do mundo”, segundo Terry Eagleton, o menino absorveu que se estava ligando a algo muito sério. Não bastava sentar-se e escrever uma história ou um poema. Os elementos no papel não viriam só de sua cabeça, mas de toda a rede que formava com as leituras ao longo da vida e para isto os estudos de Bakhtin foram fundamentais, porque lhe ajudaram a dar forma àquilo que intuía em suas nebulosas. Descobrindo que a literatura é um “exercício de reflexão e experiência” e que, sendo assim, “responde a um projeto de conhecimento do homem e do mundo”, palavras de Compagnon, o menino foi aprendendo sobre o ser humano muito mais na literatura do que nos manuais de comportamento, fazendo eco ao que Engels reconhecera há muito tempo, quando afirmou que aprendera muito mais com Balzac, lendo sua portentosa Comédia Humana, um conjunto de mais de 90 romances, do que
com os historiadores e sociólogos de sua época.
como instrumento de nosso prazer egoísta e animal.
Assim temos a literatura, senhores e senhoras. Uma arte que não lida apenas com a emoção e a razão, mas que dialoga com todas as linguagens do mundo e as absorve, transformando-as em algo novo. Por isto, ler forma e desenvolve inteligência, por isto ler forma sensibilidade e no áspero mundo de hoje a literatura tem um papel fundamental: fazer frente a todos os mecanismos de alienação que, principalmente por meio de novas tecnologias, nos emparedam num mundo egoico em que nos conformamos a ser quem somos e até já dispensamos o contato humano, porque nosso narcisismo virtual nos torna fantoches de nós mesmos e achamos que precisamos do outro apenas
E foi por estes caminhos que cheguei aqui e recebo a homenagem de ser eleito para a Academia Paranaense de Letras. Foi o menino vivo e irrequieto que me trouxe aqui. Se devo agradecimentos a muita gente, é a ele que agradeço em especial porque teve a audácia de puxar o fio da meada. E se sou escritor, devo à sua inquietação, ao seu fervor, à sua dedicação em todas as horas do dia as alegrias e sombras de lidar com a palavra num mundo que se faz cada vez mais superficial e vazio, navegando nas tecnologias, como se elas fossem a solução para tudo. Quem escreve, aprende desde cedo: não há solução. Somos obrigados a conviver com nossa incompletude e é por
sermos incompletos que precisamos da arte para pelo menos arriscar a saber que somos finitos, precários, frágeis e limitados, encontrando força para superar esta consciência na criação anônima de todo dia, enfurnados entre nossos livros, usufruindo do silêncio para montar mais uma história que nos deixará plenos por alguma horas até sentirmos a necessidade de começar outra... 25.2.13. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Paulo Venturelli é escritor, doutor em Literatura (USP) e professor da Universidade Federal do Paraná. É autor, entre outras obras, de Fantasmas de Caligem (Travessa dos Editores), Meu pai (Kafka Edições), Visita à baleia (Editora Positivo).
fica a dica Fantasmas de caligem Fantasmas de caligem Autor: Paulo Venturelli Travessa dos Editores Livro com 21 contos, trata-se de um ousado projeto literário. Venturelli, a exemplo do que Paulo Soethe sugere no texto de apresentação, “é um ser de linguagem”. E a linguagem — o trabalho com a linguagem — é um dos pontos altos deste livro repleto de pontos altos. A linguagem é adequada a cada tema tratado nos variados contos. Às vezes, nem enredo há; e isto é resolvido com linguagem, muita linguagem. Às vezes há enredo, e, então, os temas de cada um dos contos dizem respeito a questões caras ao humano. A literatura de Venturelli, entre tantos efeitos, dialoga e transforma o leitor.
Visita à baleia Autor: Paulo Venturelli Editora Positivo O livro visita à baleia conta a história do menino César, que foi chamado pelo pai para ver uma baleia na praça da cidade Brusque, em Santa Catarina. Como podia acontecer aquilo, numa cidade do interior, longe do mar? Como esse animal foi parar lá? A notícia sobre a baleia, logo, despertou a atenção de todos. Não demorou muito para que o povo saísse para ver o tal animal e descobrir o mistério que envolvia o estranho fato. O olhar e a imaginação do menino vão costurando, de forma simples e mágica, a história, conduzindo a narrativa para um final surpreendente.
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Considero impossĂvel conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. (Blaise Pascal) Por Alexandre Martins
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P
or que na atualidade a ética se tornou uma disciplina isolada dos outros saberes? Existe algum conhecimento que não passe pelo questionamento ético e esteja acima do bem e do mal? Se recorrermos aos manuais que procuram definir o que seria ética, perceberemos que ela é considerada como uma ciência porque tem objeto próprio, leis próprias e método próprio. Mas, e os outros saberes não pressupõem, da mesma forma, esta propriedade ética? O problema é que, desprovidos de valoração, os diversos saberes passam a não considerar seu impacto social, sua inserção contextual, além dos interesses motivadores e, em alguns casos, financiadores das produções de conhecimento, pelo simples fato de que acreditam estar lidando com um conhecimento puro.
de modo desigual, seria, na maioria dos casos, automaticamente desconsiderado o fato de que o enunciado do problema apresenta um dilema ético, pois nesta perspectiva acredita-se que a matemática está isenta de qualquer compromisso valorativo, afinal de contas ela se presta unicamente a ensinar cálculos, descontextualizados e desprovidos de qualquer realidade social. Mas seria esta, de fato, a função da matemática ensinada nas escolas?
O “saber e a ética” e o “saber ético”
Para tanto, dos saberes científicos mais técnicos aos conhecimentos primários ensinados nas escolas, quase sempre percebemos esta “autonomia”. Poderíamos tomar como exemplo um simples exercício de matemática, cujo objetivo fosse ensinar porcentagem e, para tanto, num problema, fosse criada a situação de um pai que divide de modo desigual a herança com seus filhos, para que os alunos calculassem quantos por cento cada um ficou do montante final.
Existe uma clara, porém nem sempre observada, distinção entre o “saber e a ética” e o “saber ético”. A noção estabelecida pelo “saber e a ética” compõe dois campos distintos de conhecimento, ou melhor, duas ciências independentes, uma vez que, na modernidade, o saber está num campo próprio, pelo qual aparentemente não existe problema ético ou moral nos seus enunciados, afinal de contas, não faz parte de seus propósitos, e daí a pretensão de autonomia de valor do saber, ou seja, uma independência dicotômica entre conhecimento e valoração, enquanto no segundo caso, o do “saber ético”, parte-se de outro princípio, o de que o saber envolve um contexto, e consequentemente, um compromisso ético.
Até aí, tudo bem, pois justifica-se que o objetivo do problema é a porcentagem que resulta proporcionalmente da divisão. No entanto, se algum aluno notasse que a divisão da herança se deu
O pensador francês Edgar Morin segue a mesma linha crítica, ao dizer que na atualidade o conhecimento tornou-se fragmentado e, a partir disto, distante de seu contexto. Cresceram com os anos o
número de hiperespecializações, pessoas que sabem cada vez mais de objetos nas suas mais diversas especificidades; em contrapartida, isso se dá à custa da dissociação deste objeto com seu meio. Esta cisão, para Morin, é um verdadeiro obstáculo ao claro conhecimento dos fatos e fenômenos, pois atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Este saber fragmentado é uma das grandes características dos nossos tempos, estreitando o conhecimento em disciplinas e desarticulando-o da ecologia dos seres e dos atos. Neste caso, o que podemos perceber, debruçando-nos brevemente sobre a história ocidental, é que houve um longo processo de separação entre a produção das ideias e a ética que as envolvia, norteava e lhes dava sentido, resultando na existência atual desta separação tão evidente, caracterizada por Morin como uma atrofia da compreensão e da reflexão. Se tomarmos como referência a Grécia Antiga, berço da civilização ocidental e, de acordo com o filósofo Hans-Georg Gadamer, referência de retorno a nós mesmos, encontramos outro panorama de reflexão. O pensamento era sinônimo de política, ou seja, voltado para manutenção e desenvolvimento da pólis, cidade Estado dos gregos, num contexto de compreensão de que o humano era, por excelência, um animal político. Aristóteles consigna à
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vida política o fim mais elevado: vive-se “na” e “pela” cidade, não por cega fatalidade ou mero acaso, mas porque o agir humano, determinado pelo bem supremo, se aperfeiçoa no superlativo exercício da cidadania. É por isto que toda experiência humana exercida no contexto da pólis visa o bem supremo. Para Aristóteles, portanto, o conhecimento se configura como um “saber ético”, muito diferente da crítica de Morin ao se reportar à atualidade. O mesmo acontece com Platão, mestre de Aristóteles e referência do pensamento filosófico. Para Platão, a educação (chamada de Paideia), consistia num ideal do cultivo e da conduta: instrução, educação, capacidade para aprender, talento para repartir o aprendizado e multiplicá-lo, curiosidade intelectual, desejo de saber e de comungar do saber com o outro. Mais uma vez se confirma a ideia de que a formação do indivíduo deveria necessariamente prever a base ética de cidadania. Se de um lado havia o aspecto do conhecimento, de outro, havia a preocupação de que este conhecimento fosse desenvolvido de modo solidário em prol da pólis. Enquanto a educação antiga se caracterizava essencialmente como um “saber ético”, na modernidade, começaram a surgir indícios desta separação. Nicolau Maquiavel (1469-1527), na obra O Príncipe, despontará como um destes “separatistas”.
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Quando nos referimos a alguém que é ardiloso ou astuto, costumamos dizer que é maquiavélico. Não por acaso, esta palavra deriva do nome deste que é um dos mais importantes filósofos modernos da Filosofia Política. Isto porque ele foi um dos primeiros a escrever de modo claro e objetivo que a política não deve ser necessariamente ligada a questões éticas, ou seja, propôs por meio de suas argumentações que a política deveria ser um saber autônomo. Maquiavel não demonstra preocupação em argumentar como ser “bom” administrador ou político, mas como “parecer ser bom”, diante daquilo que realmente “funciona”. De fato, quando investigando sobre quais seriam seus conselhos se o príncipe deveria cumprir seus compromissos e honrar suas palavras, ele afirma que um príncipe sagaz não deve cumprir seus compromissos, quando isso não estiver de acordo com seus interesses e quando as causas que o levaram a comprometer sua palavra não existam mais. Seria, portanto, necessário que um príncipe soubesse muito bem disfarçar sua índole e ser um grande hipócrita e dissimulador, pois, na grande maioria, os seres humanos julgam mais pelo que veem e ouvem do que pelo que sentem. Todos veem o que parece ser, mas poucos realmente sentem o que é. Reforçando esta ideia, conclui que as pessoas comuns são sempre levadas pelas
aparências e pelos resultados e é a massa vulgar que constitui o mundo. Mais do que escrever esta obra, Maquiavel conseguiu, como ninguém, sintetizar os novos ideais modernos emergentes que delegavam independência dos saberes. Se a política não deveria relacionar-se com a ética, o mesmo, gradualmente, aconteceu com as outras ciências. Deste
longo
e
demorado
processo, resulta o fato de hoje termos estes conhecimentos autônomos, inclusive, propagados nas escolas, nas mais diversas disciplinas, práticas educativas e estratégicas pedagógicas. Desde o simples exemplo matemático, enunciado na introdução deste artigo, até os dilemas mais complexos, parece não ter cabimento sair do saber “fragmentado” e querer relacioná-lo com outros saberes, contextualizá-lo ou, ainda, valorá-lo. De acordo com a filósofa Viviane Mosé, a escola deve ser um corpo vivo; logo, torna-se urgente retomarmos a difícil complexidade que é viver, pensar, criar, conhecer; todas as coisas se relacionam, não há nada realmente isolado, cada gesto produz desdobramentos incalculáveis; um saber, uma escola, uma pessoa não existe sem um contexto. A prática de ensino está muito além da transmissão do conhecimento. Portanto, este “corpo vivo” assume uma dupla responsabilidade:
se compromete com o desenvolvimento cognitivo, na mesma medida em que deve garantir que os saberes norteadores não podem desconsiderar o compromisso ético que, em suas especificidades, cada um representa. A autonomia ética dos saberes é, na realidade, um total descomprometimento com a realidade, resultante de um longo processo histórico e que ainda hoje se reproduz de modo despercebido e,
silenciosamente, se sustenta nas mentalidades, inclusive, de muitos educadores. Se Maquiavel dissociou a política da ética e por muito tempo foi visto com maus olhos, hoje, sequer precisaria justificar o porquê desta separação, uma vez que se confundiria com outros tantos pensadores e produtores de saber.
Alexandre Martins é licenciado em Filosofia e História (UTP), pós-graduado em Filosofia (PUCPR) e Mestre em Filosofia (PUCPR). Professor das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba e do Colégio Nossa Senhora Medianeira.
comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
fica a dica A cabeça bem-feita: Repensar a reforma, reformar o pensamento. Autor: Edgar Morin Editora Bertrand A proposta de Edgar Morin se fundamenta na reforma do pensamento e do ensino, uma vez que ambos preconizam uma só realidade. Para tanto, é preciso ir além de um conhecimento fragmentado que, por tornar invisíveis as interações e relações com o contexto, anula a complexidade essencial que cada saber comporta. A partir daí, toma corpo a crítica as grandes finalidades do ensino que, a seu ver, precisam promover sujeitos engajados na sociedade, formados com uma “cabeça bem feita”.
O príncipe Autor: Nicolau Maquiavel Editora DPL Nicolau Maquiavel na obra ‘O Príncipe’ empenhou-se em alargar o campo da ciência na política, distinguindo os interesses políticos primários das classes, mas confundindo-os, ao mesmo tempo, em uma monstruosa razão de Estado pela qual o povo é apenas matéria plástica nas mãos do governante. Para tanto, já não haveria sentido pensar numa política que dependesse estritamente da ética, uma vez que os fins seriam capazes de justificar os meios.
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Cinema e Escola
Curta-metragem transforma alunos em protagonistas da comunicação. Por Patricia Melo
J
á pensou se um dia os alunos não tivessem mais o recreio esco-
lar? É difícil até de imaginar, mas Nélio Spréa e Vinicius Mazzon não só imaginaram como também colocaram essa história em um roteiro de cinema, que vem conquistando o público, além de importantes festivais, como a 11ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis e a 14ª Mostra Londrina de Cinema. O curta-metragem O fim do recreio, produzido pela Parabolé – Educação e Cultura, de Curitiba (PR), contou com protagonistas que vivem mais do que ninguém o dia a dia de uma escola: os próprios alunos.
14 mediação
“Fotos de divulgação Parabolé Educação e Cultura” Lançado em 2012, O fim do
de fato. O recreio, que aparece
colar, mas que também impacta
recreio é protagonizado por es-
no curta-metragem, é o recreio
essa cultura”, diz Spréa.
tudantes de verdade, não atores,
real. Por isso, Nélio Spréa, di-
da Escola Municipal Lauro Esma-
retor do filme, explica que o
nhoto, em Curitiba, deixando o
mundo de códigos do ambiente
O roteiro fala de um projeto
resultado final de braço dado
escolar é o foco do trabalho. “A
de lei que pretende acabar com
com a realidade, mesmo sendo
linguagem adotada dialoga bem
o recreio, um dos momentos
um produto de ficção. O gran-
com esta faixa etária e discute
mais esperados pelos alunos.
de diferencial é que o filme traz
questões que são de interesse
Mas, ao mesmo tempo, em uma
uma história sob o ponto de vis-
dos estudantes e dos profissio-
escola pública, um grupo de
ta da criança, com humor e sen-
nais da escola. É um filme so-
crianças se mobiliza para mudar
sibilidade, mas com uma pegada
bre infância, mas uma infância
toda essa história. Com anima-
documental. A dinâmica mistura
circunscrita pelo processo de
das brincadeiras infantis, o cur-
a interpretação dos alunos com
escolarização, que não apenas
ta-metragem é direcionado para
os momentos que aconteciam
se modela a partir da cultura es-
todos os públicos. Utiliza uma
A história
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linguagem que crianças e adultos entendem, fazendo sucesso especialmente com a plateia infantil, pois as crianças se veem retratadas no filme. Os diretores explicam que desde o começo a ideia era mostrar a escola e sua vivacidade. “Muitas vezes, o recreio é negligenciado, parece apenas um momento de descanso e extravaso. Mas é uma oportunidade de muita criatividade e com brincadeiras que já vêm de outras gerações”, detalha Vinícius Mazzon, também diretor do curta. Para Wesley Eduardo Alves de Lima, 11 anos, o filme foi muito divertido. “Foi minha primeira atuação. Se acontecesse de verdade, de acabar com o recreio, eu faria o mesmo que o meu personagem fez: um pro-
testo”. Seu colega de escola e de elenco, Jackson Neres, afirma que essa foi uma experiência incrível. “São mais de 500 alunos na escola e eu fui um dos escolhidos. Fui buscar preparação. Li muito, pesquisei na internet e em reportagens”. A oportunidade de participar da produção de um filme amplia o campo de contato dos alunos com diferentes simbologias. “Na escola, o cinema não deve ser entendido apenas como recurso pedagógico que potencializa o ensino de outras matérias. Ele é a matéria, ele é o conteúdo e não apenas transmissor de outros conteúdos”, explica Spréa. Para ele, os professores têm várias ferramentas tecnológicas e que hoje estão facilmente
disponíveis, contribuindo para o trabalho entre cinema e escola. “É possível produzir cinema com celulares, com câmeras fotográficas e com programas de edição acessíveis. E tudo isso, a partir de ideias simples, que não dependem necessariamente de investimento em equipamentos caros”, conclui Spréa. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Patricia Melo é Jornalista desde 2001, e há sete anos atua em benefício da Educação por meio da Comunicação. Hoje, também é empreendedora, com a Presença – Comunicação Educacional (facebook.com/ presencaeducacional), que tem como objetivo a produção de textos, entrevistas, reportagens e projetos comunicacionais direcionados especialmente ao universo educacional. Dessa forma, contribui para um diálogo mais consistente e criativo entre a Escola e a Família.
O Colégio Medianeira conta com oficina permanente de Cinema e Vídeo, tendo várias produções premiadas em festivais. Acesse www.midiaeducacao.com.br e assista ao nosso canal no Youtube.
fica a dica Filme O Fim do Recreio Produzido pela Parabolé – Educação e Cultura No Congresso Nacional, um projeto de lei pretende de acabar com o recreio escolar. Ao mesmo tempo, em uma escola municipal de Curitiba, um grupo de crianças pode mudar toda essa história. Recheado de vibrantes brincadeiras infantis, O Fim do Recreio é um curta-metragem para todos os públicos, que bota a boca no trombone e avisa: cobra parada não engole sapo!
Cinema e Educação Autora: Rosalia Duarte Editora: Autêntica A Coleção Temas & Educação, voltada principalmente para interessados em educação, apresenta diferentes temas e suas relações com a teoria e a prática educacionais. Este livro aborda o cinema como atividade essencial para a socialização e a inserção no mundo da cultura.
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O
DESIGN
emocional e a Neurociência podem se tornar ferramentas para o desenvolvimento de produtos sustentáveis?
Para o design que visa trabalhar com a sustentabilidade, um caminho seria assumir os componentes emocionais que um objeto pode despertar no indivíduo, utilizando esta característica para caminhar no sentido inverso Por Celso Luiz Podlasek e Eloy Fassi Casagrande Júnior do descarte, embutindo simbologias que possam despertar um conjunto emocional que gere apego e satisfação. Por Celso Luiz Podlasek e Eloy Fassi Casagrande Júnior mediação
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A
proposta de Desenvolvimento Sustentável apresentada em 1987, no Relatório Brundtland, tem sido a mais aceita para conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente e respeito social. Várias propostas teóricas e metodológicas no design vêm se apropriando desta definição, aperfeiçoando abordagens e competências para enfrentar este desafio. No entanto, a grande maioria dos trabalhos científicos, acadêmicos e de outras naturezas, que envolvem o design e a sustentabilidade, acaba restringindo a análise do produto em sua materialidade, ou seja, em tópicos como reciclagem, economia de energia, produção mais limpa, etc. A subjetividade, relações culturais e psicológicas do consumo passam distantes das técnicas comumente apresentadas para a sustentabilidade. Mesmo que sejam eficientes os programas de reciclagem, economia de energia e redução da dependência de fontes de matéria-prima não renovável, a biosfera não conseguirá suportar o acréscimo de novos grupos de consumidores que se apresentam dentro do mesmo modelo baseado na obsolescência e descarte prematuro de bens de consumo. É necessário que existam novas possibilidades, e que a sociedade exerça o consumo em sua essência máxima, extraindo todos os benefícios que um objeto possa trazer (Barbosa &Campbell, 2006).
Aumentar a vida útil dos produtos e eliminar a ideia de descarte prematuro podem ser pensados sem a necessidade de uma revisão ou revolução completa do sistema político e econômico vigentes. Para isto, a relação com a cultura material deve extrapolar o expediente ordinário e instantâneo das relações imediatistas de prazer e significações, através de maior valor simbólico e qualidade nos produtos. Para o design, que visa trabalhar com a sustentabilidade, um caminho seria assumir os componentes emocionais que um objeto pode despertar num indivíduo, utilizando esta característica para caminhar no sentido inverso do descarte, embutindo simbologias que possam despertar um conjunto emocional que gere apego e satisfação (Chapman, 2005). Isto não anula as técnicas de abordagens materiais, apenas complementa e amplia as análises que devem ser consideradas no desenvolvimento de novos produtos. Aumentando a vida de um produto, não apenas pela sua qualidade de uso e possibilidades de pós-uso, mas pelas relações emocionais entre o usuário e o objeto, temos assim a capacidade de utilizar tais características como elementos constituintes para um consumo responsável e não restritivo. Não restringir o consumo, mas consumir com responsabilidade é a indicação de um caminho mais
Um brinde de Natal encomendado pelo Grupo Hera (empresa de gerenciamento e consultoria de resíduos) para o escritório de design espanhol Ciclos. É uma embalagem para vinho, que se transforma em luminária e é reciclável. A embalagem vem com a lâmpada e o plug em um compartimento em baixo da embalagem. 18 mediação
aceito social e economicamente. Para isto devemos assumir o consumo como uma ação social livre de preconceitos ideológicos, que é composta de uma teia de significações que monta o complexo do extrato social. Atualmente, entender as manifestações emocionais não é tratar apenas de interpretações subjetivas sobre comportamento e memória, mas também entrar no complexo científico de que trata a Neurociência, através das manifestações neurofisiológicas do corpo humano. Esta é uma boa perspectiva para o design, que por natureza se constitui multidisciplinar, podendo se valer dos conhecimentos já conquistados com as abordagens mais comuns da sustentabilidade, agregando os modos de pesquisa derivados da Antropologia, Sociologia e Neurociências nesta nova proposta. Os objetos com os quais nos relacionamos são capazes de desencadear emoções. Os emocionalmente competentes que desencadeiam sentimentos negativos passam a ser detestados e evitados. E os objetos emocionalmente competentes que desencadeiam sentimentos positivos passam a ser queridos e escolhidos (Damásio, 1996). Pode-se imaginar que esses podem ser mantidos por mais tempo, ganhando sobrevida e ainda um descarte mais tardio. É importante, no entanto, ressaltar que os sentimentos e as emoções não estão no objeto, e, sim, relacionados à experiência de uso da qual participaram ou intermediaram.
Ao longo de nossas vidas, estamos sempre tomando decisões em relação aos objetos e vivendo experiências e relações sociais novas intermediadas por eles. Um estudo sobre os objetos com os quais nos relacionamos apresentou três níveis de design: visceral, comportamental e reflexivo (Norman, 2004). O Design Visceral opera no âmbito biológico do homem. Ele produz reações incontroláveis e instintivas no usuário. Design visceral é quando a forma física do produto — incluindo sua textura e seu odor — é o aspecto que mais afeta o usuário. O design visceral manifesta-se principalmente na aparência, no toque e no cheiro (idem).
lembranças evocadas pelo objeto ou às mensagens que os objetos transmitem para outras pessoas. Está relacionado, também, a aspectos culturais e psicológicos, significados dos objetos e de seu uso. Este nível é o mais afeito e revelador para o campo do Design Emocional (ibidem). Há uma distinção importante entre os três níveis: o tempo. Tanto o visceral quanto o compor-
Acerca do Design Comportamental, esse está ligado ao uso e à experiência com um produto. Nele a experiência tem algumas facetas, como função, desempenho e usabilidade. Função diz respeito às atividades mecânicas do produto. Desempenho diz respeito ao quão bem o produto exerce suas funções. Usabilidade é a facilidade com que o usuário entende como o produto e seus mecanismos funcionam. O autor acredita que produtos que confundem ou frustram seus usuários podem gerar emoções negativas. Mas se o produto atinge o que é esperado, é divertido de usar e satisfaz seus objetivos, o usuário será afetado positivamente (ibidem). Já o Design Reflexivo diz respeito ao plano subjetivo e pessoal. A forma e a função do objeto não importam. O design reflexivo está ligado à autoimagem, às
A empresa holandesa Lemnis Lighting, fabricante de lâmpadas de última geração, desenvolveu junto com a Celery Design uma embalagem que comunicasse os diferenciais de sustentabilidade da lâmpada mais econômica.
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Parece uma pedra de aço inox polido, ou uma gota d’água, como pretendiam os designers Marcus Vagnby e Karina Mencke, mas esse objeto não é simplesmente decorativo: é um abridor de garrafas muito ergonômico e leve.
tamental ocorrem no momento presente em que os objetos são vistos ou usados. O nível reflexivo, por sua vez, diz respeito a experiências duradouras com os objetos e que favorece o ‘apego’. Favorece, também, a identificação do usuário com o produto, e ainda a permanência dos objetos com as pessoas, invertendo o descarte precoce. Somente no nível reflexivo residem a consciência e os graus mais elevados dos sentimentos, das emoções e do raciocínio, afirmando que na maior parte das vezes são os efeitos do nível reflexivo que determinam na pessoa a impressão geral de um produto (ibidem). Para poder ampliar a vida de um objeto, entende-se que é necessário desenvolver atributos específicos que possam evocar emoções e sentimentos positivos. Com estes atributos podemos levar o consumo para seu exercício máximo (Barbosa, 2004), ou seja, usufruir de todos os benefícios que um objeto pode oferecer, em todos os níveis possíveis, e ir além, fazendo surgirem alguns produtos que possam ter sua vida ampliada, mesmo estando com alguma função avariada, mas com tantos atributos emocionais que seu descarte não irá ocorrer imediatamente.
Porta facas projetado pela designer Raffaele Iannello. Não é nada ligado a macumba, porém o nome é sugestivo. O Ex Voodoo é uma ousadia da designer européia, porém muito útil para chefs de cozinha, pois cabe cinco facas de diferentes tamanhos, para diferentes cortes.
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Esta opção não invalida as abordagens e técnicas ambientais (como ecodesign, design para serviços, etc.), apenas oferece uma complementação, utilizando elementos da subjetividade humana no processo de desenvolvimento de produtos sustentáveis, já que estes elementos interferem diretamente
sobre as escolhas e consequências ambientais. A dificuldade reside em como atribuir argumentos subjetivos (emoções) em produtos concretizáveis (materiais ou virtuais), sem cair em interpretações erradas ou distorcidas sobre os consumidores. Em muitos casos, o designer adota uma posição arrogante, acreditando que possui uma capacidade superior de análise e síntese, esquecendo-se de envolver ou ouvir os usuários sobre suas reais necessidades. Este mito deriva-se da própria metodologia de trabalho no design, que tem no momento da concepção, mesmo sendo executada ou aferida em grupo, a atribuição de traduzir em um produto as intepretações que alguns poucos profissionais possuem sobre as necessidades de um conjunto de indivíduos muito maior, os consumidores (Papanek, 1977). Obviamente que as técnicas existentes tentam minimizar os equívocos, porém os fracassos ocorrem em grande número e variedade, desde produtos que simplesmente não vendem até aqueles que se tornam nocivos à saúde e ao meio ambiente. As metodologias de trabalho do design são apropriações de técnicas desenvolvidas em outras áreas, constituídas por arranjos mistos multidisciplinares. Os trabalhos que vêm fazendo referências às emoções estão utilizando pesquisas de comportamento, etnografia, grupo focal, história de vida, e outras derivadas das Ciências Sociais, que oferecem instrumentos que conseguem
identificar os elementos subjetivos de um determinado grupo social, seus valores, significações e correspondências. Para aproximar a exploração emocional das técnicas e métodos sustentáveis existentes, foram incluídos os avanços que a Neurociência vem realizando nos estudos do cérebro humano e suas reações neurofisiológicas (Luria, 1981). Estes estudos incluem uma série de técnicas que mensuram reações involuntárias do corpo humano submetido a um estímulo externo. Todos os sinais que os sentidos humanos captam, de alguma forma, são processados pelo corpo e envolvem diretamente o sistema nervoso e suas regiões.
especialmente pela natureza do ambiente em que devem ser executados, que difere das condições habituais do dia-a-dia em que as interações se darão entre os usuários e os produtos. Por consequência, as leituras emocionais podem sofrer variações. Existem ainda as críticas que podem ser originadas por oposição epistemológica, que afirmam que emoções e sentimentos, ou melhor, questões de ordem subjetivas e sociais não podem ser mensuradas e testadas em procedimentos quantitativos. No entanto, o design, em sua essência, é livre destas concepções determinantes, pois nasceu multidisciplinar, e tem como objetivo primordial a busca da inovação.
Inspirada na favela Rocinha do Rio de Janeiro, a cadeira favela foi desenhada pelos irmãos Campana em 2001. Feita de sarrafos de madeira fixados em uma base de madeira de forma assimétrica tal qual as estruturas da favela.
As emoções são processadas em regiões distintas do cérebro humano, e envolvem áreas que podem ser identificadas em testes específicos, dentre eles o mais comumente utilizado é o eletroencefalograma (EEG), que mede as variações das ondas elétricas no cérebro humano. Não há dúvidas que se trata de um método de pesquisa e análise misto, envolvendo meios qualitativos e quantitativos para mensurar precisamente a capacidade emocional de um objeto em busca de um compromisso que evite o descarte prematuro de objetos, caminhando no sentido inverso da obsolescência e abrindo mais uma possibilidade na busca do desenvolvimento de produtos sustentáveis. As maiores limitações que todo este método pode encontrar são derivados dos testes de EEG, O Juicy Salif é um espremedor de frutas criado pelo famoso designer francês Phillip Starck para a empresa italiana Alessi.Bem diferente dos tradicionais o Juicy Salif se transforma em uma obra de arte na sua cozinha. mediação
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O designer americano Blake Lowther projetou uma embalagem reutilizável para enviar alimentos não perecíveis para as vítimas no Haiti. A ideia é enviar produtos com uma embalagem reutilizável, feito com uma das fibras naturais mais resistentes (a fibra de cânhamo) e, caso seja descartada, por ser uma fibra natural, é compostável.
Para a realização desta pesquisa é importante destacar quais são os obstáculos que podem ocorrer antes da execução, já que ao longo dos procedimentos novas variáveis tenham que ser controladas para que expresse cientificamente seus resultados. Como uma metodologia experimental, os processos foram descritos com base em testes e métodos efetuados em outras áreas. O design, ao agrupar todos eles, além de extrair os resultados que necessita, deve atuar como o agente de aproximação e integração.
O projeto conceitual desenvolvido pelo Studio Armadillo, traz uma opção de embalagem para detergentes que após o seu uso tenha uma segunda função além daquela da qual foi destinado. Após o uso as embalagens da linha de detergentes se transformam em pinos de boliche. Dando uma segunda função à embalagem do produto, prolonga o ciclo de vida desta embalagem, evitando o seu descarte. Um bom exemplo a ser seguido.
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Celso Luiz Podlasek é graduado em Desenho Industrial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), mestre e doutorando em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atualmente é professor assistente e coordenador do curso de graduação em Design da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Eloy Fassi Casagrande Júnior é doutor em Engenharia de Recursos Minerais e Meio Ambiente pela Universidade de Nottingham (Inglaterra) e pós-doutor na mesma área pelo Instituto Superior Técnico (IST-Portugal). Atualmente é professor adjunto da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e coordenador de grupos de pesquisa em inovação tecnológica e desenvolvimento sustentável.
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fica a dica Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria Autor: Zygmunt Bauman Editora Jorge Zahar Um dos mais perspicazes pensadores da atualidade, Zygmunt Bauman nos revela a verdade oculta, um segredo bem guardado da sociedade contemporânea: a sutil e gradativa transformação dos consumidores em mercadorias. As pessoas precisam se submeter a constantes remodelamentos para que, ao contrário das roupas e dos produtos que rapidamente saem de moda, não fiquem obsoletas. Bauman examina ainda o impacto da conduta consumista em diversos aspectos da vida social: política, democracia, comunidades, parcerias, construção de identidade, produção e uso de conhecimento. E não esquece de analisar como esta característica parece evidente no mundo virtual: redes de relacionamento, por exemplo, não trabalham com a ideia do homem como produto?
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artigo
HEPATITES Um Informe Esclarecedor O mais importante é que as pessoas não devem temer a informação sobre o diagnóstico da Hepatite C, B ou Delta, mas saber que todas elas têm um tratamento e que para todos os estágios da doença podemos encontrar forças para lutar e termos um equilíbrio em nosso organismo para continuarmos trilhando os caminhos de nossas vidas. Por Valdemiro Ruppenthal
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A
título de introdução ao problema: Este artigo, apesar de ser um tanto diferente da maioria dos artigos publicados nesta revista ao longo dos anos, merece, sem dúvida, por parte de qualquer leitor, uma cuidadosa leitura e análise, pois visamos informar e educar para a questão que estamos propondo. A revista Mediação é, sem dúvida, além de um meio interessante e com muita qualidade naquilo que publica, de uma penetração social muito importante e é o que nos interessa neste artigo. A questão que lançamos procura analisar um determinado campo de problemas relacionados à questão da saúde, em uma área cujas informações disponíveis talvez não sejam tão disseminadas quanto, por exemplo, os problemas do coração. Propomos fazer um quadro comparativo da Aids com a Hepatite, dando especial atenção a esta última e com destaque à pior delas: a chamada hepatite C. Talvez seja natural que você, leitor, já tenha tido várias informações quanto à Aids ou ao HIV, pois já há muito esta é do domínio público e tem aparecido constantemente com notícias nos meios de comunicação. Aqui, no entanto, nosso objetivo é brevemente mostrar algumas indicações numéricas deste problema. Esta doença tem acometido o planeta a partir da década de 1980. Muitas pessoas já morreram desde então, sendo algumas de notória expressão social. Inicialmente, quando a medicina ainda não tinha maiores
conhecimentos científicos sobre o assunto, muitos dos que a adquiriam morriam em pouco tempo e sem chance de tratamento. Atualmente, em função da evolução dos testes científicos e das experiências com remédios, há uma expectativa maior de sobrevida. Vamos aos números: “Os números, contudo, são bastante díspares dependendo da fonte. Conforme o relatório anual do Programa Conjunto das Nações Unidas, existem no mundo, aproximadamente, 33 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids. A pior situação planetária é a da África Subsaariana, com aproximadamente dois terços do total mundial (22,5 milhões de pessoas com o HIV), sendo que desse número três quartos são do sexo feminino. A região também concentra 76% das mortes pela doença, 3 em cada 4. Na América Latina, o relatório afirma que a epidemia permanece estável. Em 2007, o número estimado de novas infecções na região foi de 100 mil; e o de mortes, de 58 mil”. (Fonte: http://www.aidshiv.com.br) “Atualmente, estima-se que 1,6 milhão de pessoas vivam com Aids na América Latina. No Brasil, os dados, segundo o Boletim Epidemiológico Aids/DST 2008 mostram que, de 1980 a junho de 2008, foram registrados 506.499 casos. Durante esses anos, 205.409 mortes ocorreram em decorrência da doença. A epidemia no país é considerada estável. A média de casos anual entre 2000 e 2006 é de 35.384. Em relação ao HIV, a estimativa é
de que existam 630 mil pessoas infectadas na atualidade”. (Fonte: http://www.aids.gov.br/) Ora, números como estes indicam, sem dúvida, a necessidade de uma análise mais cuidadosa. Do total de infectados no planeta, é como se 15% da população brasileira estivesse com HIV, mas a maioria destes (2/3) está na África. A metade dos mais de 500 mil casos brasileiros confirmados já teve óbito. Informações como estas, enfim, causam espanto e pranto para todos nós. Contudo, infelizmente, com bem menos informação nos meios de comunicação e ausência de campanhas mais sistemáticas, temos outra doença, a Hepatite. Estamos escrevendo por isso. Este artigo tenta auxiliar com informações. Gostaríamos que ele, à medida que você perceber a gravidade do problema, divulgasse a questão e ajudasse a evitar uma crise maior mais adiante. Atualmente são conhecidas as hepatites de tipo A até G, sendo que as três primeiras (A, B e C) são as de maior importância. A Hepatite A é adquirida por meio da ingestão de contaminação de alimentos, água entre outros. Tanto a Hepatite B quanto a C são virais, ou seja, sua contaminação se dá por meio do sangue. Ambas são hepatites mais problemáticas. Contudo, tanto a Hepatite A quanto a B possuem vacinas preventivas e todo cidadão pode saber se já teve alguma destas hepatites fazendo um simples exame laboratorial e, caso não tenha tido, existe a possibilidade de se
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vacinar gratuitamente pelo SUS e se proteger. Porém, a Hepatite C, caso seja constada por um simples exame laboratorial, necessita de um acompanhamento médico e de um tratamento dependendo do estágio da doença. Do mesmo modo, a hepatite B necessita de acompanhamento médico. A hepatite A, em geral, com o devido cuidado, pode ser curada com o passar do tempo. Hepatite C é a inflamação do fígado causada por uma infecção pelo vírus da hepatite C (VHC ou HCV), transmitido através do contato com sangue contaminado. Essa inflamação ocorre na maioria das pessoas que adquire o vírus e, dependendo da intensidade e tempo de duração, pode levar a cirrose e câncer do fígado. Ao contrário dos demais vírus que causam hepatite, o vírus da hepatite C não gera uma resposta imunológica adequada no organismo, o que faz com que a infecção aguda seja menos sintomática, mas também com que a maioria das pessoas que se infectam se tornem portadores de hepatite crônica, com suas consequências em longo prazo. (Fonte: http://www. hepcentro.com.br/) Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 3% da população mundial, ou seja, mais de 170 milhões de indivíduos estão infectados pelo vírus da hepatite C. Dados mais recentes atribuem ao vírus HCV 20% dos casos de hepatite aguda, 70% dos casos de hepatite crônica, 40% dos casos de cirrose hepática, 60% dos casos de carcinoma
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hepatocelular e 30% dos casos de transplantes hepáticos realizados em países desenvolvidos (Fonte: http://www.criasaude.com.br/).
Prevalência da hepatite C Estados Unidos França Egito / África do Sul Canadá / Norte da Europa
1% 1,2% 1,4% 0,7%
3,0 % 30,0 % 0,3 % 1,2-2,0%
Brasil
2,1%
1,4 %
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
A hepatite C, infelizmente, atinge 3 milhões de brasileiros. Aqui é usada como referência a quantidade de pessoas infectadas quando estas vão doar sangue, ou seja, os dados são entre 1 a 2% dos casos conforme a tabela. No Brasil, um projeto para monitorar as estatísticas de casos de
hepatite C – o projeto VigiVírus – revelou que 61% dos pacientes analisados nesse estudo eram do sexo masculino. De 1999 a 2011 foram notificados 343.853 casos de hepatites virais no Brasil, incluindo os cinco tipos da doença, indo de A até E. Este dado indica pouco mais do
que a metade dos casos de Aids.
Apesar dos esforços em conter a epidemia atual, especialmente No Brasil, a hepatite C é rescom a realização de exames esponsável por 70% de todas as pecíficos em sangue doado, a mortes provocadas por hepatites. hepatite C é uma epidemia cresEntre as mortes atribuídas especente. Estima-se que a prevalência cificamente às hepatites virais no (número total de casos) só atinja Brasil, o maior número registrado Usuários de drogas risco o seu pico em 2040 e, à medida endovenosas 80% entre os anos de 2000 a 2011 foi que o tempo de infecção aumena hepatite C, com 16.896 óbitos. ta, que a proporção de novos paEste dado, comparado à Aids, cientes não tratados com cirrose então, ainda é cerca de 15 vezes Receptores de fatores dobre até 2020. Assim, medidas menor, o que explica a falta de risco de coagulação adicionais de prevenção e tra90% antes de 1987 divulgação. tamento precisam ser tomadas Com relação ao genótipo, antes disso, ou nas próximas dé64% possuíam o genótipo 1, 33% cadas a epidemia de hepatite C do genótipo 3 e 3% do genótipo atingirá complicações na saúde de transfusão risco 2 e 4. Na região sul do Brasil, Receptores o pública a níveis insustentáveis. sanguínea ou transplante 6% genótipo 3 foi o mais prevalentede órgãos antes de 1992 A transmissão da hepatite C (44%), quando comparado com ocorre após o contato com sanas outras regiões (Sudeste=26% e gue contaminado. Apesar de relaNordeste=27%). tos recentes mostrando a presenrisco Hemodiálise 20% Comparando os dados e as ça do vírus em outras secreções informações entre estas duas do(leite, saliva, urina e esperma), a enças apresentadas, é visível que quantidade do vírus parece ser peenquanto a Aids apresenta 33 quena demais para causar infecmilhões de pessoas infectadas ção e não há dados que sugiram risco Filhos de mães no mundo, a Hepatite possui 170 transmissão por essas vias. O vírus positivas 20% milhões, ou seja, 5 vezes mais, da hepatite C chega a sobreviver esta última corresponde a quade 16 horas a 4 dias em ambientes se um Brasil inteiro. Só este fato, externos. Sabe-se que, comparanpor si só, é indicativo de ser esta do o sangue de um portador do Parceiros de risco doença muito séria, pois também vírus da hepatite C com a de um 20% portadores leva a óbito. Quanto à hepatite da Aids, este primeiro – caso seja do HIV C, ao apresentar o genótipo, este pingada uma gota ao ar livre por indica o 1 com 64% e o 3 com ambos no mesmo instante – so33%, sendo o primeiro o pior e o brevive inúmeras horas a mais do Crianças com 12 segundo, na sequência, o segunque o segundo. Este, portanto, é meses de idade com risco do pior. Existem, portanto, 97% mãe portadora mais um indicativo forte de como de infectados com os piores gedo HCV esta questão é muito séria. nótipos. Esta informação indica Fica evidente com o que ficou uma gravidade acentuada nesta Profissionais da área exposto e demonstrado acima doença. da saúde vítimas de que é preciso buscar conhecer risco acidente com sangue Apesar do altíssimo número mais e melhor este assunto, a hecontaminado de contaminados, alguns fatores patite C. Por isto, esta é apenas de risco são considerados mais importantes e todas as pessoas com eles devem ser testadas, pelo alto risco da doença:
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uma escrita preliminar com informações numéricas dando uma visão panorâmica da problemática destas doenças. Especificamente quanto à hepatite C, cabem questões necessárias de aprofundamento, ou seja, como esta doença é adquirida, como ela é tratada, que implicações econômicas estão vinculadas a ela e o que falta fazer para torná-la mais esclarecida entre a população.
A hepatite C atinge 3 milhões de brasileiros
61%
são do sexo masculino
Depois de todos os dados apresentados sobre a Hepatite C, Mediação foi atrás da Associação de Apoio aos Portadores de Hepatite C do Paraná. O presidente, Sandoval Ignacio Pereira da Silva, nos deu informações valiosas a respeito da luta da associação para prevenção e combate à doença. Mediação: O senhor poderia
Mediação: É possível falar
Mediação: Quais são as prin-
começar nos falando um pouco
um pouco da história da entida-
cipais atuações da entidade hoje?
sobre a associação?
de, ou seja, o que tem sido feito
Sandoval Ignacio Pereira da
Sandoval:
Nosso
principal
objetivo é fazer parte do maior
Silva: em 22/03/2007, juntamente
Sandoval: Desde a fundação
número de atividades e nos in-
com os Senhores Cid Andrade de
procuramos juntar forças para in-
tegrarmos em âmbito regional e
Carvalho, Dilberto Souza, Carlos
formar os pacientes portadores e
nacional para prestarmos infor-
Mattos, Mandrud Larsen, Nivaldo
fazemos isso participando junto
mações à população local.
Siqueira, Ivanete Vieira Ferreira e Julio Japiassu Marinho Macedo, fundamos a Associação dos Portadores de Hepatite C do Estado do Paraná - APHECPAR, que posteriormente passou a ser a Associação de Apoio aos Portadores de Hepatite C do Paraná. Na época, o presidente foi o Senhor Dilberto, depois o Sr. Cid e hoje estou
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ao longo do tempo?
com o pessoal da Infectologia da
Mediação:
Quais
são
os
CRE-Barão, em organização de reu-
maiores problemas e desafios que
niões para portadores, familiares e
estão preocupando atualmente?
pessoas interessadas na Patologia. Convida-se sempre uma pessoa para falar sobre o assunto (biólogos do Laboratório Central do Estado - Lacen, médicos, nutricionistas, psicólogos, advogados, etc). Par-
Sandoval: Os maiores problemas são os recursos financeiros escassos e a falta de adesão de um maior número de associados junto a entidade, pois as pessoas passam pelo tratamento (que é
na Presidência da APHECPAR. A
ticipamos também junto às outras
finalidade principal da entidade
associações do Brasil (Encontros na
é a de divulgar as hepatites, lutar
Região Sul, os ERONGS regionais, e
nam - a maioria graças a Deus
pelos medicamentos e informar
o Nacional - ENONGS). Dessa par-
livre da hepatite - simplesmente
as pessoas portadores e aos fami-
ticipação temos hoje uma cadeira
desaparecem. Muitas vezes acha-
liares os trâmites da patologia, do
na CNAIDS - Comissão Nacional de
mos até que as pessoas têm o
tratamento e da nossa luta como
DST, AIDS e Hepatites Virais do Mi-
medo do estigma de ter sido por-
Organização da Sociedade Civil.
nistério da Saúde.
tador de hepatite.
caro e fornecido pelo Ministério da Saúde) e depois que o termi-
Mediação: Existem outras questões importantes que o senhor gostaria de expor aqui?
Mediação: Para encerrar, que recado importante o senhor daria aos nossos leitores?
Sandoval: Gostaríamos de dizer que nossas portas estão abertas para informações e adesões ao nosso trabalho, que é informar e participar ativamente junto à sociedade de uma maneira geral; pois sabemos que o número de portadores da Hepatite C é grande e muitos ainda sequer sabem da possibilidade de ser um portador.
Sandoval: O mais importante é que as pessoas não devem temer a informação sobre o diagnóstico da Hepatite C, B ou Delta, que seja, mas saber que todas elas têm um tratamento e que para todos os estágios da doença podemos encontrar forças para lutar e termos um equilíbrio em nosso organismo e continuarmos trilhando os caminhos de nossas vidas.
Possuimos um site que é o hepatitecpar.com.br e estamos à disposição pelo e-mail aphecpar@ gmail.com. Para maiores informações, estou à inteira disposição pelo telefone (41) 9624-0944 e nossa sede fica à Rua Presidente Rodrigo Otávio, 874 - Alto da XV - Curitiba - PR. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Valdemiro Ruppenthal é professor de Matemática do Colégio Medianeira e especialista em Currículo e Práticas Educativas (PUCRJ).
fica a dica Hepatite C - Eu venci Autora: Natália Mira de Asumpcião Werutsky Editora M. Books A nutricionista e escritora Natalia Werutsky lança essa semana o livro “Hepatite C – Eu Venci!”, no qual conta como conviveu com a hepatite C, suportou os efeitos colaterais produzidos pelos medicamentos e venceu a doença. Na obra, Natalia fornece informações úteis nutricionais e de saúde para ajudar a suportar os períodos pré, durante e pós-tratamento.
Convivendo com a Hepatite C: experiências e informações de um portador do vírus Autor: Carlos Varaldo Editora Mauad O livro procura dar luz e esperança para os portadores de Hepatite C. Seu objetivo é levar informação aos portadores de HCV, seus familiares e profissionais da saúde para que estes possam usar este conhecimento como mais um suporte para enfrentar a Hepatite C com atenção e cuidado.
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artigo esboço desenhado da obra 30 mediação
Fragmentos de um Inácio
Um relato poético do artista plástico e escritor Carlos Dala Stella, autor do mural Inácio de Loyola, obra em cimento com mais de 20 metros quadrados instalada nas dependências do Colégio Medianeira em comemoração aos 56 anos da instituição. Por Carlos Dala Stella
Í
ñigo Lopez, Inácio de Loyola, Santo Inácio de Loyola. O fundador da Companhia de Jesus – cujos participantes são conhecidos mundialmente como jesuítas – ganhou belíssimo mural que nasceu da cabeça e das mãos do artista curitibano Carlos Dala Stella. Agora, em primeira mão, temos a oportunidade de ler não um manual explicativo ou interpretativo da obra, mas anotações de um diário, que registram um percurso poético pontilhado de muito trabalho e encantamento. Com vocês, palavras e imagens de Carlos Dala Stella, autor do mural Inácio de Loyola.
1 Primeiro contentei o desejo de um significado simbólico, a vida de Íñigo Lopez, o homem que foi lido pela posteridade como o santo basco Inácio de Loyola. Depois desejei amplificar esse significado simbólico, vendo nele o desejo pela busca de conhecimento, e o mural, ainda sonhado, pode ser lido como uma alegoria do vir a ser. E o vir a ser tanto mais pleno é quanto mais em direção ao outro se dá. Pelo menos é o que se depreende da vida do fundador da Companhia de Jesus. Depois ainda, ao levar os desenhos iniciais para as placas de isopor, passei a lidar com a matéria, branca, leve, apesar
do petróleo que a constitui. Nesse momento o que conta são as formas, quase sempre arredondadas, parabólicas, e as linhas de força dos volumes, curvas na maioria das vezes. Está-se lidando agora com o significado abstrato do painel. É preciso continuar inventando, descobrindo o que havia no subsolo dos desenhos iniciais, eliminando as impurezas, acentuando o que parecia periférico, abrindo espaço para que o imprevisto possa se dar. Nesse momento de muito trabalho físico, cortando placas, é melhor entregar-se às mãos, ou pelo menos dividir com elas a direção do processo. Elas sabem, melhor do que a cabeça, lidar com as abstrações do mundo. Desse jogo de volumes e linhas em relevo vai depender a eficácia ou não daquele significado simbólico lá do início. É da soma desses significados, depois de ganhar seu corpo final, em cimento, que resulta um painel mural.
2
Lembro quando decidi incluir no painel de cimento de Inácio de Loyola a cândida rosa de Dante, ou uma referência a ela, naturalmente. ‘Tatuá-la’ no corpo de Inácio, em toda a extensão do tronco, foi um dos últimos gestos a fechar a
simbologia do painel. Mas isso só importava até certo ponto. Mais importante era a modulação de volumes do baixo relevo, o modo como a luz deveria atuar sobre ele, ressaltando algumas linhas e abrandando outras. O que eu procurava era uma leveza justa, como se o concreto pudesse assumir as características de uma membrana – e pode.
3
No final de setembro, na metade da confecção das fôrmas de isopor, me senti encalacrado, e justo na figura de Íñigo Lopez. Queria que ela sobressaísse para além das volutas de água do rio que leva a Manresa. Mas encontrei dificuldades que não tinha previsto no desenho. O fato de ela estar no entrecruzamento dos dois planos – o regido pela lua e aquele regido pelo sol – complicava a estruturação dos volumes, já que a demarcação entre eles não podia se perder. Por um momento temi perder o controle, sem que disso resultasse uma solução imprevista, mas bem vinda, como tantas vezes antes. Anotei em meus diários de ateliê que talvez também tivesse sido essa a experiência do homem sentado à beira do rio de Manresa: ou ele acreditava definitiva-
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mente no súbito esclarecimento de sua vontade, ou soçobrava à sinuosidade devoradora da passagem do tempo, entregando-se ao fluxo do mundo exterior, submetendo-se a ele. O que Íñigo Lopez faz naquele momento é submeter a água que passa ao esclarecimento humano, é injetar nela a claridade de seu entendimento, submetendo o tempo às ‘novas inteligências dos assuntos espirituais’ que lhe ocorriam.
5 Enquanto trabalhava no mural de Inácio, minha obsessão por Brunelleschi se agudizou. Li e assisti tudo sobre o duomo da Catedral de Santa Maria del Fiore, de Florença. E me sentia cada dia mais insignificante. A ideia de que uma edificação como aquela acolhe e ao mesmo tempo
4
Várias vezes, depois de trabalhar no mural, acordei em pânico, com o desespero me asfixiando. Pânico por não conseguir controlar como desejava a execução de cada uma das etapas, pânico por tantos pequenos erros, tantas imperfeições. Por mais que eu me dissesse que tudo ia dar certo, que para tudo há uma solução, como frequentemente se diz, não conseguia vencer o medo. Em momentos como esse, cheguei a pensar que cada um dos blocos do mural, com seus 50 quilos, em média, pesava em mim o equivalente em vazio. Por que me fragilizei a esse ponto, na execução desse painel, como tantas vezes antes? Apesar de ter como matéria-prima o cimento, ele me soava às mãos e aos olhos com uma fragilidade de seda, de papel de seda. Parece que tenho que descer ao nível da indigência, onde nada em mim faz o menor sentido. É nesse estado que trabalho, que trabalhei dia após dia, no vácuo de mim mesmo. Sem nenhum consolo.
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cria um vazio de mais de 40 metros de vão fazia minha compreensão de mundo dar voltas e voltas sobre si mesma. Do mesmo modo que os últimos cantos de Dante nos conduzem ao esplendor de luz que cega, reduzindo o máximo do vir a ser ao vazio – como bem representa Sandro Boticcelli com seu último desenho para a Comédia, deixado em branco, duzentos anos depois de escrito o poema –, Brunelleschi empenha
seu máximo engenho na construção de um cúpula que acolhe o vazio mais significativo até então na história da humanidade. São esses vazios que mais podem ser metaforizados, com o passar do tempo. É sua estrutura que me interessa, tanto quanto a técnica à spina-peche da colocação dos tijolos. A igreja católica se refestela com a possibilidade de ver nesse vazio a representação do coração da irmandade, um coração que vaga a 60 metros de altura, no duomo da Catedral de Santa Maria del Fiore. Poucas vezes, antes e depois, o sonho do homem chegou tão perto da realização mais absoluta. E, no entanto, com o passar do tempo, as fissuras foram aparecendo nas paredes da abóboda, como sempre
ir reve r si ve l mente aparecem, a nos lembrar que a perfeição suprema guarda segredos de imperfeição ainda mais indecifráveis.
6
O mural de Inácio de Loyola – pressenti enquanto trabalhava já nos desenhos, mas principalmente depois de concluído, quando pude vê-lo instalado na parede para a qual ele foi projetado – parece mais ligado à contenção plástica dos antigos gregos do que à
expressividade sentimental conquistada a partir da Idade Média, que atinge seu pico de exuberância no Renascimento. Até certo ponto isso me surpreendeu, pois sou um homem profundamente engajado em meu contexto histórico.
Acredito que muito dessa impressão se deve à obsessão com que ele foi executado nos mínimos detalhes. A bordadura da cobra, da auréola de Inácio e da bola com que o menino brinca é um exemplo dessa execução obsessionada. Obedeci tão pro nt am ente ao desejo de inscrever essa bordadura que perdi de vista, por exemplo, o fato de que uma parte dela, a que está dentro dos olhos da cobra, e colada ao volume das cabeças do homem e do menino, não poderiam ser percebidas, devido ao ângulo perpendicular de visão e principalmente à distância. Mas isso não impediu que eu continuasse esculpindo, com pirógrafo, o isopor, grafando uma dezena de signos minúsculos. Gosto de acreditar que essa intenção obsessiva
pelo detalhe plástico é que pode dar ao mural uma força apaziguada, harmônica, para dentro.
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A escolha do cimento branco estrutural acentuou ainda mais essa contenção tranquila, propícia à contemplação reflexiva. Mas não fria. Como se tudo sempre tivesse estado em seu lugar,
quando na verdade tudo foi minuciosamente se arranjando, por conta de decisões e escolhas tomadas a cada corte da lâmina do estilete ou da faca, no isopor. Esse fio condutor, eu não o vejo enquanto trabalho, embora nunca deixe de sentir sua tensão me pulsionando.
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Embora a bola de madeira, brinquedo que o menino segura através de um longo fio, estivesse quase completa, desisti de esculpi-la.
Acabei fundindo uma segunda esfera, agora de cimento. Depois de abrir as fôrmas e iniciar a limpeza, não restou dúvida. Essa era a esfera que eu intuía, aquela que não podia deixar de ser. Uma alegria suplementar, autoirônica e meio marota, era a de que a mesma bordadura que tornava lúdica a bola-brinquedo do menino acentuava a tentadora beleza da cobra de oito olhos, cobria o decoroso hábito de Nossa Senhora de Montserrat e iluminava a auréola do próprio Santo.
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Uma visita perguntou, enquanto eu ainda preparava as fôrmas de isopor: você não sente medo? Medo de que algo não dê certo? Morro de medo, e muitas coisas não dão certo. Mas que deus (que deus?) me livre de não sentir medo. Medo, quando há medo, é a verdade pânica de estar vivo. Na ocasião, respondi que não, porque até aquele momento do processo o medo ainda não tinha se manifestado. Ao depois – como diria Drummond – medo chegou. Apesar de impor-lhe toda a resistência, me submeti.
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Várias vezes, passada a meia noite, fundi sobre um bloco de cimento já pronto do mural, uma correção. Fiz isso com o braço direito de Íñigo Lopez, sobre o peito, com o qual não estava satisfeito; depois acentuando um volume do corpo de Inácio, para que ele sobressaísse, ressaltando a “cândida rosa”, em seu peito. Parte das folhas da roseira, antes em relevo positivo, agora ficaram em negativo.
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Depois, até um dia antes de transportar as peças para o colégio Medianeira, passei noites e noites corrigindo a bordadura em vários pontos, com nata de cimento, usando espátula e pincel. Continuar trabalhando no já concluído me acalmava, além, é claro, de aproximar o resultado daquilo que imaginei inicialmente. Não há por que não diminuir o número de imperfeições, quando isso é possível, e sempre é possível. O silêncio dessas noites, caminhando descalço sobre o mural, montado no chão do ateliê, ora lixando um detalhe, ora corrigindo outro, me enchia de satisfação e tranquilidade. Estar vivo é sempre por um fio. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Carlos Dala Stella é poeta-pintor. Autor de Caçador de Vaga-lumes, Riachuelo, 266, Bicicletas de Montreal, O gato sem nome e Quer Jogar? O diálogo entre artes plásticas e escrita permeia todo o seu trabalho. Ilustrador de livros, jornais e cartazes, expôs no Brasil e no exterior. No início de 2013, inaugurou o mural Inácio de Loyola, instalado no Colégio Medianeira. http:// dalastella.blogspot.com.br/
fica a dica Video Mural Inácio de Loyola Produzido pelo Studio 42 Em 11 minutos, um panorama interessantíssimo sobre o processo de criação do Mural Inácio de Loyola, obra em cimento estrutural com mais de 20 metros quadrados, instalado dentro do Colégio Medianeira, em Curitiba. Com imagens surpreendentes e explicações do próprio artista, o pequeno documentário descortina sentidos e explica algumas simbologias que enriquecem a percepção do espectador sobre a obra. Acesse www.youtube.com e procure “Mural Inácio de Loyola”. Ou digite em seu navegador o endereço http://youtu.be/cuulX_E2BKM.
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Sobre o
[duplo] desafio da mediação de leitura As mediações acontecem muitas vezes de maneira simultânea em e vários níveis. Um maestro, por exemplo, media a interpretação da partitura com os músicos, a música com o público, os músicos entre si. Media-se uma pessoa com outra, o indivíduo com a coletividade, alguém com alguma coisa, épocas através do tempo, gêneros através de estilos. Em relação à leitura como isso funciona? Por Flávio Stein
mediação
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“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!”
E
m “A função da arte/1” (texto acima), o escritor uruguaio Eduardo Galeano cria uma pequena narrativa que indica o efeito, o impacto, que a literatura (ou a arte de maneira geral) pode causar em um leitor: “mudo de beleza” fica o menino ao ver o mar pela primeira vez. Uma bela metáfora. Mas esse impacto é a constatação do possível efeito da arte. Já a conclusão indica a função da arte – ajudar a olhar! Em tempos de criação de novos eventos e projetos que estimulem a leitura (tendo a FLIM e os Sujeitos Leitores do Colégio Medianeira como exemplos animadores para nossa cidade), de questionamentos sobre o que é leitura e da validade de cursos de formação de mediadores de leitura, creio que é bastante instigante ouvir o clamor de Diego: “- Me ajuda a olhar!”, como outra bela
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metáfora, agora, relacionada à função desta figura difusa e pouco clara, denominada atualmente como mediador de leitura. Uma
importante
pesquisa-
dora brasileira dos processos de leitura afirmou recentemente, em público, que apenas professores são mediadores de leitura. Ela não acredita em ninguém mais nesta função. Um coordenador de um amplo e bem sucedido projeto de estímulo à leitura em Santa Catarina declarou, também publicamente, que não acredita em mediação de leitura ou em mediadores de leitura. Já que nenhum dos dois se preocupou em esclarecer as afirmações, me pergunto, por que não? E iria talvez mais longe: afinal de contas, do que efetivamente estamos falando? Mediar um texto literário se-
ria apenas revelar o que um texto sugere ou indica? Mas revelar a riqueza que emana de uma obra de ficção, da visão de mundo de um escritor, é assim tão simples? Será? É possível ser tão assertivo e pragmático quando se fala a respeito de uma obra literária? Ou será que é justamente na pluralidade de leituras e interpretações que reside a potência da literatura? Resumindo: o que é mediar um texto literário? Sem dúvida, são questões que demandam uma reflexão profunda, análise e pesquisa, mas percebo que, antes de qualquer coisa, é preciso tentar esclarecer se estamos todos pensando e falando da mesma língua. Afinal, é um vasto campo praticamente desconhecido, principalmente para nós, brasileiros. Gostaria aqui, neste pequeno espaço, de apenas levantar algumas questões que considero básicas.
Em um primeiro momento, com certeza, eu concordaria com a pesquisadora, aceitando que os professores são, sem sombra de dúvida, mediadores por excelência. Mas o que me dificulta a compreensão e aceitação da afirmativa é a exclusividade. Para isso vale pensar sobre o ato, a ação de mediar. Como me aproximo de um texto, uma obra literária? Por indicação de alguém, através de um simples bate-papo; através da leitura de uma resenha jornalística; ao receber um livro de presente; por obrigação, pela necessidade de ler uma obra para o vestibular ou um concurso; em função do acaso, quando perambulo sem rumo por uma livraria e procuro “algo” nas vitrines ou expositores que me oferecem títulos escolhidos por uma visão mercadológica e comercial? Será que em todos estes contextos, seja por via oral ou escrita, não estamos nos defrontando com uma mediação e um possível mediador? Parto da premissa que a mediação sempre existiu, nas suas mais diversas formas. Somos todos, em alguma medida, mediadores, e também em alguma medida estamos sempre sendo mediados. Mediamos o mundo
para nossos filhos ou para nossos avós mais tarde e inclusive para os próprios pais ao longo da vida. No meio artístico, um curador de uma mostra, um maestro para sua orquestra, um diretor teatral para seu elenco, um coreografo para seu bailarinos, ocupam todos funções, espaços de mediação. Mas no âmbito religioso, esta função é mais clara e acentuada ainda. Afinal, durante séculos lemos a Bíblia através de padres, pastores, bispos, papas e, sem esquecer, por tradutores. Sempre houve alguém entre nós e o texto religioso. Demorou muito para que tivéssemos acesso direto às escrituras. Poderíamos continuar com uma lista bastante extensa a meu ver: psicólogos, advogados, chefe de obras, gerentes de supermercado, de bancos, shopping centers, bibliotecários, editores e críticos se nos detivermos no universo da literatura mais diretamente. Enfim, todos aqueles que trabalham com coletividades, com o “outro”, são mediadores, querendo ou não. Conscientes ou não. Trabalhar em equipe, por exemplo, significa conviver com um estado contínuo de mediação, seja qual for a profissão.
algum lugar, a uma obra artística,
Mediar é... permitir/ajudar que o outro chegue à alguma coisa, a
torial seleciona o que quer publicar
a uma compreensão/conclusão de algum tema ou assunto. Uma ação pré-determinada e indefinida ao mesmo tempo, difusa, mas inevitável dependendo do contexto. Às vezes, é apenas apresentar, oportunizar o acesso. Traduzir é um ato de mediação. Interpretar é um ato de mediação. Colocar pessoas em diálogo; conciliar acordos familiares; lamentavelmente, traficar (o traficante... media a droga com o usuário); organizar informações, organizar “conhecimentos”, “saberes” para difundi-los. E as mediações acontecem muitas vezes de maneira simultânea em vários níveis. Um maestro, por exemplo, media a interpretação da partitura com os músicos, a música com o público, os músicos entre si, a orquestra com a equipe técnica, o repertório escolhido com a programação, etc. Mediase uma pessoa com outra, o indivíduo com a coletividade, alguém com alguma coisa, épocas através do tempo, gêneros através de estilos. Por fim, uma revista é um ato de mediação, quando o corpo edie a partir de qual perspectiva.
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Após a experiência de realização de mais de 360 rodas de leitura, por meio do edital Ciclos de Leituras da Fundação Cultural de Curitiba, e do esforço de mais de dois anos lutando para escrever (e pensar) os resultados de uma pesquisa que se transformaria em uma dissertação de mestrado no Departamento de Letras da Universidade Federal do Paraná, cheguei à conclusão de que o lugar do mediador de leitura (de obras literárias, para me fazer mais específico, e para apresentar aqui, talvez, a questão que acredito ser central) é, antes de mais nada, o da invisibilidade. Ajudar alguém a encarar o texto, a vida e o mundo, através da literatura, demanda desse ajudante uma capacidade, a partir do texto, de abrir portas, de construir pontes para o novo leitor. Abrir portas sem preconceitos nem pré-conceitos, isto é, oferecer ao outro um espaço amplo e irrestrito para descobertas. Descobertas não direcionadas, não induzidas, mas que deixem o novo leitor “mudo de beleza”. E para que o olhar do mediador não se imponha, não limite o olhar do outro,
38 mediação
percebo que é preciso alcançar isso que tenho chamado de invisibilidade. Isto é, abrir espaço para que o outro, o novo leitor, chegue por si mesmo ao “espanto”, a esse primeiro impacto que normalmente o mar, por exemplo, causa ou pode causar a uma criança em seu primeiro encontro. Acredito que, dessa maneira, a invisibilidade, essa não-presença do mediador em um certo sentido (um entre-lugar, com certeza) possa deixar que o texto gere no leitor a sensação de uma descoberta sua, própria, particular, única. Sensação esta de apoderar-se de alguma coisa, que, por fim, pode realmente instigá-lo a procurar novos textos. Textos que, através deste processo, podem agora passar a ser seus, do leitor, e não mais do mediador que os apresentou. Um percurso do individual passando pelo coletivo para voltar ao indivíduo com outro valor. É claro que essa invisibilidade demanda do mediador, antes de qualquer coisa, muita generosidade. Para oferecer ao outro um novo espaço, livre, para que
ele possa criar relações com sua própria vida e escolha por que caminhos trilhar. No fundo, não é uma ação ou proposição literária, mas antes social, cultural, humana. E, sem dúvida, criativa, seja no processo de leitura do novo leitor, seja no do mediador, deste que oferece sem querer nada em troca, mas que, mesmo que não queira, leva algo. A invisibilidade não significa neutralidade neste caso; pelo contrário, é uma ação ativa, viva, característica do processo de leitura comprometido com o texto, com a vida, com o mundo, e claro, com o outro, distante do ego que normalmente se encontra nas relações apresentadas em eventos coletivos da contemporaneidade. Afinal, estamos falando de um evento coletivo – a roda de leitura –, o principal espaço hoje ocupado pelo mediador de leitura. Leitura, portanto, compartilhada. Não sei se falo aqui das mesmas coisas que a pesquisadora ou o coordenador do projeto a que me referi anteriormente. Sei que sinto falta de uma reflexão mais profunda nas práticas de difusão
da leitura. E ressalto, práticas. É claro que uma das perguntas que me ocorre quando ouço afirmativas tão seguras e determinadas como as que citei, é: em que público/leitor se está pensando? Naquele que já é leitor e que a mediação de um outro (leitor, é claro) vai interferir na apreciação do texto? Mas será que esta percepção é valida para qualquer um? O século XX nos brindou com uma variedade de teorias da leitura fundamentais para nos darmos conta de muitos processos. Este lugar central conquistado pelo leitor no universo da literatura é fruto de muitas pesquisas. Mas vejo que o passo entre a teoria e a prática está longe de ser concluído. É preciso compreender os níveis de mediação, por exemplo. Uma pessoa de vasta bagagem cultural procura novos conhecimentos. Muita gente não quer parar de se aprofundar nas questões que a mobilizam. Assistir a uma palestra de José Miguel Wisnik como a ocorrida na última FLIM (Festa Literária do Medianeira, ocorrida em outubro de 2012) é sem dúvida uma experiência de mediação profunda com a obra de Guimarães Rosa e que exige do participante algum conhecimento prévio do autor e da obra. De outro lado, difundir a leitura no Caximba, no Tatuquara, para uma comunidade, às vezes inclusive de analfabetos, para pessoas que não sabem sequer o significado da palavra “literatura” exige, a meu ver, um tipo de mediação que muitas vezes um professor realmente pode não conseguir efetivar. E não consegue efetivar porque o vínculo que se estabelece não é via o literário
ou de um conhecimento estratificado, mas através da experiência e sensibilidade humanas. Porque no fundo, não se trata aqui de um conhecimento prévio, estabelecido e reconhecido. Na mediação, nem sempre estamos lidando com conhecimentos estabelecidos e determinados. Pelo contrário, talvez, trata-se justamente do imponderável, do que não está claro, de como cada um, através da sua experiência de vida e capacidade de ler o mundo pode lidar com o texto, a narrativa e seus elementos. Portanto, do leigo ao especialista existe uma gama gigantesca de possibilidades. Ao final, o que percebo é que se pretendemos difundir a leitura, difundir a literatura, se acreditamos que a literatura pode transformar a vida das pessoas, é preciso ter como ponto de partida a aceitação da pluralidade de eventos e fenômenos que estão em jogo. É preciso entender que não se está falando de nada prédeterminado, mas, pelo contrário, de algo que se forma na conjunção entre pessoas e textos, acessado pela experiência humana no seu mais amplo significado.
ocorre em primeira instância, para depois a literatura em si, isto é, a obra e seu autor, definirem por quais caminhos o ato se concretizará. Porém, não podemos nunca perder de vista que é possível planejar uma roda de leitura, escolher os textos a serem lidos que mais se adequem àquele grupo de pessoas, mas nunca saberemos ou poderemos prever efetivamente a recepção. Por quais caminhos a leitura e a discussão nos levarão, ou como os participantes irão reagir ao impacto dos textos, estará sempre na categoria do imponderável. Afinal, como abarcar a imensidão do mar? comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
FLÁVIO STEIN é graduado em Letras e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná com dissertação centrada em processos de leitura e vocalização do texto literário. Atua como mediador de leitura em ciclos de rodas de leitura e orienta laboratórios de formação de mediadores de leitura integrando o projeto “Curitiba Lê”, da Fundação Cultural de Curitiba. É curador e idealizador de diversos projetos de leituras públicas. É músico e diretor teatral.
Por tudo isso, a invisibilidade e a generosidade são elementos tão fundamentais. E por tudo isso também, vejo que o desafio da mediação de leitura é duplo. Em primeiro lugar, pela necessidade de compreendermos a própria ação, o ato de mediar; em segundo, porque efetivar o ato é um gesto de demandas diversas que estão diretamente ligadas ao contexto e ao público em que o ato
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fica a dica A literatura na poltrona Autor: José Castello Editora Record Em A literatura na poltrona, o leitor é o espectador privilegiado das memórias, cenas e entrevistas ao vivo feitas por Castello. No capítulo que empresta título à obra, o autor tece uma excepcional análise do ato de leitura do texto. Com cuidado, dessacraliza a relação entre intenção e obra, tema recorrente na crítica universitária, que marcou paixões e credos no século XX, e que se esparrama no capítulo no qual vem dissecado Angústia, de Graciliano. A alteridade, a compreensão do outro e o literário estão no ensaio sobre Pessoa. A partir dessa análise, resvala-se para a alma da escritura e suas fronteiras, num leque de referências de Capote a João Antônio e Piglia e de Kafka a Borges. Junto com o capítulo sobre oficinas literárias, é um texto de leitura obrigatória para os jovens escritores e também é imprescindível ao estudante de Comunicação. O livro termina com os cinco maiores poetas brasileiros do século XX, segundo Castello: Drummond, Cabral, Bandeira,Vinicius e Cecília Meireles.
Mediação de Leitura: discussões e alternativas para a formação de leitores Autor: Fabiano dos Santos, José Castilho Marques Neto e Tânia M. K. Rösing Editora Global Tornar professores, bibliotecários e agentes de cultura leitores efetivos, entusiasmados e convictos da importância de formar gerações de cidadãos emancipados, críticos e sensíveis é o objetivo deste livro, que estimula uma reflexão profunda sobre o significado da mediação de leitura no contexto da escola, da biblioteca e de espaços comunitários. As ações de mediação de leitura são vistas como processos de inclusão cultural e de emancipação de grupos e indivíduos. Isso ocorre por meio de abordagens inter, multi e transdisciplinares que oferecem importante fundamento teórico e prático para promover a alfabetização, o letramento e a articulação entre agentes culturais com materiais de leitura qualificados.
40 mediação
A
educação para a
terceira idade
O processo do envelhecer deve ser esclarecido e levado em consideração tanto para os idosos como para as demais pessoas, pois todos estão inseridos no processo de envelhecimento. Por Ana Paula Abranoski mediação
41
Segundo o IBGE, o número
A educação de idosos ainda
de idosos dobrou nos últimos 20
é vista como algo não tão im-
anos, tendo em vista que o Bra-
portante dentro de uma socieda-
sil passa por uma transformação
de onde a política de educação
demográfica, em que é observa-
prioriza a economia de mercado;
do claramente o aumento da faixa
entretanto, a possibilidade de
etária de pessoas idosas entre a
aprender, independente da idade,
população nacional. Durante mui-
torna a alfabetização de idosos
tos ano, no Brasil, sempre tivemos
um grande desafio. Esta realida-
o conceito de que éramos um país jovem, que o problema do envelhecimento dizia respeito aos países europeus, norte-americanos e ao Japão. Realmente, nestes países se vive mais, existe uma maior expectativa de vida. No entanto, poucos se deram conta de que, desde os anos 60, a maioria dos idosos em números absolutos vive em países do terceiro mundo e as projeções estatísticas demonstram que esta é a faixa etária que mais crescerá na maioria dos países menos desenvolvidos. A faixa etária de 60 anos ou mais é a que mais cresce em termos proporcionais. Segundo as projeções estatísticas da Organização
de faz parte de um quadro que a sociedade brasileira não conhece bem e, consequentemente, ainda não dispõe dos recursos necessários para atendê-la. O modelo educacional relaciona aprendizagem e ensino com escola, infância e jovens. A participação social das pessoas de terceira idade pode ser potencializada através da alfabetização, assim como nas relações do dia a dia, possibilitando um maior acesso às informações, resgatando a cidadania e autonomia. Apesar de a alfabetização de idosos ainda ser vista com ressalvas por alguns grupos, existe um bom exemplo de que mesmo com dificuldades é possível resgatar esse aprendizado. Um exemplo disso é
Mundial da Saúde, entre 1950 e
o Projeto Gênero e Políticas Públi-
2025, a população de idosos no
cas executado pelo Centro Jesuíta
país crescerá 16 vezes contra 5
de Cidadania e Assistência Social
vezes da população total, o que
de Curitiba (CJ-Cias)/Centro de
nos colocará em termos absolutos
Pesquisa e Apoio aos Trabalha-
com a sexta população de idosos
dores (Cepat), uma entidade de
do mundo, isto é, com mais de 32
abrangência estadual que inte-
milhões de pessoas com 60 anos
gra a rede sócio-assistencial do
ou mais.
município na territorialidade do CRAS Bairro Novo, direcionando
42 mediação
O processo do envelhecer deve
suas ações prioritariamente ao
ser esclarecido e levado em consi-
público da assistência social desta
deração tanto para os idosos como
territorialidade. O projeto realiza
para as demais pessoas, pois todos
ciclos de debates com idosos e o
estão inseridos no processo de en-
objetivo é promover a participa-
velhecimento. E a educação vem
ção efetiva na elaboração e mo-
para ajudar neste contexto.
nitoramento das políticas públicas
a partir da realidade local e dar orientação diante de direitos violados e/ou não respeitados. Em um dos debates realizados no mês de novembro, a temática abordada foi a Educação e através das experiências e relatos do grupo. Pôde-se perceber como a política de Educação é voltada apenas para a formação profissional e a economia de mercado, fazendo assim com que os idosos não tenham acesso à educação. O envelhecimento da população torna urgente a adoção de novas políticas públicas que proporcionem uma melhor assistência aos idosos, visto que ainda há uma visão antiga de que se vive em um país de jovens. Precisamos investir em políticas públicas que visem à educação popular, que ultrapasse os limites do mercado e que seja uma educação de qualidade. Estudos já comprovaram que a educação (formal ou não) auxilia na conservação das faculdades mentais, memória e inteligência, através da reflexão, do pensar, prevenindo dessa forma doenças mentais. A autora Anita Liberalesso Neri, na obra Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade, levanta algumas questões interessantes: qual é a relação entre escolaridade, renda, cor e gênero na determinação do acesso dos idosos e dos não idosos às oportunidades e aos benefícios sociais? Seriam os idosos uma categoria social excluída? Em caso afirmativo, seria simplesmente por serem idosos, ou em virtude da baixa escolaridade e do baixo
nível de renda que os atingiram a vida toda? A baixa escolaridade dos idosos acaba gerando uma exclusão social. Apesar dos avanços, ainda existem 5,1 milhões de idosos analfabetos no país (IBGE, 2000). O analfabetismo causa dependência das pessoas. A dependência não é apenas da velhice, estando presente em todo o curso da vida. Com o passar dos anos ela só tende a aumentar, principalmente nos idosos, que em alguns casos precisam de mais ajuda para desempenhar uma atividade, como pedir a alguém para ler as placas de sinalizações dos ônibus. Apesar de ter diminuído o índice de analfabetismo no Brasil, o nível educacional dos idosos ainda é baixo.
Incentivar a integração do idoso, enquanto sujeito de seu próprio desenvolvimento, tornandoo ativo pelo uso de sua sabedoria, sua criatividade, sua vivência pessoal e sua experiência profissional acaba por proporcionar uma melhor visão de mundo, contribuindo com subsídios valiosos para uma política de resgate da cidadania destas pessoas. A Política Nacional do Idoso tem como objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. A autonomia e a independência são fundamentais para a manutenção da saúde física e mental do idoso. Os idosos, à medida que crescem em conhecimentos, expressam com mais segurança suas ideias, tornam-se mais críticos e reflexivos, com melhor participação social, aumentam sua autoestima e estão mais preparados para
acompanhar as mudanças sociais, permitindo uma melhor integração e participação dos idosos na comunidade, exercendo efetivamente a sua autonomia. É preciso dar mais atenção aos idosos do nosso país, pois saber ler e escrever, mesmo que tarde, propicia o resgate, a construção da autonomia e a capacidade de decisão na terceira idade. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Ana Paula Abranoski é Bacharel em Sistemas de Informação pelo Instituto Superior do Litoral do Paraná (Isulpar), tecnóloga em Processamento de Dados (Colégio Anchieta). Atuou como docente na área de Informática básica e avançada para jovens e terceira idade nos Liceus de Ofícios, promovido pela FAS – Curitiba. Atualmente trabalha como coordenadora administrativa do CjCias Curitiba, onde auxilia no monitoramento e apoio dos programas e projetos desenvolvidos pelo Cj-Cias, em especial o Projeto Gênero e Políticas Públicas.
fica a dica Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade Autor: Neri Anita Liberalesso Editora Perseu Abramo O livro Idosos no Brasil - Vivências, desafios e expectativas na terceira idade reúne análises aprofundadas dos dados da pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio - SESC (Nacional e São Paulo). A pesquisa, uma das mais amplas já feitas no Brasil sobre os idosos, ouviu 2.136 pessoas com mais de 60 anos, e também 1.608 jovens e adultos de 16 a 59 anos, residentes em 20 municípios pequenos, médios e grandes das cinco regiões do país.
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artigo
Faxinais, desenvolvimento sustentável e escola: uma proposta para melhoria da
qualidade de vida na região metropolitana de Curitiba.
As instituições governamentais devem responsabilizar-se pelo monitoramento e pela disseminação dos resultados das medições dos níveis de poluição, enquanto que aos educadores cabe a responsabilidade de aprimorar as pesquisas científicas e disseminar novos conhecimentos à população, mostrando os métodos de despoluição e preservação da saúde, bem como incentivando os cidadãos a participar ativamente das ações ambientalmente corretas. Por Edilson Ribeiro e Leonora Comegno 44 mediação
O
governo do Paraná criou
em 1997 a unidade denominada Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR), por meio do decreto 3466/97, reconhecendo a importância das comunidades faxinalenses para a manutenção dos recursos naturais. A criação destas está relacionada com a conservação de uso sustentável e tem como objetivo proteger e desenvolver esses grupos, passando o município a receber ICMS ecológico, para investir no desenvolvimento sustentável dos mesmos. O processo de criação de ARESUR encontrava-se parado dentro do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão responsável pela gestão destas áreas. Após várias pressões e reuniões realizadas pelo movimento faxinalense, denominado Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses-APF, novas áreas foram criadas em outubro de 2009. As comunidades faxinalenses veem a possibilidade da criação de ARESUR como uma forma de defesa dos seus territórios e proteção dos recursos naturais necessários para a manutenção do modo de vida faxinalense. é o que defendem o Sr. José, sua filha Andrea, e o Sr. Amantino, da Comunidade do Espigão das Antas, que estiveram em agosto de 2012 no Colégio Medianeira para apresentar à comunidade escolar suas propostas. Esse contato foi possível porque os alunos do Ensino Médio realizam estágio social junto à comunidade em busca de intercâmbio social, cultural e religioso durante os feriados da Páscoa.
Segundo eles, um dos projetos da comunidade, que visa sua sustentação econômica, é a produção de orgânicos por parte dos agricultores da região, incentivada pela EMATER. Nesse sentido, o orientador Edilson Ribeiro, alunos do Grêmio Estudantil e a professora de Química Leonora Comegno montarão uma estação de monitoramento da qualidade do ar junto à Comunidade do Espigão, no município de Mandirituba região Metropolitana de Curitiba. Esse monitoramento tem dois objetivos básicos: o primeiro é desenvolver uma pesquisa de campo, a partir do trabalho de pesquisa da escola, em que os alunos deverão coletar dados sobre a qualidade do ar dessa região, por meio de indicador químico e biológico; o segundo é validar a qualidade dos produtos orgânicos, contribuindo dessa maneira com a produção e sustentação econômica da comunidade, em que os moradores têm a posse de seus bens, dos animais e das plantações. Há cerca de 15 anos, quando foi aprovado o decreto estadual 3.446/97, reconhecendo a existência dos faxinais, o Paraná tinha 152 Comunidades Tradicionais de Uso Regulamentado, que por sua vez recebiam recursos do ICMS Ecológico. Atualmente, esse número caiu para menos de um terço, pela falta de conhecimento da legislação e falta de incentivo ao pequeno produtor. Esse modelo de uso da terra comum só é encontrado no Paraná; porém, há várias modalidades de uso de terra comum no Brasil.
Conforme Sr. Amantino, que esteve com nossos alunos do EM, dos 227 faxinais existentes, 47 mantêm as características do uso comum da terra. Conforme afirma Giovana Baggio de Bruns, coordenadora de Conservação em Terras Privadas do Programa de Conservação da Mata Atlântica e Savanas Centrais da The Nature Conservancy – TNC: O ICMS Ecológico é uma das ferramentas mais efetivas de estímulo à conservação dos remanescentes de ecossistemas nativos no Brasil. Estimulando estados e principalmente municípios a encarar suas áreas verdes como ativos, valorizando-as não só ambientalmente, mas economicamente. É um novo modelo, é o reflexo de uma nova era, quando se passa a enxergar a natureza como uma vantagem ao desenvolvimento e não como um entrave ao crescimento econômico. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (1996), considera-se como monitoramento da qualidade ambiental: “O processo de observações e medições contínuas e periódicas, sistemáticas e intercomparáveis de qualquer indicador, parâmetro ou variável que permita avaliar a qualidade ou estado dos recursos ambientais – água, ar, solo, subsolo, vegetação/flora e fauna”. Assim o conhecimento da boa ou da má qualidade do ar, por meio de fontes de informações confiáveis, pode influir decisivamente no processo de coope-
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ração da população no sentido de preservar ou recuperar a melhor qualidade; por isso, “o monitoramento da qualidade ambiental” e a divulgação dos dados devem ser levados a sério. As instituições governamentais devem responsabilizar-se pelo monitoramento e pela disseminação dos resultados das medições dos níveis de poluição, enquanto que aos educadores cabe a responsabilidade de aprimorar as pesquisas científicas e disseminar novos conhecimentos à população, mostrando os métodos de despoluição e preservação da saúde, bem como incentivando os cidadãos a participar ativamente das ações ambientalmente corretas. Poluir significa sujar, macular, corromper ou tornar algo prejudicial à saúde. Se a saúde das populações está sendo afetada pela poluição do ar, é possível reverter essa situação. Os poluentes emitidos ou enviados para o ar, com pouca mudança química, são denominados poluentes primários: monóxido de carbono, dióxido de enxofre,
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dióxido de nitrogênio e materiais particulados. Os poluentes secundários são substâncias formadas pelas reações químicas no ar: o ozônio, nitrato de peroziacetil e outras substâncias orgânicas e inorgânicas, em estado gasoso ou particulado. Os poluentes são invisíveis, na sua maioria, mas são registrados pelos seres vivos, humanos, animais e plantas, cuja saúde é afetada de vários modos. O trabalho realizado no Colégio Nossa Senhora Medianeira e no cinturão verde de Curitiba (Piraquara e região de metropolitana de Mandirituba) visa monitorar a concentração de poluentes cuja presença na atmosfera prejudica muito a saúde e alertar a população sobre seus malefícios. Para tanto, foi eleito como indicador um poluente secundário, o ozônio, produzido por uma reação em presença da luz solar dos gases expelidos principalmente pelo exaustor dos automóveis e pela combustão industrial. A presença de ozônio na atmosfera indica que há um verdadeiro coquetel de poluentes no ar. Ele é resultado de uma combinação de óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos (também poluentes), que sofrem uma reação química na presença da luz so-
lar e se transformam em ozônio, o qual pode ser herói e vilão ao mesmo tempo. Nas altas camadas da troposfera, ele é responsável pela filtração dos raios ultravioletas, mas na biosfera, o ozônio representa uma das mais perigosas causas de degradação ambiental, pelo modo rápido como ele afeta a saúde, oxida metais, deteriora borracha e pintura, danifica as frutas e sementes, afeta as árvores e os ecossistemas inteiros. No ser humano, o ozônio provoca doenças respiratórias – irrita mucosas que filtram o ar antes de ele entrar nos pulmões, reduzindo a resistência aos resfriados, causando tosses, espasmos; irrita os olhos e vias respiratórias, agravando a asma, bronquite e enfisema, além de causar envelhecimento precoce. Nesse trabalho é usado indicador químico produzido no laboratório pelos alunos e um bioindicador, a planta do tabaco, por apresentar características determinantes na análise desse gás. O mês de agosto é a época ideal para o monitoramento devido à inversão térmica, que retém gases poluentes assim como materiais particulados perto da superfície do planeta, ou seja, a dispersão desse material fica comprometida. Assim, as localidades em que foram detectados limites acima da normalidade de ozônio revelaram comprometimento da saúde da população, sendo registrado pela Secretaria Municipal de Saúde que doenças do aparelho respiratório ocupam o primeiro lugar em todos os postos de saúde de Curitiba e região.
A tabela do CONAMA (resolução 03/90) menciona o limite de 160µg/m3 ou 80ppb para medições de uma hora. Numa abordagem simplista, podemos deduzir que, ao encontrar vários valores acima dos citados na tabela do CONAMA em alguns momentos, dentro do prazo de 8 horas (tempo medido), o limite foi ultrapassado (na sequência das horas ou no processo cumulativo), o que nos causa preocupação, porque se o filtro registra esse nível de poluição, assim também estarão nossos pulmões. Além disso, o nível de conscientização da população é pequeno porque há falha na comunicação. A falta de conhecimento dos problemas de saúde causados pela poluição gera descaso ou descuido. Quando a população tiver conhecimento do real impacto da poluição nos seres vivos e no ambiente, ela ficará mais atenta aos sinais de aumento de poluição e poderá atuar na prevenção de catástrofes ambientais. Este estudo cientifico poderá auxiliar no processo de regulamentação desta área, pois certificará a qualidade do ar naquela região. Os faxinais são ecossistemas que chamam a atenção pela beleza natural e pela sua cultura própria que preserva valores fundamentais como a solidariedade, amizade e respeito ao homem e à natureza da qual somos parte. A preservação do meio ambiente, a produção orgânica, a biodiversidade e a geodiversidade são atrativos naturais nas Comunidade de Espigão e Campestre dos Paulas. Infelizmente, os interesses do
agronegócio, da indústria de tabaco, de Pinus e de soja estão acima dos valores destas comunidades. Em 2012, no dia 19 de agosto, realizou-se a 26ª Romaria da Terra do Paraná, na cidade de Mandirituba, cujo tema era Diversidade camponesa cuida da terra, promove a Vida. Destacamos aqui algumas das da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses – APF: - Efetivar do Protocolo de Kyoto; - Conscientizar e respeitar o meio ambiente; - Exigir participação da sociedade e do poder público para a educação ambiental; - Procurar meios para efetivar a fórmula do desenvolvimento sustentável; - Exigir o cumprimento das funções do IAP, de cuidar das comunida des tradicionais; - Transformar novas áreas em ARESUR; - Fazer o Ministério Publico se aproximar do direito dos faxinalenses; - Exigir que as delegacias de polícia registrem boletins de ocorrência por parte dos faxinalenses; - Organizar mais comunidades para AP; - Realizar cursos de operadores de direito nas comunidades; - Conquistar e garantir direitos étnicos e coletivos; - Formação da Rede de Povos e Comunidades Tradicionais; - Participação no Conselho Nacional das Comunidades Tradicionais; - Liminares favoráveis à manutenção do uso comum da terra nos Faxinais; - Visibilidade social e política na região e no Estado do PR; - Aprovação da Lei Estadual de reconhecimento da identidade faxinalense e de seus acordos comunitários; A diversidade camponesa cuida da terra, promove vida! “O céu é Senhor, mas a terra Ele a deu a seus filhos e filhas” (sl 113, 10). Diante da mensagem da Palavra de Deus, somos chamados a nos comprometer com as políticas de reforma agrária em nosso país. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
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Edilson Ribeiro é filósofo, mestre em Educação, estudante de Direito e educador no Colégio Medianeira.
Leonora Comegno tem graduação em Química, é mestre em Educação e professora de Química do Ensino Médio.
fica a dica Introdução ao controle da poluição ambiental Autor: José Carlos Derisio Editora Folha O controle da poluição ambiental ganha cada vez mais relevância para a indústria, que precisa atender aos requisitos da legislação, de normas técnicas e das exigências de consumidores e investidores. O livro aborda os principais usos da água, do ar e do solo; os tipos de poluição que os afetam e os danos provocados; parâmetros e métodos para avaliação de qualidade; técnicas de controle de poluição; e aspectos legais e institucionais. Apresentando uma visão integrada e abrangente sobre o tema, é leitura obrigatória para todos os profissionais que procuram racionalizar a produção, diminuir o desperdício de insumos e encontrar formas mais eficientes de uso e reúso de recursos naturais e matérias-primas.
Poluição do ar Autor: Samuel Murgel Braco e Eduardo Murgel Editora Moderna Ao contrário da preocupação que temos em relação à qualidade da água que ingerimos, não é muito comum pensarmos sobre as condições do ar que respiramos. O principal objetivo de ‘Poluição do Ar’ é transmitir algumas noções sobre os fenômenos incrivelmente complexos que estão envolvidos na composição da atmosfera e, mais importante, mostrar a gravidade da questão do ar poluído, alertando sobre problemas reais e, por vezes, chamar a atenção para alguns mitos e teorias bastante divulgados, mas que na verdade são infundados e incorretos. Com isso, pretende-se atingir um certo nível de conscientização que permita ao leitor avaliar os verdadeiros e mais importantes problemas a ser enfrentados, principalmente, qual o grau de contribuição que cada um de nós pode e deve dar para sua solução.
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Crônica
O hipopótamo e a restinga
Hipopótamo? Aqui? Por acaso não deveria estar na margem oposta do grande mar? Embora também não estou certo de que, por ventura, passeiem pelas areias ocidentais da Namíbia esses nobres concorrentes a pesos pesados dentre os quadrúpedes. Fosse no Quênia, na costa de outro oceano, aí eu teria certeza. Por Francisco Carlos Rehme
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em o inverno, que na costa catarinense acolhe amiúde o teimoso e desconfortável vento sul, desvanece-me o prazer de pisar descalço sobre a areia da praia e caminhar indefinidamente. Todos os sensores das plantas dos pés captando, lendo e repassando a instantânea informação: areia fria e úmida. Mesmo sem chover por alguns dias, o sol não chega a aquecer a areia. E pensar que,
a maré, há os ventos. Tanto um como o outro não falham. Brisa e maré estão sempre ali, habitantes da praia, como as marias farinhas, as conchas, as águas vivas, ironicamente despojadas de vida, despachadas na areia. Voláteis pegadas, impressas na restinga, essa extremidade de terra firme. Firme?!? Quem disse “firme”? O caminhar oscilante não encontra sustentação nem
uma lembrança. Outra restinga, entre cinquenta e sessenta milhas mais ao norte: a quase imaculada costa do Superagui. Como lá nas bandas do Ararapira, cá também tudo se fazia deserto. Menos o oceano. No mar, a algumas centenas de metros, lá estavam eles, os pescadores, muitos de pé sobre o fundo de suas canoas. Regressavam da pesca, quase todos e um a um, apontavam a proa para a
Fotos: Paulinha Kozlowski daqui a seis meses, não vai dar para pisar nessa areia sem os chinelos... de tão escaldante que estará. Mas agora o sol não se eleva muito, os raios solares incidem mais inclinados, por isso as sombras hibernais são sempre mais longas e a luz... ah! a luz do inverno: ótima para a fotografia... das máquinas e do cérebro. Os passos bem displicentes espalhavam areia, desfazendo as pequenas ondulações – dunas no reino das formigas –, construindo outras, às margens das pegadas que para trás ficavam. Pegadas na areia, vida efêmera. Não bastasse
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rigidez. Ao contrário, ele escorrega, parece brincar e se divertir. Um caminhar plástico como o tapete de areia. Indefinido, sem direção como o arranjo dos grãos de sílica e cálcio depositados pelo mar. Enfim, que seja: coberta por camadas macias de areia, a extremidade de terra – não tão – firme espreme-se entre as últimas curvas do rio, a barra e o mar. Do outro lado do rio, dizem, é o Paraná. Para onde a retina alcança e o olhar se declina naquela ponta de areia, não há mais ninguém. Uma verdadeira praia deserta. Praia Deserta! Isso desencadeia célere
boca do rio. Um hiato de cinco, dez minutos entre a entrada pouco triunfal – posto que traziam raros cestos cheios de peixe – de um e outro pescador. A colônia e seu mercado não ficam distantes: menos de meio quilômetro rio acima. De modo que, entre um e outro trovejar ritmado do motor de dois tempos, por alguns minutos, tudo aparentava solidão, um quase silêncio. Quadro perfeito para cortejar a paisagem marinha, bilhões de vezes pintada, recitada, entoada... não importa. Cenário perfeito para apreciar, degustar a paisagem e largar à brisa os
pensamentos. Era a segunda vez
Foi dobrar a ponta norte da
braço interior do mar e o Atlân-
em menos de um ano que me
ilha do Cardoso e me deparar
tico escancarado, extravagantes
presenteava com tal luxo de po-
com os estrondos das ondas se
montanhas de granito erguiam-
der vagar e divagar, pés descalços
arrebentando em sua costa orien-
se por quase um quilômetro de
sobre a areia, cabeça e alma ba-
tal, para sentir o quão resistentes,
altura. Todas elas inteiramente
nhadas de maresia.
frios e intensos estavam os ven-
revestidas por um denso cober-
A outra vez havia sido no feria-
tos. Arrepio na pele, pelos eriça-
tor verde, a Floresta Atlântica em
do de finados na ilha do Cardoso.
dos. Vento sul encomendado e
sua essência. Milenar, apenas um
Daí a pouco estava apressando os
enviado pelas almas. Sem dúvida,
pouco mais jovem que os cordões
passos, depois correndo, inflan-
pois que era dois de novembro,
arenosos que, arrumados, grão
do e esvaziando os pulmões feito
depois do dia de todos os santos,
por grão, terminaram esticados,
fole. Naquela ocasião, o mormaço de uma primavera que virava a curva se acentuava no lado da ilha voltado ao mar de dentro, aquele braço de mar entre o Cardoso e a extremidade sul da ilha de Cananeia. As águas azuis, cristalinas, não aceitavam recusa ao convite para um mergulho. Por pouco tempo não fiz desfeita. Já estava com aquele cheiro de algas e água salgada indo e vindo pelas narinas e a sensação de desobstrução pelos canais olfativos e respiratórios, que é uma marca da leveza de um banho de mar, como um prêmio que não se ostenta, se saboreia numa ceia e cena intimista.
vem, sem vacilar, a santa data de todos os descarnados. Vento gélido quase como o celebrizado por Veríssimo, de cortar a alma? Ou, como afirmava com os dois pés (descalços) juntos o Rio Apa, eram as almas dos afogados dessas mesmas poucas terras e muitas águas – que afinal de contas não deixam de ser as ilhas – que varavam os corpos dos vivos e dos mortos?
espreguiçados na restinga e nas praias. Ali, no Cardoso e em poucos lugares ela, a Senhora Floresta, resiste, em sua afrontosa exuberância: na Jureia, na Bocaina, nas imediações de Guaraqueçaba, acompanhando a sinuosidade do lagamar.
Então, aí estava a pedra fundamental, base geológica e referência inigualável do Cardoso, destes mares do sul paulista: diante de mim, no centro da ilha, entre o
O olhar contemplava as altas montanhas e sua plumagem florestal, mas a alma queria mais. No fundo – epa, para a alma isso é meio redundante – ela sabia que nos estreitos vales, naquelas gargantas, escondiam-se cascatas de onde despencavam riachos em algazarra. No fundo, a alma sabia
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que ao escalar a mais alta delas, a montanha do Velho Cardoso, como também nos segredara o Rio Apa, de lá de cima se descortinaria certamente uma das mais deslumbrantes vistas que se poderia ter no mundo. Mas, não. Estava vencido pela necessidade de fazer meia volta, tornar pela praia, ser agora empurrado pelos ventos, não ouvir nada além da arrebentação das ondas até alcançar a ponta norte da ilha e, em seguida, já estaria próximo do local de embarque para uma hora
fonia caótica de mil instrumentos orquestrados em diferentes timbres. E, de relance, bastava virar à esquerda, onde parece se eternizar o continente, para me deliciar de novo com o rumorejo das tão discretas quanto misteriosas águas negras do Saí. Imponentes tais forças da natureza: o silêncio dos meandros do rio, pronto para se entregar ao abraço do mar e o próprio mar, tão grande que já é oceano, exagerado também em suas estrondosas gargalhadas. E no meio, solitária, a minha figura,
detenho os passos. Uma silhueta de um objeto caprichosamente curvo, bem torneado, parcialmente desponta e se insinua na areia. Recomeço a marcha. Enfim ela parece possuir segura e objetiva rota, em linha reta. Poucos segundos me separam do tal objeto, enquanto a mente trabalha – ou se diverte – em adivinhar o que vem a ser. Diante dos pés está o mistério. Ainda não se deixa reconhecer essa coisa estranha. Não resisto: puxo-o da areia. Bobagem: impingi bem mais força do
depois me encontrar no casarão bicentenário, situado em plena praça central de Cananeia.
vista assim de bem perto, humana, ainda que no vagar despretensioso. À distância, porém, uma figura informe, indefinida pela bruma marinha.
que se exigia. Incólume, o objeto não ofereceu guarda. Deixou-se levar. Era de madeira lisa, percebi enquanto o limpava da areia úmida que nele se apegou. Madeira que ainda trazia os desenhos do nó do tronco, tatuagem genética das árvores. Agora sim, reconheci: um hipopótamo.
Como disse, Isso foi há meses. Lembrança trazida pela revoada das fragatas e pelas teimosas lufadas do vento austral. Porém, desta vez estava a mais de cem quilômetros para o sul, na mesma tênue linha que une continente e oceano. Ronco de barcos e das ondas travessas, e a essa altura, atrapalhadas pelas incertezas e indefinições do contorno da costa. Assim, a mente distinguia a sin-
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Já não passavam as canoas, a luminosidade vez ou outra se divertindo, entre o brilho adamantino e os fachos de sol riscados tangencialmente, transpassando as nuvens. Quase em devaneios, aproximo-me da ponta da restinga, a boca do rio, a desembocadura ou o que quer que os geógrafos teimem em afirmar. Súbito,
Hipopótamo? Aqui? Por acaso não deveria estar na margem oposta do grande mar? Embora também não estou certo de que, por ventura, passeiem pelas areias ocidentais da Namíbia esses nobres
concorrentes a pesos pesados dentre os quadrúpedes. Fosse no Quênia, na costa de outro oceano, aí eu teria certeza. Surpreendentemente, tratase de um hipopótamo, cerca de quinze centímetros, pouco mais ou menos, cuidadosamente esculpido... e manco! Manco? Uma de suas curtas pernas faltava. Quem sabe não fora o preço pago por ter sido salvo de um naufrágio. Antes embolado nas águas, embalado pela Corrente do Brasil – e que começa do outro lado, no Golfo da Guiné, África Equatorial. Náufrago da corrente, é claro! Depois, sabe lá quanto tempo não ficara enterrado, ou melhor, semienterrado, quase afogado nas areias da Barra do Saí, seu segundo naufrágio. Como em uma das estórias de mil e uma noites, desenterrei e libertei o precioso objeto. Sob o olhar interrogativo de meu filho, entreguei o troféu. “Ei-lo!” – disse. “Mas, o que... ou quem..., pai? ”, não demorou
a despejar a estranheza. “Lembra aquela vez, você tinha uns cinco anos, mas acho que não se esqueceu, que brincávamos, nós dois, na areia de Mariscal com um bonequinho?” Faiscaram seus negros olhos: “Claro, o... Escalador, era assim que eu o chamava, ele tinha uns braços fortes, parecia alpinista. Naquele fim de tarde eu o perdi na areia da praia.” A cena lhe envolvia a memória, como se fora há poucas horas. Voltei a lhe perguntar: “Você lembra que mal amanheceu o outro dia, você nem quis tomar o seu chocolate e me arrastou para a areia. Vamos procurar o Escalador, você dizia com a maior convicção.” “Remexemos dezenas de vezes a areia no local em que estivéramos na tarde anterior. Até que... desistimos.” “É verdade, e foi aí, pai, que você me falou, para me confortar: a maré levou, em algumas semanas vai estar bem para lá do hori-
zonte, nas mãos de um garotinho, da sua idade, na costa da África! E eu confiei por muitos anos nessa história...” Fez-se um breve silêncio e ele pareceu adivinhar a minha cartada decisiva: ...!...?...! “Pois agora aquele menino que ganhou o seu boneco montanhista lhe mandou um presente de agradecimento. Um legítimo presente africano, quem sabe esculpido por ele mesmo em nobre maneira da savana. Toma, é seu!” comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br
Francisco Carlos Rehme, o Chicho, é geógrafo, professor do Colégio Medianeira. É especialista em Geografia Física: análise ambiental (UFPR), em Currículo e Prática Educativa (PUCRJ) e mestre em Geografia (UFPR).
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Há 13 anos, tendo como objetivo oportunizar uma experiência conjunta baseada na troca constante de vivências e experiências do cotidiano entre instituições de ensino, o Colégio Medianeira deu vida ao Projeto Parcerias, que conta hoje com nove escolas participantes: Estrelinha Encantada, Evolutiva, Interpares, Medianeira, Novo Educandário, Objetiva, Pedro Apóstolo, Projeção e Tiuí. O Projeto Parcerias acredita que a educação não é meramente um produto, cuja venda segue a lei implacável e avassaladora do mercado, mas que os colégios são importantes instrumentos de transformação social dentro de sua abrangência, buscando a formação de pessoas verdadeiramente humanas e de uma sociedade mais justa. Conheça mais em www.projetoparcerias.com.br e torne-se uma escola parceira.
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